EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA: BASES PARA UM PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO
Júlio César da Costa Ribas
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento
[email protected]
Lucilia Ipiranga
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento
[email protected]
Lúcio Eduardo Darelli
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento
[email protected]
Resumo: Epistemologia e ciência tendem a estabelecer relações pertinentes entre os
conceitos e para isso propõe aplicação de métodos e procedimentos científicos que
gerem autoridade intelectual à pesquisa. Relacionar conceitos ontológicos e
epistemológicos em uma linha de trabalho sistematizado é de extrema importância para
encontrar uma fundamentação teórica adequada. Neste artigo é revisto uma série de
fatores que devem ser considerados para que um trabalho atinja seus objetivos dentro de
uma concepção teórico-metodológica. Tais reflexões encaminham para a articulação
teoria-prática e para a compreensão da pesquisa como uma atividade criativa. Desse
processo, deve resultar a compreensão do fazer científico, da prática interdisciplinar, da
articulação teoria-prática e do aprendizado integrado pesquisa/ensino. Neste sentido são
abordamos os conceitos que permeiam a ciência e a epistemologia tidas como base para
a interdisciplinaridade em um programa de pós-graduação.
INTRODUÇÃO
Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são
derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por
observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver ouvir, tocar, etc.
Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na
ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável
porque é conhecimento provado objetivamente. (CHALMERS, 1976-1993, p. 23).
Ciência, um termo, uma palavra, um conceito. Parece que, em si já diz tudo,
porém, para muitos o conceito de ciência tem sido uma grande discussão ao longo da
história da própria ciência.
Hoje em dia, o fazer científico parece não se desvencilhar do método científico,
é inconcebível falar em ciência sem se cogitar as regras pela qual a investigação
científica se dará. É claro que tal constatação revela que tudo para ser considerada
ciência tem que estar apoiado na experimentação, e será através deste último, o veículo
pelo qual o cientista apresentará sua prova, ou não.
Mas, se, o fazer científico, em épocas remotas foi exercido pelo puro
abstracionismo não empírico - a ciência teorizadora – a partir da idade média, com as
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revoluções que a história tão bem registra, revoluciona-se também a ciência e seus
cientistas. O conhecimento deixa de ser uma possibilidade retórica, ou uma expressão
teórica, para passar ao nível da experiência teórico-prática. A prova é tudo, e provar
significa repercutir uns cem números de vezes o mesmo evento com os mesmos
resultados refletindo um recorte especial do mundo real observável. A natureza é
‘imitável’, e o evento imitado é a prova.
Com a fragmentação do conhecimento em áreas científicas, também se
fragmentou a ciência. Assim, passados por alguns obstáculos conceituais e curriculares,
sobre qual conhecimento poderia ser guindado à categoria de ciência específica,
constatou-se, nos dias atuais, um empobrecimento do conhecimento científico como um
todo. É como se, no início tudo fizesse mais sentido. Nos primórdios da civilização
humana algum tipo de ciência já se fazia presente entre nós, naquela época não se falava
em ciência, nem tão pouco seu operador era cientista – tão somente era um filósofo, ou
sábio, ou um artista. Por muito tempo negou-se esta perspectiva de ciência por carecer
de empirismo, de prática.
Em resposta a uma necessidade verificada, principalmente, nos campos das
ciências humanas e da educação, surge na segunda metade do século passado a
interdisciplinaridade, articulando as dimensões teórico-metodológicas do pensamento,
com objetivo de superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento,
causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estão o
empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade.
Hoje estamos num movimento de retorno dessas idéias, parece que o ideal é a
compreensão do todo, ou pelo menos com a somatória de outras partes da ciência, para
uma visão maior do ‘quase todo’. Entramos na era da interdisciplinaridade, a ciência
exploradora de um evento da natureza sob o olhar de várias ciências. O mesmo objeto
visto sobre vários ângulos. Será possível compreender melhor o mundo dessa
perspectiva?
O presente artigo aborda conceitos acerca da ciência e epistemologia, suas
relações e pressupostos como bases para um programa de pós-graduação. Reflete e
instiga à reflexão sobre a importância de construir o conhecimento em conjunto com
outras áreas, pelo exercício da interdisciplinaridade, exemplificando no trabalho o caso
do programa de pós-graduação em engenharia e gestão do conhecimento da
Universidade Federal de Santa Catarina.
CONTEXTUALIZANDO A CIÊNCIA
A idéia de Ciência - como a conhecemos hoje - passou por várias concepções
desde que o homem, com o ato de investigar, se interessou por entender e explicar as
coisas que o cercam bem como toda a complexidade do mundo. Embora não possamos
com exatidão apontar o início do interesse investigativo do homem, podemos remontar
à antiguidade clássica, não necessariamente como ponto de partida, mas, como um
referencial histórico do pleno desenvolvimento do raciocínio humano.
O berço do pensamento e da sabedoria – a Grécia de 600 A.C. - legou ao mundo a
Filosofia e seus filósofos. Desde as concepções de mundo (homem, natureza e coisas
intangíveis) até a própria concepção de ciência como é entendida hoje, a humanidade
necessitou de alguma forma, do pensamento filosófico para fundamentar suas idéias.
A Ciência em si está muito atrelada ao ato de ‘fazer ciência’. E o fazer científico
abordado nas perspectivas de renomados autores como Triviños, Hughes, Morgan,
Kunh, Severino, Lakatos, Comte – somente para referenciar alguns dentre tantos outros
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-, nos dão uma pequena idéia do quão complexo é o entendimento de ‘ciência’ tanto
quanto o de ‘fazer ciência’.
