PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Moises Gonçalves de Oliveira
A Linguística Crítica, Leitura e Mudança Social:
Um Enfoque Sistêmico-Funcional
MESTRADO EM
LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Moises Gonçalves de Oliveira
A Linguística Crítica, Leitura e Mudança Social:
Um Enfoque Sistêmico-Funcional
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, em atendimento à exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem.
Orientadora: Profª. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda
PUC - SP
2009
ii
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
iii
Dedico esta dissertação a meus pais
Laudina e João Gonçalves Oliveira,
amantes incondicionais da educação.
(in memmorian)
iv
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Drª Sumiko Nishitani Ikeda, pela ajuda
na pesquisa linguística, constantes conselhos, aulas impecáveis e
acompanhamentos que, indubitavelmente, contribuíram para o meu
desenvolvimento acadêmico e, sobretudo, no modo de encarar a
vida tornando-a mais leve e disciplinada.
Às Professoras Drª Maria Cecília Souza-e-Silva, Drª Maria Francisca
Lier De Vitto e Drª Mara Sophia Zanotto, pelo esmero no desempenho
de suas funções, a tratabilidade e o relacionamento interpessoal.
À Profª Drª Fátima Beatriz De Beneditctis Delphino e da
doutoranda Sônia Regina Longhi Ninomiya pelas observações e
sugestões no exame da qualificação de que participaram.
Aos funcionários do LAEL, Maria Lúcia e Márcia, pela incansável
disponibilidade.
À Secretaria Estadual da Educação pelo financiamento do meu
curso, sem o qual o fardo seria mais pesado.
Aos diretores e colegas professores da E.E. Maria Helena Faria
Lima e Cunha, pelo apoio e compreensão sempre que foi solicitada a
mudança de horário para as minhas necessidades.
Aos meus filhos, Kênyo, Kelson e Kleyson, pela confiança no meu
potencial como pai e estudante.
À Débora, nora prestimosa, e aos netos Gustavo e Kathlyn, que
não puderam contar comigo durante esse período.
v
À minha esposa, Maria Bete, pelo constante incentivo e
compreensão nos momentos de ausência em que me dediquei à
pesquisa.
Agradeço, sobretudo, a Deus por me amar, me fazer feliz e
realizado a cada dia.
vi
Epígrafe
“... não é possível destruir o passado
para reconstruir o presente, mas é
possível reconstruir o presente para
reescrever o passado.”
Augusto Jorge Curi. (A pior prisão do mundo)
vii
MOISES GONÇALVES DE OLIVEIRA
A LINGUÍSTICA CRÍTICA, LEITURA E MUDANÇA SOCIAL:
UM ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
RESUMO
Nos últimos anos, no Brasil, tem havido uma preocupação singular com as questões
de leitura, letramento e a mudança social advinda dessas práticas dentro do campo
da linguística crítica. No entanto, ainda há um vasto campo a ser trabalhado nessa
área. A leitura e a escrita são a base para uma leitura crítica do mundo. É a partir
delas que se inicia o processo de consciência dos direitos e deveres do cidadão.
Assim, segundo Fowler (1991), qualquer aspecto da estrutura linguística - seleção
lexical, opção sintática, etc. - carrega significação ideológica. Todos têm sua razão
de ser. As instituições estão situadas, social, econômica e politicamente e qualquer
coisa que é dita ou escrita sobre o mundo, é articulada de uma posição
ideologicamente particular. Esse estudo faz uma análise crítica textual de um
editorial jornalístico da Folha de São Paulo sob o título “Desmandos sem fim” do dia
19.09.2006, com base na Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday M.
(1985, 1994) calcado, ainda, nos seguintes recursos e estratégias discursivas: (a)
conceito de falácia e entimema apresentado por Lauerbach (2007); (b) contrabando
de Informação proposto por Luchjenbroers & Aldridge, (2007); (c) enquadre (frames)
proposto por Bednarek (2005); (d) crypto-argumentação de Kitis, E. & Milapides, M.
(1996), (e) ‘dog-whistle politics’, Coffin & O’Halloran (2006) e (f) o discurso relatado
(Lauerbach, 2006). A análise permitiu concluir que o texto servindo-se de tais
recursos e estratégias, tem como objetivo convencer o leitor, de forma implícita, a
aceitar a culpabilidade do presidente Lula sobre as ocorrências descritas sem,
contudo, comprometer a imparcialidade do jornal.
Palavras-chave: Leitura crítica; Editorial; Lingüística Sistêmico-funcional; Persuasão
implícita.
viii
MOISES GONÇALVES DE OLIVEIRA
THE CRITICAL LINGUISTICS, READING AND SOCIAL CHANGE:
A SYSTEMIC-FUNCTIONAL FOCUS
ABSTRACT
In recent years in Brazil, there has been growing interest in questions related to
reading, literacy and all the social changes resulting from these practices in the field
of critical linguistics. There is, however, still a huge field to be exploited in this area.
Reading and writing are the basis for making a critical reading of the world, and the
process of the awareness of citizen’s rights and duties starts from reading and
writing. According to Fowler (1991), all aspects of linguistic structure (lexical
decisions, syntactic choices, etc) contain ideological meaning. All institutions are
socially, economically and politically located, and anything that is either said or
written about the world is made from a particular ideological position. The present
study makes a critical textual analysis of a newspaper editorial from the Folha de São
Paulo, “Endless Outrages”, published on September 19th, 2006, using Halliday’s
Systemic Functional Linguistics (SFL) and the following resources and discursive
strategies: (a) the concepts of phallacy and enthymeme presented by Lauerbach
(2007); (b) information ‘smuggling' proposed by Luchjenbroers & Aldridge, (2007); (c)
frames according to Bednarek (2005); (d) crypto-argumentation by Kitis, E. &
Milapides, M. (1996), (e) the dog-whistle strategy, Coffin & O’Halloran (2006) and (f)
reported discourse (LAUERBACH, 2006). The findings suggest that the text, using
such resources and strategies, aims at convincing the reader, in an implied way, to
accept the fact that the President was to blame for the events described, without,
however, impairing the newspaper’s impartiality.
Keywords: critical reading; editorial; Systemic Functional Linguistics; implicit
persuasion
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 2.1 -
Notícia do The Sun publicada em 01.06.2004. ............................
25
Quadro 2.2 -
Recursos de AVALIATIVIDADE relevantes para a pesquisa .......
26
Quadro 3.1 -
lista de editoriais ..........................................................................
34
Quadro 4.1 -
PRIMEIRO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise
do editorial ....................................................................................
37
Quadro 5.1 -
TÍTULO - Análise do editorial .......................................................
40
Quando 5.2 -
LIDE - Análise do editorial ...........................................................
40
Quadro 5.3 -
PRIMEIRO PERIODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO – Análise
do editorial ....................................................................................
40
SEGUNDO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise
do editorial ....................................................................................
40
TERCEIRO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise
do editorial ....................................................................................
41
Quadro 5.6 -
SEGUNDO PARÁGRAFO - Análise do editorial ..........................
41
Quadro 5.7 -
TERCEIRO PARÁGRAFO – Análise do editorial .........................
42
Quadro 5.8 -
QUARTO PARÁGRAFO – Análise do editorial ............................
42
Quadro 5.9 -
QUINTO PARÁGRAFO – Análise do editorial..............................
43
Quadro 5.10 - SEXTO PARÁGRAFO – Análise do editorial ...............................
43
Quadro 5.11 - SÉTIMO PARÁGRAFO – Análise do editorial ..............................
44
Quadro 5.4 Quadro 5.5 -
x
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................
1
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................
5
2.1 A Análise Crítica do Discurso ..............................................................
5
2.2 A linguística crítica ...............................................................................
09
2.3 A Linguística Sistêmico-Funcional .....................................................
2.3.1 Língua e contexto ........................................................................
2.3.1.1 O registro ........................................................................
2.3.1.2 O gênero .........................................................................
12
13
14
14
2.4 O editorial jornalístico como um gênero ............................................
15
2.5 O gênero e o enquadre (frames) ........................................................
17
2.6 Os Modos Textuais ...............................................................................
21
2.7 A crypto-argumentação ou a argumentação secreta ........................
2.7.1 A política do 'apito do cão' (dog-whistle politics) ..........................
22
24
2.8 A avaliatividade (appraisal) ..................................................................
25
2.9 O contrabando de informação .............................................................
27
2.10 As vozes do discurso ...........................................................................
2.10.1 Vozeamento e Ventriloquismo ....................................................
29
31
3 METODOLOGIA .............................................................................................
33
3.1 Dados .....................................................................................................
3.1.1 A Folha de S. Paulo ....................................................................
3.1.1.1 O editorial da Folha de S. Paulo .....................................
33
33
33
4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ..................................................................
37
5 ANÁLISE ........................................................................................................
39
5.1 Etapa 1 - Configuração Contextual .....................................................
39
5.2 Etapa 2 – Aplicação das categorias ao editorial ................................
40
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................
45
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
47
REFERÊNCIAS....................................................................................................
48
ANEXOS ..............................................................................................................
53
xi
Introdução
1
A LINGUÍSTICA CRÍTICA, LEITURA E MUDANÇA SOCIAL:
UM ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
1
INTRODUÇÃO
O meu interesse pela leitura crítica partiu do questionamento sobre o porquê
de alguns saberem ler e, todavia, essa prática não ocasionar nenhuma mudança
visivelmente significativa. Quando entrei em contato com os termos 'letramento'
(FREIRE, P. & MACEDO, 1987) e 'letramento crítico', (BRAHIM, 2007) percebi,
então, que aí estava um caminho para dar início às minhas investigações.
Uma pedagogia crítica, segundo Pennycook (1994) é a educação que almeja
a mudança social e o fortalecimento do mais fraco (EMPOWERMENT) e que
objetiva promover mudança na sociedade.
Nessa perspectiva, a questão do letramento adquire um novo sentido.
Segundo Lankshear (1997: 06), o termo 'letramento' tem sido, hoje, associado a
iniciativas ligadas à transformação da consciência, em particular, à consciência
política e social, o que não ocorre com os termos 'leitura' e 'escrita', como têm sido
entendidos.
Para Baynham (1995), o letramento crítico, como tem sido chamada essa
visão de letramento, está estritamente relacionado com o engajamento do sujeito em
uma atividade crítica ou problematizadora e que se concretiza através da linguagem
como prática social que dê conta dos vários tipos de conhecimento que interagem
nos processos interpretativos: conhecimento linguístico-textual, conhecimento prévio
do mundo, de práticas sociais gerais e discursivas (cf. FAIRCLOUGH, 1992;
BAYNHAM, 1995 E MOITA LOPES, 1996).
De posse dessa visão, decidi empenhar-me numa pesquisa sobre as
escolhas léxico-gramaticais e os recursos linguísticos (HALLIDAY, 1989) presentes
num editorial jornalístico, publicado no jornal Folha de S. Paulo, editado no dia
19.09.06, por ocasião das eleições presidenciais e cuja interpretação depende da
leitura crítica.
Introdução
2
O editorial será examinado na dimensão pragmática desse gênero, o que
significa que a referida avaliação depende de várias noções discursivas. Assim, a
seguir, apresento alguns pressupostos sobre a importância da leitura, do letramento
e da linguística crítica para a compreensão textual.
Para conhecer como se estrutura o texto enquanto construtor de um
significado do discurso, recorro à linguística crítica, uma abordagem que foi
desenvolvida por um grupo da Universidade de East Anglia na década de 1970
(FOWLER et al., 1979; KRESS e HODGE, 1979). Esses teóricos mesclaram um
método de análise linguística textual com uma teoria social da linguagem em
processos políticos e ideológicos, recorrendo à teoria linguística funcionalista
associada a Michael Halliday (1978, 1985) e conhecida como 'linguística sistêmica”.
O ponto teórico principal na análise de Fowler et al, é de que qualquer aspecto da
estrutura linguística carrega significação ideológica. Seleção lexical, opção sintática,
etc., todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma
coisa, e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças de expressão
trazem distinções ideológicas e assim diferenças de representação.
Fowler (1987:67) diz que "não há representação neutra da realidade". Por
outro lado, não temos como compreender a realidade ou o mundo se não for através
da língua, que estrutura e reconstrói essa realidade. Contudo há uma diferença entre
uma linguagem aparentemente neutra e o que poderíamos chamar de linguagem
emocionalmente carregada: esta apela mais para as nossas emoções do que para a
nossa cognitividade.
A linguística crítica faz entender que a realidade não é construída apenas em
termos do léxico usado (FOWLER, 1987), mas que a nossa escolha das estruturas
linguísticas para representar eventos, processos ou estados é significativa do ponto
de vista da ideologia que eles refletem e assim constituem. Muitas propostas na
área de compreensão textual, incluindo leitura e compreensão oral, mostram que
nem toda informação está no texto. Relaciono, a seguir, algumas delas, e que
deverão elencar as categorias de análise desta dissertação.
Estudos recentes relacionam a coerência de um texto, o fato de um texto
fazer sentido para o leitor, ao resultado da aplicação de enquadres (frames) ao
discurso pelo ouvinte, estruturas mentais de conhecimento, que captam as feições
típicas de uma situação, para garantir a coerência. Bednarek (2005) mostra que a
Introdução
3
coerência de textos (re)construída pelo ouvinte é o resultado de uma interação
complexa de contexto linguístico e conhecimento (frame) não-linguístico.
Kitis e Milapides (1996) falam em crypto-argumentação – ou argumentação
secreta – aquela que subjaz a um texto narrativo e descritivo, através da construção
de metáforas e outros recursos utilizados para implicitamente persuadir o leitor.
Nesse sentido tratam da convicção, que recorre às evidências, e da sedução, que
recorre à emoção, como processos que se incluem no hiper-processo da persuasão.
Outro autor que mostra a construção da argumentação através de 'modos textuais' é
Reynolds (2000).
