NOTA SOBRE A ACÚSTICA DO AUDITÓRIO
por Carlos de Barros Vidal
Eng. coordenador dos projectos técnicos dos auditórios – acústica e iluminação
O grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian
destina-se à realização de um grande número de
actividades culturais por ela desenvolvidas, entre as quais
a apresentação das suas orquestras de câmara, coro e
bailado. Os múltiplos fins a que se destina foram
clarificados, por ordem do seu valor para efeitos de
concepção do auditório, assim:
1º - Música sinfónica e coral-sinfónica, eventualmente com
órgão e música de câmara;
2º - congressos e conferencias, com tradução simultânea e projecção de imagem;
3º - bailado e teatro, inicialmente com carácter experimental;
4º - cinema.
Durante o desenvolvimento do projecto e da obra, e em parte por serendipitia, o bailado e o
teatro tomaram maior importância e considerou-se até a possibilidade de realização de certo
tipo de óperas, todavia sem prejuízo das outras actividades previstas.
Perante um programa tão variado, e para além da complexidade dos equipamentos mecânicos
e de iluminação cénica, e de comunicações, para satisfação dos imensos requisitos previsíveis,
o estabelecimento das condições acústicas a que a sala deveria satisfazer constitui um
problema primordial da concepção da sala.
À versatilidade de utilização havia que fazer corresponder uma variação adequada de
variações acústicas normais, devendo a sala poder ser afinada, como um instrumento, para
cada uma das utilizações previstas. Além deste aspecto de flexibilidade acústica, havia ainda
que atender a aspectos psico-sociológicos derivados do público a que a sala se destinava e ao
ambiente criado. Com efeito, uma mesma sala de concertos será ajuizada de maneira
diferente por um público escandinavo, inglês, alemão ou americano, correspondendo
percepções acústicas diferentes para cada um deles. Por outro lado o ambiente criado ao
público pela arquitectura e decoração do interior da sala estabelece um nível de satisfação
de exigência de qualidade que afecta a maneira como ele aprecia o espectáculo, numa
comparação de valores.
Não sendo os requisitos técnicos de acústica, por vezes completamente compatíveis com a
arquitectura do interior ou os requisitos de conforto, ambiente, houve que encontrar soluções
que os harmonizassem, na medida dos respectivos valores.
Os problemas de acústica que surgem na resolução de um problema tão complexo como o do
Auditório da Fundação Gulbenkian são obviamente muitos, e nem é possível enumera-los
antecipadamente. Partindo de uma solução esboçada partindo das recomendações (que se
podem encontrar em livros da especialidade), quanto a volume, proporções, forma e relevo
das superfícies envolventes, materiais de revestimento, etc., procurou-se realizar um espaço
com características acústicas previsíveis que satisfizessem os requisitos médios ponderados
das várias utilizações. Nesta fase, interessa fundamentalmente assegurar a possibilidade de
realização das características estabelecidas com variações controláveis. Por exemplo, o
tempo de reverberação nas baixas, medias e altas frequências, deve poder ser superior ao
maior exigido por qualquer das utilizações previstas, pois será mais fácil reduzi-lo que
aumenta-lo, nas fases sequentes. Por outro lado, um afastamento das proporções
convenientes, poderá originar problemas de esborratamento sonoro ou de atenuação de
audibilidade, só muito dificilmente remediáveis. Em qualquer caso, convirá que as
características acústicas desejadas possam ser asseguradas sem variação notória com o
número de pessoas presentes na sala, seja no palco ou no cadeiral.
Quanto ao isolamento sonoro, relativamente ao exterior e espaços interiores próximos, as
exigências são praticamente idênticas para as diversas utilizações previstas. O isolamento
exterior, devido a existência do grande envidraçado suspenso que fecha o fundo do palco e
atendendo à situação do auditoria em relação aos acessos aéreos ao aeroporto da Portela,
mereceu uma atenção muito especial, não só nos princípios gerais da concepção do edifício
como não pormenores de vedação sonora e especificação dos materiais utilizados.
O real comportamento sonoro das grandes superfícies de igual revestimento foi ensaiado
laboratorialmente, de modo a conhecer-se a sua absorção sonora na banda das frequências
audíveis. Deste modo, os cálculos efectuados com os valores determinados
experimentalmente revestiam-se de maior significado e realidade. Por outro lado, os ensaios
laboratoriais efectuados permitiram aperfeiçoar a pormenorização e o processo de execução
desses revestimentos, feitos identicamente na obra e no laboratório. Por exemplo, a largura
das tábuas, e a largura e dimensões das alhetas entre elas, de revestimento das paredes
foram fixadas após ensaio de quatro modelos, tendo-se assim evitado que a sala apresentasse
uma variação do tempo de reverberação numa bem localizada banda muito estreita de
frequências. Além da análise do comportamento sonoro e da influencia na acústica de tudo o
que existe na sala, foram estudados também os espaços que com ela comunicam, permanente
ou temporariamente, em resultado da mobilidade de elementos do tecto, e das paredes e
pavimento do palco, tendo-se reconhecido a necessidade de efectuar neles correcções
acústicas.
Durante o desenvolvimento do projecto e da obra, controlaram-se, por aplicação dos métodos
de cálculo e análise da acústica teórica, as características acústicas da sala, de modo a
assegurar a concretização dos valores inicialmente estabelecidos. Terminada a construção
projectada, foram medidas várias grandezas sonoras, em particular o tempo de reverberação
dos resultados obtidos e da necessidade ou não de correcções acústicas.
As medições efectuadas mostraram que os valores previstos foram conseguidos sem
afastamento prejudicial. Mais importante, porém, foi a audição e a apreciação subjectiva,
por pessoas com apurada educação musical, de música produzida por orquestra, solistas de
vários instrumentos, e transmissão de gravações, em câmara anaecóica (sem reverberação),
de trechos musicais especialmente seleccionados para esse fim. Com efeito, essa apreciação
pessoal foi mais valiosa e importante que a comparação de um tempo de reverberação
adequado; por exemplo, o valor deste calculado pelas fórmulas aplicáveis, seria o mesmo,
independentemente da posição ocupada pelo grande painel reflector sonoro suspenso do
tecto do palco; mas uma adequada posição desse painel, em altura, inclinação e em
projecção horizontal, relativamente à localização da orquestra ou do couro, melhora
notoriamente o efeito produzido sobre a audiência e as condições de trabalho dos músicos,
sendo essa posição fixada, segundo determinadas regras simples em cada caso. Esse painel e
os das paredes móveis do palco são elementos que permitem, de certo modo, afinar a sala
para cada tipo de utilização.
Outubro 1969
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Nota Sobre a Acústica do Auditório