Objeto nulo na aquisição do português europeu: pro ou variável? 1
João Costa & Maria Lobo
Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
Abstract
Building upon previous results showing that children acquiring European Portuguese know that the
language has null objects, this paper addresses the issue of finding out what type of null category a null
object is in child Portuguese. In order to disentangle a grammar with null object as pro or variable, the
comprehension of strict and sloppy readings is assessed. The main conclusion is that children lack the
means to clearly differentiate the two types of empty category.
Keywords: acquisition, null object, pro, strict reading, sloppy readings, sloppy readings, variable.
Palavras-chave: aquisição, objeto nulo, pro, leitura estrita, leitura sloppy, variável.
1. Introdução
O estudo da produção de clíticos por crianças entre os dois e os seis anos e a
observação de que há taxas de omissão de pronomes bastante altas levou a que, em
trabalhos anteriores, colocássemos a hipótese de que a omissão de pronomes na
aquisição do português europeu se tratava de um caso de sobregeneralização da
construção de objeto nulo (Costa & Lobo, 2005, 2006; Silva, 2008; Costa, Lobo & Silva
2009, 2010).
Esta hipótese faz duas predições fortes. Por um lado, prediz-se que haja correlações
entre a omissão de pronomes e os contextos em que o objeto nulo é legítimo. Por outro
lado, prediz-se que as crianças a adquirir o português europeu sabem que a sua
gramática admite objetos nulos. Em estudos de compreensão, conduzidos em Costa &
Lobo (2008, 2009), concluímos que a segunda predição é confirmada, uma vez que se
verificou que as crianças conseguem atribuir interpretações transitivas a frases sem
complementos. Já a primeira predição encontrou confirmação parcial nos trabalhos que
referimos até aqui. Se é verdades que, no geral, as taxas de omissão são menores em
contextos em que o objeto nulo é excluído (como em ilhas fortes e em contextos
reflexos) (cf. em particular Silva 2008), também é verdade que, mesmo nestes
Textos Seleccionados, XXVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, 2011,
pp. 197-207
1
Parte da investigação conducente a este artigo é desenvolvida no âmbito do projecto “Dependências Sintácticas dos
3 aos 10 anos”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/CLE-LIN/099802/208). Agradecemos
a Stéphanie Vaz e Mariana Silva a ajuda valiosa na preparação e condução do desenho experimental. Os resultados
apresentados neste artigo são parcialmente retirados de Costa, Lobo & Silva (2010).
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
contextos, as crianças omitem pronomes em taxas não negligenciáveis. Acresce que, nas
tarefas de compreensão, as crianças revelaram admitir leituras transitivas (i.e. aceitam
objetos nulos) em contextos em que os adultos as rejeitam, em particular em contextos
reflexos e de ilha forte.
Esta extensão da omissão a contextos em que o objeto nulo é excluído para o adulto
(e a consequente aceitação em tarefas de compreensão) é coerente com a ideia,
avançada em Costa e Lobo (2008, 2009), de que há, na gramática das crianças
portuguesas, um estádio de sobregeneralização da construção de objeto nulo.
Importa, contudo, entender qual a natureza desta sobregeneralização. Esse é o
objetivo deste artigo, que se estrutura da seguinte forma:
- Na secção 2, acrescentamos alguma informação adicional sobre a aquisição de
objeto nulo e, recorrendo a uma hipótese de Miyagawa (2010), exploramos a ideia de
que pro e variáveis se distinguem pelo tipo de leitura (estrita ou sloppy) que legitimam.
- Na secção 3, apresentamos uma experiência conduzida para aferir se as crianças
diferenciam pro de variável em contexto de elipse, de sujeito nulo e de objeto nulo.
- Na secção 4, apresentam-se as principais conclusões do artigo e direções para
trabalho futuro.
2. Background sobre objeto nulo, pro e variável.
Os resultados obtidos até agora na investigação sobre objeto nulo e produção de
pronomes na aquisição do português europeu permitem-nos tirar algumas conclusões
robustas.
