AGRICULTURA FAMILIAR E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO
NO ESTADO DA BAHIA1
Jana Maruška Buuda da Matta2
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a funcionalidade da categoria agricultura familiar na
estrutura capitalista e a organização do espaço agrário baiano a partir da implantação de
políticas públicas com vista ao desenvolvimento do agronegócio, sob o ponto e vista da sua
ampliação sobre outros espaços até então não utilizados pelo capital. Para tanto foi necessário
recorrer aos procedimentos metodológicos da pesquisa indireta para analisar as políticas
públicas que norteiam o processo de inserção da agricultura familiar nos espaços eixos dos
programas de desenvolvimento implantados pelo Estado. Os resultados apresentados reforçam
que as transformações empreendidas atingiram de forma diferenciada o conjunto do Estado, e
criaram situações de desigualdades, configurando tanto pólos dinâmicos, como “vazios
econômicos”, como espaços agrários que compreendem o semi-árido baiano.
Palavras chaves: agricultura familiar; políticas públicas; espaço agrário
Abstract
This article aims to analyze the functionality of the class structure in capitalist farming and
agriculture organization of the area from Bahia implantation of public policies for the
development of agribusiness, from the point of view and its expansion on other areas not so far
used by capital. Thus it was necessary to use indirect procedures of the research methodology
to analyze public policies that guide the process of family farming areas in areas of
development programs implemented by the state. The results presented reinforce that the
changes undertaken so exhausted all the differentiated state, and created situations of
inequality, both poles dynamic setting such as "empty economic, agrarian and spaces that
comprise the semi-arid Bahia.
Keywords: family agriculture, public policy, agricultural area
1.
Introdução
As transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro (via modernização
conservadora) alteraram a configuração do meio rural. As relações produtivas foram
gradativamente modificadas através da inserção do capital e reestruturação do trabalho
no campo adquirindo mobilidade multifuncional3. A produção familiar que tinha como
base uma economia voltada para a satisfação das necessidades da família, também,
passou a desempenhar outras atividades para complementação da renda agrícola. A
incorporação de novas tecnologias, ao mesmo tempo, provocou mudanças estruturais
1
Trabalho de pesquisa desenvolvido na Pós-Graduação UFS
Profa. Dra. pertencente ao quadro docente da UNEB Departamento de Ciências Humanas, Campus VI – Caetité e Analista
Universitário da ESMET/UESB.
3
Agricultura é multifuncional quando se tem uma ou várias funções adicionadas ao seu papel primário de produção de fibras e
alimentos (OECD – Declaration of Agricultural Ministers Committee. 1998)“. Com o conceito de multifuncionali-dade a análise da
agricultura e das políticas públicas que afetam a agricultura (inclusive a comercial), deve ser feita sobre todos os aspectos e/ou
funções da agricultura.
2
nas relações de trabalho. Agricultores familiares que outrora mantinham relações de
pertencimento com o lugar passaram a interagir e integrar os cordões dos assalariados
do meio rural e urbano, em decorrência do movimento de exclusão ao acesso a terra.
A explicação para a formação da categoria agricultura familiar está na
necessidade desses atores serem enquadrados não mais nos seus contra-espaços
criados pelo processo de modernização da agricultura, porém naqueles espaços
ordenados e regulados para desempenharem papéis que lhes competem na atual
forma de acumulação. Assim, a concepção de agricultura familiar deste estudo é a de
atores sociais que trabalham a terra (própria ou não) com suas famílias.
A pretensão deste artigo é analisar a funcionalidade da categoria agricultura
familiar na estrutura capitalista e a organização do espaço agrário baiano a partir da
implantação de políticas públicas com vista ao desenvolvimento do agronegócio. Ainda,
ampliando essa discussão, para a reestruturação da produção e do trabalho, e como
essas mudanças afetaram a organização do espaço agrário baiano a partir da análise
de alguns elementos fundamentais para uma caracterização desse fenômeno.
2.
Funcionalidade da categoria agricultura familiar na estrutura capitalista
A utilização da noção de agricultura familiar causa dúvidas e divergências, por
estar agregando conceitos anteriormente utilizados, mas que focalizam os mesmos
grupos sociais, que marcaram a produção científica das últimas décadas. Os estudos
de Lamarche et. al. (1998) Abramovay (1992) e Veiga (1991) deram uma contribuição
ímpar a essa temática por terem revelado que a agricultura familiar é uma forma social
reconhecida e legitimada na maioria dos países desenvolvidos.
