ANNO II
TOMO II
13.° FASCICULO
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0 CENACULO
•.
REDACÇÃO:
*>
Dario Vellozo,
Silveira Netto, Secretario; Júlio Pernetta, Thezoureiro;'
Antônio Braga.
c.«_
SUMMULA ;
pag. :
97
Pelos Índios, de Dario Vellozo
99
O Clero e o ensino religioso, de Albino Silva ...
-103
Tragédia da vida, de Júlio Pernetta.
Le mauvais jardinier, delwan Gelkin . . . . .106
107
A Evolução, pelo Dr. Carvalho de Mendonça . .
VI Socialismo e Clero, de Silveira Netto .
410
VII Confidencia, de Antônio Braga
116
VIII Litania, de Silveira Netto. ........
417
IX Conferências religiosas, de Chichorro Júnior.
.'. 449
Nheenga, de Rocha Pombo
^23
•*
XI Luar, de Dario Vellozo
124
XII Respigas . . . . . ...
...'.
425
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I
II
III
IV
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Abril de 1896
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Paraná-Goritiba
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FIOS ÍNDIOS!
O Cenaculo, em reunião de 7 de Dezembro do anno passado,
deliberou, om vista de proposta que tive o prazer desubmetterlhe, pugnar pelo nosso pobre Selvagem, violentado e zurzido
pelos coripheos do cosmopolitismo que se não dignam, entretanto, lançar os olhos para as nossas llorestas e procurar trazer
para a civilisação os preciosos destroços de altiva e sobranceira
raça, dizimada cruelmente em pelejares heróicos, na defeza
instinctiva do solo que lhes foi berço e conserva os sagrados
manes de suas gerações extinctas.
Ficou resolvido inaugurar Silveira Netto unia serie de artigos pelas columnas da Bevista Club Corilibano, e oauctordostas
linhas, encetar a propaganda nas paginas desta revista.
Nas columnas daquella revista, disse eu, em artigo inicial,
com que se abrio a serie deste anno:
oComo Brazileiro, almejo ver aproveitado nosso elemento
selvagem,— esses mizeros índios escurniçados e esquecidos,
(ue são, incontestavelmente, necessário elemento á compleição
do typo nacional,—factor preciosíssimo que nos traria por certo
uma característica, aprezentando corrente opposta a que nos
avassala, enérgico elemento de reacção contra o desmembrar
de nossa autonomia,— elemento fetichista, elemento autochtone, que tem as suas tradições neste solo, que não conserva
reminiscencias de outra pátria e não sente nostalgia de outro
ceov.» (1)
É bem de crer, não sou contra a immigraç«ão,— nem poderia sêl-o, em tendo a respeito do Socialismo as ideas que tenho;
o que desejo, porem, é sentir salvaguardada para o futuro a
autonomia de nosso povo, o ver aproveitado em nosso paiz todo
osso elemento selvagem que ainda nos resta. Penso com Sylvio
Romero,— o conspicuo escriptor brazileiro, o grande patriota
republicano :
(1) Club Coritibano, Anno VÍT. ii.° 1
98
O
CENACULO
«O Brazil possue uma certa unidade ethnica que lhe tem
ser
não
deve
unidade
Mas
esta
hoje.
até
a
existência
garantido
extrangeielementos
de
systomatica
ingestão
a
com
perturbada
ros em privilegiada zona do paiz...
«Depois dos assumplos políticos se seguem os sociaes, e
entre estes avulta o da immigraçâo e colonisação extrangeira,
do
social
uurtemeroso
mais
ver,
é
nosso
a
que
problema
que,
econômico.
«Queremos em primeiro logar que se aproveitem os elementos nacionaes.
«Existem ahi milhares e milhares de patrícios nossos que
devem ter a preferencia nos favores do governo para a colonisação. E' um meio de fixar e garantir o immenso proletariado
lir__7_lG_ro.
«Quanto aos extrangeiros, deve-se fazer com elles o que
nós intitulamos a colonisação integral, isto é, que se vão espalhando por todo o paiz, especialmente o norte o o grande oeste.
(2) Nada de agglomeral-os ás dezenas e centenas de milhares
de uma só raça nas quatro províncias do sul.
«E porquo não quererão elles occupar o resto do paiz?
Nosso plano é o mais liberal possível: em vez do trez ou quatro
espalhemestá
ahi
todo
Brazil
O
;
vinte.
damos-lhe
províncias,
se, tenham o mesmo trabalho que tiveram outrora os portuguezes. Espalhem-se e misturem-se ás populações nacionaes.» (3)
E assim deve ser. E' necessário não alienarmos os direitos
e a felicidade de nosso povo, na lizongeira e fallaz esperançado
conquistarmos para o Brazil, em breve espaço de tempo, prono completo anuitarde
mais
redundarão
fictícios
que
gressos
ethnica.
vitalidade
nossa
de
quilamento
«O Cenaculo está convencido, pelo estudo analytico e come imprescindível
urgente
é
historicos.de
factos
dos
que
parativo
aproveitar o elemento indígena ema nossa civilização.» (4)
Procurarei demonstrar, em artigos subsequentes, a verdade
—
amorpatriotico
de
sentimento
destas palavras, dictadas pelo
fogo de Vesta, acceso religiosamente no coração de todos os
Brazileiros.
dario Vellozo.
Abril, 1896.
e pelo mameluco, oi-de_ o cru(2) Exactamente a região mais povoada pelo coriboca
myshfical:ao naciozamento com o índio é mais commum, e não haverá portanto, receio de
'(3)
Sylvio Romero,— Historia da Litteratura Brazileira, 1888.
(_) Cenaculo, fase. 10.
O CLERO IO lllll
( Carta)
A Dario Vellozo
Nem poderá imaginar com que satisfação li, no ultimo
numero d'O Cenaculo, que tenho em mão, oseoarligo intitulado— " A Imprensa e o Clero".
« O Cenaculo protesta cm nome da Moral, em nome da
Pátria republicana, contra esse invadir da Egreja nos domínios
da intelligencia.»
Muito bem! Tão enérgico o brilhante protesto não podia
deixar de apparecer onde ha cidadãos que pensam, onde a
Republica e a Sociedade têm dedicados defensores.
Era uma necessidade o protesto do Cenaculo, assim como
é um dever nosso combater sem tregoa a invasão que elle
denuncia, a mais perigosa, a mais nociva de todas as invasões.
O padre, esse triumpho da fraqueza, da hypocrisia e da indolencia do espirito pela verdade e pela firmeza dos princípios,
como bem o define Max Nordau, impotente contra a Republica, não deixou todavia de manifestar as suas iras o os seos
despeites contra as leis que libertaram as nossas escholas do
ensino religioso, que secularizaram os cemitérios e instituíram
o casamento civil. A principio esbofára-se do púlpito contra a
nova instituição da familia, esbravejara contra as leis e contra
os legisladores republicanos; mandou tocar a reunir e tralou de
organisar um partido catholico de opposição. No concilio,
porém, falou-lhe o espirito do Mestre Instituidor, eeil-o mudado de tactica, na faina de fundar escholas e seminários, como
querendo desquitar-se do desleixo em que viveo no tempo do
Império,cujas leis encarregavam ao mestre eschola o ensino da
Cartilha do Padre Ignacio.^
Suas manobras são conhecidas. Os positivistas e livres pensadores da Republica são de energia invencível, de convicção
inabalável. Fortificam o entendimento pelo estudo e
propagam
aluzda razão;
a maioria do povo que não se dá ao traporem,
nalho de pensar —
que é sinceramente crente e essencialmente
/JOO
O
CENACÜLO
religiosa, teme a Egreja e submeUe-sc aos seos dogmas. Fundem-se portanto, para a maioria subjugada pela crença,
escholas, seminários e conventos; as creanças de hoie serão
homens amanhan; faça-se da geração futura um povo do embeeis, defanaticos, de supersticiosos e a Egreja tnumphara e a
Effreia vingar-se-ha da Republica que instituto leis de liberdadee
dos casamentos
dos
baptisados,
rendas
as
diminuiram
lhe
que
,.
dos óbitos.
Ouerem fazer entender os filhos de Loyola que a sua relisua
a
religiões)
tantas
mil
e
que
verdadeira,
a
seja
ièaú
(entre
instrucção seja a melbor, (instrucção dogmática e íncomprehcnVatido
espantalho
o
sem
existir
não
mundo
o
sivel que
possa
cano, que não se possa instruir sem as suas escholas, como sease
strigés podessem fazer propaganda da luz que as deslumbra
as afflige nas ruinas sombrias que habitam!
,
Ensino ministrado pelo theologo ou pela beata!
O theologo é aquelle desconhecido, de que nos tala Didcrot,
- que manda os transviados apagarem a luz que os guia para •
— a beata é aquel
caminho;
seo
o
depressa
mais
encontrarem
Ia santa, de que nos fala Renan, a entidade que mais ha a temer.
