8 • Público • Sexta-feira 21 Março 2008
Portugal
Guerra colonial Missão de localização e identificação de soldados mortos no conflito
NUNO FRADE
ALBANO COSTA
Vista geral do quartel de Guidage (em baixo) e do seu interior (em cima
à direita); e as casas da população local desta povoação (1973)
Cemitério improvisado no quartel de Guidage (Junho de 1974)
Exumados os restos mortais de militares
portugueses mortos na Guiné-Bissau
Ossadas estavam sepultadas num cemitério militar provisório, situado no antigo quartel
português de Guidage, no Norte do país, e agora vão ficar em Bissau
Teresa Firmino
a O tenente-general Joaquim Chito
Rodrigues aponta para os mapas colados na parede de uma sala na sede da Liga dos Combatentes, em Lisboa. Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé, Índia, Timor, Macau, França, Bélgica, Grã-Bretanha, Espanha e Alemanha — em todos estes locais ficaram sepultados
soldados ao serviço de Portugal, na I
Guerra Mundial e na guerra colonial.
Uma profusão de bolas coloridas assinala os sítios onde jazem mais de
5700 soldados. Mas agora os olhares
dirigem-se para uma bola específica,
entre as dezenas marcadas por cima
da Guiné-Bissau: é lá que uma missão
da Liga dos Combatentes, do Instituto
Nacional de Medicina Legal (INML)
e do Departamento de Antropologia
da Universidade de Coimbra acaba de
exumar os restos mortais de dez militares mortos na guerra colonial.
A cerca de três mil quilómetros de
Portugal, a bola que no mapa é uma
mancha indistinta torna-se um local
concreto, demasiado real para os militares que lá combateram durante a
guerra colonial, ocorrida na Guiné entre 1963 e 1974. Ali fica o antigo quartel
português de Guidage, uma pequena
povoação no Norte do país, colada à
fronteira com o Senegal, agora com
as casernas, a enfermaria, o refeitório
ou os balneários em ruínas.
Outrora, o cemitério improvisado situava-se no quartel, assinalado com
cruzes de madeira. Com o passar do
tempo, todos os sinais exteriores de
que ali se encontram sepulturas foram
desaparecendo. Quem lá passasse via
um campo como outro qualquer.
Num levantamento prévio, a Liga dos Combatentes referenciou 31
corpos sepultados em Guidage, em
duas áreas distintas no cemitério. Um
croquis de 1973, do serviço de saúde
do comando territorial da Guiné e do
comando da Companhia de Caçadores 19, assinalou a localização previsível de dez das campas. “Foi um dos
papéis que apareceram”, conta Chito
Rodrigues.
Para as localizar, partiu para o terreno, a 7 de Março, uma missão militar, chefiada pelo major-general Carlos Lopes Camilo, vice-presidente da
Liga dos Combatentes. Depois, seguiu
a equipa científica, chefiada pela antropóloga forense Eugénia Cunha, da
Universidade de Coimbra e colaboradora do INML.
Famílias deram ADN
As campas não só já foram localizadas,
como foi concluída na terça-feira a exumação dos restos mortais dos dez militares, disse Lopes Camilo à correspondente da agência Lusa na Guiné.
As ossadas já chegaram a Bissau, um
dos quatro sítios onde a Liga dos Combatentes tenciona reunir os restos mortais dos militares portugueses dispersos por 101 locais referenciados até ao
momento na Guiné (Gabu, Bambadinca e Bafatá serão os restantes numa
fase posterior, segundo o acordo com
as autoridades guineenses).
Mas a identificação definitiva das
ossadas é um trabalho para mais tar-
Processo em três fases
O processo de exumação dos
restos mortais dos dez militares
portugueses na Guiné-Bissau
decorreu em três fases, explicou
à Lusa a antropóloga forense
que chefiou a equipa científica,
Eugénia Cunha, da Universidade
de Coimbra e colaboradora do
Instituto Nacional de Medicina
Legal (INML). A primeira fase
passou pela detecção dos restos
humanos, feita por um geofísico
com um radar, que indicou o lo-
cal. Depois, uma arqueóloga delimitou as áreas onde as pessoas
estavam enterradas. Por fim, os
antropólogos fizeram a escavação. Esta colaboração do INML e
da Universidade de Coimbra com
a Liga dos Combatentes na recuperação, identificação e eventual
trasladação de corpos de militares nasceu em 2007, num protocolo para prestar apoio científico,
que incluiu ainda exames, desde
genéticos a imagiológicos. T.F.
de, já nos laboratórios da equipa de
Eugénia Cunha (a mesma investigadora que em 2003 exumou e identificou
os restos mortais do tenente-coronel
Maggiolo Gouveia em Timor, depois
trazidos pela família para Portugal; e
que em 2006 tentou abrir o túmulo
de D. Afonso Henriques, mas viu rejeitada uma autorização prévia pelo
Ministério da Cultura).
