Gabinete do Reitor • Superintendência Geral de Comunicação Social da UFRJ • Ano VI • Nº 61 • Junho/Julho de 2011
15 a 18
Janice Caiafa
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a cidade
A precariedade dos sistemas de transporte
público afeta profundamente a relação dos
cidadãos com a cidade. Análises acerca do
papel dos meios de transporte na produção
de espaços coletivos e sua importância para os
processos de alteridade ocupam lugar central
nos estudos etnográficos de Janice Caiafa Pereira
e Silva, professora da Escola de Comunicação
(ECO) da UFRJ, para quem, “o transporte coletivo
ajuda a realizar a cidade”.
Em entrevista ao Jornal da UFRJ, Janice Caiafa
observa como a falta de investimentos na área
afeta, particularmente, as populações de baixa
renda, que não contam com outras opções para
circular no ambiente urbano.
Cacaso
12 a 14
A poesia viverá sempre
O futuro
em jogo
Com menos recursos e
condições para produzir
suas pesquisas, as
Ciências Humanas e
Sociais buscam novos
caminhos para superar a
fragmentação da área e
assegurar a sobrevivência
do pensamento crítico na
universidade.
9 a 11
À sombra
da lei
Operação que matou
Bin Laden, além de afrontar regras de convívio entre as nações, tem raízes
históricas na doutrina da
“supremacia divina” dos
Estados Unidos sobre os
outros países, de
acordo com especialistas.
9 a 11
A língua do
preconceito
Supostos erros
de concordância
em livro sugerido
pelo Ministério
da Educação
causam polêmica
e evidenciam que
ainda há muito
preconceito
contra o uso
popular da Língua
Portuguesa.
24 e 25
Nós pega o peixe
Em entrevista exclusiva ao Jornal da UFRJ, Tzvetan
Todorov, historiador, linguista e ensaísta búlgaro
radicado na França, critica o ensino de Literatura
baseado exclusivamente na análise das estruturas
internas do texto, sem relação com o contexto mais
amplo em que a obra está inserida.
Antônio Carlos de Brito, conhecido pelo
apelido “Cacaso”, é considerado um dos
importantes emblemas da chamada “poesia
marginal” brasileira, cuja produção desenvolveuse por letras de músicas interpretadas pelos
amigos Elton Medeiros e Maurício Tapajós.
2
Jornal da
UFRJ
Junho/Julho 2011
UFRJ é contemplada
com Prêmio Oscar Niemeyer
Reitor
Aloisio Teixeira
Vice-reitora
Sylvia da Silveira Mello Vargas
Pró-reitoria de Graduação (PR-1)
Belkis Valdman
Pró-reitoria de Pós-graduação
e Pesquisa (PR-2)
Ângela Maria Cohen Uller
Pró-reitoria de Planejamento
e Desenvolvimento (PR-3)
Regina Célia Alves Soares Loureiro
Pró-reitoria de Pessoal (PR-4)
Luiz Afonso Henriques Mariz
Pró-reitoria de Extensão (PR-5)
Laura Tavares Ribeiro Soares
Superintendência Geral
de Administração e Finanças
Milton Flores
Chefe de Gabinete
João Eduardo Fonseca
Fórum de Ciência e Cultura
Beatriz Resende
Prefeito da Cidade Universitária
Hélio de Mattos Alves
Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI)
Paula Maria Abrantes Cotta de Melo
Superintendência Geral de Com. Social
Fortunato Mauro
Ouvidoria Geral
Cristina Ayoub Riche
Daniela Magioli
No último dia 17 de junho foi realizado o evento que reuniu os ganhadores do Prêmio Oscar
Niemeyer de Trabalhos
Científicos e Tecnológicos do Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia (Crea) do Rio
de Janeiro. Foram 81
trabalhos inscritos
e 20 instituições
participantes,
com representantes
de diferentes regiões
do estado do Rio
de Janeiro. A UFRJ
JORNAL DA UFRJ é uma publicação
M E N S A L da S U P E R I N T E N D Ê N C I A
GERAL de comunicação SOCIAL
da Universidade Federal do rio
de janeiro.
O Jornal da UFRJ publica opiniões sobre o
conteúdo de suas edições. Por restrições de
espaço, as cartas sofrerão seleção e poderão ser
resumidas.
Fotolito e impressão
Gráfica Posigraf
25 mil exemplares
o Espaço Alexandria
O Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE) da UFRJ inaugurou, dia 16/06, o Espaço Alexandria. Trata-se de um projeto que, inspirado no ambiente no qual foi assentada a semente da cultura ocidental, visa estruturar o diálogo da universidade com a dinâmica atual do conhecimento,
sem barreiras disciplinares, o que facilita a efetivação de encontros improváveis.
O CBAE e do Espaço Alexandria se localizam na Avenida Rui Barbosa, 762, Praia do Flamengo,
Rio de Janeiro.
Agenda
15 de setembro de 2011
Interessados em receber esta publicação
devem entrar em contato pelo e-mail
[email protected]
A UFRJ obteve premiação pelos trabalhos “Conexão Hibrida”, de Bruno
Schnellrath; “A concepção
de Palmas 1989 (e sua condição moderna)”, de Ana
Beatriz Araújo Velasques;
“A imagem da degradação
urbana: Lapa, Rio de Janeiro”, de Pilar Macarena Tejero Baeza; “A poética das diferenças na obra de Robert
Venturi e Denise Scott Brown”, de Silvio Vilella Colin;
e “Por dentro de Copacabana: descobrindo os espaços
livres do bairro”, de Rogério
Goldfeld Cardeman.
CBAE da UFRJ inaugura
Av. Pedro Calmon, 550.
Prédio da Reitoria – Gabinete do Reitor
Cidade Universitária
CEP 21941-590
Rio de Janeiro – RJ
Telefone: (21) 2598-1621
Fax: (21) 2598-1605
[email protected]
Supervisão editorial
João Eduardo Fonseca
Jornalista responsável
Fortunato Mauro (Reg. 20732 MTE)
Edição
Fortunato Mauro
Pauta
Fortunato Mauro, Coryntho Baldez e
Márcio Castilho
Redação
Aline Durães,
Coryntho Baldez, Daniela Magioli,
Guido Arosa, Márcio Castilho,
Pedro Barreto, Rafaela Pereira e
Vanessa Sol
Revisão
Érica Bispo e Luciana Crespo
Arte
Anna Carolina Bayer
Ilustração
Anna Carolina Bayer, João Rezende,
Júlio M. de Castro,
Marco Fernandes e Zope
Charge
Zope
Fotos
Marco Fernandes
Expedição
Marta Andrade
contou com cinco trabalhos
premiados.
Trata-se de um mérito
concedido aos estudantes
da área tecnológica selecionados por suas unidades de
ensino, desde o nível técnico até a pós-graduação,
premiando os melhores trabalhos de conclusão de cursos com valor acadêmico e/
ou potencial mercadológico nas áreas de Engenharia,
Arquitetura, Agronomia,
Geologia, Geografia e Meteorologia, incluindo tecnólogos e técnicos de Nível
Médio.
II Fórum de Gastronomia, Saúde e
Sociedade: Gastronomia e Turismo
Instituto de Nutrição Josué de
Castro (INJC) da UFRJ
Auditório Hélio Fraga – Bloco K
do Centro de Ciências da Saúde
(CCS) - Av. Carlos Chagas Filho,
373 - Cidade Universitária
Rio de Janeiro
Público-alvo: gastrônomos, turismólogos, nutricionistas, estudan-
tes de Gastronomia e Nutrição e
profissionais das áreas citadas e
da saúde.
Máximo de participantes: 150
IV Seminário
Memória, Documentação e Pesquisa
A Memória Institucional e as suas interfacescom a cultura e a oralidade
16 de setembro de 2011
Fórum de Ciência e Cultura
(FCC) da UFRJ – São Pedro
Calmon – Avenida Pauster,
250 - Palácio Universitário Praia Vermelha – Rio de Janeiro
cultural nas instituições
Beatriz Resende (FCC-UFRJ)
Beatriz Kushnir (Arquivo da
Cidade do Rio de Janeiro)
Regina Abreu (PPGAS-UFRJ
e PPGMS-Unirio)
Paulo Knauss (UFF e Arquivo
do Estadodo Rio de Janeiro)
Luciana Heymann (CPDOCFGV)
Claudia Mesquita (Museu da
Imagem e Som)
8h30 – Abertura
13h-16h - Mesa-redonda
Os desafios da produção,
conservação e difusão da memória oral nas instituições
Confere certificado de participação. Inscrições pelo
e-mail: andreaqueiroz@sibi.
ufrj.br
9h-12h – Mesa-redonda
Memória e produção
Junho/Julho 2011
Jornal da
UFRJ
Humanidades
3
O futuro em jogo
Com menos recursos e condições para produzir suas pesquisas, as Ciências
Humanas e Sociais buscam novos caminhos para superar a fragmentação da
.área e assegurar a sobrevivência do pensamento crítico na universidade
Coryntho Baldez
E
Marco Fernandes
m tempos de corrida tecnológica e acirrada disputa corporativa pela superação de marcas de
produtividade, a área de Humanidades
parece ter sido deslocada de qualquer
função social relevante. Na última década,
além de sofrer com a redução do volume
de recursos para a pesquisa, comparativamente a outros campos de investigação
científica, o seu objeto de estudo tornou-se
cada vez mais delimitado por uma política
pragmática de financiamento de projetos.
Se o mercado supervaloriza as ciências
da Vida e da Natureza, incorporando-as à
esfera econômica, a produção livre de conhecimento e o pensamento crítico – uma
histórica tradição das Humanidades – tendem a perder força na universidade? Pesquisadores ouvidos pelo Jornal da UFRJ,
mesmo com abordagens distintas, acreditam que, de algum modo, a universidade
está desafiada a buscar caminhos que preservem a autonomia da produção acadêmica e o intercâmbio entre os campos do
conhecimento.
Missão redefinida
Dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) mostram que, entre 2001 e 2010,
os investimentos de fomento à pesquisa
em Ciências Humanas passaram de R$
9,1 milhões para R$ 36,4 milhões. O crescimento é muito inferior ao verificado no
mesmo período em várias outras áreas. As
Ciências da Saúde, por exemplo, passaram
de R$ 9,1 milhões para 71,3 milhões e as
Ciências Biológicas deram um salto de R$
28,2 milhões para R$ 117,5 milhões. Essas
áreas, não por coincidência, são de grande
interesse para um segmento de mercado
sempre à procura de novos produtos: o
complexo industrial farmacêutico.
Os números expressam a redefinição
da missão da universidade, cada vez mais
voltada para a inovação tecnológica e a
prestação de serviços, na análise de Roberto Leher, professor associado da Faculdade
de Educação (FE) da UFRJ e de seu Programa de Pós-graduação em Educação.
“Agora, fala-se não apenas em Ciência e
Tecnologia, mas em Ciência, Tecnologia
e Inovação. Não se trata apenas de um
problema semântico ou de nomenclatura, mas da função social da universidade”,
avalia o estudioso das políticas públicas
para o Ensino Superior. É um processo
que se inicia na década de 1990 e culmina
na Lei da Inovação Tecnológica, de 2004,
cujo objetivo foi facilitar as parcerias entre as empresas e a universidade pública
brasileira, destaca Leher, que coordena o
Observatório Social da América Latina do
Conselho Latino-Americano de Ciências
Sociais (Clacso).
A situação é paradoxal, afirma o professor da FE, porque inovação tecnológica,
historicamente, é compreendida como
pesquisa e desenvolvimento (P&D), atividade desenvolvida essencialmente nas
empresas. Um estudo da Universidade da
Pensilvânia (EUA) – ressalta Leher – mostra que nove de cada dez inovações são
produzidas fora da universidade. “Como
no Brasil, as empresas nacionais não têm
atividade de inovação relevante, à exceção
da Petrobras e da Embraer, e as corporações multinacionais não produzem aqui
as suas inovações, essa função está sendo
transferida para a universidade”, critica o
docente.
Em sua opinião, os editais dos órgãos
de fomento que financiam as pesquisas
estão induzindo as instituições públicas de
Ensino Superior a desenvolver atividades
de inovação tecnológica. Mas Leher indaga: como pode a universidade se envolver
em um processo associado à “fetichização”
da mercadoria, que busca torná-la objeto
de desejo do consumidor? De acordo com
o professor, como as empresas e corporações multinacionais que querem criar os
caros setores de P&D no Brasil, a universidade está cumprindo um papel de prestadora de serviços.
“Se as corporações farmacêuticas precisam fazer um levantamento de biodiversidade, elas não vão montar um grande laboratório na Amazônia para realizar a tarefa. Não apenas porque teriam que investir muitos recursos em laboratórios e contratação de pesquisadores, mas também
porque é uma iniciativa que gera tensões
e desconfianças em relação a registros de
propriedade. Quando a universidade faz
esse trabalho para a indústria do setor, isso
não acontece”, frisa Leher. Segundo ele, são
comuns convênios de universidades públicas com empresas laranja que negociam
patentes diretamente com multinacionais
farmacêuticas. “É uma atividade de serviços desenvolvida pela universidade brasileira que está se generalizando”, condena o
pesquisador.
O sonho sob suspeita
Luiz Bevilacqua, professor emérito da
UFRJ e pesquisador do Núcleo de Transferência de Tecnologia (NTT) do Programa de Engenharia Civil (PEC) do Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e
Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ,
também vê com preocupação a relação
entre os interesses do mercado e a universidade. “Existe toda uma visão de mundo
que deu grande força para práticas utilitaristas e imediatistas na universidade. O
mundo ficou muito atrelado a resultados
econômicos e financeiros, e o progresso
ficou associado ao rendimento. Isso, de
fato, tem atrapalhado um tipo de produção
científica com maior horizonte”, assinala o
pesquisador.
Até nas próprias agências de financiamento, afirma o professor, é comum se
exigir resultados imediatos. Mas, segundo
ele, a pesquisa mais genuína, aquela mais
arriscada, que não produz respostas de
curto prazo, é alvo da suspeita dos órgãos
de financiamento e, às vezes, da própria
sociedade. É um procedimento – acrescenta – que força os pesquisadores a con-
4
Jornal da
UFRJ
Humanidades
Junho/Julho 2011
Marco Fernandes
Luiz Bevilacqua: “Existe toda uma visão de mundo que deu grande força para práticas utilitaristas e imediatistas
na universidade.”
tribuírem em um ritmo incompatível com
a produção de ideias originais.
Se os pesquisadores precisam publicar
cinco ou seis trabalhos por ano, cumprem
tal tarefa na esteira do conhecimento já
produzido, de acordo com o professor da
Coppe. “Quebrar barreiras é mais complexo, exige mais tempo e paciência. O financiamento desse tipo de pesquisa é difícil,
porque tem resultados mais no longo prazo. A lógica das agências é não alimentar
sonhos. Mas a pesquisa, no fundo, é isso.
Algumas pessoas precisam sonhar”, afirma
o coordenador do projeto Espaço Alexandria, dedicado a reunir grupos de pesquisa
interdisciplinar em torno de eixos temáticos comuns.
Para Bevilacqua, o Espaço Alexandria,
de certo modo, é um contraponto ao utilitarismo que se estabeleceu na universidade brasileira. Contudo, o professor ressalta não estar afirmando que, por si só, é
ruim investir em pesquisa tecnológica. Por
exemplo, melhorar o desempenho de um
automóvel para reduzir a produção de gases de efeito estufa é importante. “Mas não
se pode ficar restrito a tal tipo de pesquisa.
Precisamos ter liberdade para dar grandes
saltos. As teorias que quebram paradigmas
surgem, na maioria dos casos, de modo
inesperado. Às vezes, se busca uma coisa e,
no meio do caminho, se encontra outra. É
nisso que o Brasil precisa investir”, defende Bevilacqua, que deseja fazer do Espaço
Alexandria o berço do primeiro Prêmio
Nobel brasileiro.
“A universidade está no mundo”
Já Marco Antonio Teixeira Gonçalves,
professor e diretor do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, considera que a influência externa que a universidade sofre em todas as áreas do conhecimento resulta, muitas vezes, em debates
importantes para a sociedade. “A imagem,
por exemplo, é um assunto que vem sendo
discutido por quase todas as áreas das Ciências Humanas e Sociais, como a Filosofia, a Comunicação Social, a Antropologia
e a Sociologia. Existem questões externas
relacionadas à sociedade que se refletem
no debate acadêmico. Precisamos entender que a universidade está no mundo”,
afirma o professor do Programa de Pósgraduação em Sociologia e Antropologia
da UFRJ.
Ao comentar o fato de que o financiamento às Ciências da Natureza e da Vida
é mais volumoso do que o destinado às
Humanidades, Marco Antonio Gonçalves ressalta que é preciso levar em conta a
existência de um universo maior de pes-
soas nas engenharias e na Medicina, por
exemplo. É uma quantidade que contrasta, segundo ele, com a menor procura de
campos como os de História, Filosofia,
Sociologia e Antropologia. “Eu não gosto
da ideia de que exista uma desvalorização
das Ciências Humanas e Sociais. Esse é um
campo com reflexões e propósitos diferentes. As profissões das Ciências da Vida e da
Natureza já têm ocupações no mercado de
trabalho bem definidas, enquanto quem
cursa Filosofia ou Antropologia não sabe
bem o que poderá fazer. É outro tipo de
relação com o mercado”, analisa o antropólogo.
Em relação às exigências de produtividade acadêmica, Marco Antonio afirma que é a única forma de democratizar
a produção e a difusão de trabalhos. Para
ele, como o dever do cientista é publicizar
o seu conhecimento, a publicação de seus
estudos em artigos ou livros deve ser algo
natural. O professor não concorda com a
ideia de que a qualidade fica prejudicada
por causa da pressão para publicar. “Ninguém vai produzir um artigo ruim, porque precisa fazer uma contagem no CNPq.
O que os pesquisadores estão fazendo é
tentar tornar mais objetiva sua produção,
buscando as melhores condições para publicar em função da atual lógica de produção científica. Mas isso não atrapalha a
independência da produção universitária.
Inclusive, pode-se não produzir nada e
prosseguir como professor. O que estamos
discutindo são avaliações extra-universitárias por parte de órgãos como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) do Ministério da
Educação e do CNPq, que exigem produtividade e pontuações. Mas considero que
a universidade lida com isso de maneira
livre”, destaca Marco Antonio Gonçalves.
Gestão da pobreza?
Para Roberto Leher, no entanto, o pensamento crítico encontra condições muito
difíceis de se desenvolver na universidade
brasileira pelo fato de questionar a ordem
social dominante. Mas em que sentido
esse tipo de reflexão vem sendo sacrificada? Segundo ele, os editais de pesquisa,
salvo raros casos, não valorizam as perspectivas críticas, mas uma determinada
concepção de Ciências Sociais e Humanas
que não indagam as causas dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira.
“Particularmente, existe uma proliferação
de estudos acerca da chamada pobreza nas
áreas de Economia, Educação, Serviço Social, Comunicação Social, entre outras. É
curioso que essas pesquisas busquem analisar diversas dimensões da pobreza, mas,
em geral, não questionem seus fatores determinantes. Digo brincando que se trata
de um novo campo de estudo: a ‘pobretologia’. São especialistas em pobres. Fazem
mensurações sobre os níveis de pobreza
e estudam políticas focais para subgrupos
de pobres”, exemplifica Leher. Segundo ele,
as Ciências Humanas e Sociais têm certo
apoio para produzir um conhecimento
mais operacional, comprometido não necessariamente com a busca da verdade,
mas com soluções eficazes para problemas
imediatos.
Ao mesmo tempo, o professor da FE
frisa que a área de Humanidades sofre
um processo de esvaziamento na própria
universidade brasileira. “É um fenômeno
visível a olho nu na UFRJ. Não podemos
permitir a decadência das instalações das
Ciências Humanas e Sociais, que é indutora da desorganização da área. Cada vez
mais, tenho que trabalhar como se fosse
um intelectual medieval. Ou seja, tenho
que comprar os meus livros, colocá-los nas
minhas prateleiras e ficar recluso em casa
para pesquisar e escrever. Na Praia Vermelha, ninguém consegue produzir. É uma
situação inusitada, porque a universidade
tem a função de socializar o conhecimento, mas não podemos fazer isso em nosso
espaço de trabalho. Preciso ficar agendando encontro com estudantes como se estivesse em um consultório médico, ou seja,
em horários em que há salas desocupadas”,
conta o pesquisador.
Ficar sem verba de órgãos de fomento,
segundo o docente, é muito ruim porque a
universidade pública brasileira não tem infraestrutura própria para apoiar a pesquisa.
Para Leher, a degradação das instalações
físicas da área de humanidades expressa
uma correlação de forças na universidade.
