Goethe - Espírito da contemporaneidade
HUMBERTO SCHUBERT COELHO
Mestre em Ciência da Religião pela UFJF.
Formado em Filosofia pela UFJF.
Líder do Núcleo de Pesquisa sobre Madame de Staël e o Romantismo, da UFJF.
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Goethe e sua época:
Johann Wolfgang Von Goethe, nascido em 1749, em Frankfurt, virou rapidamente
sinônimo de Alemanha, literatura, romantismo. A família de Goethe pertencia à alta
burguesia, com fortes ligações políticas e com a magistratura, o que lhe facultou estudar
direito em Leipzig e Estrasburgo, mas logo se dedicou a uma série de estudos bastante
amplos que incluíam a medicina, a filosofia, a matemática, a botânica, a poesia...
Com 26 anos de idade seu primeiro livro de envergadura, “O sofrimento do jovem
Werther”, já se espalhava por toda a Europa atraindo as atenções de Napoleão e diversos
nobres germânicos, entre os quais o duque de Weimar. Este último, bem como a cidade,
tornaram-se desde cedo fortes atrativos à produção e permanência de Goethe, que acabou
por viver na cidade até o final da vida.
A primeira parte do Fausto é publicada em 1801 (embora o fragmento da primeira
parte tenha sido publicado alguns anos antes), quando então Goethe têm sólida relação com
Schiller. A correspondência entre ambos marca um referencial para a história da literatura,
já que neste diálogo se delineavam e analisavam as perspectivas e os contornos da nova
literatura alemã e quiçá mundial. A segunda parte do Fausto é publicada somente em 1832,
ao final da vida de Goethe, e sua carga mística e oracular é indubitavelmente maior.
Goethe vem a falecer em 1832, deixando uma legião de seguidores, plagiadores e
um mito que persiste na Alemanha até hoje.
Um traço marcante de Goethe é o caráter auto-biográfico de suas obras. Todas elas
nascem de situações vividas. Podemos identificar os amigos, parentes, discípulos e ídolos
de Goethe em suas obras. A personalidade do personagem principal, sua posição no mundo,
também são sempre similares as de Goethe. Seus personagens são todos gênios
angustiados, incompreendidos, apaixonados, românticos e incansavelmente rebeldes. Os
dramas vividos por Werther e pelo Fausto são sem a menor dúvida dramas que perpassam a
vida de Goethe. As personagens não são meras fantasmagorias que brotam de uma fértil
imaginação, mas um reflexo irônico e romântico de sua própria vida.
Ao mesmo tempo em que a obra de Goethe é uma caricatura do mundo que o cerca,
é também um espelho da quintessência mais sutil da humanidade. A situação do
personagem é a situação do homem no mundo; o cenário é o próprio mundo; e a tragédia
maior é a vida.
Muitos detalhes da vida do autor referencia do “Sturm und Drang” se revestem de
uma aura sacrossanta. Outros são obviamente exagerados. A verdade é que Goethe vive um
período de profundas transformações; e como espírito de seu tempo que é sintetiza a
filosofia transcendental de Kant, a estética de Schiller (uma estética em que as formas são
conseqüência das vivências e a própria estética passa a ser visão de mundo), o numinoso, a
mística renana, o humanismo conflitante (Cristão vs. Criticismo), a tragédia grega com suas
atestação da precariedade humana e as utopias sociais nascentes, enfim, uma série de
conseqüências e movimentos criadores e revolucionários que pairavam pela Europa,
sobretudo na retrógrada Alemanha.
Goethe soube assimilar tudo isso e expressá-los em uma linguagem forte, bela,
descomprometida e por vezes enigmática. Sem ser filósofo, Goethe expressa em verso e
prosa o espírito de sua época; a nova visão de mundo de um povo que busca
desesperadamente novos paradigmas.
Antes de se consolidar no gênero dramático produz uma série de obras de
profundo teor filosófico, entre as quais “Fronteiras da Humanidade” e “Prometheus”
tornam-se obras de referência para muitos filósofos da época.
Dos super-sábios do começo do século XVIII, que haviam desvendado a natureza
íntima das substâncias e as causas primárias de todos os fenômenos, para os intelectuais
angustiados do século XIX existe um abismo infinito. Infinito porque em Kant, e depois em
Goethe, Schopenhauer, Hölderlin, Nietzsche; não existe certeza sobre a objetividade de
uma única coisa sequer.
Como pesquisador renomado na área biológica Goethe angariava influências
aristotélicas, baconianas e espinozanas. Sua visão ecológica e biológica da natureza o
colocava entre uma filosofia metafísica biológica e um sistema de observação e dedução
científicos.
Mas a fase metafísica logo deu lugar a um período de dedicação exclusiva à arte,
após uma viagem à Itália, o retorno aos temas filosóficos sofreu forte influência deste
período. Os gêneros dramático, lírico e trágico deram a Goethe uma visão mais materialista,
no sentido do idealismo alemão. Este processo é experimentado também pelas elites
intelectuais de toda a Europa, sobretudo a partir do desenvolvimento da filosofia kantiana e
suas ramificações.