Para os dez militares exumados, há
uma lista de nomes, diz Chito Rodrigues, mas agora é preciso saber que
ossadas são de quem. Como será feita
a identificação? “É uma identificação
antropológica, a partir de fichas dentárias, de características individuais
dos ossos e de objectos pessoais”, responde Duarte Nuno Vieira, presidente do INML. “Se houver algum caso
em que não seja possível fazer a identificação por esta via, aí far-se-ão estudos de genética. Já temos amostras
de ADN da grande maioria das famílias [para a comparação genética]”,
acrescentou.
“Da parte antropológica, dentro de
um mês poderemos ter resultados. Da
parte da genética, é mais demorado”,
esclareceu Eugénia Cunha à correspondente da Lusa. Uma das dificuldades é a extracção de ADN dos ossos,
o que nem sempre é possível devido
ao tempo que passou desde a morte
dos antigos combatentes.
Entre os dez militares, encontram-se três pára-quedistas. A irmã de um
deles faz parte da equipa científica
que exumou as ossadas e a sua família quer trazê-lo para Portugal.
No entanto, esta missão enquadra-
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ALBANO COSTA
ALBANO COSTA
Números
9500
é o número arredondado
de mortos na guerra colonial
portuguesa
5768
são os militares portugueses
que ficaram sepultados em
vários países da Europa e
de África, na sequência da I
Guerra Mundial e da guerra
colonial
3869
são os militares portugueses
sepultados em África, em mais
de 480 lugares
16
é o número de solicitações
de familiares entradas na
Liga dos Combatentes para
a trasladação de militares
mortos na Guiné-Bissau,
Angola e Moçambique (até
agora, só em três desses
casos se conseguiu fazer a
localização e identificação)
Fonte: Liga dos Combatentes
-se num plano global da Liga dos Combatentes, quer deixar claro Chito Rodrigues. O Plano Estruturante de Consolidação da Memória, como se chama, foi iniciado em 2005 e segue um
lema: localizar, identificar, concentrar e dignificar os locais onde se encontrem militares portugueses nos
vários cantos do mundo. “Como estão dispersos pelos países em cen-
tenas de lugares, queremos pô-los
em locais concentrados, que seguidamente dignificaremos”, diz Chito
Rodrigues. Por exemplo, o Cemitério
Militar Português de Richebourg, em
França, onde repousam mais de 1800
combatentes da I Guerra Mundial,
tem vindo a ser recuperado.
Farim, a próxima missão
Todo o trabalho, feito através de documentos históricos e reconhecimentos no terreno, está estampado nos
mapas fixados na parede. Dispersas
pela Guiné estão as ossadas de 746 militares, muitos recrutados localmente,
outros oriundos da metrópole, como
se chamava a Portugal continental. Alguns foram dados como desaparecidos, outros nem se sabe onde foram
enterrados.
Chito Rodrigues vai lendo as legendas coladas com os dados actualizados em cada mapa, com as suas bolas
de sepultados entre 1961, o início da
guerra colonial, e 1975, quando já tinha terminado. Moçambique: 1414
militares, em 184 locais diferentes.
Angola: 1548, em 187 locais. Cabo Verde antes da guerra colonial: 93, em
dois locais. E durante: dez, em sete
locais. São Tomé: 28, antes da guerra
colonial, 30 durante.
Os levantamentos da Índia, de Timor e Macau ainda não estão feitos,
tal como continua em pesquisa a situação na Alemanha e em Espanha.
Para este plano, de 2005 a 2008, a
Liga contou com 150 mil euros anuais
do Estado. “A partir de 2008, faremos
outro plano”, diz Chito Rodrigues.
A ideia é trazer os soldados para
Portugal? “Não é essa a política da Liga. Mas se uma família estiver interessada em trazer o ente querido, a Liga apoia no sentido de informar. Essa
responsabilidade é da família.”
Nem o objectivo é exumar todos
os militares; onde estiverem identificados o plano pode ser recuperar os
cemitérios. Basta olhar para todos os
mapas para ver como é difícil acorrer
a todos os pontos coloridos. Farim (na
Guiné-Bissau), onde estão sepultados
21 militares, é o destino da próxima
missão.
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Exumados os restos mortais de militares portugueses