Segundo Ferreira (2004, p. 465), ciência: “Conjunto de conhecimentos
socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de
universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com
métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, possivelmente,
orientar a natureza e as atividades humanas”.
Para Severino (2002, p. 30) “A ciência, enquanto conteúdo de conhecimentos, só
se processa como resultado da articulação do lógico com o real, da teoria com a
realidade.”
Desta forma, o fazer científico produz como resultado um conhecimento
científico, que se acumula com o tempo, e pode ou não tornar-se obsoleto dada as
mudanças de todas as ordens por que pode passar a humanidade. Essa idéia parece ser
ponto pacífico uma vez que descobertas científicas, modelos e métodos científicos
tendem às mudanças (que são as inevitáveis adaptações ou reedições teóricas,
incrementos, avanços, ou mesmo mudanças bruscas de paradigmas) e a sociedade, por
sua vez, é o grande termômetro para o seu desenvolvimento. Ora, descobertas
científicas nada são antes da pesquisa científica, que trilha por alguns caminhos que vai
desde a trabalhosa investigação, reflexão, comprovação, até finalmente, reprodução do
evento ou fenômeno.
O destino de uma descoberta ou de uma proposta científica não é o de ser eterna,
mas o de atender uma demanda investigativa que em dado momento histórico foi (é, e
será) necessária. Portanto, a boa ciência é feita com critério, atenção, método, e,
sobretudo compromisso. Isso leva tempo!
Na antiguidade clássica os filósofos eram os senhores do conhecimento. O
conhecimento clássico não possuía divisões, contudo, era concebido segundo
dimensões: as matemáticas, as naturais e, as místicas (divindades, espirituais, ou
teológicas).
Ciência moderna e ciência contemporânea
É de se supor, por que seja da natureza da ciência reciclar-se ao longo do tempo,
que as premissas da atitude disciplinada ao ato investigativo proposta por Triviños
(1987) e a necessária base filosófica para empreender investigação científica segundo
Hughes (1980) sejam normas de um ‘fazer ciência’ com esmero ao compromisso
científico.
O positivismo, como abordagem metodológica foi muito utilizado na pesquisa
das ciências sociais, principalmente nas décadas de 50 a 70. Contudo, em meados da
década de 80, tem início a contestação, pela crítica mundial, do uso dessa abordagem na
pesquisa em ciências sociais. Os principais críticos (historicamente) são representantes
da Escola de Frankfurt (Adorno, Habermas, Mercuse).
O positivismo perdeu a importância na pesquisa das ciências sociais que se
realizava, especialmente nos cursos de prós-graduação das universidades, porque a
prática da investigação se transformou numa atividade mecânica, muitas vezes alheia às
necessidades dos países, sem sentido. (TRIVIÑOS, 1987, p.31)
Hughes (1980, p. 14) afirma que: “Nenhuma técnica ou método de investigação
confere autenticidade a si próprio: sua eficácia, sua própria categoria enquanto
instrumento de pesquisa capaz de investigar o mundo depende, em última análise de
justificação filosófica”.
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A pesquisa em ciências sociais, Triviños (1987), não pode utilizar-se de métodos
científicos que desconsiderem a questão sócio-política como inerente ao processo
investigativo tanto quanto ao objeto investigado. Muito embora as abordagens
positivista, marxista e fenomenológica possam cada qual dar resposta a problemas
diversos, ainda assim necessitam de grande dose de disciplina metodológica, ou seja,
para Triviños o grande problema da pesquisa científica não está no método, mas na
indisciplina no desenvolvimento do pensamento investigativo.
A indisciplina de Triviños constitui-se na ausência de coerência entre métodos
científicos e abordagem conceitual ou corrente de pensamento científico. A mistura
desses ingredientes torna difícil a tarefa de investigar e concluir. É quase impossível
justificar de forma racional quando o método e a corrente filosófica se contrapõem.
As ciências do século XIX têm influência direta com o pensamento
revolucionário por que passa a Europa daquela época. Desde a revolução industrial –
cujo processo demorou pelo menos três ciclos de 50 anos - até a revolução francesa de
1789, o pensamento crítico daquele período também revolucionou sua ciência. A
filosofia que possuía lugar de destaque quase inabalável começa ceder espaço para as
disciplinas oficiais com interesse das indústrias. A química, a física (com ênfase na
mecânica e engenharias) e as geociências (mapas, cartografias, geografia), as ciências
matemáticas reeditadas para subsidiar as novas disciplinas, dão origem à fragmentação
do conhecimento em disciplinas isoladas. No campo das ciências sociais, a evolução
ocorre mais tarde, nasce antes a política e a antropologia.
Pensadores como Comte e Dürkhein contribuem para o nascimento das ciências
sociais. Comte com o mérito de inaugurar o pensamento positivista como método
investigativo científico, e Dürkhein – seu sucessor e não menos importante - por elevar
ao nível de ciência, a disciplina de sociologia, aplicando a abordagem positivista ao
estudo da sociedade de seu tempo.
Para Comte e Dürkhein a sociedade é regulada por leis naturais, leis invariáveis,
independentes da vontade e da ação humana, como a lei da gravidade ou do movimento
da terra em torno do sol, de modo que nela reina uma harmonia semelhante à da
natureza, uma espécie de harmonia natural. Assim a metodologia utilizada pelas
ciências sociais tem que ser idêntica à metodologia das ciências naturais, posto que o
funcionamento da sociedade seja regido por leis do mesmo tipo das da natureza.
