PRODUÇÃO DE PROVAS EM ARITMÉTICA-ÁLGEBRA POR ALUNOS
INICIANTES DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
José Luiz Magalhães de Freitas1
Departamento de Matemática – CCET – UFMS – Brasil
[email protected]
Introdução
Nesta pesquisa desenvolvemos um estudo, com alunos iniciantes do curso de
Licenciatura em Matemática, sobre a produção de provas na resolução de um campo
particular de problemas, situado na passagem da Aritmética para a Álgebra. Os dados
experimentais da pesquisa foram coletados durante o ano 2002.
Dentre os fatores que contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa
destacamos os seguintes:
- Estudos feitos durante o doutorado (Freitas, 1993) no qual foram estudados
processos de prova na passagem da Aritmética para a Álgebra examinando produções
de alunos franceses com idade variando entre 13 e 16 anos.
- Os conteúdos das disciplinas do curso de Matemática, vêm quase sempre
acompanhados de provas e demonstrações, as quais necessitam de freqüentemente do
uso de letras, sendo a produção de provas e demonstrações de fundamental importância
no aprendizado de conteúdos de Matemática em nível Universitário.
- O índice de evasão nos cursos de Matemática, sobretudo na primeira série do
curso é muito alto. Um dos fatores que provavelmente contribuem fortemente para esse
alto índice de evasão é a deficiente bagagem matemática que os alunos trazem.
Acreditamos que conhecendo estes fatores, com maior profundidade, poderemos
contribuir significativamente na implementação de mecanismos que visam a melhoria
dos cursos de Licenciatura em Matemática.
1
Doutor em Didática da Matemática pela Universidade de Montpellier II (França); Professor do
Departamento de Matemática e do Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), onde atua na linha de pesquisa Educação em Ciências, Matemática e Novas Tecnologias.
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Diante desses fatos, optamos por desenvolver uma pesquisa sobre produções
dos alunos, durante a resolução dessa categoria particular de problemas de validação,
situados no campo de articulação entre a Aritmética e a Álgebra e concentrar nossa
atenção sobre a tipologia de provas produzidas, bem como o tratamento e a conversão
de registros de representação semiótica utilizados.
Na primeira parte do trabalho realizamos estudos bibliográficos relativos à
problemática da passagem da aritmética para a álgebra, no Ensino Fundamental e
Médio, concernentes a pesquisas realizadas sobre o tema. Assim, fizemos uma reflexão
de natureza epistemológica sobre a origem e evolução do cálculo algébrico; em seguida
estudos de natureza teórica sobre o tema e finalizamos com um estudo sobre tipos de
provas e registros de representação semiótica, a partir de dados relativos a produções
de alunos.
Evolução do cálculo algébrico
Analisando trabalhos de historiadores e epistemólogos sobre a gênese e
evolução do cálculo algébrico somos tentados a dividir em dois períodos “antes de
Viète (1540-1603)” e “depois de Viète”, pois os trabalhos desse matemático francês e
de seus contemporâneos é de fundamental importância, no que concerne ao uso
operatório de registros algébricos.
Egípcios e babilônios criaram regras para resolver alguns casos de equações, no
entanto os documentos por eles deixados, papiros e tabletes, mostram que eles usavam
como registro apenas a língua natural e símbolos numéricos, ou seja, uma linguagem
essencialmente retórica. Diofante (séc. III d.C.), usou símbolo ς para representar a
incógnita, e combinações de outros símbolos para escrever x2, x3, x4,... . De modo geral
os registros algébricos, usados por Diofante, eram para economizar e abreviar a escrita,
pois não opera com eles. Na realidade, seu discurso não era muito diferente dos
egípcios e babilônios. Os indus, apesar de possuírem um sistema de numeração
posicional eficiente, operavam pouco com registros simbólicos, embora seja possível
encontrar indícios de simbolização, uma gênese do cálculo algébrico, particularmente
nas obras de Bhaskara e Brahmagupta. Árabes como Al Kwarizmi (séc. IX), Abu
Kamil (séc. X) e Omar Kayyam (séc. XI), entre outros, trazem significativas
contribuições para o avanço do cálculo algébrico abstrato. É importante observar que
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eles utilizavam pouco simbolismo algébrico e apesar disso descobriam fórmulas e
realizavam cálculos abstratos.
