PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2015.00000XXXX
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº XXXXXXX.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LAZIO
INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (TECNISA), são apelados N. (Omitido) e
outra.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GRAVA BRAZIL
(Presidente) e SALLES ROSSI.
São Paulo, 20 de fevereiro de 2015.
Luiz Ambra
Relator
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1063244-86.2014.8.26.0100
SÃO PAULO
APELANTE: LAZIO INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA (TECNISA)
APELADOS: N (Omitido) e outra
RESCISÃO CONTRATUAL
ATRASO NA ENTREGA DA
OBRA
Pedido de rescisão do contrato formulado pelos
compradores em razão de descumprimento contratual pela
vendedora Matéria incontroversa Pretensão à retenção dos
valores adimplidos segundo previsto no contrato
Inadmissibilidade Cláusula nula de pleno direito Abusividade
reconhecida Devolução integral, ademais, a ser feita em uma
única parcela devidamente atualizada da data de cada desembolso
até o efetivo pagamento Juros de mora incidentes a partir da
citação Recurso improvido.
RESTITUIÇÃO DE VALORES Comissão de corretagem e taxa
de assessoria imobiliária Vinculação do compromisso de compra
e venda à prestação de serviços Inadmissibilidade Caráter de
“operação casada” configurado
Abusividade flagrante
Incidência do Código de Defesa do Consumidor Nulidade de
cláusula contratual abusiva ou onerosa ao consumidor
Devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem
devidamente atualizados desde o desembolso até a data da
devolução Decreto de procedência mantido.
DANOS MORAIS Fixação da verba em R$ 20.000,00 a ser
atualizado até a data do efetivo depósito Sentença mantida
Recurso improvido.
Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 136/146) que
julgou procedente ação de rescisão contratual cumulada com restituição de
valores e indenização por danos morais, derivada de contrato imobiliário, para
declarar resolvido o contrato entabulado entre as partes, bem como condenar a
requerida ao pagamento de R$ 59.497,58; R$ 11.735,33 e R$ 650,00; corrigidos
desde o desembolso, e ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título
de danos morais, corrigidos da data da sentença na esteira da Súmula 362 do
Colendo Superior Tribunal de Justiça, e juros de mora legais a contar da citação.
Sucumbente, arcará a ré com o pagamento das custas e despesas processuais,
bem como honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
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Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum, pelos
fundamentos então expendidos (fls. 152/161).
Recebido o recurso fl. 233, tempestivo e preparado, a fls.
167/172 vieram as contrarrazões.
É o relatório.
Meu voto nega provimento à irresignação recursal. Como não
discrepo desse entendimento, fazendo-o, simplesmente confirmo os fundamentos
adotados na bem lançada sentença.
O autor adquiriu em 08/05/2011 a unidade autônoma de nº
78 do Empreendimento Condomínio Flex Guarulhos, situado na Comarca de
Guarulhos, São Paulo, ao preço total de R$ 249.954,67. Esclarece ter cumprido
integralmente o contrato, quitado a quantia de R$ 59.947,58 referentes às
parcelas contratuais devidas antes da entrega das chaves. Refere ter efetuado
ainda o pagamento da importância de R$ 11.753,33 referentes à suposta
comissão de corretagem e R$ 650,00 de taxa de assessoria imobiliária (SATI),
imposição feita aos compradores de forma absolutamente abusiva e contrária ao
Código de Defesa do Consumidor, conforme planilha transcrita a fl. 05.
A
demora
na conclusão do empreendimento é
fato
incontroverso; aqui nem mais se discute. Prevista a entrega da obra para
31/12/13, com prorrogação para 30/06/2014 computando-se o prazo de tolerância
de 180 dias previstos contratualmente; até a data do sentenciamento do feito a
entrega da unidade autônoma ainda não teria se efetivado, a par de inexistir
menção a respeito, de término das obras, nas razões recursais. A inicial instruída
a corroborar suas assertivas.
