OCUPAÇÃO TERRITORIAL EM MATO GROSSO Prof. Dr. João Carlos Barrozo INTRODUÇÃO A questão da terra no Brasil e, em particular em Mato Grosso, está relacionada com a questão política. A legislação agrária foi patrocinada pelos grandes proprietários, sobretudo a Lei de Terras de 1850 e o Estatuto da Terra, de 1964. Estes dois estatutos jurídicos foram utilizados em favor da elite agrária, dificultando aos pobres o acesso à terra. SESMARIAS e POSSES (.... até 1850). A lei de Sesmarias foi promulgada em Portugal, no século XIII, para tentar reverter o quadro de abandono das terras, e conseqüente redução da produção de gêneros alimentícios. De acordo com a referida lei, a terra era doada a quem se comprometesse a cultivá-la dentro de um prazo estipulado, nunca maior que cinco anos. (Guimarães, .......p. 44) A Lei de Sesmarias de D. Fernando (26/06/1375) “obriga a prática da lavoura da terra pelos proprietários, arrendatários, foreiros e outros, e dá outras providências.” O sistema de sesmarias, “gestado em uma dada conjuntura econômica e sociocultural de Portugal, (...) quando transplantado para a Colônia”, em outro contexto sócio econômico, “ resultou em um desvirtuamento da Lei de Sesmaria. A concessão de sesmaria na Colônia da América “ foi um privilégio” que beneficiou a aristocracia, uma vez que era inacessível “ a lavradores e homens sem posse”. (Castro, op. cit., p. 208) A LEI DE TERRAS DE 1850 •1850 - governo imperial promulgou a Lei 601 (Lei de Terras de 1850). A “motivação principal da intervenção do Estado era a preocupação com a mão de obra”. •Exposição de motivos do projeto preocupação que redução da oferta de escravos “[...] acarretaria problemas para a indústria”. (SILVA, 1990, p. 116). •A Lei de Terras objetivo de garantir que os imigrantes pobres não ocupassem através da posse as terras devolutas (públicas), obrigando-se com isso se a vender sua força de trabalho p/ os grandes proprietários, os produtores de café. •O governo pagava a passagem p/ os imigrantes, p/ “alugar seus serviços”. Eles eram proibidos de possuir terras“[...] antes de decorrido o prazo de três anos”. (p.117) •O projeto regularizava a propriedade territorial, autorizando a cobrança de um imposto territorial. Os recursos arrecadados na venda das terras e impostos financiariam a vinda de “colonos livres”. A LEI DE TERRAS DE 1892 EM MATO GROSSO Posses e títulos de Sesmarias •A lei considerou inalienáveis as terras devolutas reservadas à colonização e as consideradas indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. •As terras devolutas consideradas livres para a venda, poderiam ser vendidas em cotas nunca maiores de 10.000 hectares. •Formas de aquisição da terra: •Posse de terras – assegurada aos ocupantes que a tornassem produtivas por seu trabalho e nela morassem por 10 anos ininterruptamente sem oposição. •Posseiro pagamento de uma taxa de ocupação anual (20% sobre o valor da terra). O pagamento garantia a compra da terra até 200 hectares. As áreas com menos de 25 hectares isentas da taxa de ocupação. A LEI DE TERRAS DE 1892 EM MATO GROSSO (cont.) •O código de terras previa a concessão gratuita de lotes nos núcleos coloniais, com área de até 50 hectares, destinadas à lavoura. •Título definitivo – “depois de 3 anos de ocupação e cultura efetiva do lote”. •Arrendamento. Prazo para arrendamento limitado a 10 anos, com possibilidade de prorrogação. Valor do arrendamento de acordo com a área, e com a quantidade e valor do produto produzido na terra. •Medição e Demarcação das Terras Públicas – o agrimensor [que media as terras públicas e particulares] papel de destaque; as informações para julgamento de processo dependiam dele. •O comprador podia (e pode ainda) indicar o agrimensor ou engenheiro que fará o