Destarte, os elementos da ciência segundo Vilela Jr. (2008, p. 6) devem conter
os seguintes aspectos:




Objetividade – é a identificação de características comuns (ou leis gerais) de
um dado fenômeno. A busca de similaridades é o primeiro passo para
sistematização que inerente ao processo científico.
Funcionalidade – característica da ciência que se refere ao aumento da
capacidade de compreensão do mundo possui natureza cumulativa.
Formalidade – refere-se às normas e métodos específicos pelas quais uma
determinada ciência estuda o mesmo objeto material.
Materialidade - refere-se ao objeto de estudo em si, aquilo que se torna objeto
de análise ou interpretação.
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Figura 1 – Classificação da ciência, segundo Comte
Ainda segundo Vilela Jr. (2008, p. 7), a classificação da ciência pelo modelo
proposto por Comte está representada na figura 1.
O método científico
O pesquisador, a fim de poder realizar seu trabalho de investigação científica,
necessita empregar um conjunto de processos, regras ou operações mentais que será a
base de todo seu raciocínio lógico-investigativo, esse conjunto metodológico chamamos
de “método científico”.
Os métodos empregados, de maneira geral, em investigação científica, ao longo
do tempo e ainda hoje, são: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e
fenomenológico. Segundo Gil (1999, p.26) “A investigação científica depende de um
“conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos”.
O Método Dedutivo proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza, Leibniz,
que pressupõe que só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio
dedutivo tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas por intermédio de uma
cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular chega
a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica para, a partir de duas premissas,
retira uma terceira logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de
conclusão (GIL, 1999; LAKATOS & MARCONI, 1993).
O Método Indutivo proposto pelos empiristas, Bacon, Hobbes, Locke, Hume.
Considera que o conhecimento é fundamentado na experiência, não levando em conta
princípios preestabelecidos. No raciocínio indutivo a generalização deriva de
observações de casos da realidade concreta. “As constatações particulares levam à
elaboração de generalizações.” (GIL, 1999; LAKATOS & MARCONI, 1993).
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O Método hipotético-dedutivo proposto por Popper consiste na adoção da
seguinte linha de raciocínio: “quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado
assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para
tentar explicar a dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou
hipóteses.
“Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas
ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses.
Enquanto no método dedutivo procura-se a todo custo confirmar a hipótese, no método
hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la”
(GIL, 1999, p.30).
O método Dialético fundamenta-se na dialética proposta por Hegel na qual as
contradições se transcendem dando origem às novas contradições que passam a requerer
solução. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Considera
que os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político,
econômico, etc. Empregado em pesquisa qualitativa (Gil, 1999; Lakatos & Marconi,
1993).
Preconizado por Husserl, o método fenomenológico não é dedutivo nem
indutivo. Preocupa-se com a descrição direta da experiência tal como ela é. A realidade
é construída socialmente. A realidade é entendida como o compreendido, o interpretado,
o comunicado. Então, a realidade não é única: existem tantas quantas forem as suas
interpretações e comunicações. O sujeito/ator é reconhecidamente importante no
processo de construção do conhecimento (Gil, 1999; Triviños, 1987). É empregado em
pesquisa qualitativa.
Na perspectiva de se avançar além fronteiras do conhecimento, há que se
esboçar uma proposta de inter-relação das metodologias e conceitos sobre ciência. A
busca pela interdisciplinaridade ou da transdisciplinariedade – tema recorrente nos
meios acadêmicos – exige uma reanálise dos atuais paradigmas da ciência.
O desenvolvimento humano e social, em todas as eras, deu saltos significativos
toda vez que paradigmas foram quebrados. As grandes descobertas, assim como, as
importantes contribuições da ciência que se fizeram notar no dia-a-dia do homem
comum, foram justamente aquelas que possibilitaram a sociedade como um todo evoluir
de seus estágios anteriores. Há, portanto uma evidente sinergia entre desenvolvimento
social e desenvolvimento científico. Talvez, o mais importante para a sociedade
humana, a partir de agora, seja considerar que a ciência – seja ela qual for – esteja a
serviço de justificar a própria existência humana integrada neste e em todos o possíveis
contextos que a raça humana poderá vir coexistir. Todo o esforço humano, seja técnico
ou científico, tem como pano de fundo a busca pela inexorável questão existencial –
quem sou eu, de onde venho, e para onde vou?
Talvez as questões primárias do existencialismo sejam irrespondíveis por
natureza. É como conceituar o Big-Bang, como modelo atual de criação do cosmo e de
todas as coisas que se permitiu criar com esse primeiro estopim cósmico. Mas, se esse
modelo é o mais provável, pergunta-se: - e antes do Big-Bang, o que havia? Sobra
muito pouco da imaginação humana para tecer alguma alternativa. A mais comum seria
que talvez Deus existisse antes do big-bang ou, simplesmente, de que nada mais havia.
O problema é que nem Deus - que pode ser tudo para alguns, ou ‘nada’ para outros - ou
o universo (que não se consegue conceber) cabem em qualquer outro modelo científico
– são irrespondíveis.
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EPISTEMOLOGIA
O termo epistemologia tem origem do grego episteme que significa ciência e
logos, que significa teoria. Em geral, entende-se que é a disciplina que toma as ciências
como objeto de investigação com o intuito de reagrupar a crítica do conhecimento
científico, a filosofia e a história das ciências (JAPIASSU e MARCONDES, 1991. p.
83).
