O PROJETO MALUNGO COMO PROTAGONISTA DA APLICAÇÃO DA LEI
10639/03 NO COTIDIANO DA ESCOLA TÉCNICA ESTADUAL OSCAR TENÓRIO
Cristiano Sant’Anna de Medeiros
Doutorando no PROPED/UERJ – Professor da Educação Pública RJ
As feridas da discriminação racial se exibem
ao mais superficial olhar sobre a realidade do país.
Abdias Nascimento
A escola como espaço de tessitura de conhecimento se faz mediada pelo
diálogo com o cotidiano. Neste cotidiano, com a contribuição de Nilda Alves (2008 ),
são várias teias em rede que dentro de um trinômio “práticateoriaprática” visam a
aquisição do conhecimento.
Compreendemos que a aquisição do conhecimento leva tempo e o tempo
encontra-se em vários aspectos e teias do cotidiano, cujas relações e experiências
podem ser tecidas pelas vivências do espaço, neste caso e escola.
Para que a tessitura dessa rede ocorra de fato, com fios de diversos
novelos, torna-se fundamental o conhecimento do todo, e nele o
ensino fragmentado dá lugar a um conhecimento mais global e
significativo. O estudante é então encarado como possuidor de uma
identidade singular que o apresenta como um ser biológico, cultural e
social, inserido numa coletividade específica e, ao mesmo tempo,
possuidor de uma identidade coletiva que exige e deve permitir o
reconhecimento de características comuns a esse grupo denominado
juventude. (BRASIL,2006)
Assim a escola como mediadora deste processo no cotidiano deve encontrar
um meio para que as relações sociais se encaixem na construção colaborativa do
conhecimento, especialmente quando este é mediado por diferentes aspectos.
Considerando o contexto sócio-histórico-cultural em que nos encontramos, a
Lei 10639/03 insere nos
processos cotidianos educacionais uma ressignificação,
visando uma formação de perspectiva crítico-reflexiva como apontada por Nóvoa
(1995).
1
A prática da escola que privilegie as relações étnicorraciais se faz latente na
busca de uma sociedade mais justa e igualitária promovendo nestes espaços a
sociabilização e o diálogo de diferentes cotidianos para o reconhecimento do plural,
como nos indica Gomes (2005):
(...) um dos caminhos para a construção de práticas formadoras que
eduquem para diversidade e contemplem a questão do negro poderá
ser o da construção de um olhar mais atento aos caminhos e percursos
dos educandos e educandas negros(as), ou seja, descobrir como tem
sido o processo de construção de sua identidade negra, os símbolos
étnicos que criam e recriam através da estética, do corpo, da
musicalidade, da arte. Não poderíamos mapear, conhecer, e analisar
tais práticas de maneira mais coletiva, junto com os alunos? O que
eles/elas podem nos ensinar sobre a sua vivência como
negros(as)?Que reflexões as experiências oriundas de um universo
cultural marcado pela condição racial, de classe e de gênero poderão
nos trazer?
O conhecimento torna-se é o desafio para a sobrevivência sócio-cultural do
homem contemporâneo, na nossa sociedade, vivendo a Era da Tecnologia da
Informação.
Para Boaventura Souza Santos (2003), o grande desafio do século XXI está
pautado no multiculturalismo, na globalização e no conhecimento.
Nesta visão, a globalização do mundo ocupa um espaço hegemônico e contrahegemônico estabelecendo uma compreensão do espaço tempo para entendimento
próprio e na sociedade que se configura no mundo atual, com as relações do global e do
local.
(...) esta globalização tem uma virtualidade particular que ela produz,
o que se tem vindo a designar de uma compreensão espaço-tempo. E
esta compreensão espaço-tempo obviamente dá-se em todas as
direções. Uma das direções é exatamente esta do passado: de repente
a colonização, o colonialismo do séc. XVI torna-se muito mais
contemporâneo. (SANTOS, 2003)
Neste sentido, Boaventura (2003) acredita que a ciência não dá conta das
questões da modernidade necessitando de uma produção científica multiucultural e não
monocultural, ligada a um aspecto dominante.
Precisamos com isso voltarmos para o passado e para a compreensão do que
chamamos de atualidade.
O colonialismo, para além de todas as dominações por que é
conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação
2
extremamente desigual entre saberes que conduziu a supressão de
muitas formas de saber próprias dos povos e nações colonizados,
relegando muitos outros saberes para um espaço de subalternidade.