Lauerbach (2007) trata de dois conceitos interessantes à análise do discurso
em sua teoria da argumentação: (a) o conceito de falácia ou raciocínio falho e (b) o
conceito de entimema, ou premissa implícita de um argumento, que se referem,
respectivamente, à introdução numa argumentação de raciocínio, que não resiste às
evidências, e à omissão de uma informação, o que poderia denunciar a ideologia
subjacente ao discurso.
Coffin & O’Halloran (2006) tratam do conceito da política do 'apito do cão'
(dog-whistle politics), expressão cunhada recentemente para capturar a forma de
avaliação implícita. A comunicação política usa significados aparentemente neutros,
mas que devem ser ‘entendidos’ como uma mensagem negativa pela comunidade
alvo (MANNING, 2004).
Luchjenbroers & Aldridge (2007) estudam o 'contrabando de informações',
termo usado quando uma informação (negativa) é subrepticiamente inserida, por
exemplo, nas declarações de uma testemunha. Componentes adicionais de
significado são derivados dos enquadres de referência associados com cada
escolha lexical, i.e., cada escolha desencadeia uma rede mais ampla de
associações prototipicamente presentes no uso desse termo. O acesso do
interlocutor a essas associações é dependente de sua experiência e compreensão
das normas sociais das quais as escolhas lexicais são derivadas.
Introdução
4
Objetivo da pesquisa
O objetivo desta pesquisa é examinar a persuasão que percorre um editorial
jornalístico a fim de verificar as escolhas léxico-gramaticais feitas pelo seu autor para
a sua realização. Para tanto, devo responder às seguintes perguntas de pesquisa:
1. De que recursos se vale o autor para persuadir o leitor do editorial?
2. Quais as escolhas léxico-gramaticais realizam esses recursos?
Justificativa da pesquisa
O presente trabalho nasce do interesse que nutro como professor de língua
portuguesa pela leitura crítica e a avaliação implícita e o que pode vir a resultar
delas, e por considerar que nessa área há um vasto campo a ser trabalhado. Como
educador, estou convicto que a formação de cidadãos, atributo da escola, passa
hoje obrigatoriamente pela habilitação do cidadão para ler (BACCEGA, 2003:81). E
ler implica em saber reconhecer os recursos e as estratégias discursivas que
refletem a ideologia veiculada pela estrutura linguística do texto.
Estrutura do trabalho
Essa dissertação compõe-se das seguintes partes: (a) Introdução (b) A
fundamentação teórica, constituída de considerações sobre a Análise Crítica do
Discurso (ACD) amparada pela Linguistica Sistêmico-Funcional (LSF). (c) A
descrição dos dados e os procedimentos metodológicos de análise. (d) A análise dos
dados. (e) Discussão dos resultados. (f) Considerações finais. E, finalmente, as
Referências e os Anexos.
Fundamentação teórica
2
5
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Inicio este capítulo fazendo a descrição das teorias em que me apoiarei na
análise crítica do gênero editorial da Folha de S. Paulo, explicitando a noção de
análise crítica do discurso conforme as idéias de Fowler (1987), apoiada na
Linguística Sistêmico-Funcional (doravante LSF) de Halliday (1978; 1985). Examino
em seguida o conceito de enquadre (frame), apresentado por Bednarek (2005), que
o leitor traz na sua interação com o texto contribuindo para a coerência. Kitis e
Milapides (1996), tratando da argumentação secreta, dizem que a análise de um
texto deve considerar todas as estruturas lexicais e gramaticais dentro de um
enquadre que permeia e domina a espinha dorsal da sua estrutura argumentativa.
Recorro, ainda, às pesquisas esclarecedoras de Reynolds (2000) que trata dessa
fusão para o efeito argumentativo final, como também dos conceitos de falácia e
entimema de Lauerbach (2007) que se referem à inserção de raciocínio falho e a
omissão de premissa que pode denunciar a ideologia subjacente ao discurso.
A argumentação pode também, permear o texto através da estratégia do
‘apito do cão”, - expressão cunhada no jornalismo, com base no efeito do apito do
cão, cujo som, de alta frequência, somente ele pode ouvir - que serve para captar a
forma de avaliação implícita, aquela dirigida especificamente para determinados
leitores de jornais (ODA, 2008: 7). Nessa dimensão, inclui-se, a proposta de footing,
através do qual o escritor se posiciona em relação tanto ao leitor quanto às pessoas
envolvidas no editorial. Finalmente, apoio-me no que Luchjenbroers & Aldridge
(2007) chamam de 'contrabando de informação', que se refere à inserção subreptícia
de informação.
2.1
A Análise Crítica do Discurso
A partir da década de setenta, desenvolveu-se uma forma de análise do
discurso e do texto que identificava o papel da linguagem na estruturação das
relações de poder na sociedade (FAIRCLOUGH, 2001). Contudo, não podemos
deixar de registrar que na década anterior, alguns movimentos consolidavam
estudos sobre a importância das mudanças sociais como perspectiva de análise. Na
Fundamentação teórica
6
Grã-Bretanha, um grupo de linguistas desenvolveu uma “linguística crítica”, ao
articular as teorias e os métodos de análise textual da “linguística sistêmica”, de
Halliday, com teorias sobre ideologias.
Contrapondo as duas vertentes, verificamos que a primeira destaca a análise
linguística, porém, com pouca ênfase nos conceitos de ideologia e poder, e a
segunda enfatiza a perspectiva social, relegando a análise linguística. Ambas
apresentam uma visão estática das relações de poder, enfatizando o “papel
desempenhado pelo amoldamento ideológico dos textos linguísticos na reprodução
das relações de poder existentes” (FAIRCLOUGH, 2001: 20). O fato é que as lutas e
as transformações de poder não mereceram a atenção exigível, considerando-se a
linguagem em si e seu papel.
A Análise Crítica do Discurso (doravante ACD), se propõe a estudar a
linguagem como prática social e, para tal, considera o papel crucial do contexto.
Esse tipo de análise se interessa pela relação que há entre a linguagem e o poder. É
possível defini-la como uma disciplina que se ocupa, fundamentalmente, de análises
que dão conta das relações de dominação, discriminação, poder e controle, na
forma como elas se manifestam através da linguagem (WODAK, 2003). Nessa
perspectiva, a linguagem é um meio de dominação e de força social, servindo para
legitimar as relações de poder estabelecidas institucionalmente.
Para a ACD, são necessárias as descrições e teorizações dos processos e
das estruturas sociais responsáveis pela produção de um texto “como uma descrição
das estruturas sociais e os processos nos quais os grupos ou indivíduos, como
sujeitos históricos, criam sentidos em sua interação com textos” (WODAK, 2003: 19).
Não obstante, a relação entre o texto e o social não é vista de maneira determinista:
[...] a ACD trata de evitar o postulado de uma simples relação
determinista entre os textos e o social. Tendo em consideração
as intuições de que o discurso se estrutura por dominação, de
que todo discurso é um objeto historicamente produzido e
interpretado, isto é, que se acha situado no tempo e no espaço, e
de que as estruturas de dominação estão legitimadas pela
ideologia de grupos poderosos, o complexo enfoque que
defendem os proponentes [...] da ACD permiti analisar as
pressões provenientes de cima e as possibilidades de resistência
Fundamentação teórica
7
às relações desiguais de poder que aparecem em forma de
convenções sociais (WODAK, 2003: 19-20).
Para Fairclough (2003), cujo trabalho é baseado na linguística funcional de
Halliday, teoria que considera a linguagem na forma como ela é configurada pelas
funções sociais que deve atender, a localização teórica da ACD está em ver o
discurso como um momento de prática social, considerando que todas as práticas
incluem os seguintes elementos: atividade produtiva, meios de produção, relações
sociais, identidades sociais, valores culturais, consciência e semioses. Esses
elementos se acham relacionados dialeticamente, isto é, não são elementos
discretos, embora sejam diferentes.
Por sua vez, em conformidade com o autor, as práticas sociais que são
construídas de maneira concreta, em forma de redes, constituem uma ordem social.
O aspecto semiótico de uma ordem social é o que podemos
chamar uma ordem do discurso. A ordem do discurso é uma
maneira em que as diferentes variedades discursivas e os
diferentes tipos de discurso são postos juntos na rede
(FAIRCLOUGH, 2003: 183).
O foco de Fairclough é a mudança discursiva em relação à mudança social e
cultural. Como as mudanças ocorrem nos eventos discursivos, as origens e as
motivações imediatas que as geram no evento comunicativo estão nas
problematizações das convenções para os produtores ou intérpretes, o que pode
ocorrer
de
diversas
formas.
Os
produtores
enfrentam
os
dilemas
ou
problematizações criativamente e, assim, geram mudanças discursivas. Mudanças
envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras, também a reunião de
convenções existentes em combinações novas ou sua exploração em ocorrências
que comumente se coíbem. Em relação à dimensão textual do discurso, as
mudanças deixam marcas no texto que podem ser mesclas de estilos formais e
informais, vocabulários técnicos e não-técnicos, marcadores de autoridade e
familiaridade, formas sintáticas típicas da escrita e da oralidade etc. Quando a
mudança é estabelecida, não é mais percebida pelos intérpretes como uma “colcha
de retalhos”, estabelecendo-se novas hegemonias no discurso.
Fundamentação teórica
8
Já o discurso é tanto um modo de ação - como as pessoas agem sobre o
mundo e sobre as outras - como um modo de representação -, há uma dialética
entre ele e a estrutura social. O discurso, ainda, é tanto moldado como restringido
pela estrutura social. “Os eventos discursivos específicos variam em sua
determinação estrutural segundo o domínio social particular ou o quadro institucional
em que são gerados” (FAIRCLOUGH, 2001: 91). Eles são, também, socialmente
constitutivos. O discurso é uma prática de representação e de significação do
mundo, constituindo e construindo esse mundo em significado.
Para trabalhar com o discurso, Fairclough (2001: 100) sugere uma análise
tridimensional, explicando que qualquer evento ou exemplo de discurso pode ser
considerado, simultaneamente, um texto - análise linguística -, um exemplo de
prática discursiva - análise da produção e interpretação textual - e um exemplo de
prática social - análise das circunstâncias institucionais e organizacionais do evento
comunicativo.
Para atender a esse modelo tridimensional, deverão ser consideradas três
perspectivas analíticas, a multidimensional, a multifuncional e a histórica: a primeira,
para avaliar as relações entre mudança discursiva e social e, também, para
relacionar as propriedades particularizadas de textos às propriedades sociais de
eventos discursivos; a segunda, a multifuncional, para averiguar as mudanças nas
práticas discursivas que contribuem para mudar o conhecimento, as relações e
identidades sociais; finalmente, a histórica, para discutir a “estruturação ou os
processos ‘articulatórios’ na construção de textos e na constituição, em longo prazo,
de ‘ordens de discurso’” (FAIRCLOUGH, 2001: 27).
A análise de um discurso, tomado como exemplo particular de prática
discursiva, focaliza os processos tanto de produção e de distribuição como de
consumo textual. Esses processos são sociais, por isso exigem referência aos
ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares, nos quais o discurso é
gerado. Podemos, ainda, afirmar que a produção e o consumo são, parcialmente, de
natureza sociocognitiva. Essa afirmação se justifica porque ambas são práticas que
abrangem processos cognitivos de produção e interpretação textual que, por sua
vez, são fundamentados nas estruturas e nas convenções sociais interiorizadas (daí
o uso do prefixo “sócio-”). Portanto, nessa visão, os textos funcionam como traços do
processo de produção e pistas do processo de interpretação.
Fundamentação teórica
9
Enfim, a “concepção tridimensional do discurso” reúne três tradições
analíticas. Observa-se que nem sempre é nítida a distinção entre “descrição” análise textual - e “interpretação” - prática discursiva. O critério recomendável,
segundo o próprio Fairclough, é considerar como “descrição” os casos em que mais
se destaquem os aspectos formais do texto. Realçando-se mais os processos
produtivos e interpretativos, há de ter-se em conta a análise da prática discursiva,
embora se envolvam, também, os aspectos formais do texto.
Apresento, a seguir, a chamada 'linguística crítica', abordagem que valorizou
o papel da língua na análise do discurso, em especial, na ACD.
2.2
A linguística crítica
A 'linguística crítica' é uma abordagem que foi desenvolvida por um grupo da
Universidade de East Anglia na década de 1970 (FOWLER et al., 1979; KRESS e
HODGE, 1979). Esses teóricos tentaram acoplar um método de análise linguística
textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e ideológicos,
recorrendo à teoria linguística funcionalista associada a Halliday (1978, 1985) e
conhecida como "linguística sistêmica". O seu o propósito é a interpretação crítica de
textos: "a recuperação dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das
estruturas linguísticas à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos"
(FOWLER et al., 1979: 195-196).
Sabe-se que a linguística, segundo a ortodoxia predominante, é uma
disciplina descritiva, que não prescreve o uso da língua nem avalia negativamente a
substância de seus questionamentos. Mas, para Fowler, na medida em que há,
sempre, valores implicados no uso da língua, deve ser justificável praticar um tipo de
linguística direcionada para a compreensão de tais valores. Esse é o ramo que se
tornou conhecido como linguística crítica.
A análise crítica está interessada no questionamento das relações entre
signo, significado e contexto sócio-histórico, que governam a estrutura semiótica do
discurso, usando um tipo de análise linguística. Ela procura, estudando detalhes da
estrutura linguística à luz da situação social e histórica de um texto, trazer para o
nível da consciência os padrões de crenças e valores que estão codificados na
Fundamentação teórica
10
língua – e que estão subjacentes à notícia, para quem aceita o discurso como
'natural'.
Segundo Fowler, que estudou a linguagem dos jornais, a análise do produto
textual revela proposições abstratas que não são necessariamente afirmadas e nem
questionadas e tendem, segundo estudiosos da mídia, a estar em consonância com
idéias de grupos controladores numa sociedade industrial-capitalista, porque o jornal
é uma indústria com seus próprios interesses comerciais. Assim, o jornal é uma
prática: um discurso que, longe de refletir com neutralidade a realidade social e os
fatos empíricos, intervém no que Berger e Luckmann (1976) chamaram de
‘construção social da realidade'. Fowler refere-se à Halliday, para quem a forma
linguística é afetada sistematicamente pelas circunstâncias sociais.
