Tecnologia, Pra Quê?
Os Impactos dos Dispositivos Tecnológicos
no Campo da Comunicação
Tecnologia, Pra Quê?
Os Impactos dos Dispositivos Tecnológicos
no Campo da Comunicação
Álvaro Benevenuto Jr e César Steffen (orgs.)
© Dos Autores
Organizadores: Álvaro Benevenuto Jr. e César Steffen
Capa: César Steffen
Editoração: Ozanan Júnior
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
T255
Tecnologia, pra quê? os impactos dos dispositivos tecnológicos no campo
da comunicação / Álvaro Benevenuto Jr e César Steffen (orgs.). – Porto
Alegre : Armazém Digital, 2012.
154 p. : il. ; 14 x 21 cm.
ISBN 978-85-88715-94-3.
1. Comunicação. 2. Tecnologia da Informação. I. Benevenuto
Júnior, Álvaro. I. Steffen, César
659.3
Bibliotecária responsável: Deisi Hauenstein CRB 10/1479
Armazém Digital Comunicação Ltda
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lançamentos da editora.
1ª edição/2012
Impresso no Brasil
Agradecimentos
Aos amigos e familiares que com sua torcida e apoio nos ajudam a concretizar
nossos projetos;
A todos os pesquisadores do campo da Comunicação que participam e participaram
deste projeto, nosso agradecimento por contribuir em sua realização.
Sumário
Agradecimentos.......................................................................................... 5
Apresentação.............................................................................................. 9
Prefácio – Cosette Castro........................................................................ 11
El Ojo de Dios: Conectados y Vigilados
Eduardo Vizer e Helenice Carvalho........................................................ 15
Desencavando Interfaces: Reflexões Sobre Arqueologia da Mídia e
Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
Gustavo Daudt Fischer............................................................................... 37
O Conceito de Gênero Entre o Cinema e o Game
Vicente Gosciola......................................................................................... 53
De Volta Para o Passado: O Audiovisual de
Acontecimento Contemporâneo
Roberto Tietzmann, Miriam de Souza Rossini........................................... 69
Reflexões Sobre Tecnologias em Torno da Publicidade
Rogério Covaleski................................................................................... 87
A Reinvenção do Ensino de Jornalismo em um Contexto de
Transformações Tecnológicas
Mágda Rodrigues da Cunha..................................................................... 103
O Impacto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação:
Por uma Ressignificação da Relação Professor/Estudante
Fábio Hansen...................................................................................... 117
Jornal em Áudio: Adaptação de Acessibilidade na Comunicação? –
Daiana Stockey Carpes e Ana Maria Strohschoen.................................. 135
Currículos.................................................................................................. 149
Apresentação
A pergunta não quer calar.
Afinal, tecnologia pra quê?
Esta é a segunda reunião de textos que retratam reflexões de pesquisadores preocupados com os impactos da tecnologia da informação e da comunicação (TICs)
no cotidiano, pois esta rápida ascendência e desenvolvimento das tecnologias, seus
dispositivos e suas plataformas provoca efeitos fortes e frontais nos fazeres diários
dos profissionais e empresas do campo da comunicação social.
Distintos dispositivos eletrônicos equipados com câmeras com lentes poderosas e definição profissional, geram imagens estáticas ou em movimento com qualidade muito próximas profissionais e estão cada vez mais próximos dos indivíduos
comuns. Sites abrem espaço para que seus leitores insiram e dividam conteúdos.
As redes sociais se tornam praças de debate e interação. Fazem frente a veículos tradicionais de imprensa e passam a ocupar o papel de canal de aproximação
entre empresas e consumidores. Novas mídias surgem a todo o momento e o conteúdo gerado para um veículo atravessa fronteiras através dos mais variados canais
e em formatos diferenciados.
O campo da comunicação e seus profissionais sentem este impacto e tem, a
cada dia, que aprender e desenvolver novas competências para estar em contato
com a população. Para observar este fenômeno em sua amplitude e complexidade
surge esta nova edição do livro “Tecnologia pra quê?”.
Sob este mote, Vizer e Carvalho refletem sobre a multiplicidade de olhos eletrônicos aos quais a sociedade está submetida. O medo e a desconfiança de agressões ao status quo estimulam a ação vigilante, desafiando os limites da privacidade.
Fischer, na sequência, ensaia um método de investigação para compreender as novas mídias, entendendo a internet como um espaço que conta a história recente da
comunicação humana.
Gosciola, Rossini e Tietzmann olham a tecnologia pelas lentes do cinema.
Gosciola traça um paralelo entre os gêneros da tela grande e os videojogos, propondo um ponto de partida para elaborar uma classificação para os games que têm invadido as micro-telas. Já Rossini e Tietzmann olham atentamente para o You Tube
Apresentação
para perceber o que faz pessoas comuns se colocarem disponíveis ao internauta
em pequenos vídeos. E descobrem que estes personagens, em suas obras, aplicam
a fórmula de roteiro do primeiro cinema, o cinema dos irmãos Lumière, apesar de
toda a tecnologia disponível na rede.
No campo da publicidade, Covaleski verifica os efeitos da tecnologia nos processos de criação, difusão e consumo das mensagens. Questiona as mudanças no
modo de ver as mídias eletrônicas, especialmente em relação à segmentação dos
conteúdos e aos modos de selecionar o que se quer ver. Esta inovação implica em
repensar o ensino do jornalismo e da publicidade, e a formação acadêmica de seus
profissionais. É o que apresentam Cunha e Hansen em suas reflexões, repercutindo
os impactos da imprensa eletrônica e sua oportunidade num ambiente, ainda, analógico, de papel.
Se a tecnologia está em quase todos os espaços cotidianos, os trabalhadores do
jornalismo tem percebido demandas diferentes para apresentar suas notícias. Isso
também impacta na construção das reportagens, desde a relação com as fontes.
Velocidade e acesso a bancos de dados são motivos para pensar a ética jornalística
e a democratização das informações.
É nesta trilha que Carpes e Strohschoen relatam a experiência de produzir
um áudiojornal como um caminho de garantir a acessibilidade aos portadores de
necessidades especiais de visão. Encontrar uma fórmula de áudio que respeita a
linguagem da mídia impressa, foi o desafio desta pesquisa, relatado neste volume.
Este volume de Tecnologia pra quê? não quer esgotar - e nem consegue – o
tema. Quer, apenas, colaborar com alguns tópicos para compreender com maior facilidade as novas maneiras de estar no mundo da comunicação. Ou as reformatadas
maneiras de se comunicar.
Boa leitura.
Os organizadores.
10
Prefácio
O debate sobre o uso das tecnologias não é recente na sociedade ocidental.
Trata-se de uma história de medos (ou adesões) ancestrais. Na Grécia antiga os
filósofos peripatéticos acreditavam que a chegada da escrita não conseguiria captar a essência do pensamento humano, que se perderia com o tempo. Os monges
medievais que escreviam as iluminuras também se rebelaram contra a invenção
da prensa móvel de Gutenberg lá por 1439. No caso dos monges havia também o
interesse financeiro, mas eles acreditavam que as pessoas não estavam preparadas
para “tanto saber” e poderiam até enlouquecer, um receio que Umberto Eco imortalizou em O Nome da Rosa. Foi exatamente a invenção de Gutenberg que colaborou
para que o Renascimento chegasse mais rápido a Europa possibilitando que a idade
moderna desse seus primeiros passos.
Mais recentemente, com a chegada das tecnologias audiovisuais no século
XIX, a história do medo às tecnologias e a possibilidade de que elas extinguissem
as antigas volta a se repetir. Muitos acreditaram que a fotografia (imagem fixa) seria substituída pelo cinema (imagem em movimento); que o rádio seria substituído
pela TV ou que televisão substituiria o cinema. Depois houve apostas de que os
videocassetes substituíram a televisão aberta ou que a TV por assinatura assumiria
o papel dos canais abertos e gratuitos para população, mesmo que em países emergentes como o Brasil ela chegue a menos de 10% da população1. No final dos anos
80 do século XX começaram os discursos de que os computadores mediados por
internet e a IPTV substituiriam a televisão, mas o broadcasting continua firme e
forte por aí, adaptando-se a passagem do mundo analógico para o digital (somente
no Brasil está presente em 98% das casas urbanas, de acordo com o IBGE). Mais
do que isso, pesquisas realizadas em diferentes continentes mostram que os jovens
que acessam internet através de celulares, tabletes ou computadores seguem assistindo a narrativa televisiva nessas plataformas tecnológicas e também pela TV.
Então, o que está realmente em discussão?
Temos (neste livro e fora dele) o debate sobre a apropriação das novas mídias como computadores, tablets, videojogos em rede, celulares, rádio e TV digital, aqui
De acordo com Alexandre Allemberg, presidente da Associação das TVs por Assinatura (ABTA), existe 14 milhões de assinantes no
Brasil. Entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 24-07-2012, pag. E6.
1
Prefácio
consideradas como plataformas tangíveis2 - sendo mediadas por internet, uma plataforma intangível, que permite a circulação de conteúdos, aplicativos e serviços
digitais através da rede. Foi-se o tempo de pensar a internet como a “rede mundial
de computadores”, já que ela pode ser acessada e permite a circulação de materiais
virtuais nas diferentes plataformas tangíveis citadas anteriormente.
Temos também a discussão sobre a convergência de mídias e as narrativas
transmidiáticas que são conceitos diferentes e onde o primeiro é amplamente utilizado pelas empresas de comunicação. As tecnologias digitais permitem que um
mesmo conteúdo digital (áudio, vídeo, texto e dados) circule ao mesmo tempo em
várias plataformas tangíveis - o que os pesquisadores vem chamando de convergência de mídias - mas nem sempre o conteúdo é pensado de acordo com as características de cada mídia. Este é o caso dos vídeos curtos para celulares, narrativas
que duram entre 30 segundos até 3 minutos.
As narrativas transmídias, a partir do conceito do pesquisador estadunidense
Henry Jenkyns (2008), são aqueles projetos que juntam diferentes especialistas
para construir uma narrativa única que se complementa em cada plataforma a ser
utilizada, como foi o caso da ficção Matrix. Em Matrix, o videojogo e a história
em quadrinhos ajudaram a complementar a narrativa fílmica, pois toda a história
não cabia nas duas horas de duração de cada filme da trilogia. O projeto transmídia
de Matrix se revelou um bom negócio, mas ainda assim a maioria das empresas de
comunicação não está disposta em ampliar o número de especialistas e trabalhar
em propostas conjuntas e complementares desde a origem. É mais fácil (e mais
barato) começar um projeto com uma ou das mídias e, se der certo, ampliar para
outras, como uma casa sem projeto arquitetônico original, cujo dono vai fazendo
“puxadinhos”, conforme a necessidade ou interesse.
A partir das tecnologias da informação e da comunicação temos um grande
trabalho pela frente, que desafia estudantes, profissionais e pesquisadores. Trata-se
da possibilidade de desenvolvimento de narrativas não lineares e interativas. Atualmente, elas saem do roteiro linear e analógico que a maior parte das escolas de
Comunicação ainda segue ensinando em aula, seja para pensar a TV digital, o cinema digital ou narrativas transmídias. Por falta de informação, pesquisa e formação, muita gente ainda confunde interatividade como algo restrito aos computadores
ou, mais recentemente, com a possibilidade de produzir informação e comunicação
através de celulares (2006) e tablets (2010). Mas essa possibilidade de produção nacional, estadual e local se amplia quando pensamos em TV digital interativa (TVDi).
Sobre o tema ver o trabalho de pós-doutorado A Produção de Conteúdos Digitais Interativos como Estratégia para o Desenvolvimento
– um breve estudo sobre a experiência latino-americana em TV digital. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
download/638IPB003.pdf
2
12
Prefácio
Essa plataforma tangível, aberta e desenvolvida em software livre no Brasil permite
o uso de subcanais em um mesmo canal a partir do aumento do espectro, ampliando
consideravelmente a oferta de conteúdos, aplicativos e serviços digitais que estarão
circulando no mercado em pouco tempo. Incrementa também as possibilidades de
desenvolver narrativas interativas que poderão ser utilizadas gratuitamente desde o
controle remoto ou mesmo através dos celulares (sistema on-seg).
Quando pensamos em rádio, temos mais desafios pela frente. Embora o governo brasileiro ainda não tenha decidido o sistema a ser adotado, existe uma pergunta
que os estudantes, profissionais, professores e pesquisadores vão precisar responder nesse estágio da ponte o que é a passagem do mundo analógico para o digital.
O rádio digital, que permite o uso da imagem, e inclui o acesso a internet, ainda
poderá ser chamado de rádio? E se não é mais o rádio como conhecemos até então,
o que será? Enfim, quais as consequências da tecnologia digital no rádio a partir da
chegada da imagem e da internet?
E o jornalismo digital realmente vai extinguir o jornalismo impresso? Para
nossas gerações de pesquisadores e profissionais acima dos 35 anos – imigrantes
digitais como eu - é difícil pensar que o cheiro e o toque no papel deixará um dia
de existir. Mas o acesso às informações digitais gratuitas na América Latina vem
crescendo em uma proporção contraria a da leitura de impressos, sejam eles jornais
ou revistas, principalmente entre os jovens, chamados de nativos digitais, por Marc
Prensky (2001). Mas creio que esse não é o debate de fundo e sim as profundas
transformações que o jornalismo está sofrendo. Embora os jornais impressos sigam
com o dead line uma vez ao dia, essa noção cai por terra nos jornais on line, que
têm fechamento de redação a cada 20 ou 30 minutos, a exemplo do rádio. A redação
dos textos está cada vez mais reduzida, com parágrafos entre três ou quatro linhas,
o que termina por refletir-se também nos textos acadêmicos da área de comunicação. E embora tivesse sido alardeado por alguns pesquisadores que o jornalismo
investigativo poderia ser ampliado e o tamanho das matérias também, isso somente
vem aparecendo nas versões online de jornais impressos. Ainda assim, a cada dia
que passa diminui o exercício investigativo nas redações brasileiras, aumentando
os jornalistas que fazem tudo e estão presentes em todas as mídias.
Para além das (já não tão novas) tecnologias digitais, temos públicos ávidos
em participar e que, para isso, abrem mão nas redes sociais de parte da sua intimidade, reinventando constantemente os 15 minutos de fama que o artista estadunidense Andy Warhol falou nos anos 60 do século XX. Isso significa repensar a ideia
de anonimato, intimidade, participação, solidariedade e compartilhamento em uma
sociedade que deixou de ser (apenas) da informação para se tornar (também) uma
13
Prefácio
sociedade do conhecimento, permitindo a construção coletiva de saberes (Wikipédia) e o compartilhamento de dados (jornalismo open source, creative common e
copy left). Também significa pensar nos constantes paradoxos que enfrentamos em
um mundo capitalista e excludente, onde metade da população brasileira, segundo
dados do Conselho Gestor de Internet (CGI), de 2010, nunca ouviu falar em internet, não tem acesso a computadores nem possui conta bancária3. O que ocorre, e às
vezes isso gera uma percepção equivocada entre estudantes, profissionais, professores e pesquisadores, é que aqueles que possuem acesso a internet, participam de
redes sociais como Facebook ou Twitter e utilizam diferentes plataformas tecnológicas; fazem muito “barulho” na rede e são formadores de opinião. No entanto, seguimos com outras formas seculares de exclusão, agora também no mundo digital.
O debate vai além do acesso e uso das tecnologias da informação e da comunicação. O conjunto de textos de Tecnologias pra Que? – 2 retoma de maneira geral
a discussão internacional sobre o acesso à comunicação como um direito humano,
no mesmo nível que o direito a informação já é considerado. Isso porque enquanto
o direito a informação garante (ao menos na teoria) que recebamos informação e
diferentes pontos de vista, o direito à comunicação estabelece uma nova relação
bidirecional entre campo da emissão e da recepção, principalmente aproveitando
as possibilidades interativas das diferentes plataformas tangíveis. Ele permite a
participação popular e o direito a produção de conteúdos digitais pelos diferentes
grupos sociais, ampliando a cidadania, resgatando histórias de vida, de cidades e
ofertando diversidade cultural. Em outras palavras, permite resgatar parte do significado da palavra comunicação em sua origem latina: diálogo e compartilhamento.
Para finalizar, acredito que o livro 2 de Tecnologias pra quê? pode ser considerado uma vitória para a comunidade acadêmica e para tod@s aqueles interessados
em comunicação digital no Brasil. Vivemos no país dos protótipos, onde os projetos em comunicação (principalmente aqueles propostos por professores e pesquisadores oriundos de universidades privadas) raramente recebem verba ou apoio para
ser continuados. A existência do segundo livro – e eu tive o orgulho de participar
do primeiro livro, de 2011 – é uma iniciativa pessoal dos organizadores que merece
aplauso, apoio e continuidade.
Cosette Castro
Coordenadora do GP Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológica – INTERCOM
Coordenadora do GT de Conteúdos Digitais da Sociedade da Informação para
América Latina e Caribe – Plano eLAC 2015
Segundo dados do IPEA de 2011, apenas 35 milhões de brasileiros possuem conta no banco.
3
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1
El Ojo de Dios:
Conectados y Vigilados
Eduardo A. Vizer1 & Helenice Carvalho2
El ojo vigila
Para muchos creyentes fervientes, dios está en todas partes y lo ve todo. Aunque así fuese no sería posible demostrarlo. Lo que sí podemos demostrar y sobre
todo debemos analizar hasta sus últimas consecuencias es la omnipresencia de las
tecnologías que nos circundan por todos lados: desde los satélites (y el sistema
Echelon que ya cumple tres décadas), pasando por la vigilancia implícita en las
redes sociales (twitter y facebook), la geolocalización de nuestros aparatos celulares (del que foursquare es un ejemplo)3, las cámaras ocultas y hasta la infiltración
(camfecting)4 de nuestras webcam personales que pueden ser hackeadas, enviando
datos de lo que estamos haciendo en nuestros hogares, hasta servidores de red.
Las TIC realmente están en todos lados, no solo nos rodean sino además penetran
nuestra intimidad: pueden ver, oír y registrar casi todo si no todo, y parecen querer
reemplazar la omnipresencia divina por la magia de la tecnología.
Presentamos tres ejemplos aislados. El 12/5/2012 el Diario Clarín de Buenos
Aires publica una nota con el siguiente título:
“La guerra del ciberespacio. La Agencia Nacional de Seguridad (NSA, siglas para National Security Agency) alista un gigantesco centro de datos en Utah,
donde instalará sofisticada tecnología para vigilar Internet y otros medios… La
comunidad de inteligencia está levantando el centro de espionaje más grande que
el mundo haya conocido hasta ahora. La ciudad se llama Bluffdale y se encuentra
EDUARDO ANDRÉS VIZER e-mail: <[email protected]> Dr. en Sociología. Prof. Consulto e Inv. Tit. Inst. Gino Germani Universidad de Buenos Aires. Fulbright Fellow, Visiting Professor, Communication Depart. Univ.of Massachussets (UMASS-USA). Mc Gill,
Montréal, Internat. Council Canadian Studies (ICCS), Human Res. Develop. Canada (HRDC), Canada Fulbright Prog. Prof. Visitante
UNISINOS y UFRGS, CNPq. y CAPES, Brasil. 1er. Director carr. C. de la Comunicación, 9 libros publicados. Postdoc. En Alemania,
Canada, EEUU y Brasil.
2
HELENICE CARVALHO e-mail: <[email protected]> Dra. en Ciencias de la Comunicación. Profesora Adjunta de la Carrera
de Comunicación de la Universidad Federal del Rio Grande do Sul (Fabico/UFRGS). Coordinadora del Grupo de Investigación en
Inteligencia Organizacional / CNP.
3
En el 2010 se creó en Nueva York la red social Foursquare. El aplicativo utiliza el GPS del celular para indicar el lugar donde se halla el
usuario y permite publicar en otras redes sociales información sobre todos los amigos de la red, recomendaciones especiales, listas de
los usuarios y su perfil. Obviamente, tanta información personal también puede poner en riesgo la seguridad del usuario.
4
Desde el 2006, el FBI usa el ‘roving bug’ (traducible como virus itinerante) para infiltrar el micrófono de los celulares, grabar y retransmitir todo, transformando al celular en un instrumento de escucha permanente sin siquiera estar ligado. (www.mundoestranho.com.br,
mayo 2012, Ed. 124).
1
Tecnologia, Pra Quê?
en el estado desértico y montañoso de Utah, cuya población mira con asombro el
gigante que está construyendo el cuerpo de ingenieros del Ejército. Se trata de la
nueva base de la poderosa National Security Agency (NSA), que se convertirá en el
corazón de un colosal tablero mundial destinado a espiar cada rincón del planeta
que considere hostil o afecte los intereses de Washington. Es, tal vez, el paso más
beligerante que da EE.UU. en la llamada “guerra del ciberespacio”.
En la misma nota se menciona que Carroll F. Pollett, director de la Agencia de
Defensa de Sistemas de Información (DISA), lo explica con claridad en una sesión
en el Congreso. “El ciberespacio se ha convertido en un nuevo campo de batalla.
Ha adquirido una importancia similar a la que tienen los otros: tierra, mar, aire
y espacio. Está claro que debemos defenderlo y volverlo operativo”. En lenguaje
militar, el ciberespacio es denominado “quinto campo de batalla”…. Y prosigue
“William Binney, ex integrante de la NSA advierte “Estamos a una pequeña distancia del Estado totalitario”.
Para finalizar, el periodista termina con las siguientes palabras “Nos hace pensar que tal vez no se comprendió a tiempo lo que en su momento planteó Ray Bradbury: “No intento describir el futuro, intento prevenirlo”.
El segundo ejemplo atañe a la proliferación imparable de las escuchas telefónicas ilegales que se practica en muchos países. Desde el año 2011 el escándolo
R. Murdoch en la circunspecta Inglaterra llevó esta práctica al mundo de la prensa
como estrategia para adelantarse a la competencia invadiendo el mundo privado
de políticos, famosos y autoridades con el solo fin de hacer notas periodísticas.
En Brasil uno de los medios más importantes compró una empresa de seguridad,
levantando obvias sospechas sobre la posibilidad de replicar en Brasil el mismo
problema de la ‘cuestión Murdoch’.
Finalmente, presentamos un caso infinitamente más modesto y prácticamente privado, pero no por ello menos preocupante. En el edificio de departamentos donde vivimos hasta hace un par de meses atrás, se decidió instalar cámaras
para cubrir hasta el último rincón del espacio común del edificio. El argumento
siempre es el mismo: disminuir la inseguridad a través del control. Pero hay un
detalle interesante, las dos síndicas del edificio son señoras jubiladas que dedican
su tiempo ocioso a seguir las cámaras desde sus departamentos y vigilan cada
movimiento ‘sospechoso’ (los términos ‘inseguridad, control y sospechoso’ son
omnipresentes en el tema que nos ocupa). Aparentemente, nadie se siente molesto
por esa vigilancia permanente, pero la empleada de limpieza confesó que desde
la instalación de las benditas cámaras no logra tener un momento de sosiego. Su
16
El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
stress es permanente ya que ambas síndicas observan y controlan cada movimiento de ella (incluyendo críticas al tiempo que permanece en el baño). La misma
situación se presenta en innúmeras empresas y oficinas, donde Intranet está sujeta
a un monitoreo permanente.
Estos tres ejemplos representan apenas la punta de un iceberg que debe llegar
a profundidades insospechadas de la sociedad. El primer caso va delineando un
panorama que – guardando distancias mortíferas – tiende a semejarse a una forma
de equilibrio del terror que el mundo vivió durante la Guerra Fría. Esta vez, el
riesgo no viene de la energía atómica, sino de las guerras por el control y los usos
de la información entre países, grupos, sectores económicos y hasta las relaciones
humanas en ámbitos privados. Los riesgos de destrucción física han dejado lugar a
los riesgos de destrucción simbólica.
El segundo ejemplo alude a los riesgos de invasión de la vida privada por los
medios masivos. La privacidad es transformada en una mercancía a ser vendida en
el mercado. Pero debemos tomar en consideración que un aspecto sumamente positivo de esta situación se halla en que las ‘víctimas’ más notorias de estas guerras de
la información han sido sobre todo actos de gobiernos y políticos inescrupulosos.
O sea las mentiras públicas, los engaños y la falta de transparencia (seguramente
wikileaks tendrá muchos seguidores que izarán su bandera). El último ejemplo ya
nos muestra claramente los riesgos de los usos de las TIC como un dispositivo
panóptico que permite un control social absoluto y orwelliano.
Conectados: el panóptico digital
Desde los últimos decenios del siglo pasado hemos comenzado a convivir con
una penetración irrestricta de las tecnologías digitales de información y de comunicación en una mayoría de las actividades humanas. Los medios nunca hablan
de ‘penetración’ de las tecnologías sino de los servicios que prestan, sin embargo
la creciente convergencia entre dispositivos, redes y bancos de datos de todo tipo
obliga al ciudadano a una adaptación y aprendizaje permanente en todos los órdenes: desde la vida cotidiana a los procedimientos burocráticos, en las exigencias de
los mercados de trabajo y el consumo, en las organizaciones y las manifestaciones
políticas, en los eventos culturales y hasta en los procesos simbólicos a través de
los cuales percibimos e interpretamos la realidad (la televisión y la prensa han
aprendido a convergir en vez de competir con Internet). Las TIC constituyen una
infraestructura material por medio del cual circulan flujos de datos e información
que conforman una nueva ecología informacional envolvente, una ecología de bits,
17
Tecnologia, Pra Quê?
números, signos e imágenes cuya realidad física está inscripta en los dispositivos
técnicos, pero no se reduce a ellos. Podemos decir que la Sociedad de la Información exhibe como un rasgo propio la construcción de una cultura tecnológica
(Vizer, 1982) cuyo exponente más original recibe hoy el nombre de cibercultura. Ésta tiene – siguiendo la metáfora marxista – una infraestructura material, y
una ‘superestructura’ que precisa de la acción y las experiencias humanas para ser
transformada en ‘cultura simbólica’. Al fin y al cabo, cultura es lo que los seres
humanos hacen y cultivan, o bien heredan de sus antepasados, usan, procesan,
interpretan y reelaboran consciente o inconscientemente. La tecnología de la información es hoy mucho más que la base material para la búsqueda, el registro y
el procesamiento de infinitas constelaciones de datos. Las tecnologías tienden a la
interconexión, la convergencia, la búsqueda y el procesamiento de los datos que
circulan entre las redes que conectan a miles de millones de ‘nodos’, terminales,
computadoras y dispositivos de procesamiento. Esta galaxia tecnoinformacional
es como un océano donde debemos surfar, aprendiendo tecnologías mentales de
búsqueda que nos permitan ir a pescar nuestros datos. Nuestros objetivos consisten
en crear archipiélagos o ‘islas’ que permitan generar clasificaciones de diversos
conjuntos de información que nos sirvan como un ‘mapa’ de acceso a los recursos
intelectuales necesarios para construir ‘textos’ con sentido (mensajes, discursos,
interpretaciones, teorías, proyectos, etc.).
Vivimos inmersos en el ethos de una cultura tecnológica dual. Como plantean
los físicos cuando deben explicar la naturaleza y las teorías de la luz, caben dos
líneas de interpretación: la luz puede ser energía pura, pero también puede ser
considerada como materia. La información debe circular y estar ‘asentada y registrada’ en alguna base material (dispositivo técnico, cerebro, etc.). Pero el código o
lenguaje a través del cual es registrada, conservada y concentrada – como una especie de materia prima que debe ser procesada por la inteligencia de seres humanos
(o bien por programas de inteligencia artificial) - es un equivalente a pura energía.
En este sentido la información responde a ciertas lógicas y programas inscriptos
en la propia naturaleza material de las tecnologías, pero que no se reducen a ella.
De modo que las tecnologías de la información – como la luz – pueden ser interpretadas en base a cualquiera de las dos hipótesis: precisan de una base material,
pero sus códigos y sus lógicas – su ‘orden’ y organización interna - responde a otro
‘nivel’ de constitución de la realidad. Una realidad que ha emergido – y continúa
emergiendo – de los procesos de la evolución humana en relación con los diferentes contextos con los que convive: naturaleza, sociedad y tecnología.
18
El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
En estas primeras líneas nos hemos preocupado por los aspectos más generales del funcionamiento y ciertos riesgos y rasgos de la arquitectura de los sistemas de información. También hemos mencionado algunos ejemplos de usos de los
dispositivos con fines de control y vigilancia. Ahora queremos recalcar algunos
conceptos-procesos centrales para entender el desarrollo de este trabajo. Desde la
perspectiva de las posibilidades que abre la arquitectura técnica de las TIC podemos mencionar: convergencia, circulación y movilidad, búsqueda, procesamiento
y concentración de la información.
La complejidad a la vez material e inmaterial de los sistemas de construcción y procesamiento de información que realizan las tecnologías han instalado en
nuestras sociedades una cultura – un ‘tecnopolio’ para Neil Postman – que elimina
la necesidad de luchas intelectuales y filosóficas, pues “las máquinas eliminan la
complejidad, la duda y la ambigüedad. Funcionan rápido, son padronizadas y nos
ofrecen números que podemos ver y calcular” (Postman, 1994, p. 100). Así se
hacen entendibles las fantasías y representaciones sociales depositadas en las TIC,
ya que se hallan en una posición estratégica tanto para promover la realización y
el éxito individual, como acciones de solidaridad social o de protesta, violencia y
conflicto. Y también posibilitan el desarrollo de dispositivos de control social por
parte de gobiernos y administraciones estatales.
Queremos mostrar como la convergencia entre múltiples sistemas y redes por las
que circula casi toda la información que se produce en cada rincón del globo, y el
desarrollo de elaborados programas de búsqueda y procesamiento de esa información posibilita y promueve procesos de concentración de la información en superorganismos (de espionaje). En resúmen, las TIC son veneradas, pero también deben ser
temidas al mismo tiempo. La distribución mundial y democrática de los dispositivos
técnicos de acceso o de producción (computadoras, páginas web, telefonía celular,
bancos de datos, etc.) no impide la concentración de bancos de datos sino que sirve
indirectamente para alimentarlos con miles de millones de nuevos datos.
Podemos considerar a esta evolución de base tecnológica como un proceso de
hipermediatización social e hiperconcentración de la información, un desafío central para las sociedades ya que se halla en el cruce de innumerables prácticas y cuestiones económicas, políticas, culturales y ahora también militares, que abarcan desde el nivel personal y microscópico de la vida cotidiana a una escala macroscópica y
transnacional5. La presente sociedad tecnológica puede concebirse metafóricamente
como un sistema soportado por una compleja base de articulación informacional y
A partir del 11 de setiembre, la “Guerra al Terror” marcó el nacimiento oficial del fin de las soberanías nacionales absolutas (excepto la
de un solo país, capaz de recolectar cualquier clase de información y responder a ella de acuerdo a sus propios intereses).
5
19
Tecnologia, Pra Quê?
una superestructura semiótico-comunicacional de intercambios (procesos y valores
linguísticos, construcción de textos, difusión e intercambios simbólicos). Si la ‘base’
de sustentación de nuestras sociedades – y sobre todo las ciudades – puede concebirse como una base tecnoinformacional, la vida social consiste realmente en una
inmersión en redes de relaciones que corresponden a un entorno comunicacional
convergente, construido a través de interacciones humanas y flujos e intercambios
de información mediados por dispositivos mediáticos y redes interconectadas.
Esta parafernalia de dispositivos tecnológicos reproduce en los individuos la
dualidad del funcionamiento de la sociedad de la información. Se dice a la gente
que están conectados (connectedness) aunque estas conexiones no generen subjetivamente una sensación de real y significativa comunicación en medio de un flujo
envolvente de estímulos, datos y mensajes6. Nos encontramos ante la paradoja de
una conexión permanente y al mismo tiempo la sensación de aislamiento subjetivo
que parece profundizarse, ya que en sociedades hipermediatizadas y condicionadas
a una ecología digital, prácticamente no existe aislamiento o desconexión posible7.
Por otro lado es interesante observar como la participación de los públicos en la
televisión y las redes sociales está mostrando rasgos de expresión eminentemente
autoreferenciales, con alta exposición de la intimidad personal, emocional y subjetiva (los cuadros de depresión que invaden los consultorios de salud mental merecen ser cuidadosamente analizados tomando en consideración su segura asociación
con la hiperconectividad de los individuos).
Tecnologías, información y control
de la piedra al silicio
Como las TICs son tan actuales, múltiples y poderosas (implantadas a partir de
los últimos decenios del siglo pasado), se hace difícil construir un cuadro de interpretación que permita ubicarlas dentro de un contexto mayor. Ensayemos entonces
un breve marco histórico de las imbricaciones entre las tecnologías y los procesos
de información desde una perspectiva antropológica, considerando ciertas hipótesis fuertes sobre la naturaleza del control social en las sociedades humanas.
Un estudio realizado por la Universidad de California revela que los norteamericanos consumen un promedio de 34 gigabytes y 11,8
horas de información por día, aunque no procesen las 100.000 palabras que la ‘soportan’. En término medio, los norteamericanos consumieron 1,3 trillones de horas absorbiendo información en el 2008. La cantidad de bytes consumidos entre 1980 y 2008 aumentó un
6% anual, y gracias a las computadoras, un tercio de las palabras y un 50 % de los bytes son recibidos interactivamente. La lectura, que
cayó inicialmente debido al surgimiento de la TV, se triplicó entre 1980 y el 2008, porque es la forma preferida de absorber contenidos
en Internet. (O Sul, P. Alegre, 11/12/2009).
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El ojo y los oídos del dios digital pueden observar todo, transformarlo y traducirlo a bits (ya sean seres humanos, animales o hechos
naturales). Obviamente, nada ni nadie es - observado - en el sentido humano del término. La observación humana es una construcción
perceptiva y cognitiva, una traducción de datos captados y registrados en bits de información, reconstruidos como una ciberrealidad
paralela.
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20
El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
A diferencia de las ciencias, históricamente las tecnologías nacieron a partir de
la percepción de necesidades y han sido creadas y diseñadas para servir como instrumentos mediadores a fin de lograr ciertos fines. Ha sido así desde el descubrimiento
del fuego hasta la modernidad. Pero debemos aclarar que no se debe atribuir al concepto de ‘necesidad’ un significado meramente objetal y ontológico (como necesidad
de alimentarse, de abrigo, etc.). La verdadera necesidad latente va más allá: es el
impulso humano de controlar el ambiente y sus medios de supervivencia, para lo
que precisa adquirir información, desarrollar ciertos conocimientos y elaborar técnicas (mediadoras físicas y mentales). El surgimiento del capitalismo ha modificado
y complejizado este proceso. La necesidad del cálculo y la previsión ha generado
tecnologías sofisticadas de manipulación de información y el control de procesos de
producción. Se fueron instituyendo nuevas formas de percibir y generar necesidades,
no solamente de acuerdo a intereses específicos, sino también de acuerdo a demandas
que emergen continuamente del funcionamiento de las sociedades más avanzadas y
complejas. Las tecnologías de información han sido creadas para recoger, registrar,
organizar y producir nueva información que sirva a los procesos de organización y
gerenciamiento de procesos productivos y organizativos de complejidad creciente.
Y entre ellos realimentar la demanda de servicios y los procesos de interconexión y
comunicación entre individuos, grupos, sectores sociales y gobiernos.
La pregunta consiguiente es sobre la naturaleza de la información en sí misma en tanto producto. Podemos concebir las relaciones entre las sociedades y sus
procesos de información y comunicación bajo una doble perspectiva: la información considerada como recurso instrumental empleado por la sociedad para realizar
tareas o establecer relaciones entre hechos, objetos y procesos. O bien podemos
concebir la información como un producto de la historia y el trabajo humanos
(símbolos sagrados, educación, filosofía, ciencia no aplicada, valores religiosos y
humanos, las artes, etc.). Sin embargo es importante aclarar que la información en
sí misma no puede ser considerada un fin, un valor, sino un recurso a ser transformado en un valor: el conocimiento. La información como tal, no tiene ningún valor
intrínseco, vale solamente al ser transformada y procesada (digamos que su valor
de uso solo surge a partir de su ‘valor de cambio’, su potencialidad para ser procesada y transformada). Si analizamos las relaciones entre la técnica, la información
y los procesos de control social como etapas y tendencias históricas dentro de una
perspectiva antropológica podemos observar:
1º. Una fase prehistórica basada en la piedra, en la fijeza y la permanencia de los
signos icónicos, ya sea como medio para comunicar algo, o como ‘fines y valo21
Tecnologia, Pra Quê?
res’ simbólicos o sagrados (pinturas en cavernas, grabados sobre piedra o escritura
en papiros). Una teoría sustenta la hipótesis de que el hombre primitivo recurría
a imágenes y esculturas como forma de controlar simbólicamente el hambre, la
muerte o el futuro.
2º. Una larga era de los metales (aproximadamente a partir de 1.500 A.C.), donde la
información forma parte de los procedimientos de administración y control de los
primeros estados, y el conocimiento técnico es aplicado a la producción de artefactos (la información como medio técnico de producción de herramientas, armas
militares y tecnologías de control sobre el ambiente, principalmente recursos naturales y agua). Las comunidades humanas introducen la maleabilidad y la portabilidad física de los objetos y los registros de información (desde el papiro a las armas
y los objetos de uso cotidiano, el signo se funde con el valor de uso de los objetos).
3º. Con el surgimiento de la Modernidad se produce una evolución de la era de los
metales hacia una nueva etapa de la fabricación mecánica, principalmente para
promover los viajes de exploración y conquista. Se comienzan a construir los primeros artefactos mecánicos complejos, donde la precisión hace indispensable el
control numérico (con el ejemplo paradigmático del reloj). La complejidad de estos
procesos precisa de la abstracción de los números para construir los dispositivos
técnicos que materializan la racionalidad instrumental codificada como información práctica (siglos XVII y XVIII, Deus ex machina). Y también se enriquece con
los conocimientos registrados y distribuidos a través del libro impreso. Esta dinámica presupone una enorme acumulación de información que debe ser registrada
en números, fórmulas y textos. Se crean los primeros dispositivos de precisión
para el control de los procesos de producción (primero artesanal, luego industrial).
Los procedimientos seguidos se expresan en textos y fórmulas, o como secuencias
de números principalmente al servicio de la dinámica de la producción industrial
naciente. La técnica se traduce a algoritmos de signos operativos y acciones repetitivas aplicadas a procesos lineales de producción, con su apogeo a través de la
cadena de producción en serie en las fábricas Ford y el surgimiento del Taylorismo
como Administración Científica de tiempos y espacios en el lugar de trabajo (se
llega a implantar un oficio especial: el ‘tomatiempos’ que aterrorizó a generaciones
de obreros a través del control de sus movimientos mecánicos por reloj).
4º etapa: La era de la electricidad, de la que McLuhan toma algunas de sus metáforas básicas. Se hace posible la instantaneidad, la construcción de redes interconectadas de circulación y transformación – o traducción - de la información a través de
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
un flujo continuo de señales, sonidos y luego imágenes. La electricidad surge como
una energía que permite la creación de una infraestructura capaz de distribuir esa
una nueva fuente al servicio de la economía, la sociedad y la cultura. Surgen así los
medios masivos de comunicación a comienzos del siglo XX como una metáfora de
la convergencia entre la fuerza y la precisión de la máquina y la sofisticación de la
palabra y las imágenes analógicas. Recordemos que los medios – apud McLuhan son el mensaje, o en otras palabras, él puede entender que el mensaje es la propia
técnica como medio y fin al mismo tiempo, reduciendo al signo a su valor de mera
señal. Seguramente, podemos considerar a la electricidad como una de las tecnologías más eficientes para organizar la circulación de objetos y mensajes en el
espacio y el tiempo (en otras palabras, el control de tiempo y espacio). De acuerdo
a los conceptos guía interligados que presentamos al comienzo, podemos decir que
es con la aparición de la electricidad que surge la posibilidad de generar y transformar en textos y mensajes a los nuevos procesos de circulación y convergencia entre
diferentes espacios, tiempos, canales de información y comunicación.