Substância é uma palavra pouco significativa a partir de então, e aos poucos a
expressão Símbolo-Significado toma o seu lugar. A partir de então os homens procurarão
dar significados às coisas, sabendo que não as podem conhecer intimamente e que o próprio
significado é arbitrário. O homem torna-se muito pequeno, mas sob um certo ângulo, se ele
dá significado ao mundo é também co-criador deste mundo humano em que vive. O nosso
mundo, o mundo como o conhecemos, depende de nós, tanto quanto nós dependemos dele.
Num âmbito mais histórico podemos dizer que a visão de mundo de Goethe, suas
críticas à ciência e à religião enquanto manifestações de costumes e crenças burguesas, sua
eterna e romântica melancolia em relação aos temas-chave da existência humana marcam
uma época, sobretudo, para filósofos e artistas. E é no meio filosófico que os efeitos do
trabalho inovador de Goethe são mais fortemente sentidos.
Em uma de suas obras, “Maximen und Reflexionen”(1) (Ausgabe Hecker, 575,
1376), Goethe inaugura novos paradigmas filosóficos, culturais e estéticos em um trabalho
particularmente sistemático, apesar de sua natureza pessoal. Diz ele: “Das Höchste wäre: zu
begreifen, dass alles Faktisch schon Theorie ist; man suche nur nichts hinter den
Phänomenen; sie selbst sind die Lehre.”1 e depois: “Alles was im Subjekt ist, ist im Objekt
und noch etwas mehr. Alles was im Objekt ist, ist im Subjekt und noch etwas mehr.”2.
1- O sublime seria: compreender, que toda facticidade já é teoria; somente não se
deve procurar nada atrás dos fenômenos; eles mesmos já são o ensinamento.
2-Tudo o que está no sujeito está também no objeto, e ainda algo mais. Tudo que
está no objeto está também no sujeito, e ainda algo mais.
Hermann Glockner, famoso estudioso da filosofia alemã neste período, dá a Goethe
status não apenas de filósofo, no sentido mais tradicional do termo, mas também de divisor
de águas dentro da história da filosofia. Ele interpreta as duas frases acima como o prelúdio
para a dialética de Hegel, uma pré-compreensão desta realidade já pairava de forma sutil
em Schelling e na estética de Schiller. Mas é Goethe que define a questão com tanta
objetividade. Mais a frente veremos como Ernst Bloch também coloca claramente na obra
de Goethe o diferencial maior de toda a origem da contemporaneidade filosófica, afirmando
que Goethe é o elemento chave que permite a Hegel ultrapassar os demais idealistas e
alcançar a compreensão de uma lógica dialética. Bloch chega a dizer que Goethe, em
alguns pontos, tem uma compreensão melhor da dialeticidade do mundo do que o próprio
Hegel.
A compreensão de que a coisa-em-si só é alguma coisa enquanto temos dela
alguma intuição, uma intuição que já nos diz algo dela e por isso a coloca no nível dos
demais fenômenos, é uma decisiva conclusão do problema filosófico mais importante deste
período histórico.
O ponto chave de todo o pensamento alemão nas duas primeiras décadas do século
XIX é notadamente Goethe, diz Glockner. É Goethe que vai trazer a filosofia para o povo,
para a alma popular, e ao mesmo tempo, marcar a própria filosofia contemporânea com os
caracteres de uma preocupação mais humana, mais vital, mais natural, por assim dizer.
Também o Philosophen Lexikon(2) de Berlin o coloca em uma posição de grande
prestígio em relação à filosofia:
“Como homem do estado e político cultural tentou romper os retrógrados
paradigmas de feudalismo tardio e historicismo social que imperavam na Alemanha.
Juntamente com Herder iniciou um movimento genético-dialético de enorme significação,
relacionando os processos de desenvolvimento da cultura mundial através da arte de
Shakespeare, entendida como poesia popular européia”
Nunca mais depois de Goethe, a não ser no campo da lógica, poderá a filosofia
olvidar-se que o homem é vida antes mesmo de ser homem, e sobretudo antes de ser razão.
Tanto Schopenhauer, Hegel, Nietzsche, Heidegger e Jaspers dirão que sem sombra de
dúvida Goethe modificou toda a visão de mundo de uma cultura através de seu vigoroso
manifesto à natureza humana enquanto tal.
Também no Maximen und Reflexionen (Hecker, 562) está:
“Nun ist aber jede Gestalt “lebendig” und trotz ihrer “geprägten Form” in
Ausbreitung und Zusammenziehung, Zertreuung und Sammlung, Verselbstädigung und
Entselbstung, Einatmung und Ausatmung, Systole und Diástole ein Pulsschlag des
Weltprozesses, dessen Rhythmus im Steigen und Fallen, Sterben und Werden “untrennbar
ganz” bleibt.”
“Mas cada ser é um “vivente” e, apesar de sua forma rígida, está em crescimento e
encolhimento, dispersão e união, emancipação e dependência, inspiração e expiração; uma
pulsação, um ritmo de subir e descer, morrer e tornar-se permanente e “inseparavelmente
uno”..”
A obra:
Fausto é um livro que vem para marcar uma era. Um livro que não se importa em
agradar a ninguém (aos moldes do Elogio da Loucura), mas para despertar um povo que
vivia como que alheio as colossais transformações que se passavam diante de seus olhos. É
uma obra dura, que não poupa críticas ao sistema político, social, às religiões da época, ao
modo de pensar burguês.