“A precariedade da infraestrutura não é generalizada na UFRJ. Muito provavelmente, não veremos isso, por exemplo, na área
das engenharias, das Ciências da Natureza
e da Vida, que estão mais imbricadas com
as necessidades do mercado”, observa o
pesquisador.
Pensar é arriscar
Mas, para Luiz Bevilacqua, se é verdade que as Humanidades estão perdendo
importância, uma parcela de responsabilidade cabe aos próprios cientistas da área.
“Há 30 anos, talvez houvesse um preconceito, mas hoje acredito que não existe
Como pode a universidade se envolver em
um processo associado à “fetichização” da
mercadoria, que busca torná-la objeto de
desejo do consumidor? Indaga Roberto Leher.
Junho/Julho 2011
mais. Inclusive a Academia Brasileira de
Ciências, que tem tido um papel importante, incorporou a área de Ciências Humanas há quatro anos”, enfatiza o professor
da Coppe.
Bevilacqua critica alguns pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais – “não
todos” – porque dedicam muito tempo
para análises do pensamento de outros.
No Brasil, diz que, infelizmente, ainda
existe a cultura de “teto baixo”. “Precisamos
afirmar o nosso pensamento e mostrar ao
mundo que temos algo a dizer. Alguns
pensadores, como Caio Prado Junior, Celso Furtado e Darcy Ribeiro, formularam
questões novas e expressaram ideias próprias. É preciso que os jovens da área bebam diretamente nessas fontes, e não em
seus intérpretes, e se preparem para formular o seu próprio pensamento”, afirma o
coordenador do Espaço Alexandria.
Embora saiba que publicar pensamentos originais e renovadores é uma tarefa
difícil, Bevilacqua afirma que o problema
afeta todas as áreas do conhecimento, em
diversos países. Depoimentos de professores do exterior confirmam que muitos dos
seus alunos não conseguem publicar ideias
novas porque contradizem teses cristalizadas de pesquisadores com reputação
científica. O professor emérito da UFRJ
acha que o Brasil ainda padece daquilo
que Nelson Rodrigues identificou como
“síndrome do complexo de vira-latas”. Por
exemplo, em vez de aumentar o número
de bolsas no exterior, Bevilacqua defende a importação de jovens pesquisadores
estrangeiros, sem campo de trabalho em
seus países, para reforçar pesquisas prioritárias para o Brasil. “No mundo político,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
foi o único que saiu do Brasil e disse: ‘Eu
não sou vira-lata’. Precisamos de alguém
que não tem curso superior para agir com
independência e altivez em relação aos
outros países. Essa postura existe pratica-
Humanidades
mente em todas as áreas e precisa ser abolida”, enfatiza o professor emérito.
Estudos fragmentados
Em relação à crítica de que os estudos na área das Humanidades são cada
vez mais fragmentados, Marco Antônio
Gonçalves afirma que, com o processo de
acúmulo de conhecimento e a popularização da universidade, muitas pessoas
vão estudar os mais diversos campos.
Hoje, segundo ele, existem milhares de
informações à disposição do pesquisador, o que torna mais difícil o conhecimento totalizante. “As grandes teorias
da sociedade vão, na verdade, deixando
de existir no momento em que certas
questões se aprofundam e surgem novas especialidades. A fragmentação dos
estudos tem a ver com a ideia de buscar
a profundidade em torno de um tema”,
defende o pesquisador.
Marco Antônio exemplifica com o
grande boom de pesquisa acerca da violência na década de 2000, quando vários
editais da Capes, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do CNPq foram dedicados ao assunto. “Com isso, se engendrou
projetos que buscavam compreender o
tema em profundidade. Portanto, não
sei se a fragmentação é dada pelas agências ou pelo processo social”, analisa o
diretor do Ifcs.
Roberto Leher lembra que, depois da
II Guerra Mundial, a perspectiva crítica
nas Ciências Sociais, particularmente
na América Latina, é muito fecunda,
chegando, inclusive, a organismos internacionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(Cepal): “é um momento em que as teorias da modernização são questionadas e refutadas por importantes autores
como Caio Prado Junior, Celso Furtado,
Florestan Fernandes, Otavio Ianni, entre
Marco Fernandes
outros. Em suma, é um período de pujança do pensamento crítico”.
De acordo com o professor, a perspectiva crítica na análise da realidade
social sofre um refluxo com a queda do
muro de Berlim, a dissolução da URSS
e a hegemonia neoliberal que se afirma
nas décadas seguintes. “É uma espécie de
vingança do pensamento neopositivista,
Jornal da
UFRJ
5
agora com a variante do pós-modernismo,
que também trabalha com a perspectiva
de relativismo epistemológico. É nesse
cenário que temos estudos fragmentados
e a volta de perspectivas metodológicas
que procuram produzir não o que seria a
verdade, mas conhecimentos de natureza
operacional e que tenham utilidade”, avalia
Leher.
Por um novo modelo de pesquisa
Se as Ciências Humanas e Sociais perderam peso nas políticas
de financiamento da pesquisa científica no Brasil, ainda é possível
viabilizar uma universidade pública que produza conhecimento livre
e crítico em benefício do conjunto da sociedade?
De acordo com o professor da Faculdade de Educação (FE)
da UFRJ, Roberto Leher, talvez o maior desafio, hoje, seja criar
condições para que a universidade defina, de forma autônoma, seus
problemas de pesquisa e suas linhas de investigação. Ele concorda
que determinadas pesquisas interinstitucionais, de maior escopo,
sejam objeto de editais, mas diz que aquelas mais cotidianas devem
ser decididas no âmbito interno da universidade.
A universidade, segundo ele, deve retomar o poder de definição
sobre as suas linhas de investigação não apenas nas Humanidades,
mas em todas as áreas. Ele defende a retomada de conceitos de
financiamento presentes no CNPq dos anos 1960, quando havia a
avaliação de projetos desvinculados de editais, que eram aprovadas
por seu mérito intrínseco. “Era a chamada verba de balcão”, lembra
o professor.
O projeto Espaço Alexandria (www.espacoalexandria.com.
br), segundo o seu coordenador e professor emérito da UFRJ, Luiz
Bevilacqua, se insere no conceito de ampla liberdade acadêmica,
focando especialmente em áreas incipientes, com pouca investigação
e bibliografia. “É uma tentativa de libertar a universidade dos critérios
do mercado e dos modelos acadêmicos de pesquisa que priorizam a
quantidade e os resultados imediatistas”, explica o professor emérito.
Para facilitar a compreensão do “espírito” do projeto, Bevilacqua
relata um fato ocorrido na Universidade do ABC, da qual foi
coordenador acadêmico e reitor. Em um concurso na área de
Neurociências, uma candidata jovem, com apenas quatro anos de
doutorado, no final da sua apresentação acerca da memória, afirmou
que gostaria, na verdade, de ter pesquisado a respeito dos processos
neurológicos do sonho. Indagada sobre as razões que a impediram
de seguir tal caminho, respondeu que não conseguiria publicar seus
estudos em revistas científicas, uma vez que o campo é embrionário
e tem escassa bibliografia. Caso se dedicasse a estudar o sonho,
teria apenas um ou dois artigos publicados e ficaria reprovada no
concurso. Para se tornar professora universitária, abandonou seu
projeto, estudou outra área e conseguiu publicar 15 artigos. Hoje,
trabalha com pesquisas sobre o sonho na Universidade do ABC. “É
um exemplo de como o modelo de produtividade acadêmica bloqueia
as ideias. O Espaço Alexandria busca acolher exatamente esse tipo
de pesquisa”, realça o professor.
Marco Antonio Gonçalves, professor e diretor do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, sustenta que o maior
desafio da universidade no século XXI é desfazer a fragmentação
do conhecimento. Se o aprofundamento de diversos temas foi
reflexo de mudanças sociais e teve papel importante, ele pode gerar,
também, um isolamento nocivo. “Tentar aproximar campos que
estão no mesmo processo de discussão e não se comunicam, não
dialogam, deve ser uma tarefa da universidade”, observa o professor
do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da
UFRJ.
Ele considera que, a partir de determinadas questões, a área de
Humanidades pode produzir um diálogo bastante frutífero entre
diversos campos. Mas como conectá-los? Para ele, o caminho não
é, necessariamente, reunir fisicamente as pessoas, mas criar “redes
sócio-acadêmicas que façam com que o conhecimento ultrapasse
as instâncias de fragmentação. É preciso remontar a produção de
pesquisas a partir de outro paradigma”, conclui o antropólogo.
6
Jornal da
UFRJ
Comunidade
Junho/Julho 2011
Vila Residencial
da UFRJ
Joana Angélica, residente há 33
anos, aponta as melhorias na Vila
Residencial.
a conquista de seu espaço
Nem só de vida acadêmica vive a Cidade Universitária da UFRJ. Existe, depois do Parque
Tecnológico, em um terreno próximo à Divisão Gráfica, a Vila Residencial da UFRJ, onde moram
cerca de mil pessoas.
Rafaela Pereira
Q
uem poderia imaginar que na Cidade
Universitária existiria
uma vila residencial, com escola, igreja, comércio próprio e ruas
com nomes de flores? A moradia
no campus surgiu antes mesmo da
construção da própria universidade e do aterro que uniu as oito ilhas
antes existentes (Fundão, Baiacú,
Cabras, Catalão, Pindaí do Ferreira, Pindaí do França, Bom Jesus e
Sapucaia).
Por lá moravam pessoas que
ajudaram na construção da Ponte
Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) e, mais tarde, da própria universidade, como Antônio Pereira
da Silva (o “seu Tunico”), que veio
do Nordeste há 60 anos. “Eu tinha amigos que estavam aqui para
construir o Hospital Universitário,
não existia nada disso e as ilhas estavam sendo aterradas. Depois comecei a trabalhar na universidade,
construí família e fui ficando”, relembra o morador.
Tudo começou na época da
construção da Ponte Rio-Niterói,
quando o local onde hoje está a
Vila Residencial era utilizado como
canteiro de obras. Com instalações provisórias, as casas eram em
madeira e ocupavam uma pequena área. Depois que a Ponte ficou
pronta, esse alojamento ficou desativado e, logo após, um grupo de
funcionários da UFRJ pediu per-
missão para ocupar a área. Havia
também, distribuídas pelas ilhas,
famílias que usavam a terra para
subsistência. Essas foram transferidas para onde hoje se conhece
como Vila Residencial.
Assim nascia a Vila Residencial.
No início, as condições de moradia eram precárias. As casas eram
de madeira e, até bem pouco tempo, não existia tratamento de água
e esgoto. Os ônibus que servem ao
transporte interno da UFRJ lá não
circulavam com tanta frequência.
Foi a partir da luta de moradores e do apoio da Reitoria da que as
conquistas foram chegando à área.
Em 2009, houve o acolhimento da
Vila Residencial na proposta do
Plano Diretor da Cidade Universitária (PD UFRJ 2020), que tem
como objetivo a oferta de alternativas de moradia.
Hoje a Vila já possui saneamento básico - cujo investimento foi na
ordem de R$ 17 bilhões, oriundos
de fontes que não são os cofres da
UFRJ -, quando chove as ruas não
alagam mais e o comércio, que serve também à universidade, vem
crescendo. “As obras, a gente consegue através do Programa de Extensão da Vila, e não pela universidade, institucionalmente. A atual
Reitoria, assim como a futura, tem
tido uma postura diferente com relação à Vila”, aponta Pablo Benetti,
professor da Faculdade de Arquite-
Junho/Julho 2011
tura e Urbanismo (FAU), membro
do Comitê do PD UFRJ 2020 e coordenador do Programa de Extensão da Vila Residencial, vinculado
à Pró-reitoria de Extensão (PR-5).
De acordo com Ivan Carmo,
atual vice-prefeito da Cidade Universitária, o projeto de urbanização
da Vila foi feito pela própria PR-5
e pelo Escritório de Arquitetura
FAU. As obras foram realizadas
junto com a execução da dragagem e da despoluição dos canais do
Cunha e do Fundão. “O que a gente
está fazendo agora é a integração
desse sistema com o sistema de saneamento. Foi uma intervenção da
UFRJ junto ao governo do estado
Jornal da
UFRJ
Comunidade
para começar a promover, pelo menos, a higiene básica do local. Assim, mesmo com a Vila estando em
um plano mais baixo em relação à
baía da Guanabara, conseguimos
recalcar o esgoto e acabar com o
problema do retorno”, explica Ivan.
Mais obras
Há ainda a previsão da construção de uma creche – com custo em
torno de R$ 2 milhões e que deve
ficar pronta em, aproximadamente,
um ano -, e de um Posto de Saúde
da Família. “Esse é um projeto que
está sendo negociado com a Prefeitura do Rio e que teve a iniciativa
da Faculdade de Medicina (FM),
do Instituto de Estudos de Saúde
Coletiva (Iesc) e da Faculdade de
Enfermagem Anna Nery (EEAN)
da UFRJ. Ao mesmo tempo, o Comitê do PD UFRJ 2020 está negociando a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA),
próxima ao Terminal de Integração
Rodoviário”, adianta Pablo Benetti,
para atendimento da população da
Cidade Universitária.
Para Joana Angélica Pereira, da
direção da Associação de Moradores da Vila (Amavila), essa foi a
realização de um sonho. “Antes a
gente não tinha ação do poder público. Vivemos muitos anos com o
retorno de esgoto alagando as nos-
7
“A relação
agora é de
convivência. É
mais um apoio
do que uma
atuação na
Tuninho “foi ficando” e formou
família na Vila.
manutenção.”
Ivan Carmo
sas casas. E quando solicitávamos
uma atuação, recebíamos como
resposta que a Vila Residencial estava localizada no campus da UFRJ
e que era área da União. Apesar
de morarmos dentro de uma das
maiores universidades do país, a
gente vivia em completo abandono. De 2007 para cá é que a gente
percebe as mudanças. E hoje temos
a obra de saneamento, uma praça
com brinquedos e a regularização
fundiária. E será através dessa regularização que poderemos cobrar
mais do poder público”, aponta Joana, que reside na Vila há 33 anos.
Crescimento
Com tantas melhorias, há um
aumento na procura por moradias
na área e também na valorização
das casas. E se antes ela era apenas voltada para os funcionários
da universidade e suas famílias,
hoje não existe mais esse controle. “A tendência da Vila é que, nem
sempre, os moradores tenham vínculo com a UFRJ. E é preciso lembrar que não é uma vila operária,
como as construídas pelas fábricas.
É claro que o funcionário e o aluno são os que têm maior interesse
no local. O que a gente nota que é
ela vem suprir um problema sério
de não haver habitação na Cidade Universitária. Há um servidor
novo no Escritório Técnico da Universidade (ETU), engenheiro, que
veio de Juiz de Fora (MG), que está
alugando uma casa lá. A tendência
da Vila é que vire uma área como
todas as que existem na cidade”,
avalia Pablo Benetti.
E, atualmente, até os estudantes
procuram vagas para morar mais
perto de faculdade ou escola e não
perderem tanto tempo no deslocamento. “Nossa autoestima cresceu
8
Jornal da
UFRJ
Comunidade
Junho/Julho 2011
panhamento da saúde integral da
família. A Faculdade de Medicina
tem o ambulatório social, que presta atendimento quinzenal na Amavila. “A Escola Politécnica oferece
curso de Informática e, agora, também trabalha com um projeto de
inclusão digital através do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Outro projeto é a aula de música
aos sábados, com o patrocínio da
Petrobras. Através dessa articulação da PR-5, estão surgindo outros
projetos”, revela Joana Pereira.
Outro projeto conta com a participação da Faculdade de Odontologia (Odonto), que vem atender
a uma nova demanda da comunidade: “Começou quando viemos
aqui estabelecer um programa de
prevenção oral. Percebemos as necessidades e vamos começar o trabalho de Assistência Social com visitas domiciliares e programas para
idosos e crianças”, explica Márcia
Carvalho da Silva, assistente social
da Odonto.
Mariana Melo destaca o fato de morar perto de seu local de estudos.
e os moradores estão melhorando
suas casas para receberem os estudantes que moram longe ou que
não conseguiram vaga no Alojamento Estudantil. Temos uma característica de cidade do interior,
e isso tem atraído às pessoas para
cá. Os estudantes agora ajudam a
reforçar as nossas reivindicações”,
acredita Joana Angélica, da Amavila.
Seguindo regras já pré-determinadas, os alunos vivem em uma
espécie de “república”. Thiago Feijó faz licenciatura em Matemática,
morava em Guaratiba e optou pela
Vila para não perder tempo nos engarrafamentos: “Queria vir para cá
há mais tempo, mas somente agora
achei lugar”. Mariana Melo, estudante do 3º período de Biofísica,
mudou de Itaipuaçu, no município
de Maricá, para a Vila, pelo fato de
gastar cerca de cinco horas de sua
casa até a Cidade Universitária.
“Aqui é mais perto e bem mais barato. Tem boa segurança e, às vezes,
ficamos na praça conversando com
o pessoal da república que ninguém
mexe”, informa Mariana.
Marta Dias é a dona da casa em
que Mariana e Thiago estão morando. Segundo ela, mesmo que dê
mais trabalho, arrumou “um monte de filhos”. Marta avalia que até
ganha dinheiro, mas, na verdade,
quer ajudar os estudantes de alguma forma: “Sempre procuro vagas
para estágios. Gostaria que aqui
fosse instalada uma biblioteca. Eu
sempre penso no bem-estar dos estudantes. Eles perdem muito tempo no trânsito e não conseguem
estudar”.
E a UFRJ, ao mesmo tempo em
que incentiva o crescimento, fiscaliza. Há uma política de controle
de expansão. “Como há a possibi-
lidade de se ampliar as casas em
direção ao manguezal, qualquer
notificação de nova construção ou
ampliação pode ser embargada. E
essa conscientização de que não se
pode invadir a área de mangue é
uma cultura dos próprios moradores. Porém, sempre aparece um que
tenta burlar”, destaca Ivan Carmo.
Inclusão social
Escola de Enfermagem Anna
Nery (EEAN), Faculdade de Medicina (FM), Instituto de Nutrição
Josué de Castro (INJC), Instituto
de Biologia (IB), Escola Politécnica (Poli) e Escola de Serviço Social (ESS) são alguns dos exemplos
da atuação de unidades da UFRJ
na Vila Residencial. A EEAN, por
exemplo, atua na Vila há cerca de
20 anos levando as campanhas de
vacinação para a população local
e, por seus estudantes, faz o acom-
Uso do solo
De quem é a responsabilidade
de cuidar da Vila Residencial da
UFRJ? De acordo com Pablo Benetti, o terreno da universidade
deve ser usado essencialmente para
a função institucional. No caso,
a Vila poderia ser caracterizada
como um bairro, sem vinculação
institucional direta, mesmo que
ali morem servidores e estudantes.
O fato é que geopoliticamente, o
“bairro” pertence à XXª Região Administrativa da Prefeitura do Rio de
Janeiro.
Ivan Carmo explica que desde
2003 que a universidade não cuida diretamente da Vila Residencial,
uma vez que não é patrimônio da
universidade. “A relação agora é de
convivência. É mais um apoio do que
uma atuação na manutenção. Porém,
no passado a gente já fez mais. Na
década de 1990, existia até uma Subprefeitura lá. Infelizmente demorouse em caracterizar que essa não era
uma tarefa da UFRJ”, declara o futuro prefeito da Cidade Universitária.
Benetti explica que, legalmente, esse terreno ainda é da UFRJ.
Existe o processo de regularização
fundiária, mas até ser concluído, a
UFRJ é a responsável pelo espaço.
“Deixaremos de ser responsáveis
quando a Vila passar a ser parte legal da cidade do Rio de Janeiro. No
momento é um bem da União, que
não poderia ter uso habitacional. A
política da UFRJ com a Vila sempre
foi oscilante. Desde a época em que
se criou uma Subprefeitura apenas
da área. O problema é que isso não
é institucional e, caso não se resolva, vai sempre depender do ‘humor’
da Administração Central”, explica
o professor da FAU.
Junho/Julho 2011
Jornal da
UFRJ
Operação que matou
Bin Laden, além de
afrontar regras de
convívio entre as
nações, tem raízes
históricas na doutrina
da “supremacia
divina” dos Estados
Unidos sobre os outros
países, de acordo com
especialistas.
À sombra da lei
9
10
Jornal da
UFRJ
Internacional
Junho/Julho 2011
A operação secreta do governo estadunidense para matar Bin Laden, no dia 1º de maio,
transgrediu as regras mais banais do Direito Internacional. Sem pedir licença, um Estado
invadiu o território de outra nação soberana – o aliado Paquistão – e executou, sem
julgamento, aquele que considerava seu inimigo número um. E mais: admitiu ter praticado
tortura para obter informações sobre o paradeiro do líder da al-Qaeda, apontada como
a maior rede terrorista do mundo e assumidamente responsável pelo ataque, em 11 de
setembro de 2001, às torres gêmeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque.
