Afinal, o nome da área é Recursos Humanos, Gestão de Pessoas ou o quê?
Um estudo com empresas que atuam no segmento de saúde sobre os impactos da
mudança de papeis da área na identidade do grupo
Autoria: Camilla Zanon Bussular, Angela Beatriz Busato Scheffer, Roberta Cristina Sawitzki
Resumo
As sucessivas mudanças de papeis a que vem sendo demandada a área de Recursos
Humanos remetem a uma necessidade de equivalente alteração de mind set por parte de seus
profissionais. A partir da questão: por que a área de Recursos Humanos possui diferentes
denominações? Procedeu-se uma investigação junto a seis instituições do segmento de saúde,
buscando entender como a mudança de papeis da área afeta a identidade do grupo. Os
resultados indicaram que demandas internas e externas à organização, influenciaram
diretamente a estrutura, papeis e perfis dos profissionais da área, alterando, dessa forma, a
identidade coletiva de RH.
Palavras-chave: Gestão de Recursos Humanos, Papeis e Funções de Recursos Humanos.
1. Introdução
Estudar a construção e o desenvolvimento das práticas de recursos humanos consiste em
compreender não apenas conceitos técnicos, mas também aspectos idiossincráticos referentes
à heterogeneidade e à pluralidade de ações. Em tempos em que o ideal de diversidade ganha
espaço nas organizações, nenhum setor incorpora tal pensamento com a mesma intensidade da
área de RH. Tantas são as manifestações neste sentido que a própria identidade do
departamento é influenciada. Achados empíricos mostram uma diversidade de denominações
assumidas pela área nas organizações: Recursos Humanos, Gestão de Pessoas,
Desenvolvimento Organizacional, Gestão de Talentos, Capital Humano, Administração de
Pessoal, Departamento de Pessoal, Relações Industriais, Setor de Gente, não se limitando a
essas opções. Sendo o nome um elemento que compõe a identidade de um indivíduo ou
coletivo, o que motiva essa mudança e variedade? Ela é de fato necessária? Esses
questionamentos iniciais impulsionaram a construção desta pesquisa. Com o intuito de
organizar as colocações, a área será referida como Recursos Humanos (RH) para fins
didáticos e por essa ser a nomenclatura que prevalece no campo pesquisado para este artigo.
Essa variedade de nomes suscita o entendimento de que novos papeis estão sendo
colocados e assumidos pela área de Recursos Humanos frente ao desenvolvimento das
organizações, e de que a construção da identidade da área vai se formando e moldando
também a partir de demandas externas, especialmente aquelas vindas da alta gestão (GLYNN,
M. A.; ABZUG, R, 2001). Carrieri (2002) acrescenta os estudos realizados por Glynn e
Abzug (2001) ao debater que a construção desta identidade não se restringe às demandas do
corpo diretivo, sugerindo que ela é uma construção social provocada pelos impactos dos
vários grupos que compõem a organização. Esta “ampliação” perceptiva é reforçada por
Berger e Luckmann (1973) quando os autores afirmam que a identidade é fruto dos processos
sociais, sendo mantida, modificada ou remodelada pelas relações sociais, isto é, a formação e
a conservação da identidade são determinadas pela estrutura social que as rodeia.
1
Partindo da curiosidade inicial e dando um caráter científico à observação empírica,
busca-se, através de um estudo de caso múltiplo (YIN, 2001), focado em seis organizações
que atuam no segmento da saúde em Porto Alegre, analisar a percepção de profissionais de
RH sobre a identidade da área frente a esses novos papeis. Procuram-se como objetivos
específicos: identificar as mudanças ocorridas e as demandas por novos papeis da área de RH;
verificar os possíveis desdobramentos para a identidade da área e levantar as perspectivas
futuras.
Após uma breve revisão teórica sobre a temática da identidade grupal nas organizações e
um resgate histórico sobre a atuação e constituição do RH, seguirão as seções sobre a
metodologia utilizada, os achados de campo, sua análise e as considerações finais. Por ser um
debate amplo, não se espera com este estudo encontrar uma resposta definitiva para a questão
central e sim proporcionar uma discussão a respeito do tema, pois se “quem eu sou?” provoca
algo tão difícil de ser respondido, mais complexa é a resposta para “quem somos nós?”.
2. Revisão Teórica
A revisão teórica dará suporte de análise no desenvolvimento da pesquisa e na explicação
dos achados de campo. Nesta seção serão apresentados um breve resgate conceitual sobre a
identidade coletiva ou grupal, um resgate histórico da área de Recursos Humanos, seus papeis
e desafios.
2.1 A identidade coletiva ou grupal
O tema identidade desperta interesse em pesquisadores de vários campos do
conhecimento, como da filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e também dos estudos
organizacionais (CARRIERI; PAULA; DAVEL, 2008). Caldas e Wood Jr. (1997) fazem um
resgate conceitual sobre a identidade, através do pensamento clássico e da psicologia,
afirmando que o termo foi inicialmente cunhado para referir-se apenas ao indivíduo.
Posteriormente, a terminologia e as definições foram apropriadas por outros campos do
conhecimento, como é o caso da administração, e o conceito de identidade passa a ser
aplicado também a grupos sociais, nações, espécie humana etc. (CALDAS; WOOD JR.,
1997). Dentre os autores que dedicaram estudos sobre a identidade na dimensão individual,
coletiva e da organização, estão Machado-da-Silva (2003), Davel (2008), Vasconcelos e
Vasconcelos (2001), Carrieri (2008), Caldas e Wood Jr. (1997), Karreman e Alvesson (2001),
Essers e Benschop (2007), Brown (2001), Luckmann (2008;1985).
Segundo Caldas e Wood Jr. (1997), a noção psicanalítica de identidade foi um dos
conceitos mais influentes e utilizados dentro das ciências sociais. No construto desses autores,
o conceito de identidade e self são utilizados com significados parecidos. Em sua pesquisa
sobre o tema, a palavra self está vinculada ao prenômio indo-europeu se-, que denota “o eu de
cada um”. Enquanto a palavra identidade, a partir de sua origem latina, refere-se a um
conteúdo ou propriedade, o self pode representar a entidade que o incorpora. O conceito mais
divulgado sobre identidade “define-a como uma classificação do self que expressa o indivíduo
como reconhecidamente diferente dos demais, e como similar a membros da mesma classe”
(CALDAS; WOOD JR., 1997, p. 10). Cabe ressaltar que essa é uma das várias definições e
ramificações que a palavra identidade possui e que depende, inclusive, da perspectiva de
análise que está sendo utilizada.