Sustentando a construtora a ocorrência de força maior a
acarretar o atraso na entrega do empreendimento. Valendo lembrar a
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circunstância de o mero habite-se não bastar para, em circunstâncias normais,
o adquirente validamente receber o bem, tê-lo como seu.
O
atraso
na entrega do bem é
inquestionável.
As
construtoras, comumente, tentam justificar o atraso na entrega com a costumeira
desculpa das fortes chuvas, falta de material de construção no mercado ou de
mão de obra qualificada, entre outros artifícios que, ao menos num primeiro
momento não tem como ser aceita. São ocorrências previsíveis e até esperadas
no desempenho de suas atividades no campo da construção civil. Ademais, e ao
contrário do aduzido, não restou demonstrada a suposta ocorrência de caso
fortuito ou de força maior. Aliás, as situações aventadas são inerentes à atividade
empresarial da ré e ao risco do próprio negócio, inclusive a incidência de
condições climáticas adversas. O que não se pode admitir é tentar repassar ao
consumidor esses ônus, exclusivos da atividade exercida pela construtora. Aqui,
todavia, ultrapassado o prazo, ainda não tinha o autor a posse do imóvel ou a
possibilidade de ocupação.
Tem-se sustentado ser nula a cláusula de tolerância em
questão para o atraso na entrega das obras, relativas à unidade habitacional
transacionada. Só que, segundo o entendimento desta Câmara, externada em
outros precedentes, nula não é. Não há irregularidade nesta cláusula. Apenas o
prazo de graça de 180 dias pode ser tolerado, nos termos do entendimento
jurisprudencial que se segue. Justamente para permitir fazer frente a eventuais
percalços, o que se afigura razoável.
A jurisprudência prevalente se inclina nesse sentido, ainda
quando, no mais (isto é, além dos 180 dias), arrede a força maior. Quer dizer,
num mercado inflado pelo boom imobiliário, com consequente escassez de mão
de obra e eventuais problemas climáticos, para se precatar as construtoras
inserem usualmente cláusulas dessa ordem, contemplando o tal período de
graça. Partindo do pressuposto, aliás, de não se tratar de atraso por demais
pronunciado, tolerável, portanto. Profissionais do ramo não se podendo dar ao
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luxo de errar além disso.
Não há dúvida de que, concluída a obra, mister se fará um
prazo razoável para as providências complementares. Mister se fará a instituição
do condomínio, seu registro e, como regra, somente então a obtenção de
financiamento imobiliário. Para tudo isso serve o prazo de tolerância de 180 dias.
A própria unidade habitacional, após o habite-se, deverá ser vistoriada pelo
proprietário, na hipótese de existirem defeitos deverão primeiro ser sanados; a
efetiva entrega ocorrendo depois.
O entendimento jurisprudencial dominante, de qualquer
modo, entende que por conclusão da obra deve-se entender a efetiva entrega
das chaves a cada adquirente, em condições normais. Porque, aí, não terá como
justificar retardo nenhum.
Tem-se entendido, se o contrato fizer remissão apenas à
conclusão da obra, por “conclusão da obra” se deverá ter a efetiva “entrega das
chaves”. Encarado o termo “obra” no sentido individual e não no coletivo. Isto
é, obra, no sentido individual, será a obra adquirida por cada qual, a respectiva
unidade.
No caso, a pretensão é de rescisão contratual e o
acolhimento do pedido de restituição dos valores pagos, inclusive aqueles
correspondentes à suposta intermediação de venda e de assessoria imobiliária,
bem como o pagamento de indenização por danos morais nos moldes deduzidos
na inicial, haja vista a moradia em casa de parentes em decorrência do atraso
havido.
Aduz a ré a ilegitimidade passiva e a legalidade da cobrança
de comissão de corretagem e da assessoria imobiliária prestada aos adquirentes.