Para Halliday (1985), primeiramente, a língua serve para a expressão de
conteúdo: ela tem uma função representacional (ou ideacional). É por meio dela que
o falante ou escritor estrutura em língua sua experiência dos fenômenos do mundo
real. Em segundo, a função interpessoal viabiliza a introdução do falante no evento
de discurso, isto é, a expressão de seus comentários, atitudes e avaliações,
estabelecendo uma relação entre falante e ouvinte. Em terceiro, a função textual que
é instrumental em relação às duas anteriores, diz respeito à criação de texto. É
através dela que a língua constrói elos consigo mesma - através da coesão - e com
a situação, fatos que tornam possível o discurso.
“Por que a linguagem tem as características que tem?” Segundo Fowler
(1991: 32), Halliday fornece uma explicação funcionalista detalhada da estrutura
linguística em termos de configuração social:
A natureza da linguagem está intimamente relacionada com as
exigências que fazemos para ela própria, as funções a que deve
servir. Em termos mais concretos, essas funções são específicas
da cultura. A forma particular assumida pelo sistema gramatical
da língua está intimamente relacionada às necessidades sociais
e pessoais para a qual a linguagem deve servir (HALLIDAY,
1970: 142, apud FOWLER, 1991: 32).
Fowler ainda trata da semiótica social, advertindo-nos de que dizer que a voz
de um jornal é um constructo institucional e, por conseguinte, impessoal na origem,
não é dizer que não seja pessoal no estilo. Através do uso de coloquialismo,
Fundamentação teórica
11
sentenças incompletas, perguntas e uma variada tipografia sugerindo variação em
ênfase, o texto escrito pode imitar a voz falada, expressando indignação ou
admiração. O leitor que traz para o texto um modelo mental do estilo esperado, deve
reconhecê-lo intuitivamente, através de conhecimentos previamente adquiridos, e
ser capaz de ler valores que o texto incorpora.
A noção de 'idioma público', de Stuart Hall (1978), deve ser mencionada aqui.
Padrões de vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam
preocupações especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe
analisa ações e estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas
responsabilidade; afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações.
Se o leitor julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba
considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um 'senso comum', e a
aceita.
Assim, os leitores compartilham uma 'competência discursiva' comum,
conhecem as afirmações toleráveis, as permissões e proibições de que fala Kress
(1985) (louras são peitudas, trabalho é dever, jogo é emoção, greves constituem
falta de patriotismo, etc.) e negociam o significado de um texto num modo de
discurso 'sugerido' para o leitor através de opções linguísticas significativas.
Por outro lado, continua Fowler, os jornais podem lançar mão de padrões
estruturais que sugerem um discurso mais literário. Tais feições 'poéticas' como
aliteração, frases paralelas, metáforas e jogo de palavras são abundantes. Valores
deploráveis podem ser abertamente exibidos, e sugestivamente intensificados;
mesmo um leitor crítico pode ser desarmado pelo prazer da grandiosidade do
discurso.
A seguir, apresento os principais conceitos elaborados pela Linguística
Listêmico-Funcional, teoria apontada tanto por Fairclough, quanto por Fowler como
aquela que fornece a metodologia mais adequada para a ACD. Como diz Eggins
(1994), o que distingue a linguística sistêmica é que ela procura desenvolver uma
teoria sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita uma
descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos.
Fundamentação teórica
2.3
12
A Linguística Sistêmico-Funcional
A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta de Halliday (1985,
1994) e seus colaboradores, que explica o modo como os significados são
construídos nas interações linguísticas do dia-a-dia. Por isso, requer a análise de
produtos autênticos das interações sociais (textos orais ou escritos), levando em
conta o contexto cultural e social em que ocorrem a fim de entender a qualidade dos
textos: por que um texto significa o que significa, e por que ele é avaliado como é.
Para Halliday (1985, 1994), a linguagem está estruturada para construir três
tipos de significados simultâneos: experiencial, interpessoal e textual. Essa fusão é
possível porque a língua é um sistema semiótico, ou seja, um código
convencionalizado como um conjunto de escolhas.
A língua possui um nível intermediário de codificação: a léxico-gramática. É
esse nível que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles
entram no texto por meio das orações. Assim, Halliday diz que a descrição
gramatical é essencial à análise textual.
A LSF tem sido considerada como a abordagem teórico-metodológica mais
adequada à análise crítica do discurso (FOWLER, 1991; FAIRCLOUGH, 1992;
LEMKE, 1998). Halliday (HALLIDAY & HASAN, 1989) mostra essa visão dinâmica
do texto ao considerá-la como um processo, ou seja, um sistema contínuo de
escolhas semânticas, e como um produto de seu ambiente, circunscrito a um
determinado contexto de situação.
Segundo a Eggins (1994), a abordagem sistêmico-funcional oferece dois
benefícios maiores para a análise das interações: (a) oferece um modelo de língua
compreensivo e sistemático que possibilita padrões conversacionais serem descritos
e quantificados em diferentes níveis e em diferentes graus de detalhe; e (b) teoriza
os laços entre língua e vida social de modo que a conversa pode ser abordada como
um modo de fazer a vida social. Por exemplo, a conversa casual pode ser analisada
como envolvendo padrões linguísticos diferentes, que tanto atuam quanto constroem
dimensões da identidade social quanto das relações interpessoais.
São essas duas vantagens da linguística sistêmica que são responsáveis pela
sua aplicação em uma série de domínios, por exemplo, Análise Crítica do Discurso,
Fundamentação teórica
13
campo da educação (CHRISTIE, 1991a. b; CAPE & KALANTZIS, 1993; MARTIN,
1993, apud EGGINS, 1994), linguística computacional (e.g., BATEMAN & PARIS,
1991; MARTTHIESSEN & BATEMAN, 1991, apud EGGINS, 1994).
Antes de entrar nas metafunções mais detalhadamente, passo a tratar do
gênero – o contexto cultural, segundo LSF – noção que, segundo Vigner (1988: 33)
“regula a leitura sobre um sistema de expectativas, e a inscreve em uma trajetória
previsível, a partir da apreensão de um certo número de sinais”, e que por isso
envolve o leitor em uma espécie de ‘armadilha’ coerente, que o faz aceitar as
afirmações nele contidas.
2.3.1 Língua e contexto
Para a LSF, a língua e seu contexto são estratificados, com cada estrato
sendo realizado por um estrato inferior. Nesse modelo há níveis extralinguísticos de
contexto teorizados como conceitos de cultura e situação (MARTIN, 1992); os níveis
linguísticos de conteúdo consistindo de semântica (sistema de significados) e léxicogramática (sistemas de palavras ou sistemas de sinais); e o nível da expressão
composto de fonologia (sistema de sons), gestos e grafologia (sistemas de escrita
(BUTT et al., 2000: 7). Assim, o contexto é realizado na semântica; a semântica é
realizada na léxico-gramática; a léxico-gramática é realizada por meio da fonologia,
da grafologia e de gestos.
A língua e o contexto estão interrelacionados, tanto que, sem um contexto,
não somos capazes, em geral, de dizer que significado está sendo construído. Mas
quais feições desse contexto afetam o uso da língua? Para responder a essa
questão, os sistemicistas lançam mão de dois conceitos; gênero (contexto cultural) e
registro (contexto situacional imediato), que compõem o contexto social. Mencionam
também o contexto ideológico: a ideologia ocupa um nível superior de contexto, o
que tem chamado a atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer
registro, em qualquer gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa
posição ideológica (nossos valores, nossas tendências, nossas perspectivas).
Os conceitos de gênero e registro servem para mapear o estrato
extralinguístico de contexto: gênero está ligado a contexto de cultura; registro, a
Fundamentação teórica
14
contexto de situação. O gênero fornece uma visão macro da estrutura do texto
através de sua orientação sintagmática. O registro está ligado à seleção de Campo,
Relação e Modo em uma orientação paradigmática (i.e. perpassa os estratos da
semântica, da léxico-gramática, é uma expressão física).
2.3.1.1 O registro
Halliday (1978; 1985; 1994) sugere que os elementos de contexto que
moldam o uso da língua sejam os do registro: (a) Campo (o assunto sobre o que a
língua está sendo usada); (b) Relação (a relação entre os participantes) e (c) Modo
(o papel que a língua exerce para a construção do texto). No entanto, Martin (1992)
e Eggins (1994) incluem como contexto social tanto o registro (contexto situacional)
quanto o gênero (contexto cultural).
2.3.1.2 O gênero
Bakhtin (1997: 279) define ‘gêneros do discurso’ como sendo tipos
relativamente estáveis de enunciados elaborados por esfera de utilização da língua.
Inclui desde o diálogo cotidiano até a exposição científica. E com isso, gênero passa
a ter um significado mais amplo do que o tradicionalmente aceito, saindo da área
estritamente literária.
Visando à sua operacionalização na LSF, Martin (1984: 25) define gênero
como uma atividade, organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual
os falantes se envolvem como membros de uma determinada cultura. Grande parte
do choque cultural, diz ele, é de fato choque de gênero. Ele mesmo (MARTIN,
1985b: 248), diz que gêneros são como as coisas são feitas, quando a língua é
usada para efetivá-las.
Para Martin (1985) o gênero representa os processos sociais em etapas
orientados para uma meta de uma dada cultura tais como a narrativa, uma anedota,
uma reportagem, um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral
rotulados de contexto de cultura.
Fundamentação teórica
15
Usando a teminologia da linguística sistêmica, Fairclough (1992) diz que os
estilos variam ao longo de três parâmetros principais, de acordo as Relações, o
Modo e o Modo Retórico do Texto. Primeiramente, o estilo varia de acordo com o
tipo de relação que existe entre os participantes na interação. Assim, podemos
classificar os estilos com termos como formal, informal, oficial, íntimo, casual, etc.
Em segundo lugar, os estilos variam de acordo com o Modo, isto é, se os textos são
escritos ou falados ou combinação dos dois (por exemplo, escrito-para-ser-falado,
escrito-como-se-falado, falado-como-se-escrito).
Podemos também usar termos que em parte refletem o Modo, mas em parte
refletem as Relações, o Gênero ou o Discurso, como conversa, escrito formal,
escrito informal, acadêmico, jornalístico, e assim por diante. Em terceiro lugar, os
estilos variam de acordo com o Modo Retórico e podem ser classificados em termos
como argumentativo, descritivo e expositivo
2.4
O editorial jornalístico como um gênero
No capítulo intitulado “Liderando o povo: a autoridade do editorial”, Fowler
(1991: 208-221) caracteriza o editorial jornalístico como tendo uma função de
simbólica importância, de partilhar da opinião do jornal, ao sustentar implicitamente a
asserção de que as demais seções, por contraste, sejam puros fatos ou reportagens.
O simbolismo textual é salientado por uma disposição e uma tipografia, sendo o
editorial geralmente impresso na mesma posição e na mesma página todos os dias,
e, além disso, um tipo gráfico especialmente ‘visível’ pode ser usado, como no caso
da Folha de S. Paulo (ODA, 2008: 24).
Reynolds (2000) diz que, contextualmente, o gênero editorial é reconhecível
por ser frequentemente colocado em uma página interna (embora em alguns
tablóides ingleses, possa estar na primeira página), proeminentemente marcado em
relação aos demais, tais como cartas e artigos de destaque, e em geral encabeçado
pelo logo do jornal e pela data. Tem um Layout diferenciado e de rotina,
desacompanhado de ilustrações (embora isso possa estar mudando), e – mais
significativo que tudo – não é assinado.
Fundamentação teórica
16
De acordo com a definição de Rabaça e Barbosa (1987, apud, ARRUDA &
FERNANDES, 2003: 3)
Editorial é um texto jornalístico opinativo, escrito de maneira
impessoal e publicado sem assinatura, sobre os assuntos e
acontecimentos locais, nacionais ou internacionais de maior
relevância. Define e expressa o ponto de vista do veículo ou da
empresa responsável pela publicação (do jornal, revista, etc.) ou
emissão (do programa de televisão ou rádio).
O objetivo do editorial pode ser munir os leitores (os consumidores) de
preconceitos, e assim contribuir para reter o hábito do leitor. É nesse ponto que a
ideologia entra no editorial, na medida em que, como parte de suas funções, atinge
e confirma interesses, preocupações e pontos de vista do leitor.
Para Bonini (2003), os mecanismos linguísticos/sociais que caracterizam
esses gêneros textuais ainda são poucos conhecidos em termos acadêmicos. O
autor observa que, em termos gerais, os manuais de ensino de jornalismo
(AMARAL , 1978, 1982; BAHIA, 1990; ERBOLATO, 1978; SODRÉ & FERRARI,
1986) são construídos como uma espécie de compêndio de sugestões, privilegiando
mais os procedimentos práticos, e tratam dos gêneros como parte da técnica
jornalística. Os gêneros mais comuns citados são: a notícia, a reportagem, a
entrevista e o editorial. Os manuais, ainda segundo o autor, tratam do gênero como
fixo, claramente delimitável e, por isso, passível de ser ensinado, sendo comum que
os autores privilegiem o ensino da técnica jornalística (coleta de informações, o trato
com as fontes, organização das informações, relato, composição do jornal),
tomando, como eixo da explicação, o gênero notícia.
Diz Toledo (2005, apud ODA, 2008: 28) que o primeiro ponto a considerar é
que
o
editorial
jornalístico
é
reconhecível
como
um
gênero:
isto
é,
etnometodologicamnte, o reconhecimento por parte de membros, que é um aspecto
importante da realidade sócio-psicológico-retórico de gêneros. É reconhecível por
motivos contextuais textuais.
Na relação entre gênero e língua, Toledo (2005) cita Bazerman (1998: 401),
para quem as feições léxico-gramaticais são assim o traço dos textos que está
menos ligado a um gênero e não formam parte de condições para a atribuição de
um texto a uma categoria genérica específica.
