ILDES
São Paulo, 21/10/01
Tribunais do Trabalho na República Federal da
Alemanha
Prof. Dr. Wolfgang Däubler, Universidade de Bremen
Introdução
A Alemanha é, ao lado do Brasil, um dos poucos países que têm uma justiça
do trabalho independente. Esta é normalmente aceita pela sociedade de nosso
país, mas isso não impede o surgimento de propostas de mudança. As
instituições precursoras dessa justiça foram criadas há mais de cem anos, mas
as estruturas básicas atuais foram definidas pela primeira vez em forma de lei
no ano de 1926.
Como explicar a sua história de sucesso? Essa pergunta é especialmente atual
diante da constatação de que, à primeira vista, os tribunais do trabalho
apresentam a mesma composição tanto na Alemanha quanto no Brasil: uma
“câmara” (sala) é formada por um magistrado, um representante dos
empregados e um representante dos empregadores.
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Na primeira parte apresentarei a estrutura dos tribunais do trabalho na
Alemanha e a posição jurídica do juiz . Talvez seja interessante mencionar
também o modo pelo qual os juizes são escolhidos.
A segunda parte refere-se à realização do processo judicial. Como são
instalados os tribunais, como se faz a defesa de ambas as partes, quais os
possíveis custos? Tendo em vista a discussão atual no Brasil, é especialmente
importante saber até que ponto podem ser envolvidas também outras
instâncias, além das judiciais, em caso de conflito. Os tribunais do trabalho têm
o monopólio de sua área, ou existem eventuais alternativas?
Na terceira parte tratarei da função dos tribunais do trabalho. Já posso adiantar
que a sua competência se limita exclusivamente à aplicação do direito vigente
a casos concretos. Esses tribunais não têm poder normativo, de modo que não
podem interferir em contratos ou regras estabelecidos. Mesmo assim cabe-lhes
uma função dinâmica: em muitos casos, o legislador optou por uma formulação
genérica, a partir da qual os tribunais deduzem regras concretas.
Assim é admissível que o empregador demita um empregado p. ex. por
“razão adstrita à pessoa do empregado”. Mas o texto da lei não explicita
p. ex. se o fato de o empregado morar com a irmã de um terrorista
procurado pela polícia é razão suficiente para a demissão; cabe somente
aos tribunais decidir essa questão. Num caso concreto, o tribunal federal
do trabalho, contrariando instância inferior, acabou não aceitando essa
circunstância como motivo justo.
A estrutura da justiça do trabalho
Segundo o artigo 95, inciso 1 da constituição federal existem cinco diferentes
órgãos do poder judiciário:
-
Tribunais ordinários que julgam genericamente causas civis e penais.
-
Tribunais administrativos que julgam os conflitos entre o cidadão e o estado.
A quem for negado por exemplo o alvará de construção, poderá mandar
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examinar a legitimidade desse ato administrativo perante o tribunal
administrativo.
-
Tribunais financeiros. A eles compete julgar conflitos acerca de impostos e
taxas; até certo ponto trata-se de tribunais administrativos “especiais”, mas
em sua organização eles são totalmente independentes.
-
Tribunais sociais que julgam sobretudo os conflitos entre o cidadão e os
agentes da seguridade social bem como os direitos do indivíduo de receber
benefícios sociais do estado. Trata-se outra vez de uma espécie de justiça
administrativa “especial”, mas que se tornou autônoma à maneira dos
tribunais financeiros.
-
Tribunais do trabalho que (com a exceção de poucos casos) julgam todos
os conflitos entre o empregador e o empregado bem como entre os
sindicatos operários e patronais. Em sua substância, trata-se de “tribunais
civis especiais”, mas que também dispõem de autonomia organizacional.
Sem mudar a constituição não seria possível, portanto, integrar por exemplo os
tribunais sociais na estrutura geral dos tribunais administrativos, ou transformar
os tribunais do trabalho em parte integrante da justiça ordinária.
À semelhança da maioria dos outros órgãos judiciários, a justiça do trabalho se
compõe de três instâncias. Nos municípios existem “tribunais do trabalho”. No
nível regional há “tribunais estaduais do trabalho”, de modo que cada estado da
federação possui pelo menos um tribunal estadual do trabalho, os estados
maiores – como a Baviera e a Renânia-do-Norte-Vestfália - têm até dois
tribunais estaduais do trabalho. Acima destes se encontra como terceira
instância o “tribunal federal do trabalho” que, até o presente teve a sua sede
em Kassel, mas que, em futuro próximo, deverá mudar-se para Erfurt.
Cada tribunal do trabalho e cada tribunal estadual do trabalho é composto de
um certo número de “câmaras” que julgam os diversos litígios. Mesmo
assuntos importantes obedecem a esse procedimento; não estão previstas
decisões plenárias. O tribunal federal do trabalho é formado atualmente por dez
“senados”. Mas em questões de princípio pode ser convocado o “grande
senado” que conta com um representante de cada “senado” (e com os juizes
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vogais do lado do empregador e do lado do empregado). Além disso temos no
tribunal federal do trabalho uma outra peculiaridade: cada um de seus
“senados” é formado pior três juizes togados e um representante dos
empregadores e um dos empregados.
Como se tornar juiz togado?
Quem quiser ser magistrado num tribunal do trabalho precisa ter formação
jurídica completa, o que significa ter cursado uma faculdade de direito durante
quatro anos (seguido do primeiro exame de habilitação) e ter colhido
experiência profissional em diversas áreas jurídicas durante dois anos (seguido
do segundo exame de habilitação).
As vagas disponíveis costumam ser preenchidas por concursos procurados
sobretudo por juristas jovens. Um dos critérios decisivos de seleção é a nota
final do exame de habilitação. A decisão final sobre a escolha fica reservada ao
secretário do trabalho do respectivo Estado que por sua vez precisa da
anuência do secretário da justiça. Além disso é necessária a consulta a uma
comissão composta paritariamente de representantes dos sindicatos operários
e patronais e dos juizes em exercício. O voto dessa comissão tem peso
considerável na nomeação.
Os Estados da federação têm o direito de alterar as normas federais em pontos
essenciais. Assim podem criar, por exemplo, por lei, uma “comissão de seleção
de juizes” que, baseando-se na proposta do secretário do trabalho e ouvida a
comissão paritária supracitada, escolhe a pessoa para a vaga prevista. Na
maioria dos Estados recorre-se a esse expediente.
