RICARDO JORGE PINTO:
«O jornalista vai perder o monopólio da informação»
José Lapa
3º Ano do Curso de Comunicação Social
Ricardo Jorge Pinto, Director do Expresso para a região norte, veio à
ESEV proferir uma comunicação sobre «Linhas Editoriais», integrada no
Colóquio “Os Desafios da Comunicação no século XXI”.
Ricardo Jorge Pinto é Professor Associado da Universidade Fernando
Pessoa e Director do seu Centro de Estudos Mediáticos. Doutorado em
Jornalismo pela Universidade de Sussex (Inglaterra), publicou entre outros
trabalhos, o Dicionário de Ciências da Comunicação (Porto Editora, 2001) e O
Futuro do Jornalismo na Internet (Comunicação e Sociedade, 2000).
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J.L. - O que o levou a enveredar pelo jornalismo?
R.J.P.. – A compreensão do presente. Depois de ter estudado História (que me dava a
compreensão do passado) e Filosofia (que me dava uma perspectiva do futuro), achei
que estava no momento de estudar Jornalismo para entender a actualidade e a
realidade que nos envolve. Mas confesso que a escolha profissional do Jornalismo
passou especialmente pela possibilidade que essa carreira me dava de poder trabalhar
diariamente com palavras (o mais enigmático dos enigmas humanos). Poder passar
longas horas a escrever e saber que ainda me pagavam para isso foi uma proposta
demasiado atraente para eu a poder desperdiçar.
«…a função de uma linha editorial não é criar mecanismos
de censura, mas apenas estabelecer os parâmetros em que
um jornalista sabe que se poderá movimentar»
J.L. - É uma actividade com futuro ou a evolução desenfreada da sociedade pode
pô-la em causa?
R.J.P. – Não sei que futuro terá. Mas sei que terá um futuro. Esta é uma actividade
que se mantém fascinante, mas ao mesmo tempo terrivelmente comprometedora e
envolvente. Num futuro próximo, o jornalista terá de encarar novos desafios ainda
mais difíceis, mas por isso mesmo ainda mais aliciantes. Com as novas tecnologias da
comunicação e a interactividade que lhe está associada, a tarefa da informação será
partilhada por emissores e receptores do sistema mediático. O jornalista vai perder o
monopólio da informação. Contudo, é nisso que reside a mais fascinante descoberta
do novo território do jornalismo.
J.L. - Qual é a importância das linhas editoriais, numa publicação?
R.J.P. – Elas servem essencialmente para guiar o jornalista no interior do labirinto do
seu próprio espaço de trabalho. As linhas editoriais são uma espécie de farol
ideológico e metodológico do jornalista.
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J.L. - Entende que há incompatibilidade entre uma linha editorial e a isenção
exigível no trabalho de um jornalista?
R.J.P. – Depende da linha editorial e do grau de isenção a que o jornalista se impuser.
Mas penso que a função de uma linha editorial não é criar mecanismos de censura,
mas apenas estabelecer os parâmetros em que um jornalista sabe que se poderá
movimentar.
J.L. Não lhe parece que existe um excessivo peso do editorialismo sobre o
jornalismo?
R.J.P. – O jornalismo sempre foi uma actividade que se sente desconfortável com
qualquer linha orientadora, porque a informação jornalística não é um espelho da
realidade. Ela é uma construção da realidade. Por isso, como arquitecto da
actualidade, o jornalista gosta de ter liberdade para desenhar a realidade que inventa.
Mas é também por isso que o editorialismo deve servir como travão aos potenciais
excessos de criatividade.
J.L. - Afinal, o que é ser isento e objectivo, no actual contexto dos media ?
R.J.P. – Isenção e objectividade não existem. São mitos produzidos para dar ao
jornalismo uma imagem de competência que não lhe pode ser conferida. O jornalismo
é uma actividade exercida por pessoas que têm uma consciência e uma idiossincrasia,
que olham para a realidade que os envolve a partir de uma determinada perspectiva
(que pode não ser a dos outros). O jornalismo é uma actividade subjectiva,
incompatível com qualquer pretensão de objectividade. O que deve existir, isso sim, é
honestidade. A honestidade que diz: foi assim que eu vi.
J.L. - A criação de grandes grupos de comunicação social não pode ser nociva
para a liberdade de informação?
R.J.P. – Penso que não. A liberdade de informação depende de muitas variantes no
sistema mediático, entre as quais a do formato do sistema mediático. Mas esta última
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é secundária relativamente a outros factores como a vontade de quem controla esse
sistema mediático, ou o profissionalismo de quem executa a tarefa da informação.
J.L. - Num mundo globalizado, qual é a importância que atribui à imprensa
regional?
R.J.P. – Ela terá que ser cada vez mais fundamental. As pessoas querem conhecer o
mundo distante, mas também a realidade próxima. Tem de existir espaço para os
meios globalizantes e para os órgãos de comunicação com informação local. Eu gosto
de saber o que se passa com as relações diplomáticas entre a Índia e o Paquistão, mas
quero também saber as razões do buraco que apareceu em frente à minha garagem.
J.L. - O jornalismo em Portugal está a
evoluir?
RJ.P. . – O jornalismo é um conceito
dinâmico. Está sempre em evolução.
Mesmo quando parece mais apático, essa
apatia
é
sintoma
de
evolução.
O
jornalismo em Portugal está a mexer: a
criar um fosso entre a boa informação
(que é cada vez melhor) e má informação
(que é cada vez em maior quantidade).
«O campo da comunicação é cada vez mais abrangente e
exige profissionais preparados para múltiplas tarefas »
J.L. - Por que se lêem tão poucos jornais em Portugal?
R.J.P. – Porque não existem hábitos de leitura. E porque Portugal, neste, como em
muitos outros campos, é um país subdesenvolvido, terceiro-mundista.
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J.L. - Onde está a culpa: no jornal ou no leitor?
R.J.P. – Embora a minha explicação possa parecer uma fuga à pergunta, eu diria que a
culpa não é de nenhum deles: A culpa é do sistema. E o sistema são ambos e ambos
servem de desculpa para o alheamento do outro. O jornal talvez não saiba cativar os
leitores, com informação mais pragmática e interessante. Mas o leitor talvez não
esteja motivado para uma informação que estimule os produtores de notícias.
J.L. - O ensino da comunicação social em Portugal dá garantias de preparar
bons profissionais?
R.J.P. – Depende do sítio onde se faz esse ensino. Há escolas que dão essa garantia e
outras que nem por isso. Mas o que constato é que há uma tendência, que me parece
positiva, de preparar bons comunicadores, em vez de apenas bons jornalistas, ou bons
criativos publicitários. O campo da comunicação é cada vez mais abrangente e exige
profissionais preparados para múltiplas tarefas.
J.L. - Face à sua larga experiência profissional e académica, na área da
comunicação social, que conselho daria a um jovem que estuda e se prepara para
entrar nesse mundo aliciante?
R.J.P. – Que não desista perante os primeiros obstáculos. Portugal não é um país que
trate bem os jornalistas. Aliás, não é um país que trate bem a comunicação social. Mas
a profissão, mesmo em Portugal, tem aspectos muito atraentes e que fazem valer a
pena o esforço e alguns sacrifícios. Outro conselho é o de que se preparem, não para
este cenário mediático, mas para o que está a bater-nos à porta: o cenário das novas
tecnologias da comunicação, como os jornais electrónicos, a rádio digital e a televisão
interactiva. Será nesse cenário que eles irão trabalhar e o campo profissional será
ainda mais competitivo e exigente.
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