5º. Por último, llegamos a nuestras realidades (posmodernas?), ciberculturales y
ciber- informacionales, donde la digitalización promueve la convergencia universal de la realidad física y la virtual en códigos binarios, recreando tanto al mundo
material como el tecnobiológico. Se multiplican las metáforas del sujeto poshumano, de la sociedad y las relaciones sociales hipermediatizadas, las paradojas y
contradicciones del control social y la autonomía individual exacerbadas a la par,
tal como se muestra en el ejemplo de los celulares que promueven el aumento tanto
de la autonomía como el control territorial de los movimientos de los usuarios. La
información y la comunicación enraizados en dispositivos técnicos llegan a ser
medio y fin al mismo tiempo, conformando una espiral creciente e interminable
de transformaciones y procesos de convergencia entre los objetos de ambientes
naturales con dispositivos técnicos de procesamiento y transformación de la información. Finalmente se conectan acciones y dispositivos que modifican contextos
y objetos virtuales en una espiral permanente de nuevas instancias de organización
y reorganización de diferentes contextos de realidad emergentes. La digitalización
se presenta como una tecnología de transformación y control de cualquier orden
de realidad a un orden numérico binario. Una tecnología de traducción de objetos,
hechos y seres vivos a un orden numérico (ciberrealidad). Y en segunda instancia,
el desarrollo de tecnologías de asociación y traducción del orden cibernumérico
a dispositivos físicos reales: el cuerpo de seres vivos (por ej. la tecnobiología), o
de objetos inanimados (como el denominado ‘Internet de las cosas’), robots o aún
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Tecnologia, Pra Quê?
ambientes naturales. El control de la realidad por medio de la información es expresada en números (un mundo de avatares leibnizianos).
Debemos aclarar que cada una de las 5 ‘etapas’ de una historia de la información, la tecnología y los procesos de control que presentamos aquí no elimina o
suplanta a las anteriores sino que las ‘traduce’, las modifica y complejiza de acuerdo a las nuevas instancias y posibilidades que brindan nuevas tecnologías. Nadie
sabe hasta que punto los dispositivos analógicos serán totalmente suplantados por
los digitales.
Investigando las influencias de las tics
Comúnmente, las investigaciones sobre las relaciones entre las TIC y los ambientes en que son instaladas (fábricas, escuelas, sectores gubernamentales, medios
de comunicación, etc.) tienden a ser abordadas en forma demasiado lineal: impacto, eficiencia, ahorro de tiempo y espacio, etc. Pensamos que este tipo de abordajes
‘micro’ son sumamente acotados y pierden de vista el panorama mayor: la transformación del contexto en que se insertan las TIC como organizaciones y sistemas
complejos y multidimensionales. Por esta razón, preferimos un marco de análisis
no reduccionista que aborde múltiples dimensiones en las que se dan las prácticas
de individuos y organizaciones. En otras palabras, preferimos realizar un abordaje
‘ecológico’ de las implicancias que conlleva la adopción de las TIC en toda clase
de contextos sociales.
Siguiendo esta línea exploratoria de investigación, proponemos el método del
Socioanálisis8 ya que pretende abarcar un cuadro ecológico amplio que cubre diferentes dimensiones de análisis, los que desde una perspectiva sistémica permiten
abordar cada tópico, cada hecho o proceso como un (sub)sistema interligado a un
contexto mayor. De este modo, aspectos técnicos, de toma de decisiones, de control
del espacio, de relaciones entre agentes de un organización y hasta aspectos culturales, pueden ser analizados respetando la especificidad de cada cuestión analizada
y su grado de ‘autonomía’ en relación al ambiente mayor. Es decir: la implantación
de una nueva tecnología como generadora – y reproductora - de nuevas relaciones
técnicas, nuevas modalidades de establecimiento de lazos sociales, actitudes, valores y modos compartidos de recrear las condiciones existentes en un ambiente productivo, o bien un modo de vida, favoreciendo la modificación o el fortalecimiento
de dispositivos ya establecidos en un colectivo social.
La metodología de investigación diagnóstica y de intervención que desarrolla el Socioanálisis está presentado en varias publicaciones
(Vizer 2003, 2005; Vizer y Carvalho 2008, 2010, 2012).
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
Esto permite explorar sobre cuales ámbitos incide de forma sistémica la introducción de una tecnología: desde un nivel estrictamente técnico y funcional hasta
dimensiones que abarcan cuestiones de concentración de la autoridad y del poder
de decisión, modificaciones – o desaparición - de jerarquías (sobre todo en las
organizaciones), pasando por los cambios en el uso de los espacios físicos y la
regulación de los diversos tiempos requeridos para la realización de tareas como
ser trabajo físico o intelectual (las formas y estilos de lo que se denomina trabajo
inmaterial). La introducción de TIC también incide en las relaciones y los vínculos
interindividuales de miembros y agentes de una organización, sus modos de comunicarse así como sobre los procesos simbólicos que ordenan las representaciones
colectivas y la construcción y adjudicación de sentido (la institución simbólica de
diversos órdenes sociales, o lo que muchos llaman en forma bastante imprecisa
‘cultura’, creada a la par de las prácticas en una organización o una comunidad, ya
sea real o virtual).
Tomamos aquí en cuenta las dimensiones o categorías para el análisis de la
construcción física y topológica de procesos organizacionales: en primer lugar la
technè de los saberes y las prácticas instrumentales (las tecnologías y el conocimiento entendidas como un capital informacional de cualquier colectivo social).
Otra dimensión – ‘política’, y que junto a la dimensión anterior constituyen los
temas centrales de este trabajo – abarca el uso de las TIC como instrumentos que de
manera explícita o implícita buscan crear y establecer mecanismos centralizadores
de control por parte de un Poder instituido, un orden jerárquico y concentrado
(aparatos de Estado, sistemas de toma de decisiones en organizaciones, etc.).
En tercer lugar podemos analizar la dimensión de los usos y las acciones ‘instituyentes’ de miembros, grupos o sectores que quieren producir modificaciones en
la organización de las prácticas o que se preocupan por la vida pública y la democratización organizativa, (por ej. acciones y movimientos de resistencia en ámbitos
privados y públicos, donde por ej. los celulares representan la mejor arma utilizada
por los organizadores y participantes de movimientos sociales para organizarse y
orientar acciones colectivas).
En cuarto lugar, la dimensión de la influencia y potencialidad de las TIC en
las cuestiones de la apropiación, la creación y la distribución de los espacios y
los tiempos (tanto en la materialidad de los contextos y ambientes físicos de las
organizaciones, como en los espacios y los tiempos de las comunidades virtuales).
El derecho a la ‘posesión’ y el control de espacios y tiempos siempre se constituye
en una arena de controversias y hasta de luchas entre personas, grupos y sectores.
25
Tecnologia, Pra Quê?
Menos visible que las anteriores dimensiones de análisis, y muchas veces desconsiderados, están los procesos ligados a la intersubjetividad, las modificaciones
sobre el mundo de los vínculos y las prácticas instituidas de contención social, los
valores y emociones, etc. (la influencia de las tecnologías de la comunicación no
solamente como redes virtuales sino en la vida familiar, los vínculos primarios y la
participación en grupos, deportes, el tiempo libre, la salud y los aspectos emocionales, la seguridad material y la perspectiva de futuro, etc.). Finalmente se debe
tomar en consideración los aspectos culturales, las formas simbólicas, las representaciones sociales, la religión, las identidades e identificaciones que fortalecen o
disminuyen el capital social y simbólico de una comunidad o una institución.
Queremos aclarar que la introducción de cualquier tecnología no ‘produce’
cambios sociales, sino que mediatiza y modifica las relaciones existentes tanto
entre los miembros de una organización, como en las relaciones de ésta con el
medio externo. A nosotros nos interesa de manera específica analizar sobre todo
las modificaciones que se producen en dos de las dimensiones presentadas. a) La
concentración del poder, las jerarquías y el control, y b) sus opuestos: el aumento
en la autonomía (personal, grupal, comunitario), la desconcentración de poder y el
control, y el achatamiento de las jerarquías.
Esta última dimensión de análisis es especialmente fructífera respecto al análisis sobre usos de las TIC en estudios sobre las condiciones de acceso y usos
sociales de las mismas: democratización, participación y organización política,
movimientos sociales y acciones colectivas. También en el trabajo sobre movimientos sociales, de derechos humanos, de minorías, de género, etc. En esta línea
se adscriben las concepciones alternativas sobre democracia directa y las relaciones entre el Estado y la sociedad civil. Se inscribe en la crítica a las concepciones
sobre un poder hegemónico: ya sea del Estado, de una clase, un partido, o los
agentes económicos por sobre la sociedad. Comunicacionalmente corresponde a un
modelo ‘muchos hacia muchos’, en oposición a la dimensión anterior que responde
a un modelo de concentración de información y del poder de decisión de ‘muchos
hacia uno’9. Este trabajo pretende precisamente referirse a los riesgos que presenta
este último modelo y que se vislumbra en el uso de las tecnologías con fines de
espionaje por medio de la recolección y concentración de infinita cantidad de información sobre los ciudadanos con fines económicos o de control social, político
o ideológico.
Según el investigador Tom Burghardt “Se espera que entre 2010 y el 2015 el tráfico global de Internet se cuadruplique. De este modo
la Agencia estatal NSA precisa de un edificio de cien mil metros cuadrados para almacenaje. Si la Agencia llenase el centro de Utah
con un ‘yottabyte’ de información, ella sería equivalente a 500 quintillones (500,000,000,000,000,000,000) de páginas de texto”. (Cada
yottabyte equivale a 1.000.000 de exabytes). En http://campaign.r20.constantcontact.com
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
Arenas de confrontación: uno a muchos,
muchos a muchos y muchos a uno
Una marca fundamental del siglo XX fue la creación explosiva de las comunicaciones de masas. El cine, la radio y luego la televisión generaron las condiciones
técnicas, sociales y políticas para la emergencia de los primeros mercados culturales y las organizaciones multinacionales de la comunicación a escala global. El correlato social de este proceso fue el pasaje de la era de los públicos a las sociedades
de masas a partir del segundo y tercer decenio del siglo XX (aunque la prensa y el
teatro anticiparon este proceso en el siglo XIX). El primer impacto económico de
esos medios se tradujo en la creación de mercados de consumo a escala mundial.
Podemos considerar a esta primera etapa de la globalización (o mundialización) de
los productos culturales, como de producción de mercancías culturales producidas
en serie y llevando a la cultura y la producción simbólica el modelo de producción
en serie inaugurado por Henry Ford (de automóviles a películas y series de televisión). Desde una perspectiva antropológica, podemos decir que comenzaba una
primera era de las comunicaciones masivas, invadiendo la humanidad con tecnologías cuyo impacto directo se revela como un proceso de mediatización creciente
de las relaciones sociales, políticas y culturales. Su signo distintivo consistió en la
creación de mercados mundiales de consumo cultural (productos de cine, radio y
televisión). Los teóricos de la comunicación hablan de una etapa del “uno a muchos”, donde ‘uno’ produce y ‘muchos’ consumen.
Como señalé en otra parte asociando ‘los medios y los miedos’, el poder del
dispositivo aumentó también las posibilidades de manipulación de los públicos a
través del miedo “miedo e inseguridad forman una dupla que se realimenta diariamente a través de los noticieros de televisión, la prensa y la radio..” (Vizer, 2009).
La violencia en los medios pone en evidencia la fragilidad de los individuos frente
a hechos que no pueden controlar, desencadenando un mecanismo psicológico de
búsqueda de seguridad y liderazgo aún al costo de la pérdida de parte de la libertad
o de los derechos constitucionales (cualquier alusión a la “Guerra contra el Terror”,
no es casual). En la política y en las guerras, las estrategias del miedo y el terror
pueden ser eficaces durante años.
Pero para los investigadores de los medios, los miedos clásicos que comienzan en esta primera etapa son los de la hiperconcentración de la producción en un
país, la homogeneización cultural, la pasividad del receptor (figura clásica de esta
etapa), la ambivalencia de un ‘imperialismo cultural’ impuesto por ese ‘uno’ con la
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Tecnologia, Pra Quê?
existencia hegemónica de Estados Unidos como centro todopoderoso de creación
de tecnologías, de contenidos y de la producción para mercados globales. Los riesgos de la hiperconcentración han girado 180 grados: de la producción visible han
pasado a la ‘recolección’ secreta.
Pero como dicen los jóvenes, la etapa mediática industrial ya ‘fue’. Para finales
del siglo XX, y sobre todo en este siglo XXI, hemos dejado lejos la primera fase
de la mediatización de masas. Se imponen no solamente nuevas tecnologías, sino
nuevas formas de producir, distribuir y consumir cultura. Nuevas formas de integrar públicos – y mediatizar técnicamente - las relaciones entre individuos, grupos,
sectores, geografías físicas y hasta naciones. Se producen nuevas concepciones y
paradigmas de creación de mercados globales y sus consiguientes concepciones sobre la producción y consumo de dispositivos y contenidos culturales que se transforman en ‘commodities’: desde la tradicional producción de contenidos analógicos a los digitales. Desde programas que precisan de un soporte analógico material
(películas o periódicos) hasta los productos inmateriales de programas virtuales. La
digitalización ha quebrado los modelos y paradigmas de la era analógica10 (“Todo
lo que es sólido se desvanece en el aire”, todo lo que ‘es’ ha comenzado a fluctuar,
todo lo real tiende a ser virtualizado, y hasta los sujetos de carne y hueso pueden
crear y multiplicarse en clones y avatares virtuales). Se quiebra el paradigma de la
producción masiva en función de nuevas formas de producción y consumo personalizado, pero sin abandonar la creación de nuevos mercados.
Cuando aparecen en escena los que se llamaban nuevos medios audiovisuales
en los años 60 y 70, y sobre todo con la expansión de Internet en los 90, un optimismo democratizante bastante naive toma la forma de discursos sobre la ‘emancipación digital’, y la posibilidad de construir formas y canales de democracia
participativa directa a través del acceso a la Información y a los nuevos dispositivos
de acceso. Aparecen en escena los discursos oficiales que dibujan imágenes casi
idílicas de una Sociedad del Conocimiento y la Información, donde reina la mas
absoluta libertad de expresión. La creatividad y la innovación pasan a ser palabras
estratégicas de todo discurso políticamente correcto. Los viejos miedos a la manipulación, el control y la homogeneización cultural que habían surgido con los
medios de masa parecían definitivamente exorcizados con la floreciente mediatización digital de las sociedades. Sin embargo, nuestro presente está marcado por la
proliferación y la competencia ‘darwinista’ entre múltiples dispositivos mediáticos,
entre tecnologías que destruyen los parámetros definidos de las fronteras entre lo
Aunque parezca un tema prehistórico, a fines de los 80 todavía discutíamos en seminarios de las Naciones Unidas los riesgos del “flujo
de datos transfronteras”.
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
real y lo virtual, lo público y privado, la producción y el consumo de cultura, entre
naturaleza y cultura, entre cuerpo-carne y tecnología, y aún entre tiempo y espacio.
Vivimos tiempos de confusión y disolución de certezas y grandes relatos. Nuestras
marcas son el relativismo y el estigma del instantaneísmo y la obsolescencia programada.
En esta nueva era de hipermediatización a través de las TIC, sus primeras víctimas fueron los criterios de verdad, de objetividad y reflexividad (aunque los
discursos optimistas e ingenuos de los amantes acríticos de las tecnologías no lo
adviertan o simplemente lo nieguen). Los dispositivos tecnológicos de las nuevas
formas de globalización han generado un relativismo generalizado: lo real se virtualiza y lo virtual se realiza; lo particular se universaliza y lo universal se expresa
en modalidades particularistas. La ‘sociedad del control’ se instala en medio del
caos y la confusión. La manipulación de los miedos, la confusión y la desinformación se transforman en armas políticas para el control de masas fracturadas por la
inseguridad global y el temor. A partir del 11 de setiembre del 2001 y sobre todo a
partir de la instalación global de las políticas de ‘Guerra al Terror’, el ‘Patriot Act”
y los intentos de control de la información (como el proyecto SOPA, todos nacidos
en los Estados Unidos), los valores que nutrieron la libertad de pensamiento, el
pensamiento crítico, la libertad de expresión (diferencia sutil con la noción de ‘libertad de prensa’ sustentada por los grandes medios) caen bajo diferentes grados
de sospecha de subversión. Hemos entrado en una forma de régimen de libertad
de pensamiento vigilado. Se produce lo que en el discurso jurídico se denomina
‘inversión de la prueba’: cualquiera puede ser sospechoso, y en cierto sentido un
agente de subversión, hasta tanto demuestre lo contrario. Para un norteamericano
o un europeo occidental esta sensación de estar bajo régimen de libertad vigilada
puede ser una experiencia nueva, pero no lo es para los que en cualquier parte del
mundo hemos debido vivir durante años bajo regímenes dictatoriales o golpes militares. No nos hemos acostumbrado, pero al menos aprendimos a generar defensas
mentales, discursivas y emocionales.
En una buena parte de nuestras vidas bajo el “Gran Hermano” de las dictaduras
militares, ese GH tan temido ha llegado a ser casi un miembro indeseado de la
familia. Pero ahora es diferente: no existe más un ‘adentro y un afuera’, un afuera
en la forma de una frontera, un sistema o un país al que emigrar. Todo se halla
‘adentro’ y es parte de la vida cotidiana. Como dios, el Gran Hermano es omnipresente. Puede estar en cualquier lugar: en las calles de cualquier ciudad, en el predio
donde vivimos (hasta en el ascensor con una cámara escondida a través de la cual
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Tecnologia, Pra Quê?
la síndica jubilada del edificio se ocupa vigilando a los condóminos y los visitantes). La vigilancia está instalada en nuestros celulares11, laptops y computadoras,
y hasta en los propios nano robots de los dispositivos introducidos en nuestros
cuerpos por el sistema médico. En cada paso que damos hacia determinado tipo de
comercios, oficinas o lugares de encuentro. Cada compra queda registrada como
información, y el propio comprador – o para caso, el vendedor – pasa a formar
parte de una infinita lista de datos (los que a su vez son centralizados, cruzados y
reorganizados) en bancos de datos para empleo y control de gobiernos, organismos
fiscales, y empresas que compran y venden los datos para realimentar mercados de
información privilegiada.
Cualquier individuo, o cualquier objeto - natural o artificial - puede ser registrado como dato en el mundo digital. Tenemos muestras contundentes del poder
y la instrumentalidad técnica de la ciencia y las tecnologías de la información actuales construyendo y procesando información. Es una muestra del avance de la
capacidad humana para registrar, reordenar, producir conocimiento y desarrollar
dispositivos para controlar – o al menos regular – sistemas y procesos de una naturaleza enormemente compleja, ya sean naturales o sociales. Es la cara optimista
y aparentemente neutra del progreso científico y tecnológico. Es la Sociedad de la
Información y del Conocimiento como ‘producto’ de la capacidad humana. Pero
claro, esto es apenas una parte, una mirada algo ingenua sobre las maravillas de los
procesos técnicos y científicos sobre los que se asienta la generación inagotable de
innovaciones y el control sobre los procesos de reconstrucción permanente de los
sistemas sociales y sus relaciones con el entorno físico natural en nuestro mundo
actual (las ciudades no podrían subsistir sin estas bases de sustentación: máquinas
y dispositivos creados para procesar energía e información externa e interna en la
forma de sistemas de regulación de energía).
Pero el problema del control que nos ocupa aquí no es de naturaleza técnica
sino sociopolítica. Quienes, cómo y con qué fines (para qué) acceden grupos, organizaciones, gobiernos, estados e individuos a todos esos universos de información.
Este es el problema central, y en él habrá que buscar las respuestas fundamentales
de nuestro tiempo: tecnología e información para quienes, cómo y para qué fines.
En principio, cada actor social y cada individuo responde de manera diferente a éstas cuestiones. El valor universal a ser sostenido es que la posibilidad de libertad de
elección se sostenga como un derecho inalienable de los ciudadanos. Esto implica
una serie de principios, derechos – y obligaciones - que deberán ser desarrollaSin exagerar ni dramatizar, podemos decir que en el mundo actual los espías pueden estar en el bolsillo en el que guardamos nuestro
celular, o aún escondidos en los nanorobots o los chips que la medicina puede introducir en nuestros cuerpos para curar otra clase de
agentes malignos o tóxicos.
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
dos como las Tablas de la Ley del nuevo ‘orden digital’. No se trata de crear una
serie de reglamentaciones prescriptivas (como ‘todo individuo debe’ hacer), sino
un acuerdo democrático y participativo sobre lo que no se debe hacer o permitir
que se haga que pueda dañar a un semejante con el uso ‘indebido’ de tecnologías
o de la información. Se trata de generar jurisprudencia en base a un mínimo orden
de restricciones. La jurisprudencia actual sobre derechos y deberes del ciudadano
tiene una historia suficientemente asentada como para dar una sólida base de sustentación al derecho en esta era digital.
El problema en sí no es propiamente jurídico sino político: que institución
tendrá el poder para hacer cumplir los deberes y hacer respetar los derechos en
una era de mundialización (una versión particularista del mundo global bajo unos
pocos centros de poder mundial)? Si un solo país y sus instituciones de gobierno
se abrogan el derecho de ‘policía global’, el sistema judicial se transforma en un
mero discurso sin poder que solo sirve para justificar la acción y los métodos ‘policiales’, cuando debería ser precisamente al revés. Como el sistema policial (así
como todas las instituciones de seguridad y control gubernamental) actúa en base
a la búsqueda y procesamiento de informaciones, podemos tomarlo como un caso
ejemplar del pasaje de la primera era digital que tenía como banderas la emancipación, la libertad y la creatividad sin fronteras a la etapa actual de ‘libertad de
palabra condicional’.
Planteando la cuestión en términos de una perspectiva comunicacional el cuadro es el siguiente: en el siglo XX las comunicaciones masivas mostraban un diagrama de ‘uno hacia muchos’. Para fines del siglo XX, con la aparición de las
primeras tecnologías digitales se abre un panorama desmedidamente optimista de
crecimiento exponencial de las libertades: ‘muchos se dirijen a, y se comunican
con muchos’. Se cree en la acción individual irrestrictita, en la movilidad, la creatividad, y el desarrollo de prácticas de participación y la búsqueda de formas institucionales de democracia directa, etc. La WWW se transformó en el icono de esta
era. El símbolo de una primera era digital. Sin embargo parece no haber podido
establecer bases suficientemente sólidas como para sostenerse frente a los embates
de gobiernos, corporaciones e intereses que buscaron apropiarse no tanto de las
tecnologías como de las propios canales y fuentes de información que les aseguren un control (aunque aún no un dominio absoluto) de los dispositivos políticos
de la sociedad y de los mercados omnipresentes. El diagrama de la información
y la comunicación en ésta segunda década del siglo XXI presenta un conflicto
entre la era de una real sociedad de la comunicación, de ‘muchos a muchos’ y las
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Tecnologia, Pra Quê?
tendencias crecientes de ‘muchos a uno’, o muchos a muy pocos. Al revés de la
etapa mediática del uno a muchos, donde reinaban la prensa escrita, la radio y la
televisión difundiendo abiertamente sus mensajes y vanagloriándose de su propio
poder, las fuertes tendencias actuales hacia la concentración y el ‘mucho a pocos’
presenta la figura opuesta: el escenario y los actores centrales son los públicos de
las redes, los muchos que usan y abusan de las TIC sin haber tomado conciencia de
que ellos son el espectáculo real, la fuente de información de los mensajes recogidos por las propias redes, las agencias de marketing, los organismos de gobierno,
las corporaciones y hasta los medios digitales interactivos. Todos somos actores y
públicos de un ciberescenario virtual al mismo tiempo. Algunos lo consideran una
manifestación de democracia comunicativa, de libertad y realización individual.
Aunque suene desagradable decirlo, todos hemos sido paulatinamente reproducidos como avatares en bases de datos digitales. Nos compran y nos venden,
pero nadie parece molestarse demasiado. El proceso se ha invertido en términos
de McLuhan, el ‘mensaje’ ya no es el propio medio, sino el pueblo – o los públicos - en números (o sea: los ciudadanos en la terminología políticamente correcta
de la actualidad). Quien recibe, decodifica y utiliza esos mensajes de manera casi
hegemónica en la Sociedad de la Información? La respuesta es obvia: el mercado
y los gobiernos; corporaciones comerciales, empresas ligadas a los mercados de
la información y organismos de seguridad. Tanto es así que al analizar diversos
medios de comunicación, la célebre revista especializada Wired presenta cuadros
de análisis que demuestran los procesos de concentración histórica anticipando la
misma tendencia para la WWW, presentando en la tapa de la Revista el título catástrofe de “The web is dead” (la web ha muerto, setiembre del 2010).
Reflexiones finales: del megáfono al hiperlink
No es difícil sacar un par de conclusiones interesantes sobre ciertas diferencias
y consecuencias del pasaje de la era dorada del muchos a muchos (que aún resiste
y lucha denodadamente por mantener una democracia comunicacional en el acceso
y los usos de la TIC y sobre todo de Internet), y el cuadro actual de tendencias a
la centralización y el control profundizadas desde el 2001 bajo el pretexto de la
seguridad colectiva. Quien prefiere sacrificar su libertad de palabra en el nombre de
una ‘seguridad’, siempre difusa y sujeta al poder de turno, al filtrado de la información y los riesgos siempre presentes de manipulación? La era dorada de muchos a
muchos puede mostrar aún los signos positivos y creativos de una Sociedad abierta
de la Comunicación. La era de muchos a uno se corresponde demasiado con las
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El Ojo De Dios: Conectados Y Vigilados
realidades de una visión tecnocrática de la Sociedad de la Información: no hay
mensajes, no hay comunicación, solamente hay datos, registros infinitos de información que son recogidos, seleccionados y procesados sigilosamente a través de
procedimientos informáticos generalmente automatizados.
El Derecho a la Información es una de las figuras legales que exige la sociedad
como la principal garantía para poder acceder a esos bancos de datos secretos,
intentando revertir dentro de lo posible el muchos a uno mediante la incorporación de programas abiertos, consultas, e hiperlinks que abren diferentes alternativas
de información. El objetivo estratégico para la sociedad consiste en exigir a los
gobiernos políticas de comunicación pública que contemplen la introducción de
dispositivos jurídicos – y técnicos -, así como estrategias de participación interactiva reales, creativas y eficaces. La finalidad consiste en promover la emergencia
de ideas, actores y dispositivos capaces de replantear la especificidad del funcionamiento del aparato estatal dentro de un conjunto de actores que conforman un
sistema abierto de links de complejidad creciente. La comunicación pública debe
constituirse como una esfera que expone y hace pública los mecanismos y valores
que orientan el accionar del estado y al mismo tiempo introduce canales de interlocución efectiva con los ciudadanos, limitando el clásico monólogo del poder
(y la metáfora del megáfono ‘uno a muchos’). La inclusión de mecanismos de
consulta pública en los procesos de formulación de políticas debe compensar las
acciones verticales (top down) en ámbitos donde la participación y el debate abren
alternativas de discusión, aún a riesgo de perjudicar la gobernabilidad. La institucionalización de canales de crítica es necesaria para desenmascarar las estrategias diseñadas para engañar a la sociedad bajo una máscara seudo democratizante
(el doble discurso y los falsos mediadores entre el poder y la ciudadanía). Se puede
considerar a esta política como una emergente ‘comunicación pública’, al introducir dos objetivos centrales en la comunicación: desde el estado, la publicización de
sus acciones y los criterios de decisión, y desde la sociedad la abertura de canales
de opinión e interpelación crítica. Se trata de de desafiar la clásica tendencia del
poder a invisibilizarse.
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35
2
Desencavando Interfaces:
Reflexões sobre Arqueologia da
Mídia e Procedimentos de “Resgate”
de Páginas Web
Gustavo Daudt Fischer1
Introdução
Ao desenvolvermos estudos relacionados à web (Fischer, 2008), nos deparamos com o seguinte desafio: pelo nosso interesse em pensá-la como mídia, a partir
da identificação das trajetórias e características ao longo de determinado período
de tempo de websites de visualização de vídeos bastante representativos, o YouTube e o Globo Media Center/Globo Vídeos, tivemos de buscar caminhos para
realizar dois procedimentos que a pesquisa demandava: resgatar diferentes versões
que ambos os websites tiveram desde seu surgimento, assim como acompanhar as
versões (e eventuais alterações) que fossem contemporâneas ao período específico
de coleta de dados. Assim, o trabalho de pesquisa acabou desenvolvendo, do ponto
de vista dos procedimentos metodológicos, uma espécie de exercício do que chamamos à época de “agir arqueológico”, e que possuía uma ação mais retroativa
(buscar as chamadas versões anteriores) e mais progressiva (dar conta do que eram
consideradas as versões atuais naquele momento) sobre os materiais empíricos
(páginas web) para que fosse possível dar conta de compreender o que denominei
então como lógicas operativas2 destes dois websites. É sobre esse “agir” que agora
pretendo alargar minha reflexão, trazendo algumas considerações a partir de um
conjunto de autores que são recorrentes nas discussões sobre arqueologia da mídia.
Resgatando interfaces: motivações e procedimentos
Antes de expor os movimentos ligados ao resgate, captura ou coleta de interfaces do tipo web, é importante tentar trazer, ainda que resumidamente, alguns
Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNISINOS. www.gustavofischer.com.br [email protected]
Conjunto de procedimentos identificáveis nas interfaces que fazem com que um website oferte suas características específicas para um
usuário.
1
2
Tecnologia, Pra Quê?
apontamentos de definição para webpages e websites, assim como agregar uma
reflexão de cunho mais analítico proposto por Manovich (2001). Do ponto de vista
de sua materialidade, a World Wide Web pode ser caracterizada através de duas
propriedades principais: a existência de webpages e a possibilidade de inserção de
vinculações associativas (links) nas mesmas. Uma webpage é um tipo de arquivo,
desenvolvido inicialmente com base no HTML3, que permite a execução de diferentes processos através dela, normalmente realizados através da agregação de
categorias sígnicas como imagens, textos, vídeos e sons em conexões hipertextuais
e hipermidiáticas. A possibilidade da visualização de um arquivo HTML em máquinas (computadores) com sistemas operacionais4 diferentes, através de um tipo
de software conhecido como navegador (browser) torna a webpage mais acessível
ao usuário convencional. A segunda propriedade diz respeito à possibilidade de
criação de vínculos nestas webpages que remetem para outras páginas web ou requisitam arquivos de diversas ordens (planilhas, textos, músicas, vídeos, imagens,
etc) localizáveis nos inúmeros bancos de dados ligados à Internet, através de links5.
Tão essencial quanto à conceituação de webpage e de link é a idéia de website,
importante para a identificação de diversos fenômenos da web. Para Dochartaigh
(2002), um website poderia ser um equivalente online (em rede) de um livro, com
os vários capítulos organizados como diferentes webpages.: “um [web]site deve
obter total vantagem da potencialidade do hipertexto e ser organizado de uma forma para a qual não há sequer equivalente no impresso”6(p. 120). Jackson (1997)
propõe, de forma bastante simplificada, que um website – também entendido como
site - trata-se de um conjunto de webpages articuladas por um conceito (uma marca
comercial, uma universidade, um evento, uma agremiação esportiva, uma banda
de rock, uma associação, etc), que as reúne em uma mesma arquitetura, segundo a
qual as diferentes páginas web estão organizadas diante do usuário.
A essas definições mais básicas, queremos agregar nosso entendimento de interface, alinhado pela colocação de Lev Manovich (2001), que afirma que a linguagem – própria – das interfaces gráficas – às quais ele prefere denominar como
“interfaces culturais” – está muito ligada a elementos de outras formas culturais
consagradas advindas do impresso (printed word), do cinema e das interfaces hu Hypertext Markup Language, chamada linguagem de marcação, em formato de instruções de texto que geram páginas web. Ao requisitarmos que nosso software de navegação (browser) exiba o chamado código-fonte nos é apresentada uma janela que reproduz o HTML
que gerou a página que nosso browser exibe naquele momento.
4
A mecanização das operações do computador e a extensão das funções do hardware são vistos como objetivos básicos de um sistema
operacional. (M. A. Auslander, D. C. Larkin, A. L. Scherr. The Evolution of the MVS Operating System. Em http://www.priorartdatabase.com/IPCOM/000163512/ (agosto 2008).
5
“[...]um link é uma conexão entre dois elementos em uma estrutura de dados. Os links permitem a navegação dentro de um instrumento
hipertextual [...] Na Internet, um link é qualquer elemento de uma página da web que possa ser clicado com o mouse, fazendo com que
o navegador passe a exibir uma nova tela, documento, figura, etc.” (nota do tradutor Irineu da Costa na obra de Lévy, 1999, p. 255-256)
6
A site may take full advantage of the potencial of hypertext and be orgnanized in a way for there is not even a equivalent in print.
3
38
Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
mano-computador (Human-computer Interface, HCI). Manovitch crê que o impresso, o cinema e a interação humano-computador possuem suas modalidades
específicas de organizar a informação, estruturando a experiência humana, correlacionando tempo-espaço (p. 69-93). Assim, a facilidade de compreensão imediata
da linguagem da interface resultaria do fato de que esta seria baseada em formas
culturais prévias e familiares (p. 79-80). Embora, o autor trata da interface computacional do software de forma mais explícita, sua reflexão pode ser trazida para entendermos as interfaces do tipo webpage como resultantes desses tensionamentos
entre formas culturais, o que também ganha guarida no conceito de remidiação de
Bolter e Grusin (1999) ao perceberam diferentes movimentos no surgimento e atualização de formas de representação como pintura, fotografia, cinema, vídeo e web,
que tanto nascem sob influência de suas precedentes como também as modificam.
Ora, se entendemos que as interfaces web são resultantes de contínuos movimentos de atualização e influência das características de diferentes formas culturais
como propõe Manovich ou mídias como mencionam Bolter e Grusin, como dar
conta de investigá-las se, como coloca Costigan (1999) a internet não poderia ser
contida ou capturada em um único instantâneo, pois ela estaria em “permanente
estado de fluxo”? Nesse sentido, a atitude diante das webpages na pesquisa sobre as
lógicas operativas de YouTube e GloboMediaCenter/Globo Vídeos foi de colocar o
pesquisador no papel de dissecador, conforme também propôs Damasceno (2011)
ao tratar da proposição original de Kilpp (2003) quando, ao tratar da televisão –
também pensada em fluxo - menciona que:
A metáfora da dissecação do cadáver, inspirada em Leonardo da Vinci, implica
dizer que para adentrar a telinha e ultrapassar os teores conteudísticos da TV que nos cegam e ensurdecem em relação aos procedimentos técnicos e estéticos
que são o modo sui generis da mídia produzir sentido - é preciso matar o fluxo,
desnaturalizar a espectação, intervir cirurgicamente nos materiais plásticos e
narrativos, cartografar as molduras sobrepostas em cada panorama e verificar
quais são e como elas estão agindo umas sobre as outras, reforçando-se ou
produzindo tensões (p. 2)
Na colocação de Kilpp, temos o ingresso de outro conceito que se combina nos
procedimentos técnicos de resgate de interface por dissecação: a autenticação de
molduras. No caso dos websites YouTube e Globo Vídeos, trabalhados entre 2007 e
2008, adotamos esse conceito que, segundo a própria autora, tem heranças na proposição de frame analysis de Goffman (1974) quando se refere à organização da experiência e também, aí já em uma aproximação maior ao contexto do ecrã, no conceito
de quadro como organizador de uma composição conforme Aumont (2004).
39
Tecnologia, Pra Quê?
Penso como molduras os confins instaurados pelo encontro de duas ou mais superfícies ou formas diferentes, confins esses que produzem uma ilusão de bordas
que atuam como se fossem filtros de parte a parte, e que implicam novos sentidos sobre as partes (superfícies ou formas). (Kilpp, ano 2003, p. 37)
E também:
“A moldura torna-se, assim, em minha proposta, o limiar de um território [de
experiência e significação].” (p. 47). Dessa forma, a idéia de identificar molduras como recortes que auxiliam na identificação de territórios de significação é,
em síntese, um procedimento “desconstrutivo de análise”, como coloca Kilpp, que
fizemos com as webpages complementando o papel do dissecador, em buscar de
identificação de características dos fenômenos da web.
Do ponto de vista mais instrumental, as técnicas que utilizamos para uma ação
dissecadora para construir/autenticar as molduras foram variadas, pois havia a necessidade de uma busca para “trás” e uma “atual” em relação aos websites YouTube
e GloboVídeos. O movimento de resgate foi caracterizado pelo uso de um serviço
disponível na web, dentro do website Internet Archive7 , denominado Wayback Machine (máquina do tempo, em uma tradução livre). Murphy, Hashim e O´Connor
(2007), explicam algumas de suas características básicas:
[o website] acumula websites, imagens, textos, áudio e, recentemente, recursos
educacionais (FAQs, 2007). Com base em resultados do Alexa WebCrawler, esta
organização norte-americana sem fins lucrativos permanentemente armazena
sites de acesso público em um enorme arquivo digital (...). Via o WM, os usuários podem ver a versão original de cada site, bem como as datas e conteúdo de
atualizações subsequentes. Para chamar sites arquivados, os usuários digitam
a URL do site desejado no endereço na caixa na página inicial do WM. O WM,
em seguida, retorna a data de criação do site original, número e data das atualizações de sites e links para sites arquivados. (p.3)
Segundo o próprio site Internet Archive, é possível encontrar 150 bilhões de
páginas arquivadas “desde 1996 até alguns meses atrás” (Internet Archive, 2012).
Na imagem a seguir é possível identificar a interface do serviço, que permite ao
usuário localizar em um calendário as versões que deseja conhecer8.
Importante ressaltar que o trabalho de identificar as interfaces web do “passado” através do uso do serviço do Wayback Machine foi realizada em combinação
com o uso de uma ferramenta de software, que servia para fazer a paralisação técnica e captura de um instantâneo daquela página exposta no browser. No trabalho
http://archivr.org
Em janeiro de 2011, houve uma modificação na interface gráfica do serviço do Wayback Machine mas não em seus procedimentos
técnicos. A imagem é referente a versão mais recente.
7
8
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Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
Imagem 1: Interface do serviço Wayback Machine. Disponível em
http://wayback.archive.org/web/*/http://www.youtube.com (junho 2012)
realizado com as interfaces do YouTube e Globo Vídeos em 2008, trabalhamos
com o software Webshot9, que poderíamos dizer que mata o fluxo, pois a partir de
um endereço (URL) informado de uma determinada webpage (de formato HTML)
ele produz um arquivo de imagem nos formatos JPG, GIF, PNG ou GIF10.
Assim, articulando o Wayback Machine com o software de captura de screenshots, foi possível realizar os movimentos de resgate para posterior dissecação
dos materiais empíricos (imagem 2).
http://www.websitescreenshots.com/
Conforme o site oficial do programa em http://www.websitescreenshots.com/ (acesso junho de 2012)
9
10
41
Tecnologia, Pra Quê?
Imagem 2: compilação de capturas (screenshots) das homepages do Globo
Mídia Center em 2003 e do YouTube em 2005 a partir do uso do site WaybackMachine, em Fischer (2008).
Imagem 3: captura (screenshots) da watchpage (página de visualização de
vídeos) do Globo Mídia Center em 2008 com demarcação de molduras, em
Fischer (2008).
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Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
O procedimento de autenticação das molduras, por sua vez, tratou de organizar um
recorte sobre determinados elementos percebidos nas webpages, para a explicitação de suas algumas lógicas operativas, criando uma espécie de camada de mapeamento sobre a interface originalmente resgatada. Na imagem, podemos também
ver que os territórios identificados recebiam siglas como MP (Moldura Player) ou
MAC (Moldura Avaliação e Compartilhamento), entre outras.
Até aqui apresentamos, resumidamente, uma síntese sobre os procedimentos
que tínhamos apenas declarado como um “agir arqueológico”. Nossa proposta, a seguir, é iniciar um avanço para efetivamente começar a refletir sobre nossa prática de
pesquisa dentro do ambiente online. Para tanto, vamos ingressar nas considerações
de alguns autores que abordam a perspectiva de estudos da arqueologia da mídia.