A nomeação oficial cabe ao governador do Estado. Quem não tiver exercido
funções de juiz anteriormente, precisa passar por um período de experiência de
até três anos. Em seguida é constituído, quase que automaticamente, juiz
vitalício, de modo que já não poderá ser destituído de suas funções, a não ser
em caso de falta grave no cumprimento de seu dever. A aposentadoria
compulsória acontece só aos 65 anos de idade.
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Entre os candidatos a cargos na justiça do trabalho é relativamente grande o
número de pessoas com certo engajamento social e/ou com experiência
própria no mundo do trabalho. De vez em quando ressalta-se também que é
relativamente pequeno o seu prestígio dentro da “hierarquia” das profissões
jurídicas, de modo que os candidatos mais interessados em fazer carreira
optam normalmente por uma atividade em outra área, enquanto as vagas de
juiz do trabalho são procuradas mais por pessoas voltadas a uma atividade de
caráter social.
Uma vez nomeado juiz num tribunal de trabalho, poderá ser promovido a juiz
no tribunal estadual e no tribunal federal do trabalho, mas fica praticamente
descartada a possibilidade de transferência para os tribunais ordinários (ou
administrativos). Por outro lado exclui-se também a possibilidade de
transferência de juizes da justiça comum para os tribunais de trabalho.
Como se tornar vogal?
Os juizes extraordinários nos tribunais do trabalho são nomeados pelo
secretário do trabalho do Estado por um período de quatro anos. Mas para
tanto o secretário não pode seguir os seus próprios critérios: ele depende de
listas de candidatos apresentadas pelos sindicatos operários e patronais (cada
lado elabora a sua própria lista). Quando existem várias organizações de um
ou outro lado, é necessário tomar em consideração o número de seus
afilhados. Normalmente, o número pessoas propostas corresponde ao número
de vagas a serem preenchidas. O lado empregador propõe em geral executivos
da área de recursos humanos das empresas; do lado dos empregados
encontramos membros experientes dos conselhos de representação e
funcionários sindicais.
Os membros dos conselhos de representação são eleitos pelos empregados de
uma empresa, onde o direito de voto depende apenas do vínculo empregatício,
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não da filiação a um sindicato. De acordo com a lei, as eleições para o conselho
de representação são realizadas em todas as empresas com cinco ou mais
funcionários, mas de fato os conselhos existem praticamente só em empresas
médias e grandes. Os conselhos têm direitos de co-gestão sobretudo em
determinadas áreas administrativas. Seus membros podem exercer as suas
funções durante o horário de trabalho; em empresas com mais de 300
empregados, pelo menos um membro do conselho é dispensado do das
atividades normais.
Posição jurídica do vogal
Cada vogal participa de duas a três sessões por ano. Assim temos em cada
“câmara” de 20 a 30 vogais do lado dos empregados e de 20 a 30 vogais do
lado dos empregadores.
De acordo com a lei de indenização dos vogais, de 24.06.1994 (BGBl I, p.
1325), o vogal faz jus a uma indenização (praticamente simbólica) no valor de
DM 8,00 por hora. Quando a função acarreta prejuízos financeiros, o valor a
ser pago por hora pode ser aumentado até DM 60,00. É contado apenas o
tempo passado efetivamente nas sessões e o tempo de viagem necessário.
Caso o vogal queira inteirar-se dos autos antes da sessão ou estudar o
processo, o tempo gasto nessas atividades não é indenizado por parte do
Estado. A possibilidade de exigir do empregador o pagamento de salário pelo
tempo gasto continua matéria contestada em diversos tribunais estaduais; por
enquanto não existe pronunciamento do tribunal federal do trabalho a respeito
dessa questão.
A compensação financeira relativamente modesta é sofrível quando se
considera o número reduzido de solicitações por ano. Nesse ponto existe uma
diferença substancial em comparação com a situação no Brasil.
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Os juizes no tribunal estadual do trabalho
Os princípios brevemente expostos de nomeação dos juizes togados e dos
vogais aplicam-se igualmente aos tribunais estaduais do trabalho, com a única
diferença de que, via de regra, são chamados a ocupar cargos nos tribunais
estaduais somente juizes que antes tenham exercido suas funções e
comprovado a sua competência durante anos no tribunal do trabalho.
Os juizes no tribunal federal do trabalho
A escolha dos juizes federais acontece na comissão de eleição dos juizes que
se compõe dos secretários do trabalho dos 16 Estados da federação e de 16
membros escolhidos pela câmara federal segundo as regras de
proporcionalidade. Por lei exige-se formação jurídica completa e idade mínima
de 35 anos. Na prática são escolhidas somente pessoas que tenham exercido
as atividades de juiz durante longos anos na justiça do trabalho. Antes da
escolha devem ser ouvidos também o ministro da justiça e o conselho diretor
do tribunal federal do trabalho, mas sem que esses tenham direito de veto. A
nomeação formal cabe ao presidente federal.
Os vogais do tribunal federal do trabalho são indicados pelos sindicatos
operários e patronais e nomeados pelo ministro do trabalho para um período de
quatro anos. Também eles devem ter idade mínima de 35 anos e possuir
conhecimentos e experiências especiais na área do direito do trabalho e do
mundo do trabalho; devem ter exercido antes a função de vogal durante pelo
menos quatro anos em tribunal do trabalho.
A organização judicial
Precisam existir regras abstratas para determinar a competência de cada
“câmara” em relação aos diversos litígios, para que seja cumprida a norma do
artigo 101, inciso 1, alínea 2 da constituição federal que garante o direito a um
juiz previsto em lei. O “plano de distribuição operacional” votado a cada ano
pelo próprio tribunal serve base jurídica para os procedimentos. Em parte opta7
se pela ordem alfabética dos nomes dos demandantes. Outra alternativa é
seguir a ordem alfabética dos réus; mas essa sistemática tem o inconveniente
de se colocar os processos de certas empresas de grande porte sempre nas
mãos do mesmo juiz. Outra prática bastante difundida consiste em fazer a
distribuição conforme a data de entrada das ações no tribunal.
Exemplo: O tribunal do trabalho X dispõe de 10 “câmaras”. No dia 2 de
janeiro deram entrada doze ações. A primeira é confiada à primeira
“câmara”, a segunda à segunda, a terceira à terceira, etc. A décima
primeira ação volta a ser da primeira câmara, a décima segunda à
segunda. Se no dia 3 de janeiro derem entrada mais cinco ações, enviase a primeira à terceira câmara, a segunda à quarta e assim por diante.