...
m
neste mundo.
um
em
o
instruir
ainda
povo
beata
a
e
E o theologo
querem
século de luz e de civilisação a mais adiantada!
amenos
mesmos
os
que
perigos
Montjan
Madier de
prévio
seo
de
uma
aqui
citarmos
parte
caso
ao
muito
vem
e
açam,
discurso *
«E' já tempo de mais para fazer pezar sobre elles (os pa-e
morte;
de
combate
o
elles
com
travar
e
lei
da
mão
a
dres)
estão de substituir
em
impotência
na
que
deixar,
os
não
preciso
Republica
uma
menos
ao
fundar
Monarchia,
a Republica pela
Pode-se sem duRepublica.
verdadeira
a
suffocando
jesuitica,
vida confiar no poder daidéadesenvolvendo-secom a liberdade;
existe
não
liberdade
A
com
illudamos
nos
mas não
palavras.
creança
uma
pode
liberdade
a
com
que
W
egualdade.
na
senão
luetar com um colosso?
enconelle
clero
o
de
gosa,
dos
falar
que
Sem
privilégios
tra na sua essência, no seo dogma, na sua historia e orgamsa-a
homens
de
que podem
Milhares
incomparavel.
força
uma
ção
espios
dominar
humana,
consciência
a
instante
cada
peneirar
üa
hora
na
exercer
e
creanças
eas
mulheres
ritos, subjugar as
tao
um
constituem
homens
taes
suprema,
influencia
morte uma
ou
lei,
da
fora
em
hesitar
deve
se
pol-os
grande perigo que não
»
antes, encerral-os nella. ,-.
I
I
I
I
I
I
I
I
O CENACULO
10*1
Bemvindo, portanto, o protesto do Cemculo.
Sejam bem poucos, embora, os que protestam, seja embora
deseguala lueta, todavia haverá uma resistência, üm pequeno
numero de homens livres e pensadores sempre se fará respeitar
seja qual fòr o povo, seja qual fòr a multidão. Ao contrario não
se faria a communicação dos grandes espiritos, das grandes
idéas; Comte não propagaria as verdades scientificas de sua
eschola; Darwin não teria destruído a fabulagrotesca da origem
do homem o do mundo; os reformadores nada teriam conseguido contra o despotismo dos reis, da nobreza e do clero.
E são os que pregam o embuste contra as verdades scientificas, são os que engasopam o povo ignorante com milagreiras
estapafúrdias, com fábulas sem arte e incomprehensiveis que
pretendem educar e instruir os nossos futuros concidadãos!
Não! Deante de um tal attentado, a nossaindifferença seria
um crime.
Precisamos defender os incautos e os innocentes dos ardis
ultramontanos. Precisamos falar á nossa Pátria e aos nossos
compatriotas dos perigos que nos ameaçam.
Oppómo-nos francamente ao ensino religioso e nisto imos
com as idéas avançadas de nosso século; queremos o que querem todos os homens livres de nosso tempo; o que não é incompativol com a nossa civilisação; queremos que haja na Republica
cidadãos aptos para o trabalho, qualquer que elle seja, sem
teias da monstruosa aranha clerical no espirito, que saibam
caminhar para a luz e para o progresso, e não seres bisonhos,
resadores hypocritas que só concorrem para o atrophiamento
moral e inteílectual da humanidade.
«Quanto menos força tiverem asideas religiosas em um paiz,
tanto mais virtuoso, pacifico e feliz ahi se ha de viver».
De Tracy disse uma verdade. Os povos conquistados, os mais
pobres—os mais indolentes e infelizes são os que mais se preoecupam com religião. Todas as cidades velhas, e donde o progresso recuou, têm nas suas ruínas a origem de sua decadência.
Ahi sobresáem as antiqualhas religiosas, os ratos e as corujas.
Ahi tudo ó triste e sombrio, tudo infunde medo, e supe stição;
o ascetismo ahi deixou em tudo a sua physionomia tetrica, os
traços de sua obra de morte e de agonias sem fim!...
Agora lancemos o olhar para as cidades novas e prosperas e
perserutemos o seo constante bolicio. O rumor alegre e harmon-oso do trabalho não deixa ouvir o cavernoso latim rosnado
°m alguma egreja. Ahi vemos nas
nas largas
praças
publicas,
avenidas, nos boulevards alegres, edifícios gigantescos cheios
402
O
CENACULO
*_*V****-*ai
^yr^***********™^ **************
e.com
as
cathedraes
com
se
nada
em
parecem
de ar ede luzque
nao, a
ha
syrnbc.los
nio
delles,
dentro
os conventosqporq«e,
a
oa.
o
proteimplorando
beaticas
perdão
rezas nem motnices
homem
do
a
intelhgencia
e
braço
o
é
ba
abi
cçao divina; o que
maeh»(^r^|WjT
á
movimento
e
força
grande
dando
moderno
honra
em
festivaes
hymnos
são
ouve
se
abi
dir humano! O que
,
do trabalho e da liberdade!
,e
DArilIÇ
sombras
de
Oue bella cousa é não ter o espirito povoado
de
hvre
P^Gonceil^.^e|o
aterradoras;
visões
de
porém,tel-o
fortificado
verdade
esclarecido
pela
atodasasidéas generosas,
hypocnsia!
á
á
adverso
e
protervia
pelas convicções
Como podemos conseguir este ideal l
Libertando-nos da influencia do padre.
Pois bem, trabalhemos para isso.
Albino Silva.
-•<$>*.
¦«-^C -*4*~
TRAGÉDIA DA VIDA
(ultimo acto)
ATitoVellozo.
Gabinete de estudo modestamente mobiliado.
Retratos de vultos celebres pendem suspensos
da parede. Juvencio, sentado junto amena
de trabalho, scisma ; tons macilentos de uma
luz funiria esbatem-lhe no rosto cadaverisado. Trez espectros, embuçados em lontjos s wdarios, cruzam-se ao fiindo da scena,
Juvencio :
Sempre a mesma visão sarcástica e terrível, o mesmo pezadello, sempre, sempre.
Photographou-se indelével, na pupilla dos olhos da minha
alma, o seo perfil de um satanismo macabro, hediondo, macerado, de estatua polluida por vermes de lubricos desejos, de
olhares concupiscentes.
Porque ainda te hei de ver, Apóstata pérfida do Evangelho
sacratissimo do Amor ? porque le hei de ouvir, Serpe da luxuria, guizalhando o chocalho cruciante dostcos luridos carinhos,
desfiando as contas do negro rosário dos teos sorrisos, n'um
beatismo hypocrita ? !
(Erguendo-se.)
Pérfida, pérfida e má,hei de te ver somnambula e louca,
encalabouçada entre as grades inflexíveis do meo desprezo, onde te estorcerás nascontorsões atrozes de pungentissimo «arrependimcnto, os lábios quo muitas vezes beijei em sonho crispados n'um rictus hediondo e extravagante, como os dos desvonturados romeiros de S. Guido !...
Hei de te ver anathematizada por Iodos os que conhecerem
a pavorosa tragédia dos teos caprichos desvairados e loucos, da
tua diabólica vaidade.
EstorceMe-has em vão, em vão, em vão !...
Vae ; e nunca mais eu te veja, nunca mais me embriague o
narcotisante perfume dos teos cabellos!...
404
-O
CENACULO
Yae; precipita-te no profundo abysmo, cavado pelos teos
epilépticos dezejos de nymphomanica de sensações extranhas.
Que te importa que eu viva enclausurado para todo o semsonhar
de
a
desgraça
tive
sonho
um
de
célla
na
estreita
que
pre
um dia!
Hei de te ver passar atravez da infinita tristeza das minhas
recordações, arrependida, epileptisada, pallida, de uma pallidezchloroticade pthysica, ao celebrar mephistophelico da .tesa
Negra <\a, tua alma prostituída.
Os astros, os astros rir-se-hão de ti, quando, por uma d'essas noites em que o luar desenrola a alvenitente clamyde de
descantandesertas,
ruas
virem
te
pelas
perambulando
prata,
do magoas, n'um regougo infernal de oceano em convulsões,
estribilhando blasphemias, como as ladainhas rouquenhas e
irônicas dos exorcimistas do remorso eterno.
Então...
Surge o \.° Espectro :
Eu sou a Duvida, a sombria companheira dos que amame
dos que soífrem ; vivo no gabinete do homem de lettras, e na
cabana do pastor.
E' fluidisado por meos solicitos carinhos que o poeta passa
uma existência aíílicta.
