A FORMAÇÃO DOS PROCESSOS EDUCATIVOS NA IDADE MÉDIA.
REGINA MARIA ZANATTA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Considerando a educação como um processo histórico que se define diante das condições
de produção de existência dos homens, procura-se compreender, durante os séculos XI e XII, as
bases educacionais que vão necessariamente se impondo às figuras sociais. As novas condições
que vão se apresentando aos homens, decorrentes do desenvolvimento das forças produtivas
desse período, ao trazerem consigo profundas modificações na estrutura da sociedade feudal,
provocam a reorganização dos seus domínios territoriais e, consequentemente, alteram o
comportamento dos próprios homens. Diante desse quadro, em que múltiplas alterações ocorrem,
uma nova dinâmica vai se impondo às relações sociais e novos encaminhamentos são traçados
para suas figuras sociais, particularmente, aos homens do burgo e aos cavaleiros.
É no interior dessa dinâmica que se pode perceber a manifestação da necessidade da
formação da figura social do homem burguês e da transformação do cavaleiro feudal, para os
quais delineiam-se diferentes formas educativas que se expressam, principalmente, no
movimento de formação e de emancipação das comunas.
Nesse sentido, procurar reconstituir processos educativos, que se deflagram entre classes
distintas e que se constituem na própria trama do movimento daquelas relações, passa a ser
verdadeiro desafio. Assim é que para compreender a formação educativa do burguês e a educação
necessária ao nobre cavaleiro, traçadas a partir de interesses que se produzem através do trabalho
na Idade Média, toma-se como fonte principal de reflexão as sátiras burguesas, em especial Le
Roman de Renart (1985)1, escrito a partir de 1170, considerado como o primeiro dos textos
burgueses, A Canção de Rolando (s.d.)2, que data de 1090 e as obras de Chrèthien de Troyes(
1991)3, escritas em 1162.
Essas obras literárias fornecem subsídios do movimento histórico que apontam para a
educação do cavaleiro e do homem burguês mas, por si mesmas, são insuficientes para explicitar
todo o processo, por isso recorre-se à documentos da época, textos não literários e outras fontes
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Roman de Renard
A Canção de Rolando, primeira épica francesa, escrita no século XI, Turold é seu suposto autor, evoca o fato
histórico da guerra dos franceses contra os sarracenos, século VIII.
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de leitura, inclusive de outros períodos históricos, que permitam refletir sobre o processo
educativo que se desenvolve no período em foco. O que se busca, portanto, no conteúdo literário
é o conhecimento dos processos sociais que se legitimam como educacionais, enquanto
oportunizam a transformação do cavaleiro feudal e a gênese do burguês, através da construção e
desconstrução de hábitos, atitudes e habilidades. Nesse sentido, os documentos estudados servem
para desvelar as relações reais que os homens estabelecem entre si e para observar nas
contradições as necessidades históricas das transformações humanas. A literatura produzida
durante esse período, como as épicas medievais, as gestas burguesas e os Romances da Távola
Redonda, expressam essas transformações.
Tendo em vista a análise dessas fontes literárias, estabelece-se uma abordagem para
garantir a compreensão do processo educativo, que consiste numa maneira específica de pensar e
focalizar as questões, privilegiando, sobretudo, as ações dos homens no seu conjunto, procurando
fugir da tendência irresistível de compartimentar a experiência e o conhecimento de mundo,
lutando, sobretudo, para ultrapassar a diferenciação e a especialização, produzidas pelo mundo
contemporâneo.
Essa maneira específica de análise da literatura, buscando a compreensão do seu real
significado, implica em inserir a obra analisada no contexto das relações sociais em que ela foi
produzida. Nesse sentido, é preciso voltar os olhos e os ouvidos para aquele determinado período
a que o autor se refere, pois cada período apresenta suas particularidades. E, mais do que
estabelecer ou encontrar identificações, nessas particularidades, procura-se estabelecer as
diferenças entre formas antagônicas de viver, observando no palco da vida, figuras sociais
distintas que se debatem para produzir e reproduzir a sua existência. Este é, sobretudo, um
processo de aprendizagem, uma vez que a forma de pensar e de expressar o pensamento do
mundo contemporâneo, por não estar desvinculada dessa mesma luta, expressa, também, seus
limites.
