As mulheres na pesca e nas culturas maninhas na Europa
UMA
Visita de campo a Cambados em companhia das marisqueiras.
Reafir mar-se
Mais de 150 mulheres vinculadas a pesca
participaram da conferência internacional
AKTEA que teve lugar na Galicia entre os
dias 10 e 13 de Novembro de 2004. Lá
puderam experienciar que compartilham um
mesmo destino e regressaram a seus lugares
com o desejo de prolongar esta dinâmica.
A conferência internacional AKTEA celebrada em
Novembro de 2004, anunciada nos dois números anteriores, marcou uma pauta importante no reagrupamento das mulheres da pesca e dos cultivos marinhos.
Nela reuniram-se mais de 170 participantes: pescadoras, marisqueiras, recoletoras, vendedoras de pescado,
cônjuges de pescadores ou aqüicultores, mas também
pessoas dedicadas a investigação, a função pública,
assistentes sociais e membros de associações. As participantes proveniam de Europa ocidental, mas também
de África Sub-saariana, América e Ásia. Alternando as
comunicações nas sessões plenárias com os fóruns de
discussão de grupos reduzidos, a conferência convidava tanto a reflexão pessoal como ao intercâmbio de
experiências e idéias. Palavras que até então haviam
sido abstratas, tomaram sentido: globalização, organização, trabalho em rede.
Além disso, as européias surpreenderam-se do pro-
N°5 Março 2005
AKTEA: Nereida da
mitologia grega simbolizando a
beira-mar
A G E N DA VA L I O S A
O terceiro encontro do programa FEMMES e a
conferência internacional AKTEA, celebrados em
Santiago de Compostela, Galicia, Espanha, em
Novembro de 2004, permitiu às mulheres da pesca,
do Norte e do Sul, debater numerosos temas: a segurança marítima, as mulheres na pesca e a aqüicultura, o status profissional feminino, a diversificação das
atividades, a gestão dos recursos, a organização das
mulheres. Estes encontros foram possíveis graças à
financiação européia (DG Pesca, 5° Programa
Marco de Investigação e Desenvolvimento) e a
regional (Galicia e Bretanha).
Uma agenda provisória, cujo conteúdo são as reivindicações das mulheres européias, foi apresentada e
submetida à discussão. Esperamos receber críticas e
sugestões que nos ajudem a melhorar este documento destinado a quem toma decisões políticas a nível
nacional e da União Européia. Por outra parte, os
investigadores e investigadoras concluirão em breve
uma agenda que conterá as necessidades para desenvolver os estudos sobre as mulheres vinculadas a
pesca na Europa.
Ainda que estes intercâmbios ocupam grande parte
deste número de AKTEA, em essência o tema principal é o trabalho de comercialização realizado pelas
mulheres dos pescadores. Em Espanha, em
Portugal, na Itália ou na França, a venda direta é o
que assegura a persistência das pequenas empresas
familiares. A questão do reconhecimento do trabalho feminino requer aqui plena importância.
E
D
I
T
O
R
I
A
L
Katia Frangoudes
gresso das mulheres dos países em vias de desenvolvimento em matéria de trabalho associativo e de coletivização dos problemas. Puderam comparar suas situações e seus métodos de trabalho, avaliar em que aspectos são ocasionalmente privilegiadas com respeito a
outras e em quais têm ainda caminho por percorrer.
Por exemplo, o status de " cônjuge colaboradora " ao
que se podem acolher as francesas não tem equivalente no resto da Europa. Em Portugal, onde são zzz
1
Rede
Informe
Duas cultivadoras de marisco da Lagoa de
Thang (França), participantes do encontro
de Santiago de Compostela na Galicia,
compartilham suas impressões
zzz muitas as mulheres que saem a pescar com seus
maridos, as esposas declaram-se como membros da tripulação do barco. Isto lhes dá o direito a aposentadoria, mas não lhes é reconhecido seu trabalho de gestão
e de co-direção da empresa familiar. Este status já é
bastante surpreendente se considerarmos os Países
Baixos ou a Itália, onde as mulheres simples e despretensiosamente não têm nenhum tipo de reconhecimento oficial. Em outros aspectos, a organização e o
trabalho em grupo das marisqueiras galicianas ampliaram os horizontes a muitas outras mulheres.