serviço de medição. CÓDIGO DE TERRAS DO ESTADO DE 1949 (Lei nº336 de 6/12/49) Terras Particulares e terras Públicas: a)Terras de domínio particular – “’as terras declaradas por sentença judicial, em ação de usucapião devidamente registradas”. b) Terras partilhadas em ação de direito ou processo de inventário, com pagamento do respectivo imposto territorial. c) As terras em situação de posse p/ tempo não menor de 20 anos, e com justo título de boa fé, sem contestação. d) As terras em situação de posse pacífica e ininterrupta por 30 anos, independente de justo título e boa fé. PERÍODO VARGAS •“Marcha para o Oeste” [1951-54]. Política de colonização em MTMaior “liberdade de legislação no processo de venda de terras devolutas, através da concessão a empresas privadas”. •1951-1956 –> as áreas vendidas, com valores muito baixos, mostram “ a violenta especulação com a terra no governo Fernando C. da Costa, sobretudo no ano pré-eleitoral[...]”. (p. 205, parágrafo 3) •Gov. F. C. da Costa (1ª gestão – 1951-54) 20.756 requerimentos de compra de terras em Cuiabá e C. Grande. Foram expedidos 7.363 títulos de terras provisórios, c/ área total de 21.949.546 hectares, e 3.170 títulos definitivos, c/ área de 10.959.778 há. •Total de títulos : 10.533, c/ área total de 32.909.546 hectares, c/ área média de 3.134,4 hectares. A POLÍTICA DE TERRAS EM MT (1950-60) •As empresas colonizadoras obtinham, em média, áreas de 200.000 hectares de terra. O preço de Cr$ 7, 00 (sete) a 10,00 (dez) cruzeiros o hectare p/ as companhias colonizadoras, que as revendiam a preços que variavam entre Cr$ 100,00 a 300,00 (cem a trezentos cruzeiros) o hectare. •A Constituição Federal de 1948 proibia a alienação de terras devolutas com mais de 10.000 hectares, sem prévia autorização do Senado Federal. •Inquérito no Senado Federal, 1955, [legalidade das concessões de terras em Mato Grosso], constatou que o governo estadual pagou “serviços” de deputados com concessão de terras. •O governo reservou p/ colonização um total de 7,4 milhões de hectares; O governo concedeu 20 glebas de 200 mil há. cada uma p/ empresas privadas de colonização no período (= 4 milhões de há). A POLÍTICA DE TERRAS EM MT (1950-60) (Cont.) Governo Ponce de Arruda. •1958 expedidos 1043 títulos de terras, área de 4.768.203 ha. •1959 expedidos 1971 títulos, c/ área total de 8.191.717 ha. • Total títulos expedidos 2563 títulos de terras, c/ área total de 11.010.344 hectares, [média de 4.295 ha. p/ propriedade]. • Fernando C. da Costa é reeleito em 1961. •Programa do governo 1962 –> terras devolutas de Mato Grosso, transformadas em reservas p/ colonização. •Funcionários do DTC recebiam 3% de comissão sobre o valor da venda das terras devolutas. •DTC fechado em 1954, em 1956 e em 1961 devido a denúncias de corrupção e irregularidades, problemas técnicos, corrupção, problemas de cadastro, limites estaduais. A POLÍTICA DE TERRAS EM MT (1950-60) (cont.) • Em 1966 o D.T.C. foi fechado definitivamente [p/ governador P. Pedrossian]. • Mais de 60% das terras devolutas de MT, às margens das rodovias federais da Amazônia Legal, passaram p/ a tutela da União p/ fins de Reforma Agrária, e as terras situadas na faixa de fronteira internacional foram colocadas sob a tutela do CSN. [Decretos Leis 1.164/71 e 1414/75], •Criação do INTERMAT (1975). Por 12 anos os processos em curso no DTC (cerca de 70 mil processos) ficaram paralisados. • Aumento das vendas irregulares, fraudulentas: venda de títulos provisórios, “frios”, forjados, procurações sub-estabelecendo direitos de compra e venda. Remontagem de títulos, títulos voadores. Neste período os cartórios de Registro de Imóveis que imperaram. • Consolidação da estrutura fundiária concentrada em MT, “gestada desde a primeira Lei de Terras de 