Fundamentação teórica
17
A noção de gênero, para Toledo, traz a dimensão pragmática e incorpora a
consideração de convenções sócio-culturais que existem ao redor dos textos ou
unidades discursivas, e devem ser levadas em consideração na avaliação da
compreensão em leitura. Não saberemos se o leitor entendeu a mensagem a menos
que possamos ter certeza sobre seu conhecimento das dimensões contextuais que
restringem a compreensão em diferentes níveis.
2.5
O gênero e o enquadre (frames)
Em termos amplos, de acordo com Bednarek (2005), a teoria do enquadre
trata do conhecimento de mundo. Numa primeira definição, um enquadre pode ser
considerado como uma estrutura mental de conhecimento que capta feições ‘típicas’
do mundo. Desde a sua concepção, o conceito de enquadre tem interessado
pesquisadores de vários campos e tradições (cf. TANNEN,1993a: 3; 1993b). Os
pioneiros vieram da filosofia e da psicologia (cf. KONERDING, 1993: 8, apud
BEDNAREK, 2005), mas seus conceitos foram desenvolvidos e reinterpretados por
pesquisadores da inteligência artificial (MINSKY, 1975, 1977) e da sociologia
(GOFFMAN, 1974, 1981) para nomear apenas alguns campos e autores.
Segundo a autora, apesar do fato de não existir uma teoria de enquadre
unificada com termos específicos e definições, a teoria de enquadre tem também, de
um modo ou outro, conseguido aceitação ampla entre os linguistas, que se
concentram nos vários aspectos do fenômeno do enquadre: Raskin (1985) e
Konerding (1993), por exemplo, estão interessados na lexicografia e a relação entre
enquadre e significado.
Na verdade, a semântica de enquadre exerce um papel de importância vital
na teoria do enquadre linguístico. The Round Table Discussion dos semanticistas do
enquadre (publicado no Quaderni di Semantica 1985 e 1986) conta entre seus
participantes com pesquisadores consagrados como Filmore, Hudson, Raskin &
Tannen (ver FILMORE, 1985, 1986). O conceito de enquadre tem sido aplicado na
análise do discurso (e.g. BROWN & YULE, 1984; CHAFE, 1977) com a preocupação
em enquadres e a verbalização, i.e. ‘aqueles processos pelos quais o conhecimento
Fundamentação teórica
18
não-verbal é transformado em língua’ (CHAFE, 1977: 41) e Shanon (1981) trata dos
“indicadores linguísticos” (1981: 35) de enquadre.
Bednarek (2005) relaciona a noção de enquadre com a de coerência,
afirmando que, ao invés de supor que essas conexões existam independentemente
do falante ou do ouvinte, a coerência é claramente definida em relação à
contribuição do ouvinte: “ [...] a coerência somente é mensurável em termos da
avaliação do leitor” (HOEY, 1991: 11). Assim chega-se a uma simples distinção entre
coerência e coesão: a coerência não é uma propriedade inerente ao texto, ela se
refere a relações lógicas de um texto e é estabelecida pelos ouvintes. Em outras
palavras, ela se refere à extensão pela qual os ouvintes julgam que um texto ‘está
unido’ e constitui um todo unificado. A coesão, por outro lado, é uma propriedade
inerente ao texto; ela se refere a meios textuais explícitos pelos quais as conexões
lógicas potenciais são sinalizadas. Em outras palavras, ela se refere ao modo pelo
qual as sentenças ligam-se no texto por meios lexicais e estruturas (ver BUBLITZ,
1999).
Assim, a autora supõe que são os ouvintes quem estabelece a coerência, e
não os textos, embora os meios coesivos dos textos exercem um amplo papel
ajudando os ouvintes a estabelecer a coerência. Em geral, operamos por princípio
automático de coerência (cf. BROW and YULE, 1983: 66; BUBLITZ and LENK, 1999:
156), supondo que o texto seja coerente (e que o falante obedeça aos princípios de
cooperação (GRICE, 1975) que são tacitamente aceitas na conversa. Daí porque o
esforço que fazemos para criar coerência, apoiando-nos em pistas possíveis.
Assim como acontece com o conceito de enquadre, a coerência também é
uma noção relativamente vaga na linguística e não há ainda uma definição
geralmente aceita ou uma teoria da coerência (cf. BUBLITZ, 1999:1). Bednarek não
discute a noção em detalhe, restringindo-se a algumas observações referentes à
diferença entre coesão e coerência.
A coesão é uma propriedade de textos e refere-se aos meios linguísticos para
prover ‘textura’ (i.e., liga as sentenças de um texto), tal como a referência,
substituição, elipse, reiteração, colocação e conjunção, de Halliday & Hasan (1976),
os padrões do léxico, de Hoey (1991) etc. A coerência, por outro lado, é mais bem
descrita como conexão semântica, lógica ou cognitiva que está subjacente ao texto
Fundamentação teórica
19
(cf. BEAUGRANDE and DRESSLER, 1981: 4; BUSSMANN, 1996: 80; THOMPSON
and ZHOU, 2000: 121, apud BEDNAREK, 2005).
Infelizmente, mas talvez inevitavelmente, continua a autora, o resultado dessa
situação tem sido uma terminologia confusa: enquadre tornou-se um termo
associado e ligado a fenômenos diferentes, embora relacionados. Ao mesmo tempo,
uma série de outras expressões (script, schema, scenario) foi escolhida para referirse a essas noções. Diz ela que os termos competidores (scenario, schema, script)
parecem diferir apenas em ênfase e não podem ser facilmente distinguidos, e que,
considerando os exemplos usados em sua elaboração, eles podem ser vistos como
instâncias particulares de enquadres. Assim a autora segue Fillmore, para quem
enquadre é um termo geral para um conjunto de conceitos conhecidos de maneira
diversa na literatura sobre a compreensão da linguagem natural, como schema,
script, scenario.
Ao invés de supor que essas conexões existam independentemente do
falante ou do ouvinte, a coerência é hoje claramente definida em relação à
contribuição do ouvinte: “[...] a coerência somente é mensurável em termos da
avaliação do leitor” (HOEY, 1991: 11). Assim, chega-se a uma simples distinção
entre coerência e coesão e sua definição de enquadres é hoje muito conhecida e
referência sempre citada em: a coerência não é uma propriedade inerente ao texto;
ela se refere a relações lógicas de um texto e é estabelecida pelos ouvintes. Em
outras palavras, ela se refere à extensão pela qual os ouvintes julgam que este texto
‘está unido’ e constitui um todo unificado.
Apesar de suas raízes estarem na filosofia e na psicologia, a teoria do
enquadre está em geral associada ao trabalho de Minski na inteligência artificial
(doravante IA). Em sua pesquisa, Minski toma a noção introduzida pelo psicólogo
Bartlet em 1932: “[...] o passado opera mais como uma massa organizada do que
um grupo de Elementos cada um dos quais retém um caráter específico”
(BARTLETT, 1932: 197). Sendo um pesquisador da IA, Minsky é contudo, o primeiro
a preocupar-se com a questão de como equipar computdores com o conhecimento
de mundo que precisam para realizar certas tarefas impossíveis de outra maneira.
Mas ele também afirma estar interessado em “uma teoria do pensamento humano”
(MINSKY, 1975; 215), linguistica (e.g. KONERDING, 1993: 24; BROWN & YULE,
Fundamentação teórica
1983: 328): schema
20
scenario, ideational scaffolding, cognitive model, ou folk theory
(FILMORE, 1982: 111).
De acordo com Minsky (1977: 355), um enquadre pode ser considerado uma
representação mental do nosso conhecimento de mundo, uma estrutura de dados
que está localizada na memória humana e pode ser selecionada ou recuperada
quando necessária. Um enquadre é considerado uma estrutura: é “uma rede de nós
e relações” que parece estar estruturada em diferentes níveis. Há os níveis fixos de
topo, que possuem muitos terminais, “buracos” que precisam ser preenchidos por
instâncias específicas de dados. Essas instâncias específicas, ou escolhas, podem
ser sub-enquadres menores, e geralmente precisam preencher certas condições
dadas pelos terminais através do que Minsky chama de marcadores.
Para Bednarek, um dos problemas com a teoria de enquadre de Minsky é sua
vaguidade. Isto é, na maioria das vezes, ele confia no poder de suas hipóteses bem
como no poder do leitor de imaginar as ações cognitivas que ele propõe. Como o
próprio Minsky admite, sua teoria está incompleta e fragmentada.
Minsky considerou o enquadre um fenômeno cognitivo, uma estrutura que é
estocada na mente. Na linguística, foi primeiro considerado um conceito linguístico
por Filmore, mas, com o passar dos anos, foi experienciado como uma
reinterpretação cognitiva; atualmente, muitos linguistas concordam com a definição
de enquadre como sendo um fenômeno mental, uma estrutura de conhecimento
(e.g. YULE, 1996: 85; TANNEN & WALLAT, 1993: 60; STUBBS, 2001: 3). Tais
estruturas de conhecimento não são inatas, mas adquiridas através da socialização,
construída a partir da experiência (da nossa experiência ou relatos de experiência
por outros etc.), e são, portanto, dependentes diacrônica e culturalmente. A
importância de dependência cultural foi mostrada por Tannen (1993b) e Yule (1996:
87); quanto à dependência diacrônica, ela é uma das consequências lógicas da
socialização (e.g. antes da invenção do computador e outras inovações técnicas, as
pessoas
não
possuíam
nenhum
enquadre
a
eles
associado).
Uma
vez
estabelecidos, os enquadres são bem estáveis (cf. STUBBS, 2001: 5), com alguns
enquadres parecendo ser mais estáveis que outros, não tão propensos a mudar.
A socialização é sempre tanto individual quanto social. Experienciamos a vida
individualmente e subjetivamente, mas também possuímos certos padrões de
percepção inatos que usamos para interpretar o mundo, e temos mais ou menos as
Fundamentação teórica
21
mesmas experiências sociais dependendo de nossa cultura (cf. MÜLLER, 1984: 57,
apud BEDNAREK, 2005). Tanto quanto eles são relevantes para a comunicação, os
enquadres parecem ser convencionalizados e captam as feições prototípicas de uma
situação.
2.6
Os Modos Textuais
Reynolds (2000) mostra como a textura do discurso é criada por meio da
mistura de modos textuais, no contexto do gênero editorial jornalístico, todos sobre o
tema “eleições gerais britânicas de 1997”. Os dados constituíram-se de editoriais
publicados em jornais representativos de visões políticas distintas, The Times
(direita) e The Guardian (centro-esquerda). Foram coletados 12 editoriais do The
Times num período que compreende o fim de dezembro de 1996 e 30 de abril de
1997 (véspera da eleição) e 22 do The Guardian do fim de novembro de 1996 a 1º
de maio de 1997 (dia da eleição).
Reynolds usa o termo “gênero” no sentido amplo bakhtiniano – que é, não
num conceito literário, mas como um que se aplica a todo discurso como seu
princípio, como “uma forma de ação social” (Miller ‘984), ou melhor, como ação
sócio-retórica. O gênero motiva e formata socialmente o discurso e a participação
discursiva de fora, enquanto a língua na qual um discurso ocorre restringe e capacita
a expressão de, como se fosse, de dentro.
Se a língua e o gênero juntos fornecem a estrutura para o discurso, então
esses são realizados como textura. Textura é a instanciação no discurso de duas
ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura genérica e a estrutura linguística
(REYNOLDS, 1997). Textura é um conceito funcional que inclui a coesão - descrita
pelos linguistas sistêmico-funcionais (HALLYDAY & HASAN, 1976; 1989; MARTIN,
1992), mas também e mais importante é a coerência. Textura é o resultado da
mistura de modos textuais, que juntos envolvem o discurso e correspondem a
funções para as quais usamos a língua.
Há três modos representacionais: narrativo (contar estórias), descritivo (dizer
como as coisas são) e argumentativo (expressar opiniões e crenças e tentar
persuadir os outros dos seus pontos de vista). Há também três modos interpessoais:
Fundamentação teórica
22
diretivo (dizer aos outros como, quando e/ou onde fazer algo), intencional (anunciar
planos e intenções, e expressar compromisso de ação) e fático (estabelecer e
manter contato com outros); e um modo metadiscursivo, o modo reflexivo, no qual se
faz comentário sobre o discurso, o próprio e do outro. No caso do editorial de jornal,
o foco está nos modos representacionais.
Os termos – ‘narrativo’ e ‘argumentativo’ não são ‘gêneros’ por si, mas
descritores dos modos que se combinam para formar gêneros. A combinação de
modos textuais não é, contudo, um assunto aleatório. Em gêneros específicos,
devido ao motivo social (MÜLLER 1984) da ação retórica que está sendo praticada,
um ou outro modo será predominante. É a percepção comum dessa predominância
que leva as pessoas a falar em ‘gênero narrativo’ ou ‘gênero argumentativo’.
2.7
A crypto-argumentação ou a argumentação secreta
Kitis e Milapides (1996) afirmam que a análise não pode restringir-se a
unidades gramaticais como sentenças ou estruturas menores do texto. Ao mesmo
tempo em que prestamos atenção às estruturas lexicais e gramaticais do texto,
nossa análise considera essas estruturas dentro de um enquadre de uma metáfora
que não só permeia e domina todo o artigo, mas também forma a espinha dorsal da
sua estrutura argumentativa. O que se salienta nessa análise multi-nivelada é a
preponderância de certas suposições de natureza ideológica, que, embora não
formem parte da estrutura formal do texto, são aspectos de interpretação
subrepticiamente insinuados no subtexto do texto.
Significados não são entidades congeladas, mas são gerados e re-gerados na
medida em que são imersos nos processos e estruturas que os constituem, de um
lado, ao mesmo tempo em que são constituídos por eles, de outro lado. O texto
escrito desfruta de certa autonomia semântica, que é a configuração de uma forma
de distanciamento. Como disse Ricouer (1981:201, apud KITIS e MILAPIDES,
1996):
Fundamentação teórica
23
"A carreira de um texto escapa do horizonte finito vivido pelo
autor. O que o texto diz agora importa mais do que o autor quis
dizer, e toda exegese desenvolve seu procedimento dentro da
circunferência de um significado que rompeu as amarras que o
ligavam à psicologia de seu autor.”