Das sombras a luz
Annie Rouquette e Annie Castaldo em companhia de Nicki
Holmyard, no centro, criadora de marisco escocês.
Desde nossa primeira assistência como ouvintes na
conferência relacionada com o tema das mulheres na
pesca de Bruxelas organizada pela Direção Geral de
Pesca, até a de Aktea em Santiago, não só aprendemos senão que nos sentimos valorizadas, mais respeitadas e mais fortes. Tomamos força para ser as intermediárias de todas as mulheres que trabalham em
suas pequenas empresas familiares, defendendo a
produção artesanal, o savoir-faire local e uma terra
que lhes é querida.
A visita de campo organizada na Galicia nos permitiu
ter um encontro com as marisqueiras de amêijoa e as
cultivadoras de mexilhões. Os mexilhões da Galicia
invadem nosso mercado, nos causam problemas sanitários e de comercialização. Ter discutido com as criadoras de mexilhões nos permitiu pôr nossos medos e
nossas crenças em perspectiva.
Regressamos com duas propostas:
1. A federação francesa de mulheres do mar (2FM)
deve reestruturar-se para nos representar na rede
européia que está em construção e cujo objetivo será
a conservação dos recursos.
2
2. Nossa associação local deve trabalhar à partir de
uma agenda precisa: assegurar a comunicação interna
e externa, estabelecer contatos dentro da própria
região (Marennes e Arcachon), incorporar-se mais
nas instâncias profissionais, estabelecer contatos com
as mulheres galicianas, marisqueiras e produtoras de
mexilhões.
As duas "Annies"
Contacto : [email protected]
Mais além das diferenças, surgiu uma necessidade
comum: reafirmar-se como mulher trabalhadora da
pesca e não como "mulher de". Todas as participantes
da conferência coincidiram em manifestar que seu trabalho deve ser considerado como tal, e não como um
complemento das atividades dos hombres da família.
Esta perspectiva comum acompanha, entretanto, posicionamentos diferentes. Enquanto as espanholas pretendem dirigir uma ação em nome próprio, as portuguesas não querem arriscar-se a ter um conflito com os
homens; preferem enfrentar os problemas que afetam
ao setor da pesca de maneira geral, que são os mesmos
para os homens, e afrontá-los conjuntamente. As portuguesas não querem que seu processo de reconhecimento pessoal divida o setor da pesca e a aqüicultura.
Em essência, a dificuldade consiste então em não
debilitar o peso político do setor, que geralmente tem
pouca representação nos PIB nacionais, ao mesmo
tempo em que faz ouvir a voz específica das mulheres.
Isto propõe uma série de questões práticas e estratégicas cujas respostas variarão segundo o grau das diversas situações de cada país: As mujeres deveriam participar das organizações dos homens ou atuar desde
organizações próprias? Deveriam expôr as demandas
femininas ou também as reivindicações do setor? O
fato é que, de momento, às mulheres não lhes é dado
o reconhecimento da legitimidade de falar em nome
do setor. Inclusive ainda que exista uma verdadeira
igualdade entre os cônjuges, o que é às vezes comum,
esta mantêm-se no terreno do privado. A representação da igualdade no trabalho de um e de outro não
chega a instâncias profissionais. Quase todas as mulheres co-proprietárias com seus esposos de barcos de
pesca dizem estar excluídas das organizações profissionais, quando não em direito, mas sim na prática.
Todavia falta muito pó por sacudir das instituições do
setor.
É importante que as mulheres façam parte do espaço
público, já que elas percebem as coisas de maneira zzz
mais global. Para elas, a pesca não limita-se ao ato
da captura. A pesca começa com os recursos haliêuticos,
prolonga-se a família e a comunidade, chegando até os
pratos dos consumidores, e finalmente as estantes das
grandes superfícies. Os intercâmbios da conferência
permitiram concretizar uma base de ação comum: preservar o futuro das populações do litoral respeitando os
recursos. Para as mulheres, isto significa defender uma
pesca razoável, vinculada a atividade familiar ‹
zzz
Encontro
Passamos a ação
O último encontro de trabalho do
programa de investigação FEMMES
permitiu redirigir uma agenda de
reivindicações das mulheres da pesca na
Europa. Dito documento anuncia a
direção da ação política.
