Dado, Informação e Conhecimento: desconstruindo mitos
Leonardo Erlich
A maioria dos profissionais que atua na área da tecnologia da informação, em especial
os engenheiros de software, trabalha diretamente com o que hoje em dia é considerado um
dos ativos mais valiosos das empresas: a informação. O problema é que há muitos mitos no
que concerne os conceitos de dado, informação e conhecimento que acabam prejudicando o
desenho dos sistemas de informação.
A maioria dos livros de informática e dos textos que tratam do assunto utiliza o termo
“informação” sem defini-lo, o que acaba acarretando no uso inconsistente do mesmo. Quem
se dá ao trabalho de definir costuma escrever que informação é o dado processado. E o que é
o dado? Nesse caso, menos textos ainda fazem menção à definição de dado.
Vamos supor que dado seja a informação bruta, que é obtida externamente e
armazenada no sistema. Quando esse dado vira um gráfico, então ele se transforma em
informação. E se esse dado simplesmente for mostrado na tela do computador? Ele é dado ou
informação? O mesmo número escrito em algarismo arábico, em algarismo romano, por
extenso ou mostrado em um gráfico pode ser considerado dado em todos os casos ou somente
em alguns?
Se alguém escrever o número “3” numa folha de papel, isso é um dado ou uma
informação? Será que se esse “três” estiver respondendo à pergunta “Quantos carros você
tem?”, ele é uma informação? Mas quando ele é simplesmente um algarismo repousando
numa folha, ele é um dado? Digamos que ao invés de “3” fosse “30” que, por acaso, é a sua
idade. Lendo o número “30”, você se lembra da sua idade. Então, ele é dado ou informação?
E as páginas de um jornal? Possuem dados ou informações? Para completar de vez essa
confusão, vou fazer mais um questionamento. O que é certo dizer: sistema de informação ou
sistema de dados?
Vamos falar agora um pouco sobre conhecimento. Nosso cérebro possui informação
ou conhecimento? Se a resposta for informação, quer dizer que a mente é um HD que escreve
e lê informações. Mas será que ela é só isso? O cérebro é tão complexo que todo dia surgem
novas descobertas científicas, sendo que há ainda um longo caminho a se percorrer para o
total entendimento do funcionamento da mente (se é que conseguiremos algum dia). Aliás, se
ela faz essas funções, como um computador, então ela estaria lendo e escrevendo dados e não
informações, certo?
O que eu quis demonstrar até aqui é a incoerência que existe na utilização desses
termos. Parece um assunto banal, mas ele é a base da ciência da informação, que é estudada
por todos os profissionais atuantes na área de informática. Impressiona, se refletirmos bem,
mas nós fazemos sistemas de informação sem saber ao certo o que é informação.
A representação do fato
Para começar a desatar esse imenso nó, esqueçamos dado, informação e conhecimento
que são termos já viciados e consideremos que existem três dimensões bem diferentes entre si,
embora possuam forte conexão. O entendimento correto dessas dimensões é fundamental para
todos os profissionais da área e até mesmo para os usuários dos sistemas ou os que têm apenas
curiosidade no assunto.
A primeira dimensão é o fato concreto em si, sem considerar como ele está
representado. Por exemplo: o objeto cadeira, o ruído do trovão, o cheiro do perfume, um
aluno fazendo prova de matemática são fatos, independente da forma como eles podem ser
representados.
A segunda dimensão é, então, a representação simbólica do fato. Ela pode ser na forma
de foto, de texto em qualquer idioma, de cheiro, de som, etc. Não se pode confundir o fato
com a representação do mesmo. O objeto cadeira pode estar representado em uma foto ou ser
escrito em letras minúsculas numa folha de papel. O ruído do trovão pode ser representado
por um ruído sonoro ou mostrado como uma piscar de luz. O cheiro do perfume pode ser
sentido ou pode-se escutar palavras de um amigo, elogiando o mesmo. Um aluno fazendo
prova pode estar sendo mostrado em um filme ou pode ser desenhado em uma caricatura.
