CORREIO DO POVO
ESPECIAL
SEGUNDA-FEIRA, 4 de abril de 2005 — VII
Visita entra para a história de Porto Alegre
Os dias 4 e 5 de julho de 1980 entraram para história do Rio Grande do Sul
como a data em que Porto Alegre recebeu
a visita de um dos homens mais importantes do século XX. O magnetismo da
personalidade do papa João Paulo II e
sua imensa empatia com o público atraiu
a atenção de gaúchos de todas as crenças, mostrando desde já a capacidade do
então novo pontífice de fazer-se ouvir como um líder espiritual e político, não
apenas católico. Milhares de pessoas,
tanto fiéis quanto o público atraído pela
celebridade do Papa, ignoraram o frio intenso da tarde de inverno e aguardaram
a passagem do pontífice ao longo do trajeto do Aeroporto Internacional Salgado
Filho até a Praça da Matriz. A chegada no
se
O local onde o pontífice aeroporto
deu
às
rezou sua única missa no 17h45min.
que
Estado passou a ser Assim
desceu as
conhecido pela população escadas do
Wojcomo Rótula do Papa avião,
tyla quebrou o protocolo e, em vez de cumprimentar primeiro o então governador
Amaral de Souza, abraçou e beijou o cardeal-arcebispo dom Vicente Scherer. Em
seguida, enquanto anoitecia, o Papa fez o
percurso até o Centro diante de uma
multidão que acenava, jogava papel pica-
do e mostrava cartazes com mensagens
de saudação. “Tá chegando a hora. A noite já vem raiando, meu bem, e o Papa
vem chegando agora”, cantava o público
ao longo da Farrapos, à espera do papamóvel. Assim que o veículo passava, a
população se dirigia ao Centro. Saudado
pelos sinos da Catedral Metropolitana,
João Paulo chegou à Praça da Matriz, esperado por aproximadamente 60 mil pessoas que se concentravam para vê-lo.
Em uma cerimônia que começou às
19h02min e durou um pouco mais de 40
minutos, João Paulo II abençoou os fiéis
do alto de um palanque. A música hino
da visita do pontífice ao Brasil, “A benção, João de Deus”, foi repetida diversas
vezes pelos fiéis. Para o coro que repetia
“O Papa voltará. O Papa voltará”, respondeu: “O Papa apenas chegou”. Sem formalidades, depois das bênçãos em latim
e de proferir o discurso no qual agradecia
as palavras do arcebispo dom Vicente
Sherer, ele dirigiu palavras às colônias de
descendentes de imigrantes europeus,
dizendo “louvado seja Jesus Cristo” em
italiano, alemão, polonês e espanhol. “Disseram-me que o clima aqui era muito
frio. Eu sinto o contrário, um grande calor”, afirmou. No encerramento, convidou
o público para rezar o Pai Nosso.
Em seguida, manteve um encontro
ecumênico dentro da Cúria Metropolita-
na, do qual participaram os bispos das
15 arquidioceses da igreja católica do Estado e bispos das igrejas Episcopal e Metodista e pastores presidentes das igrejas
Luterana e Reformadora, além de um
bispo uruguaio e um rabino representando a igreja israelita. Ao receber o título de
cidadão de Porto Alegre, Karol Wojtyla
disse que, a partir daquele momento,
realmente era gaúcho. No encontro, expressou o desejo, que manteve durante
seu papado, da união entre os cristãos.
No dia seguinte, deram-se os momentos mais importantes da visita, a missa
campal na rótula da rua José de Alencar
e o encontro com vocacionados no Gigantinho. Depois disso, às 15h35min do dia
5, o Papa deixava Porto Alegre. No trajeto
da Cúria até o aeroporto, do banco da
frente do ônibus que o transportou, acenou para o público ao longo do trajeto.
No aeroporto quebrou de novo o protocolo, abençoando
funcionários do
aeroporto. Seus
dois
últimos
abraços foram
em uma criança e
em um operário.
Do alto das escadas do avião, deu
seu último adeus
aos gaúchos.