Malgrado seu cunho epistemológico denso, não deixa de ser belo e suave no sentido
literário, sendo por isso capaz de despertar a simpatia até mesmo dos que não concordam
com as idéias ali contidas.
Assim como em Homero, Vergílio, Shakespeare, Fausto é uma obra gigantesca, em
que um estudioso poderia se perder antes de realmente adentrar a história e o sentido ali
contidos. Não é difícil escrever muitas páginas sobre a primeira página do livro. Por isso
buscamos orientar nosso estudo em tópicos estratégicos que dão ensejo à reflexão
filosófica, sem no entanto apresentar todos os diálogos daí provenientes. Ao contrário
apontaremos apenas cada tema chave, tentando esclarecer o seu significado no contexto da
filosofia.
Também nos referiremos tão somente à primeira parte da obra, visto que a segunda,
escrita trinta anos depois, guarda seu próprio contexto e seu próprio significado,
profundamente atrelados às vivências de Goethe neste largo período que se dá entre os dois
escritos.
Se nos arriscamos a resumir a história central do texto podemos dizer que se trata da
história de um intelectual, piedoso e virtuoso, tentado pelo demônio, como decorrência de
uma aposta que este último teria feito com Deus. A história se arrasta por uma série de
provações que, ao contrário das de Jó, são sempre oportunidades de obtenção de algo que o
Fausto não possui. A história se passa na idade média, e é carregada de termos específicos
do período. Mas a temática presente, embora na forma seja medieval, é a temática eterna e
universal dos valores em face dos prazeres.
Na primeira parte da obra destacamos o estilo solto e bem humorado, sátiras
apimentadas e deboches contra o cristianismo que camuflam uma profunda angústia
existencial. Uma angústia que era a marca deste século, o despertar para a pequenez
humana diante de um verdadeiro mundo novo, um mundo desconhecido do qual só
sabemos, quando muito, de suas aparências. Um mundo em que o sagrado parece ter caído
de seu pedestal e se transformado em pó.
Mas Goethe, apesar de participar das dúvidas e ansiedade de seu tempo, é movido
sempre por um profundo senso místico. Algo lhe diz que existe muito mais do que o vulgo
toma por “objetividade”. O numinoso se esgueira entre o psicológico e o ontológico. E para
um espírito forte e lúcido, mesmo aquilo que o erudito considera banal torna-se fabuloso e
fantástico.
É sabido que Goethe extasiava-se pela natureza, pelas mais simples paisagens
campestres, dos lagos, das florestas, e perdia-se num êxtase quase místico diante do mar
bem como de uma sinfonia.
Esta profunda sensibilidade espiritual, que revestia o mundo de magia e segredo,
grandeza e emoção; marca toda a sua obra do começo ao fim. Mas é no Fausto que ela se
torna mais patente. Sem confiar na ciência, que não remonta às causas, nem na filosofia,
que muitas vezes se mostra jogo de palavras, Goethe procurou sozinho, na poesia que vivia
em sua alma, as respostas, e as novas perguntas de que seu tempo tanto necessitava. Nestes
segredos de um mundo de fenômenos, nesta incerteza de um futuro ainda por fazer, e
espírito forte apreende o sutil efeito místico e misterioso que cada coisa encerra.
É sempre na poesia que Goethe procura as respostas verdadeiras. Ora, se a ciência é
representação de aparências mais ou menos incertas, se a filosofia é jogo de palavras sobre
o que não se pode entender, então só resta a poesia, que não procura entender as coisas, mas
senti-las e exprimi-las (ou, segundo a perspectiva estética de Schiller, vivenciá-las) o
trabalho de construir o mundo humano.
O Fausto de Goethe é, antes de mais nada, a tentativa de construção de um novo
mundo. Uma tentativa vigorosa e missionária de criar significações, belezas, mistérios
novos, que embelezem o mundo frio do burguês iluminista. É um esforço supremo contra o
materialismo seco, contra o determinismo rude que mata a alma humana e a reduz a um
conjunto de funções orgânicas determinadas por leis naturais. O esforço contido no Fausto
de Goethe é o esforço para humanizar o homem, para torná-lo novamente livre.
Cabe também dizer que este direcionamento da obra se dá por determinação de
Goethe, já que a história original do Fausto não tem toda esta conotação humanista e
existencialista.
As lendas originais do Fausto, sobretudo as retratadas no Puppenspiel(3), são
notadamente medievais, e evocam uma visão muito mais dicotômica da realidade. O grande
mistério, o desconhecido, a magia, tem nos textos originais conotações mais místicas.
***
Prólogo no céu: Mefistófeles se apresenta diante de Deus, curva-se humildemente e ouve os
arcanjos a proclamarem as grandezas divinas. Após anunciado, o Senhor chega e vai ter
com o demo. Este o reverencia:
“Mefistófeles: Do Sol falar não sei, nem das esferas;
Vejo só como os homens se afadigam.
O deusinho do mundo é sempre o mesmo
E tão extravagante como era em seu primeiro dia.