A ênfase dada à literatura para a elaboração de um estudo sobre a História da Educação
parece fugir aos parâmetros normais de análise uma vez que, a maioria dos estudiosos,
consideram como fonte primária os documentos convencionais. A literatura pode ser tomada por
uma outra dimensão quando fornece fundamentos para a compreensão do movimento histórico
pelo qual os homens passam. Nesse sentido, ela é entendida como um veículo, um móvel através
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O romance da Távola Redonda, século XII, refere-se às aventuras do Rei Artur e seus pares.
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do qual o autor expressa as emoções, os sentimentos de modo particular e individual e revela, nas
suas contradições, o movimento de existência e de luta desses homens. Em vista disso, “escrutar
as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação”4 buscar a história por “onde o homem passou,
onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência...” é refazer o caminho de luta pela
existência, pois os sonhos, a imaginação não se produzem emancipados de sentimentos reais,
estão amalgamados à ódios e paixões, esperanças e abnegações ... como resultados do viver.
Dessa maneira, o pensamento que emana dos textos, independente de sua época, tem sua
inspiração na realidade vivida pelos homens. É a revelação da história, do conhecimento da vida,
que se expressa diversificadamente, quando novos significados se produzem ou se alteram,
reproduzindo-se através de linguagens que tem raízes nas próprias condições de existência dos
homens.
Assim é que a sátira, a épica, a epopéia trazem no seu conteúdo a dinâmica do seu tempo e
revelam, no movimento contraditório das relações sociais, as transformações ocorridas. O século
XII, é fecundo para essa exploração, principalmente, para demonstrar como a educação avança e
recua no movimento em que forças antagônicas, interesses contraditórios estão sob o mesmo
palco de luta. E, mais ainda, quando figuras sociais precisam readequar seu comportamento, pois
ameaçadas nos alicerces que as sustentavam5 ou transformam-se e sobrevivem, ou agonizam à
morte, ou permanecem na sombra relembrando as velhas tradições, os velhos costumes.
É nesse embate que a educação se pronuncia, mostrando os dois lados da mesma moeda,
uma educação que vê no passado a segurança do presente, ou uma educação que vê no presente,
mesmo de forma incerta, a ponta de lança para o futuro. Essa última se apresenta quando novas
condições estão se estabelecendo para os homens, proporcionando-lhes uma dinâmica nas
relações sociais que os impulsiona a uma nova forma de ser.
As emoções não conseguem mais serem contidas e inundam o conteúdo da poesia laica
que toma conta dos bastidores da vida, fazendo par com o trabalho dos monges copistas que se
debruçavam durante meses para transcrever as obras do passado procurando fortalecer e
restabelecer o lugar de privilégio das palavras da sagrada escritura. Apresentam-se, durante esse
período, por volta de 30 épicas, que são imitadas por toda a Europa, tal é a necessidade de
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Fustel de Coulanges,. In: Le Goff, Jacques. História e Memória. 4. Ed. São Paulo, 1966
Momentos de grandes invasões, em que as guerras eram consecutivas e o cavaleiro pouco se afastava dos campos
de batalha, séculos IV,V,VI,VII,VIII.
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expressarem seus sentimentos e sua posição diante do elemento novo que se coloca e altera os
padrões, os valores até então vivificados.
Le Roman de Renart e as demais obras, anteriormente mencionadas, são as primeiras
expressões escritas que privilegiam as ações e feitos dos cavaleiros feudais em forma de sátira e
ou de romanceiros. As sátiras burguesas confrontadas com as épicas, encaminham à compreensão
da necessidade educativa que a nova dinâmica social impõe aos cavaleiros e ao homem burguês.
É um processo educativo que se delineia, emergindo das transformações sociais, pois alterando a
vida dos cavaleiros feudais produzem a necessidade de correção do seu comportamento que, de
uma ou de outra forma, impedem o desenvolvimento do comércio.
Compreendemos, assim, que o processo de feudalizaçào, ao atingir seu pleno
desenvolvimento, no século XI, originou mudanças nas relações sociais e no comportamento das
suas figuras sociais. Dessa maneira, o comportamento do cavaleiro feudal ocasiona uma ameaça
constante à tranqüilidade dos burgos e, somado à outros acontecimentos, impõe a necessidade da
formação das comunas e a luta pela sua emancipação.
É nesse movimento contraditório que os homens, produzindo a sua existência em
determinadas condições, manifestam ações educativas que ou são marcadas por correções ou
apontam para novos encaminhamentos. Esses novos comportamentos são geridos às figuras
sociais e se impõem através de forças antagônicas, derivadas da relação de propriedade e de
produção da terra. As obras em foco são indicativas desse processo de transformação, ao
expressarem as questões sociais e históricas daquele momento põem em evidência a necessidade
da transformação do cavaleiro feudal e da formação do homem burguês.