Nas razões recursais repisa os argumentos lançados na contestação, pugnando
pela reforma da sentença.
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Preliminar
de
ilegitimidade
passiva
arguida
pela
ré
corretamente afastada pelo Juízo, haja vista a nítida parceria comercial na
construção e divulgação do empreendimento. Pouco importando ao consumidor o
ajuste existente entre ambas, ou o regresso que a qualquer delas caiba.
Tornou-se usual nos dias atuais
abusiva
embora nitidamente
a prática de empurrar para o comprador o pagamento de comissão de
corretagem de imóvel a ser ainda construído, pelo valor total do negócio como
se pronto já estivesse.
Quer dizer, não só o comprador paga a comissão que
deveria ser paga pelo vendedor
este é que contratou a empresa corretora,
para ele é que a empresa trabalha , como igualmente paga sobre o todo, que
ainda nem existe. Paga sobre o que efetivamente tenha desembolsado e, de
quebra, sobre fumaça no que diz respeito ao restante.
Tal prática como se disse é abusiva. Mas se o adquirente
com ela não concordar, simplesmente a transação não será concretizada, assim
o incorporador se livrando, desde logo, de pesado encargo. Forma nítida de
coação indireta, convenha-se. Privilegiadíssima a situação do corretor, que ganha
até sobre o que ainda nem existe.
Não se nega que a obrigação do corretor não é de meio e
sim de resultado. De modo que, tanto que concretizado o negócio, terá direito à
paga respectiva; porém, cabe à ré suportar tal ônus e não ao adquirente.
O fato de o contrato de compromisso de compra e venda,
assessoria imobiliária e a comissão de corretagem encontrarem-se em termos
instrumentais separados daquilo que configura a relação negocial na essência, ou
seja, a aquisição do imóvel, não é suficiente para caracterizar 'acordo distinto,
como quer fazer crer a recorrida. Trata-se, à evidência, de notória “operação
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casada”, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
A
requerida
não
comprovou,
ônus
a
que
não
se
desincumbira, que teria apenas oferecido tais serviços ao comprador e que este
teria, expressa e voluntariamente, concordado com a contratação opcional (e não
na forma imposta em que se deu), referentes aos serviços de “assessoria
imobiliária” e “intermediação de venda”, como quer que seja. O que, insista-se,
não se pode admitir.
E, nada obstante a entrega de relatório informativo ao tempo
da assinatura do compromisso de compra, não se deve olvidar tratar-se de
contrato de adesão, já impresso com todas as condições preestabelecidas, não
tendo o comprador qualquer poder para eventual alteração. Assim, data vênia ao
entendimento contrário, o consumidor não pode ser obrigado a contratar serviço
pelo qual não tem interesse. Além disso, não há qualquer indício sobre o
adequado esclarecimento ao consumidor a respeito desses serviços prestados
por terceiros. Aliás, a ré sequer esclarece o que realmente corresponderia “os
referidos serviços contratados”, não especifica quais seriam, ou no que
consistiriam, os serviços de “assessoria imobiliária”.
A propósito, ensina Antônio Herman de Vasconcellos e
Benjamin, na obra “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto”, 8ª edição, Forense Universitária, 2005, p. 369, ensina:
“O Código proíbe, expressamente, duas espécies de condicionamento do
fornecimento de produtos e serviços. Na primeira delas, o fornecedor nega-se a
fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir
também um outro produto ou serviço. É a chamada 'venda casada'. Só que,
agora, a figura não está limitada apenas à compra e venda, valendo também para
outros tipos de negócios jurídicos, de vez que o texto fala em 'fornecimento',
expressão muito mais ampla.”
Confira-se, a propósito:
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“Venda casada: Tanto o CDC com a Lei Antitruste proíbem
que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para
determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor. Assim, proíbe o
art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada venda 'casada', que significa
condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro
produto ou serviço. O inciso ainda proíbe condicionar o fornecimento, sem justa
causa, a limites quantitativos.” (Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor, 2ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 561).