A questão é articular a dicotomia que circunda as diferenças individuais e as semelhanças
coletivas, produzidas quando as pessoas formam um grupo. Ciampa (2006), ao falar de
identidade coletiva, cita que os membros de um determinado grupo, ao compartilharem
significados relevantes, dão sentido às suas atividades. Na ausência desse compartilhamento
2
simbólico, para o autor, os membros de uma coletividade estariam utilizando apenas, como
“rótulo”, um mesmo nome ou título.
Caldas e Wood Jr. (1997) propõem um esquema conceitual para mapear as principais
correntes existentes no estudo da identidade a partir de duas dimensões básicas: a dimensão
do objeto focal e a dimensão da observação (Figura 1). Por esse esquema, na dimensão do
objeto focal, além do “indivíduo”, outras entidades também podem ser objeto de análise e
possuir uma identidade, como é o caso dos grupos. Na dimensão da observação, os teóricos
alvitram a distinção dos conceitos de identidade formulados a partir de diferentes pontos de
observação, ou seja, independente do objeto analisado, a identidade pode ser observada tanto
internamente, quanto externamente. Dessa forma, os autores abrem uma possibilidade teórica
onde os grupos/coletividades podem ser tomados como objetos focais para a análise da
identidade, podendo ser observados pelos que o compõe (autopercepção do grupo sobre si
mesmo) e por outros grupos ou indivíduos (imagem refletida e percebida externamente). A
Figura 1 apresenta esse esquema conceitual, que na própria visão dos autores, possui
limitações teóricas.
Figura 1 – Identidade – quadro conceitual proposto
Fonte: Caldas e Wood Jr. (1997, p. 11).
A partir da figura acima, Caldas e Wood Jr. (1997) elucidam os seis agrupamentos do
seu esquema conceitual, onde: (1) o primeiro enfoca o objeto indivíduo, a partir do self, do
autoconceito (self-concept) que tem de si e da imagem percebida pelos outros; (2) há no
segundo a influência dos conceitos da Psicologia Social que tratam a identidade como um
autoconceito (self-concept) que os indivíduos ou grupos possuem de si mesmos e a relação
entre as identidades individuais e grupais, especialmente pela ideia de “identificação” da
pessoa com determinado grupo e da significativa influência do grupo na construção da
identidade individual. Além disso, por esta perspectiva, a identidade pode ser ampliada da
visão do sujeito para a do grupo, pois esse último passa a ser um objeto focal que possui uma
identidade; (3) o terceiro deriva da identidade individual, reunindo concepções clássicas de
identidade no âmbito organizacional que compreendem as crenças compartilhadas pelos seus
membros sobre o que é central (essência da organização), distintivo (o que diferencia uma
organização de outra) e duradouro (características estáveis através do tempo); (4) já o quarto
tem uma conexão com o segundo no sentido de que a organização possui uma percepção
sobre si mesma; (5) o quinto apresenta uma perspectiva mais instrumental, quando
3
apresentam a forma como a organização administra e vende a sua imagem externa. Analisamse criticamente nessa esfera a forma como a organização manipula a sua imagem corporativa
frente às outras organizações e sociedade; (6) e por último, o sexto, que abarca os estudos que
discutem as definições de identidade numa perspectiva macro (sociedades, nações e
humanidade.
É importante salientar que o esquema, mesmo apresentado com delimitações e sequências
definidas, envolve seus objetos focais, ou seja, o indivíduo, os grupos, a organização e as
sociedades, num emaranhado de relações e influências mútuas. Assim, a partir desse esquema,
pode-se analisar a identidade da área de Recursos Humanos dentro das organizações e a forma
como ela é influenciada pelas pessoas, pela instituição na qual está inserida e pela sociedade,
especialmente por outras organizações que compõem o campo de atuação no qual se insere.
Na próxima seção, serão analisados brevemente a trajetória da área de Recursos Humanos, os
papeis desempenhados, apontando que as mudanças ao longo do tempo afetam de alguma
forma a identidade da área.
2.2 Os papeis desempenhados e a sua influência na identidade da área de Recursos
Humanos
Wood Jr., Tonelli e Cooke (2011) apresentam uma análise histórica da evolução de
Recursos Humanos nos últimos 60 anos, dividindo suas reflexões sobre a área em dois
períodos, um que vai de 1950-1980 e o outro de 1980-2010. O primeiro período (1950-1980),
segundo os autores, foi marcado por importantes mudanças na gestão de RH. Dois agentes
fundamentais neste processo foram: 1) as empresas multinacionais, que trouxeram de suas
matrizes diversas práticas já difundidas em outros países, tais como recrutamento, seleção,
treinamento e desenvolvimento e 2) as escolas de administração, que também tiveram um
papel definitivo na disseminação dos modelos e práticas de Recursos Humanos. É válido
ressaltar que neste período a maior parte das empresas ainda contava com um departamento
de RH voltado para cumprir as leis trabalhistas e processar os pagamentos e encargos
consequentes.
Marras (2000) coloca que a função de RH começou a ser estruturada nas empresas a
partir da necessidade de “contabilizar” os registros dos trabalhadores, com ênfase,
obviamente, nas horas trabalhadas, faltas e atrasos para efeitos de pagamento ou de desconto.
O autor acrescenta que nesse campo pouco ou nada mudou. Afirma, ainda, que o “chefe de
pessoal” tinha em comum, tanto na Itália quanto nos Estados Unidos e no Brasil, as mesmas
características que o definiram por muitos anos: um sujeito inflexível, seguidor das leis e
dono de uma frieza incalculável na hora de demitir alguém. Dessa forma, ser enviado ao
departamento pessoal, como era chamado o RH, foi por muitos anos sinônimo de estar sendo
chamado para receber uma carta de demissão. É válido salientar que as mudanças estruturais e
de papeis não acontecem de modo semelhante para todas as empresas e de modo mecânico
através do tempo. Não existe uma “evolução linear” das funções da área de RH para todas as
organizações. É por isso que até hoje muitas empresas funcionam com o modelo de RH
focado em questões operacionais e trabalhistas.
A análise temporal, como fazem Wood Jr., Tonelli e Cooke (2011), mais do que
demonstrar uma “evolução linear” ou totalitária, quer apresentar e discutir uma série de
modificações sofridas pela área no Brasil e que acompanham de alguma forma as
transformações ocorridas no cenário econômico-empresarial do país. Continuando sua análise,
os autores apontam que o período de 1980-2010 foi marcado por três mudanças fundamentais
para a área de RH: o alinhamento com os objetivos empresariais, a adoção intensiva de novos
modelos e práticas e a adoção de uma nova retórica pela área, com a finalidade de disseminar
4
valores individualistas, o culto aos líderes, o incentivo à adaptabilidade, à inovação e à
competitividade (WOOD JR.; TONELLI; COOKE, 2011).
