Lampião quebrando armadilhas no sertão
Renálide de Carvalho Morais Fabrício - Pibic/ UFPB
Ana Cristina Marinho Lúcio
“Sou senhor absoluto
De todo este sertão
Aqui quem quiser passar
Precisa apresentar
Licença de Lampião”.
(Versos de Lampião) 1
Introdução
Virgulino Ferreira da Silva, jovem, nascido a 12 de fevereiro de 1900, filho de
dono de sítio pobre em Vila Bela, hoje Serra Talhada, sertão de Pernambuco. Estudou
seis meses com um parente, era muito inteligente. Foi comerciante, vaqueiro,
almocreve. Comprou e revendeu rapadura, farinha. Andou quase todo o Nordeste:
Pajeú, Salgueiro, Frei Miguelinho, Exu, Nazaré. Foi poeta, violeiro, sanfoneiro e
amansador de burro. Veio o destino e confabulou desavença entre a família de José
Ferreira da Silva e Maria José e a dos Saturnino e dos Nogueira; todo o conflito
engendrado por um chocalho de gado amassado pela família dos Nogueira, donos de
fazenda em Vila Bela, de cuja inveja e ambição foram vítimas os Ferreira. Os Saturnino
pensaram ter sido os Ferreira os autores do atrevimento e então começou a briga.
Depois de um tiroteio, vendo o irmão Antonio atingido, Virgulino quis vingar a honra
de sua família. O conflito desaguou no trágico assassinato dos pais de Lampião pela
polícia. Depois de tentar ser atendido pela justiça oficial e depois de perceber o mau
tratamento dado aos que nada possuem, resolveu fazer justiça com a própria mão,
empunhando um parabelo, como bem dizem Lenine e Paulo C. Pinheiro, na música
Candeeiro Encantado2. Virgulino virou Lampião, o governador do sertão. Desde então
empreendeu façanhas comentadas por toda a gente nordestina e recriadas em verso e
prosa pela imaginação do povo.
Essas informações introdutórias não são unânimes na literatura que versa sobre a
vida de Virgulino Ferreira da Silva, mas, retiradas de folhetos de cordel, nos servirão de
ponto de partida para uma breve apreciação da representação de Lampião, figura
histórica do Nordeste brasileiro, enquanto personagem da literatura popular. Nossas
fontes serão os folhetos A chegada de Lampião no inferno de José Pacheco, O Mito
Lampião, de João Bandeira, e o livro Terra - Lampião e a Baronesa, escrito por Heloisa
Prieto e ilustrado por Cárcamo, destinado ao público infantil. Desses textos emerge não
o Lampião “oficial”, mas o Lampião que brota das vozes acesas do povo. Daí nosso
intento: ocuparmo-nos do Lampião meio homem comum, meio herói, meio mito, meio
metáfora. O capitão do sertão cantado e vivificado pelos cantos do cordel e recantos da
literatura infantil. O Lampião lendário será nosso enfoque.
1
Os versos de autoria de Lampião foram retirados do livro Lampião, seu tempo, seu reinado, de
Frederico Bezerra Maciel. Volume I- As origens.
2
“Já foi-se o tempo do fuzil papo amarelo./ Pra se bater com o poder lá do sertão./ Mas Lampião disse
que contra o flagelo./ Tem que lutar de parabelo na mão.Lenine- O dia em que faremos contato.
Gravadora BMG.
A Representação de Lampião no Cordel e na Literatura Infantil
Sabemos que Lampião teve uma existência determinada historicamente, foi
homem, viveu entre nós e praticou ações das quais se fala tanto nos livros históricos
como nas ficções. Sabemos, ainda, que há diferenças entre essas duas modalidades de
literatura. Anatol Rosenfeld 3 afirmou que mesmo as personalidades históricas, quando
passam pela mão do dramaturgo ou poeta, tornam-se personagens, figuras fictícias. Essa
questão nos chamou a atenção tanto nos cordéis como no livro de Heloisa Prieto. Há,
nessas produções, sempre uma dicção que agiganta as ações praticadas por Lampião e
as conseqüências das mesmas. Virgulino sai do espaço da realidade histórica para um
espaço mítico onde se torna herói. Esse espaço mítico é encontrado nas páginas da
literatura de cordel, nas quais a presença do cangaceiro como herói do povo sertanejo é
fortemente marcada.