Coryntho Baldez
O
episódio é apenas mais
um na longa tradição
dos Estados Unidos
da América (EUA) de usar a força
além de suas fronteiras para resolver problemas ligados à sua política
externa. Exemplo recente foi a invasão do Iraque, em 2003, sob o pretexto de que o governo de Saddam
Hussein possuía armas de destruição em massa e era uma ameaça
ao mundo – a tese foi desmentida
pelos fatos, mas o país prossegue
ocupado. Sustentada pela ideologia
que invoca a “supremacia divina”
dos EUA sobre os outros países,
que remonta ao século XIX, essas
ações beligerantes do governo –
pelo menos em um primeiro momento – acabam recebendo apoio
interno. A operação no Paquistão
não foge à regra: veio a calhar para
recuperar o prestígio eleitoral do
presidente Barack Obama e aproximá-lo até mesmo de eleitores conservadores. Afinal, foi o democrata
que cumpriu a promessa do republicano George W. Bush de matar
Bin Laden.
Um êxito para Obama
Do ponto de vista do país norte-americano, a investida contra o
complexo de Abbottabad, onde Bin
Laden estava escondido, foi um sucesso, de acordo com Arthur Bernardes do Amaral, do Laboratório
de Estudos do Tempo Presente
(Tempo), vinculado ao Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs)
da UFRJ. Ele afirma que a operação
foi feita de maneira discreta e extremamente efetiva, conseguindo
pôr fim a uma perseguição que já
durava aproximadamente uma década. “Obviamente, o modo como
a ‘Operação Lança de Netuno’ foi
conduzida gerou reações positivas
e negativas, pois os EUA não comunicaram ao governo paquistanês seus planos, gerando um claro
mal estar diplomático entre as duas
nações”, ressalta o pesquisador do
Tempo.
Segundo Bernardes, a ação foi
uma vitória política de grande peso
do presidente, credenciando-o à
reeleição em 2012. Ele avalia que
o êxito de Obama no campo da segurança, que tradicionalmente se
considera como área de expertise
dos republicanos, dá grande crédito ao líder democrata. “Com a
morte de Bin Laden, Obama teria
feito contra a al-Qaeda, em apenas
dois anos na Casa Branca, mais do
que Bush fizera ao longo de dois
mandatos. É razoável pensar que
a operação não gera tensões diplomáticas ou problemas de segurança mais profundos para os EUA
na Ásia Central, mas, sem dúvida,
o evento será elemento importante da política interna dos EUA no
futuro próximo”, analisa o cientista
social.
De acordo com Marco Antonio
Scarlecio, professor de Relações
Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), do
ponto de vista da norma do sistema
internacional, a ação do serviço secreto dos Estados Unidos para matar Bin Laden foi “complicada”, pois
o Paquistão é um país soberano e os
EUA atuaram lá sem aviso prévio.
“Eles entraram, distribuíram tiros,
eliminaram pessoas, apossaram-se
de informações e saíram sem dar
maiores satisfações. Do ponto de
vista operacional, tudo isso se deu
em função de a liderança do país
norte-americano
não confiar completamente
nos
dirigentes do Paquistão. É
mais um episódio
da relação ambígua entre os dois
países”, afirma o
especialista em assuntos de Defesa.
Destino divino?
Ao analisar as raízes da operação, o professor Luiz Antonio Simas, mestre em História Social
pela UFRJ, afirma que o processo de formação da identidade
nacional dos Estados Unidos
Um ciclo sem fim?
Ao comentar a possibilidade de o assassinato de Bin Laden,
em vez de estancar, alimentar o ciclo do terror, Arthur Bernardes do Amaral, pesquisador do Grupo de Acompanhamento e
Análise do Terrorismo Internacional do Laboratório de Estudos
do Tempo Presente ( Tempo) da UFRJ, afirma que o episódio, na
verdade, implicou um duro golpe à rede al-Qaeda. “O saudita era
o Emir do grupo, sua principal liderança política, de perfil carismático e grande responsável por mobilizar uma ampla rede de
apoiadores econômicos à organização. Sua morte significa o fim
de uma era para ela, pois gera um vácuo de poder em sua estrutura que demorará a ser preenchido”, comenta o cientista social.
Segundo ele, em um cenário de fragmentação interna e disputa entre diversas lideranças regionais, o critério nessa “corrida” pelo poder poderá ser quem consegue operar mais ataques
contra os inimigos da organização. “Caso ocorram, é mais provável que sejam realizados no médio prazo, pois qualquer ação
nesse momento encontraria os governos ocidentais e de países
considerados ‘apóstatas’ no Oriente Médio e na Ásia Central com
suas “guardas levantadas”, avalia Bernardes.
Embora ressalte que possa haver algumas ações pontuais
contra os países mais vulneráveis e próximos às bases da al-Qaeda, como Paquistão, Afeganistão e Arábia Saudita, o pesquisador
acredita que ataques contra alvos na Europa e Américas serão,
ao menos no curto prazo, menos prováveis.
“tem como contexto fundamental a
expansão territorial do século XIX,
com a mítica ‘Marcha para o Oeste’”. Ele explica que a base ideológica da conquista de territórios foi
a doutrina do “Destino Manifesto”,
amplamente difundida nos EUA ao
longo do século XIX.
Segundo Simas, a doutrina informa que o povo estadunidense é predestinado por Deus
para expandir o seu território e
levar, além das fronteiras naturais,
os princípios fundadores da nação.
“O sintetizador da doutrina foi o
jornalista John L. O’Sullivan, que
a expressou em um famoso ensaio
chamado Annexation. Uma das
suas passagens, diz o seguinte: ‘O
Destino Manifesto é um ideal moral superior que se sobrepõe a outras considerações, incluindo leis e
acordos internacionais’. A expansão, portanto, era o cumprimento
de uma missão divina. Isso está tão
arraigado na alma dos EUA que
não há como não lembrar de George W. Bush rezando salmos para
definir as estratégias de invasão do
Afeganistão e do Iraque”, analisa o
professor.
Arthur Bernardes do Amaral
lembra que a lógica do “Destino
Manifesto” bebe diretamente em
alguns mitos fundacionais da nação. Entre os principais, cita o mito
da “Providência Divina”, segundo
Junho/Julho 2011
Jornal da
UFRJ
Internacional
por Deus, deve se unir.
Os inimigos externos, segundo
ele, vão se modificando através dos
tempos: “De início, foram os índios
que viviam há milhares de anos nas
terras cobiçadas pelos Estados Unidos. Um pouco depois, a ira expansionista se voltou contra os latinoamericanos. Para lidar com os “cucarachas”, o presidente Ted Roosevelt
recomendou, em 1903, a utilização
de um grande porrete (big stick), que
os obrigasse a reconhecer a liderança dos EUA”. Em boa parte do século
XX - continua Simas -, durante pelo
menos 40 anos, o inimigo foi o comunismo – “falo dos tempos da ‘Doutrina Truman’, base da atuação dos
EUA durante a Guerra Fria”. E com a
dissolução da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), o inimigo externo foi redefinido. “A ameaça maior ao sonho americano nos
dias atuais é o terrorismo”, observa o
professor.
Para Simas, é emblemático que a
recente operação que terminou com
a execução de Bin Laden tenha se
referido ao “inimigo número um da
“Eles entraram,
o qual Deus favoreceria os colonos,
protegendo-os dos perigos
naturais e das ameaças desconhecidas no novo continente. “Havia também o mito da ‘Missão na
Natureza Selvagem’, de acordo com
o qual os colonos teriam de retribuir esse favor divino levando a luz
às trevas do continente, a ordem ao
caos, impondo a sua presença aos
vazios. Por fim, havia, também, o
mito da ‘Cidade na Colina’, que,
com base nos dois mitos anteriores, afirmava que as colônias na
América do Norte seriam como
uma cidade na colina, que é observada por todos ao seu redor e que,
consequentemente, serve de exemplo e modelo para todos os demais,
que devem copiá-la, já que é ela o
exemplo mais perfeito de comunidade que atende aos desígnios divinos”, assinala o pesquisador do
Tempo.
Segundo Bernardes, esses mitos
cimentaram a ideia de que os Estados Unidos seriam uma nação excepcional – “não apenas diferente,
mas melhor” –, que teria o direito
e o dever de atuar sobre o mundo
para ativamente transformá-lo e
fazê-lo à sua imagem e semelhança.
“A noção de que os Estados Unidos
são superiores enquanto modelo de comunidade política funda-
mentaria o intervencionismo de
George W. Bush, ao defender que a
exportação da democracia serviria
como panaceia universal”, afirma o
cientista social da UFRJ.
O inimigo externo
Contudo, a lógica da supremacia
estadunidense, para Bernardes do
Amaral, tem sido relativizada pelo
atual governo. “Barack Obama assume uma retórica de relativa humildade e maior multilateralismo, se comparado com seu antecessor. Mas até
mesmo ele argumenta que, em um
mundo permeado por diversas ameaças, a liderança dos Estados Unidos
continua sendo indispensável, muito
embora ele não possa liderar sozinho”, observa o pesquisador.
Já Marco Antonio Scarlecio acredita que o episódio pode ser explicado pelo fato de os Estados Unidos
ocuparem a posição de mais importante potência capitalista do mundo,
não tendo vínculo imediato com a
ideologia do “Destino Manifesto”.
“Boa parte dos estadunidenses adoraria não ter seu país engajado diretamente em questões mundiais”, avalia o professor.
No entanto, para Simas, ao difundir a doutrina do “Destino Manifesto” como um dos fundamentos da
nação, os Estados Unidos também
vão construir outro poderoso mito
de unidade nacional: a ideia de que
o sonho americano de expansão da
liberdade é constantemente ameaçado por inimigos externos, contra os
quais o povo da América, escolhido
distribuíram
tiros, eliminaram
pessoas,
apossaram-se de
informações e
saíram sem dar
maiores satisfações.
Do ponto de
vista operacional,
tudo isso se deu
em função de a
liderança do país
norte-americano
não confiar
completamente
nos dirigentes do
Paquistão. É mais
um episódio da
relação ambígua
entre os dois
países”
11
América” como “Gerônimo”, chefe
apache de meados do século XIX que
liderou o combate contra os pioneiros norte-americanos durante a expansão territorial dos Estados Unidos. Ele ressalta que Gerônimo foi
considerado um índio renegado pelo
governo dos EUA por lutar contra a
entrega dos territórios indígenas e o
confinamento dos nativos em reservas federais. “Há que se considerar
que os povos apaches começaram a
ocupar as planícies da parte central
e do sudoeste da América do Norte
por volta do ano de 850. Portanto,
cerca de mil anos antes da doutrina
do ‘Destino Manifesto’ afirmar que
Deus designou aos Estados Unidos o
direito de conquistar aqueles territórios”, lembra o pesquisador.
É mais impactante ainda perceber, de acordo com Simas, que o
presidente dos EUA se vangloriou
de ter recebido a mensagem cifrada
da execução de Bin Laden com a frase “Gerônimo morreu em combate”.
“O racismo explícito que marcou a
postura dos desbravadores do Oeste e dos governos contra os índios
apaches revive na operação autorizada pelo presidente negro”, assinala o
mestre em História Social.
“Nós contra eles”
Arthur Bernardes do Amaral
considera que a figura de um inimigo externo é uma constante quando
olhamos para diversas retóricas de
mobilização nacional. “Isso ocorre
tanto no caso dos Estados Unidos
como no caso de outros países, para
os quais os próprios Estados Unidos
são esse inimigo externo. Não há
inocência nesse tipo de acusação”,
afirma o cientista social.
Para ele, a questão principal é o
resultado desses discursos. Ao mobilizar sentimentos do tipo “nós
contra eles”, afirma, os líderes políticos podem ser autorizados por
seus respectivos públicos eleitores
a tomar medidas extremas que não
seriam sequer cogitadas em outros
momentos.
Isso ocorreu com muita clareza nos Estados Unidos – lembra
Bernardes – quando o presidente
Bush chegou a ter 90% de aprovação popular pouco mais de uma
semana após os atentados de 11
de setembro: “Foi a maior taxa de
aprovação da séria histórica que é
medida desde 1932 pelo Pew Research Center (organização independente de pesquisa de opinião
pública). Foi com base nesse maciço apoio popular e em um discurso que apresentava o terrorismo
como uma ameaça que deveria ser
combatida a qualquer custo que o
governo estadunidenses aprovou
o chamado Patriot Act. A medida
flexibilizou uma séria de direitos
civis em nome do combate ao terrorismo e foi renovado por mais
quatro anos no final de maio”.
12
Jornal da
UFRJ
Forma & Sentido
Junho/Julho 2011
Tzvetan Todorov
A poesia viverá sempre
Marco Fernandes
U
m dos mais influentes pensadores acerca dos estudos literários, o historiador, linguista e ensaísta búlgaro Tzvetan Todorov esteve no Rio de Janeiro, em junho, para
participar de um ciclo de palestras, tendo como tema central o lugar da poesia na sociedade contemporânea. O evento “Forma e Sentido”, realizado no teatro Oi
Futuro, no Flamengo, reuniu, com o apoio e participação da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ, outros intelectuais, como a professora e crítica literária estadunidense
Marjorie Perloff, o poeta francês Michel Déguy e o músico e ensaísta brasileiro José Miguel Wisnik. Com curadoria do poeta, filósofo e ensaísta Antônio Cícero, o encontro
procurou discutir a produção literária no ambiente das novas tecnologias e as possibilidades da leitura diante da frenética e veloz vida moderna.
Em entrevista exclusiva ao Jornal da UFRJ, Todorov critica o ensino de Literatura baseado exclusivamente na análise das estruturas internas do texto, sem relação com o
contexto mais amplo em que a obra está inserida. O problema, segundo ele, afasta as novas gerações do prazer da leitura, privando-as de “uma das melhores heranças da
humanidade”. O pensador, radicado na França desde 1963, também aborda o sentido à existência que os livros são capazes de imprimir e o futuro das obras literárias no
cenário das novas tecnologias. Independentemente do suporte, Todorov confia na imaterialidade do texto. “A poesia viverá sempre, ainda que o poema esteja gravado numa
rocha. O importante é o espírito humano, e o espírito é imortal”, destaca o historiador, autor de cerca de 30 livros.
Marcio Castilho
Jornal da UFRJ: O senhor viveu até o
início dos anos 1960 na Bulgária, país
do bloco comunista. Até que ponto
aquele contexto o influenciou nos primeiros estudos em que faz uma aplicação direta do estruturalismo no campo
da Literatura? Quais as dificuldades de
produção literária e cultural naquele
país?
Tzvetan Todorov: A vida cultural e a
vida intelectual em um país totalitário
são diretamente controladas pelo aparelho do partido. E os estudos literários, assim como a Sociologia, a Filosofia, a Economia, as Ciências Humanas
e Sociais eram afetados. Dessa forma, a
Literatura que nós estudávamos tinha
um objetivo preciso: mostrar que ela
servia para ilustrar e confirmar a ideo-
logia oficial, nessa época, o marxismoleninista. No entanto, essa operação
não valia a pena, porque as coisas eram
muito simplificadas, muito esquemáticas. As obras de Marx não eram lidas
nunca. Era um tipo de catecismo que
era necessário aprender. Fiz o Ensino
Superior em Literatura na Universidade de Sófia. Para alguém como eu, um
jovem comum que amava a Literatura
e que queria fazer de seu estudo sua
profissão, havia esse grande obstáculo.
Tudo o que se podia fazer era reiterar
a ideologia corrente e afirmar que o
povo é assim, que o capitalismo é daquele jeito, que a história levava a essa
direção, o que não era muito excitante.
Um pouco graças ao contato com os livros ou com as pessoas, tive a ideia de
procurar uma parte da Literatura que
escapasse da ideologia. Essa parte era a
materialidade do texto, ou seja, o material linguístico. Portanto, eu diria que
o contexto teve uma influência muito
forte. Nós éramos orientados ou a ilustrar a ideologia do ambiente ou entrar
num tipo de neutralidade que não poderia ser nada além de formalista. Podíamos contar as sílabas de um verso
e dizer se ele tinha um ritmo dactílico
ou iâmbico, observar as figuras retóricas que eram empregadas. Evidentemente, é possível se interessar por esse
tipo de estudo, mas não é o principal
sentido do estudo de Literatura.
Jornal da UFRJ: O senhor se mudou
para Paris, tendo concluído seu doutorado com Roland Barthes em 1966.
Como percebeu a nova realidade em
país democrático e como esse novo contexto – mais pluralista e sem doutrinações ideológicas – afetou sua produção
no campo da Literatura?
Tzvetan Todorov: Para quem vivia
num país comunista daquela época, o
maior sofrimento era o fato de que, nas
lojas, não havia nada. As prateleiras
estavam sempre vazias. Quando descobríamos que as batatas haviam aparecido numa loja, toda a cidade de Sófia partia para encher a dispensa com
batatas. Num determinado momento,
escutávamos que, do outro lado da
cidade, havia cebolas, e nós íamos rapidamente para lá comprar cebolas.
Inevitavelmente, a primeira impressão
que se tem quando se chega a um país
do Ocidente é que as lojas tinham de
Junho/Julho 2011
tudo, o tempo todo. Podia-se dizer que
“é uma fraqueza ser tão sensível aos
bens materiais e assumir o papel de
consumidor” ou que “vivemos nesse
maravilhoso país de ideais comunistas
e você não deve se queixar porque não
há ovos ou manteiga nas lojas”. Acredito que esse ponto de vista é muito
superficial. Na realidade, era uma humilhação cotidiana para a população,
que não podia satisfazer suas necessidades mais imediatas. Então, essa primeira impressão foi um baque. Essas
pessoas de quem ouvíamos dizer que
sofriam sob o jugo capitalista podiam
ir a todas as lojas enquanto nós, que
vivíamos no paraíso comunista, não
tínhamos nada. A liberdade foi outra
coisa que me sensibilizou bastante.
Liberdade é uma palavra muito bonita, mas na vida cotidiana não se precisa dela, somente quando começamos
a escrever e a querer publicar – e esse
era o meu caso. Terminei os estudos
literários e comecei a fazer um pouco de Jornalismo, alguns estudos literários, e eu queria publicar. Nesse
momento, me deparei com a censura,
que tinha o rosto de um redator-chefe
que fazia o papel dele ao dizer: “Isso
não é positivo para o Partido Comunista. É necessário corrigir”. Essa era
uma coisa que me fazia sofrer. Montaigne disse, no século XVI, que se
amanhã me proibirem de ir a Nantes
eu sofrerei fortemente, ainda que eu
não tenha intenção alguma de ir a
Nantes. A liberdade para o espírito é
um tipo de oxigênio. Temos a necessidade de dizer: “Eu posso fazer tudo
o que eu quero, mesmo que não faça”.
Então, o segundo ponto foi descobrir
que as pessoas podiam dizer tudo
o que queriam e que ninguém tinha
temor em falar contra as autoridades.
Havia ainda uma terceira diferença:
os jovens da minha geração, em sua
maioria, tinham convicções comunistas, uma visão de que era necessária
a construção do comunismo. Como
vinha de um país do comunismo real,
olhava com grande perplexidade esses jovens que eram meus colegas.
Comíamos e bebíamos juntos. Cortejávamos as mesmas garotas. Nós éramos muito próximos. Gostava muito
deles, mas não compreendia suas posições políticas. As coisas das quais eu
havia escapado, as que me faziam sentir aliviado eram as que eles gostariam
de viver. Eu não tenho um caráter
bélico, não gosto de fazer polêmicas,
portanto, eu não tentava convencêlos e evitava falar desse assunto. Eu
havia descoberto nessa época, por
causa dos meus estudos anteriores,
o que chamam de formalismo russo.
Era um grupo de críticos literários
de grande talento que tinham escrito alguns estudos muitos bons sobre
Literatura na época da revolução em
1918, em 1925 ou em 1930. Depois, o
“Stalinismo” destruiu tudo, mas eram
pessoas com muitas ideias originais.
E meu primeiro trabalho foi consti-
Forma & Sentido
tuir uma antologia dos textos deles e
traduzi-la para o francês. Essa tradução do russo para o francês, ainda que
eu fosse búlgaro, foi minha primeira
manifestação intelectual. A antologia
caiu em um terreno favorável, porque na França começava a moda do
estruturalismo, notavelmente através
da obra de Claude Lévi-Strauss, um
grande etnólogo que viveu no Brasil,
e também de alguns linguistas traduzidos, como Jakobson, entre outros.