(SANTOS, 2010)
Um Adinkra1 chamado Sankofa2 nos remete a esta concepção: conhecer o
passado para melhorar o presente e construir o futuro. Para a nossa sociedade, o passado
representa o colonialismo e para isso, precisamos conhecê-lo de forma a entender de
que maneira esta forma de dominação influenciou o mundo ao que chamamos de
sociedade moderna ou até mesmo pós moderna, como propõe alguns autores.
Assim, através do conhecimento advindo do entendimento do passado, a
educação torna-se um campo privilegiado para criação do que Boaventura (2003) chama
de “subjetividade paradigmática”.
Para que a sociedade esteja cada vez mais centrada em propósitos educacionais
que privilegiem um conhecimento global, a quebra de paradigmas se faz necessária a
todo instante, para uma ressignificação do fazer pedagógico, e com isso a possibilidade
de uma criação das “subjetividades paradigmáticas” e não “sub-paradigmática”, no qual,
sem essa ação, Boaventura (2003) acredita que a escola não precisaria existir.
Com isso, a tessitura de um conhecimento pós-moderno se faz mediado pelo
diálogo com o cotidiano.
Neste cotidiano, com a contribuição de Nilda Alves (2008), são várias teias em
rede que dentro de um trinômio “práticateoriaprática3” visam a tessitura do
conhecimento.
Mas observa-se que essa tessitura para um conhecimento multicultural mediado
por vários saberes e concepções, que podem levar o indivíduo a uma reflexão constante
para uma visão do mundo que o cerca, com sua cidadania plena, leva tempo e o tempo
encontra-se em vários aspectos e teias do cotidiano.
1
Símbolos africanos com seus diversos significados, em especial do povo de Gana e África Ocidental que
percorrem o mundo em tecidos, talhados em madeira, ouro, etc. Conjunto ideográfico estampado em
tecido, esculpido em pesos de ouro, talhados em madeira anunciadoras de sabedoria. (NASCIMENTO,
2009, p.22).
2
Sankofa – Adinkra cujo significado é Nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou para trás. Símbolo
da sabedoria de aprender com o passado para construir o futuro.(NASCIMENTO, 2009,p.40)
3
A autora achou necessário utilizar essa maneira de escrita, por considerar como um termo único, que
permite compreender a unidade desse processo humano, com a prática tendo precedência e vindo após a
teoria.
3
Segundo Certeau (2009), se faz necessária uma troca constante para apropriação
do saber instituído e muitas das vezes cristalizado (“estratégico”) da práxis cotidiana
mais flexível (“tática”).
Desta maneira, a escola encontra-se como viés epistemológico para que este
conhecimento possa refletir o cotidiano e a contemporaneidade.
É na escola, como espaço de mudança e transformação que estas teias vão se
entrelaçando e criando várias redes que podem propiciar um entendimento maior para
apropriação do conhecimento.
Acredita-se que a educação seja a base para a aquisição do conhecimento e com
isso possa tirar o ser humano do ostracismo que se encontra propiciando assim, uma
melhor relação com o mundo que vive.
Segundo Bauman (2001) que tenta traduzir o mundo em textos, “o mundo pode
ser melhor do que é.”
Preocupado com a sina dos oprimidos e com as questões pós-modernas, o autor
apresenta a “modernidade líquida”, que tende a relações rápidas e cada vez mais menos
sólida sem um auto-questionamento e se ligando ao senso comum para justificar tal
ausência de atitude essencial para a tessitura de uma sociedade onde “o indivíduo jure
não pode se tornar indivíduo de facto sem antes tornar-se cidadão.” Para isso precisa-se
ter conhecimento do mundo evolutivo e o seu reconhecimento como também entender
os processos pelos quais a sociedade moderna e pós-moderna impõe aos sujeitos
instituídos nela.
Quando Boaventura (2010) apresenta sua epistemologia do sul, nos dá a grande
chance de pensar e repensar nas dicotomias geradas pela formação hegemônica dos
países que foram vítimas do colonialismo na sua história, como no caso do nosso país,
colonizado por Portugal que impôs a visão eurocêntrica de mundo onde os saberes do
sul são vistos como menores e menos importante.
Designamos a diversidade epistemológica do mundo por
epistemologias do sul. O sul é aqui concebido metaforicamente como
um campo de desafios epistêmicos, que procuram reparar os danos e
impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação
colonial com o mundo. Esta concepção do Sul sobrepõe em parte com
o Sul geográfico, o conjunto de países e regiões do mundo que forma
submetidos ao colonialismo europeu e que, com excepções como, por
exemplo, da Austrália e da Nova Zelândia, não atingiram níveis de
desenvolvimento econômico semelhantes ao do Norte global (Europa
e América do Norte). (SANTOS, 2010)
4
Com isso, esquece-se assim, que os saberes advindos do “sul”, dentro de uma
produção epistemológica se faz tão importante quanto aos demais conhecimentos
advindos do “norte”.