Convocações da arqueologia da mídia
Já na menção sobre o nosso alinhamento com os conceitos de interface cultural,
através de Manovich e de remidiação, por Bolter e Grusin, como fundamentais
para construir nossa percepção sobre a web, fica claro que a entendemos como
mídia resultante e participante de um movimento de afiliação de características
técnicas, culturais e midiáticas entre os meios de representação e as tecnologias
de armazenamento e cálculo (computação)11. Dessa maneira, ainda que de forma
inicial, na pesquisa sobre os websites supracitada, o procedimento de resgate das
interfaces foi se construindo para oportunizar um olhar que buscasse, de alguma
forma, perceber movimentos que a efemeridade da web parece não nos dar a ver,
visto que temos um nítido discurso em torno do fascínio pela atualização (pensemos, por exemplo, nas constantes demandas por update de software, e nos comandos refresh/reload que remetem ao constante atualização das webpages nos
softwares de navegação na web).
Para avanço nessa construção, acreditamos ser necessário mergulhar mais nas
contribuições de autores que se vinculam às discussões em torno da chamada arqueologia das mídias. Segundo Huhtamo e Parikka (2011), os arqueologistas da mídia,
baseados em suas descobertas, começaram a construir histórias alternativas das mídias suprimidas, negligenciadas e esquecidas, nas quais os “becos sem saída, os perdedores e as invenções que nunca se tornaram um produto final possuem histórias
importantes para contar” (p. 3). Os autores ainda afirmam que a arqueologia da mídia “vasculha arquivos textuais, visuais, sonoros; assim como coleções de artefatos,
enfatizando tanto as manifestações discursivas como materiais da cultura.” (op. cit).
Reforçado também em Fischer (2011)
11
43
Tecnologia, Pra Quê?
Retomando esse movimento do “vasculhar”, Huhtamo e Parikka, ao proporem
uma “Arqueologia da Arqueologia da Mídia”, ainda agregam a ideia de que esta
poderia se desenvolver como uma disciplina itinerante, pois se movimentaria de
forma fluída entre as áreas do conhecimento, sem guardar residência em nenhuma
delas. Um movimento de caráter a-sistemático, um nomadismo que faria percursos
pelas ciências sociais e humanidades e ocasionalmente mergulhando no campo das
artes.
É também nesse sentido que acreditam na importância fundadora do trabalho
de McLuhan, especialmente nas obras The Mechanical Bride (1951) e The Galaxy
of Gutemberg (1962), nas quais suas ideias de “novas mídias” e “extensões” vieram a influenciar uma “escola materialista alemã” de arqueologia da mídia através
do trabalho de Friedrich Kittler, referência importantíssima e recorrente em trabalhos sobre o tema, em especial a partir de Gramophone, Film, Typewriter (1999),
livro no qual aborda as modificações profundas nas práticas discursivas a partir da
introdução de novas tecnologias de mídia emergentes no final do século XIX. Esse
traço alemão em torno da noção da Arqueologia da Mídia, ainda acrescenta Erik
Felinto em entrevista recente (2011), se dá no trabalho de Kittler, assim como de
Siegfried Zielinski e Wolfgang Ernst, todos demonstrando
(...) o mesmo interesse pelas abordagens históricas, pela relação com a obra de
Foucault, pelo fascínio com as ideias de registro e arquivo, pelo foco na questão
das ‘materialidades da comunicação’...Esses temas, essenciais à proposta da
arqueologia da mídia, têm certo apelo cultural no universo germânico que seria
muito difícil explicar em poucas linhas. Um aspecto importante da arqueologia
da mídia é sua preocupação em efetuar uma leitura da história “a contrapelo”
(para usar um termo de Walter Benjamin). Ou seja, uma história que rejeita as
narrativas triunfalistas e dominantes da grande odisséia tecnológica em benefício de um foco em narrativas heterodoxas, direcionada a ‘coisas’ (objetos,
ideias, tecnologias) que não ‘deram certo’ ou que representaram paradigmas
minoritários. Além disso, os arqueólogos da mídia se inspiram na arqueologia dos saberes de Foucault, mas compensando, através dos estudos de mídia,
seu baixo interesse pelos suportes materiais (meios e tecnologias) por meio dos
quais os discursos dominantes de uma época são veiculados. (online, 2011)
Esse sentido de rejeição de narrativas triunfalistas por uma busca pelo heterodoxo e paradgimas minoritários é vista com ênfase, segundo Huhtamo e Parikka,
na obra de Zielinksi, que colocaria a arqueologia da mídia numa visão de resistência. Para ele, em uma perspectiva pragmática, a arqueologia da mídia significa
“cavar caminhos secretos na história, que podem nos ajudar a encontrar nosso caminho para o futuro”. Esse sentido de resistência é enfatizado por Felinto (2010),
44
Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
quando defende que uma das mais importantes tarefas para a teoria da mídia se
dedicar atualmente seria a de combater um esquecimento oriundo da afirmação
de Kittler que “uma conexão de mídia total numa base digital apagará o próprio
conceito de meio” (1986, 1999, p. 2, apud Felinto). É importante trazer, ainda que
brevemente, que Zielinksi (2006) propõe, a partir de sua visão mais específica dentro da arqueologia da mídia, a ideia de uma variantologia gerada por estudos que
seriam “anarqueológicos”:
Em vez de buscar tendências obrigatórias, meios dominantes ou pontos de desaparição imperativos, deveríamos ser capazes de descobrir variações individuais. Possivelmente, se descobrirão fraturas ou pontos de mutação nos planos
históricos dominantes que poderão oferecer ideias úteis para navegar o labirinto daquilo que hoje está firmemente estabelecido. A longo prazo, o corpus dos
estudos individuais anarqueológicos deverá formar uma variantologia da mídia
(2006, p. 7, apud Felinto, 2010).
Erikki Huhatmo (1997), ainda que sem a mesma proposição radical de Zielinksi, defende que uma aproximação arqueológica para a mídia teria dois objetivos: o
primeiro seria ligado ao estudo dos cíclicos e recorrentes elementos e motivos que
subjazem e guiam o desenvolvimento da cultura da mídia. Um segundo ponto seria
o que ele denomina como a “escavação” de formas nas quais essas formulações e
tradições discursivas foram marcadas em máquinas de mídia específicas, em diferentes contextos históricos. Esse tipo de aproximação, segundo Huhtamo, daria
ênfase a um desenvolvimento cíclico e não cronológico e também reforçaria a ideia
de recorrência ao invés de “inovação única”.
Ao [fazer essa aproximação], a [arqueologia da mídia] vai contra o modo habitual de pensar sobre tecnocultura em termos de progresso constante, proveniente de um avanço tecnológico para o outro, e fazendo as máquinas anteriores e
aplicações obsoletas ao longo do caminho. O objetivo da abordagem arqueológica não é negar a “realidade” do desenvolvimento tecnológico, mas sim para
equilibrá-lo, colocando-o dentro de um quadro mais amplo e multifacetado, social e cultural de referência. (online)
Nesse mesmo caminho estão as contribuições de Wolfgang Ernst (2011) quando considera que a arqueologia da mídia expõe “a tecnicalidade da mídia não para
reduzir a cultura a uma questão tecnológica, mas para revelar momento tecnoepistemológico da própria cultura” (p. 253). O autor também nos permite uma
aproximação mais específica ao ambiente da Internet para que possamos retomar
nosso ponto de partida em relação ao agir arqueológico. Ao discutir os registros de
sons e imagens (gravações) encontradas em mídias ditas analógicas, Ernst lembra
45
Tecnologia, Pra Quê?
que quando percebemos as vozes humanas ou imagens do passado reproduzidos
outra vez em gravações, nós não estamos nos comunicando com os mortos; ao invés disso, “nós estamos lidando com o passado como uma forma de presença com
delay, preservada em uma memória tecnológica” (p. 250).
No entanto, para Ernst, o que estava continuamente preservado por gravações/
registros de tecnologia analógica, passaria a ser quantificado na transferência para a
tecnologia digital. Esta quantificação nos colocaria, em termos de uma perspectiva
arqueológica, em um tensionamento do olhar que passaria a contar por números
do que apropriar-se por narrativas: seríamos mais descritivos do que discursivos,
observando mais infraestruturas do que aspectos sociais. A arqueologia da mídia,
para Ernst, ficaria entre essas polaridades, nem puramente humano ou puramente
tecnológico. O que para o autor não se torna necessariamente um problema:
A cultura humana não perde, mas ganha com esse desafio do não-humano. Vamos usar a arqueologia da mídia para suspender nossas interpretações sujeito-centradas por um momento, enquanto ao mesmo tempo admitindo que essa
aproximação tecno-ascética é só outro método para chegarmos perto do que
amamos na cultura. (p. 253).
Acreditamos que as preocupações de Ernst podem ser aproximadas do trabalho
de Wendy Chun (2011) denominado “The Enduring Ephemeral, or the future is a
memory” (em uma tradução livre, o Efêmero Durante, ou o futuro é uma memória)”, no qual a autora irá discutir de forma ainda mais explícita as particularidades
da aproximação arqueológica nas interfaces culturais (ainda que não use essa expressão) onde se encontram os materiais online. Chun observa o maquínico agindo
na experiência sobre o tempo/repetição e critica a ideia para ela “escorregadia” de
“novo” e pensa mais sobre a “degradação” presente nas chamadas novas mídias,
esta última relacionada a uma não equiparação entre a ideia de memória e armazenamento, especialmente na Internet.
Considere vídeos antigos do YouTube ou antigos e-mails que circulam “para
sempre” e redescobertos como novos. Esta constante repetição, ligada a um
relógio incessante e inumano, aponta para algo mais importante que velocidade – a não-simultaneidade do novo, o qual argumento que sustenta as novas
mídias como tal. [A] memória, com sua constante degradação, não equivale a
armazenamento, embora a memória artificial tenha historicamente combinado
o transitório com o permanente (...), as mídias digitais complicam essa relação
ao fazer o permanente ser um efêmero durante, criando relações degenerativas
nunca vistas entre humanos e máquinas” (p. 184).
A autora avança para retomar as ideias de Vannever Bush, autor do célebre
trabalho “As we may think” de 1945, considerado como uma visão antecipada
46
Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
do que seriam as noções de hipertexto e da própria world wide web ao propor a
hipotética máquina Memex12. Segundo Chun, a proposta de Bush, combinada com
a Internet, torna as questões de esquecimento e degradação como problemas para a
mídia resolver, na medida em que uma (mídia) se torna a “memória” da próxima13.
No entanto, a necessidade de arquivamento e consulta de um dado, já defendida
por Bush na sua obra, de acordo com Chun, entra em xeque com as características
da Internet.
Mídias digitais nem sempre estão lá, nos esperando com o conteúdo. Sofremos
frustrações diárias com nossas fontes digitais que simplesmente desaparecem.
Mídias digitais são degenerativas, esquecíveis, apagáveis. (...) O dispositivo e
seu conteúdo são assíncronos, não se esvaem juntos. (p. 192-193).
Paradoxalmente, conforme nos indica Chun, a mídia digital que seria mais
durável e permanente do que outros meios seria, de fato, comandada por essa degeneração, ainda que negada e reprimida (conforme mencionamos anteriormente
no uso constante das solicitações de update e nos comandos de recarregamento de
páginas do navegador), o que calaria a utopia dos computadores como máquinas
de memória permanentes. Justamente, por essa reflexão, que a autora chega até o
Wayback Machine que usamos em nossa pesquisa sobre YouTube e GloboMídiaCenter/Globo Vídeos, pois “se as coisas desaparecem constantemente, elas também podem reaparecer (p. 197).”
Chun enxerga o Wayback Machine (WBM) como uma combinação entre o
automatismo de robôs e servidores e a obsessão humana no realizar dos backups
de páginas web. Essa espécie de biblioteca da internet para Chun, no entanto, é
estranha, pois não há um sistema coerente de estocagem das páginas, não há bibliotecários oferecendo uma ficha catalográfica ou um índice baseado em conteúdos.
Ela ainda percebe, assim como foi nossa experiência de pesquisa, que as páginas
que escavamos através desse recurso, nem sempre se encontram completas. Pelo
contrário, como vimos nas imagens anteriores, temos figuras vazadas, quebradiças,
onde determinados materiais surgem por vestígios, ou mesmo somente os deduzimos pelo código-fonte HTML que sobreviveu ao que, nos termos de Chun, poderíamos chamar de degradação, mas que convida a refletir sobre o sentido do agir
arqueológico diante dessas características.
Vannaver Bush propunha que “[u]m memex é um dispositivo no qual um indivíduo armazena todos os seus livros, registros e comunicações e o qual é mecanizado para que possa ser consultado com grande velocidade e flexibilidade. Trata-se de um íntimo suplemento
alargado para sua memória” Em http://web.mit.edu/STS.035/www/PDFs/think.pdf (acesso julho 2012)
13
O que também retoma a perspectiva de McLuhan em Understanding Media quando afirma que um meio é conteúdo de outro.
12
47
Tecnologia, Pra Quê?
As páginas arquivadas no WBM não estão nem vivas, nem mortas. O esqueleto de página proposto pelo WBM atesta visualmente não apenas o que nossas
estratégias de resgate afetam no que é regenerado, mas também como essas
lacunas abrem a web como um arquivo de um futuro que não seria uma simples
atualização da memória do passado. (p. 199).
Apontamentos para voltar a resgatar interfaces
O principal objetivo de nosso movimento neste texto foi iniciar uma reflexão
cujo início teve um âmbito ainda tentativo, a partir da noção que denominamos
como “agir arqueológico”. Noção essa que estava amparada em procedimentos de
coleta de interfaces web realizados em combinação com algumas convicções sobre
a ideia de pensar a web dentro de uma dimensão tecnocultural, compreendida como
um meio/mídia resultante de tensionamentos técnicos, culturais e midiáticos. O movimento de coleta, como vimos, também se articulava com uma visada do papel de
dissecador que buscava autenticar molduras como territórios de significação e com
isso tentar descortinar aspectos das lógicas operativas dos websites. Nesse sentido, o
“agir arqueológico” foi uma afetação importante de nosso movimento de pesquisa e
que nos levou a convocar conceitos mais expressamente oriundos dos estudos de arqueologia das mídias. Diante dessa articulação, exponho algumas pistas para alternativas de necessárias reflexões de continuidade em termos teórico-metodológicos.
Há, nitidamente, no nosso ver, uma forma de encontrar no papel de dissecador
das interfaces web um movimento que vai ao encontro do que Huhtamo menciona
como o objetivo da arqueologia da mídia de realizar a escavação das formas e
formulações discursivas inscritas em determinados suportes. Quando falamos em
“resgate de interfaces”, queremos avançar para pensar que esse procedimento se
dá por esse binômio de escavação-dissecação, pois como coloca Huhtamo o que
acompanha o movimento de escavação é a preocupação em encontrar características cíclicas, mas não cronológicas.
Nesse sentido, nossa pesquisa insistiu em identificar as trajetórias dos websites, resgatando e dissecando determinadas webpages usando o ano como referência
inicial (instantâneos que representam uma aparição da homepage do YouTube de
2005 até chegar em 2008, por exemplo). Isso nos leva a pensar que nossos procedimentos podem ter oscilado entre maior ou menor atenção aos “becos sem saída” e
a valorização dos “perdedores” como Huhtamo e Prakki afirmam. No caso da nossa
pesquisa, acreditamos que não se trata de deixar de agir arqueologicamente nas
produções mais quantitativamente grandiosas da web, como é o caso do YouTube;
48
Desencavando Interfaces: Reflexões sobre Arqueologia da Mídia e Procedimentos de “Resgate” de Páginas Web
ou das manifestações online do maior grupo midiático brasileiro, no caso da Globo Vídeos; mas sim trabalhar nos movimentos de escavação-dissecação como um
olhar de uma tecnocultura que não privilegia a ideia de progresso constante (ainda
que seja um discurso representativo dessa própria cultura), como afirma Huhtamo,
e sim de um olhar multifacetado na busca, como agrega Zielinksi, das fraturas para
navegar no firmemente estabelecido.
O papel de dissecador-arqueólogo das mídias online, que acreditamos ter sido
proposto nos procedimentos de resgate e autenticação de molduras dos websites,
foi fortemente realizado com o apoio dos serviços de backup de páginas do WaybackMachine, conforme expusemos anteriormente. As reflexões de Chun sobre memória e armazenamento da internet e, em especial, ao cotejar o WBM na discussão,
nos demandam problematizar melhor do que se tratam essas páginas web assim
obtidas. Sua aparente incompletude, aspecto quebradiço (que pode ser inclusive
testado nas tentativas de re-navegar em um determinado site, por dentro do WBM,
o que nos faz chegar nos chamados links quebrados (que não levam mais ao arquivo para o qual foram anteriormente programados) não só refletem o que Chun insiste em sublinhar com uma característica forte de degradação como constitutiva da
Internet (ao invés de uma perspectiva de armazenamento digital que aperfeiçoaria
a preservação de memória, muito mais um efêmero durante como coloca a autora)
mas enfatiza radicalmente que a ação de escavação (visando a dissecação) sobre
as interfaces culturais via WaybackMachine é uma espécie de ingresso em um sítio
arqueológico muito particular, onde estão sedimentadas camadas estratigráficas de
vários websites cuja incompletude parece que os legitima como artefatos de uma
mídia online que degrada por que se produzir por constantes updates.
Podemos também tentar encarar o WBM como um sítio de backups (site é sítio, o que torna ainda mais desafiador essa reflexão por analogia) e cada movimento
de escavação (clicar em um link para ver como determinado site estava configurado em tal data) representa uma ação ressuscitadora de um site morto-vivo, mas que
já é outro, visto que tecnicamente ele não se encontra sequer localizado na mesmo
endereço (outra metáfora de lugar) “www”. Chun, por sua vez, tenta pensar no
WBM como uma biblioteca sem fichas catalográficas ou bibliotecários. Isso nos
faz considerar que, entre um sítio arqueológico online e uma biblioteca de sites,
entre o recorrente e o beco sem saída, há um desafio muito instigante a ser aceito se
queremos evoluir na identificação de procedimentos para um agir arqueológico em
materiais online, no nosso caso, especialmente as interfaces culturais de ambientes
online como websites.
49
Tecnologia, Pra Quê?
Seguramente, faz parte desse desafio uma maior exploração dos autores e conceitos relacionados às práticas de arqueologia da mídia e de uma retomada, acompanhada dessa constante reflexão, das ações de escavação e dissecação para avanço
nas percepções da web como mídia.
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50
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51
3
O conceito de gênero
entre o cinema e o game
Vicente Gosciola1
Introdução
Temos aqui a intenção de discutir uma questão que é comumente relembrada
quando é lançado um novo filme baseado em um determinado videogame -que de
agora em diante chamaremos de game-, seria o filme adaptação de game um novo
gênero cinematográfico? Os filmes em questão são aqueles que têm as suas narrativas desenvolvidas a partir de games. Ainda que exista uma razoável produção de
games, com seus expressivos números não só em volume de títulos como também
em volume de negócios (é considerado um dos maiores, entre os negócios do entretenimento audiovisual), a adaptação das suas histórias para o cinema é tímida, se
comparada à história do cinema. Sendo assim, iremos observar aqui, a reverência
de um “Golias” a um “Davi”, pela qual o cinema vai beber da fonte do game em
busca de novas histórias ou, no mínimo, de personagens muito venerados por um
público cativo e que pode ter no cinema outro meio de revê-los.
Então nos vêm outras perguntas:
Estaria o cinema se apropriando de algum gênero do game, cujas características muito particulares são potencializadas em filmes?
Pois, se os gêneros do cinema surgiram de práticas industriais e preferências
de público intensas e de heranças de gêneros de outros meios de comunicação,
não seria essa também uma razão para definir filme adaptação de game como um
gênero específico?
Podem os gêneros -que se autorreproduzem em subgêneros ou entre gêneros
internamente a um meio de comunicação-, enquanto cinema e enquanto game, gerarem híbridos genéricos entre si?
Seriam os filmes adaptações de games exemplos de caso?
E quais seriam os elementos específicos a definirem-nos como um gênero?
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade Anhembi Morumbi, [email protected]
1
Tecnologia, Pra Quê?
Para tanto, vamos observar os gêneros e meios de comunicação, suas definições, agrupamentos e entrecruzamentos. A partir daí poderemos averiguar as aproximações entre gêneros narrativos do cinema e do game. E, assim, verificarmos as
possibilidades do gênero Filme Adaptação de Game.
Gêneros e meios de comunicação;
definições, agrupamentos e entrecruzamentos
A iluminação primordial a todo tipo de discussão sobre gênero está presente em
reflexões como a de Anatol Rosenfeld quando diz que não há gênero puro, ainda
que tenhamos sempre a necessidade organizar as obras graças à imensa diversidade
dos “fenômenos” (ROSENFELD, 1965, p. 16). O cinema percebeu, logo no seu
início de vida, que tornar personagens e cenas familiares -que definiu os gêneros
por ênfase nas tipologias de ações e de personagens-, atrairia mais público. Além
disso, levaram-se em conta outros fatos como fotografia, cenografia, figurino, etc.
Diferentes caracterizações receberam o nome de gênero narrativo cinematográfico,
o que nada mais é do que padronizar certos tipos de personagens e ações de modo a
oferecer aos espectadores uma maior segurança quanto ao quê iriam ver em um filme de história desconhecida, e também oferecer aos produtores certa previsibilidade
de margem do lucro. Porém, aquilo que define um gênero em determinado meio de
comunicação, não necessariamente será o critério para outro meio. E, obviamente,
os critérios não são únicos e exclusivos para cada meio. Para cada gênero, tanto no
teatro, quanto na ópera, quanto no cinema e quanto no game, há características de
personagens e ações muito particulares. Em se tratando de games, há formas narrativas que vão desde a delimitação dos personagens e ações, pré-definidos pelo autor,
até a liberdade relativa de controle pelo jogador dos personagens e ações.
O game está mais para este último caso, com algumas especificidades resultantes dos recursos adicionais que o próprio meio oferece. Podemos observar essas
relações na medida em que cotejamos o rol de gêneros de cada meio de comunicação. Ainda que partamos do teatro, que seria o mais antigo entre os espetáculos
que envolvem narrativas, sendo estas constituídas por ações e personagens, para
estudar os gêneros, lembramos-nos da Poética de Aristóteles como o primeiro alinhamento de obras (então literárias), dividindo os dramas conforme o valor e a
carga emocional final e a evolução da “estória” (MCKEE, 2006, p.86), observando
apenas duas possibilidades fundamentais: o narrativo e o dramático ou, respectivamente, o épico e o trágico. A poesia lírica seria incorporada a elas muito mais tarde,
durante a renascença, quando estudiosos da literatura clássica formalizaram as três
54
O conceito de gênero entre o cinema e o game
bases dos gêneros em literatura e assim consideradas até hoje: a lírica, a épica e a
dramática. Poderemos exemplificar estes gêneros a partir dos videogames. Os games que se desenvolvem em uma situação espacial restrita a um plano determinado
e intransponível, em que os personagens se enfrentam verbalmente (como no Façade) ou fisicamente (como nos jogos de luta), fazem toda relação com a tragédia
grega, com a única diferença que os personagens são humanos e mortais enquanto
que nos games os personagens podem ter aptidões das mais fantasiosas possíveis.
Já os games que se desenvolvem em uma situação geográfica irrestrita, em diversos
planos -transponíveis desde que vencidos certos desafios-, onde o jogador passa
por um tipo de auto superação e evolução (como em qualquer game de aventura),
corresponderia ao épico, em que o protagonista é humano, mas é um herói. O outro
grande gênero narrativo ancestral é o lírico, mas sua correspondência com o game
é mais sutil e rara, ainda que definido como “a plasmação imediata de um Eu com o
mundo” (ROSENFELD, 1965, p.16), encontramos sua característica mais abstrata
em exemplos mais reduzidos, de desafios de organização espacial com objetos bidimensionais ou volumétricos, entre eles os jogos do tipo Tetris.
Observando a história dos gêneros teatrais, verificamos que se organizaram sua
entre a Tragédia, a Comédia, o Épico e o Musical, lembrando que a palavra drama tem sua origem na língua grega e significa ação (PALLOTTINI, 2005, p.13),
portanto, toda peça teatral é dramatização de uma história, diferentemente do cinema que conta com um gênero muito específico e recorrente. A tragédia surgiu
antes do século VI A.C. (GRIMAL, 2002, pp.11 e 37) e desdobrou-se em auto no
séc. XII (GUINSBURG, 2006, pp.47), tragicomédia na primeira metade do séc.
XVII (BOYCE, pp.654), melodrama por todo o séc. XIX e início do séc. XX,
drama de casaca (comédia realista) a partir da década de 1850, dramalhão na segunda metade do século XIX, drama fantástico na segunda metade do século XIX
(GUINSBURG, 2006, pp.116, 119 e 179), entre outros. Todos têm em comum,
entre tantas características mais específicas, o retrato da vida das pessoas comuns,
exemplificado por intensos diálogos, que no máximo terão um destino heroico ainda que sob o impacto de uma grande crise ou da morte. O épico, da Grécia Antiga
desde o séc. IX A.C., apresentou somente um desdobramento específico: épico
dialético durante o segundo quartel do séc. XX (GUINSBURG, 2006, pp.131-132).
Igualmente, os dois gêneros apresentam a trajetória evolutiva do(s) protagonista(s)
promovida pela contínua exposição a desafios, com praticamente todos superados,
transformando-o(s), conferindo-lhe um novo e mais elevado status.
O musical não chega a ser ópera porque tem ênfase no texto e apesar de em
alguns gêneros a exigência de ator-cantor seja maior, não há grandes investimen55
Tecnologia, Pra Quê?
tos na parte musical. Sua mais antiga tradição vem do indiano clássico, do séc. II
A.C. ao do séc. II D.C. Mas no ocidente sua origem ocorreu bem depois, em 1842
com o nome de teatro musical e sucedido pelo teatro musicado (teatro ligeiro ou
gênero alegre) e seus subgêneros, a opereta, o teatro de revista, o vaudeville, a
burleta a partir da segunda metade do séc. XIX (GUINSBURG, 2006, pp.190191). A comédia surgiu no séc. VI A.C. (GRIMAL, 2002, p.49), que se desdobrou
para outros gêneros como a farsa a partir da Idade Média (GUINSBURG, 2006,
pp.85-86 e 144-145), a commedia dell’arte do séc. XVI ao XVII (BOYCE, 1990,
p.125), a comédia de costumes (ou das maneiras) do séc. XVII, a comédia de
intriga (ou de situação) dos séculos XVII e XVIII, a comédia de caráter do final
do séc. XVII e início do séc. XVIII, a comédia realista (drama burguês) do último
quartel do séc. XIX e o infantil das primeiras décadas do séc. XX (GUINSBURG,
2006, pp.87-89, 159 e 266). Alguns gêneros, apesar de não terem características
comuns, se constituíram a partir de escolas e movimentos artísticos e sociais, tais
como o acadêmico (academic drama) surgido em 1540 (BOYCE, 1990, p.2), o
romântico (drama histórico) de meados do século XVIII, o naturalista do último
quartel do séc. XIX, o simbolista do último quartel do séc. XIX, o teatro expressionista de 1890 a 1930, o surrealista do segundo quartel do séc. XX, o teatro do
absurdo dos segundo e terceiro quartéis do séc. XX e o pós-modernista da última
metade do séc. XX (GUINSBURG, 2006, pp.16, 117-118, 142, 206, 249-250,
272-273, 278 e 282).
Com a ópera, a classificação por gêneros se dá de outra maneira, pois já nasceu
de um gênero do teatro. A encenação musical de um drama, com canto solo e coral,
com balé e momentos recitativos, foi um projeto de um grupo de intelectuais de
Firenze, decididos a formalizar um novo gênero dramático que somasse os princípios da tragédia clássica, os temas do teatro medieval, o balé de corte francês e
o masque inglês, o cancioneiro da commedia dell’arte, com todo o aparato teatral
da época. As primeiras óperas datam de 1597, Dafne, composta por Jacopo Peri
e Jacopo Corsi sobre o texto de Ottavio Rinuccini, e 1600, Euridice, de Peri e
Rinuccini, todos integrantes daquele grupo (OSBORNE, 1987, p.5) (BAPTISTA
FILHO, 1990, pp.13-14). Portanto, é uma arte bem mais jovem que o teatro e, por
isso mesmo, o número de gêneros será bem menor, dos quais se destacam a opera
seria do séc. XVIII ao XIX, o masque do final da Renascença ao início do Barroco
(séc. XVI ao XVII), o verismo do final do séc. XIX ao início do séc. XX, a opera
semiseria (dramma tragicomico ou dramma di sentimento) da segunda metade do
séc. XVIII, a grande ópera da primeira metade do séc. XIX, a ballad opera entre
56
O conceito de gênero entre o cinema e o game
1730 e 1750, o drama musical da segunda metade do século XIX, a ópera balé da
segunda metade do séc. XVII à primeira metade do séc. XVIII, a opéra comique a
partir do início do séc. XVIII e a opereta da primeira metade do séc. XIX (OSBORNE, 1987, pp.39, 126, 175, 249, 286-287 e 408). Alguns poucos gêneros da ópera
estão ligados à comédia e todo o restante está mais ligado ao drama, indicando
claramente que foi constituída forma narrativa para um fim muito específico, o que
não lhe permite muitas novidades e expansão.
Curiosamente, o cinema é muito mais jovem que a ópera, mas tem um número
de gêneros muito maior. Entre excelentes tratados sobre gênero narrativo cinematográfico, observamos o de Robert McKee (2006, pp.86-93) que nasce de uma conjunção muito oportuna para este capítulo: a experiência do público conhecedor de
gêneros cinematográficos e a especialização do roteirista profissional. O primeiro,
sabedor do que aquele gênero pode proporcionar, tem suas expectativas tanto de
antecipação (elementos que prenunciam ações subsequentes) quanto de surpresa
(momentos inesperados). O segundo leva em conta as expectativas do público e
desenvolve os roteiros com elementos de antecipação (para não causar “confusão
e desapontamento”) e de surpresa (para não “entediá-lo”). Assim, desse encontro,
alicerçado na prática da roteirização (não exclusiva aos EUA) orientada ao público
espectador de cinema e não nas teorias ou nas prateleiras do mercado (sem nenhum
desapreço a estes), nascem gêneros e subgêneros que orientam a produção dos
roteiristas tais como: estória de amor -e seu subgênero salvação de amigo-, filme
de terror -e os subgêneros: mistério, sobrenatural e supermistério-, épico moderno,
faroeste -e os subgêneros clássico, vingança, transição e profissional (WRIGHT,
1975, p.15)-, filme de guerra -subgêneros pró-guerra e antiguerra-, trama de maturação, trama de redenção, trama de punição, trama de provação, trama de educação, trama de desilusão. Outro modo de identificar gênero apontado por McKee
é o dos megagêneros como a comédia -e seus subgêneros paródia, sátira, sitcom,
romântica, pastelão, farsa e humor negro-, o crime -definido pelo ponto de vista
que será oferecido ao espectador, como mistério de assassinato, caper (o chefão
do crime), detetive, gangster, thriller ou conto de vingança, tribunal, jornalístico,
espionagem, drama de prisão, filme noir-, o drama social -doméstico, feminino,
político, ecológico, médico, psicológico-, a ação/aventura -alta aventura e desastre/
sobrevivência. Uma terceira modalidade utilizada para a identificação dos gêneros
é por uma abrangência maior, “supragêneros criados a partir de ambientes, estilos
de performance ou técnicas” (MCKEE, 2006, pp.89-92) de registro de imagem e
som. Aqui cabe um alerta: essa modalidade não só atende às expectativas do espec57
Tecnologia, Pra Quê?
tador -como especificado por McKee-, como também servem à todas as instâncias
da produção, para muito além do roteirista -o único personagem do lado oposto ao
público identificado por McKee. Sendo assim, os gêneros seriam: drama histórico,
biografia -e seu subgênero autobiografia-, docudrama, documentário, musical -e
subgêneros estória de amor, filme noir, drama social, trama de punição, biografia,
comédia musical-, ficção científica, filmes esportivos -e subgêneros que outra modalidade são os gêneros primários, como as tramas de maturação, redenção, educação, punição, provação, desilusão, a salvação do amigo, o drama social-, fantasia
-também transformando em subgêneros os gêneros de outras modalidades, como
ação, estória de amor, drama político, drama social, trama de maturação-, animação -que também atrai outros gêneros para formalizar seus subgêneros, tais como
ação, farsa, alta-aventura, trama de maturação,- filme de arte -com dois subgêneros,
minimalismo e antiestrutura e, como supragênero, atrai outros gêneros, como “estórias de amor, drama político, etc.” (MCKEE, 2006, p.92)
Os gêneros para os games já receberam diversas classificações, desde Alain e
Frédéric Le Diberder que, já em 1993, organizavam de maneira muito detalhada os
gêneros dos games, como eram conhecidos à época, em três campos distintos: simulação (esporte, veículo de laser, estratégia militar), reflexos (esporte, ação, tiro,
luta, plataforma) e reflexão (RPG, ventura, tabuleiro, estratégia) (LE DIBERDER,
1998). Atualmente os games são organizados de modo mais uniforme, como se
pode constatar em sites de dados sobre games, como o Mobygames, que certamente não esgota o número de subgêneros: gêneros básicos como ação, aventura, educacional, corrida, RPG, simulação, esportes, estratégia; também recebem a classificação por perspectiva e ponto de vista como primeira pessoa, terceira pessoa,
isométrico, plataforma, side-scrolling, top-down; ou por esportes como basquete,
boxe, futebol, tênis, etc.; ou por temas não esportivos como adulto, anime, arcada, artes marciais, battlemech (guerra protagonizada por veículos de caminhada
bípedes ou quadrúpedes controlados por um piloto no interior do mesmo), cartas,
cassino, cyberpunk, detetive, ficção científica, ficção interativa, filme interativo,
horror, luta, pinball, quadrinhos, tabuleiro, tiro, xadrez, etc.; ou os temas educativos como arte, ecologia, geografia, história, matemática, sociologia, etc. (MobyGames, 2008). Há ainda estudos que levam a questão de gênero a outras áreas do
game como o trabalho de John E. Laird e Michael van Lent sobre a relação entre
o gênero e a inteligência artificial (IA) presente em um game. Laird e van Lent
concluem que a IA desempenha diferentes papéis para diferentes gêneros de games
(LAIRD; VAN LENT, 2005, pp.205-215), fator que realmente torna mais complexa a narrativa e o trabalho do roteirista de game.
58
O conceito de gênero entre o cinema e o game
Aproximações entre gêneros narrativos
do cinema e do game
Os gêneros cinematográficos nasceram, em grande parte, da forja da indústria
cinematográfica, isto é, nos grandes centros de produção fílmica onde foram constituídos pela dinâmica da inter-relação das condições de produção e das respostas do
mercado. A adaptação de obras literárias para o cinema não resulta em um gênero
específico e, como se sabe, não existe um gênero cinematográfico chamado literatura, assim como não existe um gênero cinematográfico chamado game. E, em indústrias onde o cinema recebe grandes investimentos financeiros como Hollywood,
a adaptação de romances tem números relevantes: 85% dos ganhadores do oscar de
melhor filme são adaptações (SEGER, 2007, p.11). O que pode apenas significar
que Hollywood confia mais em sucesso garantido por livros populares do que nos
seus roteiristas, que não são poucos. Há gêneros em outros meios de comunicação
que o cinema se apropria habilmente como, na literatura, o drama romântico, o policial, etc. E tal habilidade implica em recorrer criativamente às adaptações dessas
construções narrativas sob o risco de naufragar se não tirar o melhor proveito na
adequação ao novo meio. E a adaptação não é exclusiva a um meio de comunicação
ou a uma única direção entre meios, são peças adaptadas, baseadas ou desdobradas
de outras peças. Atualmente há mais de uma centena de games criados a partir de
livros e mais de 50 livros criados a partir de games, que vão do terror à ficção científica, passando por mitologias e épicos. E, importante, “adaptar uma história tirada de outra fonte em geral exige mais habilidade e maior compreensão do veículo
cinematográfico do que criar uma história nova”, nas palavras de David Howard e
Edward Mabley sobre a adaptação de uma obra literária para o cinema (1996, p.36).
A teoria de gênero cinematográfico, de acordo com Steve Neale, já recebeu
um olhar revisionista, ao final da década de 1990. Em 2000, Neale apresentou uma
abordagem relativista, quando afirmou que há muito estreitamento e restrições nas
definições convencionais de gênero, que há imprecisão e incompletude nas noções tradicionais de muitos gêneros, que estão propensas a generalização as teorias
estéticas e culturais de gênero e que as considerações sobre o papel desempenhado pelo gênero em Hollywood são muitas vezes parciais e enganadoras (NEALE,
2005, p.1). Os nomes dos diferentes gêneros do cinema foram também herdados
de outras formas narrativas. Mas nem todos. Steve Neale lembra que, entre outros teóricos, Edward Buscombe se referia às divisões da Poética de Aristóteles
(2007, pp.19-54), tragédia épica, lírica, comédia, mas logo foram esquecidas por
ele quando passou a estudar o filme de gângster, o faroeste e o musical (NEALE,
59
Tecnologia, Pra Quê?
2005, p.17). A etimologia vincula a origem da palavra gênero ao nascimento, descendência. Seria o gênero, na sua concepção original, definido como o que nasce
ou descende. Os gêneros, nas mais diversas formas de expressão, são, pelo menos
parcialmente, oriundos de gêneros de um meio de comunicação anterior.
Para as associações e comparações entre cinema e game, vale observar os conceitos de Bertolt Brecht, entre eles, o da representação épica dialética no palco em
oposição à representação dramática (BRECHT, 1973, pp.125-164). Outro aspecto a
ser observado sobre a relação entre cinema e game é a interpretação menos teatral,
mais contida e menos narrada dos filmes, que foi a marca de David Wark Griffith,
que foi ator de teatro antes de ser diretor de filmes. O game The Sims, lançado em
janeiro de 2000 pelo designer de jogos Will Wright, tem mais componentes do gênero de simulação. O game possibilita que se crie e dirija vidas e cenários virtuais.
Tão poderoso quanto The Sims, é o Façade, criado por Michael Mateas e Andrew
Stern, pesquisadores da University of California. Façade é o drama interativo de
um casal, onde o jogador toma um personagem e interage com o outro municiado
de frases acionadas por inteligência artificial. Aqui, sim, vemos um game de gênero
dramático não de luta física, mas de embate psicológico e emocional. Nos games
de luta ou de drama interativo de um casal há somente o enfrentamento dramático
entre os personagens, e tudo se passa em um palco de luta corporal ou em um cômodo doméstico. Em outros gêneros de games, como os de aventura, esporte, ação,
simulação e estratégia, o desenvolvimento épico é o grande diferencial; mesmo
que haja um combate na maior parte do jogo, o que importa é o deslocamento e a
habilidade estratégica de superar barreiras.
O game teve suas primeiras experiências na década de 1940, mas o primeiro
título comercializado data de 1971 -Computer Space, criado por Nolan Bushnell
e Ted Dabney. Os sete mil títulos de games, comparados ao cinema, é o número
muito reduzido. Os números mais atuais informam que enquanto o cinema tem
uma média superior a 5000 títulos lançados por ano, são lançados menos de 2000
títulos de game anualmente. O game para computador se uniria ao RPG, em 1990.
Role-playing game-RPG é um jogo de interpretação de papéis, cada jogador tem o
desafio de uma guerra na qual interpretará um personagem cujas características são
previamente definidas, assim como certas ações, no livro que define os papéis e as
ações. Em 1998 foi lançado o The X-Files game que contou com oito roteiristas envolvidos na realização do game. Suas imagens são quase que integralmente produzidas em vídeo e o game com um todo foi desenvolvido por diversos profissionais
que já haviam participado da realização dos episódios da série de TV.
60
O conceito de gênero entre o cinema e o game
Entre outros exemplos marcantes do desenvolvimento da narrativa audiovisual em game vale citar Metal Gear Solid. O game incorporou muitos recursos da
narrativa cinematográfica, como o controle de movimento de câmera, o recurso de
zoom in e zoom out do ponto de vista do jogador, a trilha sonora e o roteiro muito
elaborados. Já The Godfather: The Game, lançado em março de 2006, foi muito
elogiado em especial por sua relação com a saga cinematográfica de Francis Ford
Coppola. Foi produzido durante dois anos e meio e custou alguns milhões de dólares -os custos não são mais divulgados pelos desenvolvedores de games por um
temor de que possa afastar os investidores. Seu roteiro foi baseado no livro original
de Mario Puzo e no primeiro filme da saga. Puzo foi co-roteirista com o diretor
Francis Ford Coppola, nos três filmes da cine-série.