Viète (séc. XVI), apoiando-se em trabalhos anteriores, em particular dos
algebristas indus e árabes, dá um grande impulso na terminologia simbólica da
Matemática, introduzindo as operações com símbolos e o cálculo algébrico. J. Robinet
(1989, p. 9)2 observa que:
... o uso de letras em Álgebra era largamente difundido nessa época, entretanto, antes
de Viète o uso de letras em Álgebra parece muito com o da Geometria do tempo dos
gregos, isto é, elas servem para denotar objetos, mas não há em seguida, nem
revisão, nem reenvio, nenhuma razão para construção, nem operação sobre essa
escrita. ... Com as notações de Viète aprimoradas por Harriot et Descartes, pode-se
dizer o que o cálculo algébrico abstrato consegue seu pleno desenvolvimento; de
fato, graças a essa nova escrita, Viète e sobretudo Harriot exprimiram as raízes em
função dos coeficientes de uma equação, o que será fundamental para o
desenvolvimento posterior da teoria das equações.
Observa-se, a partir da análise da evolução histórica do cálculo algébrico, que o
uso operatório e abstrato de registros algébricos levou séculos para ser construído e por
isso é razoável esperar que a aprendizagem desses conceitos pelos alunos também não
seja tarefa das mais fáceis.
Tipologia de provas
A terminologia usada aqui para explicação, provas, demontrações e raciocínio,
será a mesma utilizada por Balacheff (1988). Assim, chamaremos de explicação todo
discurso defendido por um indivíduo ou um grupo onde o objetivo é comunicar a outro
o caráter de verdade de um enunciado matemático.
Provas são explicações aceitas por um grupo dado, num momento dado. Assim
uma explicação pode configurar numa prova para um grupo social e não para outro.
Demonstrações são provas particulares que são aceitas pela comunidade dos
matemáticos e que deve obedecer certas regras lógicas bem definidas.
A palavra raciocínio é reservada para a atividade intelectual, a maior parte do
tempo não explícita, de processamento de informações que, a partir de dados, produz
novas informações.
No que concerne à tipologia de provas, Balacheff (op. cit.), em seu trabalho de
doutorado, trabalhando com “Geometria Combinatória” (na verdade, um problema de
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Tradução feita pelo autor
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Geometria envolvendo processos de contagem), identificou dois níveis e tipos de
provas. A partir desses estudos ele propôs um modelo distinguindo diversos tipos de
provas entre aquelas produzidas pelos alunos: empirismo ingênuo, experiência
crucial, exemplo genérico e experiência mental (cf. Balacheff op. cit., p. 56-58).
Esses quatro tipos de provas, assim hierarquisados, foram redistribuídos por Balacheff
segundo duas categorias: provas pragmáticas e provas intelectuais.
As provas pragmáticas são aquelas que se baseiam na ação efetiva sobre
representações de objetos matemáticos. Por outro lado as provas intelectuais são
caracterizadas por se destacarem da ação, se manifestam por meio da linguagem
expressa sobre os objetos, suas propriedades e relações.
Os quatro tipos de provas foram idenficados a partir dos raciocínios utilisados
pelos alunos. No “empirismo ingênuo” a validade de um enunciado é assegurada após
sua verificação sobre alguns casos particulares. A “experiência crucial” consiste numa
experimentação que permite decidir se uma hipótese é verdadeira ou falsa. No
“exemplo genérico” as razões da validade de uma afirmação são explicitadas pela
realização de operações ou transformações sobre um objeto examinado, não por ele
mesmo, mas enquanto um representante característico de uma classe. A “experiência
mental” caracteriza-se por evocar a ação interiorizando-a e destacando de sua
realização sobre um representante particular.
Neste trabalho investigamos a reprodução de uma tipologia de provas
semelhante à de Balacheff, para o campo de articulação entre a aritmética e a álgebra,
por alunos iniciantes do curso de Licenciatura em Matemática. Outro aspecto que
analisamos em nossa pesquisa é concernente aos registros de representação semiótica
utilizados pelos alunos durante o processo de produção de provas.