Mesmo havendo essa dicotomia, o diálogo entre os saberes são possíveis num
relacionamento para além do pensamento abissal como observa o autor:
O Pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste
num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis
fundamentam as visíveis . As distinções invisíveis são estabelecidas
através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois
universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do
outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outrolado da linha’
desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo
produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob
qualquer forma de se relevante ou compreensível. (SANTOS, 2010)
Considerando o contexto sócio-histórico-cultural em que a sociedade brasileira
se constituiu ao longo de sua formação, observamos que a dominação européia se fez
presente de forma latente na tentativa de exclusão de modelos diferenciados, incutindo
modelos etnocêntricos e menosprezando todos os demais, como também sugere
Boaventura:
Do outro lado da linha, não há conhecimento real, existem crenças,
opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjetivos, que,
na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matéria prima
para a inquirição científica. Assim, a linha visível que separa a ciência
dos seus ‘outros’ modernos está assente na linha abissal invisível que
separa de um lado, ciência, filosofia e teologia e, do outro,
conhecimentos tornados incomensuráveis e imcompreensíveis por não
obedecerem, nem aos critérios científicos de verdade, nem aos
conhecimentos, reconhecidos como alternativos, da filosofia e da
teologia. (SANTOS, 2010)
Assim, uma reflexão acerca dos parâmetros epistêmicos ligados a formação
do povo brasileiro, quer sejam em qualquer campo, se faz vital para a transformação de
uma sociedade cuja exclusão de sua própria identidade se faz latente, possibilitando que
culturas hegemônicas permaneçam dominando, mesmo de forma velada, o nosso
cotidiano.
O nosso país é uma nação plural, multifacetada de cores e sabores que tem na
sua história a grande contribuição do povo negro, oriundo principalmente do
movimento diaspórico do continente africano ao redor do mundo na colonização.
5
Essa diáspora nos propiciou um saber multicultural, que vem sendo negado e
negligenciado ao longo dos anos, mas que é de suma importância para a identidade do
nosso povo e para sua liberdade.
E nisto corrobora Bauman (2001) quando expressa;” a verdade que torna os
homens livre, é na maioria dos casos a verdade que os homens preferem não ouvir.”
Desta verdade, passa principalmente pela questão do preconceito racial. Não se
pode falar em cultura negra ou afro-brasileira sem falar do racismo. Um racismo que
existe, mas que a maioria prefere não enxergar e até mesmo negar. Mas a realidade
encontra-se no cotidiano.
A herança negra se faz presente e precisa ser cada vez mais difundida e
respeitada para que possamos extinguir uma visão de monocultura para uma cultura
mais democrática, plural e fiel a nossa história, impondo assim uma quebra de
paradigmas e desenvolvendo uma relação anti-racista na sociedade brasileira.
Quer seja na música, na dança, na literatura, nas artes em geral, o povo negro
tem sua grande participação. Mas precisamos não só valorizar e aceitar os aspectos
culturais, mas também os religiosos que encontra-se numa barreira cada vez mais
latente.
Precisamos encontrar cada vez mais, meios e possibilidades para o
conhecimento da cultura e das leis e políticas de afirmação para a consolidação e
valorização da participação do povo negro na formação da sociedade brasileira.
Assim, a escola, como espaço onde várias redes se cruzam e entrecruzam, onde
as teias se formam, tem um papel preponderante para a ressignificação da sociedade,
num movimento de quebra paradigmática e para a tessitura de uma sociedade mais justa
e igualitária, principalmente no que tange ao conhecimento do cotidiano, para
apropriação do mesmo e consolidação da cidadania plena.
Lei 10639/03 – Uma chance de reconhecimento
No dia 09 de janeiro de 2003 foi aprovada a Lei 10.639, que tornou
obrigatório o ensino sobre História e Cultura afro-brasileira, bem como História da
África e dos africanos em todos os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, no
Brasil. Nestes conteúdos estariam incluídos, ainda segundo o texto da lei, a luta dos
6
negros na formação da sociedade nacional – como sub temas que passariam a ser
necessários nos estudos de História do Brasil.