No mais das vezes, ao que comumente se apresenta, o
comprador só toma conhecimento dos tais pagamentos na data de assinatura do
contrato de compra e venda, ao formalizar a transação, colocando-o em situação
adversa. Em regra, os contratos contendo disposições genéricas e superficiais
relativas ao suposto objeto dos serviços, destacando-se termos como
esclarecimentos, assessoria, análise preliminar, acompanhamento, orientação,
mas tudo sem especificação alguma, ou seja, ausência de clareza e precisão,
somente induzindo o consumidor a erro.
Forçoso reconhecer que o adquirente não possuía outra
possibilidade de negociação a não ser aquela imposta pela vendedora; isto é, a
recusa ao pagamento dos serviços prestados por terceiros inviabilizaria a
aquisição do imóvel. Tudo a configurar a “venda casada”, já que a prestação
daqueles serviços
de comissão de corretagem
estava nitidamente vinculada à
assinatura do compromisso de compra e venda, o que teria obrigado o comprador
a aderir aos referidos contratos de prestação de serviços especializados.
Desta forma, o caso envolve notória relação de consumo,
sendo que os autores não estavam obrigados à contratação e os serviços não
lhes foram oferecidos como simples opção e sim como vinculação à aquisição do
imóvel, afrontando, assim, o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor.
Oportuna a transcrição doutrinária:
“Para a proteção efetiva do consumidor, não é suficiente o mero
controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o
fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda a reforma do sistema
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jurídico nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relacionasse
com o reconhecimento de que o consumidor tem direito a uma informação
completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir. O art. 31 tem,
na sua origem, o princípio da transparência, previsto expressamente pelo CDC
(art. 4º, caput). Por outro lado, é a decorrência também do princípio da boa-fé
objetiva, que perece em ambiente onde falte a informação plena do consumidor.”
(Antônio Herman V. Benjamin e outros. Manual de Direito do Consumidor. Editora
Revista dos Tribunais. 1ª edição. 2008. Págs. 188/189).
No mesmo sentido, julgado do Colendo Superior Tribunal de
Justiça:
“(...) O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5°,
XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do
Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé
Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC. (...) Entre os
direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a
'informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem' (art. 6°, III). Informação
adequada, nos termos do art. 6°, III, do CDC, é aquela que se apresenta
simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição
da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas,
redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. Nas
práticas comerciais, instrumento que por excelência viabiliza a circulação de bens
de consumo, 'a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre
suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos
de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que
apresentam à saúde e segurança dos consumidores' (art. 31 do CDC).” (REsp
586316/MG. Relator Ministro Herman Benjamin. Segunda Turma. J. 17-04-2007).
Evidente a irregularidade desse tipo de contrato de compra e
venda em que se transfere para o consumidor a obrigatoriedade pelo pagamento
da referida comissão, sendo que, quem contratou a intermediadora para
promover as vendas das unidades foi a construtora.
A corré Tecnicsa foi contratada pela construtora para
promover as vendas das unidades autônomas do Condomínio Flex Guarulhos,
atuando como verdadeira parceira no empreendimento que inclui a construção e
comercialização, assumindo a Tecnisa esta última tarefa, consistente apenas em
oferecer ao público as unidades em questão. A rigor, não se pode dizer que esta
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tenha prestado algum serviço de intermediação em favor do comprador, mas sim,
quase atuando como preposto de vendas da construtora.
Ademais, os serviços contratados, por imposição unilateral,
não possui eficácia para vincular o consumidor, parte vulnerável do contrato, sob
pena de se permitir o prevalecimento do interesse da vendedora. Bem por isso,
não se deve admitir que as relações de consumo sofram imposições decorrentes
de afirmações aleatórias por resultar em grave prejuízo ao comprador
consumidor, a par de ferir o princípio da transparência na execução dos
contratos.