Registros de representação em problemas de Aritmética-Álgebra
Nas
produções
dos
alunos
identificamos
a
presença
de
registros
monofuncionais e multifuncionais. Lembramos que, segundo Duval (2001), registros
monofuncionais são os que possuem algoritmos próprios em sua estrutura e
multifuncionais aqueles cujos tratamentos não são algoritmizáveis. Em nosso caso os
registros multifuncionais têm como representação discursiva a linguagem natural. Eles
se manifestam através de associações verbais entre conceitos, ou seja, por meio de
raciocínios, que podem ser argumentativos ou dedutivos. Classificamos como
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raciocínios dedutivos aqueles que se baseiam em definições, propriedades, teoremas...,
e respeitam regras básicas da organização do discurso matemático. Os discursos
argumentativos se apóiam em concepções e sua estruturação segue os mesmos
princípios da linguagem natural. Embora os registros de representação multifuncionais
se apresentem também em formas não-discursivas, tais como configurações
geométricas e gráficos cartesianos, nos centramos nos discursivos, por serem os únicos
dessa natureza presentes em nosso contexto.
Como registros monofuncionais temos os sistemas numérico e algébrico. O
numérico é concernente às representações numéricas dos inteiros, decimais e
fracionárias, enquanto que o algébrico é relativo às expressões literais e equações.
A aritmética pode ser considerada como a parte da matemática elementar que
trata da resolução de problemas numéricos e que utiliza fundamentalmente números
naturais ou números racionais positivos. Os registros aritméticos são constituídos
essencialmente da linguagem natural acrescentada de registros envolvendo símbolos e
cálculos numéricos. Por esse fato, o conhecimento aritmético é basicamente um
conhecimento oral pois a resolução aritmética de problemas é expressa por algumas
frases e operações com números.
A álgebra pode ser definida uma linguagem que permite escrever relações entre
quantidades conhecidas e desconhecidas e para isso se faz uso de expressões literais e
do cálculo algébrico. Enquanto na aritmética se trabalha com quantidades conhecidas,
caminhando do conhecido para o desconhecido, na álgebra se busca encontrar relações
entre quantidades, sejam elas conhecidas ou não e nela a linguagem natural cede
espaço para a linguagem algébrica. Embora existam símbolos que sejam comuns, tanto
na aritmética quanto na álgebra, é possível identificar rupturas na passagem da
aritmética para a álgebra, tais como:
- prioridade ao uso da linguagem formal em detrimento da linguagem natural, onde os
problemas deixam de ser tratados intuitivamente.
- introdução de conceitos matemáticos novos como equações, incógnitas, variáveis ou
as funções.
-
a forma de raciocinar sobre os objetos da aritmética e os da álgebra possuem um
outro nível de generalidade.
Nos registros algébricos, as letras podem ter estatutos diferentes dependendo da
forma como é utilizada. Na classe de problemas, situados na passagem da Aritmética
para a Álgebra, retomamos classificações feitas por Lombard (1991) e por Kücherman
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(in Azarquiel, 1993). Considerando as possibilidades de utilisação de letras na nossa
classe de problemas nós consideramos quatro estatutos para a letra: etiqueta, incógnita,
indeterminada e variável.
-
Etiqueta: A letra é empregada como etiqueta quando ela denota algum objeto. É
um pouco como se utilisa em Geometria para representar, por exemplo, os vértices
de um polígono.
-
Incógnita: A letra é representante de um número desconhecido, por exemplo,
durante a fase de colocação na forma de equação a letra é pensada como um
número fixo e preciso. Esse número é designado provisoriamente por uma letra
porque não se conhece o seu valor.
-
Indeterminada: Neste caso, a letra poderia representar vários números. A partir do
momento em que a equação é escrita, a letra adquire autonomia com relação ao
enunciado, ela adquire então o status de indeterminada.
-
Variável: Assume valores num conjunto específico e estabelece uma relação entre
dois conjuntos. Nesse caso, o cálculo não tem mais um fim em si - ele está a
serviço de uma função.
Neste trabalho nos apoiamos no modelo teórico de Duval (2001) para analisar
dois tipos diferentes de transformações de representações semióticas, denominadas por
ele de tratamento e conversão. Lembramos que um tratamento é uma transformação
que permanece no mesmo sistema, isto é, no interior do mesmo registro. Em nosso
caso os dois principais tipos de tratamentos que encontramos são a realização de
cálculos sem mudar o sistema de representação numérica e também os cálculos literais
no sistema de representação algébrico. Uma conversão ocorre quando há mudança de
registro, mas permanece a referência aos mesmos objetos. Nas provas produzidas ela se
manifesta na passagem de um enunciado na linguagem natural para uma escrita literal
ou algébrica ou também entre os registros algébrico e numérico.