Por outro lado, dizem os autores, em qualquer análise que aspire revelar
complexas ideologias e versões da realidade, deve-se prestar atenção ao 'co-texto'
do texto. Assim, por exemplo, um artigo tenta não apenas informar, mas informar
sob uma certa perspectiva, i.e., analisar determinada situação e ajudar a formar a
opinião pública. Assim, o jornal em que estiver inserido, por exemplo, a Folha de São
Paulo, permite aos leitores investi-lo com a mesma autoridade e credibilidade que
se atribui ao jornal.
A convicção e a sedução são processos que se incluem no hiper-processo da
persuasão. A convicção envolve uma série de passos argumentativos, para que o
leitor os aceite (VAN DIJK 1988, apud KITIS e MILAPIDES, 1996). Pelo fato de
incluir a ativação e a participação do sistema cognitivo, essa aceitação constitui-se
num processo cognitivo.
Porém, a persuasão pode se apropriar da participação cognitiva do leitor no
processo de aceitação da perspectiva do autor. Nesses casos, podemos falar de
'sedução' em vez de convicção. Sornig (1988: 97, apud KITIS e MILAPIDES, 1996)
nota que "enquanto os mecanismos de convencimento e convicção trabalham
obviamente ao longo de linhas cognitivas argumentativas, a sedução, ao contrário,
em vez de confiar na verdade e/ou credibilidade de argumentos, explora a aparência
externa e a aparente confiabilidade do persuasor".
Pode-se conjecturar que os mecanismos de sedução na relação entre o
persuasor e sua 'vítima' ou 'cúmplice' sejam identificáveis tanto no nível do texto
quanto no do sub-texto, i.e., não somente no nível do léxico, estruturas e figuras de
linguagem como componentes da estrutura local do texto, mas também no nível de
sua coerência geral. O que está implícito em tudo isso é a seleção de um certo
estilo. Devemos supor que há algo que não varia: "o significado subjacente ou
referência deve ser conservado constante". "O estilo, assim, parece ser capturado
pela conhecida frase 'dizer a mesma coisa através de diferentes modos" (VAN DIJK,
1988: 73, apud KITIS e MILAPIDES, 1996).
Fundamentação teórica
24
O artigo estudado por Kitis e Milapides, tem uma estrutura textual quase toda
constituída por afirmações descritivas e narrativas, cuja sequência de evento são
narradas no tempo passado. As únicas exceções são o cabeçalho do artigo e o
parágrafo final, caracterizados por um estilo claramente argumentativo.
Os
autores,
em
vez
de
focar
nossa
atenção
nessas
estruturas
argumentativas, mostram que a feição da organização principal da estrutura do texto
no nível global é a construção de uma metáfora dominante suscitando o 'script' (ou o
mito) 'do fraco e do poderoso'. Essa metáfora é o fator predominante da
transformação do estilo textual descritivo ou narrativo explícitos para um
argumentativo camuflado, gerando uma avaliação ideológica do assunto relatado.
2.7.1
A política do 'apito do cão' (dog-whistle politics)
Coffin & O'Halloran (2006) tratam do conceito embutido em
'dog-whistle
politics', frase cunhada recentemente para capturar a forma de avaliação implícita. A
comunicação política usa significados aparentemente neutros, mas que devem ser
‘entendidos’ como uma mensagem negativa pela comunidade alvo (MANNING,
2004, apud COFFIN & O'HALLORAN, 2006).
Pode-se verificar, então, que a avaliação direta de um fenômeno de um intratexto prévio condiciona o leitor para uma avaliação indireta do mesmo fenômeno; o
mesmo ocorre com a avaliação direta de fenômeno relacionado num inter-texto
prévio. É o que se chama de logogênese - construção dinâmica do significado
conforme o texto se desenvolve (HALLIDAY, 1992, 1993) e HALLIDAY &
MATTHIESSEN, 1999).
Essa análise combinada fornece, segundo os autores, uma explicação
empiricamente fundamentada e sistemática de como uma reportagem publicada em
1º de maio de 2004 no tablóide popular britânico The Sun parece posicionar os
leitores para ver os novos cidadãos da CE como uma ameaça ao estilo de vida e
sistema de seguro ingleses – apesar do fato de não haver palavras expressando
diretamente tal ponto de vista. Assim, são frases que – se descontextualizadas – não
carregam mensagem negativa. Veja o texto (QUADRO 2.1):
Fundamentação teórica
25
Quadro 2.1- Notícia do The Sun publicada em 01.06.2004.
Os migrantes são os primeiros de muitos
por Nick Parker.Charles Rae e Charles Yates
A HISTÓRIA será feita hoje na medida em que novos cidadãos da Comunidade Européia
(CE) começam a deixar suas pátrias para novas vidas na Inglaterra.
Eles virão às centenas em ônibus, trem e avião, desesperados por trabalho pago
decentemente – ou por qualquer emprego.
Eles são cidadãos de dez novos estados-membros da CE que agora têm o direito de viver
e de trabalhar na Inglaterra.
Esses estados são a República Tcheca, a Estônia, a Hungria, a Letônia, a Lituânia, a
Polônia, a Eslováquia, ao Chipre e Malta.
Oito são estados muito pobres da antiga União soviética no leste europeu – com uma
população totalizando 75 milhões.
Nosso governo diz que há meio milhão de emprego esperando aqui para serem
preenchidos.
Para Coffin & O’Halloran (2006), com o sucesso do discurso liberal em criar
maior sensibilidade para descrever minorias, políticos da direita e jornalistas políticos
tornaram-se mais cuidadosos no modo como comunicam mensagens sobre a
imigração. Como um ‘apito de cão’, políticos ou jornalistas podem pronunciar a
mensagem “alto o suficiente” para que sua base política ou o leitor-alvo ouça, mas
fora do alcance daqueles cujos ouvidos não estão ajustados para a mensagem.
Consequentemente, isso a faz menos direta. Os autores apoiam-se na teoria da
Avaliatividade (Appraisal).
2.8
A avaliatividade (appraisal)
Martin (2000) distingue, nesse posicionamento pessoal do autor, que ele
chama de Avaliatividade (Appraisal), os seguintes elementos: Compromisso, Atitude
e Graduação. Examinando a avaliatividade, ele diz que a questão atinge um ponto
crítico em relação à avaliação implícita. Quando a avaliação está explicitamente
realizada, é possível a análise da atitude em positiva ou negativa em relação a
algum evento, observemos alguns exemplos (MARTIN, 2003).
Fundamentação teórica
26
(4) Felizmente, o Brasil peitou os EUA na ALCA.
(5) Infelizmente, o Brasil peitou os EUA na ALCA.
Mas o que fazer em casos nos quais a avaliação não está inscrita explicitamente,
como em:
(6) O Brasil peitou os EUA na ALCA.
Então, considera que o significado interpessoal possa ser realizado por meio
de configurações ideacionais, e propõe a noção de Token de atitude para denominar
o modo pelo qual o significado ideacional pode ser “saturado” em termos avaliativos,
ou seja, interpessoais. Dessa forma, enquanto os elementos de Atitude (MARTIN,
2000): Afeto, Julgamento e Avaliação – referentes ao posicionamento pessoal do
autor do texto – são frequentemente inscritos explícita e diretamente em um texto
(por meio de léxico como: “medo”, “covardemente” ou “significativo”), o Token de
atitude é um termo que se refere à realização indireta de avaliação.
Na essência, a Avaliatividade é um enquadre localizado na LSF, que mapeia
os recursos que usamos para avaliar a experiência social (veja MARTIN 2000;
MARTIN & WHITE, 2005; WHITE, 2003). Esses recursos podem se realizar através
de várias estruturas gramaticais e do léxico.
A análise da avaliatividade é um modo de capturar, de maneira compreensiva
e sistemática, os padrões avaliativos globais que ocorrem num texto, num conjunto
de textos ou em discursos institucionais. Veja (Quadro 2.2) a seguir:
Quadro 2.2 - Recursos de AVALIATIVIDADE relevantes para a pesquisa
Compromisso
Afeto
AVALIATIVIDADE
Atitude
Julgamento
Apreciação (Avaliação Social)
Graduação
O Afeto envolve um conjunto de recursos linguísticos para avaliar a
experiência em termos afetivos, para indicar efeito emocional positivo ou negativo de
um evento.
Fundamentação teórica
27
O Julgamento envolve significados que servem para avaliar o comportamento
humano com referência a normas que regem como as pessoas devem ou não agir.
A Avaliação social, uma sub-categoria de Apreciação, refere-se à avaliação
positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.
A Graduação envolve um conjunto de recursos para aumentar ou diminuir a
intensidade da avaliação.
O Compromisso é um conjunto de recursos que capacita o escritor (ou o
falante) a tomar uma posição pela qual sua audiência é construída como partilhando
a mesma e única visão de mundo ou, por outro lado, a adotar uma posição que
explicitamente reconhece a diversidade entre várias vozes. No primeiro caso, o
escritor pode adotar uma declaração monoglóssica, sem negociação com o leitor, ou
heteroglóssica, em que admite essa negociação.
2.9
O contrabando de informação
Luchjenbroers e Aldridge (2007) mostram que as representações inspiram
modelo de base positivo ou negativo, que os ouvintes precisam para avaliar as
ações e possíveis motivos dos participantes do caso em questão. Para tanto, a
metáfora (LAKOFF and JOHNSON, 1980; LAKOFF, 1987, 1993) e o frame
semântico (FILMORE 1975, 1982; MINSKY, 1975) são instrumentos teóricos usados
para apreciar a força inferencial de tais modelos de base.
A metáfora capta estereótipos culturais, codificados nas escolhas de
descritores por parte do falante e é um poderoso instrumento na investigação das
atitudes do falante. Os frames são conjuntos de informação aceitos culturalmente
que envolvem qualquer termo lexical. A adequação do frame escolhido é também
muito importante para ‘contrabandear uma informação’, um termo usado quando
uma informação (negativa) é subrepticiamente inserida, por exemplo, nas
declarações de uma testemunha.
Componentes adicionais de significado são derivados dos frames de
referência associados com cada escolha lexical, i.e., cada escolha desencadeia uma
rede mais ampla de associações prototipicamente presentes no uso desse termo. O
Fundamentação teórica
28
acesso do interlocutor a essas associações é dependente de sua experiência e
compreensão das normais sociais das quais as escolhas lexicais são derivadas.
Lakoff (1993) mostrou que a metáfora não é apenas uma feição da língua,
mas do pensamento, no qual um domínio cognitivo (geralmente um domínio
abstrato, experiencial) é entendido em termos de outro (veja também LAKOFF and
JOHNSON 1980). Por exemplo, o tempo é um conceito abstrato, e os falantes
através do mundo entendem (e descrevem) o tempo com referência ao modo como
entendemos nossos movimentos e posições corporais. Na cultura ocidental, o futuro
está na nossa frente (porque essa é a direção que olhamos quando andamos para
frente), e o passado (onde estivemos) está atrás de nós. Socialmente, o progresso
(i.e., mover-se para frente) é visto positivamente; um traço da vida, a antítese sendo
a morte.
A metáfora conceitual é fundamental para o modo como os falantes se
expressam, e com a metáfora ilustramos como concebemos mundo e os nossos
papéis nele.
Do ponto de vista da linguística/semântica cognitivas do significado lexical, o
significado é ‘enciclopédico’ por natureza: o sentido de uma palavra não está
divorciado do seu contexto de uso. Assim, o significado linguístico está codificado na
memória como um tipo de rotina cognitiva que se apóia em experiências no mundo,
e a ativação de um conceito desencadeia os conceitos relacionados na memória. As
associações que o falante traz para o discurso nos descritores que ele usa para falar
sobre pessoas, ações e eventos influenciam (com o óbvio intento de manipular) o
modo como os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada. Desse modo,
a escolha de um descritor em detrimento de outro pode expressar atitudes positivas
ou negativas em relação à entidade em questão, dependendo das atitudes
referentes a itens do domínio fonte.
Os frames são representações conceituais da experiência que definem uma
situação (na memória) e fornecem a estrutura de um evento que nos permite
compreender como as partes se encaixam no todo; como um evento se desenrola; e
predizer o que virá em seguida (RIBEIRO e HOYLE, 1996).
Fundamentação teórica
29
Uma vez que um frame é acessado, todas as informações associadas
relevantes para aquele frame e traços contextuais adicionais ficam imediatamente
disponíveis para inferências suplementares.
Quando um frame escapa do esperado, isso acontece em pequenos passos.
a. A defesa perguntou a X se ela tinha pensado em divórcio.
b. Se ela era sexualmente próxima a Sra. Barbara Y?
c. e se ela estava envolvida em discussões sobre hedonismo
d. e estilos de vida alternativa.
Um ouvinte pode desencadear um frame progressivo feminista ou de mulher
assertiva para uma mãe, conforme ela possa ter considerado um divórcio’. A
implicação completa dessa linha de argumentação, envolvendo frame de conduta do
conhecido para o desconhecido, pode na realidade ser mais condenador para o
referente feminino do que os frames tradicionais.
Para se compreender amplamente as escolhas lexicais feitas, precisa-se
reconhecer a força do mito cultural que envolve o comportamento de uma mulher.
De fato, para se apreciar inteiramente o poder inferencial de tais escolhas
lexicais, o ouvinte precisa conceitualizar o evento inteiro, incluindo o poder relativo
do papel de cada participante. É o frame que capta as experiências sociais e
culturais bem como as expectativas associadas com essas referências.
Juntamente com cada enunciado que produzimos, podemos ativar ou
inconscientemente deixar pistas para a audiência sobre como percebemos as
pessoas, ações e eventos no mundo que nos cerca. Mais ainda, contudo, cada
escolha lexical ativa que fazemos revela mais diretamente como encorajamos os
outros a pensar sobre certas pessoas, ações e eventos.