A compreensão desse fato permitiu inferir que essa categoria genérica não se
compõe apenas de elementos homogêneos. A diversidade é sua característica
marcante, visto não se falar apenas de campesinato, mas, sim, de variadas formas de
produção agrícola com caráter familiar, integrando três atributos básicos: trabalho,
gestão e propriedade. Essa questão pode ser facilmente comprovada ao analisar os
estudos desenvolvidos por Sachs (2003, p.26) sobre a economia brasileira,
principalmente, economia formal e informal, nas quais a agricultura familiar aparece
como um segmento inserido nos quatro modos de produção diferenciados: a) economia
doméstica; b) economia pré-capitalista (caracterizado como uma economia popular que
fornece uma produção voltada para uma população de baixa renda e de bens e serviço
para o setor capitalista); c) economia capitalista (a agricultura familiar situa-se no setor
de micros e pequenas empresas formais); d) economia solidária (economia não regida
pelos princípios capitalista, também denominada de Terceiro Setor).
É neste cenário de múltiplas economias que dos 17,3 milhões de pessoas
ocupadas na agricultura brasileira, 13,78 milhões estão na agricultura familiar. A
diferenciação entre os estabelecimentos, segundo Sachs (2003, p.260) se caracteriza
por “estabelecimentos capitalizados, com futuro assegurado, minifúndios, com
viabilidade questionável, e uma categoria intermediária que dependerá de políticas
públicas que a amparem”. Ainda se faz necessário considerar “os sem-terra, estimados
em 2,5 milhões de famílias, e as famílias de assalariados e desempregados no campo.
No conjunto, tem-se um total mínimo de 6,1 milhões”
Para dar empreendimento a economia agrícola no Brasil é preciso que a
agricultura familiar passe a desempenhar um papel central, embora não único, no
desenvolvimento rural sustentável e se transforme na peça fundamental de todo o
processo para consolidação da reforma agrária.
Para Sachs (2003) a concretização desse empreendimento precisaria que a
agricultura familiar fosse encarada como alavanca do desenvolvimento rural, obtendo
acesso a terra, ao conhecimento, às tecnologias apropriadas, as infra-estruturas, ao
crédito e aos mercados. Cumpre então, assinalar que não é apenas eleger a agricultura
familiar como o modelo atual a ser implantado. Todavia é preciso operar mudanças
profundas nas consciências tanto da elite dominante (política e fundiária) quanto na
própria população envolvida para que a idéia se propague e os problemas possam ser
vencidos com participação ativa de empoderamento decisório, na cobrança de políticas
públicas e gestão territorial.
A possibilidade para transformar a agricultura familiar de cultura tradicional em
um aliado do desenvolvimento é atual. Chayanov (1974, p.54) já chamava atenção
para o fato de que “en el futuro, la familia nos ha de interesar como fenómeno
económico y no biológico”. Essa ressalva contida no pensamento chayanoviano condiz
com a realidade brasileira que apresenta, aproximadamente, 85% do total de
propriedades rurais do país pertencentes a grupos familiares.
De acordo com a SAF/MDA (2006), o Brasil apresenta 13,8 milhões de pessoas em
cerca de 4,1 milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da
população ocupada na agricultura. Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela
população brasileira e 37,8% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos
por agricultores familiares. Só os dados quantitativos em relação ao universo de pessoas,
área ocupada e produtos envolvidos na atividade já seriam suficientes para justificar a
elaboração de políticas públicas que visam ao fortalecimento da agricultura familiar. Sua
importância é ainda maior considerando-se que cria oportunidades de trabalho local,
reduzindo o êxodo rural, diversifica a atividade econômica e busca promover o
desenvolvimento de pequenos e médios municípios.
Uma análise de Schultz (1965), à luz da teoria de Chayanov, permitiria melhor
compreender as discussões atuais sobre investimentos em instrução e ensino como aliado
do aumento da renda permanente, subjacente aos resíduos que não foram explicados pelos
economistas clássicos, denominados de mudanças tecnológicas. Isso porque, para
Chayanov (1974, p. 143), o primeiro elemento a ser considerado na organização de uma
unidade econômica familiar é "la información disponible acerca de los ingresos provenientes
de cultivos individuales, métodos para levantar las cosechas, y acerca del ganado que ha
sido adoptado o pode serlo en el área particular en que se encuentra la unidad.”
Os resíduos assinalados por Schultz (1965), a luz da análise de Kerblay (1986,
p.113), evidencia a dificuldade econômica em se calcular os ganhos líquidos na
agricultura. Para isso, qualquer estudo sobre produção agrícola de base familiar requer
dados precisos sobre a contabilidade dos ganhos na economia familiar e não apenas
se limitar às categorias como: renda bruta, gastos para a reprodução do capital e para
a manutenção da família.
Os resíduos que os economistas clássicos desprezaram consistem no principal
instrumento de análise da reprodução familiar. Eles imbricam componentes
econômicos não quantitativos como cultura e conhecimento. Observa-se que esses
dois componentes não aparecem associados nas relações produção-consumo,
fundamental na análise de Chayanov.
O homem do campo, para cada processo existencial, tem concepções e práticas
que tenta prevalecer sobre as práticas e regras vindas da sociedade que o envolve e
domina. Sendo, portanto, impossível separar a prática econômica da familiar. É nesse
contexto que a produção, com base no trabalho familiar, ao buscar saídas para a crise,
utiliza estratégias ou alternativa mesmo que estas o conduzam para sua inserção no
sistema econômico dominante.
