Livro: Estranhões e Bizarrocos (estórias para
adormecer anjos)
Título da história: O País dos Contrários
Autor: José Eduardo Agualusa
Ilustrador: Henrique Cayatte
Editora: Publicações D. Quixote
Sinopse
Um inventor de coisas impossíveis: formigas
mecânicas, pássaros a vapor, sapatos voadores,
aparelhos de produzir espirros, estranhões e
bizarrocos e outros seres sem exemplo. Camelos
sábios, uma menina de peluche, a rainha das
borboletas. Um país onde tudo acontece ao contrário,
os rios correm do mar para a nascente, e os gatos
são do tamanho de bois. O nascimento do primeiro
pirilampo do mundo. Uma menina que queria ser
maçã. Neste livro de José Eduardo Agualusa e
Henrique Cayatte cabem os prodígios todos que
cabem nos sonhos das crianças. São histórias para
adormecer anjos.
O País dos Contrários
Quero que conheçam este gato. Chama-se
Felini e, acreditem, não se parece com nenhum outro.
Falo-vos de um gato, digamos assim, muito
ambicioso. Felini era ainda adolescente, mal se viam
os bigodes, quando se apaixonou. Coisa séria. Muito
séria. Deixou de comer, deixou de lamber o pêlo, e
passou a andar pelos telhados como um vagabundo
– sujo, magro, desgrenhado -, gemendo tristemente o
seu amor. A mãe ficou preocupada:
- Meu filho – perguntou-lhe -, quem é essa
gata?
Gata? Felini olhou-a desesperado. Não, não era
uma gata. Era uma vaca! Graciosa, a vaca, pastava os
seus dias, isto é, passava os seus dias, no terreiro em
frente à aldeia, com as outras vacas. A mãe de Felini
riu-se, pasmada, e foi contar às amigas: o seu filho – o
pobrezinho! -, estava apaixonado por uma vaca. A
novidade espalhou-se pela vizinhança. Os gatos
grandes davam-lhe palmadas nas costas: “tens mais
boca que barriga”, diziam. Os colegas troçavam dele. O
pior, porém, não era isso. O pior, para Felini, aquilo que
realmente o incomodava, era a indiferença de Graciosa.
Felini sentava-se à noite em frente do estábulo
onde dormia Graciosa e compunha canções para a lua,
canções tristíssimas, que falavam dos olhos mansos
do seu amor, e do seu pêlo macio, e do seu caminhar
pelo pasto húmido ao amanhecer. Graciosa nem
olhava para ele. A mãe de Felini, cada vez mais
preocupada com tamanha persistência, foi procurá-lo:
- Meu filho – explicou-lhe -, como queres que
uma vaca se interesse por ti? As vacas gostam de
animais grandes, como elas, de bois. Os gatos gostam
de gatas.
Era esse o problema? Então – decidiu Felini -,
então seria um boi. A partir desse dia começou a
pastar, como as vacas, e com tal apetite que cresceu, e
cresceu, e cresceu, até alcançar o tamanho de um boi.
Só nessa altura voltou a procurar Graciosa. A
vaquinha, porém, olhou-o com susto:
- Meu Deus, um gato boi!
O grito dela atraiu os outros animais. Todos o
olhavam com horror. Os gatos já não o aceitavam –
ele deixara de ser gato. As vacas fugiam ao vê-lo.
Felini, tristíssimo, decidiu então partir para outro país.
O mundo era imenso. Em algum lado encontraria
quem o aceitasse sem estranheza. Andou durante
muitos dias. Atravessou desertos. Perdeu-se no
labirinto
de
florestas
intermináveis.
Escalou
montanhas geladas, respirou o ar perigoso dos
pântanos, viu o sol levantar-se sobre paisagens de
assombro. Ao fim de muitos meses encontrou um rio
cujas águas corriam pela montanha acima, e não a
descer, em direcção ao mar, como estamos
acostumados a ver. Perguntou a um pássaro em que
lugar estava.
- Se cruzares o rio – disse-lhe o pássaro -, entras
no País dos Contrários. Ali tudo se passa ao contrário:
os ponteiros dos relógios giram para a esquerda, os
animais nascem velhos e morrem bebés e toda a gente
fala do fim para o princípio. É um tanto complicado,
mas depois habituas-te.
Disse isto e despediu-se. Mal chegou ao outro
lado do rio voltou--se e começou a voar de costas.
Felini encolheu os ombros. Se um pássaro podia viver
num país assim ele também podia. Atravessou o rio a
nado. Estava a descansar na areia quando um elefante,
tão pequeno quanto uma formiga, se aproximou dele:
- Chamas te que é como – disse -, olá!
- Chamo-me Felini – respondeu Felini. – E tu?
Nunca tinha visto um elefante tão pequeno. O elefante
olhou para ele admirado:
- Estrangeiro um como falas mas Contrários dos
País do habitante um pareces – disse.
- Direito falas não porque?
Felini abanou a cabeça. Que diabo de língua era
aquela? Depois compreendeu e começou a rir. O
elefante estava a falar ao contrário: “Porque não falas
direito?” – tinha dito.
- “Pareces um habitante do país dos contrários
mas falas como um estrangeiro”. O gato contou-lhe as
suas aventuras, até cruzar o rio, esforçando-se por se
fazer entender na estranha língua do país. Disse-lhe que
tinha decidido conhecer o mundo porque na terra onde
nascera o olhavam como se fosse um monstro.
- Tu como são todos aqui – tranquilizou-o o
elefante – não aqui.
Nesse mesmo dia Felini encontrou vários gatos
iguais a ele. Em pouco tempo fez novas amizades e
decorridas algumas semanas já se sentia tão à
vontade naquele lugar como na sua própria aldeia.
Podia ter sido inteiramente feliz, mas teve pouca sorte,
coitado, voltou a apaixonar-se – por uma vaca!
Uma vaquinha tão pequena que não lhe chegava
aos calcanhares.
FIM
O País dos Contrários
Trabalho realizado por Carlos Samina
Projecto de Desenvolvimento das BE/CRE’s das
EB1 e JI do
AVE de Palmela
Ano Lectivo 2006/2007
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