Traduzir os formalistas russos deu a
impressão de que agora havia um ingrediente literário. Então essa ideia
foi bem acolhida. Fiquei bem visto
pelos colegas, por pessoas como Gerard Genette, Roland Barthes e outros
menos conhecidos, que me encorajaram a fazer exatamente esse tipo de
estudo. Então, dessa forma, continuei
o que eu fazia na Bulgária e em condições infinitamente mais favoráveis,
porque poderia fazer o que quisesse
sem me preocupar com a censura.
Jornal da UFRJ: O senhor dirigiu durante muitos anos a revista Poétique.
Já havia nesse momento uma preocupação sobre a forma pela qual as obras
literárias estavam sendo representadas
como objeto de linguagem fechado. Poderia comentar essa fase?
Tzvetan Todorov: Criei essa revista
com Gerard Genette. Não queríamos
afirmar que a obra literária era um
objeto fechado em si mesmo, como
diz a questão. Apenas pensávamos
que, para ler bem uma obra literária,
não bastava reunir informações sobre o contexto. Era necessário também ocupar-se muito dessa obra em
si. Então, o que nós queríamos era
completar o que já existia
com um estudo interno
da obra e não eliminar
tudo o que fosse externo.
Para provar, eu diria que,
entre os estudos de obras
que fiz nessa época, havia
alguns que eram mais formais e outros que falavam
do sentido e da ideologia que
esse texto continha. Obras de
James, Dostoievski ou de autores como Conrad me pareciam
revelar melhor seu sentido se eu
pudesse levar em conta também
a estrutura, a análise interna.
Mas era uma coisa e outra. Nossos admiradores ou discípulos
muito rapidamente sistematizaram o que nós fizemos para elaborar uma espécie de catecismo estruturalista que desempenhou, por sua
vez, um papel importante, sobretudo
no ensino. Eu diria que menos na
crítica, mas no ensino isso se tornou
uma espécie de receita. Nunca houve
a intenção, nem por Genette nem por
mim, de obrigar os alunos a aprender
as seis funções da linguagem de Jakobson, os quatro valores de Greimas, as
24 situações dramáticas etc. Isso é um
tipo de redução da Literatura ao estudo do inventário retórico. Nós pensávamos que era necessário melhorar os
instrumentos de análise, mas não pensávamos substituir o estudo das obras
pelo estudo do instrumento.
Jornal da UFRJ: Em seu livro A literatura em perigo (Difel, 2009), o senhor
escreve que o prazer da leitura teria sido
substituído pelo prazer da “engenhosidade analítica”, ou seja, um modelo que
privilegia o “texto como um mundo à
parte”. Como avalia o ensino da Literatura hoje?
Tzvetan Todorov: Meu ponto de vista
hoje é que não há uma ruptura entre a
Literatura e o mundo em que vivemos.
Ela deve ser vista seriamente e não
como um brinquedinho, um pequeno
objeto bem construído que nós podemos admirar por sua engenhosidade.
Ela é muito mais ambiciosa, é um meio
de conhecer o ser humano, a sociedade
humana, a condição humana. Um meio
que não é o da Ciência, da Filosofia e
que, por essa razão, não pode ser reduzido a sentenças, como eu poderia dizer
“sim ou não”, “verdadeiro ou falso”, mas
que tem forças muito próprias que são as
forças da imagem, do discurso, do ritmo,
da sonoridade, que nos permitem revelar esse mundo que nos permeia melhor
que qualquer outro modo. Formulei
pouco a pouco a noção de que a Literatura é primeira Ciência Humana. Bem
antes da Sociologia, da Psicologia ou da
História, Homero, os poetas que inventaram o livro de Jó ou os evangelhos, as
tragédias gregas ou a narrativa histórica
Jornal da
UFRJ
13
já desejavam compreender melhor o
humano. Diria que, se a Literatura não
tivesse essa ambição, não leríamos mais
os autores do passado, não teríamos o
prazer de brincar com jogos do século V.
Se nós lemos Quixote, Shakespeare ou
Guy de Maupassant, é porque nós temos
a impressão de que, através das personagens deles, através dessa alteridade,
podemos descobrir melhor o que nós
mesmos somos, a vida que nos envolve,
o nosso mundo.
Jornal da UFRJ: Quais as razões históricas que levaram professores e críticos
literários a privilegiar uma visão reducionista da Literatura, ou seja, uma visão do
ensino da Literatura apenas como forma
de acesso aos gêneros literários ou como
tentativa de classificação da história da
Literatura por períodos, em detrimento
da leitura dos textos propriamente ditos?
Tzvetan Todorov: Penso que o leitor
comum que não fez estudos literários ou
que não vai à universidade lê a Literatura
sempre da mesma maneira, e lê para se
distrair, para ter prazer. Mas, ainda assim, quando lê um grande romance ou
um poema – porque isso acontece ainda
–, ele tem a impressão de que essa obra
fala com ele. Mas você tem razão de perguntar por que ela teve essa evolução. Na
universidade ou na escola, mesmo fora
desses espaços, há a concepção de que
a Literatura mudou. Apresento em meu
livro algumas hipóteses, porém é uma
grande questão, e eu não posso garantir
que aquelas hipóteses são as melhores.
Acho que uma das razões é o impacto do
14
Jornal da
UFRJ
individualismo que a Filosofia e a visão
de mundo contemporânea apresentam.
Acredito que o individualismo deu
atenção apenas à questão do conhecimento do ser humano e tornou,
de certa forma, fútil o questionamento acerca do que é o homem.
Essa questão está um pouco fora de
moda hoje. Nietzsche dizia que não
há verdade. O que existe são interpretações. Se nós acreditamos que
não há mais do que interpretações,
pode-se dizer que a verdade não
existe. Tudo é relativo, tudo é arbitrário. Então, esse conhecimento
do humano que a Literatura pode
oferecer é o conhecimento dos escritores, mas não um conhecimento verdadeiro. Ela não me acrescenta nada de mais. Esse tipo de individualismo extremo que coloca em
questão todos os valores, todas as
certezas, é um ingrediente. Outro
elemento é que, no século XX – não
sei sobre o Brasil, mas acho que indiretamente vocês receberam essa
influência – houve uma espécie de
reação contra a dispersão individualista e isso deu lugar às ideologias
totalitárias. Essas ideologias queriam executar um tipo de marcha
à ré e restabelecer uma sociedade
que seria moderna em sua tecnologia, mas antiga em suas estruturas.
Todo mundo vigia todo mundo,
mas há um chefe da vila e a tudo o
que ele diz é necessário obedecer.
Há o chefe de Estado e o rei absoluto que diz: “O Estado sou eu”.
Essas palavras jamais foram mais
verdadeiras que nos reinos de Stalin ou Hitler. Stalin podia mudar
qualquer lei, qualquer regra. Sua
vontade era a única coisa que contava. Sob essas condições, o sentido
da Literatura que nós aprendemos
evidentemente recebeu um grande
golpe, já que a produção literária
provinha da propaganda e não era
uma exploração profunda da verdade humana. Em oposição, os países da democracia liberal que se viram numa situação mais ou menos
de Guerra Fria passaram a rejeitar
violentamente a ideologia. Eu diria
que, por uma espécie de lógica do
contraste, eles valorizaram o puro
formalismo, uma separação entre o
mundo da obra e mundo em que vivemos. Acredito que todas essas influências ideológicas que são subterrâneas e de longa duração agem
para nos fazer esquecer o encanto
da Literatura. Eu acrescentaria,
para terminar, que a ideologia neoliberal ou ultraliberal – a que domina o mundo de hoje, começando na
China, indo até o Chile, passando
por muitos outros países – nos diz
que os valores humanos são completamente submissos aos valores
econômicos. E se acreditamos nesse pensamento, não há muito espaço para a Literatura – ela que nos
fala do amor, dos sofrimentos do
Forma & Sentido
relacionamento entre pais e filhos,
da beleza das obras, das paisagens
ou das angústias individuais. Acho
que um poema não possui nenhum
valor de mercado. Ele não possui
nenhum valor além da medida em
que ele toca o homem, o leitor. Isso
nós não podemos medir. Portanto,
não há espaço no mundo de hoje.
Jornal da UFRJ: Quais as consequências desse modelo de ensino para
as novas gerações de leitores?
A espécie
humana sempre
quis ver mais
longe do que a
sua existência
imediata.
Nunca se
contentou só
em se divertir.
Desde a
antiguidade,
sempre existiram
homens que
fizeram
avançar nossa
compreensão
do humano e eu
acho que isso vai
continuar. Os
robôs não vão
nos entender.
Tzvetan Todorov: Eu diria muito brevemente que se pode compreender como a privação de uma
das melhores heranças de humanidade. Depois de três mil anos,
acumulamos uma sabedoria, uma
compreensão do mundo. Portanto,
não há nenhuma razão de privarnos e nós, que lemos alguns livros
e temos contato com os autores do
passado, temos o dever de manter
essa chama acesa. Ajudar as novas
gerações a alcançar isso não é fácil, porque existem, hoje em dia,
muitas outras distrações, como a
Internet, a televisão, o videogame.
Mas não avalio que devamos nos
desesperar. A espécie humana sempre quis ver mais longe do que a
sua existência imediata. Nunca se
contentou somente em se divertir.
Desde a Antiguidade, sempre existiram homens que fizeram avançar
nossa compreensão do humano e
eu acho que isso vai continuar. Os
robôs não vão nos entender.
Jornal da UFRJ: Como o senhor
avalia o futuro do livro no cenário
das novas tecnologias e quais as novas configurações que a vida digital
impõe às obras e aos estudos literários?
Tzvetan Todorov: Acho que o problema é menor para os estudos literários, porque eles estudam o texto,
qualquer que seja a forma em que
ele é difundido. Quando lemos um
romance numa tela, num livro eletrônico, num livro de bolso ou num
Junho/Julho 2011
livro de luxo é o mesmo romance.
Portanto, os estudos literários podem dormir tranquilos e continuar
como já fizeram. Mas eu acho que
isso vai influenciar, já influencia a
Literatura em si mesma e a prática
da leitura. Eu mesmo sou completamente formado – ou deformado
– pelo mundo no qual existe o objeto livro e não consigo ler com a
mesma facilidade um livro eletrônico.
Eu gosto de ter o objeto livro, virar as
páginas. Isso faz parte do meu prazer,
mas eu posso conceber muito bem que
meus filhos e os filhos deles passem a
esses outros suportes. No entanto, o
que gera interesse no livro não é o suporte, mas o texto. E o texto é imaterial. Ele pode passar de uma língua
a outra, de um suporte a outro. A
poesia viverá sempre, ainda que o
poema esteja gravado numa rocha.
Ainda que a Internet não existisse
mais, que as fotocópias não existissem mais, que a máquina de escrever não mais existisse, usaríamos
um martelo para fazer a escrita hieroglífica. O importante é o espírito
humano e o espírito é imortal.
Marco Fernandes
Marco Fernandes
Junho/Julho 2011
Entrevista
Jornal da
UFRJ
15
Marco Fernandes
A precariedade dos sistemas de transporte
público afeta profundamente a relação dos
cidadãos com a cidade. Sobretudo no Rio de
Janeiro, as deficiências nos serviços prestados
por empresas de ônibus, trens e metrô
colaboram para a segregação do espaço
público, restringindo o contato com o outro e
a possibilidade de experimentação da novidade.
Tais análises acerca do papel dos meios de
transporte na produção de espaços coletivos e
sua importância para os processos de alteridade
ocupam lugar central nos estudos etnográficos
de Janice Caiafa Pereira e Silva, professora da
Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. “O
transporte coletivo ajuda a realizar a cidade”,
afirma a pesquisadora, salientando a função
desses meios para a partilha da cidade.
Em entrevista ao Jornal da UFRJ, Janice Caiafa
observa como a falta de investimentos na área
afeta, particularmente, as populações de baixa
renda, que não contam com outras opções
para circular no ambiente urbano. A professora
também analisa a passagem do direito de uso
ao consumo na oferta de serviços de transporte.
É o caso da gestão privada do metrô do Rio de
Janeiro. “Somos tratados não como alguém que
exerce o direito de uso daquele equipamento
coletivo de serviço, mas como alguém que
compra deslocamento”, relata a docente, que
lançará um livro com base nos dados da pesquisa
etnográfica sobre o cotidiano do metrô do Rio
de Janeiro.
Entrevista
Janice Caiafa
16
Jornal da
UFRJ
Entrevista
Junho/Julho 2011
Marco Fernandes
Entrevista
Janice Caiafa
Partilhar a cidade
Pesquisa recente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da
UFRJ revela que a frota atual de 1,8 milhão de automóveis na cidade do Rio ultrapassará os três milhões até
2020, o que representará um carro para cada dois habitantes. “O veículo coletivo ocupa nove vezes menos
espaço por passageiro transportado que um automóvel. O carro particular não poderia estar no futuro das
cidades”, afirma a professora, autora dos livros Aventura das cidades: ensaios e etnografias (FGV, 2007) e Jornadas
urbanas: exclusão, trabalho subjetividade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro (FGV, 2002), entre
outras obras.
Doutora em Antropologia pela Universidade de Cornell (EUA), com pós-doutorado pela City University of
New York, Janice Caiafa está à frente da Coordenação Interdisciplinar de Estudos Culturais (Ciec), núcleo de
pesquisa vinculado ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da ECO. A pesquisadora aponta
que as medidas para gerar o “contágio” e a partilha urbana devem ser orientadas sempre em prol do uso
coletivo do solo urbano. Nessa entrevista, a professora também reflete sobre a apropriação do Ensino Superior
como fonte de rentabilidade para o capital e discute as limitações das novas tecnologias de Comunicação nas
relações sociais.
Márcio Castilho
Jornal da UFRJ: Em que medida a qualidade dos meios de transporte pode afetar a
relação do cidadão com a cidade?
Janice Caiafa: O transporte coletivo tem
um papel fundamental na relação que estabelecemos com a cidade, porque constrói acesso. O transporte coletivo distribui
a população para longe das vizinhanças,
promovendo heterogeneidade e legando a
muitos a possibilidade de circular pela cidade. Por isso, ele tem uma função dessegregante em alguma medida. O transporte
coletivo ajuda a realizar a cidade. A cidade
se constitui historicamente como um meio
heterogêneo e diverso. O historiador Lewis
Mumford mostra que as funções urbanas
somente se desenvolvem quando a cidade
começa a atrair desconhecidos — outsiders. As cidades, segundo ele, não se constituem somente no quadro de um fenômeno de sedentarização, mas atraindo gente
que vem de fora, seja comerciante ou até
um inimigo invasor. Chamei isso de uma
“captura atrativa”. É interessante observar,
portanto, que, nos inícios das cidades,
existe um movimento, um deslocamento,
um nomadismo. Todos nos tornamos um
pouco estrangeiros nesse contexto. Desenvolvi essa questão no livro Aventura das
cidades: ensaios e etnografias. A cidade oferece um tipo de abertura, um tipo de inserção a esses desconhecidos, que não chega a
ser, de fato, uma integração, mas é um tipo
de pertinência. Claro que em muitos momentos essa potência das cidades, que está
presente desde a sua constituição, pode ser
neutralizada. Essa diversidade pode não
produzir diferença, mas permanece no
horizonte das cidades e somente se realiza com a produção de espaços coletivos.
O transporte coletivo, precisamente, é um
grande agente dessa dispersão urbana,
desse movimento tipicamente urbano de
produção de heterogeneidade, porque ajuda a partilhar a cidade e a produzir espaços coletivos. Realiza uma dessegregação
provisória, que é essa noção que apresentei
no livro Jornadas Urbanas. Não supera os
códigos sociais, mas constrói esse tipo de
dessegregação provisória e local, porque
permite acesso, dá fuga, conduz as pessoas
para longe, inclusive para longe do meio
familiar. Mesmo no próprio veículo coletivo se constitui um meio heterogêneo de
contato com desconhecidos, com estranhos. Tenho me interessado muito em explorar esse tipo de comunicação que é possível nas cidades, essa comunicação com
estranhos. Tenho chamado de “comunicação da diferença” em contraste com o reconhecimento. É uma comunicação marcada pela imprevisibilidade dos encontros
citadinos em que você se defronta muito
mais com a novidade. Então, há um papel
importante do transporte coletivo no povoamento das cidades e na realização da
cidade como lugar de heterogeneidade.
Esse contato com o outro, tornado possível na rua ou no transporte coletivo, é um
grande agente que permite esse tipo de experimentação com a subjetividade, porque
justamente nos transforma. Quando nos
expomos às descontinuidades no meio
diverso das cidades, experimentamos, em
algum grau, a novidade. Por isso se pode
falar em renovação dos processos subjetivos. O transporte coletivo produz um
momento particularmente propício para
essa experimentação porque ali se produz
uma pausa em relação ao movimento da
rua. Nele, você se coloca ao lado desses
desconhecidos. É uma pausa. Isso permite uma chance especialmente interessante
para essa experimentação subjetiva, para
esse treino ético de conviver com os outros
e de entender as necessidades de gente que
você não conhece.
Jornal da UFRJ: Analisando especificamente o caso da cidade do Rio de Janeiro,
como a precariedade do transporte coletivo
pode também refletir uma segregação do espaço público?
Janice Caiafa: É interessante pensar como a
precarização do transporte coletivo numa
cidade inibe nossos movimentos, impede
essa partilha da cidade e contribui para inviabilizar essa experiência das diferenças.
Isso é particularmente cruel com os pobres, que, em geral, não têm outras opções
Junho/ Julho 2011
de transporte. Não poder se mover numa
cidade ou se mover a duras penas é uma
enorme limitação. Segmentos inteiros de
uma população podem ser condenados,
fadados a uma imobilidade e, portanto, à
exclusão. Essa é uma forma violenta de exclusão. Portanto, a precarização do transporte coletivo contribui muito para produzir segregação na cidade. Recentemente,
em Ipanema, quando da inauguração da
estação General Osório, houve um clamor
entre algumas pessoas contra a chegada do
metrô. Em Higienópolis, em São Paulo,
bairro de alta renda, há quem se preocupe,
também, com o projeto do metroviário.
Tais pessoas querem justamente evitar essa
partilha. Anos atrás, durante o governo de
Leonel Brizola, a introdução dos ônibus
“Padron” para ligar a Zona Norte à Zona
Sul também gerou um clamor contra a implantação desses coletivos. Tudo isso diz
respeito a partilhar ou não partilhar a cidade. No Rio de Janeiro, os ônibus são tradicionalmente precários. Os motoristas são
extremamente explorados, correm como
loucos. Os veículos têm problemas de manutenção estruturais. Tive oportunidade
de conhecer bem essa situação na pesquisa
sobre as viagens de ônibus que resultou no
livro Jornadas urbanas. Os trens, que funcionam no modelo privado, também são
precaríssimos. O metrô é, em geral, mais
confiável, mas sofreu um abalo recentemente e as condições de viagem pioraram.
Há o problema da relação do Estado com
as concessionárias, nesse contexto. Em
todos esses casos, a gestão é privada e, no
caso dos ônibus, a propriedade também é
privada. Esse regime de propriedade e gestão privadas mobiliza uma fórmula de poder em que os rodoviários são submetidos
a um esquema muito apertado de exploração. Num modelo privado, o que se observa é que muitas vezes os próprios usuários
são anexados ou colocados para produzir
em alguma medida. A cidade inteira, de
certa forma, é anexada. Há o problema
também do subsídio ao automóvel privado. É uma figura da privatização do espaço
urbano e da segregação das cidades. Tudo
isso faz parte do quadro de precarização
do transporte coletivo.
Jornal da UFRJ: Uma estatística pode
aprofundar a discussão sobre a relação entre transporte individual e perda do espaço
público coletivo: nos últimos dez anos, a
frota de veículos particulares em circulação na cidade do Rio de Janeiro registrou
um aumento de 29,54%. Nesse período, a
população carioca cresceu 7%, de acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Coppe-UFRJ revela que
a frota atual de 1,8 milhão de automóveis
ultrapassará os três milhões até 2020, o que
representará um carro para cada dois moradores.