O terceiro encontro do Programa FEMMES teve
lugar entre o dia 8 e 9 de Novembro em Santiago de
Compostela na Galicia. A cinqüentena de mulheres
presentes teve a possibilidade de consolidar e/ou
extender os laços privilegiados estabelecidos nos dois
primeiros encontros. Esta vez, os investigadores e as
investigadoras contribuíram fazendo comparações e
analisando diferentes temas de interesse para as mulheres, tais como seu status, o rol das mulheres na produção haliêutica, a administração da empresa, a formação, a diversificação de atividades, as organizações
de mulheres, etc. Uma apresentação da situação das
agricultoras em Irlanda mostrou como organizam-se
e lutam as mulheres de outros setores. A presença de
investigadores e investigadoras provenientes de países do Sul permitiu ampliar a discussão na condição
das mulheres em outros países.
Não obstante, o que mais preocupou as participantes
foi a preparação da agenda com as reivindicações das
mulheres. Trás um debate muito rico em aportações
onde a realidade de cada país ocupou um lugar
importante, os intercâmbios resultaram na versão
provisória de uma agenda mais representativa de toda
Europa. Os debates prosseguiram mediante as organizações e as redes informais de mulheres.
Já perfila-se alguns eixos gerais das reivindicações.
Apresentamos aqui um resumo:
1. Reconhecer a contribuição das mulheres nas
empresas da pesca e a aqüicultura (gestão, contabilidade, etc.) mediante um status oficial.
2. Permitir que as mulheres implicadas na produção
acedam a um status profissional.
3. Favorecer as iniciativas de diversificação dos
ingressos familiares mediante o acesso das mulheres a
micro-créditos e a formação.
4. Reconhecer o valor dos ofícios vinculados a pesca
freqüentemente assumidos pelas mulheres: o remendo de redes, a comercialização do pescado, etc.
5. Abolir todo tipo de discriminação entre homens e
mulheres enquanto ao acesso aos ofícios e aos recursos.
6. Reconhecer e manter o acesso das mulheres às
instâncias profissionais.
7. Melhorar o acesso das mulheres aos serviços de
formação e aos dispositivos de valorização das
conquistas profissionais.
8. Manter as organizações de mulheres e suas ações.
9. Melhorar as condições de trabalho e de segurança
a bordo para todo o pessoal embarcado.
10. Acordar uma atenção específica para as necessidades das mulheres de marinheiros (dificuldades de
formação, isolamento) e a suas ações (condições de
trabalho, segurança a bordo).
Uma vez concluída, a agenda deverá ser levada ante
as autoridades políticas regionais, nacionais e européias. Toda boa vontade será necessária; mais que
nunca, é momento de que as mulheres reforcem seu
lugar no espaço público. O encontro do programa
FEMMES de Santiago assim demonstrou, o primeiro
passo é o que mais custa. Todas as mulheres do mar
são capazes de representar e defender sua causa,
quando assim lhes permite fazê-lo ‹
Solidariedade com Ásia
A catástrofe de 26 de Dezembro de 2004 no
Sudeste asiático comocionou ao mundo inteiro.
Repercutiu fortemente no meio marítimo, já que o
tsunami afetou particularmente as famílias dos pescadores.
As mulheres da pesca da rede holandesa Vin Vis
lançaram um chamamento para a arrecadação de
fundos. Sentiram a necessidade de ajudar à suas
irmãs e irmãos da pesca e cooperam com uma organização de pescadores.
Essa inciativa pode ser compartilhada, com sua
doação na seguinte conta:
St. Vissersvrouwen voor Vissersvrouwen en Azie,
número NL85 RABO 0321 4605 02
Contacto : [email protected]
3
Comércio
Ve n d e d o r a s e n g e n h o s a s
Emmanuelle vende dir etamente a pesca de seu marido no mer cado de Trévignon (ver página 8).
"Sem o trabalho de sua esposa, o pescador não tem mais comida do que aquilo que pesca",
ironiza Pencha Santasmarinas, de la Conselheria de Pesca e Assuntos Marítimos de Galicia.
Isto ilustra a importância das mulheres na comercialização das capturas.