A Canção de Rolando, primeira épica francesa, traz em sí marcas do movimento daquela
sociedade, pois revela na sua narrativa, através de um fato histórico, a transformação do cavaleiro
feudal, entre os séculos VIII e XI, que correspondem, respectivamente, a época de Carlos Magno
e a época do seu autor Turold. Essa Canção introduz uma ação educativa e reformadora no
sentido de corrigir o comportamento dos cavaleiros feudais dos séculos XI, XII. Esses cavaleiros
não mais apresentam as virtudes de outrora (século VIII), pois ao acompanhar o movimento de
desenvolvimento da sociedade, transformam suas características e, com isso, seus
comportamentos.
Os Romances da Távola Redonda, escritos por Chrètien de Troyes, século XII, expressam
a indefinição de um momento da sociedade em que os cavaleiros também são portadores de
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comportamentos indefinidos. É nesse momento, que se pensa e que se discute o papel, a função
que o cavaleiro representa naquela sociedade e quais os rumos que, então, ele deve tomar. Os
comportamentos, ainda em definição,
provocam manifestações de diversos segmentos da
sociedade que tentam encaminhá-los a uma nova forma de ser. Compreende-se, nesse sentido,
que os homens ao apresentarem comportamentos alterados, porque acompanham as mudanças do
movimento social, colocam em discussão a necessidade da mobilização educativa para reverter
ou corrigir comportamentos sentidos como inadequados. E, diante dessa compreensão, pode-se
estabelecer considerações sobre o comportamento dos homens do nosso tempo, sobre os
processos educativos pensados como transformadores.
A narrativa burguesa, Le Roman de Renart, por sua vez, ridicularizando o cavaleiro
feudal, expressa a necessidade do seu próprio comportamento educativo. Ao delinear os
princípios educativos para o cavaleiro feudal estabelece e encaminha a educação do homem
burguês. O autor, satirizando a sociedade feudal, permite que seu pensamento flua com maior
intensidade quando caracteriza suas personagens através de animais que falam. Assim, com
menor censura,
o autor expõe ao ridículo as “virtudes” guerreiras dos cavaleiros que são
ameaçadoras às cidades, às comunas, ao comércio.
No Le Roman de Renart, as classes sociais apresentadas e trabalhadas, retiradas do cenário
medieval, são personificadas por figuras de animais ( Tibert, o gato, Isengrin, o lobo, Noble, o rei
leão, Brun, o urso, Chantecler, o galo, Pinte, a galinha, Tiécelin, o corvo, Renart, a raposa, e
outros) e caracterizam a luta humana impregnada de paixões, ódios, alegrias e tristezas, que
buscam naquele espaço a sua sobrevivência.
O conteúdo da sátira desnuda os homens no seu comportamento, mesmo fazendo-se valer
de recursos que os exageram, afasta o lado fantástico para trabalhar as questões reais. Se na
Canção de Rolando temos a presença do místico para atribuir ao rei grandiosidade e sabedoria,
quando sonha e profetiza, na sátira a trapaça, o enlear é que demonstra o caminho da inteligência
ou da sabedoria. Saber sair ileso das enrascadas que o personagem Renart se mete é que está a
grandiosidade.
Assim, o discurso que Renart profere, na presença do rei, apresenta argumentações que
tentam inverter a sua situação, de réu ele quer se passar por vítima. Além disso, demonstra a
fragilidade do rei que se une aos que não pertencem à nobreza, deixando de lado os seus vassalos.
Esses argumentos expressam o momento em que o rei não pode mais dispor, ou contar com seus
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vassalos, pois inclinam seus interesses para vários senhores. O soberano, por sua vez, procura
unir-se a outros de classe distinta, para fortalecer seus interesses atrela-se aos interesses de
outrem.
... Eu deixei vossa corte antes de ontem,
com vosso consentimento e vossa amizade,
sem que vós manifesteis a menor cólera.
Agora, os invejosos que procuram vingar-se de mim
o fizeram tão bem
que vós me haveis condenado injustamente.