Sou Hamlet, torturando a consciência da rainha adultera;
souOthello, assassinando Desdemona ; sou Zophezamim, mostrando á Belkiss, no fundo dos olhos, a luz sublime da experiencia ; sou Dante, escrevendo os immortaestercettosda Divina
Comedia ; souColumbano, procurando dar ao retrato a expressâo da alma; sou o Corvo, estribilhando a Edgar Poe o nunca
mais; sou Luiz Murat, escrevendo as Ondas.
Sou o ser ou não ser da tragédia da existência humana.
Surge o 2.° Espectro, o olhar pro fundo e fulgurante:
Eu sou a Loucura, o mephistophelico mensageiro da Sominda
ópio
o
beijam,
me
os
noslabios,
tenho
bra;
para que
consciência, o completo esquecimento do passado. Vivo nos
hospitaes; rio-me do sábio, no necrotério da sciencia ; choro e
grito nas estrophes do poeta.
Fui o pezadello de Flaubert; sou o Estylo; sou Maupassant,
suicidando-sepor nâo poder dar á palavra a expressão nítida
do pensamento. Moro no aí Ar do artista.
¦V
O CENACÜLO
105
rmmrmfmrmfmrmrm^m-mrmrmrmrmrm^
Com Shakspeare escrevi tragédias ; sou o Gênio.
Julgam-me descabelladae maltrapilha ; sou bella, de uma
belieza ideal e seraphica de Margarida, a estupenda creação dc
Goethe.
Tenho o gargalhar satânico dos mãos, e a lagrima angélica,
a lagrima piedosa dos bons.
4
fiestmá-seda penumbra o 3.° Espectro, rc/ampejando uma foice:
E eu, eu quem sou ? Dizem-no as orbitas vazias dos mcos
olhos, a immobilidade irônica do meo sorrizo eterno de caveira.
Eu sou a Morte, o terror do ignorante, c o sarcasmo do
sábio.
Por minhas mãos esqueléticas e frias hão passado Iodas as
gerações. E' no meo seio que os torturados peregrinos do ideal
descansam ; eu sou a Gloria, sou a apotbeosc da immortalidade.
Quando os injustiçados e os incomprehendidos pela estrabica inveja dos néscios e dos tolos revoltam-se contra a existencia, é á porta bronzea do meo castello, que tem esta inscripção :
«Deixae, ó vós, que entraes, toda a esperança ! », que vão
bater para pedir a eterna pousada do descanço eterno.
Eu sou a Morte, poeta; sou aMorte, o inviolável paraizo dos
malaventurados e dos incomprehendidos.
AMorte desapparcce brandindo a foice que ftd(pira no espaço, sinistramente, tictjitcm-na
os outros espectros. Jtivcncio olha idiotumente,
Juvencio:
Só... EaDuvida?... E a Loucura ?... ea Morte?...
Nada!... Sonhei... sonhei... por certo que sonhei...
Não... não sonhei... A Duvida?... a Duvida?... eil-a, macabreando, espectral, terrível, tetrica... Eu a vejo, eu a ouço,
zurzinando notas de um trecho de Chopin, nolas que gemem,
que soluçam, como queixas da alma sublime d' esse extraordinario pthysico, trecho feito de risos o de gritos, de lagrimas e
de sarcasmos; notas arrancadas de um violino feito da ossada
branca dos sepulchros... Ella existe... sim, ella existe... é o
pezadello dos (que amam, é o pezadello dos que soffrem.
|06
0
CENACULO
W%*AAJ
Loucura... desfallccimento da razão... suicídio inconscientodas recordações... azylo piedoso das mágoas... reticenciade
,.
todas as dores...
Enadamaisl... nada mais !... Morte!.. Morte!... realifúnebre
angelus
da
existência...
do
estupenda
dade
pezadello
da saudade... funeral das illusões... exéquias das esperancoração que
do
chora,
coração
do
anniquilamento
que
ças...
&o"pmG
eo
túmulo,
um
do
acariciador
descanço
o
Morte,
da
Depois
Nada o Nada, o Nada sombrio e onomatopaico, como pás de
terradespejadas sobre um esquife quedesappareceo no fundo
de uma catacumba...
Enadamaisl... nada mais!...
Júlio Pernetta.
*-*^*'^he^ffl rv *
I illl JARB1R
Dans les jardins d' hiver, des íleurisles bízarres
Sèment furtivement des végétaux haincux,
Dont les tiges bicntòt grouillent comme les noeuds
Des serpcnts assoupis aux bords boueux des mares.
Leurs redoutables íleurs, magnifiques et raros,
Oú coulent de três lourds parfums vertigineux,
Ouvrent avec orgueil leurs vases vénéneux.
La mort s' épanouit dans leurs splendeurs barbares.
Leurs somptueux bouquets détruisent Ia santé
Et c' est pour en avoir trop aimé Ia bcauté
reines.
blanclies
les
languir
les
dans
voit
on
palais
Qu'
Et moi je vous ressamble, ò jardiniers pervers
Dans les cerveaux hâtifs oú ]'ai jeté mes grames
Jo regarde íleurir les poisons de mes vers.
IWAN GlLRIN
EVOLUÇÃO
das artes nos tempos modernos
Trechos de uma obra sobre philosophia da Historia da Arte, de Carvalho de Mendonça.
(Continuação da pag. 80)
A muzica resente-se do mal geral.
Por um paradoxo insustentável, a denominação de clássico
designa a mais infeliz das innovações, a mais revoltante das invasões das artes de forma na dos sons.
Arte essencialmente emocional—a muzica se acha reduzida
a uma combinação de sons, em que a technica usurpa a pura
expressão dos sentimentos ternos.
Não é mais cantar nem exprimir as affeições da alma que a
arte procura, mas tão somente combinar accórdes, conforme
preceitos, que aliáz só surgiram do estudo das obras primas
que se não adestringiram a elles.
Fugindo ao vicio de uma melodia simples, a arte inuzical
inaugurou o regimen exagerado de uma harmonia exclusiva,
desviada, portanto, de sua funeção essencial que é realçar o ef feito daquella.
A mais perfeita das composições muzicaes, assim como as
mais sublimes composições da mesma eschola,entraram na phase de esquecimento e abandono para dar logar á muzica do
calculo. (1)
Por mais esforços que façamos para nos manter n'um
ponto de vista puramente abstracto, não podemos furtar-nos ao
desejo de caracterisar o estado da muzica pelo juizo insuspeito
de um escriptor de nossos dias. (2)
«Não se canta mais, diz elle, grita-se, lucta-se á força de
« pulmões com os clamores de uma orchestra ensurdecedora.
(1) A. Comte tinha a Somnambula como a composição mais perfeita, assim como a muzica
italiana.
(2) Scudo—Critique et Litterature Muzicales I, pags. 13 e 23, ediç. de 1856—3.a ed.
4 08
0
CENACULO
nwvvvrt/wwwtfV«ftrtrtW«rt*^*VWWWV*^
« Ninguém sabe modular uma nota, fazel-a passar successi« vãmente por todos os grãos, e exhalal-a depois como uma der« radeira palavra que contém a essência da alma...
« Procura-se menos tocar do que atroar os ouvidos e nisso,
« como em tudo mais, o effeito material usurpou o logar do ef« feito moral. Lançou-se de mais aos detalhes technicos, tem« se sobrecarregado a lingoa, com expressões inintelligiveis
« para a grande^maioria dos leitores, e a apreciação das beije«zas exteriores c comprehensiveis da muzica foi substituída
« pelas discussões de pedantes.»
Não se pode melhor definira situação actual da muzica. Não
entra sem duvida, em plano positivo da arte muzical o abandono da harmonia, que é exactamente sua expressão característica.
Nesse terreno ja (iretry e os outros artistas que procuravam
dar á muzica sua verdadeira unidade, resolviam a questão, dizendo que é difficil cogitar a qual das duas partes se deve dar
Isto
ao
coração.
chegou
a
muzica
vez
uma
que
predomínio,
no caso dos grandes mestres italianos, que sempre souberam fazer parte a uma e a outra.
O que se torna anarchico, porem, é a absorpção da melodia
frisante.
exemplo
offerecem
allemães
os
como
harmonia
pela
Barthez achava que a superioridade dos effeitos da muzica
antiga sobre a moderna repousa na quasi ausência da harmonia
n'aquella. A melodia então se tornava de uma energia mais concentrada sobre a alma, emquanto que a attenção que o espirito
distrae o sentiharmônicas
combinações
das
calculo
ao
presta
mento simples que a melodia desperta.
O que, porem, fica incontestável é que a harmonia dá mais
de
serve
melodiosos;
osintervallos
mais
e
torna
precisos
'igação
justeza
ás phrases que formam seo conjuneto.
c
Em Gluck e em Beethoven, ella começou a ser a verdadeira
significação da melodia.