A venda direta do pescado ou do marisco fresco permite melhorar os ingressos familiares, evitando os intermediários. Em Europa, isto é praticado sobretudo nos países do Sul. Nos países nórdicos, onde os consumidores
mostram uma preferência para os pescados processados, é efetivamente mais interessante comercializar produtos elaborados à partir da pesca familiar.
A venda direta é assunto das mulheres. Isto não é nada
novo, já desde o século XIX as mulheres deslocavamse aos mercados dos povoados vizinhos para dar saída a
produção familiar. Em seus povoados não encontravam-se muitos compradores já que todos eram pescadores… Hoje em dia, não se trata tanto de obter clientes
senão que de obter um preço superior ao que oferece o
leilão e que aproxime-se tanto quanto seja possível ao
preço de venta dos vendedores fixos. Isto é válido
sobretudo para os barcos de pesca artesanal ou para as
pequenas unidades aqüícolas ou de cria que dispõe de
quantidades relativamente pequenas e, portanto, fáceis
de vender diretamente.
Com cestos
A venda itinerante à pé ou em caminhonete efetua-se
paralelamente a venda em uma peixaria fixa ou em um
posto do mercado. Em quase todas as partes, a caminhonete refrigerada suplanta a venda à pé, já que cumpre
melhor com as normas sanitárias européias. Só em
Portugal é possível encontrar ainda as vendedoras "com
cestos". Sobretudo estas últimas, são mulheres desprovi-
4
das de recursos econômicos e que não têm outra opção
para melhorar os ingressos familiares. Cada manhã vão
ao mercado atacadista onde compram uma pequena
quantidade de pescado que transportam, sem gelo e ao
ar livre, em um cesto sobre suas cabeças. Às vezes vêemse obrigadas a comprar o pescado à crédito, devolvendo
o dinheiro a seu credor quando realizada a venda. Na
atualidade, esta atividade está proibida em muitas cidades portuguesas. As vendedoras não têm direito de usar
o transporte público para deslocar-se de uma zona de
comércio a outra.Os condutores dos ônibus mostram
certa tolerância, aceitando que as mulheres circulem nos
ônibus muito cedo pela manhã, antes dos horários de
ponta. Elas sabem que correm o risco de ver sua mercadoria confiscada e destruída pela polícia, além de ter que
pagar uma multa. De qualquer maneira, consideram-se
profissionais e querem contribuir para a previdência
social com intuito de poder beneficiar-se de uma aposentadoria.
Em caminhonete
A compra de uma caminhonete refrigerada é indispensável para praticar a venda ambulante. Esta compra
representa uma inversão considerável e, em alguns
casos, superior ao valor de um barco de pesca. Por outra
parte, ocasionalmente é necessário obter uma licença de
venda expedida pelas autoridades municipais, que nem
sempre vêem com bons olhos o desenvolvimento deste
tipo de comércio. O estacionamento de caminhonetes zzz
ao longo das vias públicas está estritamente limitado: de um par de minutos em Portugal até uma hora em
França. Em Portugal, as vendedoras são geralmente
mulheres de pescadores, que preferem abastecer-se no
mercado atacadista e não nos barcos de seus maridos.
"Elas não querem que os homens da tripulação possam
pensar que, durante a pesca e no cálculo das partes a
dividir, o marido roube pescado para dá-lo a mais à sua
mulher. Eventualmente, podem comprar em leilão as
capturas do barco familiar, já que esta é uma prática à
vista de todos", afirma um filho de pescador. Na França
continental, a venda ambulante em caminhonete também pratica-se, mas a maior parte da venda direta é realizada desde postos fixos de venda em uma cidade. É
necessário uma licença para ter direito a instalar o mostruário durante uma manhã completa. Em Córcega, a
venda em caminhonete realiza-se em dias diferentes,
dependendo da temporada. Em verão, quando o número de residentes da ilha aumenta consideravelmente, as
mulheres vendem para a clientela da costa, mas também
usam a caminhonete para ir aos povoados das montanhas buscar clientes, ilhéus ou turistas. Em inverno, interrompem com freqüência sua atividade de venda.
zzz
A domicílio
A garagem de muitas das casas de pescadores corsos
resguarda viveiros onde são armazenadas lagostas.