Outro game com forte presença da narrativa audiovisual já consolidada pelo
cinema é Indigo Prophecy. Seu criador, o francês David Cage, o chama de filme interativo, ou drama interativo. Há o exemplo do machinima, uma fusão entre máquina e animação, uma animação feita à máquina ou machine-made animation conforme Matt Hanson (2004, pp. 60-67). As imagens e sons do game enquanto jogado,
são reproduzidas na tela do e registradas no computador, onde são editadas para
posterior exibição na web ou em festivais específicos de machinima. As primeiras
experiências com machinima eram cenas rápidas ou traillers de games produzidos
por fãs (JENKINS, 2006, pp.152-153), mas a primeira história completa data de
1996, o curta-metragem Diary of a camper, a partir do game Quake (LOWOOD,
p.83). Jenkins aproveita o conceito que lhe é central no seu livro, convergindo várias mídias para cunhar o termo machinema (JENKINS, 2006, p.149). O game The
Movies, é um game de simulação de um grande estúdio cinematográfico e permite
que o jogador planeje, roteirize, registre, edite e divulgue uma história em formato machinima. É certo que o machinima não é um gênero convencional, mas um
modo de produzir histórias em audiovisual sem nenhum ser ou objeto físico. Outra
modalidade de inter-relação audiovisual e game é o full motion vídeo, ou FMV, um
tipo de game cujas imagens foram geradas por câmeras de vídeo e não por computação gráfica. O primeiro exemplo foi Ground Zero Texas, inteiramente jogado
em vídeo live-action, lançado em 1993, um CD para ser rodado em console SEGA.
O gênero Filme Adaptação de Game:
algumas possibilidades
Foram, até aqui, verificadas as mais diversas relações dos gêneros narrativos
entre determinados meios de comunicação. Passamos, então, para a etapa de investigação sobre a possibilidade de os filmes adaptados de games constituírem um
61
Tecnologia, Pra Quê?
gênero específico. A presença de certas características específicas do game em filmes que são adaptações de games pode ser verificada em filmes como Lara Croft:
Tomb Raider.
Todos os filmes adaptados de games praticam a mesma estrutura narrativa,
disposição das histórias acompanha a estrutura do game: alguns puzzles, muitas
sequências de ação, alguma narrativa. No filme a narrativa é um pouco mais densa,
entretanto tanto o filme como o game há a passagem de um núcleo narrativo para
outro com um diálogo que se constrói por pequenos monólogos de cada interlocutor. Os sons de orquestra e coral são reiteradamente utilizados para romancear a
revelação do orbe da projeção do local da caixa de pandora. Um som sintetizado no
lugar do da orquestra seria muito mais próximo do que é o game, mas o filme quer
entreter todas as plateias, especialmente os pais, mais velhos e mais ligados a uma
estrutura dramática romanceada e menos ligada ou afeita ao mundo dos games. A
técnica da roteirização basicamente define que toda grande mudança narrativa corresponde à conclusão de uma missão, como acontece em jogos de aventura já considerados clássicos, como Myst. E finalmente, em alguns momentos a missão principal tem objetivos secundários atrelados como é possível experimentar no game.
O seriado de TV Lost, é envolvido por todo tipo de rumores, principalmente
porque o conteúdo audiovisual de maior impacto no mundo. Um dos ditos é que
o seriado seria um game. E se olharmos um mais detidamente sobre a sua condução narrativa poderemos até concordar. O site Lostpedia, desenvolvido por fãs do
seriado, desenvolveu a página Missões do Grupo dos Sobreviventes Principais, especificando as missões que os personagens teriam de cumprir para continuarem sobrevivendo na ilha. Os itens são assim detalhados: Status (como termina a missão),
Episódios (abrangência na temporada), Membros do grupo (grupo de personagens
envolvidos), Também envolvidos (outros de outros grupos), Missão (objetivo da
missão), Corresponde à missão do grupo dos Outros (um grupo importante, com
o qual todos os outros se relacionam), A causa da missão (justificativa para tornar
plausível a nova missão), Descobertas (revelações que esclarecem ou ampliam os
mistérios), Relação com a história de Lost (o papel da missão no grande arco da
história da séria). A cada final de missão há uma grande revelação que, muitas vezes, causa uma reviravolta na vida dos personagens, como no game Myst.
Sendo assim, a estrutura de intercalar ações com diálogos rasos e algumas falas
mais longas para delimitar os desafios seguintes é fato comum entre os filmes adaptados de games. E também toda a estrutura narrativa é demarcada por missões que
constituem os arcos menores da narrativa total do filme. Portanto, o fato de adaptar
62
O conceito de gênero entre o cinema e o game
o game para filme, a princípio tem menos ênfase nos diálogos e mais investimento
nas ações, condição que torna as produções mais caras porque as cenas de diálogo,
em geral são mais simples de produzir do que as cenas de ação. Este condicionante
é um fator que nos faz compreender porque quase que a totalidade dos filmes adaptados de games foi produzida nos EUA. Mesmo que a equipe de roteiristas possa
ser de alto nível, a sua substituição por cenas de efeito encarece exponencialmente
o orçamento do filme. Com tamanha influência nas características narrativas do filme, seria razoável aceitar que o filme adaptado de game possa ser um novo gênero,
mas enquanto as produções estão reduzidas a pouco mais de duas centenas, em um
universo de mais de duas centenas de filmes, é recomendável aguardar a evolução
do potencial gênero.
Ainda sabemos muito pouco sobre o tipo de produção aqui estudado, o filme adaptado de game. Como a esfinge, é uma figura enigmática no mundo do
entretenimento audiovisual, que tem ainda poucos títulos, o que dificulta ainda
mais conhecer suas qualidades e vocação. Por enquanto sua figura está mais para
a guirlanda ornamento feito do entrelaçamento de flores, frutas e folhagens-, que
busca de forma exagerada os artifícios de uma mídia para compor outra mídia, o
que muitas vezes não é nada mais que uma estratégia para criar um determinado
efeito, exatamente o de público no caso da indústria cinematográfica, e que não
passa disso, não se prolonga quanto à permanência em cartaz e não amplia o público original do game.
É interessante observar que, de acordo com o IMDB -internet movie database,
banco de dados da web reconhecido como referência para estudos e produções em
cinema-, em todo o universo da imagem em movimento (seja o filme silencioso,
o filme sonoro ou o vídeo, enfim, o audiovisual como é genericamente chamado),
foram produzidos desde as experiências de Louis Aimé Augustin Le Prince em
1888 até junho de 2012 algo próximo de 2,3 milhões de títulos. Deste total, 67,5%
foram realizados para a veiculação em TV, 27% foram dirigidos às salas de cinema,
5% foram voltados para as salas de exposição e espaços congêneres e 0,5% são
os títulos de games, jogados em sistemas proprietários -desde os antigos arcades
(fliperamas no Brasil) até os consoles específicos- e em computadores e celulares.
Em pouco mais de cem anos, o cinema produziu mais de 600 mil títulos (46%
em longa-metragem, 39% em curtas, 8% para curtas de documentário e 7% em
documentários), em uma média aproximada de 4800 títulos por ano, nos seus 124
anos de existência. Por sua vez, de acordo com os dados do site Moby Games,
http://www.mobygames.com/moby_stats, em 40 anos de vida, considerando os
63
Tecnologia, Pra Quê?
primeiros games comercializados a partir de 1972, a indústria do game produziu
66751 títulos, o equivalente a uma média de apenas 1668 títulos por ano. É razoável inferir que um número tão pequeno para a indústria de games se justifica porque, diferentemente do cinema que mobiliza grandes plateias para suas exibições,
o game praticamente demanda o investimento de cada consumidor em plataformas
(consoles ou computadores e conexão com a web) para desfrutar do game. Contudo
o game é há muito tempo o maior mercado de entretenimento; isso porque além
dos títulos são também negociados os consoles, periféricos dedicados, etc. Outra
ponderação importante: nos seus primeiros 40 anos (1888-1928), o cinema produziu 28506 títulos em longa-metragem, aproximadamente 712 títulos por ano. Sem
sombra de dúvida, estes últimos números falam por si para entendermos com clareza a real e inescapável realidade de que o game exerce de algum modo influências
em muitos campos da cultura, especialmente o cinema.
O site IMDB informa que há, até o momento, 207 títulos (entre 96 longasmetragens para o cinema, 69 programas para TV e 7 curtas-metragens) baseados
em games e mais 35 títulos que são desdobramentos, spin offs, de games (entre 28
filmes, 5 programas de TV e 2 curtas). Vale lembrar que tanto em cinema quanto em
game, a composição de mais de um gênero por título é comum. Nos títulos baseados em games, o gênero de ação é referido em 19%, animação (em cinema é considerado um gênero) em 18%, aventura em 12%, ficção científica em 9%, fantasia em
8%, gênero família em 7%, thriller em 5%, terror em 5%, comédia em 4%, drama
em 3%, crime, romance, mistério, guerra, música, game-show e documentário entre
1,8 e 0,2. Os títulos que são desdobramentos de games, o gênero de ação é referido
em 23%, aventura em 15%, ficção científica em 13%, thriller em 11%, fantasia em
11%, terror em 7%, comédia em 4%, drama em 3%, animação, família, crime e mistério em pouco mais de 2% cada. Dentre os filmes adaptados diretamente de games,
apenas ação, animação e aventura aparecem com mais de 10%. Apesar disso o gênero que mais aparece entre os 50 melhores games avaliados é o de ação: 74%. Sendo assim, na passagem de game para filme, a importância do gênero de ação decai
consideravelmente, para dividir o espaço com animação e aventura, entre outros,
uma estratégia muito apropriada para atingir uma faixa etária maior, mesmo assim
o número de espectadores não é ampliado significativamente. Esses números são
relevantes porque demonstram que cinema investiu muito pouco nas adaptações de
games populares e principalmente, muito pouco no gênero de ação: o mais popular
entre a crítica e o público de games e de características muito afeitas às habilidades
da indústria cinematográfica. Lembremos que a estrutura narrativa de um game não
64
O conceito de gênero entre o cinema e o game
tem a intenção em oferecer um único percurso narrativo. É graças à interatividade
proporcionada pela programação computacional, que o jogador ou espectador para
de um trecho narrativo a outro na medida em que são oferecidos estes trechos e em
que o jogador/espectador opte por qual prosseguir. A cada novo desafio também é
oferecido ao jogador/espectador algumas opções para responder à provocação e
seguir pela história. Então, assim como ocorre no cinema, há projetos narrativos, ou
story design como define Robert McKee (2006, pp.43-74), muito específicas também para o game. Para McKee, o conceito predominante é estrutura, indiferente ao
estruturalismo e à narratologia -também para este estudo não tratamos desses dois
conceitos porque não é um estudo hermenêutico e sim da materialidade da comunicação à luz de Hans Ulrich Gumbrecht (1998, pp.138-151)- que é a coleção de
eventos da vida dos personagens selecionados e ordenados pelo roteirista.
Esses eventos são as mudanças na vida dos personagens (MCKEE, 2006,
pp.45-46). É claro que uma sucessão de situações triviais pode levar a uma mudança significativa em suas vidas, mas ao falar de estrutura, os eventos ali destacados são aqueles que os transformam. Portanto, os eventos são conflitos ou desafios
carregados de valores, positivos ou negativos presentes nas “qualidades universais
da experiência humana”. Em cinema os eventos são conhecidos como cenas, cada
uma com os detalhes da exposição do conflito do seu desenvolvimento e da sua
conclusão e consequente mudança na vida do personagem. Em game os eventos são
as fases, que concluídas conferem ao personagem jogado pelo jogador uma nova
qualidade ou um novo grau de habilidades possibilitando-o adentrar em uma fase
mais complexa. Em ambos os casos, há a arquitrama com o seu “design clássico”
baseado na causalidade, tendo um final fechado, de linearidade temporal, um único
protagonista envolto e atuante em conflitos externos, com realismo verossímil.
Referências
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Tecnologia, Pra Quê?
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66
O conceito de gênero entre o cinema e o game
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1916, 163 min.
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2001, 100 min.
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Lost. J.J. Abrams e Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, EUA, ABC e Touchstone e Bad
Robot e Grass Skirt, 2004-2010, 42 min.
Metal Gear Solid 3: Subsistence. Hideo Kojima, Konami Digital Entertainment, Kojima
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Play Time. Jacques Tati, França / Itália, Jolly Film, Specta Films, 1967, 155 min.
Quake. John Romero, John Carmack, American McGee, Sandy Petersen, Tim Willits,
EUA, id Software, 1996.
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Tetris. Alexey Pajitnov, Vadim Gerasimov, 1987.
X-Files Game, The. Greg Roach, Hyperbole Studios, Fox Interactive, 1998.
67
4
De volta para o passado: o audiovisual
de acontecimento contemporâneo
Roberto Tietzmann1
Miriam de Souza Rossini2
Introdução
Uma observação casual levou os autores à elaboração deste artigo: mesmo depois
de mais de 100 anos de cinema, sessenta anos de televisão no Brasil e mais de trinta
anos de vídeo doméstico, como seria possível entender que alguns dos vídeos de maior
sucesso e circulação do site Youtube (em funcionamento desde 2005) se assemelham
em forma e conteúdo a dezenas de filmes do primeiro cinema do final do século XIX?
Nos perguntamos – de forma irônica – se não deveriam os avanços da tecnologia,3as
mudanças na cultura,4 o maior acesso à informação5e as demais transformações na sociedade terem feito dos filmes simples e sensacionalistas algo obsoleto.
Ao final do século XIX, o cinema, em suas diversas formas tecnológicas, inseriu-se em um panorama de mídia que já oferecia opções aos cidadãos mesmo longe
das metrópoles. Embora a imagem fotoquímica, capaz de registrar e reproduzir o
movimento, sublinhasse os avanços das ciências da química, física, óptica, engenharia e eletricidade de seu tempo – situando-se assim como uma orgulhosa filha
de uma idade de utopias de razão e ciência – ela estava inserida, como afirmam
Schwartz e Charney (1999), em um panorama pré-existente de cultura e cotidiano,
promovendo ao mesmo tempo ruptura e continuidade com os meios e conteúdos
previamente existentes.
Evidências disto estão presentes nos primeiros anos do cinema: são abertas
pelas lentes das câmeras janelas para o cotidiano material, coerente e exterior a
elas (FREITAS, 2006); pequenos fatos noticiosos são registrados, mundos distantes são feitos próximos, eventos históricos relembrados. Isto tudo tornaria presente
a pulsão por transcender o acontecimento captado, vertendo-o em um fluxo maior.
Professor e pesquisador PUC-RS.
Professor e pesquisador PPG UFRGS.
Um interessante mapeamento das tecnologias de imagem, seus impactos e rupturas está em Winston (1996).
4
Abordamos o conceito de cultura aqui de uma maneira ampla. Para uma discussão mais aprofundada do diálogo entre cultura, tecnologia
e sociedade confira Briggs & Burke (2004), Burke (2004) e Kellner (2001).
5
Um mapeamento da circulação de tecnologias pré-digitais com um viés otimista é expresso em McLuhan; Fiore; Agel (2001). Uma
identificação do crescimento de tecnologias digitais pode ser encontrado em Castells (2008).
1
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3
Tecnologia, Pra Quê?
Contar a história do cinema como uma narrativa cronológica de viés positivista, pontuada pelas datas de lançamento dos filmes, de tecnologias-chave na
experiência sensorial dos meios audiovisuais, de escolas, movimentos e gêneros
ou pela observação de traços e do amadurecimento da filmografia de realizadores
de referência6 (de uma maneira análoga aos relatos das vidas dos grandes artistas
plásticos) é insuficiente. Embora todas estas maneiras sirvam como diferentes formas de organização e entendimento do conteúdo produzido em mais de cem anos
de atividade, eles trazem em si a limitação do conceito de progresso de que o velho
é superado pelo novo e que há uma noção de avanço linear em meio às décadas de
sua existência. A história do audiovisual é bem mais complexa do que isso, e fazse, também, pelos projetos esquecidos7 e pelas propostas estéticas e narrativas que,
por mais que se tente domesticar a forma e o conteúdo, sempre são recolocados de
um modo ou de outro por algum produtor-amador. E, passada a primeira década
do século XXI, eles são muitos a utilizar as tecnologias do audiovisual sem que,
necessariamente, tenham se apropriado dos anos de conhecimento acumulados no
desenvolvimento de um modelo estético- narrativo que estabelece o que seria o
“bem fazer” nesta área8 nos moldes do que apresenta Martin (1963).
A proposta deste artigo surge, portanto, dessa curiosidade: por que, após um
longo período de desenvolvimento técnico-estético na produção de imagens em
movimento, seja para televisão, seja para cinema, o que ganhou impulso a partir
do Youtube foram as cenas cotidianas que nos lembram tanto aquelas da primeiras
fase do cinema? A partir de uma amostra selecionada entre vídeos de referência,
circulados com mais de um milhão de visualizações no Youtube, vamos analisar
esses cenários e tentar compreender o que une essas duas fases, tanto em nível de
tecnologia do audiovisual, quanto do produto que é consumido. Com isso, vamos
propor a denominação de audiovisual de acontecimento para esses filmes que buscam flagrar o cotidiano desde os primeiros tempos do cinema.
No começo era o cotidiano...
Falar de audiovisual ainda é difícil em alguns círculos que se acostumaram a
pensar os produtos resultantes de distintos tipos de imagens em movimentos como
O fundador da tradição de relatar obras e a vida dos artistas de maneira intercalada é Giorgio Vasari em seu relato da renascença italiana.
Há diversas edições do texto desde sua publicação original em 1550, cf. Vasari (2011).
Uma visita aos registros do escritório de patentes dos EUA, digitalizado e colocado online pelo Google permite reencontrar os registros
comerciais de centenas de tecnologias de audiovisual que não se tornaram dominantes ou serviram apenas como etapas intermediárias e
foram esquecidas. Disponível em: http://www.google.com/patents. Acessado em 10/07/2012.
8
A ideia de um “bem fazer” dialoga com uma facilitação da comunicação entre autor e espectador dos filmes, bem como com a estabilização de algumas convenções de linguagem. No cinema, uma vez estabilizada a tecnologia do som sincronizado, o modo de contar as
histórias se consolidou em torno da década de 1940, segundo Bazin (1999), e ainda molda o jeito de contar histórias décadas depois.
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
cinema, televisão e vídeo. Apesar da diferença dos processos de captação de imagem e dos suportes em que essas imagens foram sendo registradas, preferimos
pensar que todas fazem parte do universo daquilo que Flusser (2002) chama de
imagens técnicas: imagens produzidas por aparelhos complexos, cujo funcionamento nem sempre é compreendido pelos seus usuários.
A história da técnica é fascinante, em especial quando pensamos que ao longo
de cem anos processos que eram radicalmente distintos (como o fotoquímico do
cinema e o eletrônico da televisão e do vídeo) encontraram seu ponto de convergência nos suportes digitais. Mais interessante ainda, nos parece, é o uso que é feito
desses equipamentos por um público que cada vez mais tem acesso a eles. Não é
o uso profissional, voltado para quem busca produzir para um espectador específico, visando o lucro, o aplauso ou choque. O que chama a atenção dos autores é
justamente aquele tipo de produção periférica, marginal, que existe independente
de um mercado ou de um desejo criador. São os produtos que chamaremos aqui
de audiovisual de acontecimento: aqueles pequenos filmes que flagram uma ação
qualquer, no dia-a-dia de alguém, sem pretensão artística declarada ou comercial. É
a pura vontade de registrar um momento para, quem sabe, revivê-lo depois, como
parte das memórias, ou como um diário imagético. São esses pequenos registros do
cotidiano que, em verdade, deram origem ao universo audiovisual que conhecemos
hoje, e que ainda o movimenta, forçando, volta e meia, os limites entre ficção e
documentário, entre culto e popular.
Embora seguramente audiovisuais de acontecimento não sejam a íntegra do
conteúdo colocado disponível no Youtube, é evidente a abundância de conteúdo
que desafia as classificações estabelecidas, conforme expressa em uma postagem
no blog brasileiro do Youtube:
Hoje 72 horas de vídeo são subidas no site por minuto. Como tantas crianças
de 7 anos ao redor do mundo, nós estamos crescendo tão rápido! Em outras palavras, a cada minuto vocês agora fazem o upload do equivalente a três dias inteiros
em vídeo, em vez de dois. (YOUTUBE, 2012).9
A genealogia de tal quantidade de conteúdo pode ser identificada no tempo e
no espaço. Já é lugar comum dizer que o cinema nasceu junto com sua primeira
sessão pública de exibição, que ocorreu no Salão Indiano, localizado no subsolo
do elegante Grand Café, 14, Boulevard des Capucines, na Paris de 1895.10 Foram
trinta e três espectadores que pagaram um franco para ver pouco mais de vinte mi Disponível em http://youtubebrblog.blogspot.com.br/2012/05/o-youtube-esta-fazendo-7-anos-e-voces.html. Acessado em 02/07/2012.
Thomas Edison já apresenta pequenos filmes a partir de 1892, mas são exibidos em máquinas individuais – o cinetoscópio – sem ter o
caráter de espetáculo público que caracteriza o cinema como o conhecemos (Mannoni, 2003).
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Tecnologia, Pra Quê?
nutos de imagens em movimento, exibidas pelos irmãos Louis e August Lumière.
(TOULET, 1995). Não era, porém, qualquer tipo de imagem e nem qualquer tipo
de movimento.
Há vários séculos equipamentos os mais diversos vinham sendo criados na tentativa de animar imagens, que eram manualmente criadas. Foi, porém, apenas no
século XIX que as condições técnicas e sociais adequadas passaram a existir para
o desenvolvimento de aparelhos que captassem as imagens do mundo real de um
modo mecânico, e que também, mecanicamente, restituíssem a elas o seu movimento natural (MANNONI, 2003). Quanto à técnica, a criação de máquinas cada vez
mais sofisticadas foi uma constante naquele século, movido pela ciência e tecnologia. Por outro, o nascimento das modernas fábricas, que demandavam largo uso de
mão de obra fez com que as cidades crescessem, e junto a necessidade de entretenimento para grandes públicos. Um século que, como dissemos, foi movido pela novidade técnica, precisava encontrar um entretenimento com as mesmas características.
Os primeiros artefatos mecânicos que buscavam reproduzir o real sem uma
aparente interferência manual, porém, foram criados por motivos científicos,
ou seja, para auxiliar no estudo da natureza, da medicina, e também nas táticas
de guerra. Apenas naquele século circularam equipamentos tão distintos quanto
o Diorama (desenvolvido por Louis Jacques Daguerre), o Fuzil Fotográfico (de
Etienne-Jules Marey) e o Zoopraxiscópio (de Eadweard Muybridge) e o Cinetoscópio (de Thomas Edison) entre outros tantos (SABADIN, 1997). Todos eles ajudaram a compreender o processo da captação de uma imagem em movimento e a sua
reprodução também em movimento mesmo apresentando imagens de qualidade
nem sempre satisfatória.
O Cinematógrafo, desenvolvido pelos irmãos Lumière, foi o que melhor deu
conta das demandas sociais daquela época, e por isso eles levaram a fama de serem
os “inventores do cinema”. E, de um certo modo, eles são os inventores de um
modelo de produção e consumo de audiovisual, que se tornou massivo até os anos
quarenta do século XX. Se compararmos o Cinematógrafo Lumière com o Cinetoscópio criado por Edison, veremos que o equipamento francês é superior já que:
a) registra as imagens, ao vivo, nas ruas das cidades, e com muito boa qualidade;
b) permite que um maior número de pessoas assista às mesmas imagens ao mesmo
tempo; c) todos esses espectadores são pagantes, e isso aumenta o lucro com as
exibições. Pensar no lucro era positivo, algo sintonizado com a fase de expansão
do capitalismo, quando mesmo a produção e a circulação de bens culturais têm por
meta dar lucro.
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
Apesar do interesse que provocou, seus criadores imaginavam que a vocação
do Cinematógrafo deveria ser a utilização científica ou militar, como era de praxe;
no máximo mais uma curiosidade a ser explorada nas Exposições Universais, tão
em moda naquele tempo. Tornar-se um instrumento capaz de contar narrativas é
uma história que se desenvolve depois. Assim, embora não apresentasse um texto
audiovisual com os encadeamentos de uma estrutura clássica (início, meio e fim
articulados), havia algo que atraía os espectadores desde sua primeira sessão: o
“colorido” das ruas, o vai e vem de pessoas, o balançar das árvores. George Méliès,
famoso prestidigitador na época e pessoalmente convidado para a sessão, comentou, impressionado ao perceber no filme toda a animação da rua: “Diante deste
espetáculo, nos quedamos, todos, boquiabertos, cheios de estupor, surpresos para
além de qualquer expressão” (TOULET, 1995, p. 15). O movimento obtido por
aquele novo tipo de imagem técnica era surpreendente, mas também a percepção
de que a vida continuaria para além de sua finitude diária. Os 33 espectadores
da primeira sessão pública rapidamente transformaram-se em mais de dois mil,
atraídos pelo invento que ressuscitava a vida, pois, conforme o depoimento de um
jornalista da época, “fotografa os seres não apenas na sua forma, mas também nos
seus movimentos; nas suas ações, nos seus gestos”. (TOULET, 1995, p. 17). Por
isso ele acreditava que a morte deixaria de ser absoluta...
E de um certo modo ela o deixou de ser para aqueles que foram fotografados
pelo equipamento dos dois irmãos, e que a cada projeção revivem diante de um
novo público, que se amplia, atualmente, a partir do Youtube. Para nós, hoje, o mais
interessante das imagens são os aspectos inesperados das ações. O estranhamento
que as roupas da família Lumière nos provoca em “O Desjejum do Bebê” (1895),
ou o próprio destaque que ganha a locomotiva em “A Chegada do Trem na estação”
(1895). Isso tem mais a ver com o que está representado de costumes de seu tempo
do que com a tecnologia do cinema em si; imagens semelhantes àquelas continuam
a ser produzidas em tempo presente sem que os mais de cem anos do cinema, décadas de televisão e o mais recente vídeo digital tenham por si só eliminado os usos
imediatos do registro de imagem no cotidiano.
Tomemos como exemplo o pequeno filme que reúne os diferentes dias em
que um dos irmãos se postou diante da porta de sua fábrica, em Lyon, e registrou
o movimento dos funcionários no final do expediente. No primeiro dia, eles são
pegos de surpresa, e tentam se esconder da câmera, aceleram o passo. Tudo é desordenado. Nos dias seguintes, já preparados, os funcionários estão usando roupas
melhores, já fazem mesuras para o patrão que os filma, riem e se portam de um
modo mais familiarizado com o equipamento.
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Tecnologia, Pra Quê?
As imagens são rápidas, mas cada dia traz a sua diferença, a sua marca registrada de cotidiano, e é isso o que tanto agrada: ver como aqueles homens e mulheres
de mais de um século atrás já se comportavam de um jeito tão moderno; preparando-se para serem filmados, rindo e acenando para a câmera, tendo consciência de
que aquela imagem deles restaria por muito tempo. Talvez não tivessem imaginado
que elas, no futuro, seriam armazenadas e veiculadas em suportes digitais nos primeiros anos do século XXI, mas sabiam que elas durariam muito tempo. E é esse
fascínio que as imagens técnica, em especial aquelas que reproduzem o movimento, provocam, e por isso elas se difundiram rapidamente.
A partir do Cinematógrafo, muitas outras câmeras foram produzidas, aperfeiçoadas, visando especialmente o novo mercado de realização audiovisual, que
cresceu para além do esperado pelos Lumière. Para dar conta da demanda, o século
XX não só projetou novas câmeras com películas, mais leves e portáteis, como as
de 16mm e a super-8, como também viu surgir um novo meio audiovisual: a televisão. A tecnologia para o meio televisivo também amadurece rápido, e câmeras de
vídeo mais leves são criadas, e suas imagens são gravadas em fitas magnéticas. Isso
abriu novas possibilidades para a captação de imagens, e fomentou, por exemplo,
todo o movimento da videoarte.11 O uso de câmeras, porém, não fica restrito a um
círculo profissional, que produz para cinema e televisão, ou que produz para os
circuitos artísticos alternativos.
Tanto os equipamentos em película quanto em fitas magnéticas são apropriados por um amplo público, que registra as festas e reuniões de família como um
passatempo. O gosto pela produção de filmes amadores sobre o cotidiano dos grupos passa, inclusive, a ser um importante mercado para os desenvolvedores de
equipamentos, que criam para esse nicho específico. A câmera de 8mm é um exemplo disso. Foi criada nos anos 30, por Eastman Kodak, especificamente para o uso
doméstico. Nos anos 60, a mesma empresa substituiu-a por um modelo melhor e
igualmente barato, a Super-8, que possuía uma qualidade de imagem melhor que
sua antecessora. Mesmo que essas câmeras, depois, venham a ser usada por realizadores independentes, sua criação visava, inicialmente, as famílias com certo poder
aquisitivo que gostavam de filmar seu dia-a-dia.
A tecnologia do vídeo também teve o mesmo destino. Se as primeiras câmeras
são caras, a partir dos anos 70, 80, elas vão progressivamente se tornando mais
A produção em vídeo é uma derivação do equipamento desenvolvido para a televisão. Por ser mais barato do que a película, o vídeo
passa a ser utilizado como suporte de produção por documentaristas, experimentadores e até por cineastas, iniciantes ou não. A tecnologia do vídeo desaparece com a entrada do digital, que tende a provocar o desaparecimento, também, da película. Com isso, a radical
distinção entre vídeo, televisão e cinema – defendida por muitos em função da diferença de suporte para registro da imagem, e também
nos processos de pós-produção e exibição –, passa a ser atenuada. Fortalece-se, assim, a noção de audiovisual: produção de imagens em
movimento para diferentes meios, independente do suporte.
11
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
acessíveis, e com a facilidade de que não possuíam uma película que precisava ser
posteriormente revelada e editada. Assim, as famílias igualmente vão se apropriando desses equipamentos que lhes permitem reviver momentos especiais, de férias,
de festas, de nascimento e crescimento de bebês, etc.
Não é de se estranhar, então, que conforme novas tecnologias vão sendo colocadas no mercado para facilitar a captação e a visualização de imagens, esses
“realizadores amadores”, ávidos por novidades, apropriem-se de todas as ferramentas que os permitem, inclusive, compartilhar com um público mais amplo seus
momentos especiais, engraçados, e até trágicos. A partir dos anos 90, o digital vai
ser a nova fronteira a ser desbravada pelo audiovisual de cotidiano.
Tecnologias do vídeo digital
A circulação e o consumo de vídeo em plataformas digitais online não constitui
nenhuma novidade. Seus subsídios técnico-tecnológicos vêm sendo implementados, pelo menos, desde meados da década de 1960. Somados a isso, há a difusão
de computadores pessoais na década de 1980 que, a partir da década seguinte,
passaram a ter sua capacidade de armazenamento e de processamento de conteúdos
multimídia constantemente melhorados. Para completar o cenário, a penetração de
internet em banda larga, ao longo da primeira década do século XXI, criou condições para a aceitação de plataformas de vídeo online.
No início desta trajetória durante a década de 1960 – ainda com usos diretamente vinculados a investimentos governamentais norte-americanos motivados
pela Guerra Fria e pela corrida espacial –, a NASA implementou a transmissão
digital de dados de imagem para os mapeamentos realizados na superfície lunar e
na recepção de dados visuais de seus satélites espiões (GASKELL, 2003, p.6). Ao
longo da década, aconteceram as primeiras experiências de animação assistida por
computador (YOUNGBLOOD, 1970, p.207-256) ainda marcadas por um caráter
não-figurativo das imagens.
A entrada do vídeo digital no cotidiano foi trazida, primeiro, nas transmissões
esportivas de televisão da rede CBS norte-americana em 1965 (OWENS, 2007, p.
158). O gravador de vídeo em disco MVR tinha uma aparência semelhante a um
toca-disco analógico, gravando os últimos segundos de transmissão em formato
digital em preto e branco. Proporcionava um replay de uma jogada importante ou
o congelamento de um quadro para debate mais agilmente que o uso de fitas para
o mesmo propósito.
75
Tecnologia, Pra Quê?
A digitalização das ferramentas de produção de televisão teve novo impulso
em 1971, com o sistema CMX-600. Fruto de um esforço conjunto da CBS e da Memorex, ele era capaz de gravar em discos rígidos 27 ½ minutos de vídeo em preto e
branco em resolução baixa, permitindo ao editor experimentar diferentes soluções
de edição (SCHNEIDER, 1997, p, 147-151). O conceito inovador foi bem recebido
pelos editores de televisão, mas não era um sistema ágil e economicamente viável
o suficiente para se tornar mais difundido que a edição linear para televisão, que
permaneceria sendo amplamente utilizada. Apenas seis unidades foram produzidas
(Harrington; Weiser, 2011, p. 131).
Como em toda tecnologia emergente, diversas empresas buscaram desenvolver sistemas de edição não-lineares na década de 1980. Em geral, estes sistemas
dependiam de um computador que coordenava a reprodução de conteúdo pré-gravado. Dois dos sistemas mais destacados do período foram o EditDroid, uma iniciativa de George Lucas baseada em laserdiscs e utilizada parcialmente na edição
do filme O Retorno de Jedi (d. Richard Marquand, 1983), e o Montage Picture
Processor, que orquestrava dezessete aparelhos reprodutores de vídeo (Abramson, Sterling, 2007, p.203). Apesar da complexidade da tecnologia envolvida
nestes aparelhos para o período, eles não eram capazes de dar saída a um conteúdo
audiovisual pronto para ser exibido. Ao contrário, eles geravam listas de corte (designadas tecnicamente de EDL), cujas instruções serviam para guiar a edição a ser
feita em outros equipamentos.
Até fins da década de 1980, portanto, o uso de ferramentas digitais na produção
e circulação de vídeo ainda estava restrito a grandes empresas e à concentração do
capital. O caminho que o aproxima da apropriação cotidiana começa em meados
da década de 1990 e depende da presença de três fatores: câmeras que registrassem
imagens e sons em codificação digital, processamento de vídeo em computadores
pessoais e internet de banda larga amplamente disponível.
Neste contexto, a empresa conhecida como Avid é identificada como a pioneira
no desenvolvimento de uma solução integrada de software de edição não-linear e
hardware dedicado à tradução do vídeo em dados digitais. Apresentado em uma
feira profissional em 1988, seu primeiro modelo fora elaborado a partir de um
computador Macintosh II, com acréscimos que permitiam a captura e a saída de
vídeo em resolução de rascunho e a geração de uma lista de cortes para posterior
remontagem em resolução completa. Embora tal limitação de operação aproximasse o funcionamento do Avid dos sistemas previamente citados de edição, a ideia de
explorar uma plataforma comercialmente disponível reduziu dramaticamente seus
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
custos. A limitação de trabalhar em resolução plena seria superada em menos de
uma década.
A Avid não estava sozinha neste movimento para reduzir o custo dos sistemas
de vídeo digital e aproximá-los de uma base maior de profissionais. Sistemas como
o Video Toaster e o Media 100 ofereciam soluções semelhantes com preços mais
competitivos. Neste panorama, no entanto, a ideia de produção de vídeo ainda requeria a aquisição de equipamentos específicos de cada fabricante para o funcionamento dos sistemas, o que representava uma óbvia restrição e uma dificuldade em
compartilhar projetos.
O conceito de tornar a capacidade de reproduzir e editar vídeo, independente
do hardware, chegou aos computadores pessoais com o lançamento do componente
multimídia Quicktime, para a plataforma Apple Macintosh, em dezembro de 1991.
Ele foi seguido pelo software de edição não-linear Adobe Premiere, no mesmo
mês. Versões revistas e ampliadas destes produtos continuam presentes no mercado
há mais de duas décadas, o que coloca em uma nostálgica perspectiva as limitações
da experiência de vídeo em computadores pessoais no período. Operando com a
versão 1.0 do Quicktime e do Premiere, um usuário teria à disposição uma resolução de imagem de apenas 160x120 pontos, aproximadamente quatro vezes inferior
ao disponível em VHS – formato de vídeo doméstico corrente no período – e dezoito vezes inferior ao de um DVD.
Apesar destas limitações, o consumo e a circulação de vídeo em computadores
pessoais começou a se aproximar do usuário não-profissional. Em um panorama
em que o meio de circulação de conteúdos era disquete de no máximo 1,44MB (que
comportaria até um minuto de vídeo com baixa qualidade) e a internet ainda era
incipiente fora dos meios acadêmicos, as primeiras experiências com vídeo digital
para a maioria dos usuários foram os vídeos presentes em CD-ROMs multimídia12.
As limitações na definição das imagens eram contornadas com a inserção do vídeo
em uma moldura gráfica, ou escamoteada na interface de jogos, de programas educativos e de enciclopédias do período.
Nos últimos anos da década de 1990, começaram a aparecer dispositivos de
captura de vídeo que alcançavam uma qualidade próxima do mercado profissional
e tinham um custo inferior a mil dólares, uma redução de custo que trazia mais
profissionais para a edição não-linear. O empecilho de uso de tais equipamentos
era o mesmo das soluções de vídeo de décadas antes: o conteúdo a ser inserido no
computador era em grande parte analógico, o que exigia circuitos dedicados para
fazer a tradução e acrescentava custos ao processo.
A metodologia para a autoria de projetos em multimídia durante a década de 1990 é descrita em APPLE (1992).
12
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Tecnologia, Pra Quê?
A digitalização total dos processos de vídeo em um cenário acessível ao cotidiano de pequenos produtores13 começou a se afirmar a partir da metade da década com
a padronização do formato DV e a inclusão de portas digitais em computadores Macintosh14 que permitiam a captura do material sem perdas de qualidade de imagem.
O padrão DV era flexível o suficiente em sua implementação para estar presente
tanto em câmeras domésticas de mão, quanto em robustas câmeras profissionais15,
sendo todas elas facilmente transportáveis para computadores pessoais para edição.
Em paralelo a esta capacitação das máquinas e das bitolas de vídeo, a transmissão de vídeo pela internet dava seus primeiros passos a partir do início da década
de 1990. Os primeiros usos de vídeo na internet estão vinculados a videochamadas
entre computadores, salas de bate-papo com vídeo e transmissões MBone multicast, realizadas ao vivo para diversos receptores com conexões de alta velocidade,
todos sujeitos a restrições de qualidade e sincronismo entre som e imagem. Uma
curiosidade com relação a estas transmissões envolve seu conteúdo, que variava
desde um trecho ao vivo de um show dos Rolling Stones em 1994, a lançamentos
do ônibus espacial; havia até câmeras que observavam animais de estimação, conforme Williamson (2000, p. 18-19).
A divulgação de vídeos pré-gravados é definida pela briga entre tecnologias
incompatíveis entre si ao longo da década de 1990 e rumo aos primeiros anos do
século XXI. Diversas tecnologias e empresas como Progressive Networks (Real
Player), Vivo Software (VivoActive), VXTreme (idem), além de atualizações do
Quicktime e outros standards de vídeo abertos, propuseram soluções capazes de
transmitir vídeo através de uma conexão telefônica simples, passando por aquisições e apropriações ao longo da década. A restrição à variedade de modelos distintos para a circulação de vídeo é algo que favorece a adoção de tecnologias pela
grande massa de usuários; este múltiplo e confuso panorama da década foi a base
para a simplicidade que o Youtube veio trazer.
Nos cerca de quinze anos que separam as primeiras transmissões de vídeo online do lançamento do Youtube, em 2005, a circulação de conteúdos na internet passou a dialogar com a massa de usuários. Atualmente, no Brasil, são mais de oitenta
milhões de internautas (Ibope, 2012), um número que cresceu 1.484,9% de 2000
Formatos de vídeo digital dedicados ao mercado profissional de alto orçamento têm seu início ainda em finais da década de 1980 mas permanecem restritos em sua circulação por conta de um alto custo. Um relato descritivo de suas características aparece em Beacham (1994).
