O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO
EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E DA
DIGNIDADEHUMANA
Autora: Wanessa Novoa Furasté
Orientador: Prof. Msc. Maurício Muriack de Fernandes
WANESSA NOVOA FURASTÉ
O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA
CIDADANIA E DA DIGNIDADE HUMANA
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Msc. Maurício Muriack
de Fernandes e Peixoto.
Brasília
Ano 2008
Cuter Furasté, Wanessa Novoa
O direito fundamental à Educação como
efetivação da cidadania e da dignidade humana/ Wanessa
Novoa Furasté. 22 de outubro de 2008.
Paginação: 87
Dissertação Universidade Católica de Brasília.
Data: 22 de outubro de 2008
Orientação: Professor Msc. Mauricio Muriack de
Fernandes e Peixoto.
CDU Classificação
Monografia de autoria de Wanessa Novoa Furasté, intitulado O direito
fundamental à educação como efetivação da cidadania e da dignidade humana,
apresentado como requisito parcial de obtenção do grau de Bacharel em Direito da
Universidade Católica de Brasília, em (data da aprovação), defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:
______________________________________________________
Prof. (titulação) (nome do orientador)
Orientador
(Curso/Programa) – (sigla da instituição)
______________________________________________________
Prof. (titulação) (nome do orientador)
Orientador
(Curso/Programa) – (sigla da instituição)
______________________________________________________
Prof. (titulação) (nome do orientador)
Orientador
(Curso/Programa) – (sigla da instituição)
Brasília
2008
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus que tem me dado tudo que eu preciso.
Agradeço a meus pais que me mostraram o prazer de estudar e me ajudaram
em todos os momentos dessa longa jornada até aqui.
Agradeço a minha irmã Michelli pela amizade inigualável e por todo o amor a
mim dispensado.
Agradeço também as todas as pessoas que contribuíram direta ou
indiretamente para a realização desse trabalho, em especial ao meu professor
orientador Maurício Muriack pelo incentivo e pelo o apoio.
RESUMO
Referência: FURASTÉ, Wanessa Novoa. Título: O direito fundamental à educação
como efetivação da cidadania e da dignidade humana. 2008. 87 Páginas.
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito pela Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.
Este texto apresenta as noções gerais de direitos humanos, direitos fundamentais,
dignidade humana e cidadania, assim como noções gerais de educação e seus
aspectos mais relevantes. Mostra a evolução histórica da educação no Brasil e
define um panorama da educação nos dias atuais. A dissertação tem como
finalidade discutir as relações entre educação e dignidade humana, entre educação
e cidadania e provar que a educação é o instrumento de efetivação das condições
dignas de vida ao ser humano tornando o cidadão.
Palavra chave: Dignidade Humana. Educação. Cidadania.
ABSTRACT
Reference: FURASTÉ, Wanessa Novoa. Title: The fundamental right to education as
a realization of citizenship and human dignity. 2008. 87 Pages. Dissertation to obtain
part of the title of Bachelor of Law from the Catholic University of Brasilia, Brasilia,
2008.
This paper presents the general concepts of human rights, fundamental rights,
human dignity and citizenship, as well as general notions of education and their most
relevant aspects. It shows the historical development of education in Brazil and sets
out an overview of education today. The dissertation is to discuss the relationship
between education and human dignity, between education and citizenship and
proves that education is the realization of the dignity of human life to be making the
citizen.