Mais ditoso vivera, se da luz celeste um raio
Lhe não houvesses dado. Denomina-o Razão,
E só lhe serve de tornar-se mais que os brutos brutal.”(4)
Neste trecho é o próprio diabo que fala da natureza humana. Por toda a obra é
Mefistófeles quem sempre orienta o discurso com tom de propriedade. Ao falar da condição
humana, é sempre o mais profundo conhecedor. Por isso são as palavras dele que mais se
destacam neste estudo.
No trecho acima ressalta ele o desconhecimento dos segredos da natureza, exceto
pela humana. A figura do diabo no Fausto é sempre a de uma consciência relaxada, mas
realista. É a consciência do “- Por que não fazer? ”, “- Por que agir piedosamente?”. Ora,
não é o futuro da alma algo duvidoso? Por que se afadigam os homens a esconderem sua
própria natureza de si mesmos?
É sempre na forma de perguntas bastante oportunas que se coloca Mefistófeles.
Jamais é ele um verdugo sanguinário, ou uma imagem infantil de espírito malvado. É antes
uma reflexão sobre o que fazer da vida, como levá-la, se deve-se aproveitar os gozos ou
não. Seus comentários são esclarecedores por lançarem perguntas que não podem ser feitas
pelos homens piedosos (que Goethe muitas vezes classifica como homens medíocres).
Aqui também se coloca em cheque a grandeza da razão, na qual se acredita ainda
fortemente. Goethe debocha do que a mentalidade burguesa considera um privilégio divino,
que aproxima o homem de Deus. Para ele a razão não serve de muito mais do que para
revelar a ignorância, para entrar em conflito com a natureza animal, e por isso mesmo é
mais fonte de tortura e miséria do que de orgulho e felicidade. É a razão que lança luz sobre
a sombra da alma humana, e ao revelar um abismo ainda mais profundo de sombra tira-lhe
a ilusão de que a verdade pudesse estar ao alcance da mão.
Após discutirem (Deus e o Diabo) acerca da vida de Fausto:
“Mefistófeles: E quanto apostais vós qu’inda se perde,
Se licença me derdes de levá-lo
Suavemente pelo meu caminho?
O Senhor: Enquanto ele viver vida terrena
Não te é proibido exp’rimentá-lo.
Está sujeito a errar enquanto luta
O homem.”
Goethe acreditava na possibilidade de existência de um mundo espiritual. Mas não
depositava nele certezas absolutas. Sua intuição o levava a crer em algo mais, alguma coisa
que transcendesse o mundo material, mas ele não afirmava categoricamente que seria um
mundo dos mortos. Acreditava também na relação intima de todas as coisas na natureza, e
numa ligação da alma do homem com a alma do Universo.
Mas para ele nada disso era conceitual, e sim uma vivência mística. O homem,
malgrado estas ligações com o sobrenatural, é para ele um ser dado, isolado num mundo
material, de lutas e vivências exclusivamente mundanas. A vida do homem é uma vida de
tentações das mais baixas possíveis, por ser ele mesmo muito fraco e por estar mergulhado
em um mundo sensorial.
A carne, como dirá a seguir, é um agente poderoso, e a metade do homem que se
apega ao mundo animal esta sempre presente, em todos os seres humanos sem exceção.
Não acredita em homens santos ou especiais. Confia muito mais no homem com defeitos
evidentes do que naqueles que se esforçam por ocultar qualquer sombra de materialismo e
sensualismo.
Fausto se encontra sozinho em uma câmara gótica. Fala consigo mesmo .
“Filosofia, Leis e Medicina, Teologia ‘té com pena o digo,
Tudo, tudo estudei com vivo empenho!
E eis-me aqui agora, pobre tolo, Tão sábio quanto era dantes.”
Esta tornou-se sem sombra de dúvida a frase mais famosa do livro e de toda a
literatura alemã. Como Goethe, Fausto é um intelectual de certa idade, que já havia
percorrido todos os caminhos do saber acadêmico, e tido o privilégio de descobrir que não
passam de quimeras para fascinar os tolos. O conhecimento humano nunca foi tão
depreciado quanto nesta frase. Em Sócrates ainda se poderia dizer que o homem é sábio em
medicina, se a medicina conhecesse, e sábio em leis, se a todas compreendesse. Mas em
Fausto o pessimismo marca fortemente a frugalidade do intelecto humano.
A humildade socrática do reconhecimento da ignorância é de suma importância para
o Fausto, mas ele não identifica conhecimento como virtude. Tanto que as virtudes são
postas em cheque durante toda a obra. A moral é algo precário, e por mais que ele siga
alguns preceitos próprios de respeito ao próximo não se sente obrigado a segui-los. Tem
para si que são leis internas de procedência e os segue por um ato de liberdade puro e
simples. É o prelúdio de uma transvaloração. Um passo entre Kant e Nietzsche.
Fausto continua sozinho na câmara gótica:
“Nem chego a imaginar que haja ciência
Em que deveras creia, nem que saiba
Coisa alguma ensinar que aos homens sirva,
E convertê-los possa ou melhorá-los.
Também não possuo eu nem bens, nem ouro.
Nem grandezas ou glórias deste mundo.
Um cão não suportaria uma tal vida.
Por isso me entreguei todo à Magia,
Para ver se do espírito as potências
Alguns arcanos revelar-me podem.