Computadores compatíveis com o sistema operacional Windows da Microsoft também receberam versões destas tecnologias de vídeo e
multimídia eventualmente tomando posição de destaque no mercado de ferramentas criativas.
15
Uma limitação à versatilidade do padrão DV é que ele registra seus conteúdos digitais em fita, uma solução que torna mais complexo o
equipamento que a manipula – há muitas partes móveis que têm de se manter alinhadas e lubrificadas para abrir o cassete e tracionar a
fita magnética – e que restringe a velocidade de transferência de materiais para o computador. No caso do DV, a velocidade é invariavelmente o tempo real: uma hora de material gravado tomará uma hora de captura.
13
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
a 2011 (Internet World Stats, 2012)16. Estes usuários, conforme Aguiari (2012), em
sua maioria (45%), têm acesso a rede em velocidades que variam de 512 Kbps até
2 Mbps, seguidos por 2 a 8 Mbps (27% dos usuários), um limiar de velocidade que
pode não oferecer a experiência para consumo de vídeo online que tornaria esses
usuários capazes de substituir a televisão por completo, mas que dá a eles acesso a
um vasto universo de produtos audiovisuais online.
Números do mercado norte-americano, publicados pela Pew Internet Research em 2010 (Harrington; Weiser, 2011), revelam comportamentos não
quantificados, ainda que observáveis em um panorama regional. No mercado americano, 69% dos usuários baixaram ou assistiram a vídeo online naquele ano, ainda
que apenas 14% tenha postado algum vídeo. Entre os conteúdos preferidos dos
internautas destacam-se: comédia/humor, notícias, educativos, filmes, séries e videoclipes. A presença de filmes, séries e videoclipes sugere uma maturidade dos
serviços de distribuição de vídeo online de caráter comercial, como a Itunes Store,
Amazon OnDemand e Netflix, bem como a redistribuição de conteúdos de televisão
em serviços como Hulu.com.
No futuro era o cotidiano
Ao afirmarmos o Youtube como um espaço que potencialmente veicula conteúdos que se assemelham em temática aos filmes do primeiro cinema é importante
não perder de vista a polissemia intrínseca presente em seus múltiplos canais. O
site de hospedagem, compartilhamento e comentários sobre vídeos é extremamente
variado no que oferece, uma vez que o conteúdo depende de seus usuários – sujeitos a políticas amplas de restrição temática à nudez, violência, estímulos a atos
arriscados, proteção à crianças, conteúdos considerados ofensivos (e assim sinalizados por outros usuários) – e de uma vigilância aos direitos autorais e patrimoniais
de grandes empresas produtoras de conteúdo.
Podemos considerar que as temáticas e as formas de representação trazidas
pelos primeiros filmes em um cinema ainda pouco narrativo no final do século
XIX reaparecem aqui, assim como previamente o fizeram na televisão brasileira
na forma de pegadinhas em diversos programas de apelo popular. Uma vez que o
Youtube é um canal aberto, estes audiovisuais de acontecimento, onde a narrativa
pouco ou nada se descola do momento imediato do registro, operam em quatro
sentidos que desdobraremos abaixo destacando o que eles aportam de novo.
Em primeiro lugar, tais vídeos cumprem uma função de teste, um contato preliminar por parte dos usuários. Esta ideia de teste é frequente na apropriação de tecDisponível em: http://www.internetworldstats.com/. Acessado em 10/07/2012.
16
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Tecnologia, Pra Quê?
nologias, representando a necessidade de estabelecer um laço de retroalimentação
(feedback) quando é feito o contato com um sistema que não tem uma existência
concreta e material à sua frente.17 Sistemas de telefonia incorporaram em seu desenho maneiras de chamar a atenção quando uma chamada está em andamento e, em
contrapartida, consolidou-se o costume de dizer “alô” e aguardar a resposta para ter
certeza de que a comunicação está fluindo.18
Colocar um vídeo curto no Youtube e reproduzi-lo em seguida permite ao usuário testar diversos fatores ao mesmo tempo: a qualidade e a velocidade de sua
conexão com a internet, o funcionamento do serviço de compartilhamento de vídeos, as características do arquivo digital que tenta colocar à disposição, e, enfim, a
dúvida se a experiência de assistir ao vídeo é satisfatória ou se surgem interrupções.
Situamos o primeiro vídeo a ser veiculado no Youtube, intitulado “Me at the
Zoo” 19 como um exemplo deste sentido. Postado em abril de 2005 ele mostra Jawed
Karim, um dos fundadores da empresa, em um zoológico comentando a aparência
dos elefantes, em aproximadamente dezenove segundos. A baixa qualidade técnica
do vídeo é uma marca dos primeiros dias do serviço, mas, curiosamente, em seu
conteúdo há uma mistura de cotidiano e exotismo na escolha de locação e temática.
Como um segundo sentido presente neste movimento, situamos uma busca de
motivações pessoais por atenção, formação de diálogos, vínculos e exposição aliada à construção de uma imagem pública nas redes sociais a partir do que é exibido.
Este sentido traz algo de novo, de incomum ao material circulado no Youtube em
relação às produções do primeiro cinema. Neste audiovisual de acontecimento do
século XXI, na maioria dos casos, esvanece-se a relação de funções e características distintas e segmentadas entre produtor-elenco-exibidor presente desde o início
da consolidação do cinema como indústria.
Em lugar dela, os três papéis tendem a convergir em ações pessoais ou de pequenos grupos identificadas habitualmente com motivações de narcisismo e exibicionismo. Questionamos tais rótulos que trazem em si um viés negativo, uma vez que eles
falham em ver que mais uma vez age aqui um princípio econômico. Nos primeiros
anos do cinema, a relação era de experimentação técnica, expressiva, artística e comercial, sendo uma grande disputa o controle dos modelos de negócios para produção e distribuição de filmes. Naquele momento, mais atenção (aos filmes, depois aos
astros e às estrelas) era diretamente quantificável em valores financeiros, fazendo
parte de um conceito capitalista de empreendimento e competição entre empresas.
Para uma discussão sobre o valor dos laços de feedback ao lidar com tecnologias cf. Lidwell; Holden; Butler (2011) e Norman (2002).
Laços de feedback fazem parte de diversas teorias de comunicação, tendo um papel destacado nos modelos de Shannon e Weaver. Confira WOLF (2002) e DEFLEUR; BALL-ROCKEACH (1993) entre outros.
19
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=jNQXAC9IVRw. Acessado em: 10/07/2012.
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
No tempo presente, ainda que existam ferramentas de remuneração aos usuários que postam conteúdos no Youtube, a grande maioria dialoga com a busca de
aumentar seu capital social20 bem antes de poder aferir retornos financeiros com
isto. Desta maneira há um parentesco direto entre as motivações comerciais dos
meados do século XX e da exposição pessoal dos princípios do XXI na internet, o
que muda é a moeda.
Podemos identificar aqui também uma continuidade com a saída da fábrica
dos irmãos Lumière citada anteriormente neste texto, guardadas as devidas diferenças. Tanto em Lyon em fins do século XIX quanto no Youtube há uma ideia
de preparar-se para ser filmado e uma sobreposição do que é privado e do que é
público, do que é efêmero e do que é duradouro. Vídeos familiares com mais de
quatrocentos e sessenta milhões de visualizações desde 2007, como “Charlie bit
my finger – again!”21 –onde os irmãos ingleses Charlie e Harry estão sentados e,
durante o plano sem cortes, o bebê morde o dedo do irmão maior –, sublinham esta
mescla. A espontaneidade das crianças é evidente, ainda que estejam cientes de que
estavam sendo filmadas e a situação tenha sido captada com o mínimo de cuidados
uma vez que o áudio está claro e a iluminação é natural, mas adequada.
Como um terceiro sentido em comum entre ambos os tempos identificamos
a síntese das situações apresentadas e a busca por um impacto no espectador. As
limitações técnicas e tecnológicas do primeiro cinema faziam com que os filmes
produzidos e apresentados fossem curtos em duração e frequentemente apelassem
a títulos descritivos que prometiam muito ao espectador, como O Lançamento do
Bote Salva-Vidas (Empresas Edison, 1897), A Dança dos Fantasmas dos Sioux
(idem, 1894), ou mesmo os filmes assumidamente de truques como O Homem da
Cabeça de Borracha (Georges Méliès, 1901). Em comum aos três, a curta duração e a busca por algo memorável que pudesse ser lembrado e indicado a outros
espectadores.
Lado a lado com esta busca por imagens marcantes e situações interessantes,
também eram abundantes as cópias não autorizadas dos filmes em circulação e as
imitações, plágios e refilmagens. Os truques de Méliès eram inspiração para Zecca,
que servia de referência a Edison, e assim os filmes que vendiam geravam cópias;
e, se tais cópias vendessem, gerariam ainda mais similares.
A reutilização de conteúdos de terceiros – especialmente da televisão e de
outros usuários do Youtube – e toda a sorte de estratégias para chamar a audiência
O conceito de capital social é multifacetado, mas de uma maneira geral assumimos seu alinhamento com conceitos de prestígio e a
possibilidade de pertencer a um grupo na linha de Bourdieu (1989). Uma visão geral e introdutória dos conceitos pode ser encontrada
em D’Araújo (2003).
21
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=_OBlgSz8sSM&feature=youtu.be. Acessado em: 10/7/2012.
20
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Tecnologia, Pra Quê?
é corrente, inclusive forjando palavras-chave ou títulos não vinculadas aos conteúdos do vídeo, tirando proveito da organização e indexação da base de dados dos
vídeos através de etiquetas definidas pelos usuários, como identificado em um
diálogo entre os usuários ricmtb e V.I.P sobre o Youtube no site Yahoo! Respostas
Brasil:22
ricmtb [pergunta]
Palavras chave no Youtube.?
A minha pergunta é referente as palavras chaves no Youtube, por exemplo, tenho
um video de natação, usarei palavras chaves tais como: natação, esporte aquatico, piscina, etc... tudo referente a natação, ok. A minha dúvida é a seguinte,
posso colocar também palavras chave tipo, Lost, Smallville, Lady Gaga, etc....
(as mais procuradas hoje em dia). sei que não tem nada haver com o meu vídeo,
mas a pessoa que procurar por smallville, etc..... esbarrar pelo o meu vídeo de
natação e ficar curiosa(o) tipo, o que esse vídeo tá fazendo aqui ??? e acaba
clicando para ver. Qual o mal de usar além das palavras que tem tudo haver
com o meu vídeo e usar outras palavras mais usadas hoje em dia ??? Obrigado
pela atenção.
V.I.P [responde]
Melhor resposta - Escolhida por votação
Pode fazer isso sim, todo mundo faz para conseguir mais visualizações, inclusive colocam o nome do vídeo falso também.
Tanto a extensão em tempo quanto a multiplicação de produtos semelhantes
são imediatamente reconhecíveis no panorama de vídeo online com o Youtube.
Embora seja possível quando da redação deste texto tornar disponíveis vídeos de
qualquer duração desejada23, vídeos de menor duração tendem a ser mais vistos,
um comportamento relacionado à maior dispersão da atenção que o consumo de
vídeo online traz (uma vez que a janela com vídeo compartilha o espaço com
comentários, recomendações, publicidade e outras janelas de programas) e com o
próprio fracionamento da atenção entre diversas atividades conduzidas ao mesmo
tempo.
Em um quarto sentido, a republicação de vídeos por usuários que não os autores e a produção de imitações, paródias, reedições e pastiches aponta na direção de
uma apropriação criativa dos materiais, facilitada pela natureza digital do registro
e pela circulação. Esta circulação secundária da qual os usuários avidamente se
apropriam sinaliza para o que Lessig (2008) caracteriza como a identidade da culDisponível em: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110119113421AAnQywo. Acessado em 10/07/2012.
A partir de 2007, o site restringiu a extensão dos vídeos postados por usuários que não eram parceiros comerciais a dez minutos, estendendo-o a quinze minutos em 2010 e removendo as restrições de tempo para usuários que seguem as normas de postagem de conteúdo
a partir de 2011.
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De volta para o passado: o audiovisual de acontecimento contemporâneo
tura contemporânea: a remixagem de conteúdos e sua reutilização para além das
restrições de direitos autorais ou patrimoniais.
Praticamente todo vídeo de grande sucesso na internet tem paródias e versões
publicadas. Exemplos notórios incluem as releituras do “Dramatic Chipmunk,24 a
partir de sua postagem em 2007. O vídeo é um trecho selecionado de cinco segundos de um programa infantil de televisão japonesa, onde um cão da pradaria, no
interior de uma caixa transparente, gira e encara a câmera, sincronizado com um
segmento da trilha do filme Jovem Frankenstein (d. Mel Brooks, 1974) com o objetivo de criar uma sensação de clímax nonsense. As releituras dialogam com toda
sorte de pastiche da cultura pop, adicionando sabres de luz (da série Guerra nas
Estrelas), canos de arma (como nas aberturas da série James Bond), elementos de
videogames entre outros. Destacam-se, nestes casos, uma busca pela aproximação
com os conteúdos que mais circulam como uma forma de chamar a atenção dos
demais ao falar sobre o que se está falando.
Considerações Finais
Como dissemos no início, não dá para pensar a história do audiovisual apenas
como um processo de desenvolvimento tecnológico, onde um equipamento antigo
vai sendo descartado por outro mais moderno. Há outro movimento que precisa ser
levado em conta: a apropriação social dessa tecnologia por um público mais amplo
do que apenas o profissional. Amadores das imagens em movimento, mesmo que
não possuam conhecimentos técnicos e estéticos, apropriam-se dos códigos básicos
desses aparelhos para que eles possam funcionar do modo mais básico: registrando
imagens em movimento. A falta de uma abordagem artística faz com que muitos
filmes se pareçam, ainda, com aqueles do primeiro cinema: câmera aberta, às vezes
parada, apenas acompanhando os movimentos de alguém, que acena, que sorri,
que faz alguma gracinha para o homem ou a mulher da câmera, assim como faziam
nossos antepassados lá naquele nem tão longínquo século XIX.
Ler a história a contrapelo, como queria Benjamim (1991), é um modo de perceber como projetos passados mantêm-se no presente, atualizados em novas tecnologias, ao mesmo tempo em que nos propicia flagrar nesse processo atitudes e
ações que nasceram com aquele século das imagens, mas que ainda fazem sentido
no presente. É por isso que elas permanecem mais vivas do que nunca, ampliando os
limites do audiovisual para além das fronteiras em que alguns puristas querem delimitá-lo. Reconhecer como parte do campo do audiovisual as imagens do cotidiano é
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=a1Y73sPHKxw. Acessado em: 10/7/2012.
24
83
Tecnologia, Pra Quê?
aceitar que o uso da tecnologia não é privilégio de uns poucos iniciados, mas parte
de uma cultura que quer continuar existindo para além da duração de uma vida.
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85
5
Reflexões sobre tecnologias
em torno da publicidade
Rogério Covaleski1
O possível adjacente entre
comunicação e tecnologia
A exemplo do que propôs Steven Johnson (2011), ao citar a expressão cunhada
pelo cientista Stuart Kauffman, que trata do conjunto de combinações que, rearranjadas, passam a ter novas funções e aplicações, os diálogos entre comunicação e
tecnologia ditam boa parte das inovações que visam à interação entre públicos; e o
possível adjacente entre esses campos apresenta alternativas a percorrer, antecipando
ou eliminando estágios de desenvolvimento. Percebe-se, nesse discurso, entretanto,
certo determinismo tecnológico, no qual os rumos de todas as mudanças seriam ditados por avanços sustentados na tecnologia. Conforme pontua Johnson (idem, p.34),
“na cultura humana, gostamos de pensar nas ideias revolucionárias como acelerações
súbitas na linha do tempo, quando um gênio salta cinquenta anos adiante e inventa
algo que as mentes normais, aprisionadas no momento presente, não poderiam descobrir”. Ao que Kauffman chama de “possível adjacente”, propõe-se que em um dado
momento na evolução – seja da vida, de sistemas naturais ou de sistemas culturais
– há um espectro de opções em torno de qualquer sistema organizado. A mudança, a
novidade, a descoberta, acontecem quando ocorre uma reconfiguração, de um modo
não realizado até então. Mas mesmo havendo limites para as mudanças que possam
se dar em apenas um movimento, há uma quantidade de combinações possíveis que
se descortinam, levando sempre adiante as adjacências, por vezes, transformando-as
em soluções “à frente de seu tempo”; em outras oportunidades, antecipando em um
salto inúmeros passos que se dariam rumo à solução almejada.
Vislumbram-se dois percursos que possam dar conta de abarcar os possíveis
adjacentes nas mediações entre comunicação e tecnologia: o evolucionista, que
propõe adaptações às mudanças; e o contestador, que não aceita mudanças e propõe
revisões. No possível adjacente que siga o caminho evolucionista, vale a ótica de
Professor e pesquisador UFPE.
1
Tecnologia, Pra Quê?
Charles Darwin: “não são os mais fortes e nem os mais inteligentes de uma espécie
que sobrevivem, mas os que se adaptam e respondem melhor às mudanças”. Àquele que percorrerá rumo à contestação, à inquietude, é instigado por George Bernard
Shaw: “o homem razoável se adapta ao mundo; o irascível tenta adaptar o mundo
a si próprio. Assim, o progresso depende do homem irascível”.
Com diferentes caminhos a trilhar, faz-se possível prever tempos de utopias e
distopias na comunicação. Conforme reflexão de Carolina Dantas de Figueiredo
(2011, p.63), “pode-se relacionar a comunicação democrática com a utopia e o
seu oposto, a comunicação não-democrática ou totalitária, com a distopia”; mesmo considerando que na prática os vieses possam ser híbridos e multifacetados, o
que explicita a dialética inerente a eles. Aceita-se certo controle, ainda que sutil, à
comunicação com liberdade; relevam-se certas brechas, mesmo que não-oficiais, à
comunicação restrita.
Independente do caminho evolutivo a se optar, entre a adaptação e a contestação, e do percurso com mais liberdade ou restrição, não se pode deixar de se
constatar que dentre os muitos eventos que estão ocorrendo, há duas grandes tendências que podem resumir o panorama do ambiente comunicativo atual – e com
reflexos diretos sobre a atividade publicitária: a primeira delas é que, com a convergência midiática e a evolução das relações de consumo, passou-se de uma mídia
de massa para a segmentada, até se chegar – com a interatividade – a uma mídia
praticamente personalizada; a segunda tendência é a de se evitar a interrupção do
conteúdo editorial e/ou artístico que a publicidade, inevitavelmente, gera com seus
breaks comerciais e anúncios. Pode-se supor que a publicidade instituiu o hábito
da interrupção; especializou-se em interromper o conteúdo para despertar a atenção
do público. Este mesmo público, enquanto não dispunha de como reagir a estas
interrupções, aceitou-as de maneira passiva, cândida. Mas com o aparecimento do
controle remoto, do digital video recorder e do ad-skipping2, entre outros recursos,
a tecnologia criou possibilidades que antes o público não possuía: evitar a interrupção; controlar ou interferir parcialmente no conteúdo; enfim, interagir.
Neste cenário de troca informacional, mediatizado, compreende-se a utilização das tecnologias comunicacionais para a transmissão de conteúdo que, nesta
ambiência tecnologizada, imputa novos valores nas relações entre emissores e receptores. Informação essa fruto da mediação proposta por Jesús Martín-Barbero
(2001), que vê os meios de comunicação para além de mero canal, mídia; entende O ad-skipping permite que durante a gravação da programação das tevês se evite a exibição dos comerciais. A tecnologia, disponível
em algumas operadoras de tevê por assinatura e em aparelhos DVRs, permite “pular” o intervalo comercial. Assemelha-se ao zipping,
à época das gravações em fitas VHS, quando, ao assistir à gravação, as pessoas adiantavam rapidamente a fita para evitar assistirem ao
intervalo comercial gravado.
2
88
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
os, sobretudo, como sendo elementos reguladores das relações sociais e que estão
na própria base da constituição dessas interações. Com base nas mediações se dão
as trocas culturais, as relações entre emissores e receptores e, cada vez mais, as
mediações entre os próprios receptores.
Apresenta-se a seguir alguns dos aspectos resultantes desse quadro de transições e transformações.
Implicações, rupturas e revisões na publicidade
Diante do mito da revolução digital, de que as novas tecnologias midiáticas
darão conta de sobrepujar o sistema de mídias anterior, revela-se, sim, como afirma
Henry Jenkins (2009, p.387), que estamos transitando midiaticamente, em uma
“fase durante a qual os entendimentos sociais, culturais, econômicos, tecnológicos,
legais e políticos dos meios de comunicação se reajustam em face de uma mudança
que produz ruptura”. Transitoriedades cuja avaliação é positiva ou negativa conforme o olhar de observação. Pela compreensão de Lúcia Santaella (2010, p.17), “há
uma espécie de discurso consensual sobre o caráter revolucionário e sem precedentes das transformações tecnológicas e culturais que a era digital está trazendo para
o mundo. Esse consenso vem tanto dos que celebram quanto dos que lamentam
essas transformações”.
O surgimento de novas mídias, mais interativas, e a implantação da televisão
digital, por exemplo, precipitam a evolução para um novo paradigma comunicacional que interaja, dialogue e estimule a mediação. Nesse cenário, faz-se imprescindível a revisão do modelo hegemônico de comunicação massiva. Coexistem,
contemporaneamente, a cultura de massa, a cultura das mídias e a cultura digital.
Enquanto, nesta última, ocorre a convergência de mídias, um fenômeno distinto,
de convivência, observa-se entre meios da cultura midiática. Santaella (idem, p.17)
reforça que é a convergência, com as culturas de massa e de mídia, “que tem sido
responsável pelo nível de exacerbação que a produção e circulação da informação
atingiram nos nossos dias e que é uma das marcas registradas da cultura digital”.
Para meios e veículos de comunicação que permaneceram na condição de detentores dos meios de produção e dominantes, do ponto de vista da sociedade, partilhar poder e domínio com um público que outrora simplesmente sorvia conteúdos
passivamente, requer uma profunda revisão de postura e atuação. Requer novas
estratégias contra uma iminente perda de hegemonia.
De modo concomitante, como lembra Joe Cappo (2006), há, também, alguma contribuição para este cenário de rupturas de questões relativas ao conteúdo
89
Tecnologia, Pra Quê?
publicitário, que sustenta o modelo de viabilização financeira das emissoras – a
mensagem publicitária para tevê, por exemplo, está mais cerceada e tolhida por
convenções legais e culturais, o que a torna mais comedida – atualmente, qualquer
mensagem que traga em seu enunciado alguma polêmica fragiliza severamente o
discurso dos anunciantes, diante da voz dada ao consumidor que dispõe de canais
de interação e disseminação.
Elas variam desde a regulamentação por parte do governo até uma postura
politicamente correta. Muitos anúncios populares que apareceram na década de
1960 seriam hoje enxovalhados da televisão por mostrarem as mulheres em atitudes servis ou integrantes de grupos étnicos em papéis estereotipados ou humilhantes, ou talvez por alegarem um grau de desempenho que não poderia ser verificado.
(CAPPO: 2006, p.83)
Mesmo tendo em vista este quadro é fato que grandes anunciantes têm diminuído drasticamente a verba para a publicidade em sua forma tradicional. Redes
de televisão têm buscado alternativas para manter o volume de investimento dos
anunciantes, oferecendo maior flexibilidade e soluções criativas. Mas, tal flexibilidade tem se mostrado mais viável, até então, na tevê por assinatura, somente. O
meio televisual tem demonstrado deficiências na disputa com mídias mais dinâmicas e interativas, que conseguem, aos poucos, apresentar vantagens competitivas e
conquistar fatias maiores do “bolo publicitário”.
Alguns cases de sucesso de grandes anunciantes – vide a série de curtas-metragens The Hire, da BMW, que já há em 2001 instituiu um novo paradigma para a
publicidade e na relação entre marcas e mídia – confirmam o que já não é uma possibilidade distante, mas, uma alternativa presente à publicidade estandardizada da
tevê. A mensagem publicitária, da maneira como é compreendida hoje – paradoxalmente – ganha sobrevida quanto mais deixa de se parecer consigo mesma; quanto
menos faça uso dos elementos tradicionais que constituem o discurso publicitário
convencional. Apresenta-se, de forma crescente, inserida e camuflada no entretenimento; travestida de diversão, mas não destituída de sua função persuasiva, mesmo
que esta esteja dissimulada na narrativa.
Atualmente, a publicidade em processo de hibridização, mescla-se ao conteúdo e, por si só, pode passar a ser compreendida como entretenimento. É uma nova
maneira de se trabalhar a comunicação publicitária, baseada na aglutinação de três
fatores: informar persuasivamente, entreter e interagir.
Mas, pelo que se pode observar, alguns elementos do discurso persuasivo ou
de convencimento permanecem absolutos no texto publicitário. E, quanto a isto,
90
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
pode-se regredir à retórica aristotélica para se chegar a tal constatação. Conforme
Adilson Citelli (2006), Aristóteles “apontava a estratégia suasória como importante
redutora estrutural dos textos voltados a provar, demonstrar, justificar ou, simplesmente, levar alguém à aceitação de determinada ideia, conceito ou valor”. O discurso publicitário se vale muito dessa estratégia, mesmo em textos de tom lúdico.
Em artigo publicado há quase três décadas, Umberto Eco (1984) tecia críticas
à tevê e destacava a ausência de conteúdo: “ela fala cada vez menos do mundo exterior... ela fala dela mesma e do contato que está estabelecendo com seu público”.
Projeções metalinguísticas à parte, o que se sabe hoje é que a tevê vem privilegiando o contato, a interatividade; essa pode ser a tendência da televisão dos próximos
anos, com a disseminação da tecnologia digital e interativa. Uma interatividade
baseada no reforço de vínculos e na comunhão entre emissor e receptor, mesmo
que tenda a remeter a um esvaziamento de conteúdo, no sentido estrito.
Como afirmado anteriormente, com a convergência midiática e a evolução das
relações de consumo, foi possível se passar de uma mídia de massa para uma mídia segmentada, até se chegar, com a interatividade, à possibilidade de uma mídia
personalizada. Vale lembrar que antes da Revolução Industrial todo processo de
comunicação era individualizado; havia o diálogo entre as partes, presumia-se uma
relação dialógica. Alguém queria vender; alguém queria comprar, e a partir do diálogo e da mediação direta a venda se processava. Com o incremento da produção
em massa, suscitou-se a publicidade. Na esteira da produção em massa, em série,
desenvolveu-se a comunicação massiva. Um único emissor podia então se dirigir
a diversos receptores, de um punhado de pessoas a vários milhões de indivíduos,
simultânea e instantaneamente. Mas, nesse caso, a comunicação precisava ser genérica e impessoal, já que se dirigia a um público amplo, eclético e anônimo – pressupostos da comunicação de massa. Intentar atingir todo esse contingente, mas, de
maneira segmentada ou personalizada, era impossível ou inviável economicamente.
Surgiram, então, os grandes meios comunicativos, a partir dos quais se empreendia
uma comunicação em que um só dos participantes tinha voz, inibindo o diálogo que
havia antes; passou a faltar a troca, a interação entre as partes. E, de acordo com essa
visão, o público tomava suas decisões de consumo, em uma relação desequilibrada
e impositiva de convencimento ao receptor. Mais recentemente, com o advento de
meios mais interativos, tornou-se possível retornar ao diálogo e à mediação, entre emissor e receptor, interrompidos há cerca de um século atrás. Tudo porque a
tecnologia da informação permite, a custos acessíveis e praticáveis, o retorno ao
diálogo segmentado e personalizado, inserindo-se nesse contexto toda a gama de
91
Tecnologia, Pra Quê?
novas possibilidades dos recursos de interatividade. Portanto, a tendência da comunicação publicitária é, cada vez mais, migrar da comunicação massiva à segmentada
e da segmentada à personalizada. Quiçá ressurgirá, redimensionada, ressignificada e
adaptada à nova realidade, a figura do mercador de outrora: o merchanting.
O fim do marketing de massa sinaliza o início do surgimento do merchanting
personalizado, da abordagem personalizada de que nossos antepassados desfrutaram como sendo um dogma básico para a realização de negócios. O merchanting
precedeu o marketing de massa e sobreviverá a ele porque a customização sempre
estará à frente da otimização sempre que houver uma escolha a ser feita no mercado. (ZYMAN: 2001, p.185)
Como não rever modelos de comunicação e abordagem diante desse cenário?
Em um contraponto ao pensamento de Marshall McLuhan, de que “a quantidade
de informação é que gera a qualidade da informação”, hoje se pensa em ensinar
os estudantes a usar a mente não como hard disk3, mas, como memória RAM4.
Recomenda-se que não se acumule informação, pois ela se defasa cada vez mais
rapidamente. O cérebro precisa de espaço livre para associar as inter-relações entre
fatos e dados para gerar soluções – gerar nexos, como defendem Walter Longo e Zé
Luiz Tavares (2009). As mentes estão hoje abarrotadas de commodities informacionais. É preciso estabelecer uma condição de trabalhar com a mente livre, de concluir
processos, relacionando ideias com as informações disponíveis a um toque de dedo.
Neste momento, é mais importante ter acesso à informação do que armazená-la.
Como uma das consequências mais sintomáticas desta nova ordem comunicacional, percebe-se uma corrida pela correção dos processos de formação e aprendizagem dos futuros profissionais de comunicação. No lugar de especialistas ou
generalistas, melhor seria formar nexialistas, capazes de gerar conexões entre o
aprofundamento opinativo da especialização e a capacidade multidisciplinar da
generalização.
O processo criativo, a exemplo do ambiente mediático como um todo, também passa por um período de complexificação, pois se as linguagens interagem,
os consumidores interagem; inevitavelmente, novos modelos híbridos surgirão. Já
hoje, não seria exigir demais que o conhecimento e o repertório cultural do criador
publicitário devessem ser tão diversificados, heterogêneos e multiculturais quanto
está se tornando a publicidade em si, para assim se adequarem à nova cultura híbrida; para se comunicarem com um novo público, cujo repertório também tende
à hibridização.
Hard disk: Disco rígido, popularmente chamado também de HD. Componente do computador onde são armazenados os
dados.
RAM: Random Access Memory – memória de acesso aleatório, utilizada em sistemas eletrônicos digitais.
3
4
92
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
Reitere-se, portanto, que no processo de evolução da comunicação publicitária
já se passou pela fase massiva, na qual se buscava a abrangência de público. Em
seguida, surgiu a comunicação segmentada, constituída por indivíduos com um
mesmo perfil de comportamento de consumo. Chegou-se à comunicação personalizada, que visa à total qualificação do target. Vivem-se tempos de comunicação
digital/virtual, que propicia a soma dos três aspectos anteriores, ao possibilitar que
se atinja um público amplo, perfilado e qualificado, concomitantemente. As novas
configurações da publicidade impõem um necessário redimensionamento das relações entre as marcas e os consumidores, recompondo, também, o diálogo entre
marcas e mídia: uma comunicação que privilegie o conteúdo.
Diante de um ambiente em transição, faz-se necessário verificar as implicações resultantes nas estratégias de comunicação publicitária. A publicidade está
sendo repensada. Desde 2011, Cannes, o mais prestigiado festival internacional de
publicidade passou ser denominado Cannes Lions International Festival of Creativity. Em 2012, estão previstas 14 categorias de premiação, um novo recorde:
Film, Press, Outdoor, Cyber, Media, Direct, Radio, Promo & Activation, Design,
PR – Public Relations, Film Craft, Titanium & Integrated, Creative Effectiveness e
Mobile. Ou seja, muito além do festival de filmes publicitários original.
Propõe-se (COVALESKI, 2010), para atender em parte às novas demandas
comunicacionais, uma publicidade híbrida, composta por quatro dimensões constituintes: persuasão – discurso persuasivo diluído na narrativa, com a aplicação
de recursos suasórios que facilitem o convencimento do receptor quanto ao conteúdo proposto pelo emissor da mensagem; entretenimento – função de entreter
do produto midiático destinado a sorver de ludicidade os momentos vagos e de
contemplação dos indivíduos, e que possibilita, ao mesmo tempo, fruição estética
e distração intelectual, contribuindo, ainda, para a formação repertorial da cultura
do público-receptor e para movimentar uma pujante indústria de lazer e conteúdo;
interação – capacidade de mediação. Forma de comunicação mediada que possibilita, a partir de mecanismos de ação entre emissores e receptores, a interferência
em conteúdos disponibilizados em plataformas comunicacionais suscetíveis a estas
ações; compartilhamento – alta probabilidade de recomendação. Espontaneidade
do receptor em partilhar conteúdos sorvidos a partir de uma experiência positiva
empreendida. Tendo em vista as dimensões da publicidade híbrida, envolvendo em
sua composição persuasão, entretenimento e tecnologia, siga-se na reflexão sobre
a “comunicação por conteúdo”.
93
Tecnologia, Pra Quê?
Comunicação por conteúdo
As Ciências Sociais, em especial a Comunicação, têm se ocupado de estudar o
que Itania Gomes (2009, p.2) refere como “embaralhamento de fronteiras de áreas
presumivelmente distintas da cultura midiática, informação e entretenimento”. A
pesquisadora reitera que novas configurações surgidas, referentes a neologismos
como advertainment, branded content etc. – incluindo aí, também, o infotainment
– denotam “a articulação entre as tecnologias da informação e da comunicação e
a globalização da cultura midiática”, processos que contribuem para a geração de
novos produtos midiáticos.
Uma comunicação cujo conteúdo é centrado nas qualidades e nos diferenciais
da marca, que busca relacionar os benefícios do entretenimento a ela, possibilitando ao anunciante integrar sua imagem marcária ao discurso, não eximindo o
público receptor de desfrutar do programa no qual está inserida a branded content5.
Evita-se assim a interrupção, uma das principais críticas que recebe a publicidade
quando interrompe o entretenimento com seu break comercial.
A comunicação por conteúdo tem atraído a atenção de grandes agências e
anunciantes, e o flerte com os meios de comunicação já tem gerado frutos, pois a
parceria entre os diferentes atores do mercado publicitário é essencial para consolidar esta convergência.
A branded content está presente na televisão, no cinema, na internet. Pode-se
supor que esteja, mesmo em menor escala, nos demais meios, pois inserir a marca
na geração de conteúdos editoriais e de entretenimento é prática antiga, que ora se
fortalece diante de novos fatores que a favorecem.
Em geral, é uma forma de comunicação bem aceita, pois de maneira mais sutil e
menos invasiva que o bloco comercial sugere ao consumidor que ele está sendo valorizado pelo anunciante. É um modo inovador de criar, produzir e patrocinar entretenimento, já que envolve um novo tipo de parceria criativa e empreendedora entre
os criadores de conteúdo, agências, produtoras, veículos e marcas. É uma cocriação
convergente em prol de um tripé essencial ao marketing: conteúdo, mídia, marcas.
Em um cenário socioeconômico e cultural em transformação, o ambiente mediático e as convergências midiáticas têm favorecido o aparecimento de uma multiplicidade de canais, de novas tecnologias. Os consumidores também ganharam
novos papéis, pois estavam mais arredios e menos suscetíveis a convencimentos
de outrora. Evoluíram para se tornarem prosumers. O velho modelo de publicidade
está cada vez mais anacrônico em um mundo de plataformas de mídia personali Neste texto optamos pela tradução livre do termo branded content para “comunicação por conteúdo”.
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Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
zadas. A branded content se estabelece com uma nova abordagem e anseia pelo
engajamento do consumidor. A comunicação por conteúdo de marca encabeça essas mudanças. O entretenimento marcário será criado com base no que realmente
importa aos consumidores; no que de fato cativará sua atenção, sua razão, sua
sensibilidade.
E para o consumidor contemporâneo e tecnologizado, novos papéis a ele são
atribuídos, de coautoria, de partícipe de processos produtivos, de portador de atitudes proativas: o prosumer, como cunhou Alvin Toffler (1980). Os prosumers formam um segmento composto basicamente por público jovem, em boa parte, ainda
na adolescência. Dentre suas maiores habilidades estão o domínio e o relacionamento com os aparelhos celulares e com a internet, e diante de um crescimento exponencial que a mídia via telefonia celular e os negócios que o m-commerce devem
gerar nos próximos anos, daí a importância que estes jovens conquistam junto às
indústrias de bens de consumo, do entretenimento e da publicidade. Para Angelo
Franzão Neto, os chamados prosumers assumem um papel protagonista na relação
entre marcas e consumidores:
Os prosumers têm um alto poder de influência no consumo de marcas, opinam
com propriedade sobre as facilidades de determinados aparelhos, discutem sobre
qualidade, valorizam os benefícios e condenam as dificuldades com tanta veemência que acabam se transformando em eficazes vendedores de determinadas marcas.
(FRANZÃO NETO: 2009)
Os prosumers, ávidos por novidades tecnológicas e atuantes em seu networking, tendem a influenciar a decisão de compra de uma nova marca ou de um
novo modelo, principalmente fazendo uso de ferramentas de comunicação, como
os próprios aparelhos celulares e as redes sociais da web. Para Franzão Neto, “os
prosumers estão em toda parte. São reconhecidos e valorizados pelos fabricantes, e
já possuem até programas especiais de relacionamento. Todos querem tê-los ao seu
lado”. E cumprem papel preponderante na disseminação de conteúdo publicitário
por meio das mídias digitais, a partir da prática do compartilhamento. Os anunciantes, atentos a estas novas práticas comunicacionais, encontram-se em processo
de aprendizagem sobre sua atuação no ambiente virtual e ao papel que podem
desempenhar nas redes sociais, onde precisam conquistar e manter não mais meros consumidores, mas followers, friends e fans. O hábito dos usuários das mídias
digitais – sobretudo nas redes sociais – de compartilharem conteúdos que julgam
interessantes contribui para a disseminação, ampliação e perpetuamento de campanhas publicitárias disponíveis na web, e suscetíveis, portanto, ao efeito viral. O
95
Tecnologia, Pra Quê?
compartilhamento funcionando como identificação ou projeção do consumo, em
uma espécie de autocelebração midiática, onde se mimetizam imagens das celebridades do entretenimento, nos modos de se vestir e de se posicionar. Identificar-se e
projetar-se de acordo com as imagens midiatizadas.
As mídias de tecnologia interativa devem reduzir o impacto das peças publicitárias tradicionais e as marcas estão buscando formas de trabalhar proativamente.
Os anunciantes têm investido na programação financiada, muitas vezes, pensando
como uma forma otimizada de patrocínio de programas, pois, assim, podem se valer
de um método que combina o sucesso editorial às suas necessidades comunicacionais. Ressalte-se que a branded content vai além do simples patrocínio, que acrescenta o logo de uma marca a um evento; envolve correlacionar a marca à ideia criativa, junto com os produtores. É um esforço de colaboração, a fim de propiciar aos
consumidores de entretenimento o que eles desejam e no formato mais apropriado.
Diante de um quadro de tendências e perspectivas para a publicidade, o futuro
da comunicação publicitária se descortina repleto de interações, interfaces, hibridizações. A branded content é apenas uma das possibilidades de junção de linguagens que impregnam cada vez mais as instâncias enunciativas, para dar o arremate
final ao discurso do enunciador. Acerca das interações nas mídias e de seu poder
de estabelecer novas interpretações aos públicos destinatários das mensagens, Ana
Claudia de Oliveira afirma:
[...] ainda restam aquelas configurações comunicacionais que estão em processamento, assim como os enunciados que elas produzem, cuja marca distintiva é o fato
de suas instâncias enunciativas continuarem a se desenrolar ao mesmo tempo em
que com elas interagimos no nosso fazer interpretativo. (OLIVEIRA: 2008, p.29)
Com a diversificação repertorial inerente ao processo criativo da publicidade,
a capacidade perceptiva dos destinatários estará à mercê da sensibilidade, do raciocínio e da perspicácia de cada indivíduo para reagir satisfatoriamente à mensagem publicitária embutida e dissimulada no entretenimento sorvido pelo público
consumidor e servido pela mídia. Por consequência, ao anunciante e à sua marca,
fazerem-se onipresentes nas múltiplas plataformas requer estratégias transmidiáticas, que vão além da simples transposição de conteúdo a novos suportes comunicacionais e tecnológicos; requer ser ubíquo.