D'estes grandes mestres em diante, a melodia começou a subordinar-se tão completamente, que um abuso insustentável
nos tempos modernos appellou para o futuro nas composições
de Wagner. Os allemães francamente fazem da melodia nmdeser
Não
completo.
colorido
o
é
pode
a
harmonia
de
senho
que
mais confessada a invasão da muzica pela pintura.
De resto, a decadência da muzica liga-se estreitamente a da
a
como
canto
do
a
elevação
união
intima
cuja
produz
poesia,
mais sublime expressão muzical.
Essa decadência do drama lyrico deo logar á inauguração
das operètas, em que a mais emocional de todas as artes se liga
O CENACULO
*1()9
á uma poesia immoral, sem destino social algum e condemnada
a desapparecer apenas são exhibidas deante de um publico inconsistente.
A muzica moderna apresenta ainda uma lamentável invasão
da pintura no chamado gênero imitativo.
Só a profunda anarchia esthetica de nossos dias podo subalternizar por esse modo uma arte elevada a caracterisar phenomenos, que, por sua natureza, não comportam reproducção
pelos sons.
Desviada assim da representação das situações da alma liumana, ella naufraga na estulta preterição de reproduzir phenomenos inferiores, principalmente mctereologicos.
A apreciação da muzica é actualmente dfííicil.
O preconceito moderno trouxe a confusão entre os progressostechnicos e os aperfeiçoamentos industriaes—que ella tem
incontestavelmente adquirido—e o verdadeiro destino a que
ella devia tender e do qual se acha desviada.
Se não estivesse em nosso plano uma curta apreciação philosophica da arte em geral, seria no estudo da muzica oceasião
de caracterisar a profunda anarchia esthetica de nossa transição actual.
Basta, porem,considerar de passagem que a eschola italiana
—a única realmente orgânica—se acha em completo abandono,
incapaz de produzir nemhum artista digno, e que por outro lado
nemhuma das revoluções sociaes suscitou ainda um hymno duravel—depois do que caracterisou a crise final.
(Continua)
SOdlillO
I CUBO
A phase de transição por que passam actualmente as sociesupea
attmgiram
as
especialidade
com
e
humanas,
que
dades
rior grão de civilização como a europea e a americana, requer
a attenção mais acurada e o máximo devotamento bem dirigido
ao estudo e ao trabalho, dos que comprchendem os deveres do
_
.
homem moderno.
Benoit Malon, «o chefe illustre do socialismo scienti ico em
França,» considera inevitável uma transformação social, sob o
ponto de vista da evolução econômica.
Alberto de Oliveira, sympathico áuctor das Palavras Loucas,
seo
o
abro
dirigidaaopapaLeãoXllI,comque
nabellissimacarta
norma
a
em
mudança
completa
de
a
sentir
faz
livro
precisão
religiosa posta hoje em pratica pela egreja de Roma, scestae
«mais doncla
elle,
diz
religião
a
com
coadunar-se
que,
quiser
ignoranda
não
e
desillusào
da
nasce
já
exigente
mais
porque
cia.» surgirá como um refugio ás amarguras e insaciabihdades
moraes do homem de agora. (I)
A Europa que concentrara sempre a maior torça cie ansoiutisnío da parle dos reis e das classes nobres e sacerdotaes; quera
com
christianismo
no
Cezares,
os
com
quer
no paganismo
Edade-Media; é que maior violência tem empregado para alienar o jugo hereditário ou despotico dc governos absurdos. de
A'Europa onde maior terreno oecupava certa unidade
mundo umtorno
havia
séculos,
alguns
o
ha
pensamento quando
educasobre
o
sobre
religião,
sobre
crença,
política
midade de
eAristo
monarchista,
romanista,
era
mundo
o
todo
e
cão que
fico e ninguém pensava em pôr em duvida esta rotina de colleem
debate
se
é
educados;»
que
(2)
estavam
todos
sio em que
maior diversidade no domínio da religião c em questão de escholas artísticas e philosophicas.
u« /'us"'""fi^ ","dò
orla de mais de duzentos papas eos discípulos de u. Domingos
Innocen™w
sob o 1» "o
1208
em
creada
Inquisição,
da
regularisador
aquelle
te lioyola,
Paulo 111 cm loJ4, econli
radapelo
papa
appro
deJesus,
Companhia
da
fundador
d1o_I e este
e Arlmez.
criadora d'essa instituição que tanto glorificou Torq-uemada
n (2) Speiicer—Educação, pg. 67
o cenaculo
114
m-mem-a* ,
E n'uma tão vasta agremiação de povos civilisados, onde
trabalham todas as formas de governo,aclmittidas ainda pela eivilisação d'este século, desde a republica, em França, ao poder
absoluto, na Rússia e Turquia; estando a Suissa como prova
mais adiantada de administração publica, estabelecendo o traço
de passagem para o novo ideal administrativo do povo; é justamente a politica, em sua mais moderna formação, que observa
em grande escala certa homogeneidade de vistas.
A politica é sempre o elemento social, alguém o disse, que
dá principio a urna nova ordem de cousas.
Não estamos em uma epocha de estabilidades porque o
anarchismo de ideas é patente; mas o futuro que promette mais
conformidade governamental e mais sadia ordem de factos
em relação aos diversos ramos da actividade humana e da vida
em sociedade, não se nos pode antolhar remoto de mais, porque
já vemos a politica, o primeiro elemento constitutivo do Estado,
determinar o soo caminho de propaganda para o futuro.
Não se titubeia na escolha do govorno a pedir, trata-se de
preparar o espirito e o sentimento populares, por meio da
mais racional educação, para serem o alicerce da nova ordem
de vida social, em germem na propaganda de hoje.
Esse é o motivo de merecer lodo o cuidado a transição por
que passa o mundo,
A Europa, entre a sua heterogeneidade de governos e de
escholas, produzida polo sopro de liberdade que a civilisação
traz eomsigo o da qual «o declinar da auetoridade papal, philosopliica-real, ou pedagógica é essencialmente um único e identico phenomeno; ¦) (3) a auetoridade papal, outr'ora tão influente
e arraigada e hoje, mais do que nunca, escrava da peior e mais
oerniciosa instituição clerical:—a Companhia de Jesus, como
Jemo prova a canonisação do immoral e assassino inquisidor
hespanhol de Saragossa, Arbuez, feita pelo papa Pio IX, em
1867; e o breve pontifício de Leão XIII, IJalurn Romw, apud
S. Petrum, subannuloPiscaloris, diellll Julii MDCCCLXXXVI,
Pontificatus Nostri anno.(í-)(tâ de Julho de I8*»G) reconcedendo á Companhia todos os privilégios que cila arranjara desde
Paulo III, papa em \53i»; a Europa, digo, depois de haver sacu(3) Spencer—*Obr. cít.
(4) Novo Mensageiro do Coração de Jesus, revista jesuitica que se publica em Portugal:
WB> 421, do n. 67, tomo VI, publicado em Outubro de 1886.
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O
CEiNACULO
revolversente
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lhe energicamente a entranha social o indestructivclgermenüa
século
um
velho
continente
no
por
atalaiada
liberdade política
camde republica na Confederação Helvetica «... essas brancas maior
o
reahsar
veio
forte
raça
uma
habitadas
que
por
panhas
democrada
alhança
a
humanas:
nas
sociedades
bem possivel
a
Castellar,
Emilio
quando
de
na
cia eda liberdade»
phrase
havia
((oabsolutismo
onde
romanas,
as
com
compara
plagas
as
espiões
de
e
para
fiscaes
e
agentes
de
collocado um bando
busFrança,
da
pode
republicano
que
espirito
e
coarctar;» pelo
con
lia
Ga
velha
da
da
revoltas
nas
antepassados
plebe
car seos
tra as usurpações dos nobres e dos sacerdotes druidas, que
consaespirito
dominadoras;
classes
d'essas
abalaram o poder
imposto comotorma
81)
e
definitivamente
de
revolução
na
grado
de governo, nos tempos actuaes.
O século XIX que viera encontrar o código da liberdade poNorte,
do
America
na
e
na
Suissa
unicamente
implantado
litica
alem
republicanas,
americas
as
trez
vendo
termo
chega a seo
da republica Franceza, Tramway, etc, e do movimento geral
iea
o
Itália
na
leva
povo
de
instituições,
que
para nova ordem
massacre
o
pelo
responsabilisando
impávido,
governo
vantar-se
incita
Àbyssima
;
na
que
Garibaldi,
de
compatriotas
bravos
dos
os estudantes hespanhoes a queimarem Affonso XIII em eliigie,
proespedaçando a bandeira monarchica da patna do Uc ; que temúltimos
dos
revolta,
de
epopea
a
maior
Portugal
em'
duz
retroo
constrange
Junqueiro;
Guerra
de
que
pos, na Pátria,
alguma uneapparentar
a
russo
império
do
absolutismo
grado
ralidade, sob a regência de Nicolao III; que faz na A lemanba
o próprio Guilherme II provar a Bismarck, o grande chanceler,
a um
indispensáveis
absolutamente
ferro
de
homens
ha
não
que
modo
conservador
espirito
o
forma,
essa
povo ; abalando, por
do
beneficio
em
povo
transgridem,
reis
os
se
narchismo, porque
a
e
nao
que
instituição,
sua
da
o circulo absurdo e intolerável
e
livre,
que
um
a
servir
povo
elementos
monarchia tenha
para
ao rei.
impõe
se
não,
ou
indirectamenle
a vontade popular,
Essa liberalidade que parece firmar o throno, approximando-o do povo, é o começo da derrota ; é o rei que perde terreno.