Janice Caiafa: A primeira questão é que
o automóvel particular realiza uma ocupação privada da via pública. O veículo
coletivo ocupa nove vezes menos espaço
por passageiro transportado que um automóvel particular. A ênfase na construção
de viadutos e rodovias numa cidade e a
preocupação com o escoamento de um
Entrevista
tráfego cada vez mais congestionado são anúncios empresariais, perceberemos que
uma tentativa de viabilizar o transporte ali se busca, antes de tudo, fazer crer que
em automóvel particular. O mesmo ocorre se está comprando um bom produto. Isso
com os estacionamentos. O estacionamen- parece se tornar mais importante do que
to é uma forma de preservação da pro- fornecer um bom transporte. É assim com
priedade privada. Ele é sempre pago. Não a publicidade em geral, mas quando está
existe, a rigor, estacionamento gratuito. A em jogo o fornecimento de um serviço,
sociedade paga para o motorista de carro o problema se coloca mais fortemente. É
particular ocupar a via pública. O carro importante, antes de tudo, observar como
particular não poderia estar no futuro das o tratamento ao usuário e do espaço do
cidades. Não apenas as administrações lo- equipamento coletivo muda nesse contexcais estimulam o automóvel particular. Re- to. Por exemplo, no caso da exploração do
centemente o governo federal estimulou a espaço do metrô para anúncios de outras
compra em massa de automóvel privado empresas. No contexto da gestão privada
com a redução de impostos. Há também do metrô do Rio de Janeiro, há essa tena questão da desejabilidade do automóvel, tativa de exaurir esse espaço, de exploráuma situação laboriosamente construída lo ao máximo para extrair lucro também
no contexto do capitalismo contemporâ- daí. Tanto nas gestões públicas quanto nas
neo. O carro é um bem de consumo muito privadas, os anúncios são, de fato, uma
almejado. Os anúncios publicitários ex- renda alternativa a que muito frequenteploram a sensação de poder que muitas mente os metrôs do mundo recorrem. O
pessoas parecem ter com a posse de um desejável, por outro lado, é que essa renda
carro. Claro que para o motorista de carro alternativa seja utilizada em prol da moparticular vai ficando mais difícil circular dicidade da tarifa. Esse é um princípio do
nas cidades, mas justamente por culpa do transporte coletivo reconhecido pelo direiexcesso de veículos.
to administrativo
Não são os ônibus
Acredito
“As novas tecnologias brasileiro.
os
responsáveis
que, no contexto
pelos congestionanos trazem coisas que de uma gestão púmentos. Ao conblica, pode haver
trário, eles contrirealmente precisamos mais chance de
buem para esvaziar
que isso se dê. Não
conhecer e explorar.
as ruas por sua alta
está garantido, mas
capacidade de cartemos mais chanAcho que o passo
regamento.
ces no contexto de
uma gestão em que
inicial para essa
Jornal da UFRJ: Em
o imperativo do
sua pesquisa sobre
negócio não toma
aprendizagem é que
o metrô, a senhoprecedência sobre
ra problematiza as
o aspecto do uso no
nós sejamos mais
“virtudes do negócio
equipamento coleprivado”. Escreve
tivo de serviço.
modestos e sóbrios
que “a aposta nas
ao utilizarmos esses
virtudes da privaJornal da UFRJ: O
tização em suas
que está por trás da
novos recursos e ao
várias modalidades
relação entre Estado
é uma conclusão
e iniciativa privada
falar sobre eles”.
apressada. Não que
na gestão de serviços
se possa extrair daí
públicos? Por que o
também
alguma
Estado abdica desse
qualidade, mas não nos pode escapar os papel?
novos problemas que se colocam”. Quais Janice Caiafa: Trata-se de um fenômeno
os problemas do transporte metroviário no do capitalismo contemporâneo. É uma
Rio de Janeiro, especialmente após a priva- figura das mutações que o capital vem sotização?
frendo, porque cada vez mais as atividades
Janice Caiafa: Como mostram os dados vão passando para os domínios do lucro
da pesquisa, que deve resultar também privado. Esse processo começou a se agraem livro, é possível também perceber no var no pós-guerra e, mais ainda, nos anos
metrô esse atrito entre o serviço e o negó- 1980, com uma série de privatizações. O
cio. É interessante observar, por exemplo, Brasil acompanhou isso. Tipicamente, nescomo somos tratados como clientes e não sa nova fórmula de poder do capitalismo
como usuários. Somos tratados não como contemporâneo, o Estado tende a recuar e
alguém que exerce o direito de uso daque- a figura da empresa ganha proeminência.
le equipamento coletivo de serviço, mas O Estado assume então esse papel de viacomo alguém que compra deslocamento. bilizar o negócio. As atividades que antes
Esse tratamento muda tudo na operação eram preservadas das ambições do negóde um equipamento coletivo de serviço. O cio vão passando para os circuitos do lucro
próprio Estado trata o usuário como con- privado. A Constituição brasileira tem a fisumidor, porque ele é supostamente pro- gura da concessão do serviço público, por
tegido pela legislação de proteção ao con- exemplo, mas diz que o Estado continua
sumo. Isso é curioso, pois não é o direito responsável pelo fornecimento do serviço,
de uso que é levado em consideração. Em embora isso possa não ter muitas repergeral, diria que ainda não se considerou o cussões práticas.
suficiente essa fricção entre serviço e negócio. Se observarmos as interpelações dos Jornal da UFRJ: É possível refletir o uso e
Jornal da
UFRJ
17
o consumo em outras instâncias? A Educação, por exemplo, em diferentes níveis também é apropriada como fonte de rentabilidade para o capital?
Janice Caiafa: É possível perceber, sim,
essa questão do direito de uso, do consumo e da presença da empresa em outros
setores, que não o do transporte. Nas instituições privadas de Ensino Superior, o
estudante também costuma ser tratado
como cliente, como consumidor. É interessante observar que, nesse contexto, a
produção de conhecimento não vinga. Há
algumas instituições privadas que conseguem algum êxito, mas podemos observar
que, em geral, isso ocorre com a ajuda do
Estado, quando o imperativo do lucro não
se impõe tão peremptoriamente. Temos
outro problema mais insidioso: é quando aspectos da gestão privada atingem
a universidade pública. Gilles Deleuze,
escrevendo sobre essa fórmula de poder,
sobre as novas mutações do capitalismo,
observa como há uma onipresença da figura da empresa em todas as instâncias. É
característico dessa nova lógica do capital
na contemporaneidade. Deleuze diz que a
empresa é um gás, nós a respiramos. Ainda nesse contexto, temos o imperativo do
novo e a confusão entre o novo e o recente.
Na indústria, há a questão, por exemplo, da
obsolescência programada. Os objetos são
programados para incorrer em obsolescência. Não apenas objetos industriais, mas
também atividades e práticas. Esse aspecto
da obsolescência se agrava particularmente no contexto do capitalismo a partir do
pós 2ª Guerra Mundial. Todos querem ser
portadores do novo, o novo como um valor em si. É um “dinamismo” que se tenta
imprimir à empresa e que pode contagiar
administrações públicas. É preciso mudar
a qualquer preço. Se prestarmos atenção,
a questão dos dividendos em curto prazo
vem ocorrendo na universidade pública.
Um exemplo concreto são os professores
cada vez mais submetidos a uma avaliação
de cunho quantitativo. Eles são estimulados a produzir num ritmo que evoca essa
questão dos dividendos em curto prazo.
É claro que o professor pesquisador tem
que escrever sempre e publicar constantemente para dialogar com seus colegas,
com seus alunos e leitores. O problema se
coloca quando o imperativo da quantidade predomina. Os próprios estudantes de
pós-graduação também enfrentam isso,
hoje. É preciso apresentar resultados precocemente, mas o pensamento precisa de
maturação, de duração. Há outros aparecimentos da figura da empresa se pensarmos nos pacotes do governo, seja criando
bolsas nas instituições privadas em nível
de graduação, seja estimulando um tipo
de expansão que também se baseia em
dividendos, em metas, e muitas vezes sem
garantia de contrapartida orçamentária
suficiente. São todos casos, me parece, desse funcionamento empresarial.
Jornal da UFRJ: A relação da universidade
com o mercado em vários campos de conhecimento também pode ser problemática?
Janice Caiafa: Também. Há outras figuras:
especializações pagas, chamadas lato sen-
18
Jornal da
UFRJ
su, tão comuns hoje na universidade pública. É um contágio com a fórmula empresarial. Há associações e parcerias, que a gente
encontra muitas vezes na figura do apoio.
As empresas investem hoje, cada vez mais,
na imagem da marca. Pode interessar a
uma empresa se associar à produção de
conhecimento ou mesmo aparentar que
ela mesma produz conhecimento. É preciso, então, colocar seu logo nesse tipo de realização. Há ganhos financeiros e também
políticos.
Jornal da UFRJ: Em prejuízo da autonomia do professor...
Janice Caiafa: Exatamente. Isso pode custar caro à autonomia de pensamento, que
tradicionalmente se cultivou e se cultiva na
universidade pública brasileira. Mas claro
que essa entrada não está tão franqueada
assim. Há vários casos de recusa. Algumas
pessoas percebem o risco, mas é um problema que enfrentamos. A privatização das
universidades públicas não ocorre de uma
vez por todas. Ela é paulatina e são práticas
privatizantes que vão sendo introduzidas
aos poucos.
Jornal da UFRJ: As novas tecnologias de comunicação apresentam que tipo de configuração nos processos de alteridade?
Janice Caiafa: Há muitas possibilidades
que essas novas máquinas informáticocibernéticas, emblemáticas do nosso tempo, sobretudo a Internet, nos trazem. Acho
que ainda é preciso aprender a explorá-las.
Uma coisa que impede essa aprendizagem
é a adesão imediata sobre os benefícios
da comunicação por computador, que
é, de fato, bastante frequente. A partir de
Foucault, Giorgio Agamben ressalta que
todo dispositivo de poder se produz por
“assujeitamento”. É preciso produzir um
sujeito contemporâneo ao dispositivo que
se produz com ele. Caso contrário, seria
um mero processo de violência. Portanto,
o mais difícil é se descolar do dispositivo
ou criticá-lo. Nesse contexto, é importante
perguntar que tipo de relação é essa que
estabelecemos na rede que poderia merecer um status tão privilegiado de substituir
os encontros face a face, por exemplo? O
laço social somente se estabelece na relação com o outro. Deleuze escreve que, na
experiência ordinária, a figura de outrem
nos traz mundos possíveis. Ele afirma
que o papel de outrem na vida social é a
expressão de um mundo possível. O que
eu não vejo ou o que eu desconheço me é
trazido como possibilidade pela presença
de outrem. A presença de outrem garante,
poderíamos dizer, um engajamento. Ela é
um tipo de engajamento sem o qual a vida
social não se produz. Qual o tipo de engajamento que ocorre nas relações na rede?
Ao nos envolvermos com esses outros,
com quem dialogamos nessas relações,
na rede, podemos fazer uma série de manobras. Podemos nos colocar de forma a
esvaziar as discussões, multiplicando os
comentários até a exaustão, ou cessando
de postar ou enviar qualquer coisa, podemos construir um perfil falso etc. De fato,
pode não haver, a rigor, um engajamento.
Muitos usam esse tipo de presença para
Entrevista
Junho/Julho 2011
não correr riscos. No mundo do trabalho,
por exemplo, é comum pessoas que ocupam posições de comando usarem esses
recursos para esvaziar discussões, controlar o movimento, para desmobilizar. Pode
acontecer que, de fato, não entremos em
relação com o outro, permanecendo em
torno de nós mesmos. Pode ser diferente,
mas não está garantido. O engajamento político propriamente e também esse que
está na base do laço social - envolve exposição à alteridade, à diferença, funciona introduzindo risco.
gajamento prévio. Em outros casos, vão se
mobilizar para fazer pequenas coisas. Por
vezes, coisas expressivas podem acontecer. Sabemos de boicotes a empresas. Isso
traz algum prejuízo para os capitalistas. As
novas tecnologias nos trazem coisas que
realmente precisamos conhecer e explorar.
Acho que o passo inicial para essa aprendizagem é que nós sejamos mais modestos
e sóbrios ao utilizarmos esses novos recursos e ao falar sobre eles. Teríamos mais
sucesso em descobrir suas possibilidades
criadoras sem essa adesão impensada.
Jornal da UFRJ: Para além das limitações
da rede como promotor de laços sociais,
como a senhora avalia a possibilidade de
as novas tecnologias de comunicação cumprirem um papel de agente de democracia,
abrindo os fluxos da comunicação especialmente em países com forte restrição às liberdades individuais?
Janice Caiafa: Podemos pensar no engajamento político, no sentido mais comum.
Existe um tipo de interferência que você
faz com um clique: “clique aqui para resolver esse ou aquele problema”. Nesse
caso, há a ilusão de que você participou.
Podemos ficar satisfeitos com isso. Claro
que há um poder convocatório extraordinário, imenso e que pode levar as pessoas a agir. Avalio, porém, que elas somente
agirão para uma causa importante a partir
da convocação na rede se elas já estiverem
engajadas e mobilizadas para aquilo, se fizeram alguma militância ou leram algum
livro, por exemplo. Se convocadas, elas se
engajarão mais ainda. Mas elas têm um en-
Jornal da UFRJ: Quais as alternativas para
produção do coletivo e possibilidades de
“contágio”?
Janice Caiafa: Há uma série de medidas
concretas que podem ser tomadas pelas
administrações das cidades. Tais medidas
serão sempre em prol do uso coletivo do
solo urbano: fornecer um bom transporte
coletivo e priorizar a construção de espaços públicos, nesse caso, preocupando-se
com todos os detalhes, inclusive estéticos.
É preciso torná-los habitáveis para que as
pessoas possam desejar ocupá-los. Outras
medidas incluem levar o desenvolvimento urbano no Rio de Janeiro, por exemplo,
para regiões e vizinhanças que hoje são
tão negligenciadas, como a Zona Norte e
a Zona Oeste – e não apenas aquelas que
recebem a denominação de favelas. É preciso ainda levar adiante a urbanização para
além da privilegiada Zona Sul, descentralizando esse processo de urbanização. O
transporte coletivo pode ser um grande
agente desse processo de descentralização,
Marco Fernandes
levando desenvolvimento para essas regiões. Especialmente o metrô, que admiravelmente constrói acesso. Ele promove
os lugares, coloca as regiões no mapa da
cidade. Ele não faz isso sozinho, mas fará
uma grande parte. É desejável que o transporte metroviário seja o principal meio de
transporte na cidade e que os ônibus sejam
complementares. No Rio de Janeiro, temos
o contrário. O metrô é quase complementar às integrações de tanto que predomina
a opção rodoviária. É crucial proporcionar um transporte coletivo bom, confiável, eficiente e que se preste a essa função
dessegregadora, que se ofereça como lugar
de experimentação. Para a produção desse transporte coletivo eficiente, é preciso
preservar o seu caráter de serviço público
e não deixar que se imponham os interesses privados. Para promover esse uso
coletivo do espaço das cidades, pode ser
preciso tomar outro tipo de medida – não
a medida que proporciona, mas que limita,
forçando a partilha. Colocar-se ao lado do
usuário do transporte coletivo e ao lado
do pedestre – em geral, eles coincidem.
Medidas que limitam, por exemplo, não
oferecendo as ruas para que se estacionem
carros. Também pode ser interessante para
algumas cidades limitar o acesso de carros
particulares a certas regiões, em alguns horários, para forçar a partilha. Isso não se faz
facilmente e pode ser necessário introduzir uma regra. Se não houve uma aprendizagem ética, pode ser preciso colocar
regra. Claro que somente é possível tomar
essas medidas limitadoras quando também se proporciona. Para limitar o uso do
carro, tem que fornecer um bom transporte
coletivo. As medidas que proporcionam então são, de fato, as mais importantes. Com
algumas medidas concretas a favor do uso
coletivo do espaço das cidades, as pessoas
vão ser atraídas para ocupá-las e vão realizar
a cidade. É a presença das pessoas que realiza a cidade. É preciso atraí-las para ocupála. Por isso, o transporte tem que ser bom e
o espaço público, confortável e bonito, para
atrair as pessoas a ocupá-lo.
Jornal da UFRJ: O Rio de Janeiro passa por
uma década de transformações urbanísticas
em razão da Copa do Mundo de 2014 e das
Olimpíadas de 2016. Como avalia essas mudanças?
Janice Caiafa: O importante é que toda
essa mobilização seja orientada para tornar
a cidade mais habitável. Antes de tudo, uma
cidade precisa ser hospitaleira para seus
habitantes para ambicionar receber outros.
Frequentemente, durante a preparação da
cidade para esses grandes eventos internacionais, os equipamentos construídos caem
em desuso, fazendo com que a população
aproveite muito pouco. A preocupação
tem que ser a de tornar a cidade mais
hospitaleira para os que vêm de fora,
mas torná-la também acolhedora para
todos, inclusive para seus habitantes,
que vão se tornar um pouco estrangeiros
na mistura urbana, nesse contágio. Acho
que todas as medidas tomadas deveriam
contribuir para tornar a cidade hospitaleira e habitável e o que for mobilizado
possa ser usado pelas pessoas depois da
Jornal da
UFRJ
Junho/Julho 2011
19
Conect@dos,
porém controlados
Conectar-se ou não conectar-se, eis a questão. As redes sociais estão ganhando cada vez mais adeptos no
Brasil. De acordo com estatísticas da transnacional ComScore – empresa estadunidense, com filial em São
Paulo, especializada em estatísticas na Internet - divulgadas em fevereiro deste ano, existem 40 milhões de
brasileiros conectados à Internet. Desses, 32 milhões acessam o site de relacionamentos Orkut. Em segundo
lugar, aparece o Facebook, que computa 18 milhões de usuários. Outros dispositivos como Messenger, MySpace
(com cerca de 100 milhões de cadastros em todo o mundo), YouTube, Twitter e Foursquare também ganham
.força no país quando o assunto é conectar e dar visibilidade aos usuários da rede mundial de computadores
Pedro Barreto
O ritmo frenético de crescimento
das redes sociais, no entanto, dificulta
a análise dos números. Estima-se que
o MySpace, site de relacionamentos
com enfoque na música, ganhe cerca de 300 mil novos usuários por dia
em todo o mundo, tornando caduca
qualquer estatística de mais de uma
semana. Já o YouTube, página virtual
de compartilhamento de vídeos, recebe aproximadamente 100 milhões de
visitantes por dia e exibe cerca de 70
mil vídeos por minuto.
Considerando o ainda precário
acesso do brasileiro à Internet, dado
o alto custo da conexão de banda larga para a grande parte da população,
qual o motivo de tamanha adesão?
De acordo com Henrique Antoun,
professor da Escola de Comunicação
(ECO) da UFRJ, o crescimento dessa forma de sociabilidade é um fato
natural. “As redes sociais estão sendo
utilizadas para fazer de modo mais
horizontal aquilo que o público brasileiro já faz: conversar, ‘azarar’, fazer
grupos para essa ou aquela causa”,
analisa o docente, pesquisador do futuro da democracia na cibercultura.
Segundo ele, “em vez de pensar a sociedade do alto para baixo, a partir de
hierarquias e movimentos de terror,
de medo, que é o que está na essência
de pensadores como Hobbes, agora
você pode pensar uma formação social que venha num plano de sociabilidade, de relações e interações em
que cada indivíduo intervém e que
cria uma tessitura”.
Antoun recorre ao pensador francês Michel Foucault, para analisar o
fenômeno das redes sociais. “O conceito de ‘Biopolítica’ inverte a importância das relações sociais, fazendo
20
Jornal da
UFRJ
Comportamento
Junho/Julho 2011
Marco Fernandes
Para Paula Sibilia, as redes sociais não são a causa, mas, sim, um sintoma “da mudança na subjetividade contemporânea”.
com que as relações de amizade e afetividade tenham maior preponderância do que as verticais de hierarquia,
de comando, de dominação”, afirma o
acadêmico, segundo quem Foucault
restabelece a visão de cultura como
“algo que cai do céu e se abate sobre
os homens, em nome de um simbólico que ninguém sabe direito de onde
vem”, para uma noção de “luta social”.
Na análise do pesquisador, “a Biopolítica vem exatamente mostrar que as
pessoas agora reivindicam um poder
sobre a sua própria subjetividade”.
Já para Paula Sibilia, professora
do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e do Departamento de
Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), as
redes sociais não são a causa, mas,
sim, um sintoma “da mudança na
subjetividade contemporânea”. Em
sua tese de doutoramento, O show
do eu: a intimidade como espetáculo
(ECO-UFRJ, 2008), que foi transformada em livro pela Nova Fronteira, a
antropóloga analisa o surgimento dos
blogs. Segundo a pesquisadora quando foram lançados, os blogs eram uma
espécie de diários íntimos de pessoas
anônimas, mas se disseminaram rapidamente e, hoje, funcionam como
ferramentas corporativas de grandes
empresas, sites noticiosos etc. Em sua
pesquisa, a Sibilia aponta que a cada
dois segundos, três novos blogs são
criados.
Sociedade do controle
O show do eu analisa o desejo de
exposição do sujeito na esfera con-
temporânea, “que estimula a hipertrofia do eu até o paroxismo, que enaltece e premia o desejo de ‘ser diferente’ e ‘querer sempre mais’”. De acordo
com Paula Sibilia, o flaneur do século
XIX, que se perdia na multidão, deu
lugar a um sujeito ávido por exibir-se.