A implementação organizacional é realizada por funcionários administrativos,
aos quais cabe também consignar em ata as audiências. Além disso existe um
serviço de escreventes.
Quais os litígios que competem aos tribunais do trabalho?
A estrutura da justiça do trabalho conforme exposta anteriormente bem como
as suas competências e peculiaridades de processo estão fixadas na lei dos
tribunais do trabalho. Quanto à competência material, segue-se o assim
chamado princípio de enumeração, isto é, os tribunais do trabalho só têm
competência de julgar as matérias citadas nos §§ 2, 2a e 3 da lei. Essa
competência não se restringe apenas a conflitos entre empregados e
empregadores individuais, como é o caso p. ex. na França. Os tribunais do
trabalho têm competência também quando um sindicato operário ou patronal
se vê prejudicado em seus direitos, ou quando surgem conflitos entre o
empregador e o conselho de representação dos empregados. As exceções são
de pouca importância prática.
Exemplos: Quando se discute a desfiliação sindical de um empregado,
cabe ao tribunal ordinário julgar a questão.
Caso a demissão de uma pessoa deficiente necessite da autorização de
um órgão público, a decisão só poderá ser contestada pelo empregador
ou pelo empregado diante do tribunal administrativo.
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No fundo seria muito mais racional criar uma cláusula genérica que remetesse
aos tribunais do trabalho todos os litígios ligados ao emprego. Mas, na prática,
trata-se de uma questão pouco relevante.
A competência dos tribunais do trabalho é de natureza obrigatória. Não cabe,
por exemplo, às partes resolver que seu conflito deva ser de competência dos
tribunais ordinários ou sociais.
Tramitação nas diversas instâncias
Todos os conflitos concernentes à justiça do trabalho precisam ser submetidos
aos tribunais do trabalho de primeira instância. Essa regra se aplica também a
litígios em que estejam em jogo questões de princípio ou valores econômicos
elevados.
Uma vez pronunciada a sentença em tribunal do trabalho, existe a
possibilidade de interpor recurso, contanto que a diferença entre o valor
solicitado no requerimento da respectiva parte e o da sentença ultrapasse DM
800,00.
Exemplo: O empregado A exige do empregador B um pagamento no
montante de DM 3.000,00. O empregador pleiteia a rejeição da queixa. O
tribunal do trabalho manda pagar ao empregado DM 1.200,00. Nesse
caso, o empregado pode solicitar revisão da sentença porque a sentença
ficou mais de DM 800,00 aquém do valor pleiteado (DM 3.000,00) por ele.
Mas o empregador também pode recorrer da sentença, já que pleiteava a
rejeição da queixa, isto é, um pagamento “zero”, e a sentença exigiria dele
o pagamento de DM 1.200,00.
Ao lado disso existe a possibilidade de o tribunal aceitar o recurso por se tratar
de questões relevantes de princípio.
Repete-se, então, todo o processo diante do tribunal estadual do trabalho. Será
necessário, portanto, interrogar novamente as testemunhas e os peritos, se for
o caso. Se uma parte, no entanto, vier agora com alegações totalmente novas,
correrá o risco de rejeição de seu arrazoado por atraso, a não ser que possa
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aduzir um motivo plausível pela não apresentação de seus argumentos perante
a instância inferior.
No prazo de um mês é possível entrar com recurso junto ao tribunal federal do
trabalho contra sentença de um tribunal estadual do trabalho, contanto que o
tribunal estadual autorize expressamente o recurso. O tribunal é obrigado a
autorizar o recurso quando a matéria julgada tem relevância de princípio ou
quando divergiu de decisão tomada pelo tribunal federal do trabalho. Caso o
tribunal estadual não leve em conta esses argumentos, assiste à parte
prejudicada pela sentença o direito de interpor reclamação de não admissão;
esse tipo de recurso tem êxito em apenas 5% dos casos. A possibilidade de
recorrer sempre que o valor do contencioso ultrapassa DM 6.000,00 acabou
sendo eliminada em 1979 no intuito de aliviar o tribunal federal do trabalho de
causas (aparentemente) menos importantes.
O tribunal federal é obrigado a respeitar as constatações dos tribunais
estaduais. Cabe a ele tão somente examinar sentença impugnada em vista de
uma eventual violação de direito. Uma vez comprovada a violação, cabe-lhe
decidir o mérito, mesmo que os fatos em que se baseou a sentença anterior
tenham sido corretamente investigados.
Essa é a diferença em relação à assim chamada cassação que existe em
outras ordens jurídicas onde se procede pura e simplesmente à
revogação de uma sentença, sem que isso provoque julgamento próprio
da matéria.
Intervenção do tribunal constitucional federal
Por meio de reclamação de inconstitucionalidade pode ser invocado o tribunal
constitucional federal em Karlsruhe contra sentenças do tribunal federal do
trabalho. Para tanto exige-se que a parte que se considera prejudicada alegue
a violação de direitos fundamentais. O tribunal constitucional pode ser acionado
também quando uma “câmara” ou um “senado” considera inconstitucional uma
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norma legal vigente, resolvendo por isso submeter a questão ao tribunal
constitucional federal.
Em conseqüência de reclamações de inconstitucionalidade, o tribunal
constitucional federal formalizou diversas decisões atinentes ao direito do
trabalho. Grande parte do direito do trabalho coletivo foi criado ou aperfeiçoado
desta maneira, já que o legislador deixara de regulamentar, por exemplo, as
atividades dos sindicatos nas empresas ou a admissibilidade de greves e
lockouts. Desta maneira, o tribunal constitucional vai se transformando na
instância máxima de regulação.
O tribunal constitucional federal é composto por dois “senados” de oito juizes. A
competência de cada “senado” é regulamentada na lei sobre o tribunal
constitucional federal. Os juizes constitucionais são escolhidos metade pelo órgão
de representação dos Estados, metade por uma comissão da câmara federal. Nos
dois casos exige-se uma maioria de dois terços. A prática levou a um arranjo tácito
entre os dois grandes partidos que permite a ambos os lados nomear, em
princípio, quatro juizes, contanto que estes sejam mais ou menos aceitáveis para
o outro lado.