Por um ideal de ubiquidade
A busca pela ubiquidade é um desafio para as estratégias corporativas na comunicação contemporânea. Ser onipresente, de modo a estabelecer pontos de contato
com os consumidores onde quer que estejam, passa também a ser tarefa obrigatória
96
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
na cartilha dos anunciantes, mesmo daqueles que são líderes de segmentos e dos
que detêm poder hegemônico em seus meios de atuação. Mas, como já ressaltado,
o momento é de revisão de paradigmas e de novos papéis a serem desempenhados.
Quase tudo que vem sendo dito sobre cenários em transformação bem se aplica ao ambiente virtual, das tecnologias digitais. Cabe aqui reiterar que, em vários
aspectos, a transição entre a Sociedade Industrial e a Sociedade do Conhecimento
ainda está em curso. Em alguns países, ainda por anos ela estará em movimento.
Basta se comparar o que é válido para a realidade de cada nação, mercado e indivíduo: alguns pensam no âmbito internacional, enquanto outros já vivenciam, há
muito tempo, o global; alguns assistem à televisão, quando outros já se tornaram
dependentes da internet; certas instituições públicas e corporações privadas se preocupam com a aparência, enquanto outras visam à transparência; uns são consumistas, enquanto outros praticam o consumo consciente; alguns buscam a beleza
ideal, mas há os que desejam a beleza real; há quem veja na arte uma obra, quando
outros veem na arte uma experiência; existem marcas que investem em marketing,
enquanto outras anseiam por branding; há anunciantes que optam pelo restrito e
direcionado, quando poderiam ser onipresentes.
Dificilmente consegue se evitar o emprego da expressão revolução digital, ao
se referir à internet, para tratar da evolução surpreendente que o meio teve. Pois,
em menos de duas décadas de seu surgimento comercial, transformou-se e cresceu em níveis exponenciais. Surgida como uma fonte de informação, no início
da década de 1990, possibilitava ao seu usuário, basicamente, a pesquisa e leitura
de conteúdo em sistemas de busca como Altavista e Yahoo!, até chegar, contemporaneamente, ao Google. Após os anos iniciais, passou à fase de distribuição de
conteúdo e comunicação, com a implantação de ferramentas de compra em grandes
lojas virtuais como Amazon e Submarino, de venda direta como Ebay e Mercado
Livre e de bate-papo e comunicação online como ICQ, MSN e Skype. Em época
mais recente, passou ao momento de investir nas redes de relacionamento como
MySpace, Orkut, Facebook, Twitter e Google+, e possibilitando, também, a publicação, por parte dos próprios usuários, de conteúdo em sites como YouTube,
Flickr e Picasa, e em plataformas como Blogger e WordPress, entre muitas outras
ferramentas e aplicativos.
Diante de uma imensidão de vieses e possibilidades, e com público crescente,
que ultrapassou a dois bilhões de pessoas conectadas à rede mundial de computadores – deste total, cerca de 80 milhões de usuários no Brasil – é algo factual
o pensamento de anunciantes, até mais do que de suas agências, em suplementar
as mídias tradicionais com outras mais novas como sites, e-mail, blogs, podcasts,
97
Tecnologia, Pra Quê?
webcasts, celulares, páginas de relacionamento e buzz marketing, como já vêm
pregando até mesmo teóricos de linha mais tradicionalista, como Philip Kotler.
Pode-se pensar a internet e, principalmente, suas variantes como mídia, em um
emaranhado de possibilidades comunicacionais, pois somam qualidades de praticamente todos os meios comunicativos anteriores, mimetizando-os e, sobretudo,
acrescentando a eles novos diferenciais, de instantaneidade e interatividade, como
destaca Sergio Zyman (2001, p.186): “a capacidade interativa da internet oferece
o potencial para um tipo semelhante de personalização do processo de venda bem
como oportunidades para rastrear preferências dos consumidores e apresentar propostas em tempo real.” Constitui-se, portanto, no mais híbrido dos meios.
Se fosse possível resumir em uma só palavra a condição da cultura digital, não
poderíamos fugir da palavra hibridez. Sob o signo da interconexão, da inter-relação
entre homens em escala planetária, da obsessão pela interatividade, da interconexão entre mídias, informações e imagens dos mais variados gêneros, a cultura da
atualidade vai se desenhando com um grande caleidoscópio. (ARANTES: 2005,
p. 52)
Some-se à argumentação de Priscila Arantes a visão de Cláudio Torres (2009),
de que há pelo menos sete estratégias de marketing digital que são essenciais para
uma presença competitiva da marca no ambiente virtual: marketing de conteúdo –
oferecer ao consumidor informação útil, priorizando as buscas e os interesses do
target pela marca e, se possível, entretendo-o; marketing nas mídias sociais – estabelecer redes de relacionamento com o consumidor, facilitando a interatividade;
e-mail marketing – explorar a ferramenta que ainda é uma das mais adequadas para
informar, promover e lançar produtos; marketing viral – possibilitar a disseminação espontânea e em níveis exponenciais de conteúdos que fogem do lugar-comum
e se tornam, por si só, fonte de interesse do público; publicidade online – focar o
investimento em nichos e tirar proveito das oportunidades de veiculação gratuita
em canais como YouTube, por exemplo; pesquisa online – pesquisar os hábitos de
consumo e as preferências do consumidor, por meio de ferramentas que identificam
o percurso de navegação e compras do público-alvo na web; e monitoramento – observar tendências de comportamento e consumo, de concorrentes e do target, e as
eventuais interações e manifestações do consumidor quanto à percepção da marca.
Uma forma de entender o funcionamento desse ambiente digital é através da
metáfora do caleidoscópio. Como proposto por Janet Murray (2003), conteúdos
que se apresentam simultaneamente, que não seguem uma narrativa estritamente
linear, que combinam esses mosaicos e ainda permitem controlar o que acessar,
98
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
como acessar, e dão meios de classificar e etiquetar esses fragmentos. Essa estrutura caleidoscópica amplia as possibilidades narrativas, por exemplo, permitindo
apresentar ações simultâneas de várias formas. Ainda segundo Murray, pode-se
compreender que a mídia digital dispõe de uma “capacidade enciclopédica” que
conduz a novas modalidades narrativas, a partir do estímulo que concede ao público para que siga a história além dos limites estanques de um único meio. Tal
reflexão subsidia, em parte, os argumentos propostos por Henry Jenkins sobre as
narrativas transmidiáticas:
Histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma
delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo; uma
abordagem mais integrada do desenvolvimento de uma franquia do que os modelos
baseados em textos originais e produtos acessórios. (JENKINS: 2009, p.384)
Enfim, entretenimento multiplataforma à disposição de um público ávido pelo
consumo dos produtos midiáticos.
Percepções finais
A recorrência de agências e anunciantes à internet se justifica pelos recursos
interativos desta mídia, que, desde sua gênese, é digital e apta às interações entre
emissores e receptores. Assim, ampliaram-se as possibilidades para o ato comunicativo, muito além do que suportariam os meios não interativos ou com baixa
propensão à interatividade. Além disso, observa-se que este meio possui maior
liberdade quanto a formatos de veiculação e flexibilidade para a exibição de conteúdos multimidiáticos – e, como se nota no comportamento convergente de outros
meios comunicativos, como rádio, televisão e meios impressos, a adoção do suporte digital também se aplica à publicidade, que igualmente recorre à convergência
midiática. A internet se põe à frente de meios tradicionais, como a tevê, que mesmo
investindo na comunicação por conteúdo, ressente-se, ainda, de maior capacidade
interativa. Frise-se observar, também, que a autenticidade da publicidade híbrida,
por vezes, estará mais evidenciada no meio que a suporta e veicula do que, propriamente, em seu discurso enunciativo. Na internet, a partir dos recursos interativos
e das práticas de compartilhamento de conteúdos, a mensagem está mais sujeita às
interferências e apropriações dos receptores, embora isso esteja propenso a gerar
comprometimento na percepção do público e na construção de sentido do enunciado. Assim, a tecnologia do suporte de veiculação deste novo produto midiático implica uma maior preservação da autenticidade da mensagem emitida. Isso reforça
também a ideia de que, para poder se constituir, o processo de hibridização da pu99
Tecnologia, Pra Quê?
blicidade tem, em seu nascimento e consolidação, forte dependência dos aparatos
e das funcionalidades tecnológicas de meios interativos.
Entre evolucionistas e contestadores, estados utópicos de liberdade informacional e distopias restritivas, o novo consumidor está em cena para optar pelo caminho que melhor lhe aprouver para discursar e dialogar, em diferentes níveis de
interação, com as marcas que consome ou que intenciona consumir; dispõe de possíveis adjacentes, todos eles hibridizando comunicação e tecnologia.
Referências
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Paulo: SENAC São Paulo, 2005.
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ECO, Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: ECO, Umberto. Viagem na Irrealidade Cotidiana. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1984.
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comunicação nas distopias literárias. Recife: Universitária da UFPE, 2011.
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30 jun.
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JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
JOHNSON, Steven. De onde vêm as boas ideias. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LONGO, Walter; TAVARES, Zé Luiz. O marketing na era do nexo: novos caminhos
num mundo de múltiplas opções. Rio de Janeiro: BestSeller, 2009.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
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Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.
OLIVEIRA, Ana Claudia de. Interação nas mídias. In: Comunicação e interações. Livro
da Compós 2008 / orgs. Alex Primo et al. Porto Alegre: Sulina, 2008.
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100
Reflexões sobre tecnologias em torno da publicidade
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ZYMAN, Sergio. A força da marca: descubra a diferença entre a tragédia e o triunfo na
era do e-Commerce. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
101
6
A reinvenção do ensino de
Jornalismo em um contexto de
transformações tecnológicas
Mágda Rodrigues da Cunha1
O tema da comunicação, relacionada à tecnologia, seus fazeres e apropriações, entre as muitas nuances aponta, num primeiro olhar, para duas questões
ou problemas: o consumo de informações e o ensino. No centro da questão, as
empresas de comunicação e as instituições de ensino, responsáveis historicamente
pelas duas áreas, talvez tenham mais perguntas do que respostas. E, em meio a
tantos questionamentos, é fundamental seguir fazendo como sempre foi feito, sem
a garantia de que as estratégias darão conta do cenário transformado em poucos
anos. E uma pergunta é determinante: como reinventar praticando da mesma forma como há um século? Neste texto, o objetivo é tentar localizar pretensiosamente
a questão central do problema em torno do qual tanto se discute. Há evidências de
que os debates não são novos, mas a descentralização e as mudanças no modelo
de distribuição de informações desacomodou as certezas até agora construídas. A
facilidade de acesso à tecnologia e aos fazeres, por intermédio dos dispositivos,
traz para o centro da ação aquele que, até então, ficava na periferia do processo:
o leitor. E, mais do que tecnologia para quê, pergunta-se, na essência, ensino para
quê? Informar para quê?
E este texto começa respondendo à provocação de seu resumo, para que não
pensemos que o ensino de Jornalismo e mesmo a prática jornalística perderão seus
papéis fundamentais na sociedade. Mas, certamente passarão por reinvenções adaptadas a um cenário também reinventado. E o que estamos realmente discutindo? As
reflexões aqui apresentadas, adequadas ou não, tomam como base uma perspectiva
histórica, tanto da mídia, quanto da experiência de observação do ensino de Comunicação Social e Jornalismo2, especificamente. O enfoque é para as transformações
dos cursos, associadas ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação. É ine Professora do Curso de Comunicação Social - Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Faculdade de
Comunicação Social, da PUCRS.
Aqui, usamos Comunicação Social e Jornalismo por entendermos que o ensino da área, de maneira geral, sofre influência dos diferentes
contextos tecnológicos, mesmo que o foco de análise neste texto seja a informação jornalística.
1
2
Tecnologia, Pra Quê?
vitável, no entanto, que se observe os desdobramentos dos debates sobre a história
das narrativas. Não entraremos no mérito de questões que envolvem diretrizes ou
matrizes curriculares. Entendemos que estas, no detalhe, acabam sendo consequência de um desenho do contexto tecnológico também.
Muitos são os críticos de um ensino de Comunicação e Jornalismo que acompanham as mudanças tecnológicas. Mas é uma crítica que surgiu mais forte com
a internet, especialmente porque o cenário construído nos últimos 20 anos determina que o jornalista conheça as práticas tecnológicas. As tantas possibilidades, à
disposição da audiência, mas também dos profissionais, fazem com que a narrativa sofra influência direta dos formatos pelos quais possa ser apresentada. Porém,
quando voltamos na história, observamos que os cursos evoluíram tomando como
base as transformações nas plataformas tecnológicas de captura, distribuição e
recepção.
Os cursos de Jornalismo, que datam de 60 anos no Brasil, começam por demandas do mercado com o objetivo de aprimorar as práticas profissionais e consequentemente qualificar a área. Com um mercado forte em jornalismo gráfico, naquele cenário, privilegiam as disciplinas de redação e diagramação e até mesmo o
cinema. Em sequência, as transformações foram indicando ampliação dos espaços
de rádio e televisão. E na década de 90 e início deste milênio, as disciplinas de comunicação digital e jornalismo online foram incluídas em maior ou menor escala.
E estas mudanças, inegavelmente, são apoiadas nas plataformas de comunicação.
Nada retirou o valor do texto, mas foi a consolidação do rádio e da televisão que
determinou a criação de ensino para as duas áreas.
Cunha (2005) aponta que o ensino deixou de lado as linguagens da comunicação e assumiu que os meios, os suportes tecnológicos, sejam eles quais forem,
determinam o formato da informação. Linguagens e suportes tecnológicos têm sido
confundidos nas avaliações sobre o atual cenário midiático, tornando confusa a
importância de cada um no processo. O que realmente se mantém e o que passa por
re-acomodação é que deve nortear as reflexões. Linguagens têm acompanhado a
humanidade, têm existência a partir dela e suportes ou plataformas se modificam. A
permanência está associada às linguagens, que sobrevivem às tecnologias criadas
pelo homem para se comunicar.
Após a apresentação do pensamento de alguns autores, em torno da questão na
narrativa e seu desenvolvimento histórico, pretendemos, nesta reflexão, identificar
tensões no atual contexto relacionadas ao ensino. Por intermédio do cruzamento
desses eixos, é possível identificar categorias relevantes para o ensino da área.
104
A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
A transformação e o
novo problema
Com o desenvolvimento da mídia impressa e posteriormente da mídia eletrônica, rádio e televisão, o modelo de distribuição centralizado foi mantido. Isto, na
verdade, não chegou a representar um problema grave para os modelos até então
construídos. Mesmo que o desenvolvimento do rádio tenha perturbado as certezas
da época, especialmente pelo que o som representava na primeira metade do século 20, e posteriormente a televisão, com a imagem, todos seguiam a informação
produzida pelas empresas de comunicação, dentro dos modelos determinados e o
ensino tratava de organizar formatos para atender diretamente a estas demandas.
Mesmo sendo universidades, o foco esteve apoiado na formação mercadológica,
mesmo porque a pesquisa acadêmica em Comunicação ainda não se constituía
como área relevante.
O desenvolvimento das tecnologias digitais, porém, é que determinam muitos
dos questionamentos que permanecem na pauta, especialmente porque mudam os
modelos. A transformação mais evidente está na ação narrativa que borra as fronteiras da definição até agora existente em torno dos papéis. Isto porque essa ação
determinava quem era autor e quem era editor ou leitor. Entende-se que a transformação no papel do sujeito narrador contribui para a modificação em torno de aspectos voltados ao tempo, à memória, à distribuição a partir de um centro emissor,
e à ideia de compartilhamento. São mudanças em cadeia, que paradoxais ou não,
podem ser observadas a partir da própria história, que evidenciam a autonomia
narrativa cada vez maior do sujeito e consequentemente uma busca pelo que narrar.
Nessa teia é necessário construir plataformas tecnológicas descentralizadas que
proporcionem o consumo e a distribuição ou o compartilhamento das narrativas. E
nessa estrutura complexa, o processo como um todo vai sendo tecido.
Benjamin (1990:227) escreve na primeira metade do século XX que, durante
séculos, um pequeno número de escritores encontrava-se diante de “vários milhares de leitores”. A situação se modifica, no final do século XIX, com a ampliação
da imprensa que coloca à disposição do público órgãos sempre novos. As especializações de conteúdos são múltiplas, o que leva um número sempre crescente de
leitores a passar-se, inicialmente de modo ocasional, para o lado dos escritores.
O processo inicia-se quando os jornais abrem suas colunas para um “correio dos
leitores”. Benjamin (1990:227) relata que não há um só europeu, seja qual for a
sua profissão, que não esteja seguro de encontrar, quando assim o desejar, “uma
tribuna para relatar sua experiência profissional, para expor uma denúncia, para
publicar uma reportagem ou um outro estudo do mesmo tipo”. Benjamin enxerga,
105
Tecnologia, Pra Quê?
já na época, que a diferença entre o autor e o público torna-se cada vez menos
fundamental. Considera que é apenas funcional, podendo variar de acordo com
as circunstâncias.
Os papéis e a reinvenção da narração e da leitura
“A todo momento, o leitor está prestes a se tornar escritor.” A frase de Benjamin (1990:227), que reflete a passagem do século XIX para o século XX, merece
destaque. Em meio à discussão sobre o valor da obra de arte e as possibilidades de
sua reprodução em massa, considerando o valor de sua aura, entre outras avaliações, o autor acaba por antecipar o que o mundo vive ao longo da primeira década
do século XXI. Se fosse possível falar em transformação importante, estaria relacionada, sem dúvida, às fronteiras movediças em que co-existem autores e leitores.
É talvez, na delimitação dos papéis, antes tão bem delineados, que esteja uma das
principais alterações evidenciadas no panorama informativo. Alterações estas não
determinadas pelo desenvolvimento das tecnologias de informação. As tecnologias
emergem neste contexto como uma ferramenta narrativa, necessária para que a
crescente especialização de conteúdos possa ocorrer em sua plenitude. Com um
mundo em desenvolvimento, com a industrialização em franca expansão, mais e
mais as muitas plataformas tornam-se relevantes para que o conteúdo que cresce,
na mesma proporção, possa ser distribuído. Benjamin (1990) relembra que, com
a especialização crescente do trabalho, cada indivíduo foi obrigado a se tornar,
voluntária ou involuntariamente, um especialista em sua matéria. Mesmo que trate de um conhecimento de pouca importância, esta qualificação lhe confere certa
autoridade.
McLuhan (1990), de sua parte, também traz o debate quando relembra o pensamento de Platão, no Fedro. O autor deseja reconsiderar o caminho trilhado pelos
novos meios de visão e som. McLuhan (1990) afirma que todo o ambiente urbano
tornou-se agressivamente pedagógico, todos e tudo têm uma mensagem a declarar.
Passamos da produção de mercadorias empacotadas, para o empacotamento da informação. Tais pensamentos são evidências do período em que a imagem e o som
começam a sua consolidação como linguagens narrativas da mídia. Diz McLuhan
que, em vista do alcance global e instantâneo dos novos meios de visão e som, até
mesmo o jornal é vagaroso. No Fedro, Platão afirma que o aparecimento recente
da escrita iria revolucionar a cultura para pior, que iria trazer a reminiscência no
lugar do pensamento e o aprendizado mecânico ao invés da dialética verdadeira,
da indagação viva da verdade através do discurso e da conversação.
106
A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
Dir-se-ia que a grande virtude da escrita é o poder de deter o veloz processo
do pensamento para a contemplação e a análise constantes. A escrita é a tradução do Audível para o visual. Em larga medida constitui a espacialização do
pensamento. No entanto, a escrita no papiro e no pergaminho promoveu uma
organização muito diferente de hábitos mentais dos daqueles que estão ligados
à impressão e aos livros. (MCLUHAN, 1990:147)
Benjamin (1975:66) avalia o que chama de decadência da narrativa. A narrativa no entendimento do autor está diretamente ligada à arte, à expressão da obra
de arte literária. Na arte, não há explicações, a exemplo do que ocorre com a informação em sua ampla difusão com o desenvolvimento das comunicações. Há
provocações dirigidas ao leitor, a quem não são oferecidas as relações psicológicas
da construção da ação. O impulso experimentado pelo romance é o primeiro indício de um processo, cujo fim será marcado pela decadência da narrativa, conforme
pensa o autor. O romance depende inteiramente do livro e sua divulgação só é
possível depois de inventada a imprensa. “Aquilo que é característico do gênero
épico é a transmissão oral e esta é fenômeno bem distinto daquilo que é típico do
romance.” O local de origem do romance, aponta Benjamin (1975), é o individuo
na sua solidão, que já não sabe discutir, de forma exemplar, os seus assuntos mais
prementes.
Ao pensar a modificação de formas épicas, o autor afirma que é preciso imaginar ritmos parecidos com aqueles que, com o correr dos milênios, provocaram as
transformações da face da terra. Dificilmente outras formas de comunicação humana levaram mais tempo para desenvolver-se e para perder-se. Demorou séculos até
que o romance, cujos inícios retrocedem até à Antiguidade, pudesse encontrar na
burguesia em formação os elementos necessários ao seu florescimento. Benjamin
vai adiante e aborda a nova forma de comunicação a qual denomina informação,
capaz de oferecer alguma ligação com a vida prática e recebida com mais agrado
do que o relato de situações e a descrição de lugares longínquos ou de tempos
afastados. A informação baseia-se na sua verificabilidade. Os relatos de séculos
anteriores, conforme pensa Benjamin (1975), recorriam ao milagre e a informação
não dispensa o caráter de verossimilhança. Por isso, não pode ser conciliada com o
espírito da narrativa. A difusão de informações, no pensamento do autor, é a principal responsável ou mesmo culpada pela raridade da qual se reveste a arte de narrar
naquele período da história.
Interessante perceber que o texto de Benjamin (1975) descreve a fase inicial
de uma superabundância relacionada à informação e que será, posteriormente, também evidenciada por outros autores.
107
Tecnologia, Pra Quê?
Cada manhã traz-nos informações a respeito das novidades do universo. Somos
carentes, porém, de estórias curiosas. E isto porque nenhum acontecimento nos
é revelado, sem que seja permeado por explicações. Em outras palavras: quase
nada mais do que acontece é abrangido pela narrativa, e quase tudo pela informação. (BENJAMIN, 1975:67)
Benjamin (1975:67) define o ato de narrar sob a perspectiva artística e afirma
que metade da habilidade de narrar reside na capacidade de relatar a estória sem
ilustrá-la com explicações. Indica que deve ficar à critério do leitor interpretar a
situação tal como a entende e “assim a narrativa alcança uma envergadura ampla
que falta à informação.”
McLuhan (1990:145) lembra que, até Gutenberg, a publicação poética significava a leitura ou o canto dos próprios poemas para uma pequena plateia. No século
XVII, quando a poesia começou a existir, fundamentalmente, na página impressa,
ocorreu “essa estranha mistura de visão e som, mais tarde conhecida como poesia metafísica, que tem tanto em comum com a poesia moderna”. A colonização
americana, por sua vez, começou quando a única cultura ao alcance da maioria
dos homens era a do livro impresso. Já a cultura europeia era e assim é, até hoje,
tanto uma questão de música, pintura, escultura e comunicação, como de literatura.
McLuhan (1990) ressalta que embora os norte-americanos sempre associem a cultura com os livros, é na America do Norte, paradoxalmente, que os novos meios da
visão e do som obtém maior impacto popular.
O pensamento dos dois autores, que tão bem expressam as inquietações de suas
épocas, evidenciam a definição de uma estética que desponta associada a novos
modelos de distribuição. Mudam nesse desenho as formas de narrar, que deixam de
ser artísticas para pequenas plateias e ganham as massas, mas passam também por
transformação na própria linguagem. O excesso de explicações característico da
primeira metade do século XX ou a soma do som e da imagem na segunda metade
do século mostra que a estética narrativa se populariza, especialmente na América
do Norte, onde o desenvolvimento começa já com o livro, o que torna natural uma
apropriação mais rápida quando da inclusão dos demais formatos.
Se McLuhan aborda a transformação da linguagem que, com a eletrônica, influencia as formas de narrar, Benjamin vai “reclamar” exatamente do excesso de
informação distribuída e mais ainda do excesso de explicações sobre cada um dos
acontecimentos, o que distancia o ato de narrar do que era até então entendido
como tal. A informação quando começa a ser distribuída jornalisticamente depende
das relações diretas que é capaz de estabelecer com a realidade, com os fatos corriqueiros do dia-a-dia, com o objetivo de abranger mais e mais leitores.
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A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
Nessa evolução histórica, que preferimos denominar atualização, o final da
primeira década do século XXI tem como marca a discussão sobre a leitura e as
diferentes plataformas disponíveis. O livro e o jornal atualizam-se, sem desaparecer, para suportes tecnológicos que misturam todas as linguagens. A discussão
sobre a reinvenção da leitura a partir dos leitores eletrônicos são aquecidas pelos
fortes investimentos da indústria que traz ao mercado aparatos como o Kindle, da
Amazon, ou o iPad, da Apple. A também chamada metamorfose tecnológica gerada
pelos e-readers indica novas oportunidades de negócios em função, certamente, da
apropriação de parte do público. Três anos após o lançamento, do Kindle, em 2008,
a Amazon anunciou estar vendendo mais livros eletrônicos do que em papel. Ler
textos de uma revista que, no lugar das fotografias, traz vídeos já é uma realidade.
Num processo de atualização, a indústria diz que deverá se adaptar para servir
os consumidores. Entre as vantagens estão a portabilidade de milhares de livros,
praticamente uma biblioteca ao alcance da mão, a reprodução de conteúdos multimídia, com visão e som, e a permanente conexão com a internet por meio de rede
sem fio. Representantes da indústria afirmam que o futuro das gráficas pode estar
ameaçado pela digitalização, mas dos livros, jornais e revistas, não. Tudo isso não
diz respeito somente a plataformas de recepção de conteúdo. O sujeito tem acesso
a uma significativa quantidade e qualidade de informações e pode, conforme a tecnologia escolhida, também narrar para este mesmo mundo que o abastece.
Redes sociais: onde tudo é narrado
A busca pelo interesse do leitor, que numa perspectiva cronológica passou pelo
livro, jornais, rádio e televisão, está até então centralizada em um eixo emissor.
Nesta reflexão tentamos iluminar as transformações mais evidentes e qual é aquela
que detona o processo de transformações. Uma visita ao pensamento de alguns
autores, como foi feito até aqui, é capaz de tornar claro que na modernidade a
enunciação ganha destaque, o indivíduo torna-se sujeito e passa a produzir escritura. Num salto histórico, deixamos de lado a cronologia de existência das mídias,
como plataformas tecnológicas associadas a linguagens narrativas, e analisamos os
muitos canais de informação e comunicação desenhados nas duas últimas décadas,
com o desenvolvimento das tecnologias digitais e, especialmente, com a descentralização da produção de informação.
O sujeito que passou a produzir escritura na modernidade conta com canais
de informação e conexão que, em rede, são capazes de apresentar muitas nuances
de um acontecimento, o que numa perspectiva do pensamento de Benjamin, leva
109
Tecnologia, Pra Quê?
a narrativa talvez ao seu grau maior de decadência. Não são resultados da reflexão
aqui desenvolvida, mas uma avaliação a partir do pensamento do autor.
O leitor tradicional, hoje cercado pelas muitas formas e possibilidades tecnológicas de narração dos fatos, está no centro do processo, mesmo que entre as operações esteja o interesse da indústria em oferecer-lhe mais opções e alimentar o
movimento da economia global, o que não é alvo da análise aqui construída. As
estratégias narrativas, antes restritas à arte ou à imprensa, passam diretamente pelo
filtro desse leitor que é também narrador. Os formatos e as plataformas, pelo menos
por hora, não deixam de existir, nem a narrativa artística defendida por Benjamin,
nem o romance, distribuído pelos livros. Os formatos, no entanto, vão dialogar com
outras plataformas até então impensadas para eles, a narração da informação vai assumir muitas linguagens e o leitor/narrador vai alimentar a grande rede e ser alimentado por ela para que volte a reabastecê-la. São transformações filtradas pelo olhar
recíproco do público, com o fato e com a narração novamente. Como pensa Morin
(1995), trata-se de buscar sempre a relação de inseparabilidade e de inter-retro-ação
entre todo fenômeno e seu contexto e de todo o contexto com o contexto planetário.
As redes sociais na internet são um exemplo de narração, inter-retro-ação e
transformação do papel ou mesmo do lugar do narrador. Movimentam milhões de
pessoas e um elevado percentual delas por intermédio de tecnologias móveis. Recuero (2009) afirma que na rede social estão atores e suas conexões, elementos que
a definem com tal. De acordo com a autora, entre as mudanças que a internet trouxe
à sociedade, a mais significativa é a possibilidade de expressão e sociabilização
através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador. Tais ferramentas proporcionam que atores possam construir-se, interagir e comunicar com outros
atores, deixando na rede de computadores rastros que permitem o reconhecimento
dos padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais.
Se antes o processo era linear, organizado cronologicamente, hoje tudo se mistura num grande cipoal, onde os papéis são indefinidos, os formatos múltiplos, os
tempos vários, a informação passa por várias instâncias de verificabilidade. Especialmente neste caso, não é mais possível publicar sem verificar, pois há muitos
narradores buscando, narrando e verificando, num processo que caminha, cada vez
mais, para a auto-organização. Tudo ocorre em situação de simultaneidade.
Akoun (2006:229) reflete sobre as temporalidades – mítica, histórica ou estética – que caracterizam a atual vivência comunitária da sociedade. Afirma que “tudo
existe somente nesse aparecer e desaparecer”. No processo, tudo o que parece aparecer e desaparecer não pode dizer que teve existência própria, imóvel, incapaz de
se perder no fluxo do tempo que passa.
110
A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
O contexto, reflete Akoun (2006), é o de uma sociedade “publicitária” que vive
em meio a uma superabundância enlouquecida e anoréxica de informações, em
meio a profusão de imagens e de palavras, em que o sentido e o tempo se apagam,
em que triunfa o esquecimento. Existe agora uma pletora de novidades, de simulacros, que não conduz a uma super-informação, mas a uma amnésia que jamais
para de recomeçar.
A superabundância, pensa Augé (2006:104), quando fala da informação midiatizada, é proporcional à capacidade de esquecimento, uma vez que um acontecimento, que chama atenção durante alguns dias, desaparece repentinamente das
telas, logo das memórias. Isto até o dia em que ressurge repentinamente. “Um certo
número de acontecimentos têm, assim, uma existência eclíptica, esquecidos, familiares e surpreendentes ao mesmo tempo.”
Nessa superabundância, os lugares são agora incessantemente narrados, porque há possibilidades tecnológicas para tal, não por um determinismo, mas pelo
fato de corpos, espaços, cidades já estarem há algum tempo em situação narrativa,
mas isolada, não compartilhada. O sentido do lugar passa a existir também pela
narração do outro e complementada a partir das novas vivências. E esta narração
móvel, proporcionada pelo comportamento nômade dos indivíduos, munidos de
tecnologias móveis, é, sem dúvida, uma das grandes abastecedoras desta larga e
infinita rede narrativa.
A distribuição passa a se chamar compartilhamento
Se na dimensão conhecida da mídia tradicional, o entendimento sempre foi
de distribuição a partir de um centro, o novo cenário se encaminha na direção do
compartilhamento, na medida em que muitos são autores. Chega-se, de certa forma, ao ponto descrito por Chartier (1998) para quem, neste mundo, um produtor
de texto pode ser imediatamente o editor, no sentido daquele que dá forma ao texto
e daquele que o difunde diante de um público de leitores. Na rede eletrônica esta
difusão é imediata. O autor cita ainda o sonho de Kant de que cada um fosse ao
mesmo tempo leitor e autor, que emitisse juízos sobre as instituições de seu tempo,
quaisquer que elas fossem e que pudesse, ao mesmo tempo, refletir sobre o juízo
emitido pelos outros. Este é talvez um dos grandes diferenciais deste contexto.
Chartier (1998) descreve muito bem esta transformação a partir do ambiente
dos livros e da organização das bibliotecas. Manovich (2001), por sua vez, aborda
as mudanças a partir das transformações recentes e afirma que a emergência da nova
mídia coincide com o segundo estágio da sociedade em relação à mídia, com muitos
111
Tecnologia, Pra Quê?
acessando e usando novamente os objetos existentes, tanto quanto criando novos. O
autor apresenta algumas categorias que descrevem as características desta mudança.
Destaca-se aqui a variabilidade. Os novos objetos midiáticos não são fixos e para
todos, mas algo que pode existir em diferentes, potencialmente, infinitas versões.
A mídia antiga envolvia um criador humano que combinava manualmente elementos visuais, textuais e de áudio, numa composição particular ou sequência.
Essa sequência era armazenada, em alguma plataforma, uma vez, e distribuída para
todos. De uma matriz, várias cópias poderiam ser reproduzidas, em perfeita correspondência com a lógica da sociedade industrial, eram todas idênticas. A nova
mídia, em contraste, se caracteriza pela variabilidade e Manovich (2001) cita outros termos frequentemente usados e que podem aqui ser apropriados como mídia
mutável ou líquida. Todos esses processos, refere o autor, passam pela automatização, pela computação.
O princípio da variabilidade, exemplifica Manovich (2001:41), evidencia
como, historicamente, as mudanças das tecnologias midiáticas estão relacionadas
com as mudanças sociais. Se a lógica da “velha mídia” corresponde a uma lógica de
uma sociedade industrial de massa, a nova mídia serve à lógica de uma sociedade
pós-industrial, com valores individuais desenhados. Na sociedade industrial todos
deveriam, supõe-se, gostar das mesmas coisas e compartilhar as mesmas crenças.
Na sociedade pós-industrial todos os cidadãos podem construir seu estilo de vida e
selecionar suas ideologias a partir de um grande número, não infinito, de escolhas.
Hierarquia e critérios editoriais jornalísticos convivem com narrativas brutas
dos acontecimentos, sem tratamento ou finalização profissional. Critérios editoriais, narrativas fragmentadas, mobilidade, tempo, memória e compatilhamento
são algumas categorias que emergem das investigações e observações em torno da
realidade contemporânea.
Dessa relação, que reúne o contexto planetário e a observação distraída dos
sujeitos, surge a narração praticada por muitos, evidenciando que a descentralização no papel da narração é a grande responsável pela transformação que chega
à captação e distribuição dos acontecimentos. Aquele que narra é o mesmo que
recebe e em consequência da crescente mobilidade humana e tecnológica, além
da ampliação dos nós da existência em rede, as ações narrativas ocorrem em larga
escala em primeira mão. Há muito mais narradores que estão acompanhando o fato
diretamente. O que antes se via à distância, por intermédio dos relatos de outros,
hoje se enxerga de perto e se pode contar. Os humanos nunca foram tão móveis e
nunca narraram com tamanha intensidade.
112
A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
O cenário complexo está em transformação permanente. Não é possível afirmar em estabilização futura, como ocorreu com as plataformas e linguagens das
mídias até então conhecidas. A narração dos acontecimentos vai sendo tecida na
perspectiva da inter-retro-alimentação. Na essência, o processo constitui uma nova
linguagem e define uma nova estética narrativa. O contexto que se desenha é organizado ou desorganizado pela multiplicidade de canais, sem uma narração centralizada ou mediada apenas pelos meios e pelo jornalismo tradicional.
A divulgação de qualquer acontecimento, seja ele jornalisticamente relevante ou não, assume dimensões planetárias, pela exacerbada reprodução, via meios
convencionais, de massa, mas também através dos canais individuais de difusão.
Isso influencia a narração original do acontecimento, que sendo um mesmo, toma
formas diversas, moldadas pelas possibilidades tecnológicas para contá-lo, mas
também pela lógica da rede que acaba por alimentá-lo.
Essa transformação permanente ou inconstância que traz certa angústia vem
sendo construída através da história. De uma sociedade industrial, contexto a partir
do qual refletem alguns autores aqui citados, em que o trabalho começa a se tornar
mais especializado e os indivíduos vão assumindo a condição de sujeitos enunciadores, chega-se a uma sociedade pós-industrial. Os valores são individuais, mas
em dimensão narrativa coletiva. Isso evidencia que a indagação viva da verdade
permanece não por intermédio de diálogos presenciais entre dois ou mais sujeitos,
mas entre muitos, em escala planetária.
E o ensino?
Muitos escrevem sobre suas profissões, pois são especialistas e têm canais para
tal. As narrativas originam-se na arte, chegam a um elevado grau de exacerbação
e dificultam o estabelecimento de novos critérios. A evolução do ensino de Comunicação e de Jornalismo tem sido moldada pelas técnicas do fazer, reproduzir, amparado sim numa sociedade industrial. Os cursos formam pensando num potencial
de empregabilidade. Um dos problemas, porém, é que as técnicas, por conta da
facilidade tecnológica determinada pelo mercado, também são acessíveis à audiência, que determinou mudanças na estética narrativa. O Youtube é um exemplo.
Há alguns anos, ninguém imaginaria levar à televisão uma imagem com péssimo
padrão de qualidade.
E o que pode ser novo, num momento em que tudo é agressivamente pedagógico? A construção da informação, baseada na realidade, torna todos os acontecimentos altamente explicados, até os mais corriqueiros. Numa lógica constante de
113
Tecnologia, Pra Quê?
verificabilidade, as escolhas são múltiplas e tudo passa pela computação. Logo,
ensinar as técnicas e formar nos padrões do mercado perde o sentido. (?) Sim, isto
pode ser uma pergunta ou uma afirmação.
Neste momento, é fundamental localizar o que vai dar valor de permanência
ao ensino de Comunicação e Jornalismo. Ficam para o passado discussões como o
Jornalismo será sempre importante! Com certeza será. Ficam para trás os repetitivos debates sobre quem vai ver um telejornal na tela de um telefone celular. Muita
gente. Mas como formar profissionais para garantir estes espaços? Como formar
profissionais para funções e atividades que sequer existem? Reproduzindo os formatos até então desenhados? Inventando relações do Jornalismo com outras áreas
do conhecimento pelas quais a profissão nunca esteve e nem estará relacionada?
Não parece mais o caminho.
Numa dimensão positiva, todos estes questionamentos ocorrem no momento
em que a área da Comunicação é forte como ciência, com significativa produção
acadêmica. O profissional deste contexto deve sim dominar as técnicas, mas deve
estar preparado para interpretar o mundo no seu mais alto grau de complexidade
para narrá-lo e oferecer, não mais a uma audiência definida, mas a um contexto,
múltiplas combinações e recombinações de um acontecimento. O jornalista investiga o fato e sabe exatamente os limites desta narrativa dentro de princípios eticamente corretos, mesmo que a distribuição seja desordenada. O profissional a ser
formado agora precisa ser pedagogicamente preparado para observar a realidade e
estabelecer múltiplas combinações e conexões, o que a audiência, em certa medida
e de maneira menos organizada, já está fazendo. Ele deve aprender a fazer muito
melhor o que o leitor, em muitos casos, já está fazendo. Há outras habilidade e
competências determinadas na formação, que não são apenas editar ou apresentar.
É do profissional o lugar da provocação, de promover modelos diferentes,
numa sociedade midiatizada, em que ninguém mais teme a imagem ou o áudio. No
centro da questão, defendemos há algum tempo que, num cenário de transformação tecnológica, para o ensino o que permanece são as linguagens midiáticas hoje
recombinadas. Os princípios do Jornalismo permanecem, a apuração exaustiva, a
entrevista, o que passa sim por verificabilidade, uma imagem produzida e compartilhada a partir de um olhar que conhece e sabe medir o impacto de sua reprodução
no contexto. O profissional que se desenha deve ter um largo repertório cultural,
mas deve compreender o que significam as múltiplas possibilidades narrativas, em
formatos e plataformas. Distribuir apenas as notícias não faz mais sentido nem
para as empresas de comunicação, muito menos para o ensino.