2.10
As vozes do discurso
Thompson (1996) apóia-se no conceito de 'heteroglossia' (BAKHTIN, 1981),
para tratar da linguagem do relato. Para ele, a idéia de que a língua seja
inerentemente 'unitária' ou 'homogênea (tal como está implícita no conceito
Fundamentação teórica
30
saussuriano de 'langue') é falha: cada grupo sócio-ideológico de uma sociedade tem
sua própria 'linguagem'- 'linguagens de grupos sociais, “de profissionais” ou “de
gênero”, ou de gerações'- assim criando um pano de fundo de heteroglossia contra o
qual forças unificadoras e centralizadoras da sociedade tentam estabelecer
homogeneidade.
Um texto apóia-se nessas diferentes linguagens, que parecem ser mais ou
menos vozes distintas, identificáveis. Kristeva interpreta a abordagem de Bakhtin
desenvolvendo o conceito de 'intertextualidade' (FAIRCLOUGH, 1992): a idéia de
que nenhum enunciado é novo, mas cada enunciado responde a, constrói sobre, e
re-trabalha enunciados passados (e é ele mesmo disponível desse mesmo modo
para futuros enunciados). Fairclough (1992: 104) mostra que isso pode acontecer de
dois modos: como intertextualidade 'manifesta' (outros textos estão explicitamente
presentes) ou como 'constitutiva':
Na
intertextualidade
manifesta,
outros
textos
estão
explicitamente presentes no texto em análise, eles estão
marcados por traços na superfície do texto, tais como as aspas.
A intertextualidade constitutiva de um texto, contudo, é a
configuração de convenções discursivas que entram em sua
produção.
Thompson focaliza a linguagem do relato na intertextualidade manifesta,
chamando essa linguagem de 'vozes sinalizadas no texto', que incluem a linguagem
de relato em que o falante ou o escritor sinaliza de alguma forma que uma outra voz
está entrando no texto, mesmo de modo abafado ou ambíguo.
Em termos de Sinclair (1988), a escolha acontece entre afirmação e
atribuição; o texto é considerado como de afirmação se não estiver sendo
especificamente atribuído à outra fonte. O caso da atribuição seria a opção marcada,
e leva à investigação dos motivos dessa escolha pelo falante.
A pressão para essa escolha pode se mais ou menos forte, e dependente de
gênero: no discurso acadêmico, a não-atribuição de algo conhecido como sendo
atribuível a alguém pode sinalizar ignorância ou plágio, mas ela é aceita como norma
em livros-texto.
Fundamentação teórica
31
2.10.1 Vozeamento e Ventriloquismo
Para Lauerbach (2006), a representação do discurso de outros funciona como
um instrumento pelo qual um interlocutor pode distanciar-se do que está sendo
expresso, posicionando-se em um universo dialógico de vozes bakhtiniano além da
sua própria voz (WHITE, 2000). Em termos de Goffman (1974, 1981), a figura além
do falante está sendo animada sem que ela seja entendida como sendo a autora das
palavras ou a responsável por elas.
Esse tipo de representação do discurso é chamado por Lauerbach de
‘vozeamento’. Contudo, se a representação-imitação for feita pondo as palavras de
alguém na boca de outros (e.g. falando para animais de estimação ou usando a falade-bebê) a isso Goffman (1974: 536) chama de “say-foring” ou ventriloquismo e é
um modo vívido de fazer atuar o próprio discurso através de outro, e que não tem
sido considerado em análises linguísticas e pragmáticas como sendo discurso
indireto, prossegue a autora.
Obviamente, a habilidade de fazer esse tipo de coisa aumenta imensamente o
potencial estratégico dos comunicadores, do que decorrem em numerosas funções
para a representação do discurso. Essas funções dependem em larga extensão do
tipo de atividade ou gênero, bem como dos interlocutores. Elas permitem que se
incorpore um ponto de vista ou opinião em perguntas, sem endossá-las, porém,
convidando o entrevistado a reagir. Podem, assim, pelo menos na superfície, manter
um posicionamento neutro e imparcial requerido pelo código profissional.
Em resumo, o apoio teórico desta dissertação tratou, em especial, de três
áreas para mostrar como a argumentação persuasiva é construída no texto: (i) o
enfoque critico da análise do discurso, pelo qual se desvenda o conteúdo que subjaz
ao texto; (ii) a LSF, que proporciona a teoria e a metodologia para a análise do
editorial, que, por sua vez, conta com (iii) recursos utilizados pelo autor do editorial
para persuadir seu leitor: a noção de frame; os modos textuais, envolvidos na
argumentação secreta; a inserção subreptícia de informação; o posicionamento
Fundamentação teórica
32
ideológico do autor através dos sistemas de avaliatividade; e a atribuição desse
posicionamento a outras vozes que são introduzidas no texto.
Metodologia
3
METODOLOGIA
3.1
Dados
33
3.1.1 A Folha de S. Paulo
O jornal Folha de s. Paulo foi criado em 1960 como resultado da fusão de três
jornais: Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha da Tarde. Ele pertence ao Grupo
folha, também proprietário dos jornais Notícias Populares, Agora São Paulo, da
Agência de notícias Agência Folha, do DataFolha, da Publifolha e do Universo
Online. Atualmente contra com uma tiragem média que varia entre 310 e 320 mil
exemplares diários . Em 1984, implanta o Manual da Redação.
3.1.1.1 O editorial da Folha de S. Paulo
Desde 1981, a Folha possui um projeto editorial, de circulação interna, como
sistematização, e que fixa três metas: informação correta, interpretações
competentes sobre essa informação e pluralidade de opiniões sobre os fatos. Pela
primeira vez, um manual de jornalismo condensa uma concepção de jornal, da
política editorial às fases de produção.
A Folha de S. Paulo publica diariamente dois editoriais, cada editorial com em
média 500 palavras distribuídas em 7 a 11 parágrafos. O corpus inicial investigado
constitui-se de vinte e três editoriais desse jornal, que, de alguma forma, tratavam
das eleições presidenciais, e que estão disponíveis na internet, publicados entre os
dias 19.09.06 a 28.10.2006.
Metodologia
34
Quadro 3.1 – lista de editoriais
Cód.
Data
Título do editorial
Assunto
T1
19.09.06
Desmandos sem fim
escândalo do dossiê
T2
21.09.06
Rede de impunidade
modo de ação de grupos petistas
T3
23.09.06
Operação dossiê
operação dossiê
T4
24.09.06
Degradação
intenção do PT de manter-se no poder
T5
25.09.06
Sismo sob o PT
incerteza sobre reeleição
T6
28.09.06
É preciso debater
participação nos debates televisivos
T7
29.09.06
A reta da chegada
Margem estreita entre candidatos
T8
30.09.06
Os dois pólos
divisão do eleitorado
T9
01.10.06
De eleitor a cidadão
democracia
T10
02.10.06
Segundo turno
resultado da eleição
T11
03.10.06
Punição pelo voto
não reeleição de políticos
T12
08.10.06
De volta à rotina
falta de propostas
T13
09.10.06
Polarização popular
perfil do eleitorado
T14
10.10.06
O primeiro debate
debate televisivo
T15
11.10.06
Alckmin e a esfinge
favoritismo de Lula
T16
12.10.06
Exposição total
início da campanha na mídia
T17
15.10.06
Estelionato à vista
ajuste fiscal
T18
18.10.06
Resposta já
origem do dinheiro
T19
19.10.06
Reacomodação
políticas públicas
T20
21.10.06
Evasivas
sabatina pela Folha
T21
22.10.06
Mais debate
prestação de contas
T22
25.10.06
Poucas diferenças
ausências de propostas
T23
26.10.06
A ascenção de Lula
favoritismo de Lula
O meu objetivo é analisar um editorial referente ao pleito com o propósito de
desvelar a mensagem subjacente ao texto. Trata-se de um editorial intitulado
'Desmandos Sem Fim', publicado no jornal Folha de São Paulo, em 19.09.06, ou
seja, quinze dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. Trazemos, a
seguir, o texto do editorial, na íntegra (com 493 palavras):
Metodologia
35
Desmandos sem fim
COMPRA DE DOSSIÊ CONTRA TUCANOS REQUER APURAÇÃO RÁPIDA E ISENTA;
DE NOVO, PETISTAS ESTÃO ENVOLVIDOS EM AÇÃO GRAVÍSSIMA
DEPOIS DO episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão, dos
dólares no baixo-ventre e da devassa na vida privada de um caseiro, é espantoso
que petistas estejam envolvidos em mais um desmando gravíssimo. As primeiras
investigações sobre uma tentativa primitiva de comprar informações de um
empresário ligado à chamada máfia dos sanguessugas envolvem o Partido dos
Trabalhadores e um assessor direto do presidente da República.
A impressão é que a seqüência de escândalos que varreu as cúpulas do
governo federal e do PT em pouco mais de um ano não foi capaz de mudar
comportamentos. Nem cogitações maquiavélicas acerca dos riscos evidentes de
manobras escusas às vésperas de uma eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva tem
grandes chances de ser reconduzido ao Planalto parecem prevalecer.
Duas pessoas - um militante do PT de Mato Grosso e um advogado
contratado pelo comitê de Lula - foram presas pela Polícia Federal na madrugada de
sexta-feira, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão em dinheiro. O montante seria trocado
por um dossiê supostamente envolvendo os candidatos do PSDB ao governo
paulista, José Serra, e ao Planalto, Geraldo Alckmin, no esquema de venda de
ambulâncias superfaturadas.
O advogado detido afirma ter sido contratado pela Executiva Nacional do PT
para negociar a aquisição do material; disse que no pagamento também estaria
contida uma entrevista concedida dias antes a uma revista pelo pivô do escândalo
dos sanguessugas, o empresário Luiz Antonio Vedoin - que também foi preso na
capital mato-grossense.
O mais grave no depoimento do advogado é que ele aponta, como o suposto
interlocutor no PT da compra do dossiê, para Freud Godoy, até ontem assessor
especial da Presidência e responsável pela segurança pessoal de Lula. Godoy
admite ter tido contatos com o denunciante, mas nega ser o autor da compra dos
papéis. A direção do partido também se desvincula da ação torpe.
Metodologia
36
Evidentemente, não se pode tomar como fato a versão apresentada por uma
pessoa diretamente envolvida na operação clandestina. O depoimento do advogado,
no entanto, tem pontos que coincidem com outras evidências - e até agora não
surgiu nenhuma hipótese alternativa acerca da motivação que levou a dupla a
negociar com o empresário das ambulâncias. É por isso que esse episódio, que
mistura gangsterismo com disputa eleitoral, precisa de uma investigação exemplar,
rápida e isenta.
A velocidade com que os escândalos se repetem na política é razão direta da
impunidade. O Congresso absolveu os mensaleiros; o PT se esquivou da depuração
interna e abençoou os rebentos do valerioduto; Lula fechou-se na posição de quem
ignora o que se passa no gabinete ao lado. Vista sob esse ângulo, a desfaçatez dos
que ainda ousam carregar malas de dinheiro sujo para comprar delações é só rotina
- uma rotina que, se não for extirpada pelas instituições republicanas, vai lançar à
vala comum a própria democracia.
Procedimentos de análise
4
37
PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
A análise do editorial seguirá as seguintes etapas:
Etapa 1 – Inicialmente será estabelecida a Configuração Contextual (HALLIDAY &
HASAN, 1989), através das variáveis de registro, ou contexto social, nos termos da
LSF, que são Campo (o que está se passando), Relações (quem está envolvido em
quais relações) e Modo (o papel da linguagem), e que afetam a interpretação de um
texto. O estabelecimento do contexto é necessário para garantir a atribuição das
categorias, que assim podem ser consideradas exercendo papel de avaliação
positiva ou negativa no texto.
Etapa 2 – Procurar-se-ão no texto os elementos que concorrem de maneira
implícita, para a persuasão do leitor. Tais elementos são as categorias de análise
que propomos para o editorial em foco:
(a)
o enquadre como promotora de coerência (BEDNAREK, 2005);
(b)
os modos textuais (REYNOLDS, 2000)
(c)
o 'dog whistle' e a Avaliatividade (COFFIN; O'HALLORAN, 2006);
(d)
o contrabando de informações (LUCHJENBROERS & ALDRIDGE,
2007).
O texto será dividido em parágrafos, colocados em quadros (veja 'a'), em cuja
direita (veja 'b') enumeraremos os casos mencionados em (i) a (iii), sublinhados no
texto. Os quadros estão identificados por numeração de 5.1 a 5.11 na parte superior.
Faremos um comentário para justificar a classificação estabelecida. Apresentamos
um exemplo da análise:
Quadro 4.1 - PRIMEIRO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise do editorial
(a)
DEPOIS DO episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão,
dos dólares no baixo-ventre e da devassa na vida privada de um
caseiro,
(b)
(i) modo textual
(ii) contrabando
de informação
(iii) enquadre
Procedimentos de análise
38
Comentário:
O texto inicia-se com uma narração (REYNOLDS, 2000), situada em um
adjunto adverbial de tempo, termo sintático acessório, mas que cumpre sua função
de 'contrabandear' (LUCHJENBROERS & ALDRIDGE, 2007) uma informação
importante para a argumentação que começa a ser tecida. Notemos que, através da
narrativa, o editorial introduz julgamento negativo sobre acontecimentos que,embora
ainda não inteiramente comprovados, são do conhecimento do leitor. é, segundo
Kitis e Milapides (1969), parte da crypto-argumentação, ou seja, o argumento que é
inserido no texto sob a aparência de narrativa. Por outro lado, o enquadre (frame) é
disparado por essas menções, o que o faz completar um quadro muito mais vasto do
que os descritos (BEDNAREK, 2005).
Análise
5
39
ANÁLISE
Iniciamos a análise, estabelecendo a Configuração Contextual, nos termos de
Halliday e Hasan (1989) para, em seguida, procedermos a análise propriamente dita.
5.1
Etapa 1 - Configuração Contextual
Como se trata de apontar elementos que subrepticiamente estabelecem um
contexto negativo para o Partido dos Trabalhadores, é importante esclarecer as três
variáveis de registro – Campo, Relações e Modo - a fim de garantir maior certeza
nessa avaliação que as categorias ajudam a estabelecer no texto.