Envolvimento da corte européia
Quando se trata, em casos concretos, da aplicação de direito da União
Européia e quando a sua interpretação não é perfeitamente evidente, os
tribunais do trabalho de primeira e Segunda instância podem solicitar à corte
européia uma interpretação autêntica. O tribunal federal do trabalho é até
obrigado a procurar a corte européia para que se evitem diferenças de
interpretação e aplicação nos diversos países membros. Caso o tribunal federal
do trabalho ferisse claramente esse preceito, ocorreria uma violação do direita
a um juiz legal, conforme ficou definido pelo tribunal constitucional federal.
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Os procedimentos diante do tribunal do trabalho
Realização anterior de um processo de acordo extra-judicial?
Cada empregado que quiser reclamar seus direitos contra o empregador pode
dirigir-se diretamente ao tribunal do trabalho. O mesmo princípio vale para o
empregador quando este tem direitos a reclamar que não podem ser
compensados pela remuneração devida, de modo que precisam ser decididos
judicialmente – uma situação aliás relativamente rara. Em 95% de todos os
processos, a queixa parte do empregado.
Não existe “processo de conciliação prévia”. Portanto, não se exige qualquer
tentativa de “solução extra-judicial prévia” ou de “mediação”.
No entanto, é necessário levar em conta que se deve tratar sempre de
conflitos de natureza jurídica, isto é, da aplicação do direito vigente ao
caso concreto. Não é de competência dos tribunais do trabalho
intrometer-se nas negociações sobre a definição de novas “regras do
jogo”, como por exemplo sobre o aumento coletivo de salários. Para
esses conflitos existem outras instâncias das quais deveremos falar ainda.
Existe apenas um caso específico em que se realiza um processo extra-judicial
prévio. No contexto dos contratos de treinamento profissional (p. ex. nas
profissões artesanais) podem ser formadas comissões nas câmaras setoriais
responsáveis visando chegar a um entendimento entre as partes envolvidas.
Mas essa possibilidade não existe para os vínculos empregatícios normais. A
lei dos tribunais do trabalho também proíbe que o empregador e o empregado
estabeleçam uma cláusula de arbitragem que coloque no lugar dos tribunais do
trabalho um outro árbitro para dirimir conflitos. Essa regra geral admite, no
entanto, exceções para duas categorias: os atores e os marinheiros; mas
mesmo no caso destes só é possível instituir um tribunal de arbitragem por
meio do contrato coletivo de trabalho (e não por meio de contrato individual).
Procura-se evitar, dessa maneira, que a competência dos tribunais de trabalho
seja esvaziado e que a aplicação do direito do trabalho se desenvolva de modo
desigual em algumas áreas. Mesmo na área dos atores e dos marinheiros, os
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tribunais de arbitragem estão subordinados totalmente ao controle jurídico dos
tribunais do trabalho; ao contrário da justiça de arbitragem comercial, qualquer
descumprimento de normas jurídicas é passível de correção pelos tribunais do
estado.
Nesse particular, o direito da ex-RDA seguia outros princípios. Quando um
empregado se sentia injustiçado não podia dirigir-se diretamente ao tribunal,
antes disso precisava dirigir-se à comissão interna de conflitos que existia nas
empresas. Essas comissões eram formadas exclusivamente por pessoas
indicadas pelos sindicatos e eleitas pelos empregados. Segundo os dados de
que ainda dispomos, mais ou menos 90% de todos os conflitos foram decididos
nessas comissões, e apenas 10% chegaram às “câmaras” de assuntos
trabalhistas que faziam parte da justiça ordinária.
Depois da mudança do regime, manteve-se por algum tempo essas comissões,
mas com outra composição. Agora elas eram formadas por um número igual de
representantes do empregador e do conselho de representação dos
empregados, além de um presidente neutro nomeado eventualmente pelo
tribunal. Essa instituição passou a ser chamada de “órgão arbitral”. Mas o
legislador o aboliu em 31.12.1992, já que as comissões não eram realmente
aceitas nem pelo lado empregador nem pelos sindicatos, além de terem sido
objeto de um certo desprezo por causa de sua origem ligada à ex-RDA. Para
os empregadores representavam um certo peso, pois seus integrantes se
reuniam durante o horário de trabalho e o presidente tinha direito ao
pagamento de um pró-labore. Para os sindicatos havia o problema dos
representantes nomeados pelo conselho de representação que não deixavam
de ser empregados da empresa e que, por isso mesmo, não podiam ser
considerados suficientemente independentes diante do empregador.
A ausência de uma instância de arbitragem extra-judicial é compensada em
parte pelo conselho de representação dos empregados que pode intervir nos
conflitos entre empregador e empregado. Em parte, essa intervenção é prevista
em lei, já que o conselho precisa ser ouvido, por exemplo, antes de demissão.
Em parte acontece também porque o empregado se dirige aos conselho de
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representação pedindo que esse entabule entendimentos com o empregador.
Em ambos os casos, a atuação do conselho funciona na prática como uma
espécie de “filtro” que acaba suprimindo especialmente violações graves contra
as normas jurídicas.
Dificuldades de acesso aos tribunais
Na sociologia do direito aprende-se que apenas uma fração de todos os
conflitos jurídicos chega aos tribunais. É difícil esclarecer completamente as
causas desse fato, uma vez que é impossível estudar empiricamente todos os
conflitos que poderiam ser levadas às barras dos tribunais. Mas a assim
chamada pesquisa de acessibilidade conseguiu estabelecer uma série de
dificuldades típicas que em grande parte se manifestam também na justiça do
trabalho. Merecem destaque os seguintes aspetos:
-
O empregado nem se dá conta de que se trata de um problema jurídico.
Exemplo: Para o aprendiz de uma microempresa artesanal é a coisa mais
natural do mundo que ele tenha de varrer o pátio ou que o mandem
comprar cerveja para os outros. Ou: um representante sindical acha que é
uma “gentileza” do empregador permitir que ele distribua material de
propaganda do sindicato.
É provável que o motivo esteja na falta de informação sobre o direito vigente
que, com a sua complexidade, não se torna imediatamente acessível ao
indivíduo.
-
Por outro lado pode ocorrer também que o empregado afetado saiba
perfeitamente que o tratamento dispensado a ele fere os seus direitos, faltalhe porém o conhecimento das providências concretas que deveria tomar.