Tal mudança relaciona-se com a passagem da “Sociedade Disciplinar”, de
Foucault, para a “Sociedade do Controle”, de Deleuze. “Há o desejo de se
conectar, e esta vontade, dos sujeitos
desta época, é muito complexa. Sentimos-nos cada vez mais presos. Podese saber onde você está, que compras
está fazendo etc”, aponta a professora
do Instituto de Artes e Comunicação
Social (Iacs) da UFF.
Em sua obra, Sibilia aponta indícios de como a “Sociedade do Controle” atua sobre os indivíduos na
constituição de uma nova subjetividade. “Uma organização social ancorada no capitalismo mais desenvolvido
da atualidade, que se caracteriza pela
superprodução e pelo consumo exacerbado, no qual vigoram os serviços
e os fluxos de finanças globais. Um
sistema articulado pelo marketing e
pela publicidade, mas também pela
criatividade alegremente estimulada,
‘democratizada’ e recompensada em
termos monetários”, explica a pesquisadora.
Sibilia refuta a tese de “servidão
voluntária”, conceito de La Boétie,
filósofo francês do século XVI, segundo quem, grosso modo, os povos subjugados buscam sua própria
dominação. “Não seríamos escravos.
É um tipo de prazer mais complica-
do. Ninguém te obriga. Fazemos
por prazer. Eu acho que é um
problema de outro tipo de liberdade. Cada vez é mais difícil não nos conectarmos. É
voluntário sim, mas não como
servidão. Há uma pressão por
nos conectarmos no mundo. Não
é somente o mercado, tem a ver com
o projeto de vida que escolhemos”,
explica a professora. Para ela, essa
mudança na sociabilidade,
“o modo como nos constituímos como sujeitos do
mundo contemporâneo”,
teve início nos últimos
50 anos. “A visibilidade foi
crescendo ao longo do século
XX. Há uma demanda por visibilidade e conexão. As redes
sociais não são a causa desse desejo, ele é anterior e foi reforçado pelas
novas tecnologias”, completa Sibilia.
Henrique Antoun concorda que
estejamos vivendo em meio a “Sociedade do Controle”. No entanto, o
pesquisador faz questão de distinguir
os mecanismos pelos quais a disciplina e o controle são exercidos: “Todos
esses mecanismos das redes sociais
são mecanismos de controle, mas o
controle não funciona como a disciplina. O controle é mais sutil, mais
terrível, mais abusivo, implica mecanismos diferenciados. Você investigar
a vida de um trabalhador para fins de
conceder-lhe empréstimo financeiro,
isso é controle. Porque você ‘detona’ o
salário do ‘cara’ e o faz trabalhar cada
vez mais para pagar os empréstimos”.
Para Antoun, a diferença fun-
damental
está em notar
que, no
mundo contemporâneo, não há mais
a “submissão” – voluntária ou não –
presente na sociedade disciplinar. “A
luta é muito mais sutil, muito mais
balanceada. Não há dúvidas de que
são instrumentos de poder, sim, e são
ligados ao novo capitalismo: cognitivo, financeiro, a todos esses novos
mecanismos imperiais, a formação
do mundo atual”, completa o professor da ECO.
Resistência
Segundo Antoun,
entretanto, o perigo
maior
Junho/Julho 2011
na contemporaneidade não está nas
redes sociais, mas, sim, em um velho
conhecido meio de comunicação de
massa, ainda muito presente na vida.
“Estou submetido à tevê porque ela
me invade. Eu não compro o aparelho, mas ela está em todo lugar. A tevê
gera demandas das mais diversas, ideológicas, sociais, que, de repente, viram a ordem do dia e, se você não está
vendo, pode se assustar”, exemplifica
o docente.
Nas redes sociais, Antoun admite
que possa haver tentativas de controle, mas percebe um potencial maior
de resistência social. O professor
compara as recentes insurreições no
Irã e no Egito, quando os manifestantes utilizaram as redes sociais para a
mobilização e a articulação de ações
de campanha: “O controle ainda tem
uma abertura que faz com que ele não
esteja totalmente subsumido sob as
formas antigas de poder. Então,
Jornal da
UFRJ
Comportamento
ele proporciona meios de resistência e
tem sido usado amplamente desta forma, mas o tempo inteiro é ambivalente. Tanto o Facebook como o Twitter
tentam minimizar as áreas de resistência onde não interessam e maximizá-la nas áreas de seus interesses.
Então, se você está lutando contra a
ditadura iraniana, isso toma um influxo que não tem tamanho. Mas se
é para combater o governo egípcio,
começa a apanhar, porque não interessa ao Departamento de Defesa
dos EUA, a Praça Tahir abarrotada
de gente pra derrubar Mubarak”.
O docente cita o caso brasileiro
para demonstrar como os tradicionais veículos de comunicação não
detêm tanto poder como antes. Antoun lembra a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, após os
jornais e emissoras de tevê veicularem incansavelmente matérias acerca do episódio que passou a ser conhecido como “mensalão”, que,
mesmo assim, não impediu
a vitória do candidato
do Partido dos Trabalhadores (PT)
no pleito à Presidência da República. “Lula ter se reeleito não marca o
sucesso de uma política econômica,
porque isso sempre foi insuficiente
para eleger alguém. Mas, sim, o sucesso dos vazamentos que essa mídia social, distribuída, porque, em
uníssono, os quatro grandes veículos de comunicação do país batiam
na tecla da falência total do governo
e da corrupção do governo do PT”,
recorda o pesquisador.
O mesmo aconteceu na eleição
de 2010 quando, de acordo com o
professor da ECO, a mídia convencional apoiou o candidato José Serra, do
21
Tecno-apartheid
Em O show do eu, Paula Sibilia
chama a atenção para um curioso
paradoxo. Se for verdade que aumenta, a cada instante, o número de
usuários de redes sociais em todo
o planeta, este contingente não representa sequer 20% da população
mundial. “Hoje, por exemplo, apenas um bilhão dos habitantes de
todo o planeta possui uma linha de
telefone fixo; desse total, menos de
1/5 têm acesso à Internet por essa
via. Outras modalidades de conexão ampliam esses números, mas,
de todo o modo, continuam ficando fora da rede pelo menos cinco
bilhões pessoas. O que não chega
a causar espanto se for considerado que 40% da população mundial,
quase três bilhões de pessoas, tampouco dispõem de uma tecnologia
bem mais antiga e reconhecidamente mais básica: o vaso sanitário”,
ilustra a autora.
Sibilia denomina tecno-apartheid o fato de 43% das senhas de
acesso à Internet em todo o mundo
estarem localizadas na América do
Norte, enquanto apenas 4% estão
na América Latina, pouco mais de
1% no Oriente Médio e menos ainda na África. Nascida na Argentina
e radicada no Brasil, a professora
do Instituto de Artes e Comunicação Social (Iacs) da UFF compara
os dois países no quesito conexão à
Internet. Se nosso país é o líder em
números absolutos no Continente
Latino-americano (40 milhões de
pessoas com acesso à Internet), em
termos proporcionais de conexões/
número de habitantes, caímos para
o quarto lugar na América Latina e
ficamos no 62º posto em escala global. “Dessa quantidade, apenas 3/4
dispõem de conexões residenciais,
e, de fato, são apenas 20 milhões
os que se consideram “usuários ativos”; ou seja, aqueles que se conec-
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra Dilma Rousseff (PT). “Eleger o sucessor era
coisa que não acontecia na nossa
República há 60 ou 80 anos. Acho
que o último sucessor que foi eleito
foi Washington Luiz. A eleição de
Dilma contou com momentos difíceis em que a mídia distribuída teve
papel decisivo”, opina Antoun.
Paula Sibilia recorda ainda o recente episódio da professora Amanda Gurgel, da rede pública de Ensino do Rio Grande do Norte, cujo vídeo reivindicando melhores salários
para a categoria ganhou destaque
nacional, ocupando espaço mesmo
nos veículos de mídia convencional
no Brasil e no exterior. No entanto,
a professora do Iacs da UFF relativiza essa forma de resistência. “Evi-
taram pelo menos uma vez no último mês”, esmiúça a pesquisadora,
chamando a atenção, ainda, para o
fato de que 120 milhões de brasileiros ainda não têm nenhum tipo de
acesso à rede, o que corresponde a
80% da população.
Já na Argentina, os 15 milhões
de usuários conectados representam 42% da população do país. “Porém as conexões residenciais não
passam de 3 milhões; a maior parte
dos argentinos acessa esporadicamente a rede, a partir de cybercafés
ou lan houses. Quase 2/3 desse total
se concentram na cidade ou na província de Buenos Aires; enquanto
nessas áreas as conexões de banda
larga têm uma penetração de 30%,
nas regiões mais pobres do norte do
país essa opção não atinge sequer
1%”, esclarece Sibilia.
A pesquisadora, assim, destaca a
relevância de observarmos como a
exposição exacerbada dos indivíduos conectados à rede, em oposição
àqueles que não estão representados
neste ambiente, ou seja, excluídos
até virtualmente: “Apenas uma porção das classes média e alta da população mundial marca o ritmo dessa
‘revolução’ de você e eu. Um grupo
humano distribuído pelos diversos
países do nosso planeta globalizado, que, embora não constitua em
absoluto a maioria numérica, exerce
uma influência muito vigorosa na
fisionomia da cultura global. Para
isso, conta com o inestimável apoio
da mídia em escala planetária, bem
como do mercado que valoriza seus
integrantes (e somente eles) ao defini-los como consumidores - tanto
da Web 2.0 como de tudo o mais. É
precisamente esse grupo que tem liderado as metamorfoses do que significa ser alguém - e, logo, ser eu ou
você — ao longo da nossa história
recente”.
dente que existem possibilidades
de resistência, mas questiono esse
termo (resistência). Cresce de forma incrível o número de usuários
de Facebook, do Twitter, do YouTube. Está no auge essa forma de se
relacionar. Mas não é aí que vamos
encontrar resistência. O corpo dócil
e útil é aquele hiperconectado”, argumenta a pesquisadora. Para ela,
ainda não descobrimos uma nova
forma de liberdade que não aquela
que nos é apresentada. “O que é liberdade? Obviamente, somos muito livres como sujeitos históricos.
Nunca fomos tão livres. Mas há uma
liberdade que não temos? Talvez as
redes sociais estejam obscurecendo,
por exemplo, a liberdade de não nos
conectarmos, algo que nós não conhecemos”, aponta Paula Sibilia.
22
Jornal da
UFRJ
Programa de Bonificação por Resultados
Prêmio ou
punição?
Os índices de avaliação do governo federal revelam que a
qualidade do ensino público na Educação Básica do país
vai mal. Mas o que fazer para melhorá-lo? Os desafios
são muitos. No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de
Educação lançou o Planejamento Estratégico da Educação,
que vem causando polêmica em função das metas
propostas.
Vanessa Sol
N
o início deste ano, a
Secretaria de Estado
de Educação (Seeduc)
do Rio de Janeiro divulgou o Planejamento Estratégico da Educação para o estado. Dentro do escopo do planejamento desenvolvido
pela Seeduc, foi criado o Programa de Bonificação por Resultados (Resolução Seeduc nº 4.669 de
04/02/2011) que visa à gratificação
dos servidores que trabalhem nas
escolas e nas diretorias regionais. O
bônus será concedido ao trabalho
em equipe que alcance ou supere
as metas propostas pela secretaria,
que promete aporte de recursos financeiros chegando a R$ 140 milhões, e que o professor que atingir
as metas pode receber até três salários a mais por ano.
O programa de avaliação e bonificação em função do desempenho da escola, contudo, não agradou aos professores. Para Quincas
Rodriguez de Souza, professor de
História da rede pública estadual,
o plano de metas da Seeduc está
inserido numa lógica empresarial
e produtivista da educação. “Nessa concepção, o professor é visto
como uma ferramenta e o problema da educação (que é muito amplo) se transforma, simplesmente,
em um problema de gestão”, destaca o docente.
A medida, no entanto, não é
propriamente nova. Ela vem sendo adotada por países estrangeiros,
como os Estados Unidos da Améri-
ca (EUA), e, no Brasil, não apenas o
governo estadual do Rio de Janeiro
utiliza o sistema. Em São Paulo, a
bonificação vinculada ao rendimento das escolas já vem sendo
utilizada, assim como na Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro.
Márcio da Costa, professor da
Faculdade de Educação (FE) da
UFRJ, explica que a utilização desse tipo de política visa a criar responsabilidade para todos aqueles
que participam do processo educacional. “A adoção desse tipo de
política, que pode ser chamada genericamente de responsabilização,
é crescente no mundo inteiro. O
prêmio seria uma das possibilidades de investir na responsabilidade
dos atores envolvidos no processo
educacional, a fim de que eles, de
alguma maneira, respondam por
suas escolhas, decisões e procedimentos”, avalia o especialista em
Política Educacional.
Márcio da Costa destaca, ainda,
que essa política pode utilizar variáveis distintas, mas a que vem sendo adotada é a de recompensar a
partir da medição de determinados
indicadores, considerados como
de desempenho escolar. Contudo,
o professor explica que a adoção
desse tipo de política pode envolver um conjunto de problemas e armadilhas. “Sou a favor da política
de responsabilização, mas a quantidade de possíveis consequências
não intencionais, efeitos perver-
sos, possibilidades de dribles que
podem ser dados nela, em suma,
a eventualidade de ser nebulosa e
vulnerável a ingerência política é
grande, de tal forma que em determinados contextos é preferível não
adotá-la”, enfatiza o pesquisador.
Ana Maria Monteiro, professora e diretora da Faculdade de FE,
alerta ainda para o discurso que
acompanha o sistema de avaliação
implantado, no qual os problemas
do sistema educacional brasileiro
são atribuídos ao professor. “Quando o sistema de avaliação é aplicado à Educação Básica, ele vem
acompanhado de um discurso muito intenso de denúncia sobre a má
formação do professor. Essas ideias
ficam associadas e cria-se um consenso de que a educação brasileira vai mal, com resultados baixos
no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) - avaliação
instituída pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério
de Educação (Inep) do Ministério
da Educação -, porque a culpa é
do professor e que ele está mal formado. Não podemos jogar a culpa
somente no professor”, ressalta pesquisadora do Ensino de História.
Alvo errado
Há vários fatores envolvidos
na questão da baixa qualidade da
Educação Básica pública do país e
a possível má formação de professores não é, em definitivo, o fator
mais importante nessa questão. A
desvalorização dos profissionais de
educação e os baixos salários a eles
pagos; a falta de uma política de
maior vínculo do profissional com
a escola; a falta de infraestrutura e
de melhores instalações físicas; a
violência que assola as instituições
em regiões de alto risco social; entre várias outras situações, interferem no desenvolvimento e nas práticas de ensino.
Na opinião de Ana Maria Monteiro, pelo fato de o sistema ser falho, surge a necessidade de avaliálo. Entretanto, da forma como ela
é implantada e realizada, torna-se
uma punição para os professores,
que, na verdade, continuam a ser
uma das vítimas do sistema. “Avaliar uma instituição pública é cor-
Jornal da
UFRJ
23
apoio técnico e recursos financeiros para os estados e municípios
que apresentarem fragilidades em
seu sistema de ensino. Até 2022, o
Ministério da Educação deseja que
o Ideb brasileiro seja 6,0. A média é
compatível com um sistema educacional de qualidade, comparável ao
de países desenvolvidos.
Contudo, o Rio de Janeiro apresentou o segundo pior desempenho
entre os estados da Federação, estando à frente apenas do Piauí. Na
avaliação realizada em 2009, cujo
resultado foi divulgado em 2010,
as escolas estaduais do Rio de
Janeiro obtiveram 2,8 pontos, quando a meta projetada era 2,9. Para o exame
a ser realizado em 2011, a
meta projetada é de 3,1.
Para André Jorge Marinho, que também é professor da
rede pública estadual de Ensino do
Rio de Janeiro, esse tipo de avaliação não ajuda a construir uma política educacional de qualidade: “A
avaliação é um ‘calcanhar de Aquiles’, pois esse modelo leva em consideração apenas a nota do aluno
e tem pouca capacidade de avaliar,
por exemplo, o desenvolvimento
cognitivo do estudante, a socialização e outras questões”.
reto, porque é um
investimento público
realizado com os impostos,
verifica-se como os recursos são
utilizados para custear o funcionamento da instituição. Nessa lógica,
seriam detectadas as fragilidades
do sistema a fim de solucioná-las.
Realizada dessa maneira, a avaliação não é ruim. Porém, quando se
cria uma avaliação e se atribui uma
gratificação em função de resultados (em condições desfavoráveis
ao ensino), ela acaba virando punição”, destaca a professora.
Para Quincas Rodriguez, a implantação do Programa de Bonificação por Resultados afeta toda a
comunidade escolar. Em sua opinião, a medida impossibilita a gestão democrática da escola assim
como a autonomia de seus projetos
político-pedagógicos. “Os professores agora devem seguir cartilhas
e manuais e aplicar avaliações padronizadas. A isso eu denomino de
‘neotecnicismo’. Sem o reconhecimento do seu saber, o professor é
transformado em um repetidor de
fórmulas e modelos, eliminando
da sala de aula a possibilidade da
construção de um espaço de re-
flexão crítica e de conhecimento”,
aponta o docente.
Índices e metas
Para a Seeduc, o Planejamento
Estratégico da Educação tem como
objetivo melhorar a qualidade do
Ensino Médio da rede pública estadual que, de acordo com o resultado do último Ideb, não atingiu as
metas almejadas pelo Ministério da
Educação.
O Ideb é considerado um indicador de acompanhamento das metas de qualidade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
para a Educação Básica, que compreende os ensinos Fundamental e
Médio. Desde 2005, o Ideb mensura a qualidade das escolas da rede
pública de todo país. O cálculo é
feito com base na taxa de rendimento escolar e no desempenho
dos estudantes no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil.
Para isso, foram estabelecidas
metas bianuais de desempenho
para cada rede pública de ensino
e, também, para cada escola. A fim
de que tais metas sejam alcançadas, o ministério pretende oferecer
“Avaliar uma
instituição pública
é correto, porque
é um investimento
público realizado
com os impostos,
verifica-se como
os recursos
são utilizados
para custear o
funcionamento
da instituição. (...)
Porém, quando se
cria uma avaliação
e se atribui uma
gratificação em
função de resultados
(em condições
desfavoráveis ao
ensino), ela acaba
virando punição”
Necessidade de mudança
A educação está ligada intimamente ao desenvolvimento de um
país e muitos investimentos precisam ser realizados para que esta área
dê um salto de qualidade. Quincas
Rodriguez acredita que haja dificuldades de mudanças no atual estágio
de nossa escola. Para ele, a real mudança passa, necessariamente, por
repensar a escola pública e seu papel na sociedade: “Devemos pensar
a escola como um espaço de construção coletiva e democrática, que
envolva a comunidade. Uma escola
de horário integral, na qual o aluno possa desenvolver todas as suas
potencialidades. Um professor com
dedicação exclusiva e bem remunerado, para que conheça de fato seus
alunos e desenvolva projetos de
acordo com a realidade educacional
da escola”.
Ana Maria Monteiro ressalta,
ainda, que a escola vai desempenhar
bem seu papel quando for respeitada, quando for entendida como um
ambiente colaborativo, onde professores e estudantes se sintam apoiados e amparados. Para ela, a transformação do atual cenário deve passar
por mudanças profundas. “Hoje, há a
convicção de que a questão da educação no Brasil é estrutural e que precisa ser melhorada a fim de que quem
passe pela escola consiga desenvolver
a capacidade de leitura, escrita e
domínio dos conhecimentos fundamentais para a cidadania”, finaliza a diretora da FE-UFRJ.
24
Jornal da
UFRJ
Sócio-Linguística
Junho/Julho 2011
Zope
Supostos erros de
concordância em livro
sugerido pelo Ministério
da Educação causam
polêmica e evidenciam
que ainda há muito
preconceito contra o
uso popular da Língua
Portuguesa.
A língua do
preconceito
Aline Durães
“
N
ós pega o peixe”. Essa
foi uma das frases mais
comentadas pela grande mídia nas últimas
semanas. Provocou uma avalanche de
críticas e comentários que demonstraram que certos setores da sociedade
brasileira, que utilizam os meios de comunicação como caixa de ressonância,
permanecem com posturas conservadoras quando o assunto é o uso popular da
Língua Portuguesa.
A oração em questão consta do livro Por uma vida melhor, da professora
Heloisa Ramos, publicado pela editora
Global (2011) e sugerido pelo Ministério
da Educação para os programas de alfabetização de jovens e adultos.