Finalmente, como um epílogo das victonas republicanas,
euos
todos
paizes
socialismo
o
por
propaea-se vigorosamente
Belda
maior
a
fazendo
gloria
Rússia,
á
ropeos, da Hespanha
cooas
ate
Paepe,
De
de
e
seculares
enfermarias
as
gica, desde
espalhadas pelo paiz
operários,
os
consumo
de
para
perativas
Lima
Magalhães
dizia
á
fornecem
«que
inteiro e
propaganda,
0 CENACULO
113
,1/uVK»'»
em 1892, recursos que poderemos avaliar, por trimestre, em
mais de quarenta mil francos.» (5)
E as sociedades da Paz agitam os espíritos mais cultos, sem
distineção de sexo, em França, Allémanha, Portugal, Inglaterra, Hespanha, Itália, Áustria, Hollanda, Dinamarca, Suissa,
Bélgica, Noruega, etc, activando o predomínio do trabalho e
dos sentimentos de humanidade; impulsionando assim o progresso moral e material dos povos, e realisando a observação de
BenoitMalon: «Convém, pois, para apressar o triumpho da eivilisação socialista, não limitar a questão apenas aos interesses
de classe do proletariado, mas fazer também apêllo a todas as
forças sentimentaes, estheticas e moraes da alma humana.» (6)
A America, predestinada a realisar, primeiro que os outros
continentes, o ideal democrático do socialismo, já deo o exempio se tornando o núcleo da liberdade politica n'esle século;
porque «os vexames que na Europa a intolerância religiosa e
os antigos privilégios infligiam aos povos, haviam poderosamente
concorrido para agitar a grande leva do indivíduos, que cedo
começou a buscar o novo continente, em procura de uma existencia mais independente e ao abrigo das perseguições odiosas.
Animados destes sentimentos e ao fixarem as bases sobre
que deveriam assentar as novas instituições, era lógico e natural que os povos americanos adoptassem um regimem político
consentaneo com as suas tendências democráticas.» (7)
A America, onde não conseguio enraizar-se a estulta parasita do sangue azul com o seo cortejo burlesco de origens dir/inas e degeneraçõos da espécie; e onde os janizaros de Ignacio
de Loyola estacaram no primeiro assalto com a sua medonha
leva de horrores com que devastavam, em nome de Christo, a
Itália, França, Portugal, Hespanha, ondeTorquemada, a maior
emais sinistra encarnação do salteaclor assassino ; Arbuez, que
temendo a pena de Talião, pelos crimes commettidos, carregava
uma couraça debaixo do habito e uma espécie de capacete de
ferro na cabeça; (.*») o futuro papa Adriano VI; Afionso Manrique e outros, que condemnavam, como inquisidores, milhares
(5) Magalhães Lima—Bocialismo na Europa, pag: 66.
(6) Benoit Malon—Prefacio do Socialismo na Europa, M. Lima, pag, 9.
(7) Urbano do Amaral— A Democracia Moderna; capitulo II, pag. 53.
(8) Apezar da couraça e do fanatismo de 1485, sob o reinado de Izabel, a catholica, e império
deTorquemada, Arbuez foi morto próximo ao altar-mor da cathedraí de 0SaragOrisa, por um
do? nobres de Aragfío, queselmvia conjurado com outros para guerrear o Saneio O/f feio.
Veja-se a respeito os Mtjsterios da Inquisição, deM. V. de Péréal; nota ás paginas 507 o 508
Para maior gloria da Egreja Romana Arbuez foi beatiíieado em 1664, por Alexandre \U, e.
; auonisado pelo semeto
padre Pio IX, em 1867 (!) Veja-se Koseritz: Roma perante o século, pag/138*.
414'
0
CENACULO
de pessoas,dando á fogueira, depreferoneia,aquellasque Unham
fortunas para serem confiscadas pela hu%il<h e smctii confraria da Inquisição e Companhia de Jesus; a America sacode
ainda, com pulsos de ferro, as ultimas grilhetas do predomio
extrangeiro, elevando ao implacável julgamento da Historia
uma tragédia soberba de valor e de abnegação, na guerra de
Cuba.
A Iransição, seja para uma dolorosa religiosidade de resignações, o que não é provável, especialmente com as bíblias e
os mosteiros de que fala Alberto de Oliveira, pois tudo isso só
é compatível com o ideal mediévo :—um deos, um papa, e um
imperador—ideal impossível já na epocha presente (9); ou
seja para a completa secularisação das leis e dos costumes, purificando pela educação mais livre e mais paralella á razão e á
natureza, o que é mais certo, porque a ordem natural é tender
para o aperfeiçoamento.
A transição é forte e se opera não só no dominio politico,
mas no religioso, no artístico e no scientifico.
Não ha crenças preponderantes, assim como não ha eschoIas philosophicas e artísticas que caracterizem a epocha, a não
ser a duvida começada em Gcethe e desesperada em Byron; a
analyse pessimista de Flaubert e de Zola.
aE' sufficiente applicar por um momento os ouvidos aos
echos da sociedade europea, para perceber as discordanciasque
n'ella se manifestam de todas as partes.» (10)
Estamos, por certo, na formação de outra Renascença que
trará para a humanidade grandes reformas na vida intima c sociai; pois, todo o abalo presente implica um mais profundo conhecimento dos factos e das cousas que gyram na vida humana,
o que traz alargamento considerável de aspirações e maior complexidade nos ramos do saber.
Em conseqüência das precárias condições de nossos hábitos,
falhas por um lado, de commodidades para os nossos sentimentos, cheios,por outro, de preconceitos imbecis acoroçoadospelo
corno as esperanças do
w A razão publica, a historia e a lógica, a experiência do passado,
profuturo, condemnam a todos esses marcos do obscurantismo, a todos esses inimigos do
em nome de Deos e
sorrateiros,
pretendem,
e
impostores
hvpocritas
os
todos
a
que,
gresso,
sob a égide da religião, enredando o catholicismo, blasphemando contra a pMej estaDeiecer um poder repugnante e condemnado, avãssalar os reis e os povos. Saldanha Marinho— A
...ia
Egreja e o Estado. 1H
-;«_
democracia,
danossa
o
refere
se
patriarclia
O clero secular ou jesuíta, a quem directamente
nunca deixaria de influir coma sua civilisação troglodyta em qualquer mosteiro, por mais puro
que este pretendesse ser.
(10) Littró—Fragmento de pMiosopliia positiva; pg.2.
O CENACULO
+m »;*»>T*aW*W»''*-*'*^
145
"
*
relaxamento do caracter, na sociedade humana, essas aspirações, palpitantes de vigor, vêm-se em grande parte coarctadas.
E d'ahi o pessimismo de hoje.
Mas esta nevrose moral e intellectual, produzindo, como se
vê, alta somma de actividade, vem, pela observação e pelas descobertas, facilitar os meios e methodos de estudos; trazer novos
elementos para a commodidade geral; melhorar a comprehensão dos deveres e direitos individuaes e collectivos; o que,
necessariamente, a par de completa educação racional, dando
força á nobreza do trabalho e dos sentimentos e eliminando sem
tregoas toda a castade privilégios, para pôr em acção oextraordinario ideal de paz que sonhamos.
Latino Coelho diz: « A justa conciliação do principio da independência com o principio da associação determina a unidade
e harmonia do «kosmos»edeve egualmente produzir, na humanidade a ordem, a paz, a segurança, a liberdade, e a harmonia
social.»
Eis ahi a nossa confiança no amanhan.
« O perpetuo movimento é a suprema lei da natureza. A conlinua e regrada trasformação é também a norma da humanidade», continua Latino Coelho; e nós que vimos legislar-se a
evolução com Spencer; que temos uma idea mais vasta da croação do homem com a theoria do polygenismo, e assistimos a
sciencia restituir á natureza o direito sobre factos do mundo
physicoque em vista da importância d'elles eda ignorância antiga, achavam-se prezos ao pretenso poder divino, longe defazermos como os antigos que, desconhecendo a evolução, voltavamse para o passado lançando, de todo, á conta da corrupção dos
tempos a queda de suas instituições políticas, como diz Littré,
lemos de confiar no tempo a vir c preparar, então, o caminho
para chegarmos a elle.