Segundo Ulrich (1998), os requerimentos da nova economia, com forte pressão pela
redução de custo e pela inovação, dada a duração cada vez menor dos ciclos de vida de
produtos, associados aos requerimentos de qualidade e atendimento às satisfações do cliente,
trouxeram demandas crescentes relativas ao incremento das competências organizacionais e
profissionais. Tal quadro levou as empresas a empreenderem mudanças expressivas no seu
ambiente interno, nas quais se inclui a gestão de recursos humanos.
Esta fase estratégica foi demarcada operacionalmente, segundo Albuquerque (1988), pela
introdução dos primeiros programas de planejamento estratégico atrelados ao planejamento
estratégico central das organizações. Foi, assim, nessa fase que se registraram as primeiras
preocupações de longo prazo, por parte do board das empresas, com os seus trabalhadores.
Iniciou-se nova alavancagem organizacional do cargo de Gerente de RH, que, de posição
gerencial de terceiro escalão, em nível ainda tático, passou a ser reconhecido como diretoria,
em nível estratégico nas organizações. Nesta perspectiva, a área de Recursos Humanos (RH)
migra cada vez mais das funções técnicas para as funções consultivas (staff); assumindo até
uma nova denominação: Gestão de Pessoas (GP).
Essa mudança de lente, associando os referenciais teóricos de vantagem competitiva e
visão baseada em recursos promove uma associação mais intima entre o desempenho da
empresa, seus recursos, competências e seus processos internos, incluindo-se as pessoas e os
processos de gestão de pessoas. Mascarenhas (2008) complementa que a função de gestão de
pessoas passa a ser entendida como um conjunto privilegiado de princípios, práticas, políticas
e processos por meio dos quais competências e recursos organizacionais (estratégicos e
complementares) são desenvolvidos, entre eles o capital humano (as pessoas, dotadas de
inteligência, e em relação de emprego com a organização), o capital social (seus
relacionamentos) e sistemas de gestão capazes de satisfazer as demandas cotidianas.
Revendo a trajetória percorrida pela área de Recursos Humanos, cabe ressaltar que este
movimento está situado em um recorte de tempo que compreende menos de um século. As
sucessivas transformações, adaptações e mudanças de posicionamento do setor não ocorreram
suavemente. Puxadas pelas demandas de mercado, as alterações do RH acabaram
proporcionando uma crise de identidade perceptível nos modelos atuais e que reverberam por
suas práticas organizacionais. A seguir, serão apresentados os procedimentos metodológicos
utilizados e, posteriormente, a análise dos dados, onde serão apontados os principais pontos
da pesquisa e sua correspondente problematização.
3. Procedimentos Metodológicos
Para compreender as percepções dos profissionais de RH em referência à identidade da
área, foi utilizada a análise de estudos de casos múltiplos proposta por Yin (2001). Optou-se
por esta abordagem por se tratar de um trabalho baseado em entrevistas semiestruturadas com
gestores de Recursos Humanos de seis diferentes instituições hospitalares da cidade de Porto
Alegre, RS. A escolha do setor hospitalar se deu em função do mesmo ter passado por
significativas alterações, no que tange a gestão de Recursos Humanos. Desta feita, salienta-se
ser uma pesquisa qualitativa de ordem exploratório-descritiva, conforme a classificação
proposta por Vergara (2006) sobre a finalidade do trabalho. A pesquisa é descritiva na medida
em que se buscou observar fenômenos, descrevendo-os, classificando-os e interpretando-os
no sentido de entender as variáveis relacionadas à presença de práticas de gestão de Recursos
Humanos e sua relação com a identidade do Departamento de RH. Além de caracterizar-se
como pesquisa exploratória, na medida em que buscou conhecer e se aprofundar nas
5
percepções das pessoas entrevistadas em relação ao contexto nos quais as práticas de gestão
de RH se relacionam com a base teórica dos papeis desempenhados pela área.
A seleção das instituições participantes seguiu critérios de representatividade e relevância
no contexto do mercado hospitalar da região metropolitana do RS. As seis organizações são
reconhecidas como referências de práticas em seu segmento e participam de um grupo para
debate e desenvolvimento de best practices do setor. As visitas foram agendadas diretamente
com os gestores devido ao fato destes profissionais oferecerem maior concentração de
conhecimentos e informações pertinentes à temática deste artigo.
Uma vez angariados os dados, os mesmos foram transcritos individualmente: cada
entrevista durou aproximadamente 1h30min e os dados foram coletados entre os meses de
maio a julho de 2010, de acordo com a disponibilidade de cada instituição. Na sequência,
procedeu-se a análise de conteúdo, de acordo com o que classifica Bardin (2004). Estes dados
passam a ser detalhados e problematizados nas seções abaixo.
4. Apresentação e análise dos resultados
Após a realização das seis entrevistas que compõem este estudo e suas transcrições,
iniciou-se o processo de análise de conteúdo, conforme apresentado na seção dos
procedimentos metodológicos. À medida que elas foram realizadas, emergiram três
macrocategorias de análise, aqui designadas como “Campo Organizacional”, “Organização” e
“Identidade da área de RH” e respectivas microcategorias de análise, apresentadas e
resumidas na Figura 2. É importante destacar o quanto essas dimensões influenciam-se
mutuamente e, por isso, a figura está desenhada com linhas pontilhadas, denotando a fluidez
das interações e influências recíprocas. Ela está organizada a partir da dimensão do objeto, ou
seja, partindo da identidade do grupo, que é composta pela multiplicidade de identidades dos
profissionais que compõem a área, até o campo organizacional que, de forma geral, abarca
outras organizações do segmento da saúde e os movimentos do mercado.
Figura 2 - Influências sobre a identidade de RH nas organizações que compõe o estudo
Fonte: elaborado pelos autores, a partir dos dados coletados nas entrevistas
Com o intuito de preservar a confidencialidade das seis organizações participantes, elas
serão aqui alcunhadas O1, O2, O3, O4, O5 e O6, identificando o respondente da pesquisa,
quando os recortes de seus discursos forem utilizados para elucidar os itens especificados.