Através do boca a boca, a população vizinha e os turistas mais "fiéis" sabem onde abastecer-se de crustáceos a
bom preço. São as mulheres da casa quem ocupam-se da
venda. Para elas isto é um complemento. Não têm os
meios econômicos para adquirir um ponto de venda
não vinculado ao domicílio, mas têm a sorte de ganhar
mais que o que ganhariam passando pelos atacadistas.
Em peixarias de grande superfície
A abertura de uma peixaria de grande superfície permite valorizar os produtos das famílias pescadoras e também comercializar as produções exteriores. O investimento necessário para a criação de tal estrutura é muito
importante já que as normas sanitárias são rígidas: o
recinto deve estar pavimentado, equipado com refrigeradores, máquina de gelo, etc. É necessário conhecer
toda a informação técnica e jurídica, obter as licenças
administrativas e buscar créditos e ajudas financeiras.
Uma das mulheres de pescadores corsa que se lançou a
esta aventura empresarial confesa não haver medido em
um princípio o tempo requerido para cumprir este trabalho prévio. "Se tivesse tido conhecimento, não teria
feito…", conta C. Foram necessários dois anos para realizar o projeto e poder reunir os 150.000 euros de investimento. Em um primeiro momento, C. queria abrir
uma peixaria, mas devido a lei da pesca de 1997, só
poderia vender o pescado capturado por seu marido e
não por outros barcos, e tampouco teria o direito de
vendê-lo aos restaurantes. Atualmente, em sua peixaria
vende atum e lagostas pescadas por seu marido, assim
como espécies importadas do continente (sardinhas,
anchovas, cavalas, etc.). Emprega duas pessoas a tempo
parcial, uma na peixaria e a outra na venda em caminhonete. Ela mesma não recebe um salário e não trabalha mais de seis meses ao ano, durante a temporada
turística.
Em mercados de pescado
Paralelamente a estas iniciativas pessoais, nos países do
Sul de Europa existem iniciativas coletivas de venda
impulsionadas ou bem por mulheres ou por organizações de pescadores em benefício das mulheres. Por
exemplo, em Ajaccio, Córcega, o antigo mercado de
pescado foi renovado e transformado em um estabelecimento comercial onde cada barco do porto pode vender diretamente sua produção. As mulheres dos pescadores asseguram a venda. A criação de tal estrutura exige
uma estreita colaboração com as organizações de pescadores locais, com as autoridades territoriais, nacionais e
européias. O compromisso coletivo é determinante.
Com a abertura deste mercado, o intercâmbio cotidiano
entre as mulheres que vendem o pescado de seus maridos é crucial. Estas relações sólidas contribuem a reforçar a posição das associações de mulheres ante as dos
homens e as autoridades locais. O papel econômico
que desempenham as mulheres no seio familiar e no
setor da pesca é cada vez mais reconhecido ‹
Membros da Rede FEMMES
França : CEDEM Univ. de Bretagne Occidentale - Associação Mulheres
entre Terra e Mar, Bretanha Sul - Espanha : Universidad de La Laguna,
Iles Canaries - Cofradia de Pescadores de Cambados, Galicia - Portugal :
Universidade da Madeira- Mutua dos Pescadores, Lisboa - Finlândia :
Osterbottens Fiskarförbund r.f., Vaasa - Reino Unido e Irlanda : membros
não organizados
Identificação do projecto
Financiamentos: Contrato n° Q5TN-2002-01560 - CCE, DG Pesca - 5ème
PCRD. Programa “Qualidade de Vida e gestão dos recursos marinhos”.
Coordenação do projecto: Katia Frangoudes, CEDEM, França.
Editado pelo Centre de Direito e de Economia do Mar (CEDEM) - Directora
da publicação: Katia Frangoudes Coordenação: Sarah Mongruel- ISSN
1765-8551 - Impressão Bureau 2000, Plougastel - Tiragem em português
1000 exemplares -Participaram neste número: Sébastien Metz, Séverine
Julien, Monique Philip, Michèle Pendelièvre.
Contato: [email protected]
Esta publicação não reflecte necessariamente a opinião da Comissão
das Comunidades Europeias e em caso algum antecipa a sua atitude
neste domínio. Reprodução dos artigos autorizada sob reserva da
menção obrigatória dos autores e dos financiamentos.
http://www.fishwomen.org
5
Ancona
Leilão ao
estilo italiano
A equipe f eliz da associação Penélope.