Na economia familiar, a funcionalidade é uma característica marcante que deverá ser
estudada com certa parcimônia. Mendras (1981, p.47) denomina essa economia de
envolvente por diversificar a produção, associando cultivos mais comerciais aos gêneros
alimentícios ou a venda da força de trabalho em atividades agrícolas ou não agrícolas
(pluriatividade). Contanto que, essas estratégias sejam práticas que permitam a esses
atores continuarem inseridos no processo produtivo, com garantias de posse da terra.
Existe uma diferenciação na base da produção familiar que deve ser levada em
consideração quando se propõe a avaliar as novas propostas para solucionar
problemas endêmicos como a questão agrária no Brasil. As peculiaridades locais não
são homogêneas a todos os lugares. A pobreza é um fato gerado pelo
empreendimento avassalador do capitalismo sobre o cotidiano das pessoas e dos
lugares. Esse avanço, por certo, não deixa espaço para particularidades, a ação é
generalizante, englobando diversos fatores sociais e culturais em diferentes contextos
econômicos e ambientais.
A substituição de um modelo preexistente por outro novo é deslocar a cultura e
todo conhecimento construído para segundo plano. É, no mínimo, desconhecer que o
novo cria resistências por ser novo, e difere daquilo que se está habituado a fazer.
Mudanças pressupõem tempo e capital. No cenário atual o que não se tem é tempo, e
em países em vias de industrialização o capital é escasso para um empreendimento de
tal porte. Copiar uma nova forma sobre um conteúdo pré-existente significa no mínimo
produzir um terceiro modelo com características intrínsecas do tradicional em
contraposição ao modelo implantado.
Uma análise sobre os sistemas de produção denominados de convencionais,
difundidos pelos técnicos, cientistas e universidades, adotados por milhões de agricultores
em todo mundo, segundo Tedesco (2006, p.26 e 31) reflete uma agricultura “globalizada e
altamente dependente de insumos e fatores externos ao processo produtivo”.
Essa dependência dos setores industriais e financeiros tornou a agricultura um
excelente negócio para quem vende, empresta e compra os produtos agrícolas. Para
quem produz, a agricultura é sinônimo de endividamento, descapitalização e prejuízos,
principalmente, para os pequenos agricultores. Repensar a agricultura significa “repensar
os conceitos, a lógica de funcionamento, o modelo tecnológico, a política agrícola, o
ensino técnico, a pesquisa, e a estrutura agrária”.
Dessas discussões percebe-se que o capitalismo não cresce rompendo com o
tradicional, mas ‘reinventando’ o poder. A classe agroexportadora permanece
hegemônica sobre a sociedade e o Estado. Este controla os rumos das transformações
para defini-lo como processo de sua própria modernização burguesa. É dessa forma
que o capitalismo não rompe, porém, apenas reinventa uma nova fase de mudança
paradigmática. Essa nova fase é decorrente da crise conjuntural do sistema capitalista
que ao aprofundar as desigualdades sociais atinge um ponto que necessita de uma
“nova reinvenção do poder” das classes dominantes para continuar agindo de forma
hegemônica sobre os constitutivos das decisões políticas e econômicas. Portanto, o
paradigma do desenvolvimento sustentável sob essa análise é apenas uma estratégia
de sobrevivência do capital na crise atual.
Os novos significados das relações ampliadas de lutas expressa uma geopolítica
que abarca novas territorialidades em um movimento reivindicatório de
“democratização das/nas instituições”. Logo, é no horizonte do popular que surge
movimentos contestatórios caracterizando uma “democratização não territorial”
construídas no contexto local em que as ações ocorrem (TEDESCO, 2006, p.33). Pensar
desenvolvimento requer agregar mobilizações e modificações sociais, culturais e
econômicas, além de técnico-científica. Essas mudanças paradigmáticas estão
evidenciando que esse fenômeno se processa diferentemente em ambientes, contextos,
países, regiões, estados e cidades.
Nessa conjuntura global se faz necessário um enfrentamento do paradoxo
global/local que, segundo Morin (2000), anima o mundo contemporâneo, trazendo
acuidade de não desintegrar as suas identidades essenciais. Cabe, então, analisar
essa reconstrução do discurso na tentativa de compreender esse atual momento da
agricultura brasileira e, em especial, a agricultura familiar.
3.