Campo: Trata-se de um editorial escrito onze dias antes da eleição presidencial
brasileira, ao qual concorria Lula (pelo PT – Partido dos Trabalhadores). Foi um
período em que a mídia tratou da denúncia de vários fatos criminosos. envolvendo
membros do PT.
Relações: De um lado está o editorialista da Folha de S. Paulo e de outro, os
leitores desse jornal. Notemos, conforme alertam Coffin e O’Halloran (2006), que
esse leitor está diariamente exposto a determinado posicionamento do periódico, e
portanto está munido do enquadre (BEDNAREK, 2005) necessário para entender
mensagens na maioria das vezes implícita.
Modo: Modalidade escrita. Linguagem formal. Presença de recursos característicos
dessa linguagem como a nominalização, com propósitos persuasivos e de
escamoteação do agente, e léxico de Julgamento negativo, porém contido sem cair
no vocabulário de baixo calão.
Análise
5.2
40
Etapa 2 – Aplicação das categorias ao editorial
Quadro 5.1 – TÍTULO - Análise do editorial
Desmandos sem fim
avaliação
negativa
Comentário: O título é construído sob a perspectiva de uma avaliação de julgamento
negativo (MARTIN, 2000).
Quando 5.2 – LIDE - Análise do editorial
COMPRA DE DOSSIÊ CONTRA TUCANOS REQUER APURAÇÃORÁPIDA E
ISENTA; DE NOVO, PETISTAS ESTÃO ENVOLVIDOS EM AÇÃO GRAVÍSSIMA
enquadre
Comentário: O Lide cita fato presente no enquadre que o leitor traz para o texto para
insinuar um envolvimento do PT (BEDNAREK, 2005).
Quadro 5.3 – PRIMEIRO PERIODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO – Análise do editorial
DEPOIS DO episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão, (i) modo textual;
(ii) contrabando;
dos dólares no baixo-ventre e da devassa na vida privada de um de informação e
caseiro,
(iii) enquadre
Comentário: O texto inicia-se com uma narração (REYNOLDS, 2000), situada em um
adjunto adverbial de tempo, termo sintático acessório, mas que cumpre sua função
de 'contrabandear' (LUCHJENBROERS & ALDRIDGE, 2007) uma informação
importante para a argumentação que começa a ser tecida. Notemos que, através da
narrativa, o editorial introduz julgamento negativo sobre acontecimentos que,embora
ainda não inteiramente comprovados, são do conhecimento do leitor. É, segundo
Kitis e Milapides (1969), parte da crypto-argumentação, ou seja, o argumento que é
inserido no texto sob a aparência de narrativa. Por outro lado, o enquadre (frame) é
disparado por essas menções, o que o faz completar um quadro muito mais vasto do
que os descritos (BEDNAREK, 2005).
Quadro 5.4 – SEGUNDO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise do editorial
é espantoso que petistas estejam envolvidos em mais um desmando declaração
monoglóssica
gravíssimo.
Comentário: As informações de Julgamento negativo, no início da oração – num
adjunto adverbial -, o editor tem preparado um terreno propício para uma declaração
Análise
monoglóssica. Assim o faz, através de
41
‘é espantoso’, sem se preocupar em
modalizar essa expressão. Notemos que as informações negativas iniciais ajudam a
criar um ‘mundo textual’ (DOWNING, 2003), ou seja, não necessariamente provadas
factualmente, mas predispõem o leitor a aceitar a declaração monoglóssica que é
apresentada aqui.
Quadro 5.5 – TERCEIRO PERÍODO DO PRIMEIRO PARÁGRAFO - Análise do editorial
As primeiras investigações sobre uma tentativa primitiva de comprar (i) contrabando
informações de um empresário ligado à chamada máfia dos de Informação;
sanguessugas envolvem o Partido dos Trabalhadores e um assessor (ii) metáfora e
(iii) enquadre.
direto do presidente da República.
Comentário: O texto insere uma informação contrabandeada (LUCHJENBROERS &
ALDRIDGE, 2007) forma subreptícia na declaração, através da metáfora “máfia dos
sanguessugas”, que, embora seja um adjunto adnominal – termo acessório da
oração – tem como objetivo acessar o enquadre semântico (FILMORE, 1975, 1982;
MINSKY, 1975) para que todas as informações relevantes associadas a esse
enquadre fiquem imediatamente disponíveis para inferências suplementares. O que
vem a seguir é um objeto direto que aponta, mesmo que indiretamente, para o
propósito do texto que é alcançar o presidente da República.
Quadro 5.6 – SEGUNDO PARÁGRAFO - Análise do editorial
A impressão é que a seqüência de escândalos que varreu as cúpulas
do governo federal e do PT em pouco mais de um ano não foi capaz
de mudar comportamentos. Nem cogitações maquiavélicas acerca dos
riscos evidentes de manobras escusas às vésperas de uma eleição em
que Luiz Inácio Lula da Silva tem grandes chances de ser reconduzido
ao Planalto parecem prevalecer.
(i) enquadre;
(ii) cryptoargumentação;
(iii) uso de
nominalização
‘impressão'.
Comentário: Os fatos ocorridos são do pleno conhecimento do público leitor, já que
amplamente divulgados pela mídia, incorporam-se no enquadre (BEDNAREK, 2005)
que o leitor traz em sua interação com o texto.
Todos esses fatos são
desabonadores, realizados por membros PT. Em seguida há uma referência às
“manobras escusas” que o PT estaria fazendo para incriminar os dois candidatos do
PSDB. A retórica é apresentada no nível interpessoal para expressar um argumento
no nível do “não-dito”: o nível da coerência subjacente do texto. Assim, o discurso é
transformado em uma sedutora argumentação secreta (crypto-argumentação),
contribuindo para a ideologia do texto (KITIS & MILAPIDES, 1997). Assim, mesmo
Análise
42
não sendo claramente citado, é como se o nome de Lula estivesse integrando a
informação. Notemos também o uso de 'impressão' para atenuar a afirmação: tratase de mera impressão pessoal; não se pretende declarar fato real. A questão é que
essas 'impressões' entram para o enquadre do leitor.
Quadro 5.7 – TERCEIRO PARÁGRAFO – Análise do editorial
Duas pessoas - um militante do PT de Mato Grosso e um advogado
contratado pelo comitê de Lula - foram presas pela Polícia Federal na
madrugada de sexta-feira, em São Paulo com R$ 1,7 milhão em
dinheiro. O montante seria trocado por um dossiê supostamente
envolvendo os candidatos do PSDB ao governo paulista, José Serra, e
ao Planalto, Geraldo Alckmin, no esquema de venda de ambulâncias
superfaturadas.
(i) contrabando
de informação;
(ii) mundo textual e
(iii) heteroglossia.
Comentário: Notemos que o nome de Lula começa a ser citado, embora como termo
acessório, um adjunto adnominal. Notemos também o cuidado do editorialista, que,
por
enquanto,
utiliza-se
de
escolhas
lexicais
modalizadores
como:
'seria',
'supostamente', selecionando declarações heteroglóssicas, nos termos de White
(2003). Por outro lado, novos contrabandos se imiscuem no texto, criando um 'mundo
textual', nem sempre de conformidade com o mundo factual. Assim, por exemplo, as
duas pessoas ainda não foram julgadas e, além disso, o fato de um cidadão portar
R$1,7 milhão em dinheiro na madrugada não caracteriza necessariamente um crime.
Quadro 5.8 – QUARTO PARÁGRAFO – Análise do editorial
O advogado detido afirma ter sido contratado pela Executiva Nacional
do PT para negociar a aquisição do material; disse que no pagamento discurso
também estaria contida uma entrevista concedida dias antes a uma relatado.
revista pelo pivô do escândalo dos sanguessugas, o empresário Luiz
Antonio Vedoin – que também foi preso na capital mato-grossense.
Comentário: O editorial, que até agora usava declarações modalizadas para atenuar
suas afirmações, traz agora a voz de outro para relatar fatos pelos quais não pode
testemunhar. Embora os fatos apontados pelo advogado detido possam ser apenas
especulações, a questão é que essas informações contrabandeadas passam a fazer
parte do enquadre do leitor, impondo-lhe uma linha de raciocínio que servirá de base
para que o resto do texto faça sentido.
Análise
43
Quadro 5.9 – QUINTO PARÁGRAFO – Análise do editorial
O mais grave no depoimento do advogado é que ele aponta, como o
suposto interlocutor no PT da compra do dossiê, para Freud Godoy,
até ontem assessor especial da Presidência e responsável pela
segurança pessoal de Lula. Godoy admite ter tido contatos com o
denunciante, mas nega ser o autor da compra dos papéis. A direção do
partido também se desvincula da ação torpe.
(i) discurso
Relatado e
(ii) declarações
monoglóssicas
Comentário: Continua o apoio no discurso relatado, para introduzir em cena, um
assessor especial e responsável pela segurança de Lula. Através de fatos ligados a
essa pessoa – Gogoy -, há declarações monoglóssicas: 'o mais grave',
'denunciante', 'torpe'. Todo esse relato tem a função de tecer uma argumentação
subjacente, através da qual o leitor é persuadido a, implicitamente, julgar Lula como
o responsável por esses fatos julgados negativamente.
Quadro 5.10 – SEXTO PARÁGRAFO – Análise do editorial
Evidentemente, não se pode tomar como fato a versão apresentada
por uma pessoa diretamente envolvida na operação clandestina. O
depoimento do advogado, no entanto, tem pontos que coincidem com
outras evidências - e até agora não surgiu nenhuma hipótese
alternativa acerca da motivação que levou a dupla a negociar com o
empresário das ambulâncias. É por isso que esse episódio, que
mistura gangsterismo com disputa eleitoral, precisa de uma
investigação exemplar, rápida e isenta.
concessão
feita ao
enquadre do
leitor.
Comentário: O editorial inicia o parágrafo com 'evidentemente', e de fato, não se
pode acreditar em pessoa diretamente envolvida na operação clandestina. Esta é
uma concessão feita pelo editorial em respeito ao enquadre do leitor, que pode estar
exatamente pensando nessa evidência. Porém, o trecho sublinhado tem uma
segunda função: a de permitir a entrada no texto de evidências até então não
contrariadas. Não deixa de ser um artifício inteligente, o uso dessa dupla função
através de um enunciado apenas. E, tendo, dessa forma, colocado os necessários
alicerces, o editorial pode fazer a declaração efetiva: "É por isso que esse episódio,
que mistura gangsterismo com disputa eleitoral, precisa de uma investigação
exemplar, rápida e isenta."
Análise
44
Quadro 5.11 – SÉTIMO PARÁGRAFO – Análise do editorial
A velocidade com que os escândalos se repetem na política é razão
direta da impunidade. O Congresso absolveu os mensaleiros; o PT se
esquivou da depuração interna e abençoou os rebentos do valerioduto;
(i) contrabando
Lula fechou-se na posição de quem ignora o que se passa no gabinete
de informação e
ao lado. Vista sob esse ângulo, a desfaçatez dos que ainda ousam (ii) enquadre.
carregar malas de dinheiro sujo para comprar delações é só rotina uma rotina que, se não for extirpada pelas instituições republicanas, vai
lançar à vala comum a própria democracia.
Comentário: Um novo componente é adicionado ao texto. Componentes adicionais
de significado são derivados dos enquadres de referência associados com cada
escolha lexical (FILMORE, 1975, 1982; MINSKY, 1975). Do ponto de vista da
linguistica/semântica cognitiva do significado lexical, o sentido de uma palavra não
está divorciado do seu contexto de uso. As associações que o falante traz para o
discurso nos descritores que ele usa para falar sobre pessoas, ações e eventos
influenciam o modo que os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada
(LUCHJENBROES & ALDRIDGE, 2007). Nesse sentido, é extremamente eficaz, o
resumo que o editorial faz dos desmandos do PT, finalizando com a exposição da
meta, que procurou em todo o texto: a atribuição da responsabilidade pelos atos que
foram expostos.
Discussão dos resultados
6
45
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise do editorial ‘Desmandos Sem Fim’ demonstrou que ele está
permeado de recursos persuasivos, confirmando o que disseram Rabaça e Barbosa
(1987) para quem o gênero jornalístico é um texto opinativo, escrito de maneira
impessoal e publicado sem assinatura. Além de partilhar da opinião do jornal
(FOWLER, 1991), é por ele que a ideologia entra quando esse atinge e confirma
interesses, preocupações e pontos de vista do leitor. A compreensão desse gênero
abriu caminho para uma análise mais aquilatada.
Averiguei, ainda, que outros recursos foram utilizados pelo editorial para, sem
um confronto direto, convencer o leitor dos desmandos que o PT teria cometido.
Através do contrabando de informação, feita com uso de uma léxico-gramática
adequadamente selecionada, o artigo imiscui informações de cunho avaliativo
negativo do PT - petistas envolvidos em ação gravíssima; cogitações maquiavélicas;
compra de dossiê etc. - iniciando por meio de termo acessório da oração - adjunto
adverbial de tempo: “DEPOIS do episódio Waldomiro Diniz...” - em texto marcado
por modalização. Assim, aos poucos, o leitor tem seu enquadre enriquecido com
fatos que incriminam membros do PT - membros graduados e ligados diretamente
ao Presidente - até que o próprio nome de Lula é declarado monoglossicamente –
[...] advogado contratado pelo comitê de Lula...foram presas Com R$ 1,7
milhão...Freud Godoy responsável pela segurança pessoal de Lula... – sem dúvidas,
com um objetivo maior.
É notável a presença de trechos narrativos, carregados de julgamento
negativo sobre os petistas - ‘é espantoso’; ‘petistas envolvidos em ação gravíssima’;
‘compra de informações’ - que têm a função de insinuar uma argumentação secreta,
a crypto-argumentação, que de maneira subreptícia convence o leitor da verdade de
um mundo, na verdade um mundo ‘textual’ - nem sempre de acordo com o mundo
factual. Para tanto, contribui o fato de o leitor da Folha de S. Paulo, estar sendo
exposto diariamente às opiniões e crenças desse jornal. Assim, funciona aqui o que
Coffin e O’Halloran chamam de ‘dog-whistle poltics’, a avaliação de fatos entendida
somente por aqueles a quem são dirigidos, ou seja, os leitores ‘preparados’ pelo
jornal.