No porto de Ancona, a divisão do trabalho é clara: os homens ao mar, as mulheres em
terra para vender e administrar. Resumo de uma semana normal de trabalho.
Em Ancona, a semana de trabalho para as mulheres
da pesca começa pela noite de segunda-feira até às
duas da madrugada do dia seguinte, quando os pescadores regressam ao porto para descarregar o pescado
capturado nas 24 horas anteriores. As mulheres carregam as caixas de pescado nas caminhonetes ou em
carros adequados e os levam ao interior do estabelecimento comercial, onde serão vendidos. Colocam o
pescado, cuidando com a apresentação do produto
para os compradores, e logo retiram o código numérico designado a cada barco. A loteria destes números
estabelece a ordem de venda. Quando a ordem não é
a favorável, e se ocorre que o barco possui a classificação entre os últimos para vender, a proprietária do
caminhão pode retirar a mercadoria em venda e dirigir-se ao mercado de outra cidade da região para ver
se tem sorte. Este trajeto pode ser às vezes de até 100
kilômetros… As mulheres também recorrem à venda
direta em outro mercado quando o preço estabelecido pelo leilão cai abaixo do umbral mínimo que elas
estabelecem.
O regresso a casa acontece na primeira hora da
manhã, uma vez finalizado o trabalho do leilão, justo
a tempo para ocupar-se das crianças e acompanhá-las
ao colégio. Na ausência da mãe, os maiores podem
ficar sós pela noite, mas os pequenos ficam com a avó
ou outro membro feminino da família. Trás haver
realizado algumas tarefas domésticas, as mulheres
voltam a ocupar-se da parte administrativa do trabalho empresarial. São elas quem encarregam-se de solicitar ou pagar os serviços da cooperativa de pescadores, de levar a contabilidade e as relações com os ban-
6
cos, de apresentar os expedientes administrativos ante
a Capitania do Porto, de controlar as contas e de
responsabilizar-se pelos comprovantes de renda dos
tripulantes no fim do mês.
Repassemos as tarefas de uma ama de casa: preparar
a comida, arrumar e limpar a casa, ajudar com os
deveres escolares e levar as crianças em suas atividades. Uma jornada de trabalho ativa e bem completa, e
entretanto nem sempre gratificada com um bom
resultado nas vendas. É por isto que a venda é tão
estressante. Este encadeamento de atividades ocorre
quatro vezes por semana. Nunca com mais freqüência, já que os pescadores devem conservar os recursos e manter os preços, limitando a quatro os dias de
pesca.
As mulheres de Ancona têm a consciência de ser
importantes na direção da empresa, mas ainda não
conseguiram obter um reconhecimento jurídico e
uma proteção social que dê suporte a sua atividade.
Ao associar-se, saem de seu papel de presença silenciosa e dão-se a conhecer. Não obstante, consideram-se empresárias e já não duvidam em demandar
formação complementária. A Associação "Penélope"
é única na Itália, o que não lhes facilita o caminho até
o reconhecimento jurídico e social. Por outro lado,
estabelecer contatos e intercâmbios com outras organizações de mulheres da pesca em Europa lhes permitirá progredir com mais rapidez ‹
Adriana Celestini
Contacto : [email protected]
Instalação
Minha pequena
caminhonete.
Estelle, de 26 anos, lançou-se na venda
ambulante em um pequeno município
próximo a Lorient (França). Entrevista.
Aktea: De onde surgiu a idéia da venda em caminhonete?
Estelle: Eu venho de um ambiente de marinheirospescadores e sempre quis ter um negócio de pescados.
Tenho um Certificado de Aptitude Profissional de
venda em peixaria. Entrei como aprendiz aos 17 anos e
tenho um título de profissional de alimentação de nível
secundário. Trabalhei em Rennes durante um ano e
meio em uma grande peixaria. Após esta experiência,
foi quando me lancei. Sabia o que queria, ¡o que não
sabia era o que isso iria me custar! A Câmara de Ofícios
de Lorient ajudou muito. Criar uma peixaria é um investimento grande por demais. A venda em caminhonete,
entretanto, estava ao meu alcance. Além disso, não é
necessário obter uma licença. Somos livres de ir onde
queremos, com a condição de não estacionar mais de
uma hora em um ponto fixo. Tardei mais de seis meses
em resolver todos os assuntos jurídicos, econômicos,
técnicos, calcular os balances, encontrar a caminhonete
e fazer os consertos necessários, especialmente pôr
uma caixa isotérmica e uma estrutura corrediça.