Reestruturação da produção e do trabalho na agricultura familiar
O modelo de desenvolvimento via sustentabilidade dos sistemas não abre mão da
industrialização em seus segmentos econômicos e cria uma nova divisão do trabalho rural,
na medida em que provoca diminuição de mão-de-obra empregada em atividades
agrícolas e um significativo crescimento de ocupações em atividades rurais não-agrícolas
em tempo integral ou parcial. Esse conjunto de transformações caracteriza o que Graziano
da Silva (1999) chama de Novo Rural, e é decorrente da modernização da agropecuária e
suas inter-relações com segmentos industriais processadores
diferenciadas por produtos agrícolas e bens não-agrícolas.
das
demandas
Os novos nichos de mercado promoveram, em muitos dos casos, a reestruturação
de cadeias produtivas até então incipientes, gerando expansão de infra-estrutura urbana
e dos serviços públicos nas áreas rurais. Nessa conjuntura, a corrida pelo agronegócio
brasileiro anima os investimentos para setores até então esquecidos pela economia.
Os dados do IBGE, referentes ao último Censo Agropecuário (1995/6),
apresentam as pequenas unidades como as que produzem a maioria dos produtos do
campo. Com relação à utilização da terra, as lavouras (temporárias e permanentes)
ocupavam 50,1 milhões de hectares ou 14,1% da área total dos estabelecimentos e
nelas, as pequenas unidades ficavam com 53%, as médias com 34,5% e as grandes
com 12,5%. As pastagens ocupavam 177,7 milhões de hectares ou 49,8% da área total
dos estabelecimentos e desse total as pequenas unidades ficavam com 34,9%, as
médias com 40,5% e as grandes com 24,6%. Já as áreas ocupadas pelas matas e
florestas perfaziam 26,5% do total (94,2 milhões de hectares) e as áreas ocupadas com
terras produtivas não utilizadas representavam 4,6% (16,3 milhões de hectares).
Esse levantamento resultou na delimitação do universo da agricultura familiar, na
identificação do seu desempenho na produção agropecuária, delineando a síntese da
cadeia produtiva da agricultura (FAO/INCRA/IBGE, 2003). Com a sistematização dos
dados foi elaborado o cálculo do PIB das Cadeias Produtivas da Agricultura Familiar,
tomando com referência a soma do PIB dos quatro segmentos que participam e se
encontram agregados à atividade agrícola: segmentos de insumos para lavoura e
pecuária; segmentos da atividade agrícola; agroindústrias; e segmentos de serviços e
distribuição final da produção.
A agricultura familiar vista sob a ótica da Teoria do Capital Social despertou
interesse dos segmentos públicos e privados com apoio de órgãos governamentais,
ONG, instituições de pesquisas nacionais e internacionais, dentre esses o NEAD, o MDA
e IICA e a FIPE/USP. Esses órgãos, conjuntamente com técnicos do IPEA e da
UNICAMP, realizaram um trabalho de levantamento na base de dados do IBGE visando
definir e quantificar a renda da agricultura familiar e sua cadeia produtiva, incluindo
atividades a montante e jusante da produção agropecuária. O mérito desse trabalho foi
demonstrar o papel da agricultura familiar na economia brasileira constituintes da síntese
de dois componentes básicos do agronegócio: lavoura e pecuária (Figura 1).
No segmento agricultura que compreende lavoura e pecuária o valor agregado
dos insumos, a agricultura em si, a indústria e a distribuição e serviços agropecuários
são significativamente maiores na agricultura familiar em volume de negócios do que
na patronal. Esse levantamento resultou na delimitação do universo da agricultura
familiar, na identificação do desempenho da sua produção agropecuária e sua inserção
nos diversos segmentos da cadeia produtiva (FAO/INCRA/IBGE, 2003).
Figura 1 – Brasil: Estrutura da cadeia produtiva por
segmento econômico - 2004
Figura 1.3 - Brasil: PIB da cadeia produtiva da agricultura
Figura
2 – Brasil:
PIB da
produtiva
da -agricultura
familiar
participação
por cadeia
segmento
da economia
2004
familiar - 2004
Insumos
Agropecuária
Indústria
Distribuição
Fonte: FIPE/USP, 2004; elaboração MATTA, 2006.
Observa-se que a produção familiar responde por mais de 80% das ocupações
agrícolas e tem sido a principal responsável pelos fluxos migratórios rural-urbanos,
conforme demonstram os dados do último Censo agropecuário 1995/1996. O estudo
“Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil Redescoberto” (Projeto de Cooperação
Técnica Incra/FAO - Brasília 2000) mostrou uma forte correlação entre o tamanho do
estabelecimento rural e a condição social do agricultor. Quase a totalidade dos
agricultores familiares explora pequenas áreas de terra, menores que 50 ha (Figura 2).
Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, no
Brasil existem cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos agropecuários de caráter
familiar, correspondendo a 80% do total, responsáveis pela ocupação de cerca de
70% da mão-de-obra na área rural dos municípios brasileiros. O setor primário
novamente está no centro da discussão via agricultura familiar, tanto pela sua capacidade
multifuncional em agregar geração de trabalho e renda, quanto permitir que um grande
contingente de pessoas possa estar envolvido na produção. Vale ressaltar que o
elemento fundamental é o “desenvolvimento do mercado interno no capitalismo”, no
qual o processo fundamental da sua criação é a divisão social do trabalho (LENIN, 1974, p.