“O herói mítico é a personificação dos desejos coletivos. Em
tempos de crise, este desejo impregna-se de força virulenta e
projeta a imagem plástica e individual das esperanças em forma de
personificação”. (Rosenfeld, 1996:36)
Ora, Lampião condensa em sua história a de todos os marginalizados e
esquecidos pelo poder, é metáfora da bravura, do desejo de vencer a injustiça. Lampião
é uma lenda já que suas ações transcendem o mundo da realidade histórica e são
compiladas pela memória coletiva do povo sertanejo. É impossível defini-lo. Enquadrálo de forma maniqueísta como bom ou mau, somente, será trabalho infecundo. Vamos
aos textos para ilustrarmos melhor o que estamos a afirmar.
O primeiro folheto que vamos abordar será O Mito lampião de João Bandeira.
Duas questões nos saltaram aos olhos. Elas têm a ver com os dois motivos-chave que
surgem no final das estrofes, o que é costume entre repentistas e cordelistas, e
impulsionam as rimas de João Bandeira. São eles: “Tem muita gente que diz / que
Lampião não morreu e Lampião, rei do cangaço / Fez justiça no sertão”. O primeiro
deles nos sugere a imortalidade de Lampião, ao mesmo tempo em que desloca a
responsabilidade de autoria para uma terceira pessoa - a despersonalizada multidão que mantém viva a memória de Lampião. Fazendo isso, mitifica a personalidade real de
Lampião, transpondo esse personagem para o plano da lenda e autoriza a tradição oral a
se tornar literatura. O segundo mote nos revela um cangaceiro poderoso que pratica a
justiça. Lampião não é, aqui, um homem comum, mas um homem dotado de virtudes
que o aproximam de um santo guerreiro.
O poeta fala do que ouviu falar, ele não sabe se é verdade ou se é mentira como
dão prova os versos “existe até quem ateste / que ele nem envelheceu / se é mentira não
foi eu / que inventei e nem fiz / tem muita gente que diz / que Lampião não morreu”.
Caímos, então, no campo de uma invenção coletiva, pois a representação oferecida ao
leitor, segundo nos diz o próprio poeta, não surge de uma elaboração individual, mas
nasce, sobretudo, da sedimentação na consciência do poeta do que lhe chega aos
ouvidos, surge do contato com a boca “linguaruda” do povo, de cujo ambiente e
acontecimentos e costumes e língua o cordelista também faz parte4. O poeta dá forma
3
Anatol Rosenfeld, O Mito e o Herói no Moderno Teatro Brasileiro, ver capítulos O Misticismo Popular
na Obra de Dias Gomes e o tópico O herói e o mito do capítulo Heróis e Coringas. São Paulo:
Perspectiva, 1996.
4
Com essa afirmação não quero negar a autoria do cordelista, mas enfatizar o seu contato com a tradição
oral, e coloca-lo como representante maior da voz do povo na literatura.
literária à tradição oral. O uso da melódica redondilha maior, do mote e da metáfora
agigantam a figura do cangaceiro.
A chegada de Lampião no inferno de José Pacheco está envolta com os ares do
maravilhoso, pois inicia com um cabra de Lampião, chamado Pilão Deitado, que anda a
assombrar o sertão com a notícia de que viu o cangaceiro chegar ao inferno. Esse
personagem está morto, assim como Lampião. A chegada de Lampião desmantela a
ordem do inferno, como dizem os versos “o inferno nesse dia / faltou pouco pra virar /
incendiou-se o mercado / morreu tanto cão queimado / que faz pena até contar”. Como
satanás não aceita que Lampião fique no inferno, por achar que ele é “ladrão da
honestidade” e “bandido”, a coisa pega fogo. É necessário que o diabo maior convoque
um exército de diabos para deter o cangaceiro: “leve 100 dúzias de negros / entre
homens e mulher / vá na loja de ferragem / tire as armas que quiser / é bom avisar
também / pra vir os negros que tem / mais compadre Lúcifer”. Houve tiroteio, Lampião
se feriu , mas não caiu no combate. Com uma caveira de boi, ele derrubou um, com um
chexo incendiou o mercado. Nesse combate se percebe a desproporção entre as armas
que lampião utilizava e a dos diabos que estavam armados de bacamarte, maçarico e
pau de prença. Lampião usava mais a astúcia do que o poder das armas. Isso aproxima o
cangaceiro do povo que se defende com as armas que tem, diante da opressão.