O domínio de saber da epistemologia não se inscreve somente na ciência ou na
filosofia, muda de forma conforme o contexto e pode ser lógica, filosofia do
conhecimento, sociologia, psicologia ou história, mas não vai distante de uma questão
central:
[...] estabelecer se o conhecimento poderá ser reduzido a um puro registro, pelo
sujeito, dos dados já anteriormente organizados independentemente dele no mundo
exterior, ou se o sujeito poderá intervir ativamente no conhecimento dos objetos
(JAPIASSU e MARCONDES, 1991. p. 83).
Visto por este aspecto, percebe-se a importância de refletirmos sobre a
relevância acadêmica, social e cultural dos projetos de pesquisa desenvolvidos nos
programas de pós-graduação e, suas devolutivas na forma de construção de
conhecimento, para a sociedade e a comunidade acadêmica.
A Epistemologia e Pesquisa
Não há verdade absoluta e sim, possibilidades para o pensamento-ação, a
procura incessante por novas verdades, comprovadas cientificamente, pode estar
relacionada à produção de uma nova potência inventiva, um novo mundo, pois a vida
medra rizomática e insistente por entre as pedras do caminho.
Para esta análise e partindo da necessidade de compreender epistemologia e sua
relação engendrada em conjunto com as ciências, é necessário visitar alguns autores e
suas idéias sobre construção do conhecimento, entre eles, examinaremos a contribuição
de duas vertentes epistemológicas, Gaston Bachelard e Edgar Morin, suas visões de
ciência e de construção do conhecimento, pois em muitos sentidos suas teorias são
convergentes. Dentre eles está a crítica a aspectos da ciência clássica e a afirmação da
necessidade de construção de um pensamento complexo para a ciência.
Para Bachelard (2006) é necessário dar às ciências a filosofia que elas merecem.
Neste sentido, será evidenciada neste artigo sua epistemologia, principalmente no que
diz respeito à produção do conhecimento e ciência gerados nos programas de pósgraduação.
Uma epistemologia da complexidade é o que propõe Edgar Morin, uma
epistemologia adequada ao pensamento complexo, desviando o olhar da ciência
moderna e colocando o indivíduo em uma nova posição diante da realidade, propondo
assim, uma nova forma de conhecimento, opondo-se diretamente a ciência moderna que
se funda, segundo ele, em um paradigma da simplificação, que tem como princípios a
disjunção, a redução e a abstração.
Epistemologia e filosofia das ciências – Bachelard
Uma Epistemologia como filosofia das ciências, assim é que Bachelard (2006)
propõe a relação entre o sujeito cognocente e o objeto conhecido, mas adequada ao
pensamento contemporâneo. Próprio da contemporaneidade, ele propõe uma
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Epistemologia ligada à Filosofia, não submetida aos sistemas clássicos e busca conciliar
o discurso filosófico e o discurso científico.
Bachelard desenvolve um novo racionalismo, assim descrito em Japiassu:
[...] se constrói instaurando uma ruptura entre o conhecimento comum e
conhecimento científico. A ciência não é o aprofundamento do saber já
presente ou da ilusão do saber, mas perpétua recusa. “Não há verdades
primeiras, o que há são erros primeiros”. Eis o novo espírito científico:
“quando se apresenta à cultura científica, o espírito nunca é jovem. Ele é
mesmo muito velho, pois tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência
é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma mutação brusca que deve
contradizer um passado. Para um espírito científico, todo o conhecimento é
uma resposta a uma questão. Se não há questão, não pode haver
conhecimento científico. Porque, nada é dado. Tudo é construído (JAPIASSU
e MARCONDES, 1991. p. 32).
Em sua obra “Conhecimento Comum e Conhecimento Científico”, Bachelard
argumenta sobre esta ruptura evidente e nítida:
Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, a ruptura nos
parece tão nítida que estes dois tipos de conhecimento não poderiam ter a
mesma filosofia. O empirismo é a filosofia que convém ao conhecimento
comum. O empirismo encontra aí sua raiz, suas provas, seu desenvolvimento.
Ao contrário, o conhecimento científico é solidário com o racionalismo e,
quer se queira ou não, o racionalismo está ligado à ciência, o racionalismo
reclama fins científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece
uma atividade dialética que prescreve uma extensão constante dos métodos
(BACHELARD, 1972, p. 45).
A proposta de Bachelard por uma filosofia das ciências justifica-se por ela ser a
única filosofia aberta, argumenta que as demais estariam apegadas ao caráter fechado.
Com fundamento nesta idéia busca desenvolver uma mentalidade verdadeiramente
científica, promove o rompimento com o conhecimento comum e com as noções
filosóficas tradicionais que constituem obstáculos à produção do conhecimento
científico.
A razão deve obedecer à ciência, à ciência mais evoluída, à ciência que evolui
“[...] A aritmética não se fundamenta na razão. É a doutrina da razão que se fundamenta
na aritmética elementar. A geometria, a física e a aritmética são ciências; a doutrina
tradicional de uma razão absoluta, imutável, nada mais é senão uma filosofia. É uma
filosofia que já teve sua época” (BACHELARD apud REALE, Giovani e ANTISERI,
Dario, 2003, p.1012).
Bachelard (apud Reale; Antiseri, 2003, p.1014), propõe uma epistemologia que
rompe com a idéia de conhecimentos universais e absolutos, propõe ainda, um
movimento para o conhecimento, sendo este constantemente retificado, deslocando-se
constantemente em uma dialética profícua do já constituído com o a constituir-se. Este
movimento transcende à questão do ensino e da pesquisa e se coloca como problemática
para todos os campos do conhecimento.