Esta Lei alterou o conteúdo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
brasileira (LDB – 9496/96) por meio da inserção dos artigos 26 A e 79 B.
Uma lei ainda pouco difundida e adotada nas escolas e conseqüentemente na
sociedade, mas que se faz necessária para fazer valer a presença de um conteúdo tão
fundamental na história de grupos humanos que participaram diretamente na formação
do nosso país, que é o povo Negro escravizado, oriundo da África.
Um povo que sempre esteve no ostracismo e busca todo seu reconhecimento
na formação da sociedade brasileira.
Esta lei foi resultado de reivindicações do Movimento Negro brasileiro, que
sempre teve como bandeira a defesa pelos direitos da educação formal para a tessitura
de uma sociedade onde a igualdade e a justiça para todos seja o ponto fundamental.
E na importância da educação para a formação de uma sociedade mais
igualitária, sugere a Prof. Petronilha:
Além de “muitos estudos dos livros”, a pessoa educada é capaz de
produzir conhecimento e necessariamente, respeita os idosos, as outras
pessoas, o meio ambiente. Empenha-se em fortalecer a comunidade,
na medida em que vai adquirindo conhecimentos escolares,
acadêmicos, bem como outros necessários para a comunidade sentirse inserida na vida do país. (SILVA, 2000, p.78-79)
Neste sentido, apresenta-se também na criação da Frente Negra Brasileira
(FNB) que segundo Florestan Fernandes, foi o primeiro movimento de massa no
período pós abolicionista que teve objetivo de inserir o negro na política
(FERNANDES, 1978), o Teatro Experimental do Negro (TEN), a Frente Negra
Brasileira (FNB), o Movimento Negro Unificado (MNU), Movimento de Mulheres
Negras dentre, outros.
A III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial a
Xenofobia e as formas correlatas de Intolerência realizada em Durban- 2001, também
contribuiu significativamente para promulgação da lei 10639/03, em virtude das
propostas elaboradas como forma de reparar as injustiças sofridas pelo povo negro na
sociedade brasileira e no reconhecimento do racismo ao longo dos anos:
7
O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano
brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O
racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a nossa
história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas
atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração
atual herdou. (BRASIL, 2001)
A partir daí as questões ligadas ao combate ao racismo e a discriminação se
fazem mais latentes, propiciando a tessitura de medidas que pudessem reparar erros
históricos da sociedade brasileira em todo seu processo de formação:
Admitidas essas responsabilidades , o horizonte que se abriu foi o da
construção e da implementação do plano de ação do Estado brasileiro
para operacionalizar as resoluções de Durban, em especial as voltadas
para a educação. (BRASIL, 2006)
Assim, com a promulgação da Lei 10639 em 2003 começou-se um novo
desafio para os governantes, secretarias de educação e as escolas do país: implementar
no seu cotidiano as novas diretrizes propostas pelo estudo da história e cultura africana e
afro-brasileira nos currículos escolares, pela força da mudança na LDB:
Diante da publicação da Lei nº/2003, o Conselho Nacional de
Educação aprovou o parecer CNE/CP 3/2004, que instituiu as
Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais e o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem
executadas pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e
modalidades, cabendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua
jurisdição, orientar e promover a formação de professores e
professoras e supervisionar o cumprimento das diretrizes.
(BRASIL,2006)
Implementando a Lei 10639/03 na ETE Oscar Tenório
Para tentar responder as várias questões advindas das necessidades das relações
etnicorraciais no cotidiano escolar para consolidação da Lei 10639/03, a escola deve
dialogar com o Projeto Político Pedagógico de forma a estabelecer uma educação que
privilegie ações norteadores deste cotidiano.
A Escola Técnica Estadual Oscar Tenório, é uma unidade escolar pública
estadual da FAETEC (Fundação de apoio a escola técnica do estado do Rio de Janeiro).
Está situada no município do Rio de Janeiro, no bairro de Marechal Hermes, subúrbio
carioca. A referida unidade oferece ensino médio concomitante ao ensino profissional,
nos turnos manhã e tarde e subseqente no turno da noite, de administração de empresas,
contabilidade, análises clínicas e gerência em saúde.
8
Esta escola optou por desenvolver um projeto voltado para implementação dos
aspectos advindos da nova Lei, porque compreende que ela se situa numa perspectiva
de compromisso e de implicação das suas práticas de mudança individuais e/ou
coletivas, refazendo e quebrando paradigmas até então compreendidos como cotidianos,
para incluir um conjunto de atividades extremamente variadas, no ponto de vista da
área de estudo a qual pertencem este novo cotidiano com a Lei 10639/03.