Por que não haja com suor amargo
De ensinar o que ignoro; o que sustenta
Do mundo o interior conhecer logre,
Veja as forças ativas, veja as causas
E cesse o traficar com vãs palavras.”
Aqui tem começo uma virada na situação epistemológica. O desconhecido passa a
ser o alvo das investigações. E se nem a ciência nem a filosofia podem dar respostas sobre
o desconhecido só resta ao homem buscar no ocultismo uma saída. As religiões não servem
para tal por serem fundadas na autoridade de uma única pessoa que participa da experiência
mística. Isso não serve a Fausto. Se o homem não pode por si mesmo encontrar a
iluminação não lhe serve de nada este processo. Confiar num sacerdote ou messias é o
mesmo que na ciência, é tomar os efeitos pelas causas.
O misticismo não é opção, é única alternativa para o conhecimento da realidade
última das coisas. Disposto a arriscar tudo, Fausto demonstra o desespero de desvendar os
mistérios ocultos ao homem. Se por um lado se aproxima de Pascal, no sentido de
reconhecer que o homem esta a par da realidade dos fatos mas ao mesmo tempo está muito
acima dos animais graças as luzes da razão, por outro Fausto não segue a postura pascalina
de aceitar a ignorância e entregar-se, num voto de confiança, à divindade expressa na
religião.
Em diálogo com o espírito Fausto compara suas capacidades intelectivas com as dele.
“Fausto: Tu que o mundo vastíssimo circundas,
Quão perto sou de ti, potente Espírito!
Espírito: És igual ao espírito que entendes,
A mim não.
Fausto (caindo por terra): A ti não? A quem pois, posso
Igualar eu da divindade imagem
Se nem a ti?”
O trecho acima é de suma importância pois ao mesmo tempo em que trata do
numinoso, do desconhecido que é o mundo não humano ao homem, demonstra também
uma intuição, uma sutil perspiciência de realidades outras ignoradas pela mente humana.
Uma vez que o mundo é meu mundo, o mundo humano, limitado pela minha compreensão
e capacidade representativa simbólica, os segredos da natureza mesma das coisas mostramse intocáveis.
Heidegger dirá, com propriedade, que o primeiro existencialista foi Goethe,
justamente por esta imensa capacidade que tinha de compreender o abismo entre
compreensível e incompreensível. O homem aqui já é visto como dependente de suas
representações tanto quanto suas representações são dependentes dele. Esta interdependência inclusive foi assumida por Schopenhauer em seu “Mundo como vontade e
representação” notadamente marcado pela influência de Kant e Goethe.
A exclusividade do humano marca seu isolamento dos outros seres da natureza
assim como delimita seu maior valor. Já no Fausto, a humanidade é um valor de autoreferência. Ao mesmo tempo em que gera valores ela é gerada enquanto valor de si que um
ser humano tem justamente por poder valorar.
Há também neste fragmento possibilidades de interpretações místicas se o papel de
Mefistófeles for tomado literalmente. Em alguns trechos, apesar das paródias figurativas, as
forças espirituais parecem remeter a algo verdadeiramente numinoso e sobrenatural. Por
outro lado a maioria dos críticos toma Mefistófeles por uma manifestação da natureza
humana que perpassa a vida e pensamentos do Fausto.
O próximo fragmento é dos mais fortuitos na discriminação deste conflito:
“Fausto: Duas almas habitam em meu peito,
Uma com órgãos se aferra,
Amorosa e ardente ao mundo físico;
Outra quer insofrida romontar-se
De sua excelsa origem às alturas.”
Espírito e corpo, razão e paixão, pensamento e carne entram no rol das
preocupações típicas de todo o grande artista. Em “Fausto” esta é uma preocupação central
que delineia toda a obra, mas só em raros momentos se mostra tão explicitamente. Parece
haver uma aceitação das “duas naturezas do homem”, enquanto constituintes do mesmo.
Fausto se divide entre toda uma tradição religiosa e espiritual que lhe aponta o caminho do
espírito, e toda uma tradição pagã que vê na carnalidade o verdadeiro contato com a
natureza, com a vida.
Não há ainda uma definição clara como a de Nietzsche de que o retorno aos valores
da vida, enquanto valores carnais, sejam a salvação da cultura ocidental. Pelo contrário, é o
drama entre esta opção e a busca de uma nova forma de espiritualidade pura que tortura o
Fausto (e o leitor) e que alguns críticos identificam como a dúvida central da vida de
Goethe.
Num episódio em que um estudante vai ao encontro do Fausto para pedir aconselhamentos
quanto a seu futuro acadêmico e profissional (algo que era rotina na vida de Goethe),
Mefistófeles pede permissão a Fausto para se passar por ele, a fim de pregar uma peça no
estudante. O objetivo do diabo era mostrar ao garoto a futilidade dos saberes humanos
deixando-o desconsolado. Para tal Mefistófeles ataca a erudição e a cultura acadêmica, o
que resulta no diálogo abaixo:
“Estudante: Mas idéias exprimem as palavras!
Mefistófeles: É verdade! Mas não o tomeis à da letra;
Serve a palavra onde as idéias faltam.
Disputa-se muito bem só com palavras.