Keyword: Human Dignity. Education. Citizenship.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8
CAPÍTULO I -NOÇÕES GERAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS
HUMANOS, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E CIDADANIA .......................... 10
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS .................................... 10
1.1- Diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais ...................... 10
2. DIRETOS HUMANOS
2.1-Primeiras noções de Direitos Humanos ....................................................... 15
2.2- Evolução histórica...................................................................................... 15
2.3- Consolidação dos Direitos Humanos..........................................................16
3. DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................. 17
3.1. Evolução Histórica........................................................................................ 20
3.2. Contexto dos Direitos Fundamentais segundo a Constituição Federal de
1988..................................................................................................................... 20
4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................. 23
4.1- Principais enfoques da dignidade da pessoa humana ................................ 24
4.2- Origem do conceito de Dignidade da Pessoa Humana............................... 24
4.3- A dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988 ......................... 26
5. CIDADANIA......................................................................................................... 28
5.1. Entendendo a palavra Cidadania................................................................. 28
5.2- O surgimento da Cidadania ......................................................................... 29
5.3- Cidadania e Direitos Humanos .................................................................... 30
CAPÍTULO II - A EDUCAÇÃO.................................................................................. 33
1. NOÇÕES GERAIS DE EDUCAÇÃO .................................................................. 33
1.1- Análise da Educação sob diversos focos .................................................... 33
1.2- Papel da educação na vida do ser humano ................................................ 35
2- EDUCAÇÃO E DIREITO .................................................................................... 37
2.1- Direito Educacional ...................................................................................... 39
2.2- Educação: Direito Público Subjetivo:........................................................... 39
2.2.1. A educação como serviço público ............................................................ 40
2.2.2. Princípios norteadores da Educação : ...................................................... 41
2.2.3. Competência em matéria educacional...................................................... 43
2.2.4. Financiamento da Educação..................................................................... 44
3. EDUCAÇÃO BRASILEIRA ................................................................................. 48
3.1- História da Educação no Brasil.................................................................... 48
3.2-Principais idealizadores da Educação Brasileira .......................................... 52
3.3- Educação nos dias atuais ............................................................................ 54
3.4. Recursos investidos na educação ............................................................... 58
3.5. Principais problemas .................................................................................... 59
CAPÍTULO III - DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO
DA CIDADANIA E DIGNIDADE HUMANA ............................................................... 63
1. EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS............................................................... 63
2- EDUCAÇÃO: DIREITO FUNDAMENTAL E INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DA DIGNIDADE HUMANA ..................................................................................... 66
2.1- Educação como garantia do Mínimo Existencial:........................................ 66
2.2- Educação na formação do ser humano:...................................................... 68
2.3- A Educação como garantia de Emprego: .................................................... 70
2.4- A Educação como Efetivação da Cidadania................................................ 71
CONCLUSÃO............................................................................................................. 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................79
8
INTRODUÇÃO
A finalidade desta dissertação consiste em mostrar que o direito fundamental
à educação é o instrumento principal para a efetivação da dignidade humana e da
cidadania, apresentando uma reflexão sobre as razões pelas quais o direito à
educação deve ser considerado um direito fundamental e, em decorrência disso,
merecer total proteção, por meio de medidas jurídicas que implementem a ação
educacional e a torne acessível a todas as pessoas, da maneira mais ampla
possível.
A metodologia adotada para o desenvolvimento do tema apresenta um
caráter interdisciplinar, na medida em que o estudo deste, não se fecha em uma só
disciplina, mas busca incorporar as diferentes concepções da educação por meio
das diversas áreas do conhecimento. No entanto, devido à carência de obras
especializadas na literatura brasileira, enfrentamos certa dificuldade para o
levantamento bibliográfico a respeito da matéria. Estas dificuldades decorrem em
grande parte da existência de poucas obras sistematizadas sobre direito educacional
na literatura brasileira. Assim, este trabalho não seria possível sem a conjugação de
esforços de várias pessoas e instituições.
Na exposição deste trabalho, e mais por conveniência metodológico-didática,
optamos por dividi-lo em capítulos metodologicamente articulados. No primeiro
capítulo, pela própria natureza do campo investigado, buscou-se apresentar as
noções gerais sobre direitos humanos, dignidade da pessoa humana, direito
fundamental e cidadania, tudo o enfoque interdisciplinar. Para tanto, numa
perspectiva histórico-conceitual e filosófico-jurídica, utilizamos como paradigmas a
concepção democrática de educação do filósofo e educador americano John Dewey,
do educador Anísio Teixeira e do jurista e filósofo Pontes de Miranda. Aqui, a
dissertação exigiu a adoção de uma perspectiva histórica contextualizada do direito
educacional, mas, devido às dificuldades de tempo e os propósitos de ordem
epistemológica, nos limitamos a apresentar uma breve análise histórico-conceitual
das relações entre direito e educação.