Duval (2001) observa que, embora do ponto de vista matemático a conversão
não desempenhe papel tão importante, do ponto de vista cognitivo a atividade de
conversão é fundamental e conduz a mecanismos subjacentes de compreensão. A
originalidade da atividade matemática está na possibilidade de mobilização simultânea
de ao menos dois registros de representação ao mesmo tempo ou de mudar, a cada
momento, de registro de representação.
No que concerne à organização do discurso Duval identifica diferenças na
forma de estruturação entre o discurso argumentativo e o dedutivo. Ele observa que, no
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discurso argumentativo, há um encadeamento semântico no qual as afirmações vão
sendo agrupadas, sem a necessidade de seguir regras fixas predefinidas. No entanto, no
discurso dedutivo, não se pode passar de uma afirmação para outra sem fazer
referência às regras (definições, teoremas etc.). Cada passagem da seqüência dedutiva
deve ser justificada.
Parte Experimental
A população: 45 alunos do primeiro e segundo ano do curso de Licenciatura em
Matemática.
Os problemas: Constituiu-se do conjunto constituído pelas três atividades seguintes:
ATIVIDADE 1
Para cada uma das afirmações abaixo, dizer se é verdadeira ou falsa e apresentar
justificativa detalhada para cada resposta:
-
A soma de um número inteiro para com um n úmero inteiro ímpar é sempre um
número inteiro ímpar.
-
Se o quociente de dois números naturais é igual a 1 (um) então a diferença entre
eles é igual a 0 (zero).
ATIVIDADE 2
Se a e b são números inteiros dizemos que a é múltiplo de b se existir um inteiro k
tal que
a = kb. Nesse caso diz-se também que b é divisor de a ou que b divide a.
A partir da definição acima dizer se cada uma das questões abaixo é verdadeira ou
falsa, justificando cada resposta.
-
Se m é um inteiro múltiplo de 6 então m é múltiplo de 3.
-
Se m é um inteiro múltiplo de 3 então m é múltiplo de 6.
-
A soma de três números inteiros consecutivos é sempre um múltiplo de 3.
ATIVIDADE 3
Para cada uma das afirmações abaixo, dizer se é verdadeira ou falsa e apresentar
justificativa para cada resposta:
-
É possível encontrar cinco números inteiros ímpares cuja soma seja igual a 20.
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-
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É possível encontrar três números inteiros consecutivos de tal forma que o
quadrado do segundo seja igual ao produto dos outros dois.
-
Se um número inteiro é da forma 6k + 5, onde k é um número inteiro, então ele
sempre pode ser escrito na forma 12m + 11, onde m é um número inteiro.
O desenvolvimento experimental: A execução do experimento foi realizada em classe,
fora do horário normal de aula. As atividades foram desenvolvidas individualmente
pelos alunos que dispunham de um tempo de aproximadamente duas horas. Eles foram
orientados a não utilizar rascunho e a explicitar por escrito os cálculos e os passos
utilizados na resolução de cada atividade, nos espaços deixado nas folhas que lhes
foram entregues pelo pesquisador.
Resultados encontrados
Devemos mencionar que nós observamos a produção dos dois níveis de provas
encontrados por Balacheff: pragmático e intelectual. No entanto, a tipologia mais
refinada desses níveis de prova, propostos por esse autor, não é adequada à nossa
situação. A tipologia de prova encontrada é, de modo geral, próxima daquela
identificada pelo autor, em seu trabalho de doutorado (Freitas, 1993), no qual foram
estudados processos de prova na passagem da Aritmética para a Álgebra examinando
produções de alunos franceses com idade variando entre 13 e 16 anos. De maneira
mais precisa, ao contrário de Balacheff, nós encontramos um só tipo de prova
pragmática, enquanto que as provas de nível intelectual são mais diversificadas que a
do modelo proposto pelo autor citado. A partir de nossos dados experimentais nós
observamos uma tipologia segundo três classes: a primeira remetendo ao nível
pragmático e as duas outras de nível intelectual.