Neste sentido, já decidiu esta Corte:
“Ação de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes.
Compra e venda. Legitimidade passiva reconhecida das corrés Agre e PDG.
Provas. Jurisprudência. Sem prova do motivo de força maior, injustificada e ilícita a
extensão do prazo do processo construtivo (até mesmo por 180 dias), configurandose a mora da construtora a partir do primeiro dia útil subsequente ao originalmente
assinalado para entrega do imóvel (1º.11.2010), a qual perdura até a efetiva
entrega da unidade habitacional à compromissária compradora (em 01.10.2011).
Na pendência da mora, além de não fluir a correção monetária do saldo devedor,
respondem os requeridos pelos danos emergentes (despesas de moradia
provisória suportadas pelos demandantes, que serão quantificadas em liquidação
de sentença, com correção monetária a partir de cada desembolso, na forma da
Tabela Prática desta Corte, e juros moratórios de 1% ao mês, da data da citação) e
pela multa moratória contratual (1% sobre o valor do imóvel por mês de atraso na
entrega da obra). Atraso na entrega da obra. Taxa de corretagem de
responsabilidade exclusiva das vendedoras, tendo em vista que o autores
compareceram ao seu estande de vendas e foram compelidos a firmar
contrato de assessoria técnico-imobiliária, sem qualquer atividade de
aproximação útil. A comissão do corretor deve ser paga por aquele que o
contratou e, in casu, a responsabilidade financeira é inegável e
exclusivamente da vendedora, que contratou previamente os serviços a
serem prestados a qualquer interessado que aparecesse junto ao
empreendimento. Venda casada. Devolução em dobro dos valores pagos
somente tem cabimento na hipótese de má-fé do credor, circunstância que não
restou demonstrada no caso concreto. Valores que deverão ser corrigidos desde o
desembolso, com incidência de juros de mora desde a citação. No que tange aos
danos morais, cumpre esclarecer que o mero inadimplemento contratual não é
suficiente para sua caracterização. Sucumbência revertida. Custas processuais e
honorários advocatícios, arbitrados em 20% do valor da condenação, devem ser
arcados pelos réus, solidariamente. Sentença reformada em parte. Recurso
improvido da corré e provido em parte o dos autores” (TJSP 3ª Câmara de Direito
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Privado
Apelação Cível nº 0162052-17.2012.8.26.0100 - Rel. Des. Beretta da
Silveira j. 21.01.2014 g.n.).
Este, aliás, é o posicionamento desta Câmara:
REPETIÇÃO DE INDÉBITO
COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Comissão de corretagem e taxa
SATI - CDC
Aplicabilidade
Comissão de corretagem
Imóvel
Inexistência de expressa previsão contratual
vendido "na planta"
atribuindo ao comprador esse encargo Verba de responsabilidade
exclusiva da vendedora, que contratou e treinou profissionais para
promoção comercial do empreendimento, os quais não efetuaram
trabalho de aproximação das partes Taxa SATI Serviço prestado à
vendedora e não ao comprador, sendo dela a obrigação de pagar
Devolução em dobro
Descabimento - Ausência de dolo da ré
Devolução de forma simples
Ação procedente
Sucumbência
invertida Recurso provido (Apelação 0054147-16.2012.8.26.0564
TJ/SP Rel. Des. Salles Rossi 8ª Câmara de Direito Privado j.
16/10/2013).
No mais, a procedência tem sido admitida em hipóteses que
tais, mesmo quando quem peça a rescisão seja o próprio compromissário, e
esteja em mora, o que, diga-se, não é o caso dos autores porquanto adimplente
regular de todas as parcelas previstas antes da entrega das chaves; a partir daí,
financiamento bancário teria lugar. Cumprindo perquirir apenas o que deverá ser
devolvido. Nesse sentido o melhor entendimento, a que Theotonio Negrão faz
remissão no “Código Civil”, 33ª ed., às pgs. 607/608, com arrimo no Superior
Tribunal de Justiça. Importando menos a rescisão venha a ser pedido pelo
devedor adquirente, com base no próprio inadimplemento, ou não.