No primeiro capítulo, intitulado “Escrever é diferente de falar”, a autora pontua as diferenças entre a língua falada e a
escrita, destacando a existência de uma
série de variantes, baseadas em aspectos
regionais e sociais. O livro aponta que
construções como a do início desta matéria não condizem com a norma culta e
alerta que, ao falar assim, o aluno poderá
ser vítima de preconceito linguístico. “A
classe dominante utiliza a norma culta
principalmente por ter maior acesso à
escolaridade e por seu uso ser um sinal
de prestígio. Nesse sentido, é comum
que se atribua um preconceito social em
relação à variante popular, usada pela
maioria dos brasileiros”, afirma a autora
num trecho da página 12 do livro.
Ao reconhecer que a língua falada
não segue a Gramáticas e ao colocar
nas mãos dos estudantes a decisão sobre qual das variantes — a culta ou a
popular — eles devem usar em cada
situação, o livro passou a ser demonizado pela grande mídia. A acusação
principal era a de que ele induziria
os alunos a falarem errado. Críticas
surgiram de todos os lugares. A Academia Brasileira de Letras (ABL), por
exemplo, em nota oficial, julgou o livro didático “inadequado” e afirmou
estranhar “certas posições teóricas
dos autores”.
Para muitos linguistas e educadores, entretanto, esse episódio apenas
mostrou como o preconceito contra a
fala popular continua vivo nas camadas mais escolarizadas da população.
“Causa imensa surpresa o fato de ver
pessoas especializadas em áreas do
conhecimento ligadas à Economia, à
Política, entre outras, se sentirem tão
à vontade para discutir o trabalho de
um especialista em Linguística e Língua
Portuguesa. Você pode imaginar o sentimento de um aluno que, ao ingressar na
escola, leia e ouça críticas ao seu modo
de falar?”, questiona Eugenia Duarte,
professora da Faculdade de Letras (FL)
da UFRJ.
Na opinião de Marcos Bagno, escritor e professor do Instituto de Letras da
Universidade de Brasília (UnB), a forma como o livro didático Por uma vida
melhor aborda a temática da variação
linguística cria um ambiente de aprendizagem acolhedor a jovens e adultos já
carregados de estigmas contra sua maneira de falar. “O livro afeta para melhor
a qualidade do ensino. O tratamento da
variação linguística estimula a disposição das pessoas a incorporarem
outras maneiras de falar e, principalmente, a de se apoderarem da tecnologia da escrita. Somente a ignorância
generalizada sobre o que é uma língua
e o que significa ensiná-la pode justificar a ideia, patética, de que o livro
é uma afronta à Língua Portuguesa”,
pontua o professor, que é doutor em
Filologia.
Língua: poder e preconceito
A questão linguística é bem mais
complexa do que parece. O domínio
da língua implica poder. Ao longo da
história, vários povos invasores impunham seu próprio idioma aos dos
territórios ocupados, combatendo as
línguas nativas como forma de ampliar seu controle.
No Timor Leste, por exemplo, a
Língua Portuguesa é usada por muitos
cidadãos como afirmação de sua iden-
tidade. A ex-colônia de Portugal luta
contra a dominação da Indonésia, que
invadiu a ilha em 1975, sufocou os movimentos de independência e a anexou a
seu território. A manutenção do Português é, para os timorenses, uma das práticas de resistência à opressão.
Por outro lado, a língua se configura
em um campo no qual também atuam
desigualdades e formas de discriminação. Por ser uma capacidade cognitiva
afetada em grande medida pelo social,
ela passa constantemente por processos dinâmicos de transformação.
Isso explica por que palavras passam
a ser utilizadas com maior frequência enquanto outras caem em desuso. Essas mudanças, entretanto, não
são homogêneas e lineares: algumas
são aceitas, outras renegadas. “Certas variantes são socialmente aceitas
quando se generalizam numa comunidade de fala. Outras, por serem mais notadas na fala de grupos
menos prestigiados socialmente, são
estigmatizadas. É exatamente o caso
da concordância verbal e nominal”,
observa Dinah Callou, professora
emérita da FL-UFRJ. Mais uma vez,
a influência das camadas dominantes se manifesta na língua. “O preconceito linguístico é mais um dos
muitos preconceitos que existem em
nossa sociedade. Quem tem poder pode
o peixe pega Nós pega o
Sócio-Linguística
Junho/Julho 2011
falar como quiser. Quem não o tem, não
pode”, pondera Marcos Bagno.
Para Ludmila Thomé, do Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura,
Escrita e Educação (Leduc) da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, a intolerância diante das diferentes formas de
falar o Português requer especial atenção
dos professores encarregados do ensino
das camadas sociais mais favorecidas: “O
que mais me impressionou em toda essa
discussão acerca do livro didático do Ministério da Educação foi constatar como
as elites desse país pensam nosso povo,
nossa fala, nossa cultura popular. Veio à
tona uma visão de língua que pertence a
um tempo no qual a escola servia a uma
nata da sociedade, na qual se ensinava
apenas a Cultura com ‘C’ maiúsculo, a
cultura erudita, e, com o que, se desmerecia a cultura popular”.
A educadora lembra que, durante as
aulas de Literatura, por exemplo, a maior
parte dos estudantes lê escritores como
Guimarães Rosa e Machado de Assis,
que trazem em seus textos vozes, conflitos sociais e regionais distintos. O contato com esses personagens deveria prepará-los para aceitar melhor as diferenças
na fala. “A escola na qual se formam nossas elites deveria focar uma visão mais
política acerca da sociedade, o que não
acontece. Muitas vezes, o ensino privado
reafirma a diferença e os estudantes são
treinados para ser elite, mesmo”, critica
Ludmila Thomé.
sujeito, a preferência pela próclise, entre
outros. Se esses fatos são ignorados, o
que dizer da concordância?”, questiona a
docente, organizadora da obra A norma
brasileira em construção: fatos lingüísticos
em cartas pessoais do século XIX (FAPERJ/UFRJ, 2005). Por uma vida melhor
se diferenciou exatamente por abordar a
fala popular.
Marcos Bagno pontua, entretanto,
que a enxurrada de críticas à obra de
Heloisa Ramos evidencia o compromisso da grande mídia com a elite brasileira: “Um pequeno grupo que reina
há mais de 500 anos sobre os destinos
da Nação. Por isso, qualquer mínimo
pretexto para disparar contra o governo
é aproveitado com grande alarde pela
imprensa”.
Assunto novo?
A presença de variações linguísticas
em livros didáticos não é algo recente.
Desde 1996, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
o Ministério da Educação estimula os
alunos da rede pública de ensino a terem
contato com elas. Segundo os PCN, “a
escola precisa livrar-se de alguns mitos:
o de que existe uma única forma ‘certa’
de falar, a que parece com a escrita; e o de
que a escrita é o espelho da fala”.
Antes disso, a Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo publicou, em
1978, um documento no qual já sugeria
uma série de inovações para o ensino de
Língua Portuguesa. “Nem de longe esse
livro (Por uma vida melhor) é o primeiro
a fazer isso. Hoje em dia, todos os livros
didáticos de Português disponíveis no
mercado e adquiridos pelo Ministério
da Educação trazem um capítulo, uma
unidade ou um módulo sobre a variação
linguística”, informa Marcos Bagno.
Se o assunto não é novo, como explicar o alvoroço em torno dele justo
agora? Para Célia Lopes, professora da
FL-UFRJ, os capítulos de variação linguística dos livros didáticos limitam-se
a tratar apenas das diferenças regionais.
“Não se notam observações sobre fenômenos sintáticos característicos das falas culta e popular, como a preferência
por ‘ter’ existencial em vez ‘haver’; o uso
inexpressivo do pronome oblíquo “o” e
do pronome “se” para indeterminar o
que, ao
Livro didático:
apoio ao professor
Um dos argumentos mais recorrentes contra o livro Por uma vida melhor
era o de que ele seria incapaz de ensinar
a língua portuguesa a jovens e adultos.
Para Ludmila Thomé, essas críticas pecam não apenas por tratar as variantes
linguísticas como erros de Português,
mas também por destituir do professor o
papel de protagonista do ensino.
O livro didático não tem a função de,
sozinho, ensinar alguém. Ele serve ao
educador também como material complementar. “O papel do livro didático
foi sempre muito questionado. Ele não
substitui o professor. É um complemento e deve estar em uma perspectiva de
escolha do próprio profissional; o profes-
Jornal da
UFRJ
25
sor decide com qual livro trabalhará. Isso
não significa que ele determinará como
serão todas as aulas. Será mais um apoio,
assim como livros não didáticos, filmes
etc”, destaca Ludmila Thomé.
Ludmila Thomé, que já participou
de comissões do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) do Ministério
da Educação, conta que a seleção de livros sugeridos pelo órgão é criteriosa
e movimenta especialistas de diversas
universidades. “Há uma guerra entre as
editoras para suas obras se encaixarem
no padrão estabelecido”, ressalta a professora. “Ele não foi adquirido de forma
leviana. Apenas quem nunca participou
desses processos é capaz de imaginar que
ele é simples e mecânico”, complementa
o escritor Marcos Bagno.
Você pode
imaginar o
sentimento
de um
aluno
ingressar
na escola,
leia e ouça
críticas ao
seu modo
de falar?”
o peixe pega Nós pega o
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Jornal da
UFRJ
Saúde
João Resende
Junho/Julho 2011
Um novo biofármaco
produzido pelo Laboratório
de Biotecnologia
Farmacêutica (BiotecFar)
da UFRJ pode ser uma
saída para o tratamento
do diabetes. Baseado
no sistema de liberação
continuada da amilina
humana, ele oferece aos
diabéticos um melhor
controle da glicemia
Rafaela Pereira
A
tualmente o tratamento
para o diabetes é via oral
– para o tipo 1 – e aplicação de doses de insulina – para o tipo
2 da doença. Foi na tentativa de melhorar a qualidade de vida dos portadores e de proporcionar melhor equilíbrio da glicemia no organismo que
a equipe do professor Luis Maurício
Lima, farmacêutico, professor da Faculdade de Farmácia e coordenador
do projeto no Laboratório de Biotecnologia Farmacêutica (BiotecFar) da
UFRJ, começou em 2009 a pesquisar
a ação de outros hormônios, como a
amilina.
Cossecretado com a insulina, a
amilina é produzida naturalmente
no pâncreas, mas até a sua descoberta não era tão percebida. “O perfil de
liberação desse hormônio é muito
semelhante ao da insulina. Indivíduos normais secretam os dois concomitantemente, inclusive no estágio
de jejum. Já nos pacientes diabéticos,
nos quais a secreção da insulina é
comprometida, a de amilina também
assim o é. E mesmo quem faz uso da
insulina possui dificuldade em controlar os níveis de glicose no sangue”,
explica o professor.
Mas o que tem esse hormônio de
tão especial? É ele o responsável pela
modulação da glicemia e pela inibição da secreção de insulina. Controla
também o esvaziamento gástrico e o
metabolismo renal. “Mesmo com a
insulina, o controle glicêmico é complicado. Estudos mostram que com
a amilina esse controle é muito mais
preciso. Contudo, seus benefícios não
são vistos imediatamente, diferentemente da insulina. Porém, uma não
vem para substituir a outra, mas para
serem usadas de forma concomitante”, alerta o pesquisador.
Inovação
para
o cuidado do
diabetes
Cenário mundial
Se hoje em dia a produção de medicamentos à base de insulina é feita
facilmente e em grande escala, o mesmo não acontece ainda com a amilina.
Para a reposição desse hormônio há
certa dificuldade no desenvolvimento, uma vez que a amilina humana é
insolúvel, diferentemente da insulina,
que é possível de ser encontrada em
farmácias. “A amilina é encontrada
em solução aquosa, mas forma fibra e
tem problema de agregação proteica.
Não é uma saída tecnológica farmacêutica viável”, avalia Luis Maurício.
A saída encontrada, explica o coordenador do BiotecFar, foi encontrar
um análogo desse hormônio que fosse solúvel. E desde meados de 2005
começou-se a fabricar, nos EUA e no
Canadá, o Pramlintide, licenciado
como Symlin. “Esse, sim, é solúvel
em água e tem seu uso recomendado
como auxiliar de insulina, sendo in-
jetado conjuntamente nos momentos das refeições. Porém, no final das
contas não está sendo reposta a amilina humana, e sim um análogo”, explica Luis Maurício.
Outro problema detectado pelo
grupo de estudo é a administração
da droga. O professor explica que
atualmente o diabético deve aplicar
a insulina e a amilina separadamente. Diante desse cenário, a equipe do
BiotecFar recorreu à Nanotecnologia
Farmacêutica para produzir um medicamento que fosse capaz de liberar
a amilina humana de forma controlada. “Encapsulamos nanopartículas
de amilina humana em partículas
biocompatíveis. Pelo tamanho reduzido, são facilmente administradas
por injeção subcutânea ou intramuscular. Apesar de continuarem insolúveis, formam um depósito que vai se
degradando aos poucos no local de
aplicação e pode ser liberada na fase
rápida e na fase lenta, para repor os
níveis basais”, explica o professor.
Atualmente, esses trabalhos estão
submetidos a publicações e já foi feito o depósito no Instituto Nacional
de Propriedade Intelectual (INPI). “A
patente ainda não foi concedida, esse
trâmite demora, mas já nos permite o
desenvolvimento. Ainda não estamos
protegidos internacionalmente, pelo
fato de a UFRJ não fazer pedido de
patente internacional. Agora buscamos parceiros industriais ou governamentais de fomento para estender
esse estudo”, aposta Luis Maurício.
Apoio e investimentos
E para a produção deste medicamento, o grupo contou com o apoio
dos governos federal e estadual, via
agências de fomento como o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), a
Coordenação de Aperfeiçoamento de
Junho/Julho 2011
Pessoal de Nível Superior (Capes) e a
Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Buscou-se também parceria com a agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), mas, de acordo com Luis
Maurício, o projeto não foi aprovado
e um recurso já foi impetrado. “Uma
das críticas feitas foi porque parte do
investimento seria disponibilizado
para a importação de substâncias que
não têm fabricação nacional. Mas isso
foi um comentário inocente, porque
essa prática é feita no mundo inteiro
e quase todos os insumos farmacêuticos são importados”, explica o professor.
Além do apoio do setor público,
segundo Luís Maurício, atualmente
há a possibilidade de uma parceria
com uma empresa privada: “Academicamente paramos por aqui, precisamos dessas parcerias para seguir em
frente e conseguirmos que o produto
comece a ser comercializado. Tem
uma empresa interessada, que pediu
uma proposta na qual detalhássemos
quais são os próximos passos para a
fabricação do remédio. Mas ainda
não houve nada de concreto”.
Números que avançam
Considerado desde 2007 pelas
Organizações das Nações Unidas
(ONU) um problema de saúde pública, hoje o diabetes é tido como a
epidemia do século, afetando cerca
de 250 milhões de pessoas em todo o
mundo. De acordo com a Federação
Internacional de Diabetes (IDF), o
Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de
países com o maior número de portadores da doença.
Segundo dados obtidos do Sistema Vigitel, utilizado pelo Ministério
da Saúde para monitorar a frequência e a distribuição de fatores de risco
e proteção para as doenças crônicas
não transmissíveis, são quase nove
milhões de brasileiros já portadores
do diabetes. E a pesquisa, realizada
em 2010, estima que 30% da população desconhecem ter a doença.
Os resultados da pesquisa também mostram que, no conjunto da
população adulta das 27 cidades estudadas (capitais estaduais e Brasília),
a frequência do diagnóstico médico
prévio do diabetes foi de 5,8%, para
a população com idade igual a ou
maior de 18 anos, sendo semelhante
em ambos os sexos. O diagnóstico se
torna, em ambos os sexos, mais comum com a idade, alcançando menos de 1% dos indivíduos entre 18 e
24 anos de idade e mais de 20% após
os 65 anos. “São quase 11 milhões de
diabéticos no Brasil e o Vigitel aponta ainda crescimento de 1% ao ano.
Por esses números é que o diabetes
tem sido, nos últimos quatro anos,
uma das prioridades do Ministério
da Saúde (MS)”, explica Rosa Maria
Sampaio Viana, coordenadora geral
de Hipertensão e Diabetes do MS.
Jornal da
UFRJ
Saúde
27
250 milhões
de pessoas em todo o
mundo têm diabetes
Um dos fatores para o aumento
de diabetes no País é a obesidade.
Recente pesquisa também do Ministério da Saúde mostra que quase
metade da população adulta (48,1%)
está acima do peso e 15% são obesos.
“Isso é um fator que contribui para
o aumento do diabetes. Mas não podemos esquecer o componente genético e nem que essa é uma doença
multifatorial. O diabetes satisfaz todos os critérios de um problema que
exige ação da saúde pública, principalmente por apresentar uma grande
prevalência na população mundial”,
analisa a nutricionista Daniella Moraes Mizurini, doutoranda do Instituto de Bioquímica Médica (IBMq)
da UFRJ.
E para reverter a situação e melhorar a saúde da população, é preciso adotar medidas como manter
um estilo de alimentação saudável
- consumindo todos os grupos alimentares, com moderação e variedade – e aumentar o consumo de alimentos ricos em fibras como frutas
e verduras, além de evitar exageros
e praticar atividade física. “A orientação dietética individualizada e intensiva melhora
consideravelmente o
controle da glicemia em pacientes
com diabetes tipo
2. Os diabéticos
devem
priorizar
o consumo de alimentos naturais em
detrimento dos industrializados e aumentar
o consumo de vegetais.
E a alimentação deve ser
fracionada em diversas refeições a fim de evitar o consumo excessivo de alimentos
em determinadas refeições ou o
jejum prolongado”, ensina a nutricionista, explicando, ainda, que
o acompanhamento dietético é uma
ferramenta importante para a redução dos sintomas e controle da doença.
Ações ministeriais
O Ministério da Saúde tem buscado programar diversas estratégias
de saúde pública para prevenir o diabetes e suas complicações. De acordo com Rosa Maria Sampaio Viana,
uma das linhas de ações é o cadastro de acompanhamento informatizado. “Ao chegar à rede de saúde, o
paciente gera, de forma voluntária,
os dados. Hoje temos cerca de 30%
dos portadores de diabetes do país
cadastrados. Esse sistema está sendo
5º lugar
no ranking de países com o maior
número de portadores da doença
implementado pelo DataSUS e será
agregado ao Cartão SUS”, explica a
Rosa Maria coordenadora.
Outra ação é a assistência farmacêutica, que disponibiliza medicamentos e insumos considerados
essenciais para os portadores de diabetes e também de outras doenças.
De acordo com a coordenadora geral
de Hipertensão e Diabetes do Ministério da Saúde, essa é uma determinação para cumprir uma lei federal
de 2006, que coloca o SUS como
responsável por essa distribuição: “E
essa ação é agregada ao programa de
Farmácia Popular. Os medicamentos
são muito caros, é uma doença crônica que vai durar a vida toda. Essas
ações são uma conquista do
país em política pública”.
30% da população
desconhecem
ter a doença
“São quase 11
milhões de
diabéticos no Brasil
e o Vigitel aponta
ainda crescimento
de 1% ao ano. Por
esses números é
que o diabetes tem
sido, nos últimos
quatro anos, uma
das prioridades
do Ministério da
Saúde (MS)”
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Jornal da
UFRJ
Cidadania
Junho/Julho 2011
União estável entre
pacto contra a intolerância
Aline Durães
N
o início de maio, os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) aprovaram,
em sessão histórica e por unanimidade, a união estável homoafetiva. Com
a decisão, casais homossexuais, que
antes não possuíam qualquer legitimidade perante a lei, passam a desfrutar
dos mesmos direitos concedidos a
parceiros heterossexuais.
A partir de agora, lésbicas e gays,
bem como travestis e transexuais,
podem solicitar pensão alimentícia,
quando houver separação judicial,
recebem pensão em caso de morte
dos companheiros e já podem incluir
seus parceiros como dependentes em
planos de saúde e na declaração do
Imposto de Renda. Além disso, têm
direito também à licença-gala, afastamento trabalhista de até nove dias
após a oficialização da união em cartório.
As diferenças com o casamento
praticamente inexistem: “Os direitos
e os deveres são os mesmos; a diferença é que o casamento tem um papel
— a certidão de registro civil — com
um carimbo do Estado. Ele consegue
ser comprovado. A união estável não,
se constitui no decurso do tempo. A
Constituição Federal diz que a união
estável pode ser convertida em casamento. Então, ao menos o direito de
pedir a conversão da união em casamento, os casais gays também têm”,
ressalta Maria Berenice Dias, presidente da Comissão de Diversidade
Sexual da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e vice-presidente do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF).
Para o Murilo Mota, sociólogo
da Escola de Serviço Social (ESS) da
UFRJ, a conquista representa “uma
virada histórica contra a intolerância, a intransigência e o preconceito”.