Na categoria “pragmática”, encontramos um só tipo, que classificamos como
empirismo ingênuo. Por outro lado, nós fomos levados a distinguir dois tipos de
provas intelectuais relativamente ao campo da Aritmética-Álgebra: a prova por
enunciados e a prova algébrica. Esta distinção foi feita levando em conta de um lado
a linguagem empregada (linguagem natural versus linguagem algébrica), de outro o
funcionamento mental empregado: num primeiro modo, na prova por enunciados,
organização dedutiva das proposições, n’outro, na prova algébrica, o emprego de
códigos simbólicos visando atingir relações gerais.
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As provas pragmáticas: São aquelas que se apóiam sobre tentativas numéricas que
nós assimilamos, de qualquer modo, à realização de experiências. Todas aquelas que
nós observamos se enquadram no “empirismo ingênuo”, pois o aluno fundamenta sua
convicção após a verificação de alguns casos. A título de exemplo, para o problema:
(
) É possível encontrar três números inteiros consecutivos de tal forma que o
quadrado do segundo seja igual ao produto dos outros dois.
Solução apresentada por um aluno:
“Não, porque sempre vai faltar uma unidade para que o produto do primeiro e
do terceiro número seja igual ao quadro do segundo. Por exemplo:
9, 10, 11
102 = 100
9x11 = 99
Enquanto que para certos alunos o empirismo tem valor de prova (e somente
neste caso nós falamos de prova pragmática), para outros este tipo de procedimento
constitui somente um meio de descoberta da conjectura. É claramente o caso de alunos
que, após uma fase de tentativas empíricas (ensaios numéricos sucessivos), elaboram
uma prova “por enunciados”.
As provas por enunciados: Nós designamos assim as provas de nível intelectual que
consistem em organizar diversas proposições em linguagem natural, cada uma dessas
proposições elementares sendo consideradas como verdadeiras pelo sujeito. São
construções intelectuais fundamentais em teorias, em geral não formalizadas e algumas
vezes não completamente explicitadas. Na operação que consiste em organizar
enunciados em linguagem natural, o raciocínio do aluno se apóia em proposições que
podem ter status e valores epistêmicos diferentes.
Como ilustração, apresentamos abaixo uma prova desse tipo produzida por um aluno:
Problema:
( ) É possível encontrar cinco números inteiros ímpares cuja soma seja igual a 20.
Resposta do aluno:
“... A soma de ímpar com ímpar é par, a soma de par com ímpar é ímpar, a
soma de ímpar com ímpar é par e a soma de par com ímpar é ímpar. O
resultado da soma seria um número ímpar e como 20 é par, então fica
justificado a impossibilidade da afirmação”.
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Nesse caso não foram apresentados registros numéricos, embora o aluno possa ter
feito mentalmente antes da produção dessa prova. Por isso, neste caso não foi possível
identificar a conversão de registros numéricos para a linguagem natural. Nessa prova
as propriedades necessárias para a conclusão foram explicitadas e por isso, nessa
variante de prova por enunciados, encontramos uma seqüência dedutiva sem
enunciados implícitos.
As provas algébricas: São as provas de nível intelectual que consistem em validar as
proposições pela utilização da linguagem algébrica. Para produzir esse tipo de prova,
os alunos utilizam o cálculo literal e suas propriedades, atribuindo freqüentemente à
letra seu status o mais geral, aquele de “variável”.
Apresentamos a seguir um exemplo de uma prova desse tipo, produzida por um aluno:
Problema:
É possível encontrar três números inteiros consecutivos de tal forma que o quadrado
do segundo seja igual ao produto dos outros dois.
Solução de um aluno:
“Observe que se fosse possível teríamos que ter (n+1)2 = n.(n+2).
Resolvendo a equação:
n2 + 2n + 1 = n2 + 2n
n2 + 2n - n2 – 2n + 1 = 0
0+1=0
1=0
O que é absurdo. Logo a afirmação é falsa.”
Nessa prova podemos perceber que o aluno, além de possuir um bom domínio
desse tipo de linguagem algébrica, mostrou também ter conhecimento sobre prova
indireta, também chamada de “prova por absurdo”.
Nossa experimentação mostrou que, de modo geral, a produção de uma prova
algébrica é precedida de cálculos mentais, escritos e da formulação de enunciados.