Epistemologia da complexidade - Morin
A grande descoberta do século é que a ciência não é o reino da certeza. Morin, e
sua idéia de complexidade nos convocam para uma reforma do pensamento similar à
mudança promovida pelo paradigma copernicano. A complexidade promove liberdade,
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pois somos incluídos em um mundo que se “autoproduz”, demanda um novo sentido à
ação.
A epistemologia da complexidade trata de uma visão interdisciplinar acerca dos
sistemas complexos adaptativos, do comportamento emergente de muitos sistemas, da
complexidade das redes, da teoria do caos, do comportamento dos sistemas distanciados
do equilíbrio termodinâmico e das suas faculdades de auto-organização.
O pensamento complexo, segundo Morin (2007, p.17), “exige a reintegração do
observador em sua observação”.
Trata-se, por consequência, ao mesmo tempo de desenvolver uma teoria, uma
lógica, uma epistemologia da complexidade que possa convir ao conhecimento do
homem. Portanto o que se busca aqui é ao mesmo tempo a unidade da ciência e a teoria
da mais alta complexidade humana (MORIN, 2007, p. 17).
Há um paradoxo também no interior da complexidade, há ainda o risco de
sufocar a si mesma e destruir-se. Nas palavras de Morin (2001, p. 171) “A razão não é
dada, a razão não gira sobre rodas, a razão pode autodestruir-se por processos internos,
a racionalização. Esta é o delírio da lógica, o delírio da coerência que deixa de ser
controlada pela realidade empírica”.
Uma nova concepção de espaço e tempo vem sendo vivenciado pela
humanidade, é uma época de transição, pois, antes, havia parâmetros fixos que
permitiam a idéia de certeza das ciências, agora complexos e exigindo uma nova
postura.
[...] o espaço e o tempo não são mais entidades absolutas e independentes.
Não só não há mais uma base empírica simples, como também uma base
lógica simples (noções claras e distintas, realidade não o substrato físico.
Resulta daí uma consequência capital: o simples (as categorias da física
clássica que constituem o modelo de qualquer ciência) não é mais o
fundamento de todas as coisas, mas uma passagem, um momento entre
complexidades,
complexidade
microfísica
e
a
complexidade
macrocosmofísica. (MORIN, 2007, p. 19)
A complexidade é a marca do ser humano e do modo como organiza suas idéias
sendo capaz de se auto-organizar e de estabelecer relações com o outro, engendrando
uma relação de alteridade que o sujeito encontra a autotranscendência, superando-se,
interferindo e modificando o seu meio num processo de autoecorganização a partir de
sua dimensão ética que reflete seus valores, escolhas e percepções do mundo.
Uma epistemologia da complexidade reúne aspectos e categorias de diferentes
dimensões, como ciência, filosofia e artes, e ainda, diversos tipos de pensamento míticos, mágicos, empíricos, racionais, lógicos, numa teia de relações que faz emergir o
sujeito no diálogo constante com o objeto do conhecimento. Pondera e calcula a
qualidade da comunicação entre as diversas áreas do saber e compreende ordem,
desordem e organização como fases importantes e necessárias de um processo que
culmina no autoecorganização de todos os sistemas vivos.
A categoria que atua como catalisador desta epistemologia é a
transdisciplinaridade que trata da integração de diferentes disciplinas, pois não devem
existir fronteiras entre áreas do conhecimento e a interação chega a um nível tão elevado
que é praticamente impossível distinguir onde começa e onde termina cada disciplina.
Similar ao movimento das pesquisas acadêmicas e da própria vida é que a idéia de
transdisciplinaridade proporcione possibilidades de articulações e contextualizações de
conhecimento.
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As idéias destes dois autores nos levam a refletir sobre a qualidade da produção
de conhecimento que vem sendo promovida na academia, qual a relevância social, que
contribuições estão sendo articuladas e que novas possibilidades estão sendo
engenhadas para tornar a vida humana mais digna e autoecorganizada? Quais
articulações são necessárias para relação entre sustentabilidade e gestão do
conhecimento?
O MOVIMENTO DA IDÉIA DE INTERDISCIPLINARIDADE
O século XII sinaliza o início das rupturas na visão cosmológica, antropológica e
epistemológica da elite intelectual européia. Até o século XIII o conhecimento
verdadeiro era alcançado pela contemplação, pelo êxtase e pela revelação. No século
XVII é a razão discursiva quem passou a ser o caminho para se chegar ao conhecimento
verdadeiro. Para Sommerman (2006), essas mudanças basilares na busca do
conhecimento verdadeiro é o que se caracteriza como ruptura epistemológica, apoiada
numa grande ruptura cosmológica e antropológica. A outra grande ruptura
epistemológica ocorreria no século XIX, como consequência da ruptura anterior.
O saber começa a ser fragmentado desde o século XVII, quando emerge a
ciência moderna e devido as metodologias científicas propostas pelas epistemologias
racionalistas e empiristas. O iluminismo apoiado no racionalismo, na metade do século
XVIII, reforça a separação dos saberes conforme os objetos do conhecimento, mas
ainda afirma a existência de um diálogo entre eles, como indica a obra denominada
enciclopédia (kyklos, círculo e paidéia, cultura), que significa encadeamento circular do
conhecimento. Até o século XVIII os grandes pensadores tinham formação universal. A
educação e a pesquisa disciplinares só se instituíram, de fato, no século XIX, em função
das rupturas descritas anteriormente (século XIII e XIX) e da especialização crescente
do trabalho na civilização industrial em construção, vindo a tornar-se uma
hiperespecialização disciplinar na metade do século XX, pelo processo histórico em tela
e ainda pelo crescimento exponencial do volume e complexidade dos conhecimentos,
bem como a multiplicação e sofisticação da tecnologia. Em síntese, a epistemologia
tradicional (multidimensional) até o século XIII deu lugar ao racionalismo
(bidimensional: matéria e espírito) no século XVII que foi substituída pelo empirismo
(unidimensional: matéria) no século XIX.