Aktea: Quais são os problemas para o encaminhamento do negócio?
Estelle: Eu havia preparado bem o terreno: publicidade nas caixas de correios e de porta em porta ao redor
para saber se as pessoas estavam interessadas em que
passasse tal dia por sua casa. O boca a boca funcionou
e várias pessoas me chamaram para dizer que estavam
interessadas. Trabalho sobretudo no município de
Plomeur, onde todos se conhecem. É mais fácil. Assim
pude organizar meu itinerário. Tardo 8 horas. Na terçafeira pela manhã estou na costa. Na quarta-feira, descanço. Na quinta-feira, vou para o campo. Na sextafeira, instalo-me no mercado de Lorient. No sábado,
vou ao de Pont-Scorff. No domingo, estou em um
posto fixo em Plomeur, em um terreno que me
empresta a proprietária. Logo, às 12:30h, volto a
Lorient para refrigerar a mercadoria e lavar a caminhonete.
Aktea: Onde se abastece?
Estelle: No estabelecimento comercial de Lorient, dos
barcos de pesca artesanal. As pessoas daqui conhecem
muito o pescado, ¡não é possível vender um pescado
descolorido, conservado durante dez dias na câmara
refrigerada de um barco de pesca! Vou ao mercado
todos os dias às quatro da manhã. É um processo que
leva seu tempo para quem quer observar tudo muito
bem. Por aí passam mais de mil barcos ao dia. Demorei
dois bons meses em estar satisfeita com minhas compras e em minimizar as perdas. Poderia haver elegido
abastecer-me da pesca do meu pai, mas queriamos que
as coisas estivessem claras. Além disso, haveriam penalizado a ele no mercado caso houvesse vendido para
mim, o colocariam entre os últimos da fila.
Aktea: E a concorrência?
Estelle: Não somos muitas na venda ambulante de
pescado. A concorrência vem sobretudo das peixarias.
A longo prazo, eu também gostaria de abrir uma. Meus
anos de aprendizagem e experiência na venda ambulante possibilitam conhecer as necessidades dos clientes.
Hoje em dia já não se vende como há dez anos, sobretudo nas cidades. As pessoas querem comer pescado,
mas não sabem como prepará-lo. Em Rennes, as pessoas de 30-40 anos pedem muitos conselhos e receitas
simples. Isto amplia as perspectivas ‹
Países Baixos
Mercados de pescado, essa é a tendência
Os habitantes de um pequeno porto de pesca criaram um mercado de pescado
gastronômico e pedagógico. Um belíssimo exemplo de diversificação a serviço da pesca.
Vivo em um pequeno povoado pesqueiro no Norte dos
Países Baixos. Meu marido, meu filho e meu sobrinho são
os três pescadores. Sou co-proprietária de um barco e,
além do trabalho doméstico, sou responsável pelas tarefas
administrativas e pelas compras do barco. Às vezes saio a
pescar com meu marido. Isto me fez ver que o pescado
que se vende no mesmo dia em que se pega alcança o
mesmo preço que o que leva vários dias capturado. Isto
foi uma grande decepção.
Agora bem, faz dois anos, o governo municipal do povoado propôs instalar um mercado local de pescado fresco.
Sua proposta foi recebida com entusiasmo. Constituiu-se
um grupo de voluntários para realizar um estudo das
necessidades e das possibilidades. Confiando no êxito do
projeto, o governo municipal acordou conosco uma ajuda
econômica em forma de empréstimo, saída dos zzz
7
zzz
orçamentos da província e dos fundos europeus.