Mas desde o instante, senhor, que um rei começa
a colocar sua confiança nos ladrões malfazejos
e a desamparar seus barões,
desde que ele abandone a elite pela gentalha
então seu reino reduz-se à perdição
pois os seres de origem servil
são incapazes de moderação.” p. (vv. 1210 a 1232) 6
Procurando unir interesses, o rei acolhe na côrte os súditos considerados, naquela relação
social, de natureza ignóbil e é alvo de críticas de Renart, que personifica, na narrativa, o nobre
cavaleiro. A nova relação, que entrelaça interesses recíprocos, atinge os sentimentos dos homens
despertando-lhes ódios por aqueles que se imiscuem na côrte, desbancando privilégios. Ódios e
paixões fazem tremular bandeiras de luta contra os que admoestam interesses. Esses interesses
são os que querem permanecer ou os que nascem por força de uma nova dinâmica. Assim os
sentimentos que se corrompem ou que nascem produzem comportamentos que até então não
eram conhecidos.
Renart, ao se referir à união da nobreza com a classe servil, homens dos burgos, identifica
comportamentos indesejados como se fossem produzidos por uma classe de homens, sem
conseguir ver que uma nova relação social se impõe rompendo interesses e desbancando
privilégios.
“Se deixa-lhes se elevarem à corte,
eles incitam-se a prejudicar os outros.
Eles encorajam a fazer o mal
Porque eles ali encontram seu interesse
E embolsam as riquezas de outrem. (vv. 1233 à 1237)
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Romance de Renart
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A possibilidade de movimentar-se estrategicamente impedindo a punição encontra refúgio
nos mosteiros, que antes abrigava aqueles que fugiam dos massacres dos invasores. Assim,
aquela dinâmica que protegia as pessoas que procuravam a sobrevivência, transforma-se em
reduto que recebe os que produzem turbulências e insatisfações, os que trapaceiam, que fogem à
justiça através de promessas e de voto de clausura. Os mecanismos de defesa transformados no
seu significado servem para afastar comportamentos inadequados. Renart pode se safar das
punições através: do claustro, se fazendo monge; ou, das peregrinações, se encaminhando para a
conquista do território santo empunhando a bandeira da cristandade. Qualquer uma das duas
formas retira o trapaceiro da circulação da cidade, fechando-o no claustro ou afastando-o para
outro local. E, assim, assegura-se ao comércio prosseguir na sua trilha.
Renart, vendo-se em difícil situação, sem encontrar um ardil excepcional, diz-se
“arrependido” expressando a forma que os homens produzem para escapar à justiça e que a Igreja
consagra através da Carta de Urbano II incitando a todos a buscarem o Santo Sepulcro, ganhando
o perdão dos seus pecados e das suas dívidas e, ainda, acenando-lhes com a graça da
santificação.
“...Sem um ardil excepcional
à vista da forca que se erguia
a tristeza o invadiu, então ele diz ao rei: “Caro e nobre rei,
deixe-me dizer algumas palavras,
vós me fizestes amarrar e prender
vós quereis agora me enforcar sem razão,
mas eu cometi três graves pecados
que sujaram a minha alma
eu quero nesse momento empenhar-me no caminho do arrependimento.
Em nome da santa penitência,
Eu quero pegar a cruz para ir
Agradar à Deus, além dos mares.
Se eu morrer lá, serei salvo.
Se eu for enforcado, será um erro
E que mesquinha vingança!
Eu quero nesse momento empenhar-me no caminho do
arrependimento”.
O mercador ameaçado pelos cavaleiros, pelos senhores feudais, lesado nos tributos de
peagem, que tem que pagar ao senhor proprietário das terras, comprando e vendendo, arriscando
e amealhando, associa-se a outros para agrupadamente enfrentar e evitar os ataques daqueles que
cobiçam, contraditoriamente, o fruto do seu trabalho que, nesse momento, é combatido pela
igreja. Pois o resultado obtido pelo mercador: o “lucro”, é considerado à margem do trabalho, ou
seja incorporado e retirado do trabalho de outrem.
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O novo homem que na trama daquelas relações sociais ganha espaço, o burguês, não
desponta com solene tranqüilidade, aflora no calor de um embate em que forças antagônicas
lutam pela sua sobrevivência. Sem considerarmos ainda como uma luta de classes, é uma luta
entre figuras sociais distintas, que dispõem de forças diferenciadas e que necessitam permanecer
vivas.