54), e à medida que o capitalismo se desenvolve os mercados vão sendo criados pela
ampliação da divisão social do trabalho da sociedade, uma vez que nesse processo de
crescimento o consumo ganha importância, garantindo a expansão da própria produção
capitalista (GRAZIANO SILVA, 1998).
Observa-se que existe um desenvolvimento heterogêneo entre regiões e
localidades demonstrado nos níveis de ocupação e renda. Os maiores níveis são mais
freqüentes no Sul e Sudeste do país. Por outro lado, o Nordeste brasileiro vem
apresentando destaque pelos resultados dos avanços produtivos que alguns espaços vêm
alcançando desde a última década do Século XX.
Nesse contexto é inegável o crescimento econômico da agricultura baiana, embora
ainda apresente uma grande instabilidade constatada pelas flutuações do Valor Bruto da
Produção – VBP do setor agrícola, bem como pelas fortes oscilações nas quantidades
produzidas de várias culturas. Todavia, longe está de se observar um caminho linear, visto
que esses movimentos configuram um padrão “sobe e desce” estrutural na agricultura
baiana, alternando safras boas com safras ruins, de forma freqüente. Tal fato evidencia a
fragilidade estrutural dessa atividade no Estado, sempre às voltas com dificuldades de
financiamento e comercialização e vulnerável aos fatores climáticos, usualmente
apontados como o grande vilão das safras frustradas.
Essa sujeição se dá, em grande parte, por fatores não-naturais. Tais fatores dizem
respeito, basicamente, às políticas governamentais em geral, tanto as macroeconômicas
(taxa de juros, grau de abertura dos mercados etc.) bem como as especificamente
voltadas para a atividade agrícola, como a maior ou menor facilidade de acesso ao crédito
rural e os programas de assistência técnica aos produtores.
Essas políticas podem contribuir para fazer avançar o estágio das forças produtivas,
tornando a atividade agrícola mais técnica e menos vulnerável aos fatores naturais. Assim,
constata-se que algumas regiões parecem ser menos afetadas pelas oscilações climáticas,
embora estejam sujeitas aos mesmos fenômenos como a seca. Nas regiões onde a
atividade agrícola é estruturalmente frágil, os eventuais problemas climáticos são
potencializados e seus efeitos nocivos tornam-se econômica e socialmente mais graves4.
Portanto, a economia baiana busca se adequar aos novos imperativos de
mercado e passa por um processo de fortes transformações em sua estrutura, na sua
dinâmica espacial e regional e no seu processo de diversificação e concentração. A
Bahia apresenta o sexto maior PIB do Brasil, com uma participação de aproximadamente
5,0%. Em 2004 registrou crescimento pelo 13º ano consecutivo, com uma taxa prevista
(resultado preliminar) de 8,5%, a maior dos últimos 18 anos. Atualmente o Estado tem um
PIB em torno de R$ 88,1 bilhões, que resulta em um valor per capita de R$ 6.437,20.
Nesse contexto, segmentos se fortalecem, a exemplo dos de química, petroquímica,
celulose-papel e turismo; cadeias produtivas começam a dar sinais de formação; novos
investimentos produtivos são instalados, como o automotivo e o calçadista, diversificando e
iniciando um processo de diminuição do alto grau de concentração da economia baiana. Há,
também, segundo a CAR, estimativas de desenvolvimento de horticultura e citricultura na
Chapada Diamantina com área potencial de 18.690 ha irrigável, visto essa microrregião
apresentar abundância de recursos hídricos. O objetivo estratégico do PDSR - Chapada
Diamantina é modernizar a agropecuária, reestruturar e modernizar a agricultura através da
irrigação e do incentivo a culturas competitivas e adaptáveis ao semi-árido, bem como
fortalecer a agricultura familiar, a partir de estímulos à manutenção da unidade agro-produtiva,
da policultura e de outras formas produtivas viáveis do ponto de vista da sustentabilidade.
A preocupação com os estudos do espaço agrário baiano remete à necessidade
de compreender os problemas que afetam os diversos países de economia capitalista,
principalmente aqueles que apresentam índices significativos de desigualdades e
empobrecimento. A análise de alguns elementos que constituem o sistema agrário é
fundamental para a caracterização do espaço baiano, bem como para o entendimento
desse sistema nas unidades de produção familiar.
3
Organização do espaço agrário baiano e agricultura familiar
A questão fundiária no Brasil tem raízes profundas na história de sua formação
econômica e social. A Bahia não difere do contexto nacional apresentando estrutura
fundiária semelhante aos demais estados brasileiros no que se refere ao tipo de
propriedade e a distribuição da terra. Em específico possui particularidades que o
diferenciam dos demais, principalmente, quando o estudo é centrado em uma
4
Gargalos na cadeia produtiva da Agricultura familiar < http://www.deser.org.br/pub_read.asp?id=103>
determinada área, na qual o comportamento varia de acordo com estímulos e
condições que projetadas sobre ela, atuam caracterizando espacialmente o fenômeno.