Pesquisador da temática “Homossexualidade e Velhice”, Murilo explica
que muitos homens analisados em
seu trabalho sofreram com a falta
de reconhecimento de direitos: “Foram marcados pela epidemia de Aids
quando ela era uma sentença de morte. Há narrativas impressionantes
sobre a perda de parceiros, mas tais
uniões eram invisíveis aos olhos da
sociedade. Esses homens são de um
tempo em que a homossexualidade
era uma patologia; o desejo estava
sempre coberto pelo medo, vergonha,
injúria e difamação e a falta de respaldo dos direitos sociais e civis deixou
marcas profundas em suas trajetórias
de vida”.
Atualmente, graças aos avanços
na interpretação da lei, casais homossexuais podem recorrer a qualquer
cartório do país para registrarem sua
união. “Tabeliães e juízes não podem
mais se negar a validar a parceria
homossexual. Convicções pessoais,
comprometimentos religiosos devem
ser deixados de lado. Nós vivemos
em uma democracia, na qual
existe a vontade de todos e
não somente a da maioria.
Há segmentos minoritários que têm seus direitos e devem ser respeitados. Se esses grupos
são aceitos na sociedade ou não, se são
alvo de preconceitos
religiosos ou não, isso não deve
invalidar o reconhecimento de sua
cidadania”, destaca a advogada Maria
Berenice Dias, da OAB.
Uma nova entidade familiar
Ao incorporar uma série de direitos civis à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais
e transgêneros), o Supremo reconheceu a união homoafetiva como
uma nova entidade familiar, problematizando o conceito tradicional de
família.
Assim como tantas outras instituições, a família também é uma
construção histórica. E vem mudando nas últimas décadas. São
cada vez mais numerosas aquelas
que, fugindo do paradigma mononuclear urbano - pai, mãe e filhos -,
são chefiadas por mães ou pais solteiros ou por avós e tios que criam
netos e sobrinhos.
A união homossexual é apenas
mais um novo arranjo. “É preciso entender que a família vem se
transformando há muito tempo.
Como instituição, é impactada pelas transformações radicais da divisão social do trabalho, pelo nível de
autonomia e individualidade nas
grandes metrópoles, nas relações
de gênero e, principalmente, na esfera da sexualidade que aponta para
novos estilos de vida. Nesse sentido, a
discussão da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo vem apimentar o
debate”, explica Murilo Mota.
Para Denílson Lopes, professor
da Escola de Comunicação (ECO) da
UFRJ e superintendente do Fórum de
Ciência e Cultura (FCC), a aprovação
da união estável não pode, entretanto,
forçar os homossexuais a se encaixarem em um modelo único. “Há muitas pessoas que não querem ser encaradas como família ou como casal,
que desejam ter outro tipo de configuração afetiva. É importante pensar
que há uma diversidade de forma de
relacionamentos, sem cairmos em
moralismos. Não podemos achar que
os gays devem se ater a um modelo
único e já ultrapassado de família. O
casamento não deve ser a única forma
de se pensar família”, pontua o profes-
Junho/Julho 2011
Jornal da
UFRJ
Cidadania
29
homossexuais
Martins de Castro
Aprovação da união estável entre homossexuais problematiza o conceito de
família e abre caminho para o reconhecimento de direitos dos grupos LGBT
sor, que estuda gêneros, no que diz
respeito a gays e transgêneros.
A caminho de direitos
Na visão dos militantes do movimento organizado LGBT, o momento atual é propício para expor outras
reivindicações. Entre elas, a mais importante é a criminalização da homofobia.
Segundo o relatório organizado
pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 260
pessoas foram assassinadas no Brasil
em 2010 em função da sua orientação sexual, 62 a mais do que no ano
anterior. Ao longo de cinco anos, os
números da violência cresceram cerca de 113%, fazendo do Brasil o campeão mundial de assassinatos de homossexuais.
Mais de 60% de gays e lésbicas entrevistados para um estudo (“Política,
Direitos, Violência e Homossexualidade”), do antropólogo Sérgio Luís
Carrara, do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Huma-
nos (Clam) e professor do programa
de Pós-graduação em Saúde Coletiva
do Instituto de Medicina Social (IMS)
da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), disseram sofrer agressão e discriminação. Destes, 33,5%
apontaram como agressores amigos e
vizinhos, 27% para o ambiente familiar,
26,8% são agredidos nas escolas ou em
faculdades e 20,6% em ambiente religioso. Há ainda dados que apontam os
homossexuais como o grupo de pessoas
que mais sofre violência no Brasil.
Para frear os crimes de ódio, transita no Senado Federal o Projeto de Lei nº
122 (PL 122/2006). Essa legislação enumera as diferentes formas de discriminação e prevê punições específicas a cada
uma delas. Mas encontra resistência,
principalmente por parte das bancadas
religiosas. O principal argumento desses
segmentos é que essa lei, ao criminalizar
a homofobia, estaria ferindo a liberdade
de expressão daqueles que não simpatizam com as causas homossexuais.
Na opinião de especialistas, entretanto, a discussão sobre a homofobia deve
estar no mesmo patamar do debate contra o racismo e contra a violência à mulher. “Não há qualquer voz social pública
que reivindique, por exemplo, o direito
de verbalizar o racismo. A pessoa pode
até ser racista, mas não vai exigir fazer
esse tipo de discussão em público”, observa Denílson Lopes.
O PL 122 vem alterar a Lei nº 7.716,
de 1989, que pune a discriminação em
função de raça, cor, etnia e procedência
nacional. “Queremos inserir aí a orientação sexual. Mas as lideranças religiosas
manipulam o preconceito das pessoas para vincular esse debate com
o de liberdade de expressão. Quando
o assunto é homossexualidade, elas brigam pelo direito de se expressar contra.
Pode falar mal de negro? Não! Pode falar mal de homossexual? Também não!”,
afirma Maria Berenice Dias.
Para Murilo Mota, a luta pela cidadania LGBT passa por debates e reflexões
acerca da intolerância. O pesquisador
afirma que os direitos de liberdade religiosa não podem ser utilizados para estigmatizar e violar a imagem dos homossexuais. “Eles não querem ser ‘curados’;
não querem ser ‘salvos’, já que não se percebem em desvio; não querem ser iguais
nas relações afetivas dentro da norma
heterossexual; não querem inventar
novos direitos, somente querem garantias dos direitos humanos já percebidos
como universais”, defende o sociólogo.
No fim, a consolidação
da democracia
Mesmo depois de mais de 20 anos do
fim da ditadura militar e da reabertura
política, a democracia brasileira ainda
está em construção. Passa por processos
de aprimoramento constantes para que,
cada vez mais, os cidadãos brasileiros tenham acesso pleno a seus direitos.
De acordo com os especialistas, a
promoção da cidadania LGBT é um dos
passos indispensáveis à consolidação de
uma democracia real no Brasil. Para Murilo Mota, “a democracia de fato é aquela
em que se luta contra as diferenças
econômicas e desigualdades sociais,
mas se garanta também o direito à
diferença individual reconhecendo
que todos podem ser o que querem
no princípio da cidadania”.
Denílson Lopes lembra que a
“questão homossexual” está inserida
em um debate mais amplo, o dos direitos humanos. O professor enfatiza
que a discussão acerca da tolerância
às afetividades não-heterossexuais
contribui, em última instância, para
a construção de uma sociedade melhor. “As pessoas precisam discutir
a sexualidade que, afinal, é uma
dimensão da experiência humana.
Nós nos compreendemos pelo que
somos, mas também pelo que não
somos. Quanto maior a diversidade
e o nosso contato com o diferente,
maior será o nosso enriquecimento”.
A mudança passa também pela
universidade. A Comissão de Diversidade Sexual da OAB está organizando um estatuto a ser enviado para as esferas legislativas, que
prevê, entre outras, a adequação
na grade curricular dos cursos de
Direito. “Um dos efeitos da decisão
do Supremo foi o de divulgar que
a população LGBT tem direitos e
deve buscá-los. Isso exige uma qualificação dos advogados. Eles precisam estar prontos para trabalhar
com esse que eu considero um novo
ramo do Direito”, conclui Maria Berenice
Dias, que é ex-desembargadora.
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Jornal da
UFRJ
Universidade
Junho/Julho 2011
Escola de
Belas Artes
celebra seus 195 anos
Vanessa Sol
A
história de criação da
Escola de Belas Artes
(EBA) da UFRJ se confunde, de certa maneira, com a própria história do Brasil pós-colonial.
Nascida, em 12 de agosto de 1816,
com o nome de Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, ela surge
junto à preocupação de D. João VI
com o desenvolvimento cultural da
sede da corte. Com a chegada da
Missão Artística Francesa - grupo
de artistas e artífices organizados e
liderados por Joaquim Le Breton,
do qual faziam parte pintores, escultores, desenhistas e arquitetos
cujas obras seguiam o estilo Neoclássico -, há um forte desenvolvimento das Belas Artes no país, o
que o elevou, no campo do ensino
superior acadêmico, a um patamar
até mesmo superior a alguns países
europeus. O pioneirismo do ensino
artístico foi apenas uma das importantes ações realizadas pela família
real, que havia chegado ao Brasil
em 1808.
Não há dúvida de que o legado
da primeira escola de arte do país
pode ser visto até hoje. Ao longo
de seus 195 anos, antes mesmo de
pertencer à UFRJ, ela adotou diferentes denominações e passou por
diferentes moradas na capital. Em
1827, era conhecida como Academia Imperial de Belas Artes, nome
adotado até o fim do Segundo Im-
Fabio Portugal
pério. Nessa época, ela se instalou
no prédio de estética neoclássica
projetado por Grandjean de Montigny, no centro do Rio.
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889,
a Academia Imperial de Belas Artes (ENBA) desaparece e um ano
depois ressurge como Escola Nacional de Belas Artes. Em 1931, a
ENBA passa a integrar a Universidade do Rio de Janeiro e, em 1937,
a Universidade do Brasil, permanecendo assim até 1966, quando, então, se torna a Escola de Belas Artes da UFRJ. Em 1975, a unidade é
transferida para a Cidade Universitária. Nas novas instalações, divide
o espaço com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), com
o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) e
com a Reitoria.
Carlos Gonçalves Terra, professor e diretor da EBA, avalia que
a escola cresceu muito desde sua
criação e que formou, e forma, artistas e profissionais que estão no
mercado, “nomes reconhecidos em
todas as áreas”. Para ele, a EBA “é
uma riqueza muito grande para o
ensino da Arte”, no Brasil.
Visitantes e expositores na “Quinzena de Gravura”, evento realizado por alunos do
ateliê do curso de Gravura, da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ).
A EBA de hoje e de amanhã
Atualmente, a EBA oferece diversas formações profissionais e
artísticas. São 11 cursos, dos quais
Universidade
Junho/Julho 2011
Pintura, Escultura e Gravura foram os pioneiros. Há também os
de Composição Paisagística; Composição de Interiores; Desenho Industrial (Projeto de Produto); Comunicação Visual – Design; Artes
Cênicas (com duas habilitações:
Indumentária e Cenografia); História da Arte; Restauração de Bens
Culturais Móveis e Licenciaturas
em Educação Artística (com duas
habilitações: Artes Plásticas e Desenho).
No passado, o curso de Arquitetura também fazia parte da Escola
de Belas Artes. Porém, o curso se
emancipou em 1945, dando origem
a Faculdade Nacional de Arquitetura e, posteriormente, recebeu a
denominação de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ.
A escola cresceu muito ao longo de sua trajetória, ampliando a
oferta de cursos e possibilidades
de formações diferentes. Com a expansão, a EBA ganhou o primeiro
módulo que está sendo construído
atrás do prédio da Reitoria e que
abrigará parte de seus cursos. De
acordo Carlos Terra, o novo prédio
tem uma especificação de pé direito para abrigar grandes esculturas,
e a previsão é que as obras sejam
concluídas em novembro de 2012.
“Nós ganhamos o primeiro módulo
e acredito que com o prédio novo
parte dos problemas de espaço sejam solucionados. No escopo do
Plano Diretor 2020, teremos mais
dois ou três módulos o que permite
toda a escola ficar bem alocada em
termos de espaço físico”, destaca o
diretor.
Pensando na melhoria de acesso à informação, a atual direção
colocou computadores com acesso
à Internet à disposição dos alunos
nos corredores da EBA. Hoje, já
são cinco terminais entre o sexto
e o sétimo andares. A intenção é
colocar outros setes em pontos da
escola, inclusive, no atelier, apelidado de Pamplonão – no qual os
estudantes participam das aulas de
Pintura. “Essa ideia de ter o acesso rápido à Internet por meio de
terminais de computador me fascinou. Vi isso em uma universidade e, assim que pude, implantei-a
aqui. Com os terminais, os alunos
podem ter acesso a e-mail, podem
fazer a inscrição no Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga),
entre outras possibilidades”, enfatiza Carlos Terra.
Centro Cultural
A Escola de Belas Artes pretende
no futuro construir um centro cultural no terreno que foi doado, em
testamento, por Belmiro de Abreu,
localizado na Avenida Mem de Sá,
no bairro da Lapa, Rio de Janeiro.
Para obter a posse do terreno, a
UFRJ enfrentou anos de batalha ju-
dicial, uma vez que o mesmo estava
ocupado e vinha sendo explorado
como estacionamento de veículos.
De acordo com Carlos Terra, no
testamento de doação, há a explícita vontade de Belmiro de Abreu
que no terreno fosse construído um
centro de Artes com espaço destinado à exposição
de jovens artistas. “Tentando
atender a vontade do doador, a
EBA construirá
um centro cultural com três
pavimentos, no
qual o primeiro
será uma galeria
para exposição
de estudantes e
jovens artistas;
no segundo haverá um pequeno
teatro e, no terceiro, salas para
cursos de Extensão voltados à
comunidade do
entorno”, afirma
o professor.
No momento, a EBA espera
que a Prefeitura
do Rio de Janeiro conceda o alvará de construção,
pois já existe verba alocada para o
início das obras. O diretor explica
que vem trabalhando pela liberação
do mesmo o quanto antes: “desde
que assumi a direção da escola, no
ano passado, estou lutando pela liberação do alvará de construção”.
a preservação de sua memória e
também para o ensino e a pesquisa.
É o Museu D. João VI, fundado em
1979. Seu acervo está ligado à própria criação da EBA, quando ainda
era Escola Real de Ciências, Artes
e Ofícios. Grande parte da coleção
ficou sob a guarda do Museu Nacional de Belas
Artes, quando
foi criado, em
1937. Contudo,
as peças de interesse acadêmico passaram
a compor o
Museu D. João
VI, em 1979.
Segundo
Carla
Dias,
professora da
EBA e coordenadora do Museu D. João VI,
as peças dispersas pela EBA
não
haviam
sido
olhadas
como um patrimônio da escola. “Esse olhar
para a constituição de um
patrimônio e a
notação desses
títulos para o tombamento se deu
a partir da gestão de Almir Paredes
Cunha, então diretor da EBA. Foi
ele que decidiu criar o museu para
preservar esses objetos que fazem
parte da história da escola”, destaca
a coordenadora.
Ao todo são cerca de 6.600 peças,
dentre as quais 800 são gravuras,
837 desenhos, 480 pinturas, além de
esculturas, fotografias, vitrais, 4 mil
livros que fazem parte da Biblioteca
de Obras Raras, plantas e desenhos
“todas as
peças do
museu estão
expostas.
Isso é
um novo
paradigma
museográfico.”
Museu D. João VI:
aliado no ensino
A Escola de Belas Artes conta
com importante instrumento para
Jornal da
UFRJ
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arquitetônicos. Muitas dessas peças
foram doadas, como é o caso da coleção Ferreira das Neves.
Há ainda uma coleção didática,
que são peças resultantes de atividades pedagógicas realizadas ao longo dos anos na EBA. São desenhos,
exercícios feitos por estudantes durante as aulas, estudos de modelo
vivo, esboços, entre outros.
Em 2005, o museu passou por
uma revitalização através do projeto
coordenado por Sonia Gomes Pereira que foi contemplado pelo Programa Petrobras Cultural. Com a
revitalização, o D. João VI assumiu
um novo conceito. Além de preservar a memória da EBA e do ensino
artístico no Brasil, hoje, assume um
padrão compatível com as necessidades de estudo da História da Arte
dos últimos dois séculos.
Atualmente, todo acervo está
disponível ao público e peças estão
dispostas em trainéis deslizantes,
estantes e mapotecas. Assim, o visitante pode fazer seu próprio percurso. Na opinião de Carla Dias,
ao invés de ter uma exposição permanente ou temporária e um acervo guardado, optou-se por abri-lo
completamente: “todas as peças
do museu estão expostas. Isso é
um novo paradigma museográfico.
Tanto que outros museus vêm nos
visitar para ver como funciona”.
A possibilidade de escolha do percurso também faz parte da proposta.
Cada visitante, estudante ou pesquisador elaborará um caminho diferente e cada visita será única. Carla
Dias explica que, dessa maneira,
não há um percurso definido, embora existam áreas de interesse prédefinidas. “O visitante é um agente.
Ele percorre os espaços e constrói
sua própria visita”, finaliza a professora.
Marco Fernandes
Uma das tarefas de Carlos Terra, diretor da EBA, será a de construir um centro cultural no terreno doado por Belmiro de Abreu.
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Jornal da
UFRJ
Junho/Julho 2011
Cacaso
Zope
Guido Arosa
“Passou um versinho voando, ou foi uma
gaivota?” É essa a concepção perecível de poesia de Antônio Carlos de Brito, considerado o ícone da poesia marginal brasileira,
nascido na cidade mineira de Uberaba,
em 1944. Eternizado pelo apelido “Cacaso”, mudou-se para o Rio de Janeiro aos 11
anos e, logo depois, por seu talento para o
desenho, publicou caricaturas de políticos
na imprensa carioca. Já a poesia veio antes
dos 20, por suas letras para músicas dos amigos
Elton Medeiros e Maurício Tapajós.
Cacaso lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), nos anos 1960
e 1970. Colaborador das revistas Movimento e Opinião, lançou sua primeira obra poética, A palavra
cerzida, em 1967. É partir de então que se dá seu
engajamento político-social e a consolidação de sua
poesia crítica, livre e irônica - no pós-modernismo
poético conhecido por “geração mimeógrafo”, pelo
qual a poesia marginal se consolidou.
No sufoco
Em plena ditadura militar, com a falta de espaço em editoras tradicionais para suas poesias, Cacaso
e outros intelectuais, como Chacal e Ana Cristina Cesar, passam a difundir seus escritos através de cópias
mimeografadas. É em 1976, com a antologia 26 poetas
hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda, que passam a ser
divulgados e destacados os “poetas perecíveis”: “Desde 1968, a gente era mais ou menos um grupo coeso e
começamos a nos interessar juntos pela poesia marginal, como uma forma de resistência ao golpe de 1964”,
afirma Heloísa Buarque, que é professora do Programa
Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ.
Inserido no que Heloísa Buarque denomina de “a
geração do sufoco”, que permaneceu no Brasil depois
do Ato Institucional número
5 (AI-5), Cacaso ministrava
aulas, clandestinamente, de poesia, no subterrâneo do Parque Lage.
“Naquele momento, Cacaso era off, não parecia
pretender a eternidade com sua poesia e, daí, atualmente, ele ser adotado em provas de vestibular”, relembra a
professora.
Referências
Para Teresa Cristina Meireles de Oliveira, professora
da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ, Cacaso é produto
de diversas correntes da poesia, unindo o tradicional aos
movimentos de vanguarda. “Em Cacaso se manifestam a
herança iconoclasta de Drummond, o lirismo cotidiano
de Bandeira, o humor sintético de Oswald de Andrade.
É por essas leituras que passa a sua poesia, que também
viu os experimentalismos do Concretismo e do Neoconcretismo”, ressalta a docente.
Segundo Heloisa Buarque, Cacaso fez parte de uma
geração “comprometida com a espontaneidade da linguagem”, trazendo aos anos 1970, segundo Teresa Cristi-
na, a “atualização da palavra poética, em que se
podem perceber traços da influência da mass media e da
tradição e renovação da letra da música popular”.
Parcerias de peso
É na Música Popular Brasileira (MPB), além de sua
contribuição à poesia e ao magistério, que Cacaso foi
uma das peças fundamentais. Teve como parceiros João
Bosco, Aldir Blanc, Toquinho, Miúcha, Chico Buarque e
outros. Uma de suas principais composições foi “Dentro
de mim mora um anjo”, interpretada, em 1975, por Sueli
Costa, foi trilha da novela “Bravo” (1975 – 1976), da Rede
Globo, regravada na voz de Fafá de Belém.
Morto em 1987, Cacaso ressurgiu nos anos 2000
com a coletânea de sua obra completa, Lero-lero (Cosac
& Naify, 2002), e com nova edição de seu livro Na corda
bamba (Bem-Te-Vi, 2004).
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