Segundo Pineau (apud Sommerman, 2006, p. 25) a definição de disciplina é
apresentada a partir de um seminário organizado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, em 1970, como sendo “conjunto específico de
conhecimentos que tem suas características próprias no plano do ensino, da formação,
dos mecanismos, dos métodos e das matérias”. Partindo da análise dos campos
semânticos apresentada por Pineau para o conceito de disciplina, o autor sugere outra
definição como sendo “o aprendizado ou o ensino de uma ciência, seguindo as regras e
métodos da ciência a que corresponde”.
Em meados do século XX, como já exposto, presenciamos a hiperespecialização
disciplinar e como estratégia de compensar essa hiperespecialização propunham-se
diferentes níveis de cooperação entre disciplinas com o objetivo de minimizar os
problemas herdados pelo volume e complexidade de conhecimentos gerados além da
sofisticação tecnológica. Estas propostas receberam diversas denominações. Ao longo
deste trabalho serão utilizadas algumas dessas denominações, portanto buscamos alguns
referenciais teóricos para elucidar determinados conceitos como: multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
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Para Piaget (1973) multidisciplinaridade se faz presente quando “a solução de
um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou setores do
conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas
modificadas ou enriquecidas”.
Sustentado por diversos teóricos como Coimbra (1990) e Japiassu (1992), entre
outros, define a multidisciplinaridade como ausência de nexo, relações ou ainda
cooperação entre as disciplinas. A pluridisciplinaridade como justaposição de
disciplinas mais ou menos próximas, com certo nível de relação, que se limita à troca de
informações, não existindo, no entanto, uma profunda interação e coordenação.
Para Cardoso (2008, p. 25):
... a palavra multidisciplinaridade refere-se a diferentes conteúdos de
disciplinas distintas trabalhadas num mesmo momento, não havendo uma real
integração entre eles. A multidisciplinaridade permite ainda trabalhar
diferentes conteúdos de uma mesma disciplina integrados no mesmo
contexto. Diferentemente no que se refere a pluridisciplinaridade, esta ocorre
quando um único tema é desenvolvido por várias disciplinas com objetivos
distintos. A característica está no fato de que, embora com o mesmo tema,
não há integração das disciplinas.
No que tange à interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, encontraremos várias
significações que emergem de diversos autores. Encontraremos interdisciplinaridade como
um nexo entre duas ou mais disciplinas, como sistema de dois níveis e de objetivos
múltiplos, como método de pesquisa e de ensino promovendo a interação desde a simples
comunicação das idéias até a integração mútua de conceitos, da epistemologia, da
terminologia, dos procedimentos.
Segundo Philippi (2000, p. 58) “O interdisciplinar consiste num tema, objeto ou
abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e
vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo
diversificado e unificado”.
Segundo Piaget (1973), o termo interdisciplinaridade deve ser reservado para
designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de
uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio
levando a um enriquecimento mútuo”.
Quanto ao termo transdisciplinaridade, foi cunhado e referenciado por Piaget no
Seminário sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado em Nice,
França, em 1970. Diversos eventos internacionais foram acontecendo e com isso
clarificando o conceito de transdisciplinaridade. Logo, este conceito foi sendo
construído paulatinamente em diversos eventos que contaram com a organização da
UNESCO em 1986 em Veneza, depois em 1991, em Paris, em 1994 em Arrábida,
Portugal e 1997 em Locarno, Suiça. Mas foi em 1994, por ocasião do I Congresso
Mundial da Transdisciplinaridade, organizado pelo Centro Internacional de Pesquisas e
Estudos Transdisciplinares (CIRET), sediado em Paris e realizado em Arrábida
(Portugal) que ocorreram significativos ganhos. Neste evento foi elaborada a Carta da
Transdisciplinaridade, onde se observam avanços em relação ao conceito e
metodologias transdisciplinares.
O conceito de transdiciplinaridade registrado naquela Carta enaltece a visão
transdisciplinar como uma visão aberta em relação ao domínio das diversas disciplinas,
àquilo que as atravessa e as ultrapassa que conduz a uma atitude aberta em relação aos
mitos, às religiões.
11
A transdisciplinaridade de acordo com Piaget (1973) é um conceito que envolve
“não só as interações ou reciprocidade entre projetos especializados de pesquisa, mas a
colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos
entre as disciplinas”. A Figura 2 ilustra o modelo de Jantsch. Uma representação gráfica
que sintetiza os conceitos apresentados.
Figura 2 - Modelo de Jantsch (1995)
INTERDISCIPLINARIDADE E O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ENGENHARIA E GESTÃO DO CONHECIMENTO
O Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento
O programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento
(EGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é decorrente de uma
reestruturação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP).
Referido programa está inserido na área interdisciplinar, nova denominação desde 2008
em substituição a denominação multidisciplinar, (COMISSÃO, 2009), da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, um órgão governamental
criado no Ministério da Educação (MEC), em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº.
29.741, com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em
quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos
públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país.” (HISTÓRICO, 2010).