A imprensa, o livro, a tribuna, e, sobre tudo, a instrucção
publica, tem na educação popular vastíssimo campo de operações.
Revigore-se o caracter com os sagrados exemplos de valor
e de hombriedade que a Historia nos offerece; annule-se com a
1'edagogia os rosários e os jejuns; substitua-se, no templo, as
missas em latim porlicçõescíe Historia Natural.
E o Brazil que propague por todas as camadas sociaes as verdadeiras leis republicanas, destruindo com os princípios da democracia, que são inabaláveis, os sophismas das convulsões e
factos esporádicos, que abalam mas que passam; que faça da
116
o
cenaculo
lavoura a grande artéria do paiz, pois tem apropriado território
eido
e
commercio;
industria
da
o
motor
será
isso,
eesta
para
vilize o aborígene, para a integridade da nação; dê ás artes a
maisamplaexpansão que comportarem as suas forças, e teremos
sólidos fundamentos para receber o futuro.
9—Abril—96.
Silveira Netto.
.__,.*•*-$*- _J_Ji_ir1
•VJ.**.^-**.
CONFIDENCIA
Pérfida !... Eu tremo e sinto que crocita
A pavida loucura a que ando exposto...
Escuta e vê como soluça e grita
Meo coração, na jaula em que foi posto.
Pérfida e louca! Hypocrita e maldicta,
Rasgam meo peito as garras do Desgosto...
E o parvo coração, que inda palpita,
Tenho vontade de atirar-te ao rosto.
Disse.—Porem, tremendo, allucinada,
Narrou-me, altiva, em lagrimas banhada,
Toda a tortura que em seo peito havia.
Pasmo, sorpreso, a raiva apunhalando,
Chorei também por vêl-a que, chorando,
O coração em lagrimas vertia
Antônio Braga
\
LIMA
A Antônio Braga
Mais uma dor que reza o dé-profundis
Das agonias e cias solidões,
Faz com que o verso em lagrimas fecundes,
Trocando gritos pelas orações.
Mais um martyrio, como se a desgraça
Não fosse enscenaçào da vida humana;
E o teo amor a cruz do grito abraça,
Capitulando ás portas do Nirvana.
Mais um tormento avulta sem rebuços,
E a magoa antiga põe-se a delirar;
A dor hebreia nâo tem mais soluços
Quando traduzas lagrimas deÁgar.
Que desespero, ter o exilio na alma
Quando se atulha a noite de um jazigo,
E o crepe da orphandade geme e ensalma
A paz que nos deixara ao desabrigo.
Crenças e amores... tudo desabando...
E' o trabalho que os dias vém fazer;
E como a Boabdil nos põe chorando
Por ver a pátria a desapparecer.
A vidaé a dor, e não ter Mãe... tortura
Em que sentimos a alma ondoudecida.
E os sete palmos de uma sepultura
Se não nos levam, matam-nos ávida.
Mais essa dor a nos juntar na magoa
Que outro infortúnio abrio em nossa dor ;
E a vida se nos vae, de fragoa em fragoa,
Sangrando o riso, estrangulando o amor.
MA
o
cenaculo
Também supporto esse estertor profundo,
Tendo de luto uma alma desgraçada.
—Como é vasio para nós o mundo...
—Como se encheo de nós o infindo Nada...
Sabesquede meos olhos, passo a passo,
O pranto acorda em cânticos de fél;
E da violeta que os circunda faço
Para os meos versos trágico burel.
Sabes que preces andam nos meos olhos
Com a funesta muzica do tédio ;
E os devaneios no seo pranto molho-os,
Dando á amargura a dor como remédio.
Sabes que Werther, ajoelhado e doudo,
Prezo á Carlota n'um olhar febril,
E' a litania de um martyrio todo
Que ha muito sigo em bárbaro alcantil.
E tanta magoa, e toda essa inclemencia,
Que arma em abutre o mundo truanesco,
Tenho-a a reger-me o duo da existência.
Na arte feralIde um circulo danlesco.
E nós seguimos como forasteiros,
A ver que a terra em covas se fendeo ;
Do próprio coração sendo coveiros;
Deixando em ruina o lar, como um judeo.
Por isso ajoelho ao pé d'essa amargura
Hoje que ésdaorphandade um filho errante,
E os sele palmos de uma sepultura
Gravam-te na alma o dístico de Dante.
20—í—1896.
Silveira Netto.
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Padre Dr. JvlIío lv£axia
VI
«0 protestantJsmo nasceo do orgulho.
0 orgulho do primeiro homem, que revoltou-se contra
Deos, reappareeeo no século 16.° em um outro homem
de talento e de profunda intelligencia, a quem a Providencia deo na terra aquillo que não dá a nenhum rei,
a nenhum anjo—o sacerdócio. »
(Décima Conferência.) (1)
Dizer que a Reforma nasceo do orgulho de um homem, de
Luthero, é desconhecer a historia c deixar de analysar os factos
com a necessária imparcialidade c critério. Não se pôde admittir, effectivamente, que uma causa tão insignificante tenha produzido effeito tão importante na historia da humanidade. Esta
errônea interpretação evidencia mais uma vez o antigo vezo do
clero romano de taxar de orgulhoso a lodo homem que tem a
independência bastante para não se deixar dominar pelas suas
pretenções.
A Reforma é um movimento moralisador, uma reacção digna
do elemento mais são da sociedade contra a corrupção do romãnismo. As suas causas são mais poderosas do que o orgulho de
um homem e esle, se não achasse um meio favorável, um terreno apropriado para a germinação das suas idéas, teria necessariamente baqueado.
E' necessário estudar os antecedentes desse movimento religioso para poder penetrar no conhecimento das suas causas.
O papado estava desmoralisado. Júlio II, papa e general (1502
a ' 513,) provocava guerras e commandava em chefe os exercitos O synodo de Pisa o depoz, allegando «que Júlio era um
(1) Da 5.a Conferência passo para a décima, deixando de me oecupar das outras, porque
tratam de assumptos demais metaphysicos, como o Inferno, a Eucharistia, etc, etc. Ora, eu
não me sinto disposto a refutar theses desta natureza: O inferno é aperda de Deos; Eaumalimento physico: o pão material; ha lambem um ahmenio divino: o
celeste—a Eucharistia: e
outras semelhantes, pão \
......
420
0
CENACULO
mmK0^^JmUmm*^XJmJ\0^^\Am*m*ym*mfm*m^
eterno perturbador da paz publica, que semeava a discórdia
entre os üeis, que era rebelde e tyranno sanguinário, endurecido na malvadez.»
Mas o santo papa pouco importou-se com essa resolução e,
como resposta, depoz Luiz XII, rei de França.
O historiador Mozaray diz «que Julio procedia como um sultão turco, mas não como o logar-tenento c e Doos sobre a terra o
como pae espiritual de todos os christãos.» Dnzentasmil vidas
custaram as guerras provocadas por esse snccessor de S. Pedro.
Delle disse o imperador Maximillianol: «Santo Deos! Que seria do mundo, sem a vossa direcção, sendo imperador eu que
não passo de um pobre caçador, e papa um indivíduo tão viciado e ebrio por habito, como Julio.» Com effeito, entregava-se
elle á embriaguez, com freqüência.
LeãoX foi o digno successor de Julio II e foi papa durante
8 annos (I >I3 a 4521.) Era tão esbanjador como o seo antecessor e durante o tempo em que occupoii a cadeira de S. Pedro
gastou nada menos de 8 milhões de ducados.
Conta o cardeal Bambo que LeãoX dissera-lhe um dia:
«Todo o mundo sabe quaes as enormes sommas que a fábula
de Christo nos tem dado a nós e aos vossos.»
À corte de Leão X representava o luxo, o fausto, a grandeza
e absorvia sommas verdadeiramente fabulosas, extorquidas ao
com a famosa venda das indulgências, cujas rendas elle
Dovo
!azia arrematar
pelos príncipes e bispos.
Quem não conhece João Tetzcl? Era o celebre vendedor das
indulgências, o agente de Leão X, que percorria a Allemanha
com uma caixa de ferro, ornada com as armas do Vaticano, e
com esta inseripção: «Logo que o dinheiro soar na caixa, pula
a alma do purgatório!»
Frei Tetzel fazia os mais pomposos reclamos por onde quer
que passasse. Eis aqui um bello specimen dessa oratória commercial:
«Vede, irmãos, o ceo se vos abre de todos os lados. Se não
aproveitais agora a oceasião, jamais nelle penetrareis!