6
Para que a apresentação dos resultados fique mais didática no início de cada subseção
será apresentado um quadro com a macrocategoria e suas respectivas microcategorias de
análise, surgidas da interpretação do conteúdo das entrevistas realizadas. Na sequência, elas
são explicadas, exemplificadas com as falas dos entrevistados e articuladas com o referencial
teórico proposto neste estudo.
4.1 Macrocategoria Identidade da Área de Recursos Humanos (RH)
Nesta macrocategoria de análise apresentam-se os aspectos que compõem e influenciam a
identidade da área de Recursos Humanos nas organizações estudadas, segundo a percepção
dos entrevistados. De forma geral, os profissionais de RH que participaram da pesquisa
mencionam o quanto a área, a partir das demandas oriundas no negócio, da complexificação
das relações de trabalho e também por tendências do mercado, se modificou ao longo do
tempo. Isso se reflete na estrutura - aumento dos subsistemas que compõem a área – na
denominação do setor, nos profissionais que atuam em Recursos Humanos e nos papeis
desempenhados pela área. O Quadro 2 apresenta, sinteticamente, essas percepções que
emergiram das entrevistas e em cada parágrafo subsequente serão elucidadas cada
microcategoria de análise dessa temática.
MACROCATEGORIA
MICROCATEGORIA
Estrutura
Nome
IDENTIDADE DA
ÁREA DE
RECURSOS
HUMANOS (RH)
Profissionais
Autoconceito (selfconcept)
Papeis
Desempenhados
Desafios
DEFINIÇÃO
- Identificação da estrutura da área e sua modificação ao longo do
tempo impactada pelas mudanças ocorridas nos papeis
desempenhados pelo RH;
- Aumento sistemático dos subsistemas de RH para suprir as
demandas e necessidades do negócio.
- O nome da área, sua alteração ou não e os impactos dessa
mudança nos papeis e práticas de RH.
- A multidisciplinaridade dos profissionais que compõem a área de
RH nas organizações do estudo.
- A percepção que a área de Recursos Humanos tem de si ou a
imagem que respondentes acreditam que os clientes internos
tenham da área;
- As características centrais da área.
- As mudanças dos papeis desempenhados ao longo do tempo e
aqueles que o RH destas organizações possui hoje.
- Um relato dos desafios que a área tem para os próximos
períodos.
Quadro 2 - Categoria da Análise: Identidade da Área de Recursos Humanos
Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas.
A respeito da estrutura da área, de forma geral, o RH está vinculado diretamente ao
principal executivo da organização (diretoria ou superintendência) denotando a posição de
assessoria/staff na organização, conforme relatos:
[O6] - Somos ligados diretamente à presidência dentro do organograma. Isso é bastante
importante. O RH participa das decisões estratégicas junto à administração central.
[O1] - O RH está ligado diretamente ao principal executivo. Só de estar ligado a este
profissional o RH tem um peso estratégico. Isso mostra como este papel acaba sendo
estratégico aqui. Como é a nossa estrutura: existe o conselho gestor (que é formado por
pessoas daqui, por pessoas de fora, de outras empresas que participam do conselho), um
presidente, um diretor-superintendente e respondem para ele outros diretores. O RH é um
staff, um assessor da organização, pois permeia todas as áreas, assim como a controladoria.
7
Para os entrevistados, essa posição no organograma facilita o desempenho de funções
estratégicas, dando ao RH mais visibilidade e acesso ao corpo diretivo e decisório. Nota-se o
orgulho que os entrevistados falam desse posicionamento e destaque da área. A partir dessa
retórica percebe-se a necessidade que o RH tem em buscar a sua legitimação e importância
dentro das organizações. Mostrar o quanto “somos importantes e estratégicos” para o negócio.
Para analisar de fato esse posicionamento, seria necessário entrevistar os dirigentes da
empresa e gerentes que são clientes internos do departamento a fim de compor a análise. Essa,
porém, é uma limitação do estudo, pois os entrevistados são exclusivamente os profissionais
que atuam em RH.
Outro aspecto estrutural insurge: o aumento do número de profissionais, bem como o
aumento dos subsistemas da área de RH. Vários citam que em suas empresas o RH começou
com as funções de Administração de Pessoal e foram aumentando seus subsistemas para
Recrutamento e Seleção, Universidade Corporativa/Educação Continuada, Consultoria Interna
de RH/Desenvolvimento Humano e Medicina e Segurança do Trabalho. Há uma variação no
número de profissionais que atuam nesses subsistemas em cada uma das instituições. Percebese que na maioria delas a estrutura da área é bem enxuta, mas possuem a delimitação clara dos
subsistemas. Em apenas uma das instituições investigadas, que é pública, o número de
profissionais aumenta significativamente se comparado com as demais.
Em relação ao nome da área, em quatro organizações ela se denomina Recursos
Humanos, com exceção de duas, cuja denominação é Desenvolvimento Humano e Gestão de
Pessoas. As impressões sobre esse assunto convergem para o seguinte consenso: a mudança
de nome só é válida quando há uma mudança na identidade, atitude e práticas da área em
relação às pessoas da organização. A maioria, inclusive, afirma que essa mudança é apenas
simbólica ou segue tendências de mercado e que o mais importante, em sua opinião, é que as
práticas e os papeis sejam revistos e modificados ao invés da nomenclatura:
[O1] Não acho importante o nome e sim a atuação da área. Posso ter aqui RH
Administrativo, posso ter Consultoria de RH, eles vão perceber o serviço prestado lá na
ponta, não o nome que ele tem. Para quem atua na área talvez seja um glamour, sabe,
trabalho na área de Gestão de Pessoas. Eu trabalhei no Departamento de Pessoal, no RH
Administrativo, no Desenvolvimento e na Consultoria. Talvez em termos de currículo fique
melhor colocar que “trabalhei na área de gestão de pessoas”. Para esses profissionais pode
ser interessante, mas para a empresa não faz diferença.
[O3] Aqui, pelo histórico que sei, sempre foi Recursos Humanos. Algumas pessoas já até
comentaram que o mercado tem outros nomes e se agente nunca pensou em mudar. Com
toda a sinceridade, acho isso uma bobagem, em minha opinião, o nome não tem a menor
importância. Acho que mais importante é a política que tu praticas, que valores que tu tens,
como tu és, as pessoas que trabalham na sua empresa e o que tu faz em relação a elas. Tu
podes ter um nome lindo - “gestão de talentos” - e não ter política nenhuma, não ter
valorização nenhuma e tratar mal as pessoas. Ou tu podes ter um nome mais antigo como
Área de Pessoal, que é a mais inicial e tu podes ter por trás da estrutura uma política, uma
valorização das pessoas que é fantástica. Para mim o nome é uma bobagem, não entendo
porque existem tantos nomes diferentes, para fazer a mesma coisa ou até menos.
Nas empresas que modificaram a sua denominação, a justificativa foi a seguinte:
[O2] - Deve ter mudado faz mais ou menos 5 anos. A área passou de Administração de
Pessoal para Recursos Humanos e hoje está como Desenvolvimento Humano. Não há
registros formais dessas alterações, mas a demanda veio da superintendência e aconteceu a
partir de uma reestruturação e de uma nova posição da área aqui na organização.
[O6] A gente tem até as evoluções aqui. Até o ano 2000, era um grupo de RH, aí, a gente
teve mudança de gerência. ...várias equipes aqui propuseram uma estrutura pro RH. Na
época era RH e, aí, a gente se tornou Coordenadoria de Gestão de Pessoas. Então, com
8
outro enfoque. Criamos uma missão. Agora em 2008, 2009, a gente teve uma nova
reestruturação, em função de outras demandas, que ampliou a área de desenvolvimento,
criando a seção de ensino voltada a educação corporativa, ensino à distância, agregando
toda a parte de educação. A gente está bem num momento de transição, indo pra gestão por
competências, meritocracia e vendo que área de Gestão de Pessoas a gente tá querendo.
Está maturando. E provavelmente vamos ter uma mudança na nossa estrutura, nos
processos... A gente tem que se adequar a esses novos planos.
Pode-se concluir, observando os relatos dos entrevistados, que mais do que a
denominação, a mudança da identidade do grupo frente à organização é mais importante. Nas
duas organizações onde a área teve esse movimento, de fato, houve mudanças marcantes que
foram seguidas pela mudança na nomenclatura. Novamente, percebe-se a busca pela
legitimação interna da área. Se comparada a outros grupos da organização, a área de RH, por
lidar com a dicotomia “Organização X Funcionários”, muitas vezes, perde a clareza do seu
papel institucional. Isto vai de encontro ao histórico de outras áreas que sempre se chamaram
da mesma forma, como por exemplo, financeiro, contabilidade, produção e marketing.
Outro aspecto observado é a variedade e a multiplicidade de profissionais que compõem a
área. Na amostra da pesquisa, observa-se que ela está composta por administradores,
pedagogos, psicólogos, médicos, enfermeiros, publicitários etc.
[O1] - Talvez pessoas com os mesmos perfis tendam a não dar certo no modelo de
consultoria como esse. Eu vejo, inclusive, no ponto de vista da formação. Não tenho
preconceito com nenhuma formação e todas acabam se complementando. Na medida em
que eu tenho uma enfermeira na minha área de consultoria, eu tenho uma psicóloga, um
administrador, uma pessoa de publicidade (que agora está fazendo administração), já teve
pedagogo fazendo consultoria, eu acho que isso acaba complementando a equipe. Onde tem
um ponto mais fraco o outro vai lá e apoia, isso internamente até para a resolução de
problemas da instituição é importante.
A partir dessa colocação, pode-se inferir a grande exigência feita à área de Recursos
Humanos, que deve, na maioria dos casos, resolver uma diversidade de problemas e eventos
da instituição. Além das pessoas, o RH deve compreender o negócio, as funções das outras
áreas, os processos e os movimentos do mercado, ou seja, deve ser um especialista da
objetividade e da subjetividade intrínsecas à organização. Exige-se, assim, uma “super-área”
que consiga ser responsiva e gerar resultados em muitas frentes da organização. Isso se reflete
na variedade de formações que a área busca, como uma forma de complementar os saberes e
concretizar suas incumbências.
Ao serem questionados sobre a imagem que a área possui internamente e suas
características, os respondentes trouxeram suas percepções e seu autoconceito (self-concept)
sobre o espaço em que atuam. Nesse item, as falas contendo essas definições são diversas,
tendo destaque para as colocações “parceiro”, “área que trabalha unida”, “referência para a
organização e para os demais profissionais”, “acolhimento”:
[O5] - Ser RH é tentar entender, ser parceiro, propondo soluções para problemas, como
absenteísmo. É o setor que dá oportunidades.
[O1] - O que me chama a atenção é como o grupo é unido. Nós contamos muito uns com os
outros. Eu não trabalho sozinho. Eu tenho as minhas áreas, os gestores, esse é o grupo pelo
qual eu sou responsável, mas eu não trabalho sozinha, apesar de cada um ter os seus
processos e suas responsabilidades. Esse grupo faz isso muito bem – comparando com
outros. Por sermos tão diferentes, o trabalho da área não poderia acontecer se não fosse essa
parceria.
[O6] - Como eu te disse, existe uma diferença entre o RH de antes e o RH de agora. As
pessoas se sentem muito à vontade com o RH. Como eu te disse, isso aqui é aberto. As
9
pessoas vem aqui bem tranquilas. Se percebe que a gente conquistou um espaço muito
grande aqui dentro. Pra além das coisas de frequência e de registros, as pessoas vem aqui
porque sabem que vão ser acolhidas para as coisas que estão precisando.
[O3] - Tem outras coisas aí: comunicação, facilidade de adaptação, flexibilidade, “tem que
ser referência”, eu sempre digo aqui pra minha equipe: “os outros podem, vocês não”,
“vocês têm que ser o exemplo de conduta, comportamento, de atitude”, acho que quem
trabalha em Rh tem que ser referência.
Caldas e Wood Jr. (1997), como mencionado no referencial teórico, abrem uma
possibilidade teórica onde os grupos/coletividades podem ser tomados como objetos focais
para a análise da identidade, podendo ser observados pelos que os compõem (autopercepção
do grupo sobre si mesmo) e por outros grupos ou indivíduos (imagem refletida e percebida
externamente). Essas seriam, como os autores chamam, as dimensões de análise do objeto
focal, podendo a identidade ter uma constatação interna e externa. No caso deste estudo, a
percepção sobre a área foi desenvolvida apenas com aqueles que a compõem, ou seja, com os
profissionais de RH entrevistados. Sugere-se, para estudos futuros, que entrevistas sejam
estendidas a pessoas externas à área com a finalidade de expandir as visões e percepções
sobre a mesma.
A respeito dos papeis desempenhados surgem múltiplas visões que vão do
posicionamento estratégico às demandas mais operacionais. Destaque para a fala do
entrevistado [O1] que ressalta que antes o papel era o atendimento das demandas mais
operacionais dos empregados e que hoje também passa pelo atendimento das demandas da
alta direção, conforme visto em Ulrich (1998).