A CAPES comunicou à UFSC, através do ofício nº 164/2004 de 31/03/2004 a
recomendação do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do
Conhecimento/EGC, nos níveis de mestrado e doutorado com conceito inicial 4
12
(quatro), em uma escala que varia de 1 a 7 (CARTA, 2004). Atualmente o conceito do
programa nos níveis de mestrado e doutorado é 4 (quatro).
Conforme detalhamento do anteprojeto da Pós-Graduação em Engenharia e
Gestão do Conhecimento (DETALHAMENTO, 2004) um dos principais pontos reside
na visão epistemológica sobre o objeto de pesquisa do Programa e, em particular, seu
caráter de multidisciplinaridade e o relacionamento intrínseco entre suas áreas de
concentração. O objeto de pesquisa do Programa é o processo de criação, codificação,
gestão e disseminação de conhecimento. Esse objeto está inserido em um ambiente
constituído de espaço semântico, mecanismos de comunicação, atores e lógica de
relação entre esses elementos. Nesse ambiente o objetivo do programa consiste em
pesquisar, conceber, desenvolver e aplicar modelos, técnicas e instrumentos no ciclo de
atividades do processo que caracteriza seu objeto de pesquisa. A Figura 3 ilustra o
ambiente de inserção do objeto de pesquisa do programa.
Figura 3 – Ambiente em que se insere o objeto de pesquisa do Programa.
A caracterização multidisciplinar do programa se dá pela articulação de três
áreas de concentração na busca dos objetivos dos cursos de mestrado e doutorado, a
saber: Engenharia do Conhecimento, Gestão do Conhecimento e Mídias e
Conhecimento. A Figura 4 ilustra a relação entre as áreas do conhecimento e o objeto de
pesquisa do programa.
Figura 4 – Relação entre as áreas de concentração e o objeto de pesquisa do programa
Em um dos planos da articulação entre as áreas, está a relação entre a área de
Engenharia do Conhecimento com as áreas de Mídia e Conhecimento e Gestão do
Conhecimento. Neste cenário, a Engenharia do Conhecimento, focada na codificação e
descoberta de conhecimento, provê metodologia e ferramentas para os processos de
13
gestão e disseminação do mesmo. As áreas de Mídia e Conhecimento e Gestão do
Conhecimento a Engenharia encontra objetos de pesquisa para a concepção e aplicação
de novos instrumentos.
Em outro plano, ocorre a interação entre as áreas de Mídia e Conhecimento e
Gestão do Conhecimento. A área de Mídia oferece à Gestão, metodologias e
ferramentas de compartilhamento e disseminação, tornando a comunicação mais efetiva
no processo de gestão. No sentido inverso, é na área de Gestão que os integrantes do
Programa ligados à área de Mídia encontrarão elementos de pesquisa.
Finalmente, a área de Gestão do Conhecimento oportuniza às outras duas áreas
novas abordagens, dada sua visão de organização como uma estrutura de conhecimento,
o que permite à Engenharia e à Mídia novas bases cognitivas para concepção e
desenvolvimento de suas pesquisas.
Deve-se ter sempre presente que, nesse contexto, a separação de qualquer das
áreas descaracteriza a proposta de multidisciplinaridade do Programa, dado a
modificação de sua abordagem quanto ao objeto de pesquisa.
A Interdisciplinaridade no Contexto da Capes
A coordenação de área multidisciplinar criada em 1999, onde a Pós-Graduação
em Engenharia e Gestão do Conhecimento estava inserida, foi nomeada Área
Interdisciplinar em 2008, passando a compor a Grande Área Multidisciplinar. Esta
mudança ocorreu (COMISSÃO, 2009):
“... da necessidade de se dar conta de novos problemas, de diferentes
naturezas e com níveis de complexidade crescentes, que emergem no mundo
contemporâneo, muitas vezes decorrentes do próprio avanço dos
conhecimentos científicos e tecnológicos, baseados em uma construção do
saber notadamente disciplinar”.
De acordo com a CAPES (COMISSÃO, 2009), ao longo do tempo tem sido
observado amadurecimento nos procedimentos e instrumentos de avaliação dos
Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares. Mesmo considerando a elevada taxa de
não recomendação de novos cursos, a Área Interdisciplinar é aquela com o maior
número de cursos reconhecidos. Esta constatação chama a atenção para a necessidade
de uniformização na proposição e aplicação de procedimentos e critérios de avaliação.
Segundo a CAPES (COMISSÃO, 2009), desde que foi criada, em 1999, a
Coordenação de Área Interdisciplinar tem apresentado o maior taxa de crescimento na
CAPES. Dois fatores são reconhecidos como os responsáveis por esta constatação:
A existência da Área propiciou e induziu na Pós-Graduação brasileira a
proposição de cursos em áreas inovadoras e interdisciplinares, acompanhando a
tendência mundial de aumento de grupos de pesquisa e programas acadêmicos tratando
de questões intrinsecamente interdisciplinares e complexas; e a comissão serviu de
abrigo para propostas de novos cursos de universidades mais jovens ou distantes, com
estruturas de Pós-Graduação em fase de formação e consolidação, com dificuldades
naturais de constituir densidade docente.
Em função do expressivo número de cursos abrigados pela Área Interdisciplinar
as atividades foram organizadas de forma a responder ao desafio imposto pelo seu porte,
ao mesmo tempo em que se preservava a qualidade das avaliações. Como solução
apontada para atender a demanda, em 2006, que de certo modo consolidou a prática de
organização dos trabalhos que vinha ocorrendo desde 2004, foi a criação de quatro
14
Câmaras Temáticas: CAInter I - Meio Ambiente & Agrárias; CAInter II - Sociais &
Humanidades; CAInter III - Engenharia, Tecnologia & Gestão; e CAInter IV - Saúde &
Biológicas.