Recomenda-se o trabalho por projetos, conforme Hernández &
Ventura(1998), Torres(1998) e Carneiro(2001), relacionados com a
vivência, experiência e valores da comunidade escolar, propiciando
tanto a ruptura com uma visão limitada das relações étnicorraciais,
como também a crítica ao etnocentrismo. (BRASIL, 2006)
Neste sentido o projeto implementado pela unidade escolar pesquisada,
chama-se “Projeto Malungo4”, cujo o referencial do nome adotado, denota a
preocupação de implementar a Lei 10639/03 e aplicar no cotidiano escolar práticas que
possam privilegiar a melhor compreensão e importância dos estudos da cultura africana
e afro-brasileira visto que o Brasil é um país plural, multifacetado de cores e sabores
que identificam um povo rico na sua história e nos seus antecedentes, quer sejam
brancos, negros, índios...
O Projeto procura difundir cada vez mais as nossas raízes, principalmente a
nossa cultura negra, que é alvo de uma barreira latente – o preconceito e a discriminação
por parte de uma sociedade excludente, para privilegiar uma história negada a um povo
sofrido e massacrado pelos brancos colonizadores.
Desta forma, neste projeto a cultura negra é vista como parte preponderante
da nossa cultura nacional, muito embora ainda seja vista como folclore em diferentes
aspectos. A raiz negra é divulgada na música, na religião, nas danças, nas comidas,
mostrando que a escola vem se afirmando como irradiadora de cultura negra e da
conscientização de todos que fazem parte do seu cotidiano para a construção de uma
sociedade mais democrática, justa e igualitária, formando jovens capazes de discernir e
exercer a sua cidadania de forma plena.
O projeto abrange professores de várias áreas e disciplinas, centrado
especialmente nas disciplinas de português, literatura, história, geografia, sociologia,
4
Malungu,sm. Companheiro[...] provém do locativo conguês m’alungu, contr. de mualungu, no barco, no
navio. Provirá igualmente de mu’alunga, forma contrata de um-kalunga, no mar[...].
9
filosofia, educação artística, não se restringindo as mesmas, com a participação de
professores da área profissionalizante também.
O trabalho é desenvolvido ao longo do ano no conteúdo das disciplinas
como também em debates, filmes, vídeos, palestras, etc.
Os estudantes entram em contato com a cultura afro-brasileira de diversas
maneiras, aproximando as nossas raízes culturais ao cotidiano, e com isso propiciando
uma maior interação com a diversidade do povo brasileiro, criando oportunidade de
inclusão de aspectos epistemológicos distanciados da escola.
Além da história e cultura afro-brasileira, que são temas abordados em todas
as disciplinas, outros aspectos relevantes são evidenciados na execução do projeto.
Esses aspectos englobam principalmente o combate a discriminação racial e toda forma
de preconceito, priorizando uma sociedade mais democrática e igualitária.
Pensando em Conclusão
Num espaço onde as diferenças se encontram , os estudantes são
estimulados a desenvolver sua consciência crítica em relação aos aspectos sociais
evidenciados por uma exclusão latente do povo negro na nossa sociedade, entender as
diferenças provocadas pela discriminação e pelo distanciamento do povo negro à
educação, propiciando grandes diferenças quer seja na escola e principalmente no
acesso às universidades, havendo assim, também a discussão sobre cotas para negros
nas universidades etc.
Outro ponto enfocado é a posição da população negra no mercado de
trabalho, evidenciando estatisticamente, as distorções e diferenças encontradas como
também a discriminação que essa parte da população, mesmo sendo considerada
maioria no nosso país, vem sofrendo ao longo dos anos.
A participação de todos é fundamental para a valorização e resgate da
história de um povo que contribuiu e contribui significativamente para a nossa
sociedade, como sugere Kabengele Munanga:
O resgate da memória e da história da comunidade negra não interessa
apenas aos alunos de ascendência negra (...) Além disso, essa memória
não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista
que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente é fruto de todos
os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais
10
desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da
riqueza econômica e identidade nacional.. (MUNANGA,1999)
Neste sentido, a referida escola vem se ressignificando, de forma a
promover a tessitura de um conhecimento que na contemporaneidade tece novas redes
que procuram diminuir as desigualdades e as injustiças acometidas ao povo negro na
sociedade brasileira ao longo dos anos, possibilitando um resgate, e assim uma nova
identificação para o povo brasileiro, condizente com sua verdadeira formação.
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