Sabemos, por um lado, que a omissão de pronomes que encontramos na aquisição
do português europeu é diferente da que tem vindo a ser descrita na literatura para
línguas como o catalão, o italiano ou o francês. Esta diferença assenta em dois tipos de
evidência. Na produção, as taxas de omissão encontradas para o português europeu são
bastante mais altas e a omissão dura até bastante mais tarde (em Silva (2008) mostra-se
que crianças de seis anos ainda omitem em contextos ilegítimos na gramática do
adulto). Na compreensão, comparando-se os dados do português europeu com os que
foram obtidos em Grüter (2006) para o francês, pode observar-se que apenas as crianças
portuguesas admitem leituras transitivas para verbos sem um complemento lexical
(Costa e Lobo 2008, 2009). Conforme referido na introdução, em conjunto, estes dois
tipos de dados sustentam a hipótese de que a omissão de pronomes em português é
diferente da que foi encontrada para outras línguas, mas coerente com uma propriedade
da gramática-alvo: a existência de objetos nulos.
Note-se que, conforme defendido em Costa, Lobo e Silva (2009), hipóteses
alternativas para a omissão generalizada de pronomes não são inteiramente satisfatórias.
Se se assumisse com Schaeffer (1997) que a omissão se deve a um qualquer tipo de
défice pragmático, esperar-se-ia que houvesse dificuldades generalizadas na testagem de
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condições discursivas e pragmáticas semelhantes. Contudo, tal não foi encontrado,
sendo possível observar que as crianças produzem DPs e outras formas pronominais de
forma adequada em contextos pragmáticos comparáveis.
De igual modo, não é defensável que estejamos perante algum tipo de problema
com condições da teoria da ligação que condicionem o uso de pronomes, porque
investigação conduzida sobre a interpretação de pronomes reflexos e não-reflexos
clíticos permite-nos afirmar que as crianças portuguesas dominam os princípios da
teoria da ligação desde cedo (cf. Cristóvão 2006, Silva 2010, Ambulate 2008, Costa e
Ambulate 2010).
Tendo em conta estes dados, importa entender o que explica que, apesar do
manifesto conhecimento de que o português europeu é uma língua de objeto nulo, haja
uma sobregeneralização desta construção com consequente uso e aceitação em
contextos ilegítimos.
Conforme descrito em Raposo (1986) e Duarte (1987), assumimos que o objeto
nulo é uma variável na gramática adulta do português europeu. Esta análise dá conta das
restrições de ocorrência desta construção, em particular da sua exclusão em contexto de
ilha forte, conforme ilustrado em (1):
(1)A: E o Pedro?
B: Fiquei aborrecido quando a Maria *(o) empurrou.
Se é o estatuto como variável do objeto nulo que permite dar conta da sua distribuição,
podemos levantar a hipótese de que este é o aspeto desta construção que as crianças não
dominam durante o período que temos vindo a estudar (entre os dois e os seis anos). Por
outras palavras, suponhamos que as crianças sabem que o português europeu é uma
língua de objeto nulo, mas desconhecem que o objeto nulo é uma variável. Se assim for,
prediz-se que as crianças produzam e aceitem objetos nulos em ilhas fortes.
Iremos, assim, testar as seguintes hipóteses:
Hipótese A:
Existe continuidade entre a gramática do adulto e da criança. Em ambos os casos, o
objeto nulo é uma variável, mas as crianças desconhecem as condições de legitimação
das variáveis.
Hipótese B:
Não existe continuidade entre a gramática do adulto e da criança. Para a criança, o
objeto nulo é um pro, o que explica a sua aceitabilidade em ilhas fortes.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Note-se que, se a hipótese B estiver certa, haverá um problema novo com que lidar,
uma vez que, conforme descrito acima, as crianças atribuem leituras reflexivas a
construções de objeto nulo, o que é inesperado se considerarmos os bons resultados em
testes que aferem o conhecimento dos princípios da Teoria da Ligação.