Com palavras sistemas se criam.
Na palavra se crê com fé profunda,
Da palavras um iota não se tira.”
Pode-se tirar várias conclusões importantes deste fragmento. O primeiro é o de que
Goethe estava inteirado do que havia de mais recente na filosofia de sua época. Diríamos
até mesmo que de certa forma antecipa muitas das conclusões de Wittgenstein mais de um
século antes.
A correspondência indireta e arbitrária entre palavra e coisa é algo que começa a
ser cogitado de forma subliminar em Kant, torna-se importante em Hegel e Schopenhauer
(apesar de em formas diferentes), passa por toda a filosofia, da perspectivista à
fenomenológica, até tomar o centro das atenções na filosofia das décadas de 20 e 30 do
século XX.
O fragmento destacado parece propor de forma genial a intuição que já se tinha do
problema, bem como ressaltar mais uma vez o tema da frugalidade do conhecimento
humano.
Quando Fausto vai em busca de uma poção rejuvenescedora tem de se submeter ao
ritual maçante e prolongado de uma bruxa. Exausto após longos momentos de espera e
incomodado com o ridículo da ritualística mágica ele reclama à Mefistófeles:
“Fausto: Em delírio febril discorre a velha.
Mefistófeles: Para chegar ao fim falta-lhe muito,
Sei que todo assim reza o livro inteiro!
Desperdicei com ele infindos dias,
Pois a contradição, quando perfeita,
Para sábios e tolos é mistério.
É velha e nova, meu amigo, a arte : Com um e três e três e um foi moda,
Em todo o tempo ir espalhando o erro
Em lugar da verdade. Assim quieto
Se discorre e se ensina; quem quisera
Meter-se com tais parvos? Quase sempre,
Quando só vê palavras, acredita
O homem que um sentido elas encerram.”
Este trecho caracteriza um profundo desprezo pelas tradições religiosas em vigor.
Goethe afirma muitas vezes que entre as coisas mais odiadas por ele esta a cruz. Poucos
homens de sua época tiveram uma aversão tão grande a fórmulas de conduta, roupas
cerimoniais, tradições injustificadas e ritos mágico-religiosos.
Goethe identifica tais mecanismos como uma forma de, através de paradoxos e
mistérios inexplicáveis, confundir a mente dos indivíduos de modo a lhes direcionar através
da estupefação. O fascínio humano pelo que não compreende é indiscutível, e para ele tais
ritualísticas clericais e pseudo-misticismos encerram uma das mais eficazes formas de
controle da população.
É comum na vida de Goethe ouvir-se falar de que tenha ele se metido em grandes
atritos e desavenças por ridicularizar atitudes como esta ou cobrar uma explicação coerente
por parte dos que as praticam.
Papel do Fausto segundo Bloch.
No intuito de consolidarmos a opinião elevada que temos do papel de Goethe,
sobretudo expresso no Fausto, para a história da Filosofia, recorremos à Ernst Bloch em seu
fabuloso “Tübinger Einleitung in die Philosophie”. Esta obra dá a Goethe o devido mérito
na construção da contemporaneidade, colocando-o como ponte entre Kant e Hegel.
Em termos gerais Bloch acredita que, para Goethe, a virada copernicana de Kant
gerara um efeito contrário do esperado por ele mesmo. A inobjetividade do mundo e sua
relativa ilusoriedade afastaram os homens do amor pela ciência e pelo mundo (veja-se o
que acontece com o idealismo alemão pré-hegeliano). Um mundo ilusório é um mundo
pouco atraente para o filósofo. Goethe reafirma a realidade objetiva do mundo, situando o
homem dentro dele, antes de situá-lo em torno do homem. Com isso Goethe não aceita o
primado do sujeito transcendental sobre toda a objetividade, embora aceite a autonomia de
uma razão prática calcada no balizamento de mecanismos a priori do entendimento.
Para Goethe, os a priori existem (ou melhor, podem existir), mas eles não são
transcendentais, pois estão desde sempre, no mundo. O mundo vem antes dos a priori, uma
vez que vem antes do homem, e, portanto, define-os, e não o contrário.Em “Fausto” fica
claro que o mundo é o primeiro fundamento, o pré-ontológico em termos heideggerianos, o
homem está lançado nele, sujeito às suas regras e embora possa interpretá-las depara-se
sempre com a atestação de sua objetividade.
Este movimento retira do “eu transcendental” a soberania sobre a percepção, dando
concretude ao fenômeno, o que aumenta significativamente a parcela de objetividade das
coisas mesmas dentro do mecanismo de percepção. O jogo entre sujeito e objeto não tem
mais um protagonista. É o momento dialético da filosofia nascendo das mãos de um poeta.
As categorias não estão mais em nós, nem são atributos universais da realidade, mas sim a
relação mesma entre sujeito e objeto.
O que levou o ceticismo sensual a se tornar insustentável, para Goethe, foi o ponto
em que a matematização do mundo tornou-se também uma matematização da alma. A
moral imperativa da razão kantiana, o pensamento cerceado por categorias a priori, rígidas,
de certa forma matava a vida, o valor máximo para Goethe.