Evidente que, se o negócio se inviabilizar, sem culpa das
partes, a solução residirá em cancelá-lo, pura e simplesmente. Tornando estas ao
statu quo ante, o vendedor devolvendo o preço e, o comprador, o imóvel. Não há
outro jeito, trata-se da disciplina jurídica do Código Civil vigente desde 1916,
embasada em razões de ordem prática.
Confira-se, v.g., a regra do artigo 879 do Diploma Substantivo
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abrogado: “se a prestação do fato se impossibilitar sem culpa do devedor,
resolver-se-á a obrigação; se por culpa do devedor, responderá este por perdas
e danos”. Isto é, se a obrigação não tem mais como ser cumprida, solução única
residirá em desfazê-la; com perdas e danos ou sem, dependendo da verificação
de culpa.
Tratando da regra, observa Sílvio Rodrigues (“Direito Civil”,
vol. 2, “Parte Geral das Obrigações”, 2ª ed., 1965, à pg. 48) que, “nestas
hipóteses o negócio se desfaz e as partes são reconduzidas ao estado em
que se encontravam antes da avença. Nos exemplos acima figurados o
promitente vendedor devolve as prestações anteriormente recebidas...”
O princípio é de ordem geral, vale para todo e qualquer tipo
de obrigação. Assim, na obrigação alternativa, a regra do artigo 888 (“se todas as
prestações se tornarem impossíveis, sem culpa do devedor, extinguir-se-á a
obrigação”; na de dar coisa certa, a do artigo 865. Na prática, isso tem sido
adotado para as incorporações imobiliárias, compromissos de venda e compra,
consórcios de imóveis, cooperativas imobiliárias; aqui, não teria que ser diferente.
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Tem-se argumentado, é bem verdade, que a tais casos não
se aplicaria o artigo 53 do Código do Consumidor. Ignora-se por que, visto se
tratar de diploma legal muito posterior à lei 5764/71, que trata da atividade
cooperativa. Especial ou não a lei antiga, face aos largos termos do artigo 53 não
teria, a legislação consumerista, por que deixar de aqui se aplicar. Esse, aliás, o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Bem por isso, descabe sustentar
às cooperativas não se aplicar o artigo 53 daquele Código, a Cooperativa não
poderia ter tida como fornecedora. O artigo em questão, literalmente interpretado,
não conduz a essa conclusão.
O artigo 53, todavia, possui espectro amplo, basta ver a
forma pela qual redigido. Sem qualquer alusão a consumidor ou relação de
consumo, quando o fizera na quase totalidade dos demais dispositivos; proibindo
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a conduta nele regrada de modo indiscriminado. Sem qualquer restrição, do
contrário se chegaria a situações injustas: o particular que vendesse seu bem
poderia fazê-lo do modo que bem lhe apetecesse; o profissional que se
dedicasse ao mesmo ramo de negócios, não.
Não há dúvida, a teor da definição de fornecedor dada pela
legislação consumerista (artigo 3º do CDC: qualquer pessoa, física ou jurídica,
que se dedique a alguma das atividades ali elencadas; o vocábulo “atividade” ali
de expresso mencionado), que o particular comum nela não se enquadrará
quando transacionar seu único imóvel. Não estará, bem se vê, a desempenhar
atividade (atividade profissional; constituída por um conjunto de atos da
mesma natureza e não um só: várias vendas de lotes, v.g.) qualquer. Quem não
tiver intuito de lucro (uma cooperativa habitacional, p.e.), também não.