Discussão dos resultados
46
Por outro lado, notemos o recurso de colocar na palavra de outros – no
discurso relatado – a opinião que se quer calar na mente do leitor: “O advogado
afirma”, “disse”; “o pagamento estaria”; “ele aponta como o suposto”.
Também não poderia deixar de mencionar a palavra ‘impressão’. Um
processo mental, com objetivo de atenuar a afirmação: trata-se de mera impressão
pessoal; não se pretende declarar fato real. A questão é que essas ‘impressões’
entram para o enquadre do leitor. Após o que muita coisa pode ser declarada sem o
risco de ter feito uma declaração de fato.
A análise foi concluída apontando as associações que o falante traz para o
discurso nos descritores que ele usa para falar de pessoas, ações e eventos e como
influenciam o modo que os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada,
por exemplo, o contrabando de informações (LUCHJENBROERS & ALDRIDGE,
2007).
A fundamentação teórica que embasou a análise mostra o quanto um texto
guarda em seu bojo, embora nem todos possam aquilatar o seu valor em relação à
persuasão que, se não entendida pode cercear a percepção da realidade.
Considerações finais
7
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É através da leitura e da escrita que se inicia o processo de consciência dos
direitos e deveres do cidadão. A leitura e a escrita são a base para uma leitura
crítica do mundo e, se desejamos uma educação que almeja a mudança social e
que possa promover mudança na sociedade (PENNYCOOK, 1994), é necessário a
adoção de um conceito de leitura que privilegie a negociação e a construção de
interpretações "situadas".
A leitura é uma prática social, e para assim podermos considerá-la, é preciso
contar com uma abordagem que dê conta dos vários tipos de conhecimento que
interagem
nos
processos
interpretativos:
conhecimento
linguístico-textual,
conhecimento prévio do mundo, de práticas sociais gerais e discursivas
(FAIRCLOUGH, 1992; BAYNHAM, 1995 e MOITA LOPES, 1996). Parte-se do
pressuposto que o leitor crítico, necessariamente, lançará mão desses vários tipos
de conhecimento nas suas tentativas de "desvelar" os discursos/ideologias dos
textos, e se engajar em um processo social caracteristicamente crítico.
Vemos que a linguística, hoje, conta com teorias robustas, reunindo
conhecimentos de várias áreas, e que nos permite uma abordagem crítica e
consciente do processo de leitura. Dizer apenas que se deve ser um leitor
consciente não possibilita alguém a assim sê-lo. Precisamos de embasamento
teórico que nos ensine a 'enxergar' um texto, produto resultante de processos
complexos de informação, interação e recorrência à escolhas léxico-gramaticais
adequadas.
Espero, assim, ter conseguido mostrar a necessidade e a importância desse
conhecimento para a formação de um leitor crítico. O passo seguinte será
transformar esse resultado em prática didático-pedagógica ensejando melhor
conscientização do educador no seu trabalho com os alunos.
Esta dissertação, que reconheço precisar ainda de pesquisas futuras com
certeza, ampliou minha perspectiva para vôos mais ambiciosos.
Referências
48
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VIGNER, G. intertextualidade, norma e legibilidade. In: D. Costa et al. O texto:
Leitura e Escrita. São Paulo: Pontes, p. 31-38, 1988.
WHITE, P.R.R. Beyond modality and hedging: A dialogic view of the language of
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WODAK, R. De qué trata el análisis crítico del discurso. Resumen de su historia, sus
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YULE, G. The study of language. Cambridge University Press. 1996.
YUS, F. Misunderstandings and explicit/implicit communication. Pragmatics 9.4 (487517).
Anexos
ANEXOS
53
Anexos
54
Anexo 1 – Editoriais (T1 a T3)
Folha de S. Paulo, 19.09.06, 493 palavras
Desmandos sem fim
COMPRA DE DOSSIÊ CONTRA TUCANOS REQUER APURAÇÃO RÁPIDA E
ISENTA; DE NOVO, PETISTAS ESTÃO ENVOLVIDOS EM AÇÃO GRAVÍSSIMA
DEPOIS DO episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão, dos dólares no
baixo-ventre e da devassa na vida privada de um caseiro, é espantoso que petistas estejam
envolvidos em mais um desmando gravíssimo. As primeiras investigações sobre uma
tentativa primitiva de comprar informações de um empresário ligado à chamada máfia dos
sanguessugas envolvem o Partido dos Trabalhadores e um assessor direto do presidente da
República.
A impressão é que a seqüência de escândalos que varreu as cúpulas do governo
federal e do PT em pouco mais de um ano não foi capaz de mudar comportamentos. Nem
cogitações maquiavélicas acerca dos riscos evidentes de manobras escusas às vésperas de
uma eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva tem grandes chances de ser reconduzido ao
Planalto parecem prevalecer.
Duas pessoas - um militante do PT de Mato Grosso e um advogado contratado pelo
comitê de Lula - foram presas pela Polícia Federal na madrugada de sexta-feira, em São
Paulo, com R$ 1,7 milhão em dinheiro. O montante seria trocado por um dossiê
supostamente envolvendo os candidatos do PSDB ao governo paulista, José Serra, e ao
Planalto, Geraldo Alckmin, no esquema de venda de ambulâncias superfaturadas.
O advogado detido afirma ter sido contratado pela Executiva Nacional do PT para
negociar a aquisição do material; disse que no pagamento também estaria contida uma
entrevista concedida dias antes a uma revista pelo pivô do escândalo dos sanguessugas, o
empresário Luiz Antonio Vedoin - que também foi preso na capital mato-grossense.
O mais grave no depoimento do advogado é que ele aponta, como o suposto
interlocutor no PT da compra do dossiê, para Freud Godoy, até ontem assessor especial da
Presidência e responsável pela segurança pessoal de Lula. Godoy admite ter tido contatos
com o denunciante, mas nega ser o autor da compra dos papéis. A direção do partido
também se desvincula da ação torpe.
Evidentemente, não se pode tomar como fato a versão apresentada por uma pessoa
diretamente envolvida na operação clandestina. O depoimento do advogado, no entanto,
tem pontos que coincidem com outras evidências - e até agora não surgiu nenhuma
hipótese alternativa acerca da motivação que levou a dupla a negociar com o empresário
das ambulâncias. É por isso que esse episódio, que mistura gangsterismo com disputa
eleitoral, precisa de uma investigação exemplar, rápida e isenta.
A velocidade com que os escândalos se repetem na política é razão direta da
impunidade. O Congresso absolveu os mensaleiros; o PT se esquivou da depuração interna
e abençoou os rebentos do valerioduto; Lula fechou-se na posição de quem ignora o que se
passa no gabinete ao lado. Vista sob esse ângulo, a desfaçatez dos que ainda ousam
carregar malas de dinheiro sujo para comprar delações é só rotina - uma rotina que, se não
for extirpada pelas instituições republicanas, vai lançar à vala comum a própria democracia.
Anexos
55
[T2] Folha de S. Paulo, 21.09.06, 515 palavras
Rede de impunidade
LULA PERDEU CHANCES QUE TEVE PARA ACABAR COM O MODO DE AÇÃO
AUTORITÁRIO E CORRUPTO DE GRUPOS PETISTAS NO GOVERNO
JORGE LORENZETTI, diretor de banco público, colaborador de uma fundação
agraciada com R$ 18 milhões em recursos federais e churrasqueiro presidencial, era
“analista de risco e mídia” da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva; Oswaldo Bargas, exsecretário do Ministério do Trabalho que, segundo “Época”, formou dupla com Lorenzetti
para oferecer à revista um dossiê contra os tucanos, atuava no programa de governo.
Ricardo Berzoini, ex-ministro que só anteontem se lembrou de que fora avisado da
negociação com o semanário, preside o PT e chefiava a campanha à reeleição. Expedito
Veloso, o mais novo personagem do enredo, deixou ontem a diretoria de Gestão de Riscos
do Banco do Brasil.
Esse é, passado o momento inicial da chamada crise do dossiê, o primeiro esboço
do “dispositivo” petista posto em marcha na tentativa de comprar informações contra
adversários. A responsabilidade de Berzoini, demitido ontem da coordenação da campanha,
não desaparece quando diz que desconhecia o conteúdo da conversa de um subordinado
com a imprensa. Se soube do encontro, mas não procurou informar-se do assunto a ser
abordado, no mínimo se omitiu.
Conceda-se a Berzoini em um ponto. Dentro do grande mapa das falcatruas em que
seus correligionários foram flagrados ao longo do governo Lula, a alegação do presidente
petista de que não sabia de nada ganha sentido. Do mesmo modo que o presidente da
República diz ignorar o que ocorria nos gabinetes vizinhos, as arapongagens de
subordinados teriam passado ao largo do chefe da campanha do PT.
Tanta desinformação poderia soar a descontrole. A repetição “ad nauseam” dos
desmandos, no entanto, vai revelando uma certa ordem no caos aparente. Nessa lógica, a
ignorância a respeito do que se faz nos escalões inferiores do partido e do governo
interessa aos chefes hierárquicos. O nada saber é o mecanismo que inibe que a “queda de
um aparelho” venha a comprometer toda a organização.
Táticas herdadas da guerrilha urbana, solidariedades forjadas em décadas de luta
entre grupos sindicais e acesso facilitado aos cofres e aos contratos públicos -aos
financiadores da política, portanto- se amalgamam para formar a rede “lulo-petista”. Os
grupos se movem com relativa autonomia, parecem fazer o que bem entendem,
conspurcam as fronteiras entre Estado e partido, mas estão todos conectados entre si a
sustentar um projeto de permanência no poder.
Lula teve várias oportunidades para liquidar esse submundo corrupto e autoritário
instalado na máquina federal; teve meios para patrocinar depuração radical em seu partido.
A imposição de uma derrota cabal ao modo “companheiro” de gerir o Estado era necessária.
Mas o presidente preferiu o despiste e a acomodação. Foi o maior patrocinador da
impunidade, alimento da desfaçatez que levou um grupo de “companheiros” a tentar
comprar delações com dinheiro sujo em plena reta final da campanha.
Agiu bem o TSE ao abrir investigação sobre o caso do dossiê. O melhor antídoto
contra a delinqüência em rede é o estabelecimento das responsabilidades de cada um -o
que o tribunal tem todas as condições de fazer.
Anexos
56
[T3] Folha de S. Paulo, 23.09.06, 510 palavras
Operação dossiê
CREDIBILIDADE DA POLICIA FEDERAL ENFRENTA SUA PROVA DE FOGO;
LANCE DECISIVO É IDENTIFICAR ORIGEM DO DINHEIRO.
IMPESSOALDADE é o que se espera – mais, é o que se exige – da Polícia Federal
na condução dos inquéritos acerca do chamado escândalo do dossiê. Não é trivial apurar
todas as circunstâncias da trama criminosa que, partindo do núcleo da campanha de Luiz
Inácio Lula da Silva à reeleição, deslanchou um plano para desmoralizar adversários através
da compra de informações com dinheiro sujo.
O que está em jogo são as condições eleitorais, legais e políticas para um eventual
segundo mandato do presidente da República. Toda sorte de pressão é esperada quando
falta apenas uma semana para a votação.
A favor da corporação pesa o seu comportamento recente. A Polícia Federal evoluiu
institucionalmente ao longo do governo Lula. Hoje ela investiga delitos e planeja ações com
mais eficiência. Suas "operações" anticrime, que foram se multiplicando com o passar do
tempo, têm tido impacto positivo no combate a bastiões simbólicos da impunidade - juízes,
políticos e empresários não deixaram de ser investigados e detidos pela PF.
Os agentes federais, no entanto, nunca tiveram de lidar com uma situação
politicamente tão espinhosa quanto a deflagrada pela prisão, na capital paulista, de dois
petistas com R$ 1,7 milhão na semana passada. O episódio do caseiro Francenildo Costa,
cujo sigilo bancário foi violado pela Fazenda em março deste ano, é o que mais
semelhanças guarda com o das diatribes dos "companheiros" Jorge Lorenzetti, Oswaldo
Bargas "et caterva".
Daquela feita, porém, a pressão política caiu bastante depois da demissão de
Antonio Palocci Filho, e o trabalho da PF acabou subsidiando denúncia aparentemente
vigorosa do Ministério Público contra o ex-titular da Fazenda. Agora, é o presidente da
República, que não pode ser afastado como se afasta um ministro, que está no centro da
crise.
O balanço preliminar da ação da Polícia Federal contra o "dispositivo de inteligência"
da campanha lulista tem altos e baixos. A corporação logrou detectar o ato ilícito ainda em
gestação e agir com rapidez para deter os suspeitos em flagrante, minimizando a chance de
destruição de provas. Foi parcial, porém, ao mostrar apenas parte das evidências
capturadas. Exibiu as fotos que supostamente comprometiam José Serra, mas proibiu a
divulgação de imagens do dinheiro apreendido com a dupla do PT.
Suspeita também foi a decisão de aumentar o controle da cúpula da PF sobre o
caso, afastando do inquérito o delegado que deteve os petistas em São Paulo.
A prova de fogo da Polícia Federal ainda aguarda o lance decisivo: a revelação da
fonte do dinheiro para remunerar o "dossiê" contra candidatos tucanos. Não há razão para
demora nesse procedimento. Os bancos devem dar ciência imediata ao Coaf - órgão da
Fazenda que monitora lavagem de dinheiro- sobre cada saque acima de R$ 100 mil. Daí a
se identificarem o sacador e suas conexões com o resto da quadrilha, não há de ser difícil.
Uma falha da PF nesse caso -um flerte com a politicagem- e vai para o ralo a
credibilidade conquistada pelo órgão até aqui.
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Moises Gonçalves de Oliveira A Linguística Crítica, Leitura e