Madeira
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DIÁRIO DE NOTÍCIAS Sábado, 28 de Maio de 2011
ELIMINAR LISTAS
É RECONHECER
“FALHANÇO”
Entrevista a José Manuel Silva,
bastonário da Ordem dos Médicos
JOSÉ MANUEL SILVA
ABRE O LIVRO SOBRE
O RELATÓRIO DA IGAS
E APONTA O DEDO À
TUTELA DO SESARAM
ANA LUÍSA CORREIA
[email protected]
José Manuel Silva foi eleito
bastonário da Ordem dos
Médicos a 19 de Janeiro de
2011. Nascido no Pombal
em 1959, licenciou-se e
doutorou-se em Medicina
Interna na Faculdade de
Medicina de Coimbra, onde
hoje é docente.
O novo bastonário da Ordem dos
Médicos, José Manuel Silva, adoptou desde o início uma postura discreta, de pouco mediatismo, mas
na passada semana decidiu quebrar o silêncio. Numa entrevista ao
DIÁRIO e à TSF-M abriu o livro
sobre o relatório da Inspecção Geral das Actividades em Saúde relativo à Ortopedia, sobre as avaliações dos colégios da especialidade
e sobre algumas decisões da tutela
do SESARAM que considera erradas.
Tomou posse como bastonário da
Ordem dos Médicos há pouco mais de
três meses. Já consegue fazer um balanço do estado da Saúde em Portugal? O nosso sistema nacional de
saúde tem tido excelentes resultados em termos de indicadores
(...).Nós com pouco conseguimos
excelentes resultados, que é o que
nos diz o relatório da OCDE e, no
fundo, é isso também que nos vem
dizer a ‘Troika’, que recomenda
medidas para melhorar a gestão do
Serviço Nacional de Saúde, mas
continuar a preservar e a defender
o Serviço Nacional de Saúde. O
problema que se coloca actualmente em termos de saúde são os
constrangimentos financeiros do
país, que não sendo um problema
específico da saúde, tem reflexos
nessa área...
Do que já conhece do Serviço de
Saúde da Região, que percepção é que
tem, principalmente tendo em conta
que havido alguns problemas? O Serviço de Saúde da Região é um serviço com qualidade, que sofre dos
mesmos constrangimentos financeiros do país e portanto, tal como
no resto do país, tem que se repensar e organizar, mantendo a qualidade. Na nossa óptica, alguma das
decisões da tutela não têm sido as
mais adequadas ao bom funcionamento da instituição, particularmente naquilo que concerne o Serviço de Ortopedia. O que o relatório da IGAS veio fazer foi dar razão
aos ortopedistas (...), confirmou as
disfuncionalidades do serviço e
quem é que tinha responsabilidades para as resolver? O director do
serviço e a tutela. E não as resolveram! Este relatório da IGAS é uma
vitória para o grupo de ortopedistas que viram confirmadas as suas
preocupações e suas soluções, tanto que uma das soluções foi a demissão do director do Serviço...
Mas se por um lado demitiu-se o director do Serviço, por outro, a substituição não foi como deveria ter sido...
Isso deixa-nos perplexos e levanos a interrogar das motivações de
determinadas decisões. Havendo
vários assistentes graduados sénior no Serviço, havendo nomes
entre esses que eram consensuais,
estando escrito nos manuais de
Economia da Saúde que qualquer
reforma se deve fazer com os profissionais e não contra os profissionais, porque é que não se optou
por uma solução de consenso e se
privilegiou uma opção que não
(ELIMINAR LISTAS DE
ESPERA PARA
CONSULTAS) É O
RECONHECIMENTO
DE UM FALHANÇO
PROBLEMAS DA
ORTOPEDIA ESTÃO
A SER PERPETUADOS
POR DECISÕES
ERRADAS DA TUTELA
TRATAMENTO DE
DOENTES EM
CLÍNICAS ACONTECE
EM VÁRIAS
ESPECIALIDADES
está no topo da hierarquia técnico-científica do serviço? Portanto
não é uma solução consensual,
nem é uma pessoa que tenha um
passado ou um perfil de liderança
adequado às dificuldades de gestão da Ortopedia. Por isso vemos
com alguma preocupação que estes problemas do Serviço estejam a
ser perpetuados e alimentados por
decisões erradas da tutela.