Sem jamais negar a subjetividade, e mesmo apreciando muito os conceitos de
autonomia e liberdade refletida de Kant, Goethe expande o “eu perceptor” para uma
subjetividade não mecânica, não calculada (o homem não está mais organizado em tabelas)
mas sim bio-lógica, poética. Uma lógica, uma percepção (que é bem expressa no conceito
de Wahrnehmung de Hegel – Phänomenologie des Geistes) e uma visão viva, em
movimento, que não se permite o claustro de “ferramentas mentais” da era industrial.
Mais especificamente em relação a Crítica da Razão Prática, Goethe afirma que uma
lei que se pretende independente do mundo nega-o necessariamente, ignorando totalmente a
“mundaneidade” do homem(palavras de Bloch). Tais regras de uma subjetividade
totalmente interiorizada padecem portanto por se apresentarem como puras numa mente
que não é pura, mas sim formada no mundo. Goethe venera Kant por seu caráter e retidão,
mas acha loucura exigir que todos ajam da mesma forma, já que não compartilham dos
mesmos princípios e consciência. Ao contrário de uma razão idêntica e universal que define
a moralidade Goethe fala de graus distintos de consciência, de humanidade, que
inevitavelmente definem a conduta moral e mesmo a capacidade intelectual de cada
indivíduo.
Para Goethe, assim como fora para Pascal, os homens não são de forma alguma
iguais, nem em capacidades nem em disposições, o que invalida o esforço de uma
subjetividade em traçar normas para a coletividade. Começa a surgir também a consciência
da construção dialogal das normas de comportamento.
O pressuposto de toda uma estrutura a priori separa a alma da matéria e coloca a
subjetividade como sendo já pré-formatada. O defeito disso é que a lógica passa por pura,
enquanto na verdade é histórica, passível de reinterpretações, embora com isso não se quer
dizer também que seja relativa ou consensual. A lógica dialética coloca a mente em interdependência com o mundo, o que é ótimo, mas há o perigo de circunscrever o homem ao
mundo, decaindo no materialismo mecanicista.
Fugir de todos estes extremos e manter-se fiel ao bom senso na investigação do
espírito humano é a meta de Goethe.
Bloch ressalta que esta dramática presente em Goethe e em Hegel já estava muito
bem delineada em Nicolau de Cusa: O que o entendimento separa, isso mesmo é o que a
razão une. Hegel pensa também que a razão une os opostos, uma vez que estejam já
“entendidos” e categorizados. Isso não nega os postulados de Kant sobre a hierarquia da
Epistemologia, já que a união dos opostos é pensável. O caminho, no entanto, já que a
razão está no plano maior e não é passível de análise, é o da fenomenologia, ou seja, o
estudo dos processos de união dos contrários e do macromovimento sobre a rigidez estática
dos conceitos do entendimento.
Mesmo que não esteja teorizado em Goethe, o esforço por colher a vida, o homem,
em seu movimento já está se consolidando.
Para Bloch fica bem claro que a característica principal de Goethe é a idéia de
progresso do espírito. Uma vez que Kant provou a dependência da liberdade à uma
estrutura a priori pura e ao mesmo tempo torna-se patente na dialética que a lógica não
existe em si mesma, mas apenas na percepção, só se pode concluir que a lógica é sim um a
priori no homem mas só através da experiência ela se desvela. O que há no homem não são
categorias, mas uma logicidade implícita nos atos do pensamento, e esta logicidade permite
aos homens aspirar a certos vínculos universais, dos quais nascem as ciências, a política e a
ética. Todos relativos dentro de uma logicidade universal, ou lógicos dentro de uma
relatividade pessoal.
Bloch garante que é esta mentalidade que vai direcionar o pensamento do século
XIX para conclusões como esta: A história humana não é senão criação e constante
construção da humanidade através do trabalho humano.
A frase de Hegel acima, seguida de perto por Marx, Nietzsche e Kierkegaard (cada
um em sua compreensão específica deste processo), mostra que o evolucionismo da
consciência é um conceito tão ou mais velho que o evolucionismo biológico. Os universais
da razão passam a ser os pilares que dão os rumos do pensamento, enquanto o mesmo não
se limita a eles, caminhando, avançando, crescendo e amadurecendo com a experiência,
formando uma lógica sempre distinta dentro da logicidade fundante.
O papel da experiência na maturação do espírito, e na formação e reformulação
constante da lógica e da percepção é o Grundmotiv de toda a contemporaneidade nascente
do século XIX, e Bloch, herdeiro deste movimento, tenta expressá-lo desta forma:
“Der Mensch nimmt sich mit, wenn er wandert. Schlecht wandern, das heisst, als
Mensch dabei unverändert bleiben.”
Ao que traduzimos por:
“O homem se apanha quando caminha. Mau caminhar, se diz, quando o homem
dele sai inalterado.”
Por “apanha”, Bloch quer dizer: se apreende, se apercebe, se depara consigo mesmo.
Mas afinal, o que é o Faustmotiv?
Para dizer com segurança o que é o Faustmotiv, o tema central da obra e sua maior
contribuição para a história da filosofia e do pensamento ocidental, foi preciso percorrer
todo este caminho, que nada mais é do que a exposição da gigantesca personalidade de
Goethe em confronto com a mitológica saga do Doutor Fausto.