Oh! vós, homens insensatos, que egualaes quasi ás bestas
ferozes, não sabeis ligar o devido apreço á bondade do Santo
Padre. Vede quantas almas podeis livrar do purgatório! Preguiçosos e teimosos que sois! Com dose dinheiros podeis tirar
m vossospaes do purgatório e sois tão ingratos que não aceudis
aos vossos progenitores em tão triste situação, sofrendo ineriveis dores?»
o cenacülo
421
A semelhante escândalo não se podia assistir impassível e
MartinhoLuthero, da ordem dos Agostinhos, justamente indignado, revoltou se protestando e queimou as bullas do papa. (2)
Foram os abusos de Roma, e nâo o orgulho de Luthero, que
originaram a Reforma c consequentemente o enfraquecimento
do catholicismo romano pela perda de muitos fieis.
O orgulho deumhomom, de um simples monge, não teria
força para produzir tão intenso movimento que «quebrou a uni
dade religiosa da Europa occidentalo fez triumphar finalmente
nos paizes catholicos o principio da liberdade de consciência.»
O simples orgulho de um homem não teria a virtude de dominar a Allemanha, a Suissa, a Inglaterra, a Suécia c muitos outros paizes.
«Se o interesse particular e a razão d'Estado, diz Schiller,
não se tivessem unido, jamais a voz dos theologos teria encontrado príncipes tão sollicitos, nem a nova doutrina tão numerosose tão valentes defensores. Os abusos da antiga Egreja, o
absurdo de muitas de suas doutrinas, as suas pretençõesexcessivas, deviam naturalmente revoltar os espíritos já dominados
pelo presentimento de uma luz mais pura, e predispòl-os para
abraçarem a reforma. Os attractivos da independência, a rica
presa dos benefícios ecclesiasticos, deviam fazer com que os
príncipes desejassem uma mudança de religião, e sem duvida
juntariam alguma força á sua convicção intima.»
A Reforma queria simplesmente moralisar a conducta dos
ministros de Deos e de modo algum entendia com a fé christan.
Luthero nâo foi movido pelo orgulho, mas pela indignação que
lhe causava o commercio das indulgências, a corrupção do romanismo, a depravação da corte de Leão X, o luxo do papado.
Para prova basta citar a seguinte proposição, d'entre as 9 :•
sustentadas por elle em Wiltemberg:
«O papa, cujos thesouros são hoje superiores aos mais
enormes, não poderá porventura, com o seo dinheiro enão com
o dos pobres fieis, construir uma única egreia, a basílica do
S. Pedro?»
Como diz um publicista, a Reforma foi o resultado de uma
convicção honesta: desejava-se purificara má administração da
religião, introduzir a ordem e a honestidade na exploração do
subjectivismo christão.
«O protestantismo, diz o orador, não tem dogma; pois o
dogma é uma verdade que se impõe, o em face do principio do
(2) Veja-se j^aya ^aioir esclarecimento, Carl von Koseritz, Roma perante o século.
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CENACULO
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livre exame, cada um interpretando a Escriptura como quer,
não ha, ó claro, o dogma em sua doutrina. E não pôde haver
religião sem dogma.»
Concordamos em parte com este asserto. Seo orador, dizendo «protestantismo,» quer se referir simplesmente ao principio posto por Luthero—de accôrdo: o protestantismo destruio
o christianismo. Não pôde haver uma religião sem dogmas,
sem ritos, sem clero. E Luthero, dando a cada íim a
liberdade de consciência, a liberdade de interpretação da Biblia, destruio todos estes elementos religiosos.
Mas, se «protestantismo» comprehende também a obra de
Calvino, então o sr. padre Julio Maria está perfeitamente enganado: a Reforma foi uma heresia. Calvino fez delia uma orthodoxia. Elle restabeleceo todos aquelles elementos que o principio de Luthero havia destruído. Quem quer que não se conformar com o Evangelho, tal como elle o interpreta e entende,
é herético; e elle mesmo diz: «Os heréticos são as pestes mortaes da christandade; é licito portanto punir os heréticos.»
O chefe dos calvinistas entende «que os magistrados devem
castigar aquelles que se esforçam por corromper a doutrina celeste,» pois a auctoridade civil não é mais do que a «ordenação
de Deos.» Para Calvino, o padre, o pastor, único depositário da
verdade, é o único soberano. E' a doutrina de Gregorio VII; ó a
doutrina do papado romano. O calvinismo é intolerante como o
romanismo. E' sabido que Calvino mandou queimar a Michel
Servet.
O que o protestantismo tem de bom é justamente o principio de Luthero, a liberdade de consciência, a livre interpretação
da Bíblia, o principio de tolerância. Representa tudo isto adestruiçâo do dogma, da religião? Pouco importa. È; esse princioio que tem impulsionado as nações, que as engrandece, que as
iberta do dogma imposto, da tyrannia, do despotismo religioso e civil.
Concluindo, resta-me dizer que é um erro de apreciação
histórica dizer que a Reforma de Luthero procedeo do orgulho.
Mas, o que é verdade é que, se o catholicismo taxa de orgulhoso
o movei protestante, o protestantismo, pela Instituição christan
de Calvino, não deixa de considerar orgulhoso o catholicismo
romano e o padre catholico, a seo ver, não passa de um heretico. E' uma justa retribuição e nada tem de admirar visto como,
dentro do próprio catholicismo, trez papas já se excommungaram mutuamente.
Chichorro Junior.
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iíia
Nheenga, a alma das florestas, que tinha na fronte adusta e
esvelta, o esplendor da natureza americana, chegara á praia,
oflegante o tremulo, flecha erguida para a vastidão da bahia,
como quem procura no horisonte alguma cousa extranha. O
seo olhar tem o brilho das grandes coleras que cegam o quo só
deixam visão intensa e poderosa para ver o objecto d' essas coleras sagradas.
Duas vezes estendeo os braços para as bandas do mar, e
duas vezes ferio aterra com a ponta do arco formidável.
Pelas encostas do outeiro que se eleva no extremo da Cotinga mais próximo ao continente, vagueiam homens dc outra
raça,.alli chegados ha poucos momentos. Aquelles homens já
haviam tentado saltar á terra firme ; mas Nheenga, a alma das
florestas, os rechassára, valoroso como um leão, tremendo o a
mugircomoumcataclysmo. A sua presença, a suacatadura sinistra e apavorante lançara o assombro e o terror entre os homens da nova raça; e batidos de medo elles tinham voltado a
buscar valhacouto na ilha. Nheenga, a perseguil-os, chegara
até a prair, oflegante e tremulo, flecha erguidapara a vastidão
da bahia, como quem procura no horizonte alguma cousa exIranha. Duas vezes estendeo os braços para o mar, e duas vezes pisou forte o solo, e o solo na redondeza estremecera.
Alli ficou, transfigurado o solenne, por longos instantes.
Pensamentos de fogo passavam pelo seo cranem incendido, e
seos olhos pareceram logo duas chammas que se apagavam...
Um nume invisível elle sentio a falar-lhe dentro do"coração
quasi gelado, e a dizer-lhe : « Pobre filho, que te transviaste !...
O teo caminho foi muito esguioe accidentado e longo... Esconde-te depressa, filho transviado... Aquelles outros viajores
devem passar para alem... Esconde-te! Vae morrer com essas
tuas iras lá nas entranhas dos ermos... Queixa-te lá dos teos
numes, esome-te com elles d'esta luz que já não podes ver.
Esconde-te!»
E outros pensamentos ainda, como centelhas electricas,
lhe vão queimando o cérebro.
Por fim, venceo um pouco do sangue antigo que trazia nas
veias, e a alma de Nheenga, resignada e dolorosa, preparou-se
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CKNACULO
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para obedecer a voz do nume invisível : desprendeo um longo
suspiro, pasmado para o mar ; e dos seos olhos, que nunca
souberam o que era pranto, expluiram duas lagrimas quasi
côr de sangue e que pareciam guardadas havia mais de trinta
séculos no seo coração...
E como um precito, a cabeça a pender para a terra, Nheenga
tomou as bandas do Occidenle, resignado e doloroso.
Paranaguá—1896. Rocha Pombo.
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LUAR
ti'
Noite encantadora, noite muito calma...
Vae rolando a Lua pelo ceo azul...
Minha Noiva amada, vida da minha alma,
Porque choras tanto pela noite calma?...
Porque choras tanto sob o ceo azul?...
Olham-te as estrellaspiedosamente...
Nas estrellas mansas fitas triste olhar...
Minha Noiva amada,
que pezar pungente
No teo seio chora merencoriamente,
No teo seio gemo sem te consolar?
A minha alma é triste como um cemitério...
Como um cemitério, toda glacial...
Minha Noiva amada,
que luar funereo
Sudariza as rosas do jardim sidereo,
Sudariza os lyrios do paiz natal?...
Esse amargo pranto, minha Noiva amada,
Mata as esperanças de illusão feliz. .