O tipo predominante de propriedade e condição legal das terras é individual própria,
sendo os produtores em maioria proprietários.
Os dados sobre número de estabelecimentos, condição do produtor, utilização
das terras, pessoal ocupado e efetivo da pecuária (IBGE, 1995/96) para o Censo
Agropecuário de 1996, trouxe uma mudança no período de referência e na metodologia
e por causa dessas mudanças o IBGE adverte que “[...] os resultados do Censo de
1995-1996 não são estritamente comparáveis aos dos Censos Agropecuários
anteriores”. (IBGE, 1998, p.29) 5 . Essa advertência é perfeitamente comprovada,
quando se analisa os dados de anos anteriores.
Tabela 1 – Bahia: Evolução do número de estabelecimentos segundo área total e
aproveitamento das terras (ha) - 1970 a 1995/96
Área total
(ha)
Área útil
(ha)
1970
Total dos
estabelecimen
tos
541.566
22.260.827
17.071.124
Área disponível
não-explorada
(ha)
3.835.967
1975
548.123
25.263.546
20.055.853
4.105.864
79,4
1980
1985
637.225
739.006
30.032.597
33.431.403
23.879.474
27.906.099
3.306.224
4.070.297
79,5
83,5
1995/96
699.126
29.842.900
26.464.078
2.193.781
88,7
Ano
% da área
útil (ha)
76,7
Fonte: IBGE, 1996.
O número de estabelecimentos entre 1970 a 1995 apresentou variação no primeiro
qüinqüênio de 1,2%, no segundo de 16,25%, e o terceiro de 14,40%. Todavia, o decênio
1985 a 1995/96 a variação destoa do comportamento dos dados de anos anteriores,
aparecendo com uma diferença de -5,40% (Tabela 1). A explicação esta na mudança
ocorrida para a época da coleta dos dados, muito mais do que inferir que no espaço agrário
baiano estivesse ocorrendo o aumento do número de estabelecimentos médios e grandes.
Ainda é possível observar nessa tabela, o avanço da área explorada sobre as áreas produtivas
e não exploradas. Essas áreas incluem as reservas e áreas constituintes de exploração de
produtos não cultiváveis como madeira, dendê, frutas tropicais, entre outros, bem como as
matas galerias e áreas legais de reserva estabelecidas pelo IBAMA nos estabelecimentos.
Com base nessa informação e de posse dos dados censitários nas séries 1970 a
1995/1996, a Figura 3 apresenta a condição do produtor na Bahia, visto que o Censo
Agropecuário de 1995/1996 não caracterizou o primeiro elemento social que fornece a
idéia básica a respeito das condições jurídicas da área de estudo; o tipo de propriedade,
sendo apenas mantida a informação sobre condição legal das terras. Tomando-se a
condição do produtor, observa-se que semelhante a outras realidades brasileiras,
5
BRASIL
. Censo Agropecuário 1995-1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1998. (Número 19 – São Paulo).
permanece o predomínio na condição de proprietário e que, ao longo dos últimos 25 anos,
essa condição aparece com crescimento de 36,89%. A condição de parceiro foi a que
apareceu com o segundo maior percentual de crescimento no Estado (19,83%).
Todavia, o que chama atenção nessa análise é a condição de arrendatário e
ocupante. Seguindo a orientação de Hoffman e Graziano da Silva (1999) para análise dos
dados censitários, na Bahia a maior discrepância foi observada na condição de arrendatário
com crescimento negativo de -74,12%, e na de ocupante (2,08%) e não na condição de
parceiro. Também é necessário assinalar que as condições de arrendatário, parceiro e
ocupante vêm apresentando decréscimos ao longo desses vinte e cinco anos, enquanto que
a condição de proprietário apresentou crescimento significativo garantindo o predomínio
para essa condição do produtor no Estado.
Figura
- Bahia:
Condição
produtor -–1970
Figura
3 – 1.4
Bahia:
Condição
dodoprodutor
1970a a1996
1996
1995/96
Ocupante
1985
Arrendatário
Parceiro
1980
Proprietário
1975
1970
0
20
40
60
80
100
Fonte; IBGE, 1995/96; elaboração MATTA, 2006.
É preciso considerar que os dados não permitem afirmar que tenha ocorrido uma
diminuição no número de estabelecimentos, tomando como parâmetro apenas os dados
relativos à condição do produtor. A explicação pode estar tanto na legalização das terras,
quanto no mercado imobiliário para as áreas de expansão da fronteira agrícola do Estado,
como o caso do Oeste baiano com a sojicultura e do Baixo Médio São Francisco com a
fruticultura. No caso dos arrendatários não é uma condição representativa como no Sul do
país. O arrendatário em 1970 representava 3,3% da condição do produtor para o Estado e
no Censo de 1995/96 aparece com apenas 0,6%. O mesmo decréscimo vem ocorrendo
com as condições de parceiros e ocupantes.