Se for um não sindicalizado, talvez não conheça ninguém que possa
orientá-lo. A leitura do texto legal com seus termos jurídicos seria pouco
esclarecedora.
-
O empregado percebe que existe um problema jurídico, mas acha que não
adiante reclamar os seu direitos judicialmente.
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Exemplo: Um projetista de filme de um cinema quer tirar as suas férias às
quais a lei lhe dá direito como a qualquer outro trabalhador. Mas o
empregador afirma que assinou com ele um “contrato de prestação de
serviços”, o que faria dele um autônomo a quem não se aplicaria a lei
federal de férias. O empregado acaba aceitando a argumentação por não
saber que a condição de empregado não depende do nome que se dê ao
contrato de trabalho mas que é regida por critérios objetivos, sobretudo
pelo fato de depender das ordens de outrem na execução de seu
trabalho.
-
É provável que a barreira mais importante se baseie no raciocínio de que
uma queixa contra o empregador é vista geralmente como um ato desleal
que põe em risco as chances de promoção dentro da empresa ou até
mesmo o próprio emprego. As estatísticas confirmam essa suposição: nos
anos 60, por exemplo, 80% das queixas eram feitas só depois da rescisão
do vínculo empregatício, e um levantamento feito em Berlim em 1976
mostrou de 2.000 demandantes de ações por reclamações salariais apenas
um continuava empregado na empresa acusada. O número relativamente
pequeno de exceções costuma estar ligado ao serviço público onde o chefe
ou eventualmente também o encarregado de recursos humanos até podem
se revelar favoráveis à demanda, já que promete pôr fim a uma pendência
cansativa podendo servir até de legitimação perante o tribunal de contas
que, após a condenação judicial do empregador, já não tem como contestar
o pagamento de um salário mais alto. Outras exceções podem existir em
empresas de grande porte, quando se trata de empregados que gozam de
proteção especial contra demissão, como por exemplo os membros do
conselho de representação dos empregados. Mas, em geral, a impotência
social do indivíduo impede o “cumprimento do direito”. Qualquer mudança
dessa situação dependeria de uma iniciativa conjunta dos empregados ou
de uma intervenção dos sindicatos, mas, em princípio, o código processual
com sua orientação individualista não prevê tal procedimento.
-
Mesmo que no caso concreto não exista nenhum desses empecilhos – o
empregado conhece o problema jurídico, sabe que pode dar queixa e
deixou de pertencer ao quadro da empresa – ainda falta muito para que
esteja garantido o acesso ao tribunal do trabalho. O indivíduo precisa
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conhecer as instituições em que pode buscar orientação jurídica. Estas
precisam ser acessíveis sem maiores dificuldades, e a pessoa deve ter
condições de apresentar a sua versão dos fatos para que o orientador
entenda realmente de que se trata. É natural que surjam problemas de
comunicação e, por sinal, não só da parte de operários estrangeiros.
A discussão em torno de uma “elucidação extra-judicial” deveria levar em
conta também esses problemas de natureza prática; não se trata apenas de
desobstruir os tribunais. Poderia ser criado, por exemplo, um procedimento
amplo de reclamações internas que levasse a entendimentos entre o
conselho de representação e o empregador em que o indivíduo
praticamente não tenha de expor-se; um procedimento dessa natureza
tanto ajudaria a desobstruir os tribunais do trabalho quanto poderia
conseguir impor o direito daqueles que no sistema atual careciam de uma
verdadeira chance para isso.
As duas etapas do processo judicial
Uma vez feita a queixa pelo empregado, esta é comunicada ao empregador
pelo tribunal do trabalho. No mesmo ato convidam-se ambas as partes a
comparecerem perante o tribunal em data determinada para uma tentativa de
conciliação; normalmente dentro do prazo de seis semanas após a ação ter
dado entrada na justiça.
A audiência de conciliação se realiza na presença do juiz togado; os vogais não
participam. Essa audiência visa proporcionar uma oportunidade de dirimir o
litígio por meio de um acordo. Em mais de 30% dos casos, os litigantes
realmente chegam a um compromisso. São essencialmente dois os fatores
determinantes para o desfecho:
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Em primeiro lugar precisa ser vantajoso para ambos terminar o processo
com relativa rapidez. Quando o queixoso reclama, por exemplo, de salários
atrasados pode ser sensato satisfazer-se com o pagamento efetivo de
metade do valor reclamado em vez de correr o risco de acabar recebendo
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absolutamente nada. Por outro lado, o empregador também pode estar
interessado em chegar lodo a um acordo, para não ter de pagar
eventualmente o valor total acrescido de juros. Existe ainda a vantagem de
não se cobrarem taxas judiciárias quando a ação termina em acordo. Há
ainda um incentivo adicional que concede aos representantes judiciais o
direito a uma “taxa de concordância” além da remuneração legal normal.
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Um segundo fator importante é o comportamento do juiz que é obrigado por
lei a insistir com as partes litigantes para que cheguem a uma regularização
por meio de acordo. Tal desfecho é interessante também para o juiz, já que
evita os desdobramentos de todo um processo e o dispensa sobretudo da
lavragem da sentença. Um juiz hábil sabe exercer uma “pressãozinha”
sobre os envolvidos apresentando a ambas as partes os riscos que a
continuação do processo pode trazer-lhes. Muitas vezes estão envolvidos
também representantes judiciais que atuam com certa regularidade perante
o mesmo tribunal; a estes interessa manter um bom relacionamento com o
juiz: opondo-se a uma proposta de acordo sem uma justificativa bem
fundamentada poderiam sofrer represálias em casos futuros.
Quando a audiência de conciliação não termina em acordo, realiza-se dentro
de quatro a dez meses uma audiência chamada de litigiosa da qual participa
toda a “câmara”, isto é, o juiz togado e ambos os vogais. Ambas as partes
apresentam seus requerimentos; em muitos casos, o tribunal solicita antes uma
complementação da exposição. A lei parte do princípio de que o litígio judicial
pode ser julgado depois dessa audiência oral. Se for necessário, também serão
ouvidas testemunhas e lidos documentos concernentes.
Mesmo na audiência litigiosa, o juiz tem a obrigação legal de insistir na
celebração de um acordo. Algumas vezes chega-se a um acordo no período
entre a audiência de conciliação e a audiência litigiosa. No caso concreto pode
ser, por exemplo, que o empregado retire a queixa por falta de perspectivas de
um desfecho positivo ou que o empregador pague o valor total para não ter que
arcar com despesas ainda maiores.