Ao cabo da luta, Lampião desaparece, sem nenhuma explicação. Diz o poeta:
“Leitores vou terminar / o tratado de lampião / muito embora que não posso / vos dá
explicação / no inferno não ficou / no céu também não chegou / por certo está no
sertão”. Ana Cristina Marinho Lúcio 5 tece comentários sobre a forma como Lampião é
representado nesse cordel.
“Embora ‘bandido’ e ‘ladrão da honestidade’, Lampião termina
como herói, valente e brigão. Não chegou nem mesmo a purgar
seus pecados, não precisa pagar o que fez na terra, volta para o
sertão, permanece na memória das pessoas”. (Pinheiro e Lúcio,
2001:75)
Novamente a elaboração da personagem evoca a dimensão lendária, Lampião
vira herói eternizado nas cantigas, nos versos de cordel e na literatura popular.
Passemos ao livro Terra - Lampião e a Baronesa, de Heloisa Prieto. Esse livro,
destinado às crianças, conta histórias cheias de magia e segredo. Há um entrelaçamento
de narrativas, pois existe uma menina que é personagem-narradora e que conta do
tempo em que era pequena e ia visitar seu tio Paschoal e, ao mesmo tempo, o tio
aparece como o contador das histórias que são anteriores ao nascimento da menina,
histórias da infância dele. As narrativas se separam pela cor da página. Quando a
menina fala a cor da página é branca, quando é o tio ou a dona Cida ou o Zelão que
falam, a cor da página é marrom. São contos que se passam no sertão da Bahia. As
histórias são muitas, mas como já esclarecemos acima, nosso foco será a representação
de Lampião nessa literatura. A menina passa as férias com seus primos na fazenda do
tio Paschoal, o ambiente é de fartura, fazenda abastada, com trabalhadores no algodoal,
gado, vaqueiros da fazenda, dentre os quais, emerge a figura de Zelão, contador de
histórias e cheio de ensinamentos preciosos. Dona Cida trabalha no algodoal e também
tem muito que contar das histórias do cangaceiro. A menina narradora era muito sapeca,
dona Cida dizia que ela era do povo de Oxum, Oxum Apará a deusa guerreira, e que
melhor seria não quebrar o espírito dela. Ela vivia brigando com os primos e só uma
5
Ver PINHEIRO, H. e LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São Paulo: Duas Cidades,
2001.
coisa a acalmava: sentar-se para ouvir as histórias do povo de sua terra. As que ela mais
gostava contavam sobre Lampião e o seu bando de cangaceiros.
O primeiro conto se passa num fim de tarde regado a doce-de-coco. Chama-se
Mulher Rendeira e é narrado por dona Cida. Nessa história aparece uma mulher muito
malvada e bonita que tem o costume de deixar os moços apaixonados e depois maltratálos. É Sebastiana, filha de Janaína, a mulher rendeira, que casou com um árabe e morreu
de desgosto por causa das várias mulheres que ele tinha. Desde então, Sebastiana só
vive a maltratar os homens que se apaixonam por ela. Certo dia chega a notícia de que
Lampião chegará por aquelas terras, então, Sebastiana promete que vai deixar o capitão
do sertão caído por ela. Decerto que ela não consegue esse feito, porque Lampião é
bastante apaixonado por sua Maria Bonita, mulher de grande beleza e valentia. A
imagem do governador do sertão é de um homem bem-educado, que gosta das letras,
mas também muito desconfiado e poderoso. Diz dona Cida: “Um feirante me contou
que Lampião venceu tanto perigo por causa das rezas fortes das negras velhas”. Não só
nesse conto, mas no livro inteiro é forte a presença da religiosidade africana, dos deuses
africanos protegendo o guerreiro.
O segundo conto Lampião e a Baronesa mostra o Lampião generoso, que salva
uma família de comerciantes da falência, protegendo-a da maldade da baronesa, que
vivia insatisfeita por não ter casado com o filho do comerciante. Apresenta-nos o
“defensor dos pobres”, “o melhor vaqueiro do sertão”, o “Robin Hood” do sertão.