Observamos ainda que vários alunos, mesmo após terem produzido uma prova por
enunciados, continuavam procurando “provar” (algebricamente). Esse tipo de
procedimento sinalisa que, para esses alunos, a prova algébrica é mais valorizada.
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Conclusões
Observamos que, embora a população de alunos e a metodologia de pesquisa
empregada fossem diferentes daqueles pesquisados no trabalho de doutorado, os
resultados encontrados no que concerne à tipologia de provas e registro de
representação semiótica utilisados (Freitas, 2003) são bastante parecidos.
Nas produções dos alunos iniciantes do curso de licenciatura, observamos tanto
provas do tipo pragmáticas quanto intelectual; entretanto, nós pudemos constatar que
na produção dessas provas, as conversões de registros foram freqüentes. Essas
conversões estiveram associadas a oscilações entre momentos de pesquisa e de
validação e também a mudanças entre níveis de prova.
Relativamente ao campo da Aritmética-Álgebra nós distinguimos dois tipos de
provas intelectuais: a prova por enunciados e a prova algébrica. A distinção foi feita
levando em conta de um lado os tipos de registros de representação empregados pelos
alunos (linguagem natural versus linguagem algébrica e linguagem numérica versus
linguagem algébrica). Nessa identificação consideramos também as transformações de
registros realizadas: num primeiro momento, na prova por enunciados, visando
organizar a forma dedutiva das proposições, em outro, na prova algébrica, procurando
por meio do emprego de códigos simbólicos atingir relações gerais.
Nas duas categorias de provas, “pragmáticas” e “intelectuais”, produzidas pelos
alunos, observamos tanto tratamentos de registros, quanto conversões entre três tipos
de registros de representação: linguagem natural, numérica e algébrica. Percebemos
que a atividade de validação é indissociável do registro utilizado, ou seja, que as provas
produzidas pelo aluno dependem tanto do seu domínio sobre o registro de
representação quanto do nível de conhecimento sobre o conteúdo representado.
Observamos que, de modo geral, os alunos iniciam a resolução do problema
operando registros numéricos. Após alguma descoberta tentam validar por meio de
algum tratamento mais elaborado, seja em linguagem natural ou usando registros
algébricos. Nesse caso as conversões de registros são formas de buscar instrumentos
para validar conjecturas que eles identificam e que consideram plausíveis.
A experimentação mostrou que a produção de prova algébrica é, em geral,
precedida de provas por enunciados. Nossas observações mostraram que esse tipo de
prova não apresenta as “qualidades” de prova suficientes para serem aceitas como tais
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pelos alunos, pois os mesmos continuavam procurando “provar algebricamente”
mesmo após terem produzido uma prova por enunciados.
Como continuidade desta pesquisa estamos elaborando outras experimentações
a serem aplicadas em alunos do Ensino Médio e de início de Licenciatura em
Matemática, com o objetivo de investigar com maior profundidade concepções
empregadas na resolução dessa classe de problemas situados na passagem da
Aritmética para a Álgebra. Esta previsto também a elboração de seqüências didáticas
para a aprendizagem de conceitos algébricos. Essa ampliação dos estudos, sobre
processos de validação na aprendizagem de álgebra, está sendo desenvolvida
juntamente com a equipe Did@TIC – IMAG – França, com o auxílio de ambientes
informatisados, em particular do software educacional Aplusix.
Palavras-chave:
Provas, Registros de Representação, Aritmética-Álgebra
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Referências bibliográficas
AZARQUIEL, Grupo. Ideas y actividades para enseñar algebra. Madrid : Editorial
Syntesis S.A, 1993.
BALACHEFF, N. – Une étude des processus de preuve en mathématique chez des
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DUVAL R., EGRET M. A. L’organisation déductive du discours, Annales de
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DUVAL, R. Registres de représentations sémiotiques et fonctionnement cognitif de la
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LOMBARD P. A propos des nouveaux programmes. REPÈRES-IREM – No. 2 –
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FREITAS, J.L.M. L’activité de validation lors du passage de l’arithmétique à
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Tese de doutorado. Universidade Montpellier II, França, 1993.
FREITAS, J. L. M. Registros de representação na produção de provas na passagem
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representação semiótica. Silvia Dias Alcântara Machado (org.). São Paulo: Papirus,
2003.
ROBINET J. Cahiers DIDIREM – Didactique des Mathématiques. Université Paris
VII. Paris, França, 1989.
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