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De fato chega-se ao pronunciamento de uma sentença judicial apenas em 10%
dos casos. 90% são resolvidos de outra maneira, especialmente por acordos.
Dessa maneira reduz-se a quantidade de ações que retornam ao juiz a um
número suportável: dos cerca de 600 causas que cada juiz togado precisa
julgar por ano, restam apenas uma média de 60 que requerem a redação de
sentença. Convém ressaltar, no entanto, que as sentenças, ao contrário do que
se pratica na França por exemplo, costumam ter um estilo discursivo que exige
a análise de todos os argumentos apresentados. Assim a descrição dos fatos e
a sua apreciação jurídica chega facilmente a encher de 15 a 20 páginas. Por
razões práticas fica quase impossível recorrer na redação das sentenças a
módulos intercambiáveis.
Aspetos peculiares do processo de proteção contra demissão
Quase a metade de todos os processos trabalhistas se refere a queixas contra
demissões, nas quais o empregado alega violação de direitos vigentes
requerendo conseqüentemente a anulação da demissão.
Segundo o direito alemão, a demissão só é válida quando fundamentada de causa
suficiente. Em microempresas com até cinco empregados são relativamente
poucos os requisitos necessários para justificar a demissão. Em empresas com
mais de cinco empregados entra em ação a lei de proteção contra demissões que
admite a possibilidade de demissão só quando justificada pelo comportamento ou
pela pessoa do empregado ou por razões prementes de natureza econômica. O
empregado pode exigir manutenção do vínculo empregatício. Por isso costuma
solicitar ao tribunal que se constate a ineficácia do ato de demissão para que
possa continuar trabalhando na empresa.
Os processos de proteção contra demissão são especialmente propícios a
acordos. As causas de demissão definidas em lei são tão genéricas que
costuma ser muito difícil prever o desfecho da ação, o que é desvantajoso para
ambas as partes. Se o empregado insistir em levar sua ação até o fim poderá
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ser que esta seja recusada, de modo que não terá direito nem mesmo a uma
indenização. Ao contrário das leis italianas, austríacas e francesas, a lei alemã
não reconhece o direito obrigatório à indenização em caso de demissão
fatualmente justificada. Se o empregado ganhar a causa, encontrará
freqüentemente dificuldades para voltar a trabalhar na empresa. Sobretudo em
empresas menores estará sujeito a perseguições por parte do empregador ou
de seus superiores tendo que temer inclusive uma nova demissão. Em vista
dessas possíveis alternativas é melhor celebrar um acordo em que o
empregado se conforma com a demissão em troca de uma indenização.
Do ponto de vista do empregador, a continuação do processo também pode
trazer riscos consideráveis. É verdade que não terá nenhum prejuízo se a
queixa por recusada, mas caso o empregado ganhe a causa terá de arcar com
sanções pesadas: como o vinculo empregatício é considerado em vigor durante
todo o processo e como o empregado queixoso estava disposto a continuar
trabalhando, cabe ao empregador o pagamento dos salários desse período.
Nos casos em que o processo se estende por duas instâncias é possível que o
empregador tenha de pagar os salários de dois anos sem receber nenhum
serviço em contrapartida, Também não interessa ao empregador enfrentar os
problemas que a volta do empregado à empresa deverá causar no ambiente de
trabalho.
Em vista dessa situação continuam acontecendo acordos de indenização,
apesar da alta taxa de desemprego. Em média paga-se como indenização
meio salário mensal por ano de tempo de serviço.
A sentença e sua execução
A sentença que transitou em julgado pode acarretar execução judicial.
Normalmente, o empregador paga voluntariamente, a não ser que se encontre
em sérias dificuldades financeiras. Nesse caso, a própria execução judicial será
de pouca valia, mesmo quando executada dentro de poucas semanas depois
de pronunciada a sentença.
19
As sentenças dos tribunais do trabalho de primeira instância são exeqüíveis a
título provisório. Por isso, se o empregado ganhar poderá pedir execução como
se se tratasse de uma sentença transitada em julgado. Ao contrário do que
ocorre no processo civil ordinário, não existe caução.
Quando a queixa do empregado é recusada na instância de apelação ou
revisão, existem duas alternativas:
Em caso de ação que envolve pagamentos (p. ex. atrasados por horas-extras),
o empregado é obrigado a devolver o valor recebido. Em muitos casos existe
hoje em dia essa possibilidade, ao contrário do que teria sido economicamente
viável há 50 ou 100 anos.
Caso o empregado tenha conseguido a sua reintegração ao quadro de
empregados da empresa, existe trabalho realmente prestado. Por isso, via de
regra, pode ficar com o salário recebido.
Custas do processo
Os tribunais do trabalho cobram taxas judiciárias relativamente módicas. Seu
montante depende do valor do litígio, isto é, do valor cobrado pela ação judicial.
No processo de proteção contra demissão são estipulados três salários
mensais.
Se o valor do litígio for de DM 10.000,00, será cobrada uma taxa de DM
235,00. Conforme já foi dito, dispensa-se o pagamento da taxa em caso
de acordo entre as partes.
As taxas judiciárias deverão ser pagas pela parte que, no resultado final, perder
o processo.
Em relação aos procuradores processuais é necessário distinguir o seguinte:
20
Perante os tribunais de primeira instância, nem o empregado nem o
empregador precisam servir-se da assistência de um procurador processual. O
processo trabalhista pode ser realizado também por pessoa particular.
O empregado pode ir até o tribunal do trabalho para explicar oralmente o
seu caso. Um funcionário administrativo do tribunal redige para ele a
demanda (geralmente curta).
Os empregados filiados a um sindicato tem direito a um representante
processual que o sindicato deve pôr à sua disposição gratuitamente. Para esse
fim, os sindicatos dispõem de um grupo de funcionários especializados. O
mesmo se aplica aos sindicatos patronais que representam as empresas
filiadas perante os tribunais do trabalho.
Quando o empregado não é sindicalizado pode fazer-se representar por um
advogado; mas nesse caso deve pagar os honorários deste de seu próprio
bolso, mesmo que ganhe a ação. O mesmo vale para o empresário que não
pertence ao sindicato patronal. Muitos empregados e empregadores têm
seguro de proteção jurídica que, em tais casos, arca com o pagamento dos
honorários advocatícios.