Papa provou o chimarrão antes de desembarcar na Capital
No Gigantinho, Papa assistiu a espetáculo folclórico e falou sobre vocação sacerdotal
Recepção entusiamada e calorosa
Porto Alegre parou na ensolarada manhã do dia 5 de julho de 1980 para
acompanhar a cerimônia mais importante da estada de João Paulo II na
cidade, a missa campal. Na rótula das avenidas José de Alencar e Erico Verissimo, hoje oficializada como Rótula do Papa, o pontífice rezou sua primeira e única missa no Rio Grande do Sul. Desde a rua Espírito Santo,
uma multidão se concentrava nas calçadas, acenava e procurava os melhores ângulos para fotografar e filmar o pontífice. No percurso até a rua
Demétrio Ribeiro, foi saudado por uma chuva de papéis picados.
Esperando pela missa e disputando os melhores lugares, mais de 10
mil pessoas já estavam no local antes das 6h da manhã. Aqueles que
chegaram antes tiveram que resistir a noite de inverno. E muitos beberam
vinho para resistir ao frio. Com isso, antes das 7h, mais de dez pessoas
tiveram de ser atendidas pela Brigada Militar devido a tonturas.
Levando a mitra e o manto amarelo, paramentos para a celebração da
Mais de 330 mil pessoas estiveram na missa do dia 5 de julho de 1980 na rótula que depois ganharia o nome do Papa missa, o Papa percorreu a avenida Borges de Medeiros, onde as janelas do
prédio do Daer, abertas e fechadas, formavam uma grande cruz. Mais de
330 mil pessoas estavam no entorno da rótula quando o Santo Padre lá
chegou. Destacava-se em meio à multidão o expressivo número de jovens,
que, desde a noite anterior, estavam acampados no
Mais de 20 anos depois de sua visita ao Rio
local. Indiferentes ao frio, os jovens aglomerados em
Grande do Sul, João Paulo II ainda lembrava o
grupos, protegiam a cabeça do sereno com gorros,
refrão de jovens porto-alegrenses que o
chapéus e bonés. As novas gerações estavam ali para
elegeram, mais do que o líder da Igreja, como um
conhecer a figura carismática da Karol Wojtyla, cujo
irmão. “Ucho, ucho, ucho / O Papa é gaúcho”,
magnetismo atraiu pessoas de todas as idades e cregritavam os jovens que acenavam para o Papa
dos. “Enquanto os mais velhos vêem nos atos da juno dia 4 de julho de 1980, em frente à Catedral
ventude uma sucessão de erros, o papa João Paulo II
Metropolitana, na Praça da Matriz de Porto Aleprocura sentir nos jovens seu lado positivo”, justificagre. No encontro, o Santo Padre chegou a pedir
vam eles. Alguns admitiam não estarem lá movidos
aos jovens que o ensinassem a cantar com eles.
pela fé católica, mas por curiosidade de conhecer o
Depois da cerimônia com o arcebispo Dom
pontífice e para estar presente no momento histórico.
Vicente Scherer e com todos os bispos das dioceÀs 9 horas, teve início a missa. Durante a homises do Rio Grande do Sul, ele voltou para abenlia que dirigiu ao público, depois de entoado o Hino
çoar o público e responder à homenagem. “O PaNacional e a cerimônia do ofertório, João Paulo II foi
pa é gaúcho”, confirmou. E era mesmo, pelo mediversas vezes interrompido por uma população entunos honorariamente, pois o pontífice polonês resiasmada, que rompia o silêncio apenas para aplaudicebeu na Cúria Metropolitana o título de cidalo. Dirigindo-se ao público, o Papa disse que tinha
dão de Porto Alegre. A homenagem espontânea
vindo ao Estado “para conhecê-los melhor, para escudos jovens gaúchos significava a consolidação
tá-los, para entrar em diálogo convosco, para mosdo desejo do pontífice de levar sua mensagem
trar-vos que a Igreja está próxima e que partilha de
para todos os cantos do mundo, irmanando-se
vossos problemas, dificuldades e esperanças”. Assim
com os fiéis católicos pela fé. O gesto emocionou
como na benção que realizou na sexta-feira à noite, na
o Papa e voltou a ser lembrado por ele na segunPraça da Matriz, o Papa voltou a dialogar com os fiéis
da visita do Rio de Janeiro, em 1997, e no Vatie a saudar os padres em alemão, italiano, espanhol e
cano, ao receber o então presidente Fernando
polonês e agradecendo-lhes pelo “importante trabalho
Henrique Cardoso em maio de 2002.
O Santo Padre recebeu na Cúria Metropolitana o título de cidadão de Porto Alegre de catequese realizado junto das famílias”.
Papa nunca esqueceu que era gaúcho
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