Vemos nesses epítetos a aproximação do cangaceiro Virgulino do modelo de cavaleiro
medieval. Como acontece com Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, Lampião
também é dotado de vários nomes, todos simbolizando suas características de herói
popular. O próprio nome Lampião, diz respeito a uma sua característica de guerreiro:
sua espingarda nunca deixava de atirar e fazer luz. Episódio interessante desse conto é o
que acontece quando dois cabras do bando de Lampião, para escapulir da polícia,
colocam as armas em duas redes, melam-nas de vermelho e entram na cidade a dizer
que levam corpos de cangaceiros de Lampião e que a baronesa havia vencido. A
população se entristece, mas, ao final, os cabras invadem o quartel e, aproveitando a
desatenção dos policiais iniciam um tiroteio do qual saem vencedores. E o povo canta:
“É Lampi, é Lampi
Lampi é Lampião.
O nome dele é Virgulino,
Governador do sertão!”(p. 31)
Corisco e Dadá, história narrada por Zelão, peão da fazenda do tio Paschoal,
mostra como aconteceu o encontro do diabo loiro, o melhor cabra de Lampião, com sua
Dadá, e como a vida nos acampamentos era preenchida com livros, máquinas de costura
e até cinema. As mulheres do bando tinham que ser prendadas. Como Dadá fosse bem
menina na época em que foi tirada da casa de seus pais por Corisco, ele passou dois
anos ensinando-a a ler, a atirar e a costurar, até que ela ficasse pronta para concretizar o
casamento. Lampião era amigo de um dos primeiros cineastas do Brasil, o Turco. “O
capitão Virgulino acreditava que devia evitar as injustiças e defender os amigos”. Um
dia, o Turco projetou o filme “A Paixão de Cristo” para Maria Bonita, Lampião,
Corisco e Dada assistirem. No momento em que Pilatos lavou as mãos e Jesus foi preso,
eles começaram a atirar contra as imagens. Queriam matar o traidor. Esse trecho traduz,
com humor, a insatisfação do bando diante da injustiça. Outro trecho importante é o em
que Maria e Dadá defendem uma moça que apanhava do marido. O bando está numa
feira e a moça aparece pedindo socorro às cangaceiras. Maria Bonita olha compadecida
para a moça e a protege do marido que vem chegando. Esfaqueia o peão e leva a menina
para fazer parte do bando. Como o peão não levou a sério a afronta de Maria por ela ser
mulher, e ainda a desrespeitou querendo beijá-la, ela o esfaqueia no meio da feira, o faz
dançar “na marra”, atirando perto de seus pés e leva a moça para juntar-se ao bando.
Maria e Dadá mostram que “mulher que é mulher merece respeito”.
Biliana, Docinho e Josira é a última narrativa do livro. Dona Cida conta o
episódio da perseguição às três negras velhas africanas pela polícia. Passagem de forte
cunho místico. Quando lampião corre para socorrer as velhas, uma delas, Biliana do
Nascimento, se posta diante da cavalaria e invoca o deus Xangô: “Na mesma hora, meus
filhos, um raio rasgou o céu acinzentado, como se anunciasse chuva. Mas não há chuva
no sertão”. Acontece aqui um milagre, as balas são lançadas na negra, mas não a
atingem. Quando ela invoca o nome de Xangô pela segunda vez uma chuva torrencial
cai no pedaço de chão que a envolve. Momento clímax da narrativa, união das forças do
cangaceiro e das rezadeiras africanas contra a violência policial. Depois do combate, os
macacos (era assim que Lampião denominava os policiais) saíram em retirada. Há um
trecho de beleza singular que transcreverei abaixo:
- Capitão, o senhor protegeu a mim, e eu sou filha de Xangô, o deus
da justiça. Por isso lhe prometo que o povo sempre lhe fará justiça,
mesmo quando os poderosos tentarem levar seu nome à lama.
Mesmo que um dia o senhor seja traído e tenha a cabeça cortada. A
cada ano que passar, seu nome ganhará mais força, como símbolo
de justiça e grande coragem. Não, o capitão não ficará só, pois em
seu caminho há uma moça muito bonita e corajosa. Uma linda filha
de Oxum Apará, deusa do amor, das crianças, da bondade, mas
também portadora das espadas da justiça. Ela lhe será fiel e
dedicada, e se o senhor quiser agradar-lhe, dê-lhe perfumes
espelhos e bons cavalos. A morte não conseguirá separa-los, meu
capitão. Vocês sempre estarão juntos, trilhando os caminhos da
memória, dos sonhos, das canções e da poesia de seu povo. ( p. 44)
Essas são as palavras de dona Biliana do Nascimento para Lampião. De
fato Lampião é traído, tem a cabeça cortada, a profecia da negra se cumpre. Mas é
também por essa profecia que ele se eterniza como ícone da bravura do povo do
nordeste brasileiro.