E além disso há outros problemas. O
facto de ao único elemento diferenciado em ombro o contrato não ter sido
renovado e neste momento não existir
ninguém especializado na área.. Claramente e muito objectivamente,
esta decisão de não prolongar, modificar ou recontratar em função
de constrangimentos jurídicos o
único ortopedista diferenciado em
ombro do Serviço, é uma decisão
penalizadora para os madeirenses
(...). Este é um exemplo muito objectivo de como estas e outras decisões têm prejudicado o funcionamento do Serviço de Ortopedia e,
consequentemente, o funcionamento e qualidade do Hospital,
que é o resultado da soma das partes.
Além disso há outras questões que
surgem como as transferências de
doentes para a privada... Eu não sei
se se pode propriamente falar em
transferência de doentes para a
privada. Aquilo que acontece,
como eu fui informado, é que há
doentes estrangeiros que, por terem seguros de saúde, preferem
ser tratados numa clínica privada
em vez de ficarem numa enfermaria pública e têm esse direito. Isso
até é benéfico para a imagem da
saúde da Região relativamente aos
turistas que nos visitam e que têm
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DIÁRIO DE NOTÍCIAS Sábado, 28 de Maio de 2011
essa opção. Aliás, é um direito que
assiste aos doentes é o de escolherem o local onde são tratados. E
essa situação não acontece apenas
no Serviço de Ortopedia.
Era isso que eu já lhe ia perguntar...
Esse tratamento de doentes em clínicas privadas, particularmente de
doentes estrangeiros, acontece em
várias especialidades. Não se pode
é falar é em transferência. Essa é
uma palavra errada, porque esses
doentes não são transferidos. Não é
possível transferir doentes de um
hospital público para uma clínica
privada. Os doentes têm alta do
hospital público e são depois internados numa clínica privada. Essa é
uma prática diária e que, se alguma
vez tivesse ferido a legislação ou a
ética, então a hierarquia deveria ter
tomado alguma atitude. A verdade
é que nunca o fez no passado e das
duas uma: ou porque não lhe interessou, ou porque não havia justificação para isso. Desconheço que alguma vez tenha sido levantado algum procedimento disciplinar por
parte da tutela numa situação dessas, o que me obriga a concluir, que
nunca foi violada nenhuma lei,
nem a ética. Se alguma vez isso
acontecer, então que se aponte a situação objectiva e a própria Ordem
dos Médicos intervirá.
Então o facto dessa questão surgir
apenas agora, leva-lhe a crer que será
uma certa atitude de revanche da própria tutela em relação à Ortopedia?
Isso leva-me a presumir que houve
uma tentativa deliberada de denegrir a imagem de um grupo de colegas, com situações que eram mais
ou menos generalizadas à instituição e a outras especialidades, que
foram feitas inclusivamente por
quem ocupa agora lugares na hierarquia da tutela, e que tentaram
estigmatizar com uma falsa imagem um grupo de colegas...
O facto de continuarem a persistir
problemas e de haver o risco da idoneidade ser retirada definitivamente do
Serviço de Ortopedia, significa que há
situações graves que persistem e que
não estão a ser resolvidas pela tutela?
É evidente que continua a não haver e a não serem tomadas as decisões que poderão levar a alguma
acalmia e a um comprometimento
de todos os elementos para com o
bom funcionamento do Serviço. E
há coisas que são objectivas. Tendo
o relatório da IGAS levado à demissão do anterior director do Serviço
de Ortopedia, a escolha não recaiu
deliberadamente sobre os mais
qualificados. A decisão que foi tomada não levou à pacificação do
Serviço de Ortopedia, o que significa que não foi a mais indicada, ainda mais colidindo frontalmente
com as carreiras médicas, porque o
director nomeado não tem sequer
o grau de consultor. Por isso nós,
Ordem dos Médicos, perguntamos
porque é que continuam a serem
tomadas medidas pela tutela que
prejudicam o Serviço de Ortopedia.
Isso nós não conseguimos compreender.