Muito fácil, por outro lado, seria fraudar a lei. Bastaria obter
um testa de ferro e lhe repassar o lote. Este se incumbiria de vendê-lo, seguindo
as ordens da fornecedora. Obtendo o que esta não poderia obter, depois lhe
repassando as vantagens do negócio. Nada impedindo o regramento mais amplo
da norma legal, de modo a aplicá-la a quaisquer hipóteses de compra e venda de
imóvel.
Daí a amplitude da norma legal, no caso o artigo 53 do
Código sob análise, novamente transcrito: (“nos contratos de compra e venda de
móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas
alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as
cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício
do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a devolução do contrato e a
retomada do produto alienado”). Isto é, quaisquer contratos dessa natureza, o
STJ aplicando o regramento de modo amplo, até às cooperativas habitacionais
onde a rigor também não haveria venda, mas adesão a um como que consórcio
habitacional.
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Ademais, apenas como argumentação, em casos que tratam
de rescisões envolvendo compradores inadimplentes, entende esta Colenda
Câmara a possibilidade de retenção de 10% (dez por cento) a título de despesas
administrativas, por ter o mutuário dado causa à rescisão
por interrupção
voluntária dos pagamentos ou ausência de pedido formal de desistência , mas
que
aqui
não
tem
razão
de
ser,
diga-se,
porquanto
decorrente
do
descumprimento contratual da ré, haja vista o tempo transcorrido e não conclusão
das obras, o empreendimento inacabado ou paralisado, vez que não há notícia
sobre a entrega das chaves aos proprietários das demais unidades do conjunto
habitacional comercializado. Aqui, por óbvio, não se pode concluir tenha a
demandada agido sem culpa.
Raciocínio adequado é o de que, em não sendo a obra
concluída, tivesse o adquirente à disposição o numerário até então despendido,
poderia aplicá-lo na compra de outro imóvel, equivalente. Privado do dinheiro,
entretanto, não pôde fazê-lo. Aqui, a questão não se limita apenas ao atraso
injustificado, mas também ao descaso e à resistência havida para a devolução
das parcelas pagas.
Segundo
o
entendimento
desta
Colenda
Câmara
a
indenização tem sido admitida somente em casos extremos de impossibilidade de
recebimento da unidade habitacional após vários anos de atraso, porquanto
totalmente paralisada a obra, sem qualquer perspectiva de continuidade do
empreendimento.
Entretanto, e ainda que decorrido apenas seis meses do
prazo limite, não há notícia acerca do estágio em que se encontra a construção.
Se previsto para um futuro próximo ou remoto. Ademais, e ainda que prevista
cláusula penal, multa por descumprimento do contrato, não houve pedido
formulado nesse sentido; nem mesmo lucros cessantes, quiçá por morar “de
favor” em casa de parente como afirmado pelo comprador. Na hipótese, a
aquisição feita em maio de 2011 e sem prazo de entrega estabelecido, alternativa
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não houve a não ser a propositura da ação, haja vista os entraves promovidos
pela requerida para a formalização do distrato e a resistência manifestada para a
devolução do montante pago, vez que ínfima a quantia ofertada para o
desiderato.
Bem por isso, somada à falta de informação sobre a previsão
de entrega das unidades, agiu com acerto o i. magistrado ao condenar a ré no
pagamento de indenização por danos morais na quantia de R$ 20.000,00 (vinte
mil reais), diante da frustração e angústia de ver ruir o sonho da casa própria e de
constituição de família. Não se tratando de mero dissabor ou de aborrecimento
corriqueiro.
Desse modo, de rigor a restituição das quantias pagas,
inclusive aquelas indevidamente desembolsadas e especificadas na inicial.
Devolução a ser feita de forma simples, corrigida monetariamente desde o efetivo
desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
Sem alteração no sucumbimento, vez que carreados à ré o pagamento integral
das despesas processuais e verba honorária.
Tudo sopesado, meu voto nega provimento à
irresignação recursal.
Luiz Ambra
Relator
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO