José Antônio de Ávila Sacramento
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Sobre a Conjuração Mineira...
Relembrando Hipólita e Fagundes!
José Antônio de Ávila Sacramento
Mesmo já tendo escrito algumas linhas sobre Hipólita Jacinta Teixeira
de Melo e José de Oliveira Fagundes, volto a comentar sobre a figura
deles, lembrando das providenciais palavras do escritor francês André
Gide (1869-1951): “Todas as coisas já foram ditas. Mas como
ninguém as escutou, é preciso recomeçar sempre.”1.
Permitam-me que antes de começar a escrever sobre estas
personalidades envolvidas como o movimento libertário que houve em
Minas Gerais eu possa deixar duas considerações para reflexão dos
leitores: a primeira é a de que prefiro denominar o movimento de
Conjuração a Inconfidência. O termo Conjuração (do latim “conjuratio”)
nos remete ao sentido de movimento de revolta e conspiração contra
o estado, governante ou contra alguém; o segundo termo,
Inconfidência, nos traz a idéia de falta de fé ou de fidelidade para com
alguém; inconfidente é o mesmo que infiel, ou seja, é aquele que
revela os segredos confiados, e para nós, brasileiros, não faz muito
sentido; este termo seria mais bem adequado à ótica lusitana daquela
época; para os brasileiros, serviria para nomear bem o delator Silvério
dos Reis, que afundado em dívidas negociou a promessa de perdão
delas pela delação dos que estavam envolvidos na Conjuração. A
segunda questão é a de uma denominação que é oficialmente e
comumente usada e que muito incomoda: “Comemorações da morte
do Tiradentes, em 21 de abril”; ora, se “comemoramos a morte de
Joaquim José da Silva Xavier”, certamente é porque ficamos
contentes com ela, quando deveria ser o contrário. Muito mais
adequado seria dizer que “relembramos a morte do Tiradentes”! Ou
não? O que há de ser muito bem comemorado é o nascimento dele,
em 12 de novembro de 1746, efeméride que Adalberto Guimarães
Menezes nos ensinou a relembrar2 e vem sendo rememorada de
maneira formidável a cada ano, na Fazenda do Pombal!
Voltemos ao tema principal do texto: em 21 de abril, quando
relembramos oficialmente o movimento da Conjuração Mineira, dois
vultos importantes daquela época continuam praticamente
1
2
Sobre Hipólita confira em: http://www.patriamineira.com.br/ver_pdf.php?id_noticia=812&id=3
Saiba mais em: http://www.patriamineira.com.br/ver_pdf.php?id_noticia=1319&id=3
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condenados ao esquecimento: a conjurada Hipólita Jacinta Teixeira de
Mello e o advogado José de Oliveira Fagundes.
A Conjuração, pelo que se sabe, não foi um movimento exclusivo dos
homens3. Viveu na cidade de Prados-MG a conjurada Hipólita Jacinta
Teixeira de Mello (1748-1828). Hipólita era considerada a mulher mais
rica da região e pagou muito caro por envolver-se com o movimento.
Filha de portugueses, ela nasceu em Prados-MG; foi batizada na
Matriz de Nossa Senhora da Conceição em 15 de setembro de 1748;
o registro dela consta da folha 134 do 4º Livro de Batismo da Paróquia
de Prados com o nome de Theodozia, retificado posteriormente para
Hipólita (conf. nota colocada pelo vigário Manoel Martins de Carvalho
à margem do assentamento antes referido: “Declaro que a baptizada
se chama Hipólita”). Viveu na Fazenda da Ponta do Morro, que
pertencia ao seu pai, o capitão-mor da Vila de São José, Pedro
Teixeira de Carvalho, apelidado de “O Velho”, esposo de Clara Maria
de Mello.
Em Prados, ela vivia como num palácio, cercada de criadagem e de
luxo. A fazenda da Ponta do Morro ficava nas proximidades da cidade,
onde ainda existem vestígios dos seus alicerces. Era a propriedade
rural mais rica da então Comarca do Rio das Mortes. Casou-se com o
Coronel Francisco Antônio Teixeira Lopes (natural de Barbacena/MG,
nascido em 23-11-1749). Não teve filhos legítimos. Foi mãe adotiva e
educadora de duas crianças: uma delas abandonada na porta de sua
fazenda, era Antônio Francisco Teixeira Coelho, filho de Maria da
Silveira Bueno, irmã de Bárbara Heliodora4; Hipólita morreu sem ver
esse seu filho adotivo ser chamado pelo povo de “Barão da Ponta do
Morro”; não viu também ele ser agraciado com a comenda da Ordem
da Rosa (pelo Imperador) e ser escolhido deputado provincial à
Assembléia Legislativa nas legislaturas de 1842/43, 1844/45 e de
1846/47. A outra criança tinha 12 anos quando Hipólita morreu: foi
aquela que mais tarde, em 1839, veio a se tornar o padre Francisco da
Anunciação Teixeira Coelho, vigário de Formiga-MG e também
deputado à Assembléia Provincial nos anos de 1866/67.
3
Considere-se ainda envolvidas com a Conjuração Mineira: Bárbara Heliodora Guilhermina da
Silveira (companheira de Alvarenga Peixoto), Maria Dorotéia Joaquina de Seixas (mais
conhecida como “Marília de Dirceu”, musa de Tomás Antônio Gonzaga), dentre outras. Ainda
que nem todas as mulheres participassem ativamente do movimento, certamente que não seria
possível realizar os conciliábulos conspiratórios no interior das residências sem a cumplicidade
delas.
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Ao mencionar o nome Heliodora, aproveito a oportunidade para trazer à luz um texto que
evidencia a forma correta de grafá-lo: com “H”.
Confira em: http://www.patriamineira.com.br/ver_pdf.php?id_noticia=503&id=2
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Hipólita foi madrinha de várias pessoas humildes da sociedade
pradense, conforme consta nos assentamentos batismais das igrejas
locais e, ainda, deixou muito ouro para os pobres da Freguesia de
Prados, conforme se observa em seu testamento. Era mulher de fina
educação e muito boa cultura. Foi ela quem escreveu uma carta
denunciando Joaquim Silvério dos Reis como o traidor dos
empenhados com o projeto de revolução. Além disso, foi ela a autora
de avisos sigilosos dando conta de que Tiradentes estava preso no
Rio de Janeiro. Ela escreveu num bilhete enviado ao padre Toledo por
intermédio de Vitoriano Gonçalves Veloso (um alfaiate que residia no
local conhecido popularmente como “Bichinho”5): “Dou-vos parte com
certeza de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério
dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em
cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e
mais vale morrer com honra que viver com desonra.”. Quando o
movimento fracassou, tentou ainda avisar ao Cel. Francisco de Paula
Freire de Andrade, aconselhando-o, desesperadamente, a “montar
uma reação a partir lá do Serro”.
Durante a Devassa, o Visconde de Barbacena decretou o seqüestro
de todos os seus bens. Após longo processo, com a ajuda de amigos,
Hipólita conseguiu reaver quase que a integralidade do patrimônio que
fora tomado pela Coroa Portuguesa6. D. Hipólita morreu em 27 de abril
de 1828, de icterícia, e foi enterrada na capela mor da Matriz de
Prados.
Agora passarei a discorrer sobre a pessoa que um símbolo para a
advocacia Brasileira. Em 31 de outubro de 1791, José de Oliveira
Fagundes, um advogado natural de Paranaguá-PR7, foi nomeado para
fazer a defesa de 29 conjurados; com o seu magnífico trabalho,
conseguiu que vários deles ficassem livres da pena de morte. Ele
usou de muita técnica e conhecimento jurídico, além de ter trabalhado
diuturnamente em sua tarefa, pois atuou em processo difícil, marcado
pelo pré-julgamento de um tribunal teleguiado por D. Maria I, a Louca
(1734-1816).
5
Leia mais sobre o “Bichinho” em: http://www.patriamineira.com.br/ver_pdf.php?id_noticia=784&id=3
Há registro de que com o intuito de “facilitar as coisas” no que se refere ao relaxamento do
seqüestro de seus bens, ela mandou confeccionar um cacho de bananas em ouro maciço e
pediu que o seu irmão o encaminhasse para D. Maria I, então rainha de Portugal. Dizem que a
valiosa peça não chegou ao seu destino, pois fora interceptada pelo Visconde de Barbacena
(este articulista fica matutando: o que será que o Visconde fez daquele valiosíssimo
"presente"?).
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Esta informação, embora seja a mais confiável, ainda não é a definitiva; há quem defenda que
Fagundes nascera no Rio de Janeiro, no ano de 1752.
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A culpa dos envolvidos já estava formada, e, portanto, coube ao
advogado tentar fazer desacreditar o movimento, descaracterizando a
acusação de traição à Coroa Portuguesa. Para montar e apresentar
sua defesa, foi dado ao advogado o prazo de apenas cinco dias,
tempo propositalmente escasso para dar conta de um trabalho tão
complicado.
Nas alegações finais de sua tese de defesa, juntada aos Autos da
Devassa em 23 de novembro de 1791, Fagundes sustentou “que toda
a conjuração não havia passado de conversas e loucas cogitações”.
Chegou até mesmo sustentar que o “Tiradentes era loquaz8, sem
bens, sem reputação, sem crédito para poder sublevar tão grande
número de vassalos que lhe seriam indispensáveis para o imaginário
levante contra o Estado e alto poder de Sua Majestade em uma
Capitania como a de Minas Gerais”. Mal interpretado por alguns
historiadores, Fagundes foi acusado de estar atirando lama na pessoa
do Tiradentes; mas ele estava apenas lançando mão de um
instrumento legítimo de defesa, tentando descaracterizar a grave
acusação de traição à Coroa que pesava sobre os ombros de Joaquim
José. Pela sua defesa, recebeu honorários insignificantes e
incompatíveis com a alta complexidade do trabalho que executou.
Dona Hipólita e o advogado Fagundes são duas personalidades da
maior importância no contexto da Conjuração Mineira, embora estejam
praticamente esquecidas ou relegadas ao plano secundário. É
necessário que se faça mais justiça às suas importantes atuações no
movimento conjuratório.
A respeito de Hipólita Jacinta Teixeira de Mello, no dia 21 de Abril de
1999, ela foi condecorada postumamente pelo Governo do Estado de
Minas Gerais, quando Itamar Franco a homenageou com a Medalha
da Inconfidência, em Ouro Preto. O finado historiador e ex-prefeito
pradense Paulo de Carvalho Vale mandou erigir um monumento em
memória dela num praça pública da cidade que então administrou. Foi
também Paulo Vale que, com o apoio da Câmara Municipal pradense,
escreveu e editou o livro “De Prados, da ‘Ponta do Morro’, para a
Liberdade” (Ed. Armazém de Idéias, 2000, 240p.), cujos exemplares
foram distribuídos gratuitamente para autoridades, escolas e
interessados na história da cidade e da Conjuração Mineira. O escritor
são-joanense Ronaldo Simões Coelho também escreveu o livro
infanto-juvenil intitulado “Hipólita, a Mulher Inconfidente” (Ed.
Armazém de Idéias, 2002, com ilustrações de Cláudio Martins).
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Aquele que fala muito, que é tagarela.
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A respeito da memória do advogado José de Oliveira Fagundes ainda
falta muita coisa a ser feita, quem sabe uma formidável revitalização e
reabilitação do seu trabalho, a ser efetivada principalmente pela OAB
Nacional? A Subseção da OAB de São João del-Rei, atendendo uma
solicitação deste articulista, procurou fazer a sua parte: pelo que sei,
incluiu no arcabouço de seu estatuto o agraciamento com uma
medalha que traz o nome dele. Fiquei sabendo, através da leitura da
Revista de História que em 1989 o Procurador Geral da República deu
o nome de José de Oliveira Fagundes a uma das salas da
Procuradoria Geral da República, em Brasília.
Mas, tanto para Hipólita como para Fagundes, continuo achando que
isto que aqui foi elencado ainda é pouco, muito pouco...
(Publicado originalmente no Jornal de Minas – São João del-Rei - MG, ano XI, edição número
157, de 17 a 23 de junho de 2011, p.2 – Periódico editado por Neudon Bosco Barbosa).
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