Tendo em conta estas hipóteses, importa encontrar uma medida independente que
permita distinguir pro e variável. Essa medida encontra-se num estudo recente de
Miyagawa (2010).
Miyagawa (2010) estipula a seguinte diferença entre pro e variável. Enquanto pro
admite apenas leituras estritas em contextos de coordenação, as variáveis são ambíguas
admitindo leituras estritas e sloppy. Esta diferença é facilmente reproduzível em
português europeu. Consideremos, em primeiro lugar, dois casos em que se assume que
existe pro e variável.
A construção de sujeito nulo, que contém pro (cf. Lobo, 1995) admite apenas
leituras estritas:
(2)O Pedro disse que os pais são horríveis, mas o João disse que pro são
simpáticos.
(Leitura estrita: pro = os pais do Pedro / Leitura sloppy: ??pro = os pais do
João)
Ao contrário, a construção de elipse de VP, que envolve uma variável, admite
leituras estritas e sloppy (Matos, 1992):
(3)O Pedro tinha visto os pais e o João também tinha [-]
(Leitura estrita: [-] = visto os pais do Pedro /Leitura sloppy: [-] = visto os pais
do João)
Em coerência com a proposta de que os objetos nulos do português europeu são
variáveis, observa-se que admitem leituras estritas e sloppy:
(4)O Pedro abraçou os pais, mas o João beijou vbl.
(Leitura estrita: vbl = os pais do Pedro /Leitura sloppy: vbl = os pais do João)
Perante estes dados, inspirados no estudo de Miyagawa (2010), temos agora um teste
independente para diferenciar pro de variável: a indução ou não de leituras estritas
obrigatórias.
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OBJETO NULO NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU: PRO OU VARIÁVEL?
Na secção seguinte, apresentamos um teste que utiliza esta diferença para aferir o
conhecimento das crianças sobre a construção de objeto nulo.
3. Teste para aferição da distinção pro/variável na aquisição do português europeu.
O teste que apresentamos nesta secção tem um duplo objetivo:
a) Pretende-se aferir se as crianças dominam a distinção entre leituras strict e
sloppy associadas a diferentes construções;
b) Em caso afirmativo, pretende-se ainda aferir se as crianças sabem que a
construção de objeto nulo admite ambas as leituras, o que será coerente com
uma gramática contínua face à do adulto.
Desenvolveu-se uma tarefa de juízo de valor de verdade, em que as crianças
observavam uma imagem, devendo atribuir um valor de verdade a uma descrição dessa
imagem proferida por um fantoche.
Por exemplo, para a aferição da leitura estrita associada a sujeitos nulos,
apresentava-se uma imagem como a da Fig.1 seguida de um comentário como o que
ocorre em (5):
Fig 1. Exemplo de imagem usada para testar sujeito nulo.
(5)O moreno disse que os pais estão sentados e o louro disse que pro estão de pé.
Dado que pro só admite leituras estritas, a descrição dada é, naturalmente, falsa.
Este tipo de imagem e comentário falso contrastam com o que ocorre com objetos
nulos, em que, perante uma imagem como a da Fig. 2, se apresenta uma descrição
contendo leitura sloppy (cf. 6), o que é verdadeiro na gramática do adulto:
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Fig. 2. Exemplo de imagem usada para testar objeto nulo.
(6)O louro abraça os pais e o moreno beija vbl.
O teste construído incluiu as seguintes condições:
•
•
•
•
•
•
Leitura estrita para sujeitos nulos (Verdadeiro);
Leitura sloppy para sujeitos nulos (Falso);
Leitura estrita para objetos nulos (Verdadeiro);
Leitura sloppy para objetos nulos (Verdadeiro);
Leitura estrita para elipse de VP (Verdadeiro);
Leitura sloppy para elipse de VP (Verdadeiro).