Advogados são muito mais caros do que tribunais. Para um valor de litígio
de DM 10.000,00 cobra-se uma taxa advocatícia de DM 595,00; num
processo em primeira instância são cobradas pelo menos duas taxas, em
caso de interrogatório de testemunhas são três taxas e na celebração de
um acordo mais uma taxa.
Mais ou menos a metade dos empregados realiza o processo trabalhista
dispensando qualquer representante processual.
Na segunda instância, cada parte precisa de um advogado ou de um
representante do sindicato operário ou patronal. Diante do tribunal federal do
trabalho existe a obrigação de recorrer aos serviços de um advogado, isto é, só
advogados podem representar as partes. Ao contrário do que ocorre na
primeira instância, a parte que perde o processo perante o tribunal federal deve
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arcar com os honorários de ambos os advogados. Essa regulamentação
aumenta o grau de risco e estimula mais uma vez o entendimento extra-judicial.
A função dos tribunais do trabalho
Litígios jurídicos, não reformulação
Os tribunais do trabalho de todas as instâncias tem apenas a incumbência de
aplicar o direito vigente às situações concretas de conflito. Quanto á criação de
novas regras existem outros mecanismos para levar os envolvidos a um
entendimento. Os mecanismos disponíveis são os seguintes:
Quando é denunciado um acordo coletivo (ou quando nem existe acordo em
determinado setor) cabe ao sindicato exigir a elaboração de um novo acordo.
Em geral começam então as negociações com um empregador individual ou
com o respectivo sindicato patronal. Mas este não tem a obrigação de sentarse à mesa de negociações, ao contrário do que determina a lei americana
(“duty to bargain in good faith”). Negando-se, porém, à negociação corre o risco
de uma greve perfeitamente legal por parte dos empregados.
Quando as negociações não chegam a um consenso, tem início um processo
de conciliação, sobretudo nos casos em que o acordo coletivo almejado deverá
valer para todo um setor. Esse processo é novamente voluntário; ele só se
torna obrigatório depois que o sindicato dos operários e o sindicato patronal
assinam um “convênio de conciliação”. Normalmente, o processo de
conciliação consiste em chamar uma ou mais pessoas para que tomem
conhecimento das posições de ambos os lados e tentem encontrar um
compromisso. As disputa só termina quando ambas as partes chegam a um
acordo.
Se a conciliação também não levar ao entendimento ou se ela nem chega a ter
lugar, restará terminar o conflito por meio de luta aberta. O sindicato irá
22
conclamar os operários para a greve e, segundo opinião predominante, os
empregadores poderão responder sob certas condições com um lockout. Em
teoria, a greve poderia durar muitos meses, mas isso não corresponde à
tradição alemã. Mesmo nas grandes disputas chega-se a algum compromisso
no máximo após uma ou duas semanas. Não existe a possibilidade de
intervenção judicial, a não ser que se trate de greve ilegal, isto é, quando
persegue p. ex. objetivos que não podem ser regularizados por meio de acordo
coletivo. O próprio governo só pode apelar às partes contratantes e exercer
pressão moral abertamente ou por meio de alguma “diplomacia secreta”. Não
existe regularização à maneira da lei Taft Hartley.
Existe um segundo mecanismo de regularização do conflito à parte quando o
conselho de representação e o empregador não se entendem a respeito da
revisão de questões sujeitas à co-gestão.
Exemplo: A prescrição de horas extras por razões de ordem econômica
só pode ser adotada com o consentimento do conselho de representação
dos empregados. Caso este recuse a aprovação da medida, não poderá
haver determinação unilateral; nesse caso, os empregados têm o direito
de se recusar a trabalhar.
Em casos como esse, a competência de tomar decisões passa a ser de um
órgão de conciliação composto de um número igual de representantes do
empregador e do conselho de representação (geralmente duas a três pessoas
de cada lado) além de um presidente escolhido de comum acordo; se não
houver acordo sobre a pessoa do presidente, este será constituído pelo tribunal
do trabalho. O órgão de conciliação decide por maioria qual a regularização a
ser adotada. Normalmente procura-se um entendimento a meio caminho entre
a posição do conselho de representação e a do empregador.
Retomando o exemplo das horas extras define-se por exemplo que as
estas serão prestadas, mas que o empregador se compromete a atender
em troca alguma outra exigência controvertida do conselho.
23
Caso o órgão conciliador viole com a sua decisão algum direito vigente, assiste
a qualquer um dos lados o direito de invocar o tribunal do trabalho para que a
decisão seja corrigida.
Exemplo: A decisão prevê tantas horas extras que seja ultrapassada a
jornada máxima de 48 horas semanais estabelecida em lei.
Aperfeiçoamento do direito pelos tribunais
Nem sempre o direito vigente é tão explícito que possa ser aplicado aos fatos
reais da vida à maneira de uma fórmula matemática. As razões disso são
várias.
-
Nenhuma lei pode ser formulada com tanta precisão que se exclua de
antemão qualquer dúvida a respeito de seu alcance. Assim o parágrafo 626
do código civil determina que o vínculo empregatício pode ser rescindido
com efeito imediato se existir “motivo relevante” e se for descabido exigir do
empregador que mantenha o empregado em seu posto até vencer prazo
legal de rescisão. Se o empregado tiver causado um desfalque de DM
10.000,00 todos concordarão que o caso corresponde às condições citadas,
mas em relação a delitos menores é bem possível que surjam dúvidas
quanto à conveniência de sua aplicação.
Será que pode ser considerado um “motivo relevante” o fato de a
balconista de uma padaria ter consumido um pedaço de bolo no valor de
DM 1,15? Surpreendentemente, a jurisprudência tem dado resposta
positiva a essa pergunta; a vendedora de um supermercado, por exemplo,
foi condenada por ter furtado três frutas de kiwi. Nos casos citados fica no
ar a pergunta se a continuação do vínculo era realmente “despropositada”
tendo em vista a duração total do vínculo empregatício. Há tribunais de
primeira e segunda instância que discordaram parcialmente dessa
jurisprudência negando em casos parecidos a existência de um “motivo
relevante”.
