Dossiê nº 1 - Dezoito anos de inconstitucionalidade dos assentos portugueses
2. Antecedente: a origem
2. ANTECEDENTE: A ORIGEM
1.
Consoante a apuração de José Alberto dos Reis com escólio na percepção de
Manuel de Almeida e Sousa1, a origem dos assentos remonta às façanhas, entendida como
"[...] o juízo ou o Assento que se tomava sobre algum feito notável e duvidoso, que, por
autoridade, de quem o fez e dos que o aprovaram, ficou servindo como de Aresto para se
imitar e seguir como lei quando outra vez acontecesse"2.
2.
O instituto leva às Ordenações e, neste domínio, à Afonsina3 concebida em
idos de14464 com duração até 1521 dada a sucessão empreendida pelas Ordenações
Manuelinas, em vias de promover a recopilação do direito vigente no sentido de findar as
constantes incertezas derivadas da prática jurídica que permitisse a compreensão das normas
válidas e, até mesmo, a aplicação pelos juízes, como pugnado desde os tempos de D. João,
como se depreende do proêmio do Livro I:
NO TEMPO EM QUE MUI ALTO, e Mui Excellente Princepy ElRey Dom Joham
da Gloriofa memoria pela graça de DEOS regnou em eftes Regnos, foi requerido
algumas vezes em Cortes pelos Fidalgos, e Povoos dos ditos Regnos, que por boõ
regimento delles mandaffe proveer as Leyx, e Hordenaçoões feitas pelos Reyx, que
ante elle forom, e achariam, que pela multipicaçon dellas fe recriaciaõ
continuadamente muitas duvidas, e contendas em tal guifa, que os Julgadores dos
feitos eroõ poftos em taõ grande trabalho, que gravemente, e com gram dificuldade
os podiaõ direitamente defembargar, e que as mandaffe reformar em tal maneira,
que ceffaffem as ditas duvidas, e contrariedades, e os Defembargadores da Justiça
1
SOUSA, Manuel de Almeida e. Segundas Linhas sobre o Processo Civil. v.1. S/cidade: s/editora, s/ano; p. 1.
REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado. v. VI. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012; p.
234.
3
O registro é importante haja vista que "As Ordenações Afonsinas assumem uma posição destacada na história
do direito português. Constituem a síntese do trajecto que desde a fundação da nacionalidade, ou, mais
aceleradamente, a partir de Afonso III, afirmou e consolidou a autonomia do sistema jurídico nacional no
conjunto peninsular. Além disso, representam o suporte da evolução subsequente do direito português. Como se
apreciará, as Ordenações ulteriores, a bem dizer, pouco mais fizeram do que, em momentos sucessivos,
actualizar a colectânea afonsina.". COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3 ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1996; p. 279.
4
Qual pese a discussão: "Terão, deste modo, as Ordenações ficado, possivelmente, concluídas no segundo
semestre de 1446 ou no primeiro de 1447". SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português Fontes de Direito. 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006; p. 309.
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2. Antecedente: a origem
pudeffem per ellas livremente fazer direito aas partes; o dito Senhor Rey movido a
ello per feu requerimento, e zelo de justiça, confirando principalmente o Serviço de
DEOS, e dés i bem de feus Regnos, per avifamento, e acordo dos do feu Confelho,
porque achou feu requerimento feer jufto, cometteo a reformaçom, e compilaçom
dellas a Johane Meendes Cavalleiro, e Corregedor em a fua Corte, e nom forõ
acabadas em feus dias por alguus empachos, que fe feguirom.5
3.
A Ordenação Afonsina foi sucedida pela Manuelina (1521/16036) já que se
tinha "solucionado a urgente necessidade de sistematização que o direito emergente requeria;
ficara, no entanto, por resolver o modo de assegurar o seu efectivo conhecimento e vigência
em todo o país."7. Para além, o proêmio consagrava o apelo à efetividade8 da justiça e à
lembrança da Casa de Suplicação:
PORQUE O MAIOR, E MAIS PRINCIPAL Officio da Juftiça de Noffos Reynos,
e Senhorios, he o Regimento da Cafa de Sopricaçam, que pola maior parte do
tempo aa Noffa Peffoa Real he fempre conjuncta, por tanto por Nós, e Noffos
Soceffores fe deue fempre pera efte Officio efcolhido [...]9
Sobre os assentos, o Livro V, Título LVIII, § 1º, dava-lhe vida e contornos
normativos sob a premissa de que a dúvida sobre a aplicação da Ordenação permitia a
provocação do Regedor que, assessorado por outros Desembargadores reunidos na mesa
grande, determinaria a forma [rectius, melhor interpretação] como deveria ser aplicada a
norma, servido de base para outros feitos futuros dado que seria registrado no "livrinho":
E assi Auemos por bem, que quando os Defembargadores que forem no defpacho
d'alguu feito, todos, ou alguu delles teuerem algua duuida em algua Noffa
Ordenaçam do entendimento della, vam com a dita duuida ao Regedor, o qual na
Mefa grande com os Defembargadores que lhe bem parecer a determinará, e
fegundo o que hi for determinado fe poerá a fentença. E fe na dita Mefa forem iffo
mefmoem duuida, que ao Regedor pareça que he bem de No-lo fazer faber, pera
Nós nifio Prouermos. E os que em outra maneira interpretarem Noffas Ordenaçoes,
ou derem fentenças em alguu feito, tendo alguu delles duuida no entendimento da
dita Ordenaçam, fem hirem ao Regedor como dito he, feram fufpenfos atee Noffa
Merce. E a determinaçam que fobre o entendimento da dita Ordenaçam fe tomar,
mandará o Regedor efcreuer no liurinho pera defpois nom viir em duuida.10
5
Ordenações Afonsinas. Livro I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1972; p. 1.
Considerando a integração da Coleção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Leão.
7
Silva, op. cit., p. 330.
8
Tanto quanto fosse possível ao modelo e aos anseios da época.
9
Ordenações Manuelinas. Livro I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/ano; p. 1.
10
Ordenações Manuelinas. Livro V. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/ano; p. 195.
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2. Antecedente: a origem
Para fins de esclarecimento, propõe-se uma tradução livre e pessoal:
E assim havemos por bem, que quando os Desembargadores que forem no
despacho d’algum feito, todos ou algum deles tiverem alguma dúvida em alguma
nossa Ordenança do entendimento dela, vão com a dita dúvida ao Regedor, o qual
na Mesa Grande com os Desembargadores que lhe bem parecer a determinará, e
segundo o que for determinado se porá a sentença. E se na dita Mesa forem isso
mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça que é bem de no-lo fazer saber, para nós
logo determinarmos, no-lo fará saber, para nós nisso provermos. E os que em outra
maneira interpretarem nossas Ordenações, ou derem sentenças em algum feito,
tendo algum deles dúvida no entendimento da dita Ordenança, sem irem ao
Regedor como dito, serão suspenso até nossa mercê. E a determinação que sobre o
entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livrinho
para depois não vir em dúvida.
[...]
...Então, vamos Pensar a Justiça...
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