Vejamos a relevância de cada uma das condições. Nos casos de elipse de objeto
nulo, era nosso objetivo aferir se as crianças aceitam as duas leituras, comportando-se
de forma adulta e reconhecendo que o objeto nulo é uma variável. As frases com elipse
de VP funcionam como um controlo, permitindo testar se as crianças dominam a
diferença entre leitura estritas e sloppy noutra construção envolvendo variáveis.
Finalmente, as frases com sujeito nulo são cruciais para se saber se as crianças excluem
leituras sloppy, diferenciando pro de variável.
O teste foi construído com 5 itens por condição e 17 distratores. O elevado número
de distratores deve-se à necessidade de equilibrar o teste com respostas verdadeiras e
falsas, uma vez que a ambiguidade das condições de elipse de VP e objeto nulo não
permitia gerar respostas esperadas falsas.
Testaram-se 20 crianças com desenvolvimento típico, com idades compreendidas
entre os 5;01 e os 5;11, com uma média de idades de 5;05 e um grupo de controlo,
constituído por 15 adultos, com idades compreendidas entre os 23 e os 46 anos. O teste
foi aplicado a crianças com 5 anos de idade, uma vez que sabemos que, nesta idade,
apesar de já haver uma taxa considerável de produção de pronomes clíticos, ainda há
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OBJETO NULO NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU: PRO OU VARIÁVEL?
omissão em contextos ilegítimos na gramática do adulto (Silva, 2008; Costa, Lobo &
Silva, 2009).
Crianças e adultos foram testados individualmente num espaço com as condições
adequadas por duas investigadoras. Não foram impostas restrições de tempo ao
desempenho da tarefa e não foi dado qualquer estímulo em função das respostas dadas,
o que possibilitou controlar eventuais efeitos de cansaço que afetariam a resposta das
crianças. Em caso de hesitação, considerou-se válida a última resposta dada. Às crianças
foi oferecida uma recompensa no final da tarefa.
Resultados:
Na tabela 1, apresentam-se os resultados do grupo de controlo.
Tabela 1. Resultados do grupo de controlo.
%Respostas alvo
Leitura sloppy – sujeito nulo (Falso)
96% (72/75)
Leitura estrita – sujeito nulo (Verdadeiro)
100% (75/75)
Leitura estrita – objeto nulo (Verdadeiro)
100% (75/75)
Leitura sloppy –objeto nulo (Verdadeiro)
100% (75/75)
Leitura estrita – elipse de VP (Verdadeiro)
98,6% (74/75)
Leitura sloppy – elipse de VP (Verdadeiro)
98,6% (74/75)
Como se pode observar em T1., o grupo de controlo comporta-se de acordo com o
esperado em todas as condições, aceitando leituras estritas e sloppy nas condições
ambíguas (elipse de VP e objeto nulo) e excluindo leituras estritas na condição de
sujeito nulo.
Estes resultados podem ser comparados com os das crianças, que apresentamos na
tabela 2:
Tabela 2. Resultados das crianças.
%Respostas alvo
Leitura sloppy – sujeito nulo (Falso)
51% (51/100)
Leitura estrita – sujeito nulo (Verdadeiro)
64% (64/100)
Leitura estrita – objeto nulo (Verdadeiro)
71% (71/100)
Leitura sloppy –objeto nulo (Verdadeiro)
71% (71/100)
Leitura estrita – elipse de VP (Verdadeiro)
69% (69/100)
Leitura sloppy – elipse de VP (Verdadeiro)
86% (86/100)
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Pode observar-se que a performance das crianças é inferior à dos adultos em todas
as condições. Será necessário, em trabalho posterior, aferir a relevância estatística de
diferenças entre condições nos resultados das crianças. Ainda assim, observa-se que, em
todos os casos, as respostas das crianças são piores do que as dos adultos.
A única condição em que há um desempenho ligeiramente superior é na leitura
sloppy em contexto de elipse de VP, mas, ainda assim, com uma diferença notável face
à performance dos adultos.
Na condição de objeto nulo, a performance das crianças é muito inferior à dos
adultos e o mesmo acontece nas condições que envolvem sujeito nulo, que funcionavam
– recorde-se – como condições de controlo.
