Rússia e o gás natural:
um importante
instrumento de
política externa
Análise
Segurança/ Integração Regional/ Economia e Comércio
Sílvia Helena Guilherme Canêdo
29 de junho de 2006
Rússia e o gás natural: um importante
instrumento de política externa
Análise
Segurança / Integração Regional / Economia e Comércio
Sílvia Helena Guilherme Canêdo
29 de junho de 2006
A crise energética entre Rússia e Ucrânia, estabelecida a partir da disputa pelo aumento
dos preços do gás natural russo, demonstrou importante tentativa de Moscou de
restabelecer sua esfera de influência na região. Tal controvérsia teve conseqüências para
os demais países do continente, importadores do produto russo, e evidenciou as
possibilidades de barganha da Ucrânia para com o país vizinho.
E
m janeiro de 2006, Rússia e Ucrânia
travaram uma disputa em torno da
distribuição e venda de gás natural
russo na Europa. Logo no dia 1º de
janeiro,
a
Rússia
suspendeu
o
fornecimento de gás para o país vizinho,
provocando interrupções e diminuições
na entrega de gás para demais países da
Europa.
A
razão
da
controvérsia
estava
relacionada
ao
preço
do
gás
comercializado para a Ucrânia. O governo
russo alegou que não poderia mais
subsidiar o preço do gás para o vizinho,
sendo necessário o aumento dos preços do
produto de US$ 50 para US$ 230 por 1000
metros cúbicos.
O governo ucraniano – que importa da
Rússia cerca de 30% do total do seu
consumo – admitiu o aumento. Contudo,
alegou que só poderia aceitá-lo caso este
ocorresse de forma gradual e se
aproximasse dos preços praticados no
mercado internacional, devendo ficar em
torno de US$ 80.
A empresa estatal russa Gazprom controla
cerca de um terço das reservas mundiais
de
gás,
sendo
responsável
pela
exploração, venda e distribuição de gás
natural russo para a Europa. A empresa
fornece 25% do gás natural consumido
pela Europa Ocidental, sendo que a maior
parte desse gás é distribuída pelos
gasodutos que passam por território
ucraniano.
Diante da crise, vários países da Europa
tiveram problemas no recebimento de gás,
o que levou o governo russo a acusar a
Ucrânia de estar retendo o gás destinado
para os demais países, acusação
posteriormente confirmada por oficiais
ucranianos.
A controvérsia foi temporariamente
resolvida com o estabelecimento de um
acordo que deveria durar cerca de cinco
anos. Segundo o acordo, os dois países
concordariam que a empresa energética
russa Gazprom vendesse gás para uma
trading company, a RosUkrEnergo, pelo
preço de US$ 230 por 1000 metros cúbico,
como queria a Rússia. A Ucrânia
compraria o gás da intermediária por US$
95. Segundo a Gazprom, essa diferença no
preço
de
compra
e
venda
da
RosUkrEnergo poderia ser praticada já
que a empresa paga preços mais baixos
pelo fornecimento de gás de países da
Ásia Central.
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2
Apesar da aparente resolução da
controvérsia,
os
problemas
no
fornecimento de gás para os países da
Europa Ocidental teriam gerado uma
perda de confiança com relação à
indústria de gás russa, levando os
governos desses países a buscar fontes
alternativas de fornecimento. Além disso,
existiriam fortes evidências de que o
governo russo estivesse usando a questão
energética
com
a
Ucrânia
como
instrumento de política externa.
Diante da crise, o governo ucraniano
alegou que Moscou estaria usando de seu
amplo recurso energético como arma
política. Segundo Kiev, a Rússia estaria
tentando punir a Ucrânia em função da
tentativa da mesma de entrar em
organizações ocidentais, tais como a
União Européia (UE) e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Além
disso,
importante
fator
desencadeador da crise entre os dois
países seria a própria vitória do candidato
ucraniano
pró-ocidental,
Viktor
Yushchenko, nas eleições presidenciais de
2004. [ver: Ucrânia: Entre a Rússia e o
Ocidente]
Segundo analistas, o governo de Vladimir
Putin seria marcado por uma política
externa
assertiva,
que
busca
o
restabelecimento da influência que a
Rússia exercera sobre as ex-repúblicas
soviéticas e que foi perdido com o colapso
da União Soviética em 1991.
Diferentemente de outras ex-repúblicas
soviéticas
–
que
experimentaram
aumentos de preço do gás e mesmo a
interferência de Moscou em suas eleições
nacionais – a Ucrânia estaria em posição
privilegiada em termos de disputas com a
Rússia. Isso ocorre em parte em função da
imensa malha de gasodutos que a Ucrânia
possui, e da qual a Rússia é dependente
para a distribuição de seu produto na
Europa. Cerca de 80% da exportação de
gás natural russo para a Europa Ocidental
seria distribuída através dos gasodutos
em território ucraniano.
Isso implica que, se a Ucrânia é
dependente do fornecimento de gás russo
para o suprimento de seu consumo
interno, a Rússia é dependente da Ucrânia
para a distribuição do seu produto na
Europa. Além disso, se a Ucrânia é refém
de aumentos de preço de gás por parte da
Rússia, a Rússia está em posição similar
diante de eventuais determinações de
Kiev com relação à aumentos das taxas de
trânsito que a Gazprom paga para
distribuir seu produto no resto do
continente europeu.
Isso explicaria as motivações da Gazprom
para a construção de um gasoduto
alternativo, a ser construído no Mar
Báltico e com suporte financeiro da
Alemanha, tendo em vista que assim a
empresa teria acesso direto aos seus
compradores na Europa Ocidental.
Contudo, mesmo com o término da
construção deste gasoduto, o que deve
ocorrer em 2010, a Gazprom ainda assim
dependeria da Ucrânia para sua
distribuição de gás, já que não poderá
acomodar toda sua distribuição em uma
única rota. Ou seja, a empresa diminuiria
sua dependência, mas não a eliminaria.
Outro fator que diferenciaria a Ucrânia
das demais ex-repúblicas soviéticas é sua
relativa capacidade econômica. No
período soviético, a Ucrânia era a segunda
maior
contribuidora
em
termos
econômicos, ficando atrás somente da
Rússia. O país é ainda rico em minério de
ferro, alumínio, metais e aço, possuindo
uma substancial indústria de armamentos,
o que caracteriza como importante pólo
de poder no Leste Europeu.
Referência
Sites:
International Herald Tribune
http://www.iht.com/
Moscow News
http://www.mosnews.com/
www.pucminas.br/conjuntura
3
RIA Novosti
http://www.en.rian.ru/
The Guardian
http://www.guardian.co.uk/
Ver também:
15/06/2006 – Avanços na segurança
energética européia
03/03/2005 – Rússia: a política após a
questão ucraniana
18/02/2005 – Rússia e a redefinição do
Leste europeu
02/12/2004 – Ucrânia: entre a Rússia e o
Ocidente
Palavras
Chaves:
Rússia,
Ucrânia,
Gazprom, Gás, Energia, Sílvia, Helena,
Guilherme,
Canêdo,
Segurança,
Economia, Comércio, Integração.
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