114
A reinvenção do ensino de Jornalismo em um contexto de transformações tecnológicas
Nesta linha de pensamento, as Universidades têm papel fundamental, por intermédio da pesquisa científica que está consolidada na área. Não há mais como
oferecer cursos de formação superior em Comunicação e Jornalismo que não estejam apoiados em uma pesquisa forte. É desta relação com a investigação que surgirão as novas soluções para o ensino e para o mercado. É a pesquisa que hoje pode
oferecer as principais provocações ao olhar e fazer pensar diferente do que vem
sendo reproduzido à exaustão. Destes ambientes acadêmicos, a partir de leituras
densas, reflexão e domínio das técnicas sairão profissionais capazes de ver o novo,
observar o mundo e o objeto em transformação veloz. Trabalhando por analogia,
as decisões hoje são ao vivo e não mais gravadas. Mas para ocupar este espaço,
não é apenas a velocidade de informar antes de outros que está em jogo, mas como
decidir melhor, dentro do tempo que o acontecimento precisa para ser investigado
e narrado. Ser o primeiro a noticiar não é o mais importante, mas sim ser o melhor
a informar. Linguagens, técnica e tecnologia, repertório, reflexão e produção científica são palavras-chave neste processo.
Referências
Akoun, A. Sobre o tempo. In Casalegno F. Memória cotidiana. Comunidades e comunicação na era das redes. Porto Alegre: Sulina, 2006.
Augé, M. Sobremodernidade: do mundo tecnológico de hoje ao desafio essencial
do amanhã. In Moraes, D. Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
Benjamin, W. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In Costa
Lima, L. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1990.
___________. O narrador. In Os pensadores. Textos escolhidos. São Paulo: Abril S.A.,
1975.
Chartier, R. A aventura do livro, do leitor ao navegador. São Paulo: Fundação Editora
da Unesp, 1998.
Cunha, M.R. Uma reflexão sobre o valor da oralidade no ensino de radiojornalismo. Pauta Geral. Bahia, v. 3, 2005.
Manovich, L. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2001.
McLuhan, M. Visão, som e fúria. In Costa Lima, L. Teoria da cultura de massa. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 1990.
Morin, E.; Kern, A. B. Terra-pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.
Recuero, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura) http://www.redessociais.net (acessado em 28 de outubro de 2010).
115
7
O impacto das novas tecnologias
de informação e comunicação:
por uma ressignificação da
relação professor/estudante
Fábio Hansen1
O debate sobre o papel e a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (as TICs) no processo de ensino e aprendizagem tem sido uma constante.
Entretanto, a discussão, que até pouco tempo tratava do uso ou não de recursos
tecnológicos na aprendizagem, parece-nos superada. O e-mail, o diário eletrônico,
as lousas digitais e os sistemas de gestão da aprendizagem, como Moodle e Blackboard, há bastante tempo incorporados na atividade docente, atestam, mesmo que
de modo singelo e em tarefas administrativas, a presença irreversível da tecnologia
na educação. Ou seja, de um jeito ou de outro, as tecnologias aos poucos vão sendo
incorporadas pela escola.
À medida que o aparato tecnológico se desenvolve vertiginosamente, o processo de comunicação, restrito anteriormente às salas de aula, migrou também
para a internet, para as redes sociais, para os dispositivos móveis (tablets, iPads,
smartphones, celulares). Os jogos virtuais, as plataformas colaborativas, enfim, a
revolução tecnológica fada à aposentadoria recursos nem tão remotos, como televisão, vídeo, computador, datashow. Diante da ascendência e desenvolvimento
das tecnologias de comunicação e informação, cabe perguntar: como professores e
estudantes de publicidade e propaganda acompanham um mundo em permanente
mutação? De que modo as novas tecnologias impactam no fazer diário de professor
e aluno na sala de aula presencial?
Considerando a penetração da tecnologia no ensino, conduziremos a reflexão
não para um aspecto técnico. Exploraremos as novas formas comunicativas aportadas em uma perspectiva menos tecnicista e mais sócio-histórica (MARCUSCHI,
2004). Diante disso, examinaremos como as novas tecnologias repercutem na ins Professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM Sul). Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, Graduado em Publicidade e Propaganda pela
Universidade de Passo Fundo
1
Tecnologia, Pra Quê?
tância dos sujeitos: professor e estudante. Tencionamos demonstrar a alteração pela
qual deve passar o relacionamento entre docentes e discentes, em particular nos
cursos de publicidade e propaganda.
Cercados por uma alta carga de informação, os estudantes têm sua atenção
requisitada por todo tipo de plataforma. Pertencentes à geração Z, os chamados nativos digitais, nascidos em 1995, estão ingressando nas universidades (DAHMER;
FLEURY, 2012). Trata-se de uma geração que sempre conviveu com computadores, celulares, videogames, internet. Com a mesma facilidade que complementam o
cotidiano real com o mundo virtual, distraem-se em sala de aula. É um novo perfil
discente. Traz consigo saberes acumulados fora do ambiente educacional. Está online o tempo todo e possui acesso a todo tipo de tecnologia, muito antes de chegar
aos bancos universitários.
Os professores, por sua vez, em sua maioria não possuem formação didáticopedagógica para lidar com as novas tecnologias. Videoconferências e consulta a
bibliotecas são facilidades tidas como acessórias para viabilizar pesquisas, preparar aulas e apresentações. Embora convertidos ao mundo digital – não são poucos
aqueles que usam o Facebook ou o Twitter para apoiar seu processo de ensino -,
empregam, inadvertidamente, as plataformas para reproduzir o material do ensino
tradicional. Sem desenvolver formas de interação, deixam de aproveitar a potencialidade de cada meio, mantendo e reforçando as práticas de ensino obsoletas.
Ainda que domine as ferramentas tecnológicas, é um docente carente de boa prática pedagógica.
Em síntese, professor e estudante, partícipes do processo de ensino e aprendizagem, compartilham o despreparo para encarar a nova realidade acadêmica e,
consequentemente, não se identificam plenamente com o discurso pedagógico vigente. A tomada de posição docente e discente é resultado das contradições, descontinuidades e lacunas presentes no modelo de ensino que não acompanha a veloz
transformação do mundo moderno. Logicamente, por ocupar o lugar de professor
e o lugar de aluno, representações socialmente incorporadas, ficam sujeitos às limitações do paradigma educacional que vigora, bem como suas estruturas teóricas,
crenças, práticas, processos, ferramentas e valores, além dos desafios inerentes à
tentativa de alterá-los.
A concepção de escola não mais consegue dar conta dos complexos anseios
dos novos alunos, e também dos professores. Vale dizer, tendo em vista as variáveis
pedagógicas e sociais que marcam o processo educativo, que a simples tomada de
consciência não garante a superação dos problemas identificados nas práticas pe118
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
dagógicas e é insuficiente para uma efetiva alteração nas práticas de professores e
estudantes. Frente à resistência das instituições de ensino, que acabam absorvendo
as inovações e encaixando-as na prática tradicional, deflagra-se a necessidade de
repaginar a sala de aula, justamente a partir dos novos papéis de professor e aluno,
sob o amparo das novas tecnologias. Esclareça-se: não estamos entre os “entusiasmados” nem entre os “resistentes” (DEMO, 2011b) ante o uso das TICs na
educação. Situamo-nos, sim, entre os preocupados com o mau aproveitamento de
tecnologias nos espaços educativos, muito em virtude da ausência de um caminho
de superação pedagógica (BARROS, 2011). A despeito do crescimento dos dispositivos tecnológicos na ação educativa, não percebemos avanços significativos no
ensino de publicidade e propaganda.
De acordo com Sartori (2010), em consonância com nosso pensamento, não
podemos perder de vista as possibilidades facultadas pelas TICs. Mas devemos estar atentos aos mecanismos didático-pedagógicos e aos propósitos formadores. Em
outros termos, não basta reconhecer o potencial técnico das ferramentas tecnológicas sem refletir sobre a sua aplicação no campo do ensino. Dada a complexidade e
amplitude do fenômeno tecnológico, exige-se um olhar apurado quanto à absorção
das novas tecnologias para fins pedagógicos. Portanto, a partir do panorama apresentado, o debate toma a sua direção. Para lidar com as tecnologias da informação
e da comunicação no ambiente escolar torna-se indispensável discutir a formação
crítica do sujeito.
Em tempos de reconfigurações tecnológicas, quais as novas competências a
serem desenvolvidas em professores e estudantes para viabilizar avanços no ensino
e aprendizado? Reconstituir os papéis e as funções desempenhadas por docentes
e discentes no contexto da revolução digital é o núcleo da reflexão proposta, pois
o novo perfil estudantil reflete no posicionamento do educador. Neste capítulo alimentaremos uma reflexão cuidadosa e crítica sobre o impacto das novas tecnologias no papel de professor e de estudante. A linha de raciocínio que guiará a argumentação se sustenta na reconfiguração do relacionamento entre professor e aluno.
A ressignificação dos seus papéis cria chances reais de as informações provenientes
da facilidade de acesso proporcionada pelas TICs reverterem em aprendizado.
Informação e conhecimento no mundo tecnológico
Computação gráfica, criação digital, comunicação digital e comunicação interativa. Estas são algumas disciplinas que figuram na grade curricular dos cursos
de graduação em Publicidade e Propaganda. Softwares gráficos, câmeras fotográ119
Tecnologia, Pra Quê?
ficas e de vídeo. Eis alguns recursos tecnológicos utilizados no mesmo curso. Por
extensão, o pressuposto é: por ser um curso de comunicação social, a tecnologia
automaticamente está presente nas práticas pedagógicas. Errado.
Os desdobramentos das Tecnologias de Informação e Comunicação (as TICs)
ainda não foram absorvidos em sua plenitude na educação, em geral, tampouco no
ensino de propaganda, em particular. Além disso, o impacto das novas tecnologias
sobre o ensino de propaganda é evidente e até mesmo problemático. Paulino (2011)
apurou que os profissionais de comunicação estão chegando ao mercado muito
superficiais. São publicitários recém-saídos da graduação, com acesso a todas as
tecnologias, mas sem profundidade. É um redator que pouco sabe escrever. Cria
títulos, sacadas. Mas se atrapalha ao redigir um texto mais longo. Ou um diretor de
arte que não faz um layout.
Em outras palavras, o acesso as mais diversas tecnologias, que deveria, em
tese, abrir um mundo de novas oportunidades, causa uma busca excessiva pela
forma em detrimento do conteúdo. Como se não bastasse, a criação aparenta estar
sendo terceirizada. Não raro, estudantes procuram as ideias criativas na internet,
como se lá elas estivessem prontas. “Porque ‘tudo’ está na internet, não deveria
decorrer que tudo lá se encontra já pronto” (DEMO, 2011b).
Formar publicitários em uma era digital não significa apenas acrescentar mais
informações. A dificuldade reside no fato de que nem sempre a informação se
transforma em conhecimento. O acesso à informação não substitui a competência
prévia para saber que uso fazer dela (WOLTON, 2003) e não exclui a capacidade
de o usuário “ter apuro seletivo e de hierarquização de conteúdos diante da superficialidade reinante” (COSTA, 2010, p. 90).
Para Paulino (2011), o mundo todo ficou mais superficial. Não responsabilizaríamos isoladamente as TICs, mas, certamente, elas contribuem para uma formação voltada a aspectos instrumentais e a apreensão de habilidades funcionais.
O ambiente de aceleração e de atualização constante faz com que, “no contexto da
digitalização e da internet incorporada rapidamente pelas corporações de mídia, a
informação se apresente meramente como dado imediato”, enuncia Costa (2010,
p. 90).
Baccega (2004, p. 128) esclarece a diferença entre informação e conhecimento. O conhecimento implica crítica. A autora observa
que essa equivalência do conhecimento à informação tem resultado em uma
diminuição da criticidade. O conhecimento é um processo que prevê a condição
de reelaborar o que vem como um “dado”, possibilitando que não sejamos meros reprodutores; inclui a capacidade de elaborações novas.
120
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
Na medida em que não se ultrapassa a superfície, a apreensão da informação
coletada fica a perigo. Conforme alerta Baccega (2004), as informações não são
suficientes e não podem ser tomadas como conhecimento, construindo o mundo
(único) que conhecemos. Para conseguir compreender e pensar criticamente a
realidade, é indispensável capacidade de selecionar informação, inter-relacionar
conhecimentos, reelaborar sentidos. Para tal finalidade, Baccega (2004) destaca a
necessidade da ressignificação da escola, enquanto espaço do saber e, por extensão,
da transformação da informação fragmentada em conhecimento.
Acesso à informação e ao ambiente de redes sociais, que as novas gerações
experimentam, são condições ambivalentes em termos de apuro de linguagem,
quando as condições comunicativas são potencializadas, mas também ficam
submetidas a formatos minimalistas, fragmentados, e que nem sempre aliam
informação, conhecimento e apuro ético e estético (COSTA, 2010, p. 95)
A conjugação educação/novas tecnologias é essencial ao processo formativo.
Entretanto, tal encontro não pode significar submissão e subordinação, sob pena de
confundir acesso à informação com produção de conhecimento. A questão que se
impõe é como viabilizar a incorporação crítica, garantindo a interpretação contra a
linearidade da informação e, por efeito, uma não mensagem esvaziada de sentido
formativo.
Ao afirmar que o mundo tecnológico, que impregna a vida de professores e
estudantes, deve ser colocado em “perspectiva na prática pedagógica voltada à formação de cidadãos críticos”, Sartori (2010, p. 44) indica um caminho: “os processos de ensino e de aprendizagem precisam abandonar a concepção linear e entender
o conhecimento como processo social e em permanente construção”.
A relação professor, estudante e tecnologia
O estudante de Comunicação Social, sobretudo de publicidade e propaganda,
corresponde a um segmento da população ambientada às tecnologias digitais. Vive
cercado por informação. Livros, periódicos, portais de notícias, redes sociais, hipertextos, aplicativos para smartphones, virais, games, entre tantos outros meios
abastecem-no com informações a todo instante. Hoje, muito mais que antes, ele
já chega à universidade com uma grande carga de informações, acumuladas em
casa, no trabalho, em cursos extracurriculares. A maciça presença dos dispositivos
tecnológicos na vida estudantil propicia uma intensiva rede comunicacional, com
ambientes de participação e interação, e a exigência frontal da nova geração que já
não concebe aprendizagem fora de tal contexto.
121
Tecnologia, Pra Quê?
Há 10 anos, smartphones e tablets eram peças de ficção. Assim como novos
formatos surgem diariamente, outros desaparecem e são substituídos por aquilo
que nesse minuto está em pesquisa e desenvolvimento e é promessa para amanhã
ou para os próximos anos. Hoje, o avanço tecnológico se reflete em publicidade
interativa, redes sociais, advergames, storytelling, holograma, mensagens via Bluetooth, TV digital, aplicativos, cabo, satélite. Amanhã, é uma incógnita. Então, diante da velocidade das mudanças nas formas e os formatos da comunicação social,
como formar estudantes em design gráfico, computação gráfica, vídeo, fotografia,
webdesign, programação e arte para games, multimídia e roteiros para mídias digitais?
No nosso entendimento, novos paradigmas e novos olhares são necessários,
livres de qualquer sujeição tecnológica. O debate que se impõe deveria se fixar na
formação de um sujeito crítico, preparado para enfrentar as mudanças e intervir
diante dos atuais e também dos novos formatos que ainda virão. Talvez seja o caso
de inquirir como formar estudantes para uma apropriação crítica das tecnologias?
Quais são as competências a serem desenvolvidas? O impacto das TICs está se
fazendo sentir, mas a juventude precisa ser afetada por uma ação educativa voltada
à reconfiguração do papel do estudante, “na medida em que as novas ferramentas
tecnológicas oferecidas ganham mais significado do que os conteúdos das mensagens” (Ferrentini apud LIMA, 2011, p. 168). Na opinião de Ferrentini (apud
LIMA, 2011, p. 153), salvo honrosas exceções, os egressos oriundos da maioria
das faculdades de Comunicação são muitos fracos, “não apenas do ponto de vista
da capacitação técnica, mas essencialmente da condição cultural”.
Adentramos, assim, em uma abordagem de estudo mais complexa, já que na
visão de Zuin e Costa (apud COSTA, 2010), da qual partilhamos, inclusão digital
não pode significar exclusão formativa. Alinhar competências e tecnologias educacionais faz crescer, com urgência, o espaço para a autoaprendizagem, incitando
no estudante a capacidade do aprendizado autônomo em detrimento à prática ainda
comum da passividade. Embora o foco no aluno ainda esteja longe de ser realidade, é indispensável que ele assuma efetivamente um lugar central no discurso
pedagógico para aproveitar melhor aquilo que as novas tecnologias têm a oferecer.
Isso tudo está plenamente alinhado com o pensamento de Gracioso (2011a) de que
a relação de ensino e aprendizagem deve estar centrada no estudante, que deve
participar ativamente do processo e assumir a responsabilidade pelo seu desenvolvimento.
Demo (2011a) concorda em colocar o aluno no centro da proposta pedagógica, dando ao aprendiz espaço não só para buscar informação adequada por conta
122
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
própria, mas, sobretudo, para produzir conhecimento próprio. Sob orientação docente, os poderiam canalizar a mesma energia despendida nas redes sociais e nos
jogos eletrônicos para desenvolver competências intelectuais como: saber questionar, pesquisar, elaborar, debater com argumentos; ir além de aparências e do senso
comum; estabelecer pensamento crítico e alternativo; trabalhar colaborativamente;
aplicar, analisar, sintetizar e avaliar evidências (DEMO, 2011a).
Notamos convergência em relação à ideia de que o estudante deva ser reconhecido como o sujeito da aprendizagem. Todavia, para tanto precisa ser criado um
sistema educacional em que as pessoas busquem suas próprias respostas e reconstruam o próprio conhecimento (ROBINSON, 2010). Postular outra estruturação
pedagógica é estratégia indispensável para ter o estudante como sujeito do aprendizado, à medida que autoaprendizagem implica mudar radicalmente a maneira
de estudar. As dinâmicas em que alunos e professores interagem em sala de aula
podem ser aprimoradas com a utilização de apresentações digitais, laboratórios e
outros recursos tecnológicos, como as lousas digitais e tablets (DAHMER; FLEURY, 2012), porém nada será tão fundamental em toda mudança tecnológica envolvida na aprendizagem quanto o ingresso dos alunos na modalidade de autoestudo.
De acordo com Ronaldo Mota (2012), o centro do processo educacional continua sendo a sala de aula, só que é uma nova sala de aula, que estimula o estudante a
estudar antes. “Explorar o processo autoinstrutivo, precedendo o momento da sala
de aula, é crucial”, diz o ex-secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico
do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em outras palavras, a
metodologia educacional é fazer o aluno estudar antes e por si. Nesta proposta,
ao receber toda a leitura necessária para as aulas, os estudantes se comprometem
a ler os conteúdos. Posteriormente, em sala de aula, o professor apresenta seus
conhecimentos tendo como base o material estudado fora de sala para, em seguida,
incentivar os alunos a discutirem entre eles o conteúdo apresentado, encorajandoos a convencerem seus colegas sobre seus pontos de vista. O objetivo é fazer com
que as pessoas que compreenderam a matéria “ensinem” umas as outras. Sabemos
o quanto é difícil ter êxito nessa empreitada. O imediatismo dessa geração a torna
uma geração não leitora. O antídoto está em fazer que os estudantes queiram saber
mais, interagindo voluntariamente.
É evidente que o estudante só se comprometerá a estudar antes caso esteja
engajado e se sinta envolvido. Sem dúvida, a dinâmica do contato no presencial
com o contato no digital é estimulante para o aluno e pode ser mobilizada para que
ele se comprometa com o próprio aprendizado porque propicia conectar o que se
aprende com a realidade dele. Lopes (2011) afirma que os alunos atuais anseiam
123
Tecnologia, Pra Quê?
pelo aprendizado que desafie seu conhecimento através de softwares e também
pela web. Nesse sentido, a internet é uma tecnologia que facilita a motivação dos
alunos, pela novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de pesquisa que oferece.
Contudo, encantar o aluno não tem a ver só com tecnologia, mas com metodologia.
Fazê-lo perceber que pode ser mais protagonista do que meramente espectador,
proporcionando a sensação gratificante de estar conduzindo o seu próprio processo
é o primeiro passo para que estude com afinco e se dedique às tarefas propostas,
desenvolvendo uma disciplina de bons hábitos acadêmicos.
O auto estudo exige que os aprendizes desenvolvam tarefas diárias e apliquemse muito, não somente em sala de aula, mas especialmente em casa. Neste contexto,
inverte-se a situação: a informação, até então recebida pelo aluno em sala de aula,
passa a ser buscada em casa. Por extensão, o popular “tema de casa” (trabalhos e
exercícios), antes feito em casa, agora é feito em aula, para que no momento da
dúvida o professor esteja presente para orientar e esclarecer. Os estudantes precisam de seus professores presentes para responder perguntas e fornecer ajuda. Eles
não precisam da presença dos docentes para ouvir uma aula ou revisar o conteúdo.
Desse modo, como “tema de casa” fica estabelecido o levantamento das informações, as leituras prévias. Até pouco tempo, infelizmente em um padrão que ainda
vigora em sala de aula, até era justificável o professor solicitar que os trabalhos e
exercícios fossem feitos fora da sala de aula, já que o tempo em aula era destinado
para transmitir informações. Hoje, tal prática não faz mais sentido. Então, devemos
pensar em um modelo de educação no qual o aluno vai para casa e “assiste” a uma
aula quantas vezes quiser. E quando ele volta para a faculdade no outro dia, tem
o professor e seus colegas fazendo o dever de casa. Eis aqui, claramente, um impacto das novas tecnologias. O tempo em sala de aula deve privilegiar o debate e o
aprofundamento de temas estudados previamente, ao invés da mera transmissão de
conteúdo. A fim de tornar a sala de aula um espaço de discussão, o professor não
pode se prender a ficar falando e escrevendo na lousa, lendo slides de PowerPoint
ou repetir aqui que está no livro. Em outras palavras, as aulas expositivas precisam
ser mescladas a iniciativas nas quais o aluno seja mais ativo, pesquisador, protagonista do próprio aprendizado.
Levando em conta que “a rota da aprendizagem possui momentos árduos, penosos, exaustivos” (DEMO, 2011a, p. 25), cabe enfatizar que o desenvolvimento
das competências aqui apregoadas configura-se em um processo complexo, moroso e gradual. Por conseguinte, os efeitos positivos da tecnologia serão percebidos
quando e se os estudantes se sentirem autônomos para pesquisar e elaborar as informações coletadas, transformando-as em conhecimento. Do contrário, as dificul124
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
dades no aprendizado, assim como tem ocorrido com as aulas, apenas migrarão do
real para o virtual, sem progressos. Em suma, o avanço tecnológico não responde
pela emancipação do sujeito quando se torna um fim em si mesmo (COSTA, 2010).
Ambos estão imbricados. A tecnologia solicita um novo posicionamento/comportamento do sujeito que, por sua vez, só reunirá condições de usufruir de tudo que
ela tem a oferecer caso se atualize e desenvolva competências. Dito de outro modo,
as TICs tornam o processo de aprendizagem mais ágil. Mas cobram caro por isso
ao esperar um sujeito emancipado para explorá-las em plenitude.
Neste cenário de reavaliação do processo de ensino e aprendizagem mediante a
ressignificação do papel discente, deflagra-se a urgência de reconfigurar as funções
docentes. Não se trata de ensinar novas tecnologias aos alunos, muito menos de
ensinar a usar computadores ou a pesquisar, mas de problematizá-las como fenômenos sociais, históricos e coletivos (PRUDENCIO; VIEIRA, 2011) para ultrapassar a abordagem que privilegia o desempenho técnico das novas tecnologias.
De modo, “emerge a necessidade de um professor que encoraje o estudante no
caminho do autodesenvolvimento, da experimentação” (GRACIOSO, 2011b), que
apóie o estudante na descoberta do que poderá fazer com aquilo que pesquisou. O
aluno só dará sentido às informações coletadas com a mediação de um professor
capaz de lhe oferecer condições de alargamento da sensibilidade, sem a qual ele
não conseguirá abandonar o automatismo das decisões prontas, tornando-se um
mero agente reprodutor (BACCEGA 2002)
O professor, hoje, ao invés de ser um propositor, serve menos como um guia
e mais como capataz, trazendo para a sala de aula tudo pronto, mastigado e acabado. Não cabe mais transmitir informação, mas estimular iniciativas próprias de
desconstrução e reconstrução. Para um dos pesquisadores mais respeitados nos
Estados Unidos, o venezuelano Fernando Reimers (2011), professor de Educação
Internacional e diretor do Programa de Políticas Educacionais Internacionais da
Universidade de Harvard, o bombardeio de informações liberta os melhores professores para assumirem as funções que muitos deles sempre quiseram: a de envolver as mentes de seus alunos para trabalhar em parceria com eles, discutindo
ideias complexas e desafios e encontrando maneiras de resolvê-los. Na opinião de
Reimers (2011), faria pouco sentido, em um mundo no qual os estudantes podem
ter acesso instantâneo a informações sobre fatos e dados no telefone celular ou na
internet, os professores passarem a maior parte do tempo transmitindo isso a eles.
A missão do educador é atuar mais como mediador do conhecimento, auxiliando
os alunos a serem agentes ativos do próprio aprendizado e despertando-os para que
deixem o estado passivo de espectadores.
125
Tecnologia, Pra Quê?
No esforço de estabelecer o perfil docente demandado pela sociedade, Demo
(2011a, p. 38) diz: “o professor é da ordem da mediação” e para cumprir o papel de
mediador deve ser capaz de equilibrar sensibilidade e técnica (BACCEGA 2002).
Poderíamos acrescentar, de imediato, que o melhor aproveitamento do potencial
tecnológico passa pelo aproveitamento das experiências que o aluno traz. Cada um
chega com certo nível de aprendizado, e o professor precisa explorar isso, reconhecendo que o conhecimento não reside em apenas uma pessoa e que o ato de educar
não é um ato solitário. Esse é uma “verdade” a ser desconstruída e desnaturalizada
mediante a aceitação de que o estudante pode saber mais que o professor em certos
temas. Não é desmerecimento admitir que o estudante de hoje domina a linguagem
tecnológica melhor do que muitos professores. Pelo contrário. É a partir daí que
vem à tona a essência do professor e a concepção de tutor e facilitador. Mais que
dominar a linguagem, ele é o responsável pelas diversas conexões possíveis. Isto é,
tão importante quanto dominar um tema é ser capaz de alimentar um debate.
Aproveitar o potencial da tecnologia e aliá-lo ao potencial do aluno oportuniza
ao professor reelaborar suas práticas, andar por outros espaços e reverter em experiências positivas. Uma maneira concreta de fazer isso, valorizando o estudante, é
“subir a régua”, puxando-o para cima com a oferta de questões mais desafiadoras
em oposição ao nivelamento por baixo dos desafios escolares e a exigência cada
vez menor (ZUCKER apud DEMO, 2011b), fruto, talvez, da ideia simplificada de
que a tecnologia por si só muda tudo no sistema educativo. A nova forma de aprender, que também atinge o perfil dos professores, não facilita a vida do professor,
ao contrário do se possa imaginar. Faz parte do novo papel docente afastar-se “dos
estereótipos reprodutivos de docentes empenhados em produzir alunos isentos de
dúvidas” (DEMO, 2011a, p. 25) e daqueles que engessam suas aulas deixando de
discutir outros temas que surjam apenas porque desejam cumprir o roteiro previamente preparado. Dar uma aula diferente da planejada para conceder espaço em
sala de aula às perguntas e dúvidas dos alunos pode ser enriquecedor na medida
em que fomenta o caráter dialógico que envolve a construção dos conhecimentos.
Em sua nova função, é vital ao professor desenvolver a competência de ser um
estimulador da busca e moderador das discussões, com uma postura de quem cobra
e também apóia. Ao mesmo tempo em que o diálogo e troca de experiências reduzem a distância na relação professor-aluno, também exigem atenção mais voltada
do docente ao aluno, além de sensibilidade e intuição para captar as suas dificuldades de aprendizado, sem abrir mão da disciplina e do respeito mútuo a ser conquistado por meio da capacidade de criar empatia e envolver os alunos. Isso está ligado
126
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
à metodologia e didática, e a competência de planejar, avaliar permanentemente as
rotinas pedagógicas. Nessa trilha, avaliamos que o impacto das novas tecnologias
no ensino de publicidade e propaganda é menor como revolução tecnológica do
que como revolução dos modos sociais de interagir, produzindo novas formas de
organizar e administrar os relacionamentos entre professor e aluno em uma relação
pedagógica não de sujeito/objeto, mas de parceria ativa, convivência saudável e
enriquecedora entre os participantes do processo de ensino e aprendizagem.
Enxergamos na participação que a conectividade possibilita uma oportunidade
para repensar o papel do docente. Nitidamente, a tecnologia abre possibilidades e
uma delas, senão a principal, diz respeito à relevância do educador no processo de
ensino e aprendizagem. O professor é o grande agente do processo educacional.
Porém, para ser um interventor seguro precisa tornar-se, de fato, um educador que
conheça o universo do educando, uma vez que, muito provavelmente, a experiência
profissional, as linguagens e os conhecimentos adquiridos são muito distintos de
seus atuais alunos, crescidos em meio à comunicação digital. Diante desse quadro,
é fácil perceber não só a necessidade de se refletir sobre o papel desempenhado
pelo professor frente ao novo modelo comunicacional que está desenhado, mas,
sobretudo, a imposição de propor alterações no perfil do educador tendo em vista
as mudanças que a comunicação digital traz a tiracolo. Defendemos o papel do
professor não como detentor do conhecimento, mas como organizar de um conhecimento coletivo, desenvolvido em comunhão com seus alunos.
Sabemos que as novas tecnologias permitem encurtar distâncias e tempo, conectar estudantes com conteúdos, colegas e professores e, principalmente, favorecem o trabalho em conjunto entre docentes e alunos para a construção coletiva e
colaborativa de conhecimentos. A experiência colaborativa da internet tem mostrado que o potencial criativo do aluno pode aparecer se fornecida a ferramenta
correta. Uma discussão no Twitter ou Facebook, por exemplo, pode servir para
compartilhar informações sobre o conteúdo da aula e até como catalisadora de
uma ideia, mas as escolas podem usar redes específicas para gerar conhecimento
coletivo, transformar educadores e estudantes em produtores proativos de conteúdo e armazenar tudo em um imenso repositório virtual e coletivo. Logicamente,
é preciso criar práticas pedagógicas que considerem as novas formas de agir na
aprendizagem em rede.
Paradoxalmente, o uso das novas tecnologias em sala de aula tem conduzido
mais ao individualismo e menos à construção coletiva. Em oposição à concepção
de que a colaboração é material de crescimento e que parte significativa do apren127
Tecnologia, Pra Quê?
dizado acontece em grupos, temos observado a incapacidade dos estudantes em
trabalhar em grupo, a falta de solidariedade entre eles e a redução da participação/
intervenção em sala aula. Tal constatação é reveladora, pois os estudantes, que praticamente “vivem” nas redes sociais, apresentam dificuldade para se expressar fora
dela, e mesmo em um período de interação altamente participativa e com um fluxo
de manifestações multiplicadas, o aprendizado ainda é solitário.
O isolamento do indivíduo, embora conectado em redes sociais, reflete um
efeito nocivo das novas tecnologias. Para dar sentido àquilo que encontram na
rede, os estudantes deveriam conviver mais socialmente para estabelecer conexões,
pontes, relações, associações. Notamos que os estudantes passam a maior parte do
tempo em sala de aula, restritos ao ambiente online, e afastados do convívio social
(por vontade própria e com a complacência de professores e instituições de ensino).
Nesse sentido, levar os alunos literalmente para a rua (conversar offline com as pessoas, observá-las, ver vitrines, observar os carros, o comportamento, a arquitetura,
a paisagem urbana), oportunizando a experimentação de novos saberes, a busca
de referências externas e de novas fontes de inspiração é uma iniciativa válida do
professor, assumindo seu papel de incentivador da aprendizagem e do pensamento
crítico para desenvolver competências amplamente requisitadas nos futuros profissionais de comunicação social, como a criatividade e a convivência interpessoal.
A formação do sujeito às novas tecnologias
A distância entre o mundo digitalizado, onde vivemos e trabalhamos, e a educação é gritante. O estudante ainda vai à escola para assistir/escutar aula e submeter-se à reprodução de conteúdos, o que, na atual conjuntura tecnológica é um atraso. A questão não é tanto relacionada à tecnologia, mas à forma como o professor
envolve os estudantes (ROBINSON, 2010). Urge incluí-los no processo de construção de conhecimento, substituindo o mero repasse de informação. Todavia, para
transformar a informação - facilmente acumulada por intermédio das TICs - em
conhecimento é imprescindível um trabalho de formação do sujeito. A tecnologia,
sozinha, não fará com que o estudante saia com mais conhecimento e sabedoria,
pois, como bem defende Costa (2010, p. 101), “o uso dos suportes digitais não
subleva, em si, a capacidade narrativa e de expressão, sem que, paralelamente, haja
formação do sujeito”.
O processo de ensino e aprendizagem não deve ser alicerçado única e exclusivamente nas novas tecnologias. De nada adianta incorporá-las, apressada e improvisadamente, às práticas pedagógicas sem que haja uma transformação no processo
128
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
educativo, que passa necessariamente pela mudança do papel do professor e do
estudante. Essa é justamente a transformação mais difícil, considerando os lugares
socialmente incorporados, as práticas institucionalizadas e os comportamentos arraigados. Caso estivéssemos operando apenas máquinas, como uma visão míope
sobre as novas tecnologias erroneamente faria supor, a transformação seria sem
sofrimento.
A tecnologia, por si só, não constrói conhecimento. Ela é um aliado, porém não
está separada das condições de produção. Ou seja, depende da permanente humanização e, por atacado, de competências humanas que é incapaz de suprir. Quem a
maneja são os sujeitos. Logo, eles são o alvo da nossa preocupação, amparada na
observação de De Nardi e Balzan (2010, p. 95) quanto à construção do papel do
professor “como aquele a quem só cabe a execução”.
Não é somente a apropriação técnica que modificará o ensino. O eficiente aproveitamento das potencialidades tecnologias passa antes pela formação de um sujeito crítico. As tecnologias vão e vem. Passam e ficam. São substituídas. Sem antes
alterar o modo como nos relacionamos, entre sujeitos e com o mundo. Na prática,
todas as tecnologias comunicacionais geram papéis e funções novos, atuando decisivamente nas condições de formação. Mais importante do que entendê-las, é
compreender as suas implicações. O essencial, segundo Baccega (2010), é que a
discussão se dê sobre o avanço tecnológico como resultado do trabalho de todos os
seres humanos; sobre o lugar que ocupa na formação estudantil.
Normalmente, os professores do curso de publicidade e propaganda não possuem preparação prévia para o exercício docente. “Isso tende a ser um problema
quando não se foi preparado para ser professor, como é o caso específico dos profissionais que se tornam professores nos cursos de Comunicação Social, em suas
diferentes habilitações”. Desse modo, conta Ferreira (2010, p. 3), as intervenções
são (re)produções da vivência junto a antigos professores ou imitações feitas a
partir das experiências positivas. Isto escancara a falta de qualificação pedagógica
e didática dos professores diante das exigências acadêmicas e da transferência cada
vez maior de atribuições - o uso das novas tecnologias entre elas - para as quais
nem sempre estão preparados.
Ao se valer dos antigos professores como referência, o professor adota metodologias que durante anos foram utilizadas e atendiam às demandas da sociedade e
profissionais daquele momento. Também daí decorre a defasagem na absorção das
TICs de maneira efetiva. Outra causa, com a qual concordamos, é a falta de formação e capacitação de muitos profissionais da área da educação que desconhecem
129
Tecnologia, Pra Quê?
o modo de absorver as ferramentas tecnológicas de maneira eficaz no processo de
ensino, sugere Carina Alves (2012), diretora do Núcleo de Produção de Conteúdo
e Inovações Tecnológicas da Anhanguera Educacional.
Qual aproveitamento das TICs fará o docente carente de boa prática pedagógica? Não traz vantagem ter a tecnologia à disposição se os professores apóiam suas
práticas em exemplos remotos e/ou se não há formação adequada. Aliás, lançar
mãos de referências afastadas da realidade pode decorrer da falta de formação. No
nosso modo de ver, a prioridade em educação deveria estar no professor e na sua
prática pedagógica. Talvez, assim, daríamos vida inteligente aos novos recursos de
ensino.
É inviável vislumbrar a aplicação das novas tecnologias em sala de aula sem a
formação em práticas pedagógicas para ampliar e qualificar o repertório dos educadores na sala de aula. A formação continuada, as atualizações, o aperfeiçoamento
são fatores fundamentais à sobrevivência de um professor frente às novas plataformas a seu dispor para a experimentação no campo do ensino.
Já é passada a hora de indagar quais são as ações práticas adotadas pelas instituições de ensino para auxiliar os professores a enfrentar esse complexo desafio. Demo (2011b) não enxerga na escola ambiente de estudo, pesquisa, discussão.
Sequer há tempo para o professor se capacitar, pois cobra-se dele infinitas aulas
e dedicação pesada constante. O ideal seria os professores reunirem-se constantemente em suas instituições de ensino para compartilhar práticas e estratégias de
ensino inovadoras. As redes sociais, inclusive, poderiam potencializar esse convívio, para que professores se auxiliem mutuamente. “Parece que muitas vezes no
afã de ‘formar’, ‘qualificar’, cai-se no engano de fazer com que a exigência de uma
nova postura” não seja também assumida pelos gestores educacionais (DE NARDI; BALZAN, 2010, p. 94). Eles precisam se envolver na elaboração, execução e
avaliação de práticas pedagógicas. Sem iniciativas como essas, provavelmente o
educador pouco acrescentará ao crescimento do aluno no papel essencial de mediador do conhecimento.
Naturalmente, é prematuro supor que a conscientização do professor constitui
condição suficiente para que transformações aconteçam. Isso demanda tempo e
estudo. Uma das dificuldades reside no fato de que nos acostumamos a fazer as
coisas de certa forma. Depois de acostumados, a tendência é não conseguir ao menos perguntar se existem maneiras diferentes de fazer. O professor não substitui de
imediato todas as práticas que o fizeram professor. De Nardi e Balzan (2010, p. 95)
fazem alusão a um sujeito constituído “pelas/nas práticas que o dizem professor”.
130
O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação: por uma ressignificação da relação professor/estudante
O obstáculo em superar o modelo existente pode justificar a distância entre
ensino e aprendizagem. De um lado, estão os que ensinam. De outro, os que aprendem. Em geral, diz Demo (2011a), os professores tradicionais focam em si mesmos. Cuidam da aula, não da aprendizagem. Tal conduta, materializada em apostilas simplificadas, facilitações, assistencialismo, aula no formato instrucionista, tem
empregado a tecnologia para fazer mais do mesmo. Entregando conteúdo pronto, o
professor dá as mesmas aulas expositivas, maçantes e repetitivas de antes.
Em um processo educativo equilibrado, professores e estudante não podem estar em lados opostos. Juntos, devem ser os sujeitos da construção do conhecimento.
Por esta razão, o investimento em capacitação docente inclui projetar um professor
que observe com cuidado não se ele ensinou, mas se (e como) os estudantes aprenderam. Sob este aspecto, o professor se transforma em um articulador, a serviço da
aprendizagem discente. “Ensinar é promover a aprendizagem” (DEMO, 2011a, p.
27). É muito mais que dar aula. Não há mais espaço para entrar em sala de aula e
apenas dar aula, ignorando o aprendizado do aluno.
Considerando que o processo de ensino impacta fortemente na aprendizagem
dos estudantes, é tarefa docente, lembra Demo (2011c), garantir aprendizagem
adequada aos estudantes. Paradoxalmente, a inclinação do professor em ensinar
melhor não se reverte em um melhor aprendizado do estudante. No que toca à utilização das digitalidades em prol de uma aprendizagem efetiva, muito se deve ao
desconhecimento e falta de vontade política, por parte das instituições de ensino,
em buscar e aplicar estratégias inovadoras. Porém, o centro da nossa discussão
localiza-se na figura do professor. No Brasil, “professor é quem dá aula, qualquer
aula, reproduz informação em geral ultrapassada, vive de reproduzir conteúdos e
sem chance de estudar, pesquisar, elaborar. É preciso cuidar dele, reinventá-lo”
(DEMO, 2011a, p. 42).
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WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2003.
133
8
Jornal em áudio: adaptação de
acessibilidade na comunicação?