A evolução da área de avaliação pode ser observada nas Figuras 5 e 6, onde são
apresentadas a evolução da quantidade de cursos na Coordenação de Área
Interdisciplinar (CAInter).
Figura 5 - Evolução do número de cursos de Pós-Graduação da CAInter credenciados pela CAPES.
Figura 6 - Evolução anual do número de cursos de Pós-Graduação submetidos à CAInter e Credenciados
pela CAPES.
Segundo a Coordenação de Área Interdisciplinar da CAPES (COMISSÃO,
2009), a natureza complexa dos problemas pede diálogos não só entre disciplinas
próximas, dentro da mesma área do conhecimento, mas entre disciplinas de áreas
diferentes, bem como entre saberes disciplinares e saberes não disciplinares da
sociedade e das culturas, dependendo do nível de complexidade do fenômeno a ser
tratado. Daí a relevância, no mundo contemporâneo, de novas formas de produção de
conhecimento que tomam como objeto fenômenos que se colocam entre fronteiras
disciplinares, quando a complexidade do problema requer diálogo entre e além das
disciplinas. Diante disso, desafios teóricos e metodológicos colocam-se para diferentes
campos da ciência e da tecnologia.
Na medida em que os pensamentos disciplinar, pluri, multi e interdisciplinar,
antes de se oporem, constituem-se em formas diferenciadas e complementares de
geração de conhecimentos, o desafio que se coloca, do ponto de vista epistemológico, é
o de identificar características e âmbito de atuação de cada uma dessas modalidades de
15
geração de conhecimento nas diferentes áreas, assim como as suas possibilidades e
limites (COMISSÃO, 2009).
De acordo com a Coordenação de Área Interdisciplinar (COMISSÃO, 2009),
“de uma proposta de Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar, espera-se que o
produto final, em geração de conhecimento e qualidade de recursos humanos formados,
seja maior que a soma das contribuições individuais das partes envolvidas”.
Pelo exposto, depreende-se que a interdisciplinaridade ocupa um lugar de
destaque em função de sua natureza transversal caracterizada pelo seu prefixo,
avançando além das fronteiras disciplinares, ultrapassando os limites do conhecimento
disciplinar por estabelecer pontes entre distintos níveis realidades e formas de produção
do conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que “O mundo acadêmico” é o mundo das disciplinas. O avanço da
ciência e o progresso tecnológico devem, em boa parte, à verdadeira explosão da
pesquisa disciplinar. “A complexificação dos problemas tornou necessária a
aproximação e a associação gradual das disciplinas, em diferentes graus, do mais
simples – o da multidisciplinaridade, ao mais completo – o da transdisciplinaridade.”
(CHAVES, 1988, p. 5).
Para Fazenda (1993), a interdisciplinaridade não é ciência, nem ciência das
ciências, mas é o ponto de encontro entre o movimento de renovação da atitude frente
aos problemas de ensino e pesquisa e a aceleração do conhecimento científico.
A interdisciplinaridade, portanto, nos remete para um aprofundamento reflexivo,
isto é, para a tomada de consciência da influência do investigador no processo de
pesquisa. O investigador faz parte da problemática a estudar.
Assim sendo, a ciência de modo geral, e o mundo acadêmico especificamente,
não podem estar a serviço deste ou daquele princípio metodológico – engessador, míope
e tendencioso -, sob pena de se tornarem reféns de políticas que nem sempre servem aos
interesses maiores da humanidade, ou, pior, podem estar a serviço de grupos
econômicos ditadores do desenvolvimento humano e social como referência de verdade.
O pensamento científico deve ser questionador – pois a verdade pode ser vista
por vários ângulos -; deve ser libertador – pois o conhecimento quer ser livre e expandir
a própria idéia de conhecimento -; deve ser honesto – pois admitir os erros e fracassos
também é uma virtude do conhecimento -, a ciência enfim, nada é sem o fazer
científico, de um fazer contínuo, diuturno e incansável. Mesmo porque, a ciência não é
eterna, mas, é feita de tempo.
Além de ser originário do senso comum, o conhecimento é fundamentado em
atividade de pesquisa, com métodos e técnicas apropriadas resultando no que se
denomina “conhecimento científico”. Assim, a pesquisa é elemento essencial nessa
construção do conhecimento científico, uma vez que a mesma se apresenta como um
caminho procedimental para obter esse conhecimento e fazer ciência de forma
interdisciplinar, concebendo pesquisa como uma atividade inerente ao ser humano,
sendo também um instrumento de ensino, representando, assim, possibilidades de
apreensão da realidade.
Neste trabalho salienta-se que o conhecimento deve ser construído em conjunto
com outras áreas. É através da convergência entre as áreas da engenharia, gestão e
mídias que atingiremos a interdisciplinaridade, fator primordial e relevante dentro do
programa de Pós-Graduação apresentado. A pesquisa científica deve encontrar formas
16
de relacionar e resgatar, através de métodos e experimentos, o conceito de autoridade
intelectual. Deve formalizar e sustentar uma fundamentação teórica que esteja
relacionada com a prática. Pelo exposto, percebe-se que a academia ainda tem muito por
fazer e articular com o objetivo de atingir resultados cada vez mais convergentes dentro
desse propósito.
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