Discussão:
As dificuldades de interpretação que se encontraram para leituras sloppy e estritas em
todas as condições não podem ser atribuídas a um desconhecimento generalizado das
categorias nulas envolvidas.
Santos (2006/2009) mostra, convincentemente, que as crianças conhecem, desde os
seus comportamentos sintáticos mais precoces, a construção de elipse de VP através das
suas respostas a interrogativas sim-não.
De igual modo, nos nossos trabalhos anteriores, referidos acima, temos vindo a
mostrar que há conhecimento de que o português é uma língua de objeto nulo desde
cedo.
Finalmente, Gonçalves (2004) argumenta que o parâmetro do sujeito nulo é fixado
muito precocemente em português europeu, em linha com o que tem sido encontrado
para muitas outras línguas.
Tendo em conta estas observações sobre a aquisição precoce de sujeitos nulos,
objetos nulos e elipse, as dificuldades das crianças de 5 anos que participaram neste
estudo não podem ser atribuídas a falta de conhecimento global sobre as construções
que envolvem categorias nulas.
Estamos, assim, de volta à questão inicial, mas com alguns dados mais
interessantes. Recorde-se que estávamos interessados em saber se as crianças dominam
a construção de objeto nulo, tratando-o como uma variável, conforme na gramática do
adulto. Na esteira de Miyagawa (2010), defendemos que a distinção entre estas duas
categorias se observa não apenas no contexto de legitimação, mas também na
interpretação que lhes está associada.
Os resultados do presente estudo mostram que as crianças anulam a distinção entre
pro e variável, na medida em que não estabelecem as diferenças interpretativas
relevantes entre as duas categorias. É de particular interesse o comportamento das
crianças na condição que contém sujeitos nulos. Recorde-se que, mesmo nesta condição,
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as crianças não estabelecem a diferença entre leituras estritas e sloppy, o que sugere que,
mesmo para pro, esta não é uma diferença relevante.
Perante estes factos e esta indistinção generalizada, é legítimo colocar uma nova
hipótese, nos seguintes termos:
Entre os três e os seis anos, a diferença entre pro e variável não se estabelece.
Atingir um estádio de desenvolvimento adulto implicará dominar as condições
de interpretação que permitem diferenciar estas duas categorias.
Esta hipótese explica a sobregeneralização de objeto nulo de forma clara. Se o que
exclui o objeto nulo de ilhas fortes na gramática do adulto é o seu comportamento como
variável e não como pro, e se as crianças não têm mecanismo para distinguir pro de
variável, prediz-se que as crianças não têm ao seu dispor meios para excluir o objeto
nulo deste contexto.
4. Conclusões e passos futuros.
O estudo desenvolvido neste artigo permitiu-nos chegar às seguintes conclusões:
A. As crianças portuguesas aos 5 anos não distinguem leituras estritas de leituras
sloppy nos seguintes contextos: sujeito nulo, objeto nulo e elipse de VP.
B. Sabendo-se que a distinção entre leituras estritas e sloppy diferencia pro de
variável, as crianças testadas não dispõem de meios para diferenciar estas duas
categorias.
C. Esta indiferenciação prediz que as crianças produzam e aceitem frases com
objeto nulo em contextos em que esta construção é ilegítima face às
características da categoria nula envolvida enquanto variável.
As conclusões a que chegamos levantam, no entanto, novas questões, em particular
no que concerne ao comportamento dos sujeitos nulos. Note-se que, se não existe forma
de distinguir pro de variável, se prediz que o sujeito nulo das crianças possa apresentar
um comportamento diferente do dos adultos. Esta predição foi confirmada pela
aceitação de leituras sloppy por parte das crianças, mas importará testá-la em outros
contextos. A testagem de outras leituras para pro está a ser desenvolvida no estudo de
Silva (em preparação), que avalia a interpretação que adultos e crianças fazem de
sujeitos nulos e lexicais em contextos de obviação e de coordenação (cf. Friedmann &
Costa 2010).
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
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