1892”. A POLÍTICA DE TERRAS EM MT (cont.) A Política de Terras implementada depois de 64, na Amazônia em MT, visava sobretudo afastar o perigo do conflito no campo. Os principais objetivos foram: 1) fazer uma Reforma Agrária com as terras públicas “improdutivas”; 2) ocupar os “espaços vazios”; respeitar a propriedade privada, principalmente a produtiva. O ESTATUTO DA TERRA DE 1964 (Lei 4.504) • Recomendação dos USA p/ países Latino-americanos fazerem Reforma Agrária, p/ desmobilizar os movimentos camponeses e revolucionários no campo. [Conferência da O.E.A. em Punta del Este]. •1964 deposição do presidente João Goulart abortando as medidas tomadas por seu governo na direção da Reforma Agrária. •Novembro 1964 presidente Castelo Branco sancionou o Estatuto da Terra, que “regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola”. •O Estatuto da Terra assegura a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra; a propriedade da terra deve desempenhar uma função social; e deve ser produtiva, assegurando a conservação dos recursos naturais. (Art. 2º, § 1º). •O E.T. previa a desapropriação da terra (pg. 21, Art. 20) sobretudo em áreas de minifúndio e de latifúndios. A OPERAÇÃO AMAZÔNIA • Final da década de 60 governo militar desmobilizou os movimentos sociais organizados que defendiam a Reforma Agrária. •1970 criação do INCRA p/ executar a Colonização e a Reforma Agrária. O governo militar fez uma opção política pela colonização na Amazônia, executando um projeto de “contra-reforma agrária”. [ Ianni,1978]. • PIN construção de “rodovias de integração nacional” na Amazônia, interligando o nordeste e o centro sul ao centro da Amazônia. •1972 governo federal permitiu que as empresas privadas de colonização participassem da colonização na Amazônia. • As empresas privadas de colonização se apossaram de milhões de hectares de terras para vender a agricultores do sul do Brasil. • O Estado de Mato Grosso foi loteado para as colonizadoras privadas. SINOP, INDECO, CONOMALI, COTRIGUAÇU, INCOL. A OPERAÇÃO AMAZÔNIA • Além da infra estrutura, o governo federal criou a SUDAM, o Prodoeste, Polonoroeste, Polocentro, Polamazônia [...] com o objetivo de direcionar a ação para áreas e problemas específicos. • A SUDAM, juntamente com o BB e o BASA, ofereciam para os empresários terras baratas, crédito e subsídios, e incentivos fiscais na Amazônia. • Empresas principalmente de São Paulo, instalaram grandes projetos agro-pecuários em Mato Grosso e no Pará. • Em Mato Grosso estes projetos estavam principalmente nos municípios que ocupavam todo o norte do Estado: Aripuanã, Diamantino, Chapada dos Guimarães e Barra do Garças Tabela 02 – Dados cadastrais dos estabelecimentos rurais do município de Diamantino/1997 Extrato de área Número de % Área % ha propriedades 0 a -50 16 1.13 82,7 0.004 10 a -50 97 6.90 2.559,1 0.14 50 a -100 63 4.48 4.7663,3 0.26 100 a -200 135 9.60 19.019,2 1.04 200 a -500 343 24.41 113.735,9 6.21 500 a -1.000 250 17.79 160.735,6 8.83 1.000 a -2.000 231 16.44 314.400,2 16.37 2.000 a -5.000 202 14.37 617.642,4 33.93 5.000 a -10.000 64 4.5 503.627,7 27.66 10.000 a -20.000 03 0.21 44.091,7 2.42 20.000 a -50.000 01 0.07 40.237,7 2.21 Total 1.405 99.9 1863795,5 99.074 Tabela 03 – Dados cadastrais assentamentos)/1999 Extrato de área Número de (ha) propriedades 0 a -10 16 10 a – 50 611 50 a -100 63 100 a -200 135 200 a -500 343 500 a -1.000 250 1.000 a -2.000 231 2.000 a -5.000 202 5.000 a -10.000 64 10.000 a -20.000 01 Total 1.919 dos estabelecimentos rurais (incluindo os % Área % 0.83 31.83 3.28 7.03 17.87 13.02 12.03 10.52 3.33 0.05 99.94 82,7 27.620,1 4.766,3 19.019,2 113.735,9 160.735,6 314.400,2 617.642,4 503.627,7 40.237,7 1.845.969,2 0.004 1.49 0.25 1.03 6.16 8.70 17.03 33.45 27.28 2.17 99.94