[O3] - Aqui na organização sempre tivemos presente a participação do RH nas questões do
negócio. A direção entende que RH é estratégico, sempre teve esse entendimento aqui e
isso torna mais fácil as coisas. ...se tu olhares os valores lá está presente a questão dos
recursos humanos, se tu olhar os projetos estratégicos de 2010, 2011 e 2012, tu vais ver que
há projetos específicos voltados para a valorização, para o desenvolvimento das pessoas, e
eu acho que essa é a dinâmica do negócio, especialmente na área da saúde. A gente precisa
trabalhar constantemente a questão do desenvolvimento, treinamento das equipes. Isso está
presente na dinâmica, na estratégia da instituição.
[O1] - Eu vejo o RH fazendo diferentes papeis. O Rh faz um papel estratégico junto à
diretoria, a alta cúpula da instituição, que é disseminar todas as políticas, tudo aquilo que é
objetivo estratégico para instituição, então tem que ter um alinhamento muito forte e muito
próximo da diretoria, de quem decide as coisas dentro da instituição. Ao mesmo tempo
atende a ponta, que são os clientes internos, os gestores, os funcionários. Então o RH tá ali,
entre os dois. Antes ele era visto só como ponta. Talvez essa seja a diferença.
Ontologicamente, observa-se o quanto o discurso de Recursos Humanos tende a focar o
estratégico, mas, na prática, percebe-se a predominância do papel operativo e reativo, como
demonstra esse último entrevistado. Estudos como o de Bosquetti e Albuquerque (2005)
cruzam informações sobre a visão dos profissionais da área e os clientes internos da
organização. Os resultados demonstram o quanto essas percepções podem estar distantes: o
RH se vê com um posicionamento estratégico mais que seus clientes internos. Esse
cruzamento trata-se de uma sugestão para estudos futuros, dentro do segmento em questão.
Quando questionados sobre os papeis e os desafios para a área, os entrevistados afirmam:
[O6] - Eu acho que faltam alguns dos projetos modernos que as empresas provadas
praticam. Falta aprovação, pois estão desenhados pra entrar no ar a qualquer momento. Eu
acho que falta uma preparação para a aposentadoria.
10
[O1] - O nosso desafio constante é ser realmente estratégico e entender do negócio. Sem
isso, a gente não vai conseguir trabalhar. Se for para ser só consultor de recursos humanos,
não é o que eu quero. É participar e influenciar as tomadas de decisão do negócio.
[O4] - A Instituição agora está focando no RH, antes era muito focada na questão
assistencial. O próprio RH como um desafio.
[O3] - ...é ter uma escola de formação de alguns profissionais que a gente tem uma
dificuldade maior – técnico de enfermagem, camareira, copeira. Então, a minha expectativa
está vinculada a isso, ao desenvolvimento das pessoas e alguns sistemas de manutenção
dessas pessoas aqui dentro.
Percebe-se que os desafios da área variam conforme a instituição e o estágio em que ela
se encontra frente ao que lhe é exigido. Enquanto para umas, como citado pelo entrevistado
O1, o desafio é manter o papel estratégico já desempenhado, outras buscam o seu espaço de
consolidação na instituição, como exemplificado por O4. Há um foco também nas ações
operacionais da área, como, por exemplo, a ampliação de subsistemas já existentes e a
implantação de projetos tidos como “modernos”. A partir disso, pode-se coligir que mesmo
apresentando semelhanças na maioria das microcategorias de análise (estrutura, nome,
profissionais e papeis desempenhados), os respondentes variam suas respostas em duas: no
autoconceito e nos desafios para a área. Resgata-se nesse ponto o conceito de identidade
proposto por Caldas e Wood Jr. (1997, p.10), apresentado no referencial, onde define-a como
“uma classificação do self que expressa o indivíduo como reconhecidamente diferente dos
demais e como similar a membros da mesma classe”. No caso, transpõe-se o conceito de
identidade de indivíduo para grupo, ou seja, altera-se o objeto focal.
4.2 Macrocategoria Organização
Nesta macrocategoria de análise, busca-se expor como a organização (alta direção,
demais áreas e clientes internos) com suas diretrizes, missão e valores, influencia a identidade
da área de Recursos Humanos na visão dos entrevistados. O Quadro 3 apresenta,
sinteticamente, as percepções que emergiram das entrevistas e em cada parágrafo subsequente
serão elucidadas cada microcategoria de análise dessa temática.
MACROCATEGORIA
MICROCATEGORIA
Alta Direção
ORGANIZAÇÃO
Demais áreas
Clientes Internos
DEFINIÇÃO
- Influência exercida pela alta direção na identidade de RH,
especialmente em função da posição da área na estrutura das
organizações da pesquisa.
- Demandas e influências geradas pelas demais áreas da
organização.
- Demandas e influências geradas pelos demais funcionários da
organização, que são “clientes internos” da área.
Quadro 3 - Categoria da Análise: Organização
Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas.
Entende-se o quanto os movimentos de mudança da organização afetam o agir e o ser
RH. Além disso, há uma forte influência também do gestor de RH, que direciona e influencia
a identidade da área, assim como as diretrizes, a missão e os valores da organização em que se
está inserido. Questionado sobre o perfil do profissional que atua em RH, um entrevistado,
que é gestor de RH, comentou que “mais do que a profissão, busca-se uma pessoa com o
perfil da empresa. Se a nossa missão é humanizar, então o profissional que atua em RH deve
ter esse perfil, deve saber humanizar as relações, o atendimento. Deve ser acolhedor”. Todas
essas características determinam e delineiam a identidade de Recursos Humanos.
11
Apesar de não ter sido mencionada literalmente, percebe-se a influência da cultura na
formação da identidade de Recursos Humanos a partir da afirmativa de outro entrevistado que
defende que “o RH deve ter a cara da instituição”. Como afirmam Machado-da-Silva e
Nogueira (2001, p.1) “As culturas não só oferecem significados às pessoas possibilitando
sentidos às suas vidas, mas, também, constituem fonte de significados para as identidades
delas, na medida em que contribuem para a compreensão de como se identificam para si e
entre si”. Sobre cultura organizacional, Cavedon (2008, p.59) entende como sendo uma “rede
de significações que circulam dentro e fora do espaço organizacional, sendo simultaneamente
ambíguas, contraditórias, complementares, díspares e análogas implicando ressemantizações
que revelam a homogeneidade e a heterogeneidade organizacionais”. Através das interações
sociais, essa rede de significados é compartilhada, gerando comportamentos e formas de agir
dentro do espaço organizacional. A identidade do RH é afetada por esse conjunto de
significados compartilhados, exemplificada pela fala deste entrevistado:
[O3] - acho importante dizer que a gente tem uma missão aqui, que está muito voltada para
a questão da humanização, então todas as nossas políticas têm isso como pano de fundo:
qual é a política da instituição? E o que nós podemos contribuir? Nada do que a gente faça
pode ser contrário à Missão. Eu estimulo a minha equipe a pensar dessa forma também,
nada do que a gente faça pode ser contrário à missão, essa é a referência maior.
Independente do que está acontecendo no mercado, a gente tem uma referência no
cristianismo, no amor ao próximo, tudo isso está presente. Isso é muito forte e a gente quer
passar isso para cada um, respeitando todas as religiões, sem nenhuma imposição.
Sobre a influência das demais áreas e dos clientes internos em geral, este gestor de RH
provoca a seguinte reflexão em sua equipe:
Eu diria assim, que a coisa mais importante pra mim na minha equipe é o trato com o nosso
cliente interno. Pensar que essas pessoas todas para as quais nós prestamos serviço são
nossas clientes. Sempre agente se perguntar, assim, se eles nos escolheriam como
fornecedores. Porque hoje eles não têm escolha, né, eles são obrigados a ter um serviço
nosso. Eu sempre insisto com a minha equipe, se os nossos clientes internos tivessem a
oportunidade, eles manteriam o atendimento que estamos dando?
Conclui-se, a partir disso, o quando os grupos, as pessoas e as organizações são
produzidas dentro de um contexto de relações sociais. Resgata-se a contribuição de Berger e
Luckmann (1973) quando afirmam que a identidade é fruto dos processos sociais, sendo
mantida, modificada ou remodelada pelas relações sociais, isto é, a formação e a conservação
da identidade são determinadas pela estrutura social que as rodeia.
4.3 Macrocategoria Campo Organizacional
Nesta macrocategoria de análise discute-se o quanto o campo organizacional externo às
instituições pesquisadas influi na construção da identidade de Recursos Humanos. A busca
por referências de mercado denota o quanto as práticas e os papeis de RH precisam de
legitimação. O Quadro 4 apresenta, sinteticamente, as percepções que emergiram das
entrevistas e em cada parágrafo subsequente serão elucidadas cada microcategoria de análise
dessa temática.
MACROCATEGORIA
MICROCATEGORIA
DEFINIÇÃO
CAMPO
ORGANIZACIONAL
Outras
Organizações do
Segmento da Saúde
- Busca da área de RH por referências em outras organizações do
segmento da saúde.
12
Tendências do
Mercado
- Demandas e influências geradas pelo mercado e por
organizações de outros segmentos.
Quadro 4 - Categoria da Análise: Campo Organizacional
Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas.
Torna-se necessário, antes de expor as colocações dos entrevistados, um conceito sobre o
que se entende por campo organizacional. DiMaggio e Powell (1983), estudiosos da teoria
institucional, definem campo organizacional como “as organizações que, em conjunto,
constituem uma área conhecida da vida institucional: fornecedores-chaves, consumidores de
recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzam serviços e
produtos similares”. As áreas de RH das organizações que participaram deste estudo possuem
um grupo de troca de informações de Recursos Humanos. Através dele, informações como
indicadores, práticas, políticas e a própria constituição da área é transmitida para os demais.
Essas referências externas, portanto, influenciam diretamente a identidade do setor.
Lacombe e Chu (2008) afirmam o quanto a teoria institucional pode ser relevante para
explicar o desenho e a implementação de políticas e práticas de RH. Quando questionados se
buscavam no mercado referências para atuação da área, houve um consenso entre os
respondentes:
[O6] - Sempre que a gente vai fazer alguma coisa, a gente tenta ver como está em volta.
Pelo fato da gente ser ligado à uma instituição X, também, isso traz muito a academia aqui
pra dentro. A gente tem muito contatado com profissionais com mestrado, muito contato
com a academia... mas o benchmarking, a gente não tem uma fonte exclusiva, até porque a
gente tem uma carreira muito solo... a nossa organização é diferenciada
[O4] – Buscamos referência no grupo de informações de RH da saúde e outros
benchmarkings.
.
[O2] - De todas as empresas que eu trabalhei vejo que aqui se busca muitas referências de
mercado. Junto ao grupo de informações de RH, de outras práticas de mercado, viajam
muito, visitam muitas empresas buscando essas alternativas, comparações.
DiMaggio e Powell (1983) propõem uma tipologia analítica, identificando três
mecanismos por meio dos quais ocorrem mudanças isomórficas institucionais: 1) isomorfismo
coercitivo, que deriva das influências políticas e da busca pela legitimidade; 2) isomorfismo
mimético, que resulta das respostas padronizadas às incertezas e 3) isomorfismo normativo,
que deriva das normas atreladas às profissões. Alterando o objeto focal da organização para a
área de Recursos Humanos, no caso em questão, verifica-se, principalmente, que a
legitimidade é buscada por algum tipo de isomorfismo, e os mais presentes são o coercitivo e
o mimético.
Além da influência direta do campo organizacional das instituições do estudo na
identidade da área, verifica-se que a tendências de mercado, ou seja, o que outras grandes
empresas de segmentos distintos estão realizando em termos de RH é também considerado na
opinião dos respondentes. Configura-se uma busca pela validação das práticas e do ser RH
dentro das empresas. Portanto, o ser RH passa também por uma questão “como outras áreas
de Recursos Humanos são?”.
5. Considerações Finais
A construção deste artigo foi uma tentativa de entender o que empiricamente é tão
observado: por que a área de Recursos Humanos possui tantas denominações? A partir desta
questão, buscou-se analisar a percepção de profissionais de RH sobre a identidade da área
frente aos novos papeis que são demandados e colocados por várias esferas que extrapolam,
inclusive, os limites da organização. A maioria dos entrevistados afirma o quanto a área de
13
RH está vinculada diretamente aos altos executivos da organização e atribuem a isso uma
exigência por papeis mais estratégicos que, segundo a maioria dos entrevistados, já é
desempenhado pela área. Com exceção de uma organização, que afirmou o quanto seu papel
ainda é operacional, mas que tende a mudar. É válido salientar que mesmo exercendo funções
mais estratégicas dentro da organização, as áreas de RH ainda dedicam-se, nas instituições
pesquisadas, no desempenho de papeis mais operacionais, que são demandados por seus
clientes internos. Dessa forma, a área assume funções diferenciadas e simultâneas, que vão
das mais relevantes para a organização, às mais funcionais-cotidianas, com a finalidade de
abranger as demandas da alta direção e de seus funcionários.
Sobre a identidade da área, os profissionais de RH observam influências diversas, como
por exemplo: demandas oriundas no negócio, especialmente em relação às exigências
advindas da direção das empresas; das alterações nas relações de trabalho – que se tornaram
mais complexas e que exigem mais da área; além das exigências de mercado (se as empresas
do meu segmento estão adotando novas funções, por que não fazemos da mesma forma?).
Essas influências se refletiram na estrutura da área (que passou a contar com mais
subsistemas), nos papeis desempenhados (do mais estratégico aos mais operacionais e que
subsistem conjuntamente) e na diversidade de profissionais da área (profissionais com
diferentes formações e experiências), explicadas detalhadamente no corpo do artigo através
das microcategorias de análise. São essas várias forças e relações simbólicas, internas e
externas à organização, que influenciam as características e papeis desempenhados pelo setor.
A construção da identidade de RH, na percepção dos entrevistados, passa por essas
influências.
Visualizou-se que, na maioria das organizações participantes, o nome da área continua a
ser Recursos Humanos e que os mesmos valorizam mais a mudança de atitude e de prática do
que simplesmente a mudança de nome, apesar de vários “novos” papeis, como o estratégico,
por exemplo, já serem exercidos. Há um consenso de que tal prática é um modismo. Portanto,
nas instituições pesquisadas, mudaram-se as práticas, mas o nome permaneceu o mesmo, com
exceção de duas organizações que mudaram suas práticas e também sua denominação.
Espera-se que o presente estudo tenha contribuído para a desmistificação de que as
mudanças de papeis devam vir acompanhadas de uma mudança de nome. Essa alteração
constante de denominações representa o quanto a área precisa legitimar a sua ação e a sua
importância nas organizações. Propõe-se que outros estudos sobre identidade de Recursos
Humanos sejam conduzidos e, como sugestão, que sejam entrevistados outros atores
organizacionais para complementar a percepção sobre a identidade de RH nas organizações,
uma limitação percebida no presente estudo.
6. Referências Bibliográficas
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade. 33ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2011.
BOSQUETTI, Marcos; ALBUQUERQUE, Lindolfo. Gestão Estratégica de Pessoas: Visão
de RH x Visão dos Clientes. In: ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais .... Brasília: ANPAD,
2005.
BROWN, A. D. Organization studies and identity: Towards a research agenda. Human
Relations. London, v. 54, n. 1, p. 113-121, 2001.
CALDAS, Miguel P.; WOOD JR., Thomaz. Identidade Organizacional. Revista de
Administração de Empresas. São Paulo, v. 37, n. 1, p. 6-17, jan./mar. 1997.
14
CARRIERI, A. P.; PAULA, A. P. P. de; DAVEL, E. Identidade nas Organizações:
Múltipla? Fluida? Autônoma? Organizações e Sociedade. Salvador, v. 15, n. 45, p. 127-144,
abr./jun. 2008.
CAVEDON, N. R. Antropologia para Administradores. 2ª ed. Porto Alegre: UFRGS
Editora, 2008.
CIAMPA, Antônio da Costa. Entrevista. Constr. psicopedag. [online]. dez. 2006, vol.14,
no.11. Disponível em: <http://pepsic.bvs-si.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141569542006000100002&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1415-6954. Acesso em: 14 jul. 2011.
DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and
collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p.
147-160, 1983.
ESSERS, C.; BENSCHOP, Y. Enterprising Identities: Female Entrepreneurs of Moroccan
or Turkish Origin in the Netherlands. Organization Studies, [s.l.], v. 28, n. 1, p. 49-69, 2007.
FISCHER, André L. Um resgate conceitual e historic dos modelos de gestão de pessoas. In:
Fleury, Maria T. (org). As pessoas na organização. São Paulo: Ed. Gente, 2002.
KARREMAN, D.; ALVESSON, M. Making Newsmakers: Conversational Identity at Work.
Organization Studies, [s.l.], v. 22, n. 1, p. 59-89, 2001.
LACOMBE, B. M. B.; CHU, R. A. Políticas e Práticas de Gestão de Pessoas: as
Abordagens Estratégica e Institucional. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v.
48, n. 1, p. 25-35, jan./mar. 2008.
LUCKMANN, T. On Social Interaction and the Communicative Construction of
Personal Identity, Knowledge and Reality. Organization Studies, v. 29, n. 2, p. 277-290,
2008.
MASCARENHAS, André O. Gestão estratégica de pessoas: Evolução, teoria e crítica.
São Paulo: Cengage Learning, 2008.
NOGUEIRA, E. E. S.; MACHADO-DA-SILVA, C. L. Identidade Organizacional: a
Importância dos Valores e Crenças: Estudo de Caso em uma Organização Extinta por
Incorporação. In: ENANPAD, 27., 2003, Atibaia. Anais... Atibaia: ANPAD, 2003.
MARRAS, Jean Pierre. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico.
São Paulo: Futura, 2000. 334p.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996. 421p.
SARSUR, Amyra M. A empresabilidade como uma “nova” gestão de recursos humanos.
In: BITENCOURT, Claudia (Org.). Gestão contemporânea de pessoas: novas práticas,
conceitos tradicionais. Porto Alegre: Bookman, 2004. p.336-357.
STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e processamentos para o
desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre: Artmed, 2009.
ULRICH, D. Os campeões de recursos humanos: inovando para obter os melhores
resultados. São Paulo: Futura, 1998. 344p.
ULRICH, D. Recursos Humanos Estratégicos. São Paulo: Ed. Futura, 2000. 384p.
VASCONCELOS, I. F. G. de; VASCONCELOS, F. C. de. Identidade e Mudança: O
Passado como Ativo Estratégico. Organizações e Sociedade. Salvador, v. 8, n. 21, p. 45-57,
maio/ago. 2001.
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São
Paulo: Atlas, 7ª Edição - 2006 - 96 p.
VERGARA, S.; DAVEL, E. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas
organizações. In DAVEL, E.; VERGARA, S. (Org.) Gestão com pessoas e subjetividade.
São Paulo: Atlas, 2001. 314p.
WOOD JR., T.; TONELLI, M. J.; COOKE, B. Colonização e Neocolonização da Gestão de
Recursos Humanos no Brasil (1950-2010). RAE, v.51, n.3, p. 232-243maio/jun. 2011.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.
15
Download

Afinal, o nome da área é Recursos Humanos, Gestão de