O Serviço de Ortopedia é o caso crónico do SESARAM ou existem problemas noutros serviços? Eu dir-lhe-ia
que houve duas listas que se candidataram ao Conselho Médico da
Madeira [da OM]. Uma lista mais
conotada com a linha de gestão do
SESARAM e uma lista que, de alguma forma, não se revia na forma
como o SESARAM estava a ser
conduzido. A verdade é que este
grupo de colegas que contestavam
a gestão do SESARAM venceu por
esmagadora maioria, o que traduz
de facto e objectivamente um sentimento de insatisfação que não
está focalizado na Ortopedia.
Falou na conferência de imprensa
sobre a vinda dos colégios das especialidades à Região e avaliação dos
serviços. Quais as perspectivas para a
resolução da suspensão da capacidade formativa no SESARAM? O nosso
compromisso com o secretário dos
Assuntos Sociais e com o próprio
Governo Regional é quem assim
que tivermos alguns relatórios poderemos tomar uma primeira decisão, mesmo não estando terminadas todas as visitas dos colégios.
Neste momento só um colégio
apresentou o respectivo relatório,
portanto não é suficiente para tomarmos uma decisão conjunta.
Mas eu penso que durante o Verão
a decisão será tomada relativamente à maioria dos serviços.
Qual o colégio de que já dispõe o relatório da avaliação? É a Medicina
Intensiva, que teve uma boa avaliação e que, portanto, terá capacidade para receber internos.
A partir de Janeiro, vemo-nos a
braços com outra situação que foi a
da eliminação administrativa das listas de espera para consultas em três
especialidades... Eliminar administrativamente a lista de espera de
três consultas importantes é um
reconhecimento da incapacidade
do SESARAM em resolver o problema e isso significa que nem
tudo vai bem na tutela do SESARAM e que não foram tomadas as
melhores decisões de forma
atempada, no sentido de evitar a
criação de ainda mais dificuldades aos doentes, porque a eliminação administrativa das listas de
espera faz com que sejam pedidas
novas consultas, o que faz atrasar
ainda mais a realização dessas
consultas. Isto é um reconhecimento de um falhanço.
www.dnoticias.pt
José Manuel Silva admite que existe um clima de insatisfação no hospital.
FOTO OCTÁVIO PASSOS/ASPRESS
VEJA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA NO
PORTAL DO DIÁRIO E OUÇA-A HOJE
NA TSF-MADEIRA
PRESCRIÇÃO POR DENOMINAÇÃO COMUM INTERNACIONAL: PODE PREJUDICAR MADEIRENSES
José Manuel Silva é bastante crítico
em relação à prescrição por Denominação Comum Internacional
(DCI). “ Há que desmistificar duas
ideias que têm sido transmitidas de
forma errada no sentido de tentar
penalizar a imagem dos médicos.
Primeiro: a prescrição por DCI já
existia. Nós já podíamos e já prescrevíamos por DCI no ambulatório.
Segundo: a Ordem dos Médicos é favorável à prescrição de genéricos”,
explicou.
Porém, como refere, “o que está em
causa com esta nova legislação por
DCI é a possibilidade de nas farmácias ser substituído um genérico por
outro genérico que pode não ser
bio-equivalente. Aquilo que nós,
Ordem dos Médicos, nos opomos é
que por motivos comerciais haja
uma substituição de um genérico
por outro. Não estava aqui em causa
a substituição de um original por
um genérico. Os genéricos podem
não ser bio-equivalentes e assim
provocar flutuações clínicas prejudiciais ao próprio doente”.
A solução, segundo a OM, passa pela
marcação do “preço dos genéricos,
(que já é tabelado pelo Governo), do
mesmo princípio activo, todos do
mesmo valor e todos pelo valor
mais baixo. E ainda sugerimos que
se reduzisse o preço”. De acordo
com o bastonário, as propostas da
OM “vinham favorecer economicamente o Estado e os cidadãos e vinha preservar a qualidade do acto
médico, evitando flutuações que são
prejudiciais aos doentes”.
José Manuel Silva admite ainda que
o facto da Região ter uma lei de
prescrição totalmente diferente daquela que vigora ao nível nacional
“pode redundar em prejuízo dos
madeirenses” e acrescenta: “se é
uma questão económica, resolvamna. É tão fácil resolver”.
O bastonário diz ainda que esta matéria já foi abordada com o secretário regional dos Assuntos Sociais,
mas que até agora, não houve abertura do Governo Regional para alterar a legislação “ com prejuízo para
os doentes madeirenses”.
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Entrevista a José Manuel Silva,