Vamos ver mais alguns exemplos. Esse artigo possui diversas representações,
descrevendo fatos em forma textual no idioma português. A estatística de que o governo Lula
possuía 70% de aprovação popular, aumentando para 75% no mês seguinte pode vir no
formato texto ou desenhado em um gráfico.
Vamos agora nomear essa segunda dimensão de informação. Portanto, a partir de
agora, informação é a representação de um fato. Ela pode ser escrita, falada, ouvida, filmada,
pode vir em forma de texto, gráfico 2D, 3D, pode ser comprida ou curta, grande ou pequena.
Não importa. O fato cadeira pode estar escrito textualmente ou fotografado em uma revista.
Em ambos os casos, o que se tem é informação. 70% de aprovação popular pode vir escrito,
desenhado em gráfico de pizza ou de barras. São todas informações referentes ao mesmo fato.
Ficando clara a diferença entre as duas primeiras dimensões, vamos passar para a
terceira. Enquanto as duas primeiras são externas, essa é a dimensão interna ao ser humano.
Vale reforçar que nossa mente não é um computador simplificado, armazenando dados ou
informações, conforme eles vão sendo absorvidos. O processo de acomodação da informação
é muito complexo, sendo que cada indivíduo reage de forma diferente à mesma informação. A
assimilação depende de fatores sociais, culturais, econômicos e até do estado presente do
indivíduo que pode estar irritado, feliz, triste ou nervoso. Esse processo está muito longe de
ainda ser totalmente compreendido.
Pode ser difícil de aceitar de imediato, mas toda informação gera alguma alteração
dentro do cérebro, produzindo diferentes reações em cada indivíduo. Uma explosão de fogos
de artifício pode ser um simples ruído para um, um tiro para um segundo e uma felicidade,
por ouvir os fogos, para um terceiro. Qualquer que seja a informação, ela desencadeia uma
modificação no estado cognitivo de quem a recebe. Esse efeito nunca pode ser desprezado.
A essa terceira dimensão vamos nomear conhecimento. Portanto, a partir desse
momento, toda informação gera conhecimento, sendo que só este está presente no cérebro.
Fato e informação estão do lado de fora. Conhecimento está do lado de dentro.
Outro grande mito é a diferença entre dado e informação. Nós já vimos que
informação é a representação de um fato. E o dado? Onde ele entra nessa história? A resposta
é que ele também é a representação de um fato. Os dois residem forçosamente na segunda
dimensão. Portanto, ao contrário do que muitos autores escrevem, dado e informação são
conceitos rigorosamente iguais. Não existe mais inteligência em uma informação do que em
um dado. A inteligência reside na terceira dimensão, sendo inerente ao indivíduo receptor.
No início, o susto é grande. Mas como um pouco de reflexão, não é difícil de perceber
que os conceitos estão bem coerentes.
Agora, fica fácil responder a essa pergunta: é certo dizer sistema de dado ou de
informação? As duas expressões são certamente equivalentes. Um sistema de informação não
é mais inteligente do que um sistema de dados. Tampouco os sistemas inteligentes são mais
inteligentes do que sistemas de informação. A inteligência está na terceira dimensão, logo só
existe na mente.
Conclusão
Este artigo procurou derrubar alguns mitos que existem na área da ciência da
informação. Alguns conceitos são realmente difíceis de serem assimilados prontamente por
representarem uma mudança brusca do que aprendemos na faculdade e do que lemos em
revistas e jornais. Mas é importante o aprofundamento no assunto, a fim de que se possa
desenvolver sistemas de informação, sabendo exatamente o que é uma informação.
Leonardo Erlich é gerente de projetos da Delage Consultoria & Sistemas, Mestre em
Administração de Empresas pelo IAG/PUC-Rio e Engenheiro de Computação pela PUC-Rio.
Referências bibliográficas
Barreto, A. A. A oferta e a demanda da informação: condições técnicas, econômicas e
políticas.
Callaos, Nagib. Toward a Systemic Notion of Information: Practical Consequences
Carvalho, L. C. S. Sistemas de Informação Gerenciais.
Moresi, E. A. D. Delineando o valor do sistema de informação de uma organização.
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