9
Já no segundo capítulo, buscou-se apresentar as noções gerais da educação,
seu papel na vida dos seres humanos, priorizando a relação conceitual entre direito
e direito educacional, apresentando a educação como direito público subjetivo,
elencando os principais princípios norteadores da educação e a competência em
matéria de educação, com intuído de inserir o leitor no ambiente educacional.
O capítulo III trata do assunto nuclear desta dissertação. Mostra que e
educação é o meio de efetivação da dignidade humana garantindo o mínimo
existencial e o emprego. Mostra também que a educação é instrumento de
efetivação da cidadania, pois a educação garante a democracia.
10
NOÇÕES GERAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS,
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E CIDADANIA
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS
1.1- Diferenças entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
Para delinear uma diferença entre os dois conceitos “Direitos Fundamentais” e
“Direitos Humanos”, a primeira providência a ser tomada seria distinguir quem são
os destinatários de sua proteção, porém essa distinção não seria clara, visto que nos
dois casos o destinatário da proteção é a pessoa humana.
Ingo Wolfgang Sarlet confere ao aspecto espacial da norma o primeiro fator
para de distinção:
Em que pese seja ambos os termos direitos humanos e direitos
fundamentais comumente utilizados como sinônimos, a explicação
corriqueira e procedente para a distinção é de que o termo “direitos
fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos
e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado
Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação
com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições
jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente
de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto,
aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte
que revelam um inequívoco caráter supranacional ou internacional.1
No entanto, caso fosse considerado somente o critério espacial para distinção
entre tais conceitos surgiria uma dúvida sobre a extensão do conteúdo de ambas as
categorias jurídicas e, por conseqüência, geraria uma equiparação de significados
entre os termos postos em análise.
1
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 35 e 36.
11
Mesmo existindo uma positivação interna de direitos humanos, os dois
conceitos não poderiam ser considerados sinônimos, pois a efetividade de cada um
é diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang Sarlet é incisivo ao afirmar que:
Importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação
e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito
interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário
aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que, ao menos em regra,
atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior
grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias
(especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar
estes direitos.2
Segundo o autor Antonio Enrique Peres Lunõ (1999, p. 48)3, o termo direitos
humanos tem um alcance mais amplo, sendo empregado, de um modo geral, para
fazer referência aos direitos do homem reconhecidos na esfera internacional, sendo
também entendidos como exigências éticas que demandam positivação, ou seja,
como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico,
concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade, as quais
devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível
nacional e internacional.
Em síntese, os direitos humanos são aquelas garantias inerentes à existência
da pessoa, tidos como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos
instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não
possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas.
Por outro lado, os direitos fundamentais são constituídos por regras e
princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos
direitos humanos, que visam garantir a existência digna da pessoa, tendo sua
eficácia assegurada pelos tribunais internos. Pela importância que os direitos
fundamentais assumem no ordenamento jurídico, a doutrina tem buscado explicar os
direitos fundamentais a partir de quatro planos de análise: formal, material, funcional
e estrutural.
2
3
Ibidem, p. 40.
LUÑO, Antonio Enrique Perez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución, Madrid :
Tecnos, 1999, p. 48.
12
No plano formal e material, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p.77)
distingue que:
Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem
constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista
material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior
importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer
Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido
material está ligada à essencialidade do direito para implementação da
dignidade humana. Essa noção é relevante, pois no plano constitucional,
presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do catálogo.
[grifos no original]. 4
Segundo a autora é no plano funcional que se desdobram as duas funções
das normas (regras e princípios) de direitos fundamentais:
Por um lado, atuam no plano subjetivo, operando como garantidores da
liberdade individual, sendo que esse papel clássico soma-se, hoje, os
aspectos sociais e coletivos da subjetividade. De outro lado, os direitos
ostentam umas funções objetivas, que se caracteriza pelo fato de sua
normatividade transcender à aplicação subjetivo individual, pois que estes
também orientam a atuação do Estado. [grifos no original].5
Finalizando a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais,
ressalta Ingo Wolfgang SARLET que estas duas categorias se excluem:
Importa, por ora, deixar aqui devidamente consignado e esclarecido o
sentido que atribuímos às expressões “direitos humanos” (ou direitos
humanos fundamentais) e “direitos fundamentais”, reconhecendo, ainda
uma vez, que não se cuida de termos reciprocamente excludentes ou
incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada vez mais interrelacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões
reportadas a esferas distintas de positivação, cujas conseqüências práticas
não podem ser desconsideradas. 6
2- DIREITOS HUMANOS
4
PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais : uma
contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos
princípios. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 77.