A imagem do Fausto, aqui retratada, nos remete à renascença, quando um
intelectual em crise tenta conjugar tenta avaliar criticamente o momento vivido. Diante de
todo um sistema que se mostra falso e mal intencionado (o teológico) e do entusiasmo
infantil com que o “homem científico” se atira a matematização do mundo, da alma, da
vida, só lhe resta o caminho trágico para sustentar sua existência.
Diante da tragédia das ilusões e do peso da própria liberdade, Fausto vive, quando
poderia se deixar levar, vencido. Diante do drama de não querer substituir o dogma
religioso pelo dogma científico, ele é o homem de coragem, o homem forte que atravessa
um niilismo enlouquecedor para depois encontrar um paraíso numa nova ordem de valores.
Não é ainda uma transvaloração completa, pois o trabalho do Fausto é o de descobrir o
sentido real, objetivo, por detrás dos sentidos enganosos que foram erigidos, mas este
sentido real não é o sentido de sua subjetividade, mas o construto dialético entre ela e a
realidade (com certo ar de Espírito Absoluto).
Mas o grande diferencial de Goethe para com Hegel é que existe um quê de
desapego neste processo, ele é sim o fruto de seus esforços, mas é também um caminho
inevitável, um fim natural e totalmente previsível para o espírito humano, que em termos
caricaturais poderia ser visto como uma ponte (uma corda se preferir) entre o animal, e o
“algo mais”.
Fausto, à sua época, segue o caminho de Luther e Erasmo, na medida em que não se
deixa fascinar pela “louca razão”.
É neste contexto que Fausto é uma obra revolucionária que vai marcar
definitivamente o século XIX, não apenas porque o modifica logo no começo, mas também
porque o prenuncia, profetizando suas transformações e prevendo suas angústias mais
acentuadas.
“Jeder Denker, wenn er den Namen verdient, steht dem Erfrager Faust nahe.”
Ernst Bloch
“Todo pensador, se ele merece o nome, situa-se ao lado do questionador Fausto”
Conclusão:
“Kein Lebendiges ist Eins, immer ist’s ein Vieles.”
Nada vivente é Uno, é sempre, ao contrário, um Muitos.
De quem pode ter vindo esta influência? Síntese de Spinoza e Leibniz? Prelúdio da
analítica existencial Heideggeriana? Sim e não. Ao final de sua vida ele já não mais
constitui um intelectual isolado, suas influências se confundem e suas teorias dificilmente
podem ser classificadas segundo sistemas de terceiros. Seria mais do que justo, evidente, a
necessidade de uma análise hermenêutica totalmente nova acerca da visão de mundo de
Goethe. Um literato filosófico, e um filósofo-literato poderiam ser algumas das alcunhas
atribuídas a Goethe; mas fora extrema ignorância excluí-lo de uma história da filosofia
contemporânea.
Se Goethe sintetiza diversas correntes filosóficas de sua época, ou se insere uma
corrente nova derivada das artes e da experiência estética, difícil definir. Permanece ele
como pensador colossal, enigmático, difícil e admirável, apesar das alcunhas oficiais que se
lhe dêem.
Como artista foi um filósofo. Como pensador, por outro lado, considera tanto as
explicações das ciências naturais, quanto às da filosofia, extremamente unilaterais e
dicotômicas por natureza. Foi um combatente de todo o cartesianismo, de toda a tentativa
de “dissecar o mundo”, “dissecar a vida”.
Goethe talvez permaneça, portanto, sem classificação, por jamais ter-se prendido à
elas; transcendeu-as todas em prol daquilo que o animava, de suas intuições e deduções
particulares, de sua criatividade. Quebrou todas as tradições da arte e da filosofia,
renovando-as e ampliando-as, muitas vezes gerando linhas inteiramente novas de
pensamento e estilos literários inusitados. Se Goethe for chamado de filosofo, melhor para
a filosofia, pois enquanto muitos filósofos desaparecerão da história, Goethe permanecerá.
Notas: (as notas são todas referentes à bibliografia pertinente).
1- Die Europäische Philosophie – Von den Anfägnen bis zur Gegenwart
2- Philosophen Lexikon / Herausgegeben Von Erhard Lange und Dietrich Alexander
3- Doktor Johannes Faust. Puppenspiel.
4- Fausto / Martin Claret – tradução de Agostinho D’Ornellas
Bibliografia
Glockner, Hermann / Die Europäische Philosophie – Von den Anfägnen bis zur Gegenwart/
Reclam – Stuttgart - 1968
Philosophen Lexikon / Herausgegeben Von Erhard Lange und Dietrich Alexander/
Autorenkolletiv – Dietz Verlag Berlin - 1982
Goethe, Johann Wolfgang von / Faust - Gesamtausgabe / Leipzig im Insel-verlag – 1887
Goethe, Johann Wolfgang von / Fausto / Martin Claret – tradução de Agostinho D’Ornellas
– São Paulo- 2002.
Simrock, Karl / Doktor Johannes Faust . Puppenspiel - Reclam – Stuttgart – 2001
Bloch, Ernst / Tübinger Einleitung in die Philosophie - Suhrkamp Verlag KG – 1996.
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Goethe - Espírito da contemporaneidade