No verão, o povoado acolhe a muitos turistas atraídos pela
beleza desta região bem conservada. Foi a princípios da
temporada turística de 2004 quando abriu o primeiro mercado semanal de pescado fresco. Como cada semana, os
pescadores passam primeiro suas capturas pelo leilão de
sexta-feira, respeitando assim um período obrigatório nos
Países Baixos. Aí, o grupo de voluntários compra o pescado, a um preço mais elevado que o do pescado menos
fresco. Os pescadores ganham mais assim. Logo o pescado é colocado nos postos do mercado novo, sendo vendido a um preço que também é bom para o consumidor.
Não é um mercado qualquer. As mulheres que trabalham
aí comprometem-se a informar os clientes sobre os lugares e as técnicas de captura. Organizamos demonstrações
de como é preparado o pescado e convidamos os visitantes a degustá-lo e a prepará-lo em suas casas. Do mesmo
modo, o mercado tem uma página na Internet (www.vismarktwieringen.nl). A informação foi difundida e agora
há mais turistas, habitantes da região e membros do setor
da restauração que vem ao povoado aos sábados pela
manhã. Este êxito também favoreceu aos otros comércios
e aos restaurantes. Isto deve-se também em parte ao que
sugerimos aos compradores, ou seja, que guardem o pescado em frigoríficos enquanto visitam o povoado ou vão
de excursão a bordo de um barco de pesca.
O mercado de pescado fresco deu fé de seu êxito e, além
disso, alguns dos voluntários estão agora remunerados.
Vamos ampliar o mercado com outros produtos locais.
Isto supõe uma inversão econômica suplementar. Esta é a
razão pela qual ainda não começamos a devolver o
empréstimo.
Estamos contentes e orgulhosos de nosso projeto. Para
chegar até aqui houve um trabalho coletivo importante
que reuniu os habitantes do lugar. Se as coisas seguem seu
curso, nossos filhos estarão orgulhosos de ser os seguintes portadores da tocha ‹
Wilma Koster
Contacto: [email protected]
No posto de Wilma degusta-se paelha holandesa
Finisterre
Cotovelo com cotovelo
Emmanuelle deixou um emprego
assalariado para vender diretamente a pesca
de seu marido. Toda a família ganhou
qualidade de vida.
Emmanuelle é de Trevignon (França). Desde muito
jovem ficou encarregada de vender diretamente a pesca
de seu pai. Continuou vendendo a de seu esposo, paralelamente ao seu trabalho assalariado como trabalhadora
de uma fábrica têxtil. A venda ocupava suas férias e os
domingos. Manteve ambas atividades até o nascimento
de sua segunda filha de agora dez anos.
A ampliação da família levou-a a tomar uma decisão.
Não queria seguir vivendo a um ritmo tão acelerado.
Desejava passar mais tempo com sua segunda filha do
que havia passado com sua primogênita.
A decisão se impôs: deixar o trabalho na fábrica e dedicar-se a venda direta. Até que sua filha cumpriu os três
anos, Emmanuelle pôde beneficiar-se de uma licença por
maternidade, o que facilitou a transição. Está presente no
mercado de pescado de Trevignon todos os fins de
semana e cada dia durante as férias. Não toda a pesca de
seu marido vende-se diretamente. As capturas da semana vendem-se em leilão. Mas, em volume, a venda direta representa cinco vezes a venda em leilão. Se
Emmanuelle não vendesse no mercado, o volume de
negócio seria a metade.
Emmanuelle elegeu manter preços fixos para garantir
seus ingressos. No leilão, os preços variam de uma quantidade ao triplo, enquanto que fixar um preço medio ao
ano reduz os riscos. Os clientes regulares apreciam esta
estabilidade, sobretudo em épocas festivas… Inclusive
havendo preços mais atrativos em alguns supermercados.
Emmanuelle também assume o trabalho administrativo
e de contabilidade. Desmonta as redes e às vezes é quem
leva o pescado ao estabelecimento comercial. No total,
trabalha o equivalente a três quartas partes de uma jornada de trabalho, com uma qualidade de vida bastante
superior. Durante a semana está com as filhas. Aprecia a
variedade de seu trabalho e a qualidade da relação com
seus clientes.
Emmanuelle não acolheu ao status de cônjuge colaboradora, que não considera interessante em termos econômicos. Mas vai preparando sua aposentadoria, poupando
cada mês uma pequena quantidade. Ela se considera verdadeiramente a colaboradora de seu marido. Está claro
que são dois capitaneando: um no mar, e uma em terra ‹
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