A compra de terras por empresas agrícolas de exportação e mesmo por imigrantes do
Sul do país dinamizou o mercado imobiliário no Oeste baiano, decorrentes da expansão da
sojicultura no estado de Goiás, avançando por espaços baianos. Esse processo reorganiza o
espaço agrário fomentando novos investimentos, em detrimento da atividade tradicional
praticada por agricultores familiares, desestabilizando o mercado interno.
De um lado, a modernização não atinge todas as fases do ciclo produtivo,
permanecendo manual a colheita de muitos produtos típicos e requerendo, portanto, uma
mão-de-obra sazonal. Por outro lado, a modernização restringe-se a alguns produtos e a um
segmento restrito de agricultores (Graziano da Silva, 1981). Para além das restrições de
ordem natural, esta parcialidade denota o caráter excludente do pacto de modernização ou,
dizendo de outra forma, mostra quais os interesses conformam tal pacto.
Ainda com referência ao sistema social da agricultura cumpre analisar a distribuição
das terras baiana (Tabela 2). A classe entre menos 1 ha e menos 50 ha representa 86,95% do
número de estabelecimentos, ocupando 20,09% da área total. O coeficiente de Gini para a
Bahia em 1996 é de 0,83, observando que 57,24% do número de estabelecimentos
apresentam área inferior a que ocupam apenas 10 ha. É nesse intervalo de classe que ocorre
maior concentração no número de estabelecimentos ocupando apenas 4,6% da área total.
Tabela 2 – Bahia: Distribuição da terra e cálculo do coeficiente de Gini – 1995/96
Classes
ha
<1
1– 2
2–5
5 – 10
10 – 20
20 – 50
50 – 100
100 – 200
200 – 500
500 – 1.000
1.000 – 2.000
2.000 – 5.000
5.000 – 10.000
10.000 – 100.000
100.000 >
∑
Estabelecimento%
Xi
9,84
10,41
21,47
15,52
14,03
15,68
6,58
3,18
2,11
0,68
0,31
0,14
0,03
0,02
0,00
Área (ha)%
Yi
0,142
0,347
1,606
2,508
4,437
11,050
9,760
9,984
14,841
10,787
9,594
9,557
5,301
9,171
0,915
∑yi
100
99,858
99,511
97,905
95,397
90,960
79,910
70,150
60,166
45,325
34,538
24,944
15,387
10,086
0,915
Cálculo do coeficiente de Gini
( ∑yi)xi
∑yi
984
1039,522
2136,501
1519,486
1338,42
1426,253
525,8078
223,077
126,9503
30,821
10,70678
3,49216
0,46161
0,20172
0
9.365,6996
0,142
0,489
2,095
4,603
9,040
20,090
29,850
39,834
54,675
65,462
75,056
84,613
89,914
99,085
100
(
∑yi )xi
1,39728
5,09049
44,97965
71,43856
126,83120
315,01120
196,41300
126,67210
115,36430
44,51416
23,26736
11,84582
2,69742
1,98170
0
1.087,504
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1995/1996. MATTA, J.M.B. da. Elaborado, 2006
Segundo Diniz (1986, p.73) “concentração não significa, necessariamente, que um
proprietário está se apropriando das terras ou que as grandes propriedades estão se
tornando mais importantes”. Concentração de terras em espaços como a Bahia, que
apresenta uma significativa porção de seu território inserido no polígono da seca, o módulo
fiscal irá variar de acordo com a localização do município, apresentando extensão de
terras maior que em outras regiões morfoclimáticas. A denominação de pequeno
estabelecimento, pequena propriedade, pequena unidade de produção não significa pouca
terra, porém terra insuficiente para satisfazer as necessidades da família.
A comparação de unidades de produção, em diferentes lugares, levando em
consideração somente o tamanho da terra poderá incorrer em graves erros. Cada lugar
é diferente devido as suas particularidades. Uma generalização poderia perder
detalhes dos vários aspectos que serviriam para esclarecer determinada situação e em
outras nada vir a acrescentar. A aparente proximidade do indicador 1 (0,82) para o
coeficiente de Gini na Bahia indica forte concentração. Entre as várias explicações
estão o tamanho dos estabelecimentos abaixo de um módulo fiscal, grande
concentração de pequenos estabelecimentos familiares em área inferior a 10% da área
disponível e seu inverso, situação dos estabelecimentos em relação aos fatores
naturais como seca e inclinação do terreno e qualidade dos solos. É possível
estabelecer uma classificação preliminar para os estabelecimentos da Bahia de acordo
com suas categorias dimensionas e através dos dados de distribuição das terras, a saber:
1. Unidade de produção insuficiente situada entre menos de 1 ha. a menos de 5 há, corresponde
a 41,72% dos estabelecimentos e ocupa área de apenas 2,09% da área agrícola total.