O fio de linguagem que costura essas narrativas é formado em grande parte por
um derramamento de adjetivos e hipérboles e metáforas que engrandecem a figura do
cangaceiro. Lampião é sempre astuto, forte, inteligente, justo, valente. Lampião é igual
a Rei do cangaço, governador do sertão, defensor dos pobres. Palavras e expressões que
deslocam a violência de Lampião do plano da marginalidade para o plano das virtudes.
O título do livro coloca de um lado Lampião e do outro a baronesa, como uma sugestão
prévia de que o discurso que incrimina o cangaceiro não surge da voz do povo, mas da
do poder. Há um trecho no qual tio Paschoal diz à menina:
Naquele tempo, era como se a Bahia tivesse se dividido ao meio: de
um lado a polícia, os governantes e inimigos de Lampião; de outro,
as famílias que o acolhiam e o viam como um homem de imensa
coragem. Bem, minha filha, quem desse refúgio ao Capitão
desafiava os poderosos”. (p.25)
Podemos dizer que a voz da menina narradora atualiza, num cruzamento
com as vozes do tio Paschoal, de Zelão e de dona Cida, a memória do povo sobre a vida
de Lampião. A menina conta pra gente o que ouviu de seu tio, que já ouviu de outros
contadores passados. Assim também acontece com os cordéis que apresentamos.
Podemos dizer que a Forma Simples de que fala André Jolles6, ou seja, a forma que
nasce do labor da própria língua, sem a intervenção do poeta, se atualiza numa Forma
Artística, já que, nesses textos encontramos a figura do autor. Esse autor colheu a figura
do Lampião real com a intervenção da linguagem “penerou-o, moeu-o, molhou-o e
aqueceu-o: é uma fabricação poética”. (JOLLES, 1976:26).
Esse autor popular se vincula a língua do povo de tal modo que faz com que ele
se identifique com o que está escrito, porque já ouviu falar. O que confirma a afirmação
de Walter Benjamin7 segundo a qual “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a
fonte a que recorreram todos os narradores”. (1994:198)
Com esse texto buscamos atingir os espíritos sensíveis à literatura e atentos às
manifestações da poesia popular. Heloisa Prieto consegue costurar as narrativas do herói
do sertão utilizando-se de uma fala popular, que passa pelas vozes presentes nos
folhetos de cordel, nos contos populares e lendas. É um convite ao jovem leitor para
descobrir e se encantar com as histórias e lendas sobre o cangaceiro, sobre a
religiosidade popular, sobre a fé e a justiça. Afinal, contar-ler-recontar a história
literária do herói Lampião foi para nós ativar um pedaço da nossa história que parece ter
sido abafado pela história dos vencedores.
Referências
BARRETO, Adalberto. A morte de Lampião. Coleção Lampião. Edições Aquarius ltda.
BANDEIRA, João. O Mito Lampião. Ed. Esp. 2MJ. Do. 1997.
BENJAMIN, Walter. O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:
Magia e técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.
Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996. 197-221
JOLLES, André. Formas Simples (Legenda, Saga, Mito, Adivinha, Ditado, Caso,
Memorável, Chiste). São Paulo: Cultrix, 1976.
LEITE, José Costa. Nascimento, Vida e Morte de Lampião, Rei do cangaço. Recife:
Coqueiro.
LÚCIO, Ana Cristina Marinho e PINHEIRO, Hélder. Cordel na Sala de Aula: Coleção
Literatura e Ensino. São Paulo: Duas Cidades, 2001.
PACHECO, José. A chegada de Lampião no inferno.
PRIETO, Heloisa. Terra - Lampião e a Baronesa. Ilustr. de Cárcamo. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 2002.
ROSENFELD, Anatol. O Misticismo Popular na Obra de Dias Gomes. In: O Mito e o
Herói no Moderno Teatro Brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1996.
6
Ver JOLLES, André. Formas Simples (Legenda, Saga, Mito, Adivinha, Ditado, Caso, Memorável,
Chiste). São Paulo: Cultrix, 1976.
7
Ver BENJAMIN, Walter. O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e
técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São
Paulo: Brasiliense, 1996. 197-221
Download

Lampião quebrando armadilhas no sertão Introdução Virgulino