O homem que se desloca do campo, de um lugar conhecido, para viver e lutar em um
espaço ainda a organizar que é a cidade, não o faz senão por necessidade. A relação de
propriedade da terra se altera a medida em que o desenvolvimento das forças produtivas se
aceleram. Novos valores estão se colocando sobre os territórios feudais e se intensifica a
exploração sobre o trabalho do homem, sobre o direito de propriedade de todas as coisas que
estão sobre a terra. São cobradas taxas, impostos para a utilização de fornos, águas, animais ...
Além disso, essa condição era agravada pela pouca possibilidade que o campesino, ou homem
livre, possuía para explorar a terra, seus instrumentos apenas levantavam a capa superior da terra
não permitindo grande produção. Sem produção, em muitas épocas e, ainda, tendo que pagar ao
senhor, torna-se inevitável o enfraquecimento daqueles que eram livres e que muito pouco
possuíam, afastam-se da terra, fazendo-os buscar um espaço de sobrevivência ao redor das igrejas
e dos castelos, iniciando a formação dos burgos.
A exploração do senhor não se limitava ao campo, na cidade, também, os impostos eram
cobrados, o que fazia com que aqueles que ganhavam alguma coisa, para poder conservar o que
adquiriam e estar em atitude de ganhar outro tanto, procuravam limitar as arbitrariedades do
senhor. Através de juramentos, de compromissos, se unem para combater aqueles que os roubam,
põe fogo no resultado do seu trabalho artesanal, ou nas mercadorias trazidas de outras partes do
território, e que, de qualquer forma, os exploravam. Conseguem, por árduas lutas, pressionando o
senhor, obter acordos em que as tarifas são fixadas para cobrança dos impostos e das multas, bem
como estabelecer as obrigações e os compromissos de cada um. Esses acordos verbais mais tarde
são realizados por escrito, inundando a França de Cartas Comunais, conquistadas através das
armas e, posteriormente, através da compra em ouro.
Ë diante de conflitos, de inseguranças que uma nova força traz aos homens, como o
desenvolvimento do comércio no século XII, que um sentido educativo vai se incorporando como
necessidade de sobrevivência ao cáos, e que tanto atinge os cavaleiros, como aos homens das
comunas, quanto à igreja e à mais alta nobreza.
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A organização da comuna não só tem como preocupação a organização dos ofícios,
implicava na sua defesa e na sua administração. Por isso o comportamento do homem do burgo,
que comercializa o produto que fabrica ou o que adquire fora, assume formas diferentes em
circuntâncias, também, diferentes. Deveria combater como um soldado, portanto conhecer
algumas técnicas de defesa e de ataque para lutar contra cavaleiros que possuíam formação e
prática de guerreiro, constantemente treinados nos torneios; conhecer técnicas de fabrico do
utensílio ou objeto que produziam, conhecer todo o processo do trabalho para a produção de um
produto, saber os segredos da confecção, proibidos de veicular, como no Romance de Renart, a
raposa para se safar de uma enrascada, contrariando os princípios da corporação, diz que poderá
revelar o segredo das tintas para o tingimento dos tecidos; e, ainda, conhecer os fundamentos
básicos para se tornar um mercador, como o documento do século XI, em que Godric de Finchale
narra sua primeira atividade:
...Para isso decidiu não seguir a vida de lavrador, mas antes estudar,
aprender e exercer os rudimentos de concepções mais subtis. Por essa razão,
aspirando à profissão de mercador, começou a seguir o modo de vida de
vendedor ambulante, aprendendo primeiro como ganhar em pequenos negócios
e coisas de preço insignificante; e então, sendo ainda um jovem, o seu espírito
ousou a pouco e pouco comprar, vender e ganhar com coisas de maior preço.7
P.198
Assim, entendendo que os processos educativos acompanham as transformações e que são
instituídos nas relações sociais é que a educação do século XI e XII encaminha o comportamento
do cavaleiro para desobstruir o comércio e que anuncia uma forma educativa para o burguês em
relação direta com a produção e o seu escoamento.
BIBLIOGRAFIA
Canção de Rolando.
Tradução de Emílio Campos Lima.
Mem Martin, Portugal :
Publicações Europa América, S.d.
Roman de Renart. Traduit par J. Deufournet - 3 vol. Paris : Garnier- Flamarion, 1985.
TROYES, Chrétien de. Romances da Távola Redonda. Tradução de Rosemary Costhek
Abílio. São Paulo : Martins Fontes, 1991.
Le Goff, Jacques. História e memória. Tradução de: Bernardo Leitão e Irene Ferreira. São
Paulo : Editora da Unicamp, 1996.
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In Espinosa
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