Porquechoras tanto, minhaNoivaamada?...
Como estás saudosa, como estás magoada,
Sem as esperanças de illusão feliz!...
Abre-me teos braços, minha Noiva amada,
Abre-me teos braços, meo bemdito amor!...
Cante na tua alma límpida alvorada!...
Meo bemdito archanjo, minhaNoivaamada,
Veste as brancas vestes do luar do Amor!...
-1893
Daiio Vellozo
;
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A Nova Revista, n. 2.°, anno i. Director Adolpho Caminha, Secretario Oliveira Gomes. — Rio de Janeiro, Fevereiro, -1,>96.
E',como o Ce>i%mlo, uma revista de trinta e poucas paginas,
quesepublicamensalmente. Traz variadasummula. Destacamse os nomes do Clovis Bevilacqua, B. Lopes, Gonzaga Duqu' Estrada, Nestor Victor, Collatino Barrozo, e etc.
Adolpho Caminha vae dando á Nom Revista sadia orientação que muito o recommenda á nossa Pátria, pela pujança e
critério com que trabalha cm prol da Lilteratura Brazileira.
A Nova Revista impõe-se deliciosamente aquelles que
prezamo estudo e amam o convívio dos bellos espíritos.
Sentimos não ter chegado ás mãos o seo primeiro fasciculo.
Recebemos, também, o terceiro.
Traz o seguinte, quenosdiz respeito: «O Cenaculo (Coritiba)—
Protesta, num artigo vibrante, contra a intervenção do clero no
ensino publico: aíiirmaque « é dever de todo aquelle
se
que
preza de possuir umapenna — de aço ou de ouro, que importa?
— mostrar e demonstrar ao
povo ingênuo e crédulo a impropriedade do ensino religioso, a falsidade das doutrinas da egreja
romana, a esterilidade de seo dogmatismo.» Não estamos de
accordo em muitos pontos do artigo. A sociedade carece de
uma moral e não ha moral sem religião. Não ha duvida
a
que
verdadeira religião christan anda falsificada: mas d'ahi nào
segue-se zimpropriedade do ensino religioso.
« Crimine-se o clero, crimine-se a Egreja, que não tem sabido ou não tem querido interpretar as legitimas doutrinas do
Christo, mas conserve-se a educação religiosa até a edade em
que o indivíduo tenha liberdade de pensar e de agir no meio
social. — Collaboramneste numero d' O Cenaculo Dario Vellozo,
Leoncio Correia, Júlio Pernetta, Silveira Netto e outros.»
Se bem que pretendamos continuar a serie de artigos ence
tada, demonstrando a impropriedade da instrucção religiosa miNISTRADA Á 1NFANICA, DO ENSINO CÍVICO ENTREGUE A DIRECÇÃO
ESPIRI-
tual do clero, — e não conheçamos todos os pontos em
está
que
comnosco em desaccordo o auetor das Notas Bibliographicas,
120
O
CENACÜLO
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vamos responder, ligeiramente,com os seguintes trechos,transcriptos de duas assaz conhecidas e acatadas notabilidades curopeas, os tópicos que se referem á necessidade «da educação
religiosa até a edade em qae o indivíduo tenha liberdade de
pensar e agir no meio social»e d carência de religião, para
que haja moral.
Diz o Dr. Luiz Büchner:
« A educação deve ler por base a sciencia c não a fé; nas
escholas publicas, a religião deve apparecer somente sob forma
histórica; deve ser ensinada somente como exposição objectiva
escientifica dos diversos systemas religiosos em vigor entre os
homens. O indivíduo que, depois de receber esta educação, senlir ainda necessidade de uma regra dc crença determinada, terá
o direito de se reunir á seita religiosa que lhe agradar, mas não
o de exigir que a communidade supporte asdespezas desse goslo particular.» (O homem conforme a Sciencia.)
Pensamos com Büchner: — Só depois que o indivíduo lenha liberdade de pensar c agir no meio social, ê que deve escolher a seita religiosa que mais lhe agrade.
O pae, o mestre, ou quem quer que seja, não tem direito de
impor á creança esla ou aquella religião.
Besponde o segundo tópico o seguinte trecho do MaxNordau:
«Os monarchistas sinceros, que combatem apaixonadamentea instrucçao do povo ou que pelo menos não querem que o Estado contribua, têm mil vezes razão. São conseqüentes quando
pregam: «o povo deve ter uma crença-, quando se oppòem á
creação de escholas puramente seculares, quando declaram que
a separação da Egreja c do Estado eqüivale á destruição dos
úlares mestres do èdificio do próprio Estado. O pedido que
'azem
para que o Estado seja christão é a seqüência necessária
do seo modo de pensar. Deixam sem duvida de ser sinceros
quando acerescentam : «Porque sem religião o povo não tem
moral e o Estado que renuncia a ser christão deixa o campo livre a todas as más paixões, a todos os vícios c a todos os crimes.» O verdadeiro sentido desta asserçâoéo seguinte : «porque a religião é a única base da realeza hereditária, porque a
emancipação do povo conduz irresistivelmentc ao domínio do
mais forte ou do mais culpado, istoé, á dictadura ou á republica.» Isto é mais uma prova dos usos menlirosos do tempo
actual, que mesmo os monarchistas mais intrépidos nâo lera coragem de confessar o verdadeiro motivo pelo qual querem trazero povo para o grêmio da Egreja. Deviam exclamar aclivamente • «temos necessidade da religião paraservir de escudo á
o cenacülo
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monarchia!» Isto seria mais corajoso; mas que pretendam
manter a religião em nome da ordem, da moral e do bem do
povo, écobardia.» (Mentiras convcncionaes da nossa civilisacâo).
Fica assim mais uma vez justificado o que avançámos em
nosso artigo, inserido em ofasciculo 11.° desta revista.
Agora vejamos como pensa, a respeito da instrucção religiosa, o sr. Luiz D. Cleve,— austero e veneravel republicano que
com tanta hombriedadee civismo redige o timym—criterioso
hebdomadário da cidade do Guarapuava, neste Estado:
OCenacülo
«E' o thema em discussão entre os talentosos lilteratos
paranaenses, emCoritiba, a já assaz condomnada instrucção religiosa, que a todo custo querem os ferrenhos catholicos implantar entre nós.
«Sobre o assumpto apreciámos o criterioso e bem lançado
artigo do sr. Dario Vellozo, no «Cenacülo», refutando essa
perniciosa pretenção no nosso Estado.
«Parabéns aos intemeratos moços, gloria e orgulho da moderna geração paranaense.»—(Guayrade 5 de Abril).
Do Nacional (Capital Federal) :
«Recebemoso «Cenacülo» (anno II, tomo II), revista lilte—
raria, politica e scientiíica, que so publica em Coritiba—(Paraná) trabalhada por adestradas pennas, sob a direcção de Dario
Vellozo.
«O numere que recebemos está esplendido e traz a seguinte
summula : A imprensa e o clero, por Dario Vellozo ; Prometheo—Leoncio Correia ; A evolução—Carvalho de Mendonça ;
Funeral das lagrimas—Julio Pernetta ; A cleclricidade—komario Martins; iHedade!—Silveira JNetto ; Em guarda—Albino Silva; Conferências iY!%ioms'—-Chichorro Junior ; Desolação—Antônio Braga; Crepúsculo—Julio Pernetta.»
Da Comarca (Palmeira) de 5 de Abril :
O Cenacülo
«Recebemos e agradecemos um exemplar dessa imporlante revista, que se publica na Capital do Estado e que é uma folha tão distincta, quanto distinclos são os seos redactores, moços considerados devidamente na republica litteraria de nosso
Estado.
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O
CENAGULO
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«Seremos solícitos em marcarmos o archivo do sympathico
Ccmculo coma remessa da insulsa Comarc/i, em remuneração
muito diminuta a essa revista em cujas paginas brilha o talento
de uma corporação tão distineta de litleratos que honram e
muito a vida intellectual de nosso Estado.»
Da llcpublka (Coritiba) de 10 de Abril :
O Cenaculo
«E' sempre com máximo prazer que accusamOs a recepção
desta brilhante revista litteraria, que não honra simplesmente
ao Paraná, mas as lettras nacionaes.
«Eis a summula do 42.° fasciculo, que temos á vista :
Conferências religiosas, por Chiehorro Júnior;
Le Pénitent, por Iwan Gilkin;
A Evolução, pelo Dr. Carvalho de Mendonça ;
Do Funeral, de Silveira Netto ;
O Consórcio de Carmen, de Dario Vellozo ;
A Capella de S. Francisco, de Julio Pernetta ;
Respigas.
«Parabénsaos seos ilustres redactores, que,de maneira tão
gloriosa, têm aífirmado a evolução litteraria da Pátria Paranácnso.»
Agradecidos.
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força tiverem