2. Unidade de produção entre menos de 5 e menos de 50 há, corresponde a 45,23% do
número de estabelecimentos e ocupam uma área de 18% do total.
3. Média unidade de produção entre 50 e menos de 1.000 ha, representa 12,55% dos
estabelecimentos e corresponde a 45,47% da área total.
4. Grande unidade de produção está acima de 1.000 ha representando 0,50% do número
de estabelecimentos, correspondendo a 34,54% da área total agrícola.
Essa classificação apenas confirma a concentração fundiária que perdura no
Brasil e na Bahia desde os tempos de sua colonização. É um problema que requer uma
nova organização do espaço agrário e que no atual modo de produção não se tem
expectativas de mudanças em curto prazo.
Quanto à produção, às lavouras permanentes entre 1970 e 1975 observa-se sensível
redução na área plantada (-0,5%). O qüinqüênio seguinte (1975 e 1980) a recuperação da
área planta cresceu 11%, continuando a apresentar crescimento acima de 2% entra 1980 e
1985, voltando a reduzir em três pontos percentuais no decênio 1995 e 1996. A lavoura
temporária apresentou crescimento de 1,5% da área plantada entre 1970 a 1995/96, embora
nos qüinqüênios 1975 e 1980 apresentassem redução de 3% e 4% respectivamente, obtendo
melhores resultados entra 1980 e 1985 (7,6%) e entre 1995 e 1996 (8,5%) (Figura 4).
1.5 - Bahia: Utilização das terras (ha) - 1970; 1975;1980; 1985; 1995/96
Utilização das terras (ha) – 1970; 1975; 1980;
FIGURAFIGURA
4 – Bahia:
1985; 1995/1996
1995/96
Terras não especificadas
1985
Produtivas não utilizadas
M atas p lantadas
M atas naturais
1980
Pastagem plantada
Pastagem natural
Lavoura em descanso
1975
Lavora temporária
Lavoura permanente
1970
0
5
10
Fonte: IBGE, 1995/96.
MATTA, org. e elab., 2007.
15
20
25
30
35
O período de decréscimo é resultado esta na ordem da falta de políticas agrícolas
que alavanquem a agricultura do país a um patamar de estabilidade. A falta de
planejamento é o maior entrave, visto que a produção fica submetida as oscilações dos
preços nos mercados internacionais, onerando os custos de produção com substituição
de cultivos em curto prazo.
Percebe-se também que houve um aumento significativo em áreas de lavoura em
descanso que não têm representatividade em 1970, aparece com 0,8% em 1975, e em 1980
esse percentual cresce para 3,6% e estabiliza em 3,2% em 1995/96. Em compensação as
áreas com matas naturais apresentam redução de 2,3% e matas plantadas cresce de 0,2%
para 1,0%. Ao relacionar os dados de lavouras permanentes, temporárias, pastagens naturais e
plantadas com terras produtivas não utilizadas e não especificadas observa-se que a redução
de 9,8% e 2,2% respectivamente permite a inferência de que essas terras foram requisitadas
para aumentar as pastagens e lavouras para alimentar o agronegócio nesses últimos 25 anos.
4.
Considerações
As transformações ocorridas no setor primário da economia baiana se devem à
introdução de novos vetores de expansão e diversificação das atividades. Essas
transformações atingiram de forma diferenciada o conjunto do Estado, e criaram
situações de desigualdades, configurando tanto pólos dinâmicos, como “vazios
econômicos”. O semi-árido foi o menos beneficiado por essas transformações, visto
ainda ser objeto das políticas tradicionais de combate à seca, e poucas são as áreas
que se tornaram exceção.
Essas desigualdades acirraram o processo de diferenciação de áreas como
as do semi-árido, criando uma dependência social e econômica do excedente
gerado em outros pólos de desenvolvimento. A estrutura agrária do semi-árido é tão
danosa quanto à seca, na medida em que atinge os agentes econômicos situados
na esfera produtiva e, em particular, pelo diferenciado acesso ao aparelho do
estado, a recursos financeiros e tecnológicos disponíveis.
Por outro lado, devido à necessidade de desenvolver uma agricultura que seja
economicamente competitiva e que ao mesmo tempo venha corroborar com os
encaminhamentos das políticas para erradicação da pobreza existente tanto no meio
rural quanto, e mais ainda, no urbano, é que as propostas de desenvolvimento estão
sendo pautadas, com olhos sobre o espaço rural.
É nesse contexto que as políticas públicas centraram a funcionalidade da
agricultura familiar no pacote de um desenvolvimento sustentável, escamoteando mais
uma faceta do capitalismo para enredar mais uma parcela daqueles que possuem
potencialidades para consolidar o agronegócio no mundo rural do semi-árido baiano.
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Edusp/Hucitec, 1991.
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