Isso significa que na orientação e na atividade prática do juiz se faz necessário
a análise das sentenças anteriores para identificar casos semelhantes para que
se possa fazer algum prognóstico sobre o resultado da ação. Nesse sentido
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são de grande utilidade os comentários acompanhados de uma documentação
mais ou menos completa de todas as soluções dadas às questões pelos
tribunais superiores. Hoje já pode ser consultado também um banco de dados
com essas informações.
Muitas áreas do direito do trabalho nunca foram regulamentadas por lei. Um
exemplo típico é o direito do sindicato de distribuir material informativo dentro
das empresas e de aliciar novos filiados. A esse respeito, a jurisprudência do
tribunal federal do trabalho e do tribunal constitucional desenvolveu princípios
baseados na liberdade de associação garantida pela constituição que, apesar
de não serem regras precisas, podem servir no entanto de orientação.
O artigo 9, inciso 3 da constituição federal garante expressamente apenas
o direito à formação de sindicatos. O tribunal constitucional, no entanto,
interpreta esse texto no sentido de uma proteção que se estende também
às atividades dos sindicatos constituídos, contanto que fiquem
ressalvados também os direitos fundamentais do empregador; nos casos
conflitantes cabe ao juiz ponderar o alcance dos respectivos direitos. No
caso concreto da distribuição de folhetos, por exemplo, permite-se a
distribuição desde que não interfira nas rotinas de trabalho. A afixação de
cartazes também é permitida, já que a interferência na propriedade do
empregador é mínima. Mas será que o sindicato tem o direito de mandar
um funcionário seu para a empresa a fim de distribuir lá material
informativo? Nesse caso já é bem mais patente a intervenção no direito
domiciliar do empregador. Ainda mais duvidoso é o direito de realizar
atividades sindicais durante o horário de trabalho.
A questão da existência de “ambigüidades” e “lacunas” na lei depende da
interpretação dos juizes competentes. São eles próprios que decidem em
grande parte sobre o alcance de sua margem de autonomia.
-
Em função do desenvolvimento tecnológico e social podem surgir novas
questões que não puderam ser previstas pelo legislador. Assim, o conselho
de representação pode exigir que o empregador lhe forneça os recursos
necessários ao cumprimento de suas funções. Tradicionalmente entende-se
por infra-estrutura necessária um escritório com telefone, um armário com
chave e uma sala para reuniões. Não se exigiria nos dias de hoje também a
disponibilização de um computador? A jurisprudência entende que sim,
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desde que exista a necessidade de lidar com um certo volume de textos e o
empregador também trabalhe com computadores.
As regras desenvolvidas pela jurisprudência obrigam formalmente apenas as
partes de um litígio concreto. Na prática, porém, o seu alcance é bem mais
abrangente, uma vez que os empregadores e os empregados costumam
orientar-se nos julgamentos aplicados pelos tribunais.
Por isso, o conselho de representação normalmente deverá ganhar o seu
computador se puder provar que existe um certo volume de textos que
precisam ser digitados. Tendo em vista a jurisprudência do tribunal federal
do trabalho, o empregador dificilmente correrá o risco de um novo
processo judicial.
Mesmo que na Alemanha não exista a prática do “judge-made-low” que se
conhece do direito anglo-americano, adotam-se no entanto princípios de
matéria julgada que acabam tendo um papel semelhante. É claro que as
decisões podem ser revistas, mas isso não acontece com muita freqüência. É
típico que um tribunal supremo mantenha as decisões tomadas, justificando
essa prática com o argumento da segurança jurídica. No caso alemão, essa
situação provocou nos últimos trinta anos duas reações político-sociais bem
diferentes.
Nos anos 70 houve uma tentativa de usar o direito do trabalho para ampliar a
proteção do empregado e as suas possibilidades de co-gestão. O movimento
atingiu não só o legislador, mas também os tribunais que se viram confrontados
com propostas alternativas de interpretação em parte bastante arrojadas. A
jurisprudência do tribunal federal do trabalho acabou “freando” essa tendência
rejeitando a maior parte das novas abordagens.
Durante os anos 80 e 90 predominava da área política a idéia da
desregulamentação que pretendia reduzir as normas de proteção dos
empregados. Também nessa oportunidade a jurisprudência soube resistir ao
“espírito da época” mantendo-se fiel aos princípios praticados até então. Até
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desenvolveu novas regras de proteção nas áreas de igualdade de direitos para
homens e mulheres e de trabalho por tempo parcial e por tempo integral.
Exemplo: Segundo o parágrafo 2, inciso 1 da lei de incentivo à criação de
empregos, de 1985, os empregados com jornada parcial não podem
discriminados em relação aos empregados com jornada integral. Nessa
mesma linha, o tribunal federal do trabalho entende que nunca existem
razões objetivas que justifiquem o pagamento de um salário/hora inferior
aos empregados com jornada parcial.
É provável que essa política tenha um pouco a ver com o fato de os juizes dos
tribunais do trabalho estarem mais comprometidos com questões políticosociais do que os juristas em geral.
Uma contribuição à flexibilidade do direito do trabalho?
Vez por outra os tribunais do trabalho são acusados de terem desenvolvido
princípios muito rígidos que acabariam estrangulando as forças do mercado.
Na verdade trata-se de uma afirmação insustentável.
Os princípios da matéria julgada guardam uma certa “abertura” no sentido de
admitirem a consideração de aspetos peculiares nos casos concretos. Basta
lembrar os exemplos citados de atividade sindical na empresa ou de
disponibilização de um computador para o conselho de representação. Em
ambos os casos não foram estabelecidos princípios rígidos e sim diretrizes que
permitem encontrar uma solução considerada justa para cada caso individual.
Nesse sentido, a “matéria julgada” está de acordo com os princípios estruturais
de todo o direito do trabalho que, ao contrário do direito civil, dispõe de muitos
instrumentos que permitem levar em consideração as peculiaridades de cada
setor e de cada empresa. Num setor próspero, os salários poderão ser mais
altos do que num setor que luta pela sobrevivência; a jornada de trabalho de
um hospital não precisa ser a mesma de uma indústria metalúrgica ou de um
supermercado. Talvez se possa descrever assim a “filosofia” da justiça do
trabalho em nossos dias: não se trata da proteção do empregado pura e
simplesmente, importa mais realizar a maior proteção possível dentro das
respectivas circunstâncias concretas.
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A história econômica da Alemanha federal mostrou que essa receita pode dar
bons resultados.
(tradução Alfred Keller Out/99)
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Tribunais do Trabalho na República Federal da Alemanha