Daiana Stockey Carpes1
Ana Maria Strohschoen2
Introdução
O presente trabalho surgiu da necessidade de adaptar um jornal impresso para
um meio acessível a um acadêmico cego. Em agosto de 2011 o curso de Ciências
Contábeis da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) publicou a primeira
edição impressa do informativo Ábaco3, com notícias direcionadas aos seus alunos.
Porém, como naquele semestre havia ingressado um aluno cego, pensamos fazer
um jornal em braile. Entretanto, o aluno estava em fase de adaptação à cegueira,
e ainda não sabia usar este sistema de leitura com o tato. Foi então que pensamos
em fazer um jornal em áudio. O projeto pioneiro na instituição contou com o apoio
do Núcleo de Apoio Acadêmico e do Curso de Comunicação Social da instituição.
No período da elaboração do roteiro do jornal em áudio nos deparamos com diversas barreiras: como a falta de bibliografias referentes à área e a inexistência de
um jornal em áudio, para que pudéssemos nos espelhar. Então, as bases para a sua
construção foram os livros em áudio (gravação dos conteúdos de um livro lidos em
voz alta) e a audiodescrição na televisão.
Nas pesquisas realizadas para a construção do jornal em áudio questionamos
sobre como as 24,6 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total brasileira
apresentam algum tipo de incapacidade ou deficiência: dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se ou alguma deficiência física ou metal (dados do Censo 2000) são
informadas? Há inclusão social na comunicação? E qual o papel da comunicação
social no quesito acessibilidade?
Atualmente há muitas discussões e análises sobre a acessibilidade, seja no âmbito da educação, da arquitetura ou dos meios de locomoção. Porém, quando o
tema é acessibilidade na comunicação, há poucos estudos. Este trabalho articula
Acadêmica do 6º semestre do Curso de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, e-mail: [email protected].
Professora doutora do Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul, e-mail: [email protected].
Jornal semestral, voltado para os alunos do curso de Ciências Contábeis, da Unisc. O periódico conta com matérias relacionada aos
acadêmicos e notícias sobre o mercado de trabalho deste profissional.
1
2
3
Tecnologia, Pra Quê?
um novo pensamento acadêmico e profissional, voltado à interdisciplinaridade entre comunicação, educação e tecnologias. Este projeto é um estudo exploratório,
que foi utilizado para realizar uma análise preliminar sobre o jornal em áudio, e
num âmbito maior sobre a acessibilidade na comunicação.
Justificativa
Levando em consideração que é um tema novo, e que está em fase de discussão, ainda faltam referências bibliográficas e práticas sobre como se faz um
jornal em áudio. Como comunicadores entendemos que nosso dever é levar a
informação a todos, independente se nesse processo o receptor da mensagem
possua algum tipo de deficiência, e que para isso, precise criar novas ferramentas de comunicação. A partir daí, o jornal em áudio se encaixa como uma nova
forma de levar a informação aos cegos, narrando todos os elementos contidos
no meio impresso.
Com auxílio do funcionário cego, do Núcleo de Apoio Acadêmico da Unisc
(NAAC), Cristian Sehnem, e o técnico do Laboratório de Rádio da Unisc, Jordan
Junges, preparamos o material para que o ouvinte do jornal falado possa conversar
com o leitor do jornal impresso, tendo ciência da página e da faixa de cada texto
lido e das descrições das fotos publicadas no periódico impresso. Conforme citado
anteriormente, não encontramos bibliografias relacionadas ao jornal em áudio, e
num âmbito maior, sobre a acessibilidade na comunicação. Então, procuramos pesquisar os conceitos de acessibilidade, inclusão social e como a comunicação pode
contribuir para informar aqueles que possuem algum tipo de deficiência. Assim,
este artigo tem por objetivo levar as pessoas a refletirem e construírem um saber
sobre a acessibilidade na comunicação.
O nosso objetivo foi adaptar o texto do jornal impresso Ábaco para o jornal
em áudio para cegos. Para realizar esta transcrição, analisamos inicialmente alguns exemplos de audiodescrição na televisão e os livros em áudio, já que não
encontramos modelos de jornais em áudio. Na primeira narração, já identificamos
um pequeno transtorno: pois a reportagem para a rádio apresenta frase curtas, ao
contrário do texto em jornal impresso, o que resultou em uma falta de fôlego do
narrador ao final de cada frase. Mesmo assim, lemos todas as matérias impressas,
descrevemos as ilustrações, a charge e as fotos. Para realizar este trabalho, também
utilizamos algumas características do radiojornalismo, como a entonação e altura
da voz, a dicção e a interpretação dos textos.
136
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
Fundamentação teórica
A acessibilidade na comunicação e na web, inclusão social e digital, audiodescrição e livros em áudio são conceitos importantes para entender a elaboração de
um jornal em áudio?
O que é acessibilidade?
Nos últimos anos percebemos uma atenção maior em torno da questão da acessibilidade, são leis, decretos que giram em torno deste tema. Acessibilidade é o
termo usado para indicar a possibilidade de qualquer pessoa usufruir de todos os
benefícios da vida em sociedade, entre eles o uso da internet. É o acesso a produtos,
serviços e informações de forma irrestrita.
Quando pensamos no termo acessibilidade, logo pensamos nas obras e serviços de adequação do espaço urbano e dos edifícios. Porém, acessibilidade não
significa apenas permitir que as pessoas com deficiência possam se locomover
pelos espaços. Pensar em acessibilidade é garantir a inclusão de todos em qualquer ambiente, atividade ou uso de recurso. (SCHIRMER, 2008, p. 4).
O Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, Art. 8º, define acessibilidade como:
Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos
espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de
transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação,
por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.
O mesmo artigo descreve quais são as barreiras da acessibilidade: qualquer
entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a
circulação com segurança e a possibilidade e as pessoas se comunicarem ou terem
acesso à informação.
A acessibilidade é um direito garantido por lei em nosso país, onde além do
Decreto 5.296, existem outras leis que tratam do tema como a 10.046, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que necessitam de
acesso específicos, e a 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade entre a população. A
acessibilidade também é um dos oito Princípios Gerais da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), da qual o Brasil é um dos signatários.
Acessibilidade na comunicação
Um exemplo comum que ilustra uma situação onde há barreira na comunicação e na informação é quando chega à escola um aluno com paralisia cerebral que,
em função da alteração do seu tônus muscular, têm prejudicadas as suas funções
137
Tecnologia, Pra Quê?
fono-articulatórias e, consequentemente, a dificuldade para articular a fala. O prejuízo na comunicação traz muitas dificuldades para esse estudante, em que muitas
vezes determinam o seu futuro. Esse aluno tem dificuldades para se comunicar com
seus professores e colegas, dificuldades que o impedem de ter acesso ao material
pedagógico e escolar. Dificuldades para a avaliação da sua cognição e, frequentemente, esses alunos com deficiência física são percebidos, erroneamente, como
deficientes mentais. Nesse caso, fica claro que precisamos pensar em acessibilidade
comunicativa, ou seja, em como ele irá expressar seus desejos, questionamentos,
entendimentos e sentimentos. (SCHIRMER, 2008, p. 5).
Segundo a Escola de Gente4, a relação entre acessibilidade na comunicação e
democracia participativa é clara. Quando uma pessoa é impedida de exercer o direito de se comunicar, fica em desvantagem para tomar parte em processos decisórios
que lhe interessam direta ou indiretamente. Como resultado, fica comprometida a
liberdade de expressão e, consequentemente, o processo democrático, que se alimenta do direito à participação. Um exemplo interessante disso é o de uma pessoa
surda que se utiliza da Língua de sinais brasileira (Libras) e vai para um evento
público, como um comício, ou coletivo, como uma reunião de condomínio, sem
que os organizadores tenham providenciado intérprete de Libras, prejudicando e até
inviabilizando, assim, o acompanhamento das falas e a manifestação de sua opinião.
Tais instrumentos legais ampliaram significativamente o conceito de acessibilidade à comunicação, tanto trazendo às pessoas surdas a legenda, em close caption
(CC), e janela com língua de sinais, quanto trazendo às pessoas cegas a audiodescrição, em canal secundário de áudio (canal sap). Não se omitindo quanto às barreiras comunicacionais em outras instâncias, determinaram que esse acesso deve
se dar também em eventos educacionais/acadêmicos, em conferências, congressos,
seminários etc., onde quer que imagens sejam exibidas e pessoas com deficiência
visual delas necessitem conhecer, para o lazer, educação ou outra razão. (LIMA,
LIMA e GUEDES, 2008. p. 11).
Ora, o direito à saúde é direito de todas as pessoas, sejam elas sem deficiência ou com essa adjetivação. Não propiciar, portanto, igualdade de acesso à
informação para as pessoas com deficiência visual é discriminá-las por razão
de deficiência, uma vez que não é a cegueira que as impede de receber a informação, mas o obstáculo ocasionado pela falta da audiodescrição, a qual é,
em última instância, uma alternativa comunicacional para os eventos visuais
(LIMA, LIMA e GUEDES, 2008).
Escola de Gente vem se aliando a diversas organizações sociais, oferecendo sua abordagem sistêmica de inclusão e diversidade em prol
dos grupos populacionais para os quais, e com os quais, esses(as) parceiros(as) trabalham. Adicionalmente, tem encontrado explícito interesse em reverter lógicas geradoras de exclusão entre outros agentes de mudança, como os(as) parceiros(as) do governo, da cooperação
internacional e do empresariado. Referência: ENCONTRO DA MÍDIA LEGAL. Encontro da Mídia Legal. Rio de Janeiro: WVA, 2005.
4
138
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
Um comentário publicado pela Escola de Gente afirma que nos últimos anos,
é notório o aumento de espaço em jornais, sites, revistas, canais de televisão e de
rádio para noticiar fatos sobre deficiência, violência doméstica, abuso sexual, prostituição infantil, orientação homossexual, entre outros. Com isso, a visibilidade
do assunto aumenta, para tranquilidade dos profissionais da mídia e da sociedade,
é sentimento do “dever cumprido”. Entretanto, nem sempre a visibilidade é sinal
de combate à discriminação. E nem uma efetiva realização desta prática: fazer o
material impresso em algo acessível para todos. Neste contexto, fazer o jornal em
áudio é produzir uma ferramenta acessível, e acima de tudo é integrar aquele que
não possui capacidade de ter acesso ao mesmo material que o restante das pessoas,
logo combate a discriminação e contribui para a cidadania.
Acessibilidade na web
A acessibilidade na web normalmente aponta para um potencial de participação de milhões de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Contudo, projetos acessíveis podem beneficiar usuários sem infraestrutura de comunicação ou em
ambiente com características que não lhes são favoráveis. Cusin e Vidotti (2009),
afirmam que quando se fala em acessibilidade na web, veem à tona dois temas não
menos importantes: a inclusão informacional e a inclusão digital. A acessibilidade
neste meio é um fator propulsor das inclusões informacional e digital na medida
em que proporciona igualdade de acesso aos usuários, incluindo assim, os usuários
com necessidades especiais.
O jornal Ábaco só foi possível ser acessível, porque passamos do meio impresso para o áudio, e depois veiculamos no site da Universidade. De nada adiantaria
se apenas publicássemos na internet o PDF do jornal, algo que não seria acessível
aos cegos.
Uma exigência do Decreto 5.296 torna obrigatória a acessibilidade nos portais e sites eletrônicos de administração pública na rede mundial de computadores,
garantindo a pessoas com necessidades especiais o pleno acesso aos conteúdos
disponíveis.
O Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico (e-MAG) consiste em um
conjunto de recomendações a ser considerado para que o processo de acessibilidade dos sites e portais do governo brasileiro seja conduzido de forma padronizada
e de fácil implementação. O Portal Brasil foi construído seguindo os preceitos de
acessibilidade instituídos para os sites públicos.
Do ponto de vista do avanço e do impacto das tecnologias, a aplicação da acessibilidade digital visa uma melhora usabilidade:
139
Tecnologia, Pra Quê?
As possibilidades de tratamento e distribuição de informações digitais, pelo
impacto das tecnologias em informação e avanços no campo da informática
permitem a inclusão de diferentes tipos de usuários com ou sem necessidades
especiais, em conformidade com suas potencialidades. Desta forma, a aplicação da acessibilidade digital visa uma melhor usabilidade das interfaces, além
de atender às exigências legislativas, padrões e recomendações nacionais e
internacionais que envolvem as condições de acesso e de uso adequados em
ambientes informacionais. Isto se deve a evolução nas tecnologias de informação e comunicação, aos recursos audiovisuais e as tecnologias hipermídia que
aceleraram a divulgação de conteúdos e outras modalidades de tratamento da
informação (CUSIN & VIDOTTI, 2009, p. 17).
Siqueira (2007), explica que uma web service é uma aplicação componentizada, que possui uma interface de comunicação aberta e que utiliza a internet como
meio de comunicação e interação, facilitando sua integração com quaisquer outras
aplicações. A construção de processos com base em web services traz um novo e
completamente diferente panorama em todos os aspectos do uso da tecnologia da
informação.
Do ponto de vista prático, esta transformação provoca completa reconfiguração
na forma como as organizações vão operar e interagir – tudo o que se opera
(sistemas de informações, automações, etc.) pode tornar-se um serviço, disponibilizado e acessado na web, em novas plataformas tecnológicas que tratarão
um impacto ainda maior que o da internet em sua primeira geração, que está
encerrando. (SIQUEIRA, 2007, p. 221).
Com a internet encontramos uma forma de disponibilizar o jornal em áudio
acessível a todos, portadores ou não de algum tipo de deficiência. Todas as faixas
do projeto estão disponibilizadas no site do curso de Ciências Contábeis da Unisc:
http://www.unisc.br/portal/pt/cursos/graduacao/ciencias-contabeis/jornal-abaco.
html. A partir de então, começamos a nos questionar sobre o papel fundamental
que a internet possui para a acessibilidade na comunicação e a inclusão digital.
Inclusão digital
Silveira e Cassino (2003) relatam que a luta pela inclusão digital pode ser uma
luta pela globalização contra hegemônica se dela resultar a apropriação pelas comunidades e pelos grupos socialmente excluídos da tecnologia da informação.
Entretanto, pode ser apenas mais um modo de estender o localismo globalizado
de origem norte-americana, ou seja, pode acabar se resumindo a mais uma forma
de utilizar um esforço público de sociedades pobres para consumir produtos dos
países centrais ou ainda para reforçar o domínio oligopolista de grandes grupos
transnacionais.
140
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
Por isso, o aparente consenso sobre a necessidade de inclusão digital se desfaz
quando discutimos o seu modelo e a finalidade daqueles esforços. A inclusão
digital não pode ser apartada da inclusão autônoma dos grupos sociais pauperizados, ou seja, da defesa de processos que assegurem a construção de suas
identidades no ciberespaço, da ampliação do multiculturalismo e da diversidade a partir da criação de conteúdos próprios da internet, e, pelo ato de cada vez
mais assumir as novas tecnologias da informação e comunicação para ampliar
sua cidadania (SILVEIRA e CASSINO, 2003, p.29).
Conforme Silveira e Cassino (2003), outro ponto relevante quando se discute a
inclusão digital está na definição de seu foco principal. Em geral, podemos observar três focos distintos no discurso e nas propostas de inclusão. O primeiro trabalha
a inclusão digital voltada à ampliação da cidadania, buscando o discurso do direito
de interagir e do direito de se comunicar através das redes informacionais. O segundo focaliza o combate à exclusão digital como elemento voltado à inserção das
camadas pauperizadas no mercado de trabalho na era da informação. Assim, o foco
da inclusão tem o seu epicentro na profissionalização e na capacitação. O terceiro
está voltado mais à educação. Reivindica a importância da formação sociocultural
dos jovens na sua orientação diante do dilúvio informacional, no fomento de uma
inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na sociedade
informacional.
Segundo os autores Silveira e Cassino (2003), os três focos não são conflitantes, na maioria das vezes são interligados em uma mesma fala. No início, os projetos de inclusão digital referiam-se mais ao foco da profissionalização. Atualmente,
estão cada vez mais reclamando a ampliação da cidadania, e assim, começam a
surgir com mais força os discursos voltados ao fomento da inteligência. É cada vez
mais evidente a possibilidade de diferenciar as políticas de inclusão digital levando
em consideração modelos distintos de acessibilidade.
Entretanto, Siqueira (2007), conclui que são muitos os direcionamentos experimentais, fatores e impactos que o mundo digital tem produzido, neste ainda
pouco menos de quinze anos de efetiva adoção da conectividade trazida pela
internet. Daqui para o futuro, tudo dependerá do grau de prioridade que os próximos governos venham dar a cada setor, não apenas formulando políticas públicas adequadas, mas, principalmente, implementando projetos de longo prazo
que aprofundem os processos de inclusão digital, de modernização e atualização
de sua infraestrutura.
Pensando em um âmbito maior sobre a inclusão digital, o Governo Federal
criou, em 2011, a Secretaria de Inclusão Digital (SID) do Ministério das Comunicações, responsável pela formulação, execução e articulação de políticas públicas
141
Tecnologia, Pra Quê?
relativas à inclusão digital. Seus departamentos são responsáveis pelo planejamento, coordenação, supervisão, orientação, elaboração e execução de ações de inclusão digital, assim como ações relacionadas à garantia dos meios físicos e redes
digitais necessários à apropriação das tecnologias digitais da informação e comunicação pelas comunidades do país. A secretaria é constituída pelos departamentos
de Articulação e Formação e de Infraestrutura para Inclusão Digital, de acordo com
o Decreto nº 7.462, de 19 de abril de 2011.
Dentro deste conceito podemos analisar o jornal em áudio como um exercício
de cidadania, pois foi elaborado sem estar relacionado a nenhuma disciplina, e com
voluntários que se mobilizaram para produzir um material diferenciado para atingir
um pequeno grupo da sociedade.
Audiodescrição
Conforme Franco e Silva (2010) a audiodescrição (AD) consiste na transformação de imagens em palavras para que informações chave transmitidas visualmente
não passem despercebidas e possam também ser acessadas por pessoas cegas ou
com baixa visão. O recurso, cujo objetivo é tornar os mais variados tipos de materiais audiovisuais (peças de teatro, filmes, programas de TV, espetáculos de dança,
etc.) acessíveis a pessoas não videntes, conta com pouco mais de trinta anos de
existência. Uma realidade em países da Europa e nos Estados Unidos, a AD vem
paulatinamente ganhando maior visibilidade e projeção também em outros locais,
à medida que o direito da pessoa com deficiência visual à informação e ao lazer
é reconhecido e garantido. A prática de se descrever o mundo visual para pessoas
não videntes é imemorial. No entanto, enquanto atividade técnica e profissional,
a AD nasceu em meados da década de 70 nos Estados Unidos, a partir das ideias
desenvolvidas por Gregory Frazier em sua dissertação de mestrado. Apesar de ter
sua origem no contexto acadêmico, a AD logo adquiriu um caráter mais práticotécnico e utilitário. Não causa surpresa, portanto, o fato de que pesquisas sobre o
tema só tenham começado a ser relatadas na década de 90, quase vinte anos após
o seu surgimento.
A audiodescrição já percorreu um longo caminho desde seu nascimento, cruzando países e levando a perspectiva de oferecer maior acesso à informação, à
cultura e ao lazer daqueles que a necessitam:
Apesar dessa trajetória promissora, é importante frisar que a AD não se encontra no mesmo estágio de desenvolvimento em todas as partes do mundo. Em
países como o Brasil, por exemplo, o recurso ainda dá seus primeiros passos.
É vital, portanto, que pesquisas na área sejam estimuladas e que o recurso ga142
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
nhe maior visibilidade entre o público em geral, inclusive o vidente. Quanto
mais pesquisas, mais publicações e mais cursos formais na área, maior será a
consolidação do direito à acessibilidade audiovisual pelas pessoas com deficiência visual, direito esse materializado através da audiodescrição. (FRANCO
e SILVA, 2010, p. 30).
Segundo Lima et al. (2009) audiodescrição vem constituir-se numa ferramenta
de acesso laboral tanto quanto para o lazer e para a educação. Se às pessoas videntes está garantido o acesso às informações visuais, estas devem, igualmente, serem
disponibilizadas às pessoas com deficiência visual. De outra forma, essas pessoas
estarão novamente sendo discriminadas por razão de deficiência, já que nem mesmo o conceito de “adaptação razoável” pode servir de justificativa para a não oferta
da audiodescrição.
Após assistirmos alguns vídeos com audiodescrição, fizemos um exercício de
fechar os olhos e escutar o que aquele material descritivo nos dizia. Assim, nos
baseamos em como transpor o impresso para o áudio, sem perder elementos visuais
que estavam no papel.
Jornal em áudio: adaptação ou acessibilidade?
Para montar o jornal em áudio, contamos com o auxílio dos acadêmicos de
Jornalismo, Lucas Baumhardt, Daiana Stockey Carpes e Viviane Moura, do ator,
Raul Granja, e da bióloga, Vanessa Winck, para a leitura dos textos. De tal modo,
teríamos um narrador para cada assunto do jornal, com o intuito de não tornar o
“áudio” cansativo para o ouvinte. O jornal em áudio foi dividido em faixas. Tivemos a preocupação de organizar cada página do jornal impresso em uma faixa
e com uma trilha musical diferente e de acordo com o assunto que seria exposto.
No início de cada áudio, o locutor descreve a faixa do áudio e a página do jornal
impresso. Também utilizamos recursos com a alternância de locutores nos textos.
Esses elementos foram fundamentais para que o ouvinte pudesse se situar em qual
página estava sendo narrada. Assim, aquele que escutar suas faixas com as notícias
poderá ter a sensação que está “lendo” o jornal.
O jornal em áudio apresenta 23 faixas, com duração de uma hora de narração,
cinco narradores se encarregaram de ler as notícias. Já o jornal impresso contou
com oito páginas, um repórter, que também diagramou o periódico. Sua periodicidade é semestral.
O jornal em áudio nasce com o propósito de torna-lo acessível. Partindo do
pressuposto que o acadêmico cego não teria condições de ler o informativo im143
Tecnologia, Pra Quê?
presso, o jornal em áudio propõe a acessibilidade na comunicação. Seguindo o que
consta no Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, Capítulo VI, fica reservado a
pessoa com qualquer tipo de deficiência o direito a informação e a comunicação.
Assim, o jornal em áudio é mais do que nunca um meio de informar aqueles que
não podem ler. Segundo Lima et al. não proporcionar a igualdade de acesso à
informação para pessoas com deficiência visual é discriminá-las. Então, a nova
ferramenta, propõe a acessibilidade e a inclusão social, não discriminando, aquele
que por algum motivo, não teria acesso ao material divulgado. A desigualdade,
entretanto, não se caracteriza apenas na condição do acesso. O usuário, além de
ter contato com o computador e internet, precisa ter capacidade intelectual para
compreender o mecanismo deste meio de comunicação. Só assim terá condições
de aproveitar ao máximo as potencialidades oferecidas neste novo mundo comunicacional.
Outro ponto que merece ser destacado é quanto à inclusão digital. De nada
adiantaria produzirmos um material acessível aos cegos, se este não estaria disponível na rede, ou ainda se não tivesse um computador com acesso a internet. O
jornal em áudio foi baseado nos conceitos da audiodescrição, um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, por meio de informação sonora. Deste modo,
“traduzimos” as imagens publicadas no impresso ao ouvinte do jornal em áudio.
Assim, aquele que escutar suas faixas com as notícias poderá ter a sensação que
está “lendo” o jornal, uma vez que escolhemos a trilha musical de fundo de acordo
com o tema da notícia narrada, a leitura das páginas que se encontra determinado
texto, bem como a descrição das imagens, conforme citado anteriormente.
Como o texto foi elaborado para uma mídia impressa, tivemos dificuldades
nas narrações para o jornal em áudio. Por conter frases longas, o locutor ficava sem
fôlego ao fim de cada período. Na próxima edição teremos que adaptar o texto para
um roteiro de rádio, com frases curtas e objetivas. Utilizando assim, referências da
gramática radiofônica.
Temos ainda que aprender muito sobre a acessibilidade na comunicação. Entretanto o jornal em áudio já pode ser considerado um meio de comunicação acessível e que sem dúvidas utiliza diversos conceitos da área do jornalismo para a sua
elaboração.
Atentar para esta nova fase da Comunicação é dever do profissional que atua
na área. Trabalhar a igualdade no tocante à informação parece ser a esperança para
aqueles que buscam fazer diferente. Segundo Stülp (2007), o jornal impresso, o
rádio e a televisão, considerados meios tradicionais de comunicação, podem atin144
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
gir milhares de pessoas uma só vez. A comunicação, estabelecida de poucos para
muitos passa a ser subjugada pela internet. Essa dá poderes aos seus usuários que
podem escrever mensagens de textos ao mesmo tempo em que transmitem imagens, sons e vídeos a milhares de outros. De acordo com Rheingold (1998, p. 12),
citado por Stülp (2007), “a internet não é um meio-de-produção-de-para-muitos,
como o jornal, rádio ou a televisão. A rede de computadores é um meio-de-muitospara-muitos”.
Analisando a importância do acesso a comunicação, independente de quem
esteja usufruindo, sendo ou não portador de alguma deficiência, percebemos que
há uma lacuna quando falamos em acessibilidade na comunicação.
Vimos que há projetos na área da educação, de transportes e da arquitetura.
Pouco se fala em acessibilidade na comunicação. E se falando em jornal em áudio,
não encontramos exemplo desta ferramenta em nossa pesquisa.
Após questionarmos sobre a acessibilidade na comunicação e estudarmos
alguns conceitos, já citados anteriormente neste artigo, pesquisamos entidades e
instituições que apoiam deficientes visuais; e, encaminhamos o link do jornal em
áudio, com o intuito de divulgar o projeto e ter um retorno de como ficou o trabalho
para que possamos aprimorar as próximas edições do jornal em áudio.
O site da USP Legal – Rede Saci (entidade que atua como facilitadora da comunicação e da difusão de informações sobre deficiência, visando a estimular a
inclusão social e digital, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania
das pessoas com deficiência) publicou uma nota do projeto:
Ciências Contábeis para cegos - Jornal Ábaco Aluna da Unisc faz projeto de
comunicação acessível:
A aluna de jornalismo Daiana Carpes, produziu um jornal impresso para o
curso de Ciências Contábeis da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc/RS),
que conta com versão em áudio, acessível a pessoas cegas.
Link do áudio:
http://www.unisc.br/portal/pt/cursos/graduacao/ciencias-contabeis/jornal-abaco.html. Daiana pede comentários dos leitores da Saci, para aprimoração do
projeto. Envie um depoimento para [email protected], com nome de
quem escreveu, idade, profissão e a idade que perdeu a visão.
A Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs) também aderiu ao
nosso projeto e divulgou a mesma nota em seu blog. O Portal Deficientes em Ação
– um canal direto com as pessoas portadoras de diferentes deficiência, modalidade
reduzida, familiares e profissionais do setor, se propôs a encaminhar a nota de divulgação do jornal em áudio a seus associados.
145
Tecnologia, Pra Quê?
A comunicação é um direito de todos. E como comunicadores devemos preencher essa lacuna e difundir essa ideia. A Unisc com esse trabalho de alguma maneira inaugura a participação do jornalismo nesta área. Foi uma surpresa constatar
como na prática poucos materiais são feitos na área da comunicação.
Assim, o jornal em áudio está mais ligado à ideia de acessibilidade com cidadania, e não apenas como inclusão digital e projetos educacionais. Visto que
estamos em um ambiente acadêmico, quando falamos em acesso a informação,
este deve ser uma questão relevante, permitindo que todos os estudantes conheçam
e possam usufruir de qualquer tipo de comunicação proposta pela universidade.
O resultado do trabalho foi emocionante, e ver o entusiasmo do acadêmico
Henrique Kipper, cego desde os doze anos, ouvindo o jornal foi indescritível. O
acadêmico relata sobre a nova ferramenta de informação, o jornal em áudio:
“Eu como representante dos deficientes visuais, gostei muito do jornal em áudio, pois o jornal me leu todas as notícias, falando de cada detalhe com clareza. Assim me mantém informado sobre tudo que aconteceu. Na minha opinião
gostaria que o projeto continuasse, pois assim, além de estar me informando
estará me trazendo muitos benefícios. Eu como calouro do curso de Ciências
Contábeis quero agradecer a todas as pessoas pela ajuda, e por terem facilitado
a minha leitura”.
Lendo e refletindo melhor observamos que inicialmente o que fizemos foi uma
“adaptação” das técnicas impresso para o áudio. No entanto, esta “passagem” permitiu que uma pessoa pudesse “ler/ouvir”, e após ser publicado na internet, outras
pessoas pudessem ter acesso a este material. Isto nos faz pensar que esta iniciativa
solidária pode ser um trabalho de acessibilidade na comunicação.
Com este estudo, encontramos alguns conceitos que se encaixam neste objetivo, porém, não encontramos exemplos práticos de como produzir. Até se sabe fazer
estes materiais, mas não se faz, por quê?
Referências
CONFORTO, Débora; SANTAROSA, Lucila M. C. Acessibilidade à Web: Internet para
Todos. In: Revista de Informática na Educação: Teoria, Prática – PGIE/UFRGS: Edição
eletrônica, v.5, n. 2, nov. 2002. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/
index>. Acesso em: 07 mar. 2012.
CUSIN, Cesar Augusto; VIDOTTI, Silvana Aparecida Borsetti Gregorio. Inclusão digital
via acessibilidade web. In: Liinc em Revista. Rio de Janeiro: Edição eletrônica, v.5, n.1,
mar/2009. Disponível em: <http://revista.ibict.br>. Acesso em: 10 mar. 2012.
146
Jornal em áudio: adaptação de acessibilidade na comunicação?
ENCONTRO DA MÍDIA LEGAL. Encontro da Mídia Legal. Rio de Janeiro: WVA, 2005.
FRANCO, Eliana Paes Cardoso; SILVA, Manoela Cristina Correia Carvalho da. Audiodescrição: breve passeio histórico. In: MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello e FILHO,
Paulo Romeu (Org). Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras. Secretaria
dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www.vercompalavras.com.br/livro>. Acesso em: 10 mar. 2012.
LIMA, Francisco J.; LIMA, Rosângela A. F.; GUEDES, Lívia C. Em defesa da áudiodescrição: contribuições da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.
In: Revista Brasileira de Tradução Visual: Edição eletrônica, v. 1, n. 1, 2009. Disponível
em: <http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index. php/principal>. Acesso em:
08 mar. 2012.
PORTAL DAS COMUNICAÇÕES. Desenvolvido pela Secretaria de Inclusão Digital. Disponível em: <http://www.mc.gov.br/inclusao-digital-mc>. Acesso em 15 mar. 2012.
SCHIRMER, Carolina Rizzotto. Acessibilidade na comunicação é um direito – comunicação alternativa é um caminho. In: Revista Teias. Rio de Janeiro: Edição eletrônica.
Disponível em: <http://www.periodicos.proped.pro.br /index.php?journal=revistateias&
page=article&op=viewFile&path%5B%5D=284&path%5B%5D=280>. Acesso em: 11
mar. 2012.
SILVEIRA, Sergio Amadeu da; CASSINO, João. Software livre e inclusão digital. São
Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003.
SIQUEIRA, Ethevaldo. Tecnologias que mudam nossa vida. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
STÜLP, Eliana Isabel. Webjornalismo como estratégia para inclusão digital. 2007.
121 f. Trabalho de conclusão de curso – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz
do Sul, 2007.
147
Apresentamos aqui os currículos dos integrantes deste livro, em ordem
alfabética, conforme pesquisa na plataforma Lattes em agosto de 2012.
Os Organizadores
Álvaro Fraga Moreira Benevenuto Junior
possui graduação em Comunicação Social Habilitação Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1982), mestrado em Comunicação
Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1998) e
doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (2005). Atualmente é professor adjunto da Universidade de Caxias do
Sul e está na coordenação de curso, habilitação Jornalismo. Tem experiência
na área de Comunicação, com ênfase em Videodifusão, atuando principalmente
nos seguintes temas: comunicação e cidadania, sociedade e comunicação, política de comunicação,meios de comunicação de massa, comunicação sindical,
tv alternativa e comunicação comunitária. Pesquisa no âmbito de Comunicação
e Saúde, produção de conteúdos digitais e produção audiovisual alternativa. É
membro fundador do GP Conteúdos Digitais e Convergência, na Intercom.
César Steffen
doutor em Comunicação Social formado pela FAMECOS/PUCRS em 2010.
Possui graduação em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997), mestrado em Ciências da
Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004) e é especialista em Educação à Distância (2008). Iniciou sua carreira no mercado de
comunicação em 1992, inicialmente como redator, posteriormente como diretor
de criação e marketing, e em projetos de comunicação digital e e-commerce. É
docente nas áreas de Comunicação Social e Administração - Marketing, com
ampla experiência também em gestão educacional. É consultor de empresas nas
áreas de marketing, internet, comunicação, publicidade e administração. Foi
consultor externo do SEBRAE-RS, apoiando o desenvolvimento de micro e
pequenas empresas, especialmente as instaladas em Incubadoras Empresariais.
Os autores
Ana Maria Strohschoen
possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (1988) , mestrado em Extensão Rural pela Universidade
Federal de Viçosa (1993) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2003) . Atualmente é professor titular da
Universidade de Santa Cruz do Sul. Tem experiência na área de Comunicação ,
com ênfase em Teoria da Comunicação. Atuando principalmente nos seguintes
temas: Mídia e memória coletiva. 15/02/2011
Eduardo Vizer
graduado em Sociologia pela Universidade de Buenos Aires (1969) e doutorado em Sociologia pela Universidade de Belgrano (1983). Atualmente é professor consulto (emérito) da Universidade de Buenos Aires, professor visitante da
Universidade Católica da Argentina (UCA) e na Universidade Nacional de La
Pampa (Argentina), professor visitante pelo MEC na Universidade Federal da
Integração Latinoamericana - UNILA/Brasil. É pesquisador do Instituto GinoGermani pertencente à Universidade de Buenos Aires. Foi professor visitante
nas seguintes universidades: Massachussetts e MIT (USA), MC-GIL, Université de Quebec a Montreal, (CANADÁ), UNISINOS, UFRGS, UFF, Paraíba,
Piauí, Sergipe, (BRASIL). Realizou visitas técnicas e conferências no Parlamento Europeu, em Estocolmo e nas universidades de Bonn, Sevilha, Covilha,
Santiago de Compostela, Málaga, México (Unam e Uam), Guadalajara, Cali,
Assunción, Tem experiência de docência e pesquisa na área de Comunicação,
com ênfase em Comunicação e Sociedade, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, comunicação e cultura, comunicação comunitária,
novas tecnologias da comunicação e da informação (TICs).
Gustavo Daudt Fischer
graduado em Publicidade e Propaganda pela UFRGS, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Atuou na área de criação publicitária no começo de sua carreira e ao passar a
atuar como docente na UNISINOS integrou comissão de coordenação do curso
de Publicidade e Propaganda e em seguida desenvolveu e coordenou a inédita
habilitação de Comunicação Digital na graduação. No desdobramento acadêmico de seus estudos na pós-graduação em Comunicação, passou a trabalhar
com o campo das interfaces digitais e suas propriedades midiáticas. Com isso,
foi convidado a se integrar ao Programa de Pós-Graduação em Design da UNISINOS e coordenar a Escola de Design da universidade. Atualmente, além de
fazer a gestão dos cursos de bacharelado da Universidade, integra o PPG em
Comunicação, na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais e no grupo
TCAV, com pesquisa focada no resgate e acompanhamento de interfaces de web
e softwares baseados na internet.
Helenice Carvalho
possui graduação em Comunicação Social Habilitação Relações Públicas pela
Universidade Federal de Santa Maria (1983), mestrado em Administração pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997) e doutorado em Ciências
da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2003). Atualmente é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, pesquisador - Universidad de Buenos Aires e professor adjunto
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de
Comunicação, com ênfase em Relações Públicas, atuando principalmente nos
seguintes temas: relações públicas, comunicação, marketing e comunicação
organizacional. Seus interesse na área de pesquisa estão voltados para os impactos da tecnologia na sociedade atual e a questão da inovação e da geração
do conhecimento e da aprendizagem.
Mágda Rodrigues da Cunha
possui graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (1984), mestrado em Comunicação Social (1997) e doutorado
em Lingüística e Letras (2002). É professora titular do Curso de Jornalismo,
disciplinas de Radiojornalismo, da Famecos/PUCRS e do Programa de PósGraduação em Comunicação Social da mesma Faculdade, além de diretora da
Faculdade de Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Radiodifusão, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, rádio, recepção, apropriação, linguagens e tecnologias.
Miriam de Souza Rossini
bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (1988), e Licenciada e Bacharel em História
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995). Possui Mestrado em
Artes - Cinema pela Universidade de São Paulo (1994), e Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999). Fez Doutorado
Sanduíche na França, junto à École des Hautes Études en Sciences Sociales
(1999). É Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
junto ao Departamento de Comunicação, e atual Coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Comunicação e Informação da UFRGS (gestão 2011-2012).
Suas pesquisas envolvem principalmente os seguintes temas: cinema brasileiro,
cinema e história, comunicação e imagem, estudos culturais, história cultural,
mercado audiovisual brasileiro.
Roberto Tietzmann
doutor em comunicação social pela PUCRS (2010) onde estudou efeitos visuais, montagem e narrativa cinematográfica através dos filmes de King Kong.
Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2005) tendo realizado uma pesquisa sobre comunicação visual
e cinema através dos créditos de abertura de filmes. Formado em Publicidade e
Propaganda pela UFRGS (1997) onde estudou interfaces homem-computador
para produtos interativos de comunicação. É professor do programa de pósgraduação em comunicação da FAMECOS, faculdade de comunicação social
da PUCRS onde leciona disciplinas vinculadas à sua pesquisa: montagem cinematográfica, design em movimento, fundamentos de tecnologia audiovisual e produção audiovisual publicitária. Tem experiência profissional na área
de comunicação gráfica, audiovisual e digital tendo realizado dezenas documentários, CD-ROMs e diversas peças de comunicação gráfica interativa. É
membro de associações de pesquisadores de cinema (SOCINE) e comunicação
(INTERCOM, IAMCR).
Rogério Covaleski
doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), Mestre em Comunicação e
Linguagens (UTP), Especialista em Propaganda e Marketing (ISPG) e Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda (PUC-PR). Foi Diretorassistente de IES; coordenou cursos de Graduação e Pós-graduação na área de
Comunicação Social; foi Diretor de agências de publicidade e atuou em veículos
de comunicação; em empresas de TI exerceu o cargo de Diretor de Marketing e
Exportações. Tem experiência na área de Comunicação Social, com ênfase em
Comunicação Publicitária, atuando principalmente nos seguintes temas: criação
publicitária, cinema, interfaces comunicacionais, hibridização publicitária. Autor dos livros Cinema, Publicidade, Interfaces (Maxi Editora, 2009), Publicidade Híbrida (Maxi Editora, 2010) e Idiossincrasias publicitárias (Maxi Editora,
2012). Atualmente, atua como Professor Adjunto na graduação em Publicidade
e Propaganda (DCOM/UFPE) e como Professor do Programa de Pós-graduação
em Comunicação (PPGCOM/UFPE).
Vicente Gosciola
pós-doutorando pela Universidade do Algarve-CIAC, Portugal. Doutor em Comunicação pela PUC-SP. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Univer-
sidade Anhembi Morumbi. Autor do livro Roteiro para as Novas Mídias: do
Cinema às Mídias Interativas (3ª. ed. rev. e ampl. Senac, 2010). Convidado pela
Escuela Internacional de Cine y TV San Antonio de los Baños, ofereceu em
2010 o curso Guión para los Nuevos Medios para os alunos do 2º e do 3º ano
do Curso Regular. É professor, pesquisador, consultor, realizador e autor dos
seguintes temas: narrativa transmídia, alternate reality game-ARG, cinema, cultura colaborativa, dispositivos móveis, game, hipermídia, narrativa interativa,
narrativa não-linear em cinema, novas mídias, novas tecnologias, tecnologia e
estilo fílmico, TV digital interativa, vídeo, web TV.
Esta obra foi impressa em papel ???? ?? g/m² (miolo) e papel reciclado ??? g/m² (capa).
Foi composta com as famílias das fontesTimes New Roman e Arial.
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