5
6
Ibidem, p. 77 e 48
SARLET, Ingo Wolfgang, Opus citatum, p. 42.
13
A expressão Direitos Humanos diz respeito a direitos relacionados à pessoa
humana, ou seja, a direitos do homem em geral. São direitos que visam resguardar
os valores mais preciosos do ser humano tais como: solidariedade, igualdade,
fraternidade, liberdade e principalmente a dignidade da pessoa humana.
Apesar de ser facilmente identificado, a construção de um conceito que o
defina não é uma tarefa fácil, em razão da amplitude do tema, como afirma Celso B.
de Albuquerque Mello, relator da Comissão de Direitos Humanos (CES-ONU):
Diversos são os conceitos e classificações de Direitos Humanos, vejamos
alguns conceitos de estudiosos da área:
Celso B. de Albuquerque Mello em seu livro cita um conceito de Charles Malik
em 1947:
A expressão “direitos humanos” refere-se obviamente ao homem, e com
“direitos” só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que
não é puramente acidental, que não surge e desaparece com a mudança dos
tempos, da moda, do estilo ou do sistema; deve ser algo que pertence ao
homem como tal.7
Para Louis Henkin8, os direitos humanos constituem um termo de uso comum,
mas não categoricamente definido. Esses direitos são concebidos de forma a incluir
aquelas reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo, todo ser
humano têm ou devem ter perante sua sociedade ou governo; reivindicações estas
reconhecidas como de direito e não apenas por amor, graça ou caridade.
Sob essa ótica, João Baptista Herkenhoff9, afirma que direitos humanos são
aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser humano, por
sua própria natureza e pela dignidade que a ela é inerente.
7
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público, ed. Rio de janeiro:
Renovar, 2001. P.13.
8
HENKIN, Louis. The rights of man today, apud Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito
Constitucional Internacional, 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2006, p.98.
9
HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humano, vol. I. (Gênese dos Direitos Humanos).
São Paulo: Acadêmica, 1994.
14
Considera se que os direitos humanos tenha sua raiz na cultura ocidental
moderna, mas essa teoria é duvidosa, pois há gravado no seio de todas as culturas
uma visão de dignidade própria, considerada uma forma de direitos humanos.
Proclamações como a Carta de Mandén, de 1222 e a declaração fundacional
do Império de Malí, engrossam a idéia de que o surgimento dos direitos humanos
seja mesmo ocidental.
Existem também quem considere que Ocidente não criou a idéia nem o
conceito do direitos humanos. As teorias que defendem o universalismo dos direitos
humanos se contrapõem ao relativismo cultural, que afirma a validez de todos os
sistemas culturais e a impossibilidade de qualquer valorização absoluta desde um
marco externo, que neste caso seriam os direitos humanos universais. Entre estas
duas posturas extremas ainda há posições intermediárias.
Diversas declarações de direitos humanos emitidas por organizações
internacionais regionais põem um tempero ainda maior no aspecto cultural e dão
mais importância a determinados direitos de acordo com sua trajetória histórica.
A Organização da Unidade Africana proclamou em 1981 a Carta Africana de
Direitos Humanos e de Povos, que elenca princípios da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 e adicionava outros que tradicionalmente se tinham
negado na África, como o direito de livre determinação ou o dever dos Estados de
eliminar todas as formas de exploração econômica estrangeira. Em um condão
similar há a Declaração de Bangkok, emitida por países asiáticos em 23 de abril de
1993, e de Cairo, firmada pela Organização da Conferência Islâmica em 5 de agosto
de 1990.
Surge também uma visão ocidental-capitalista dos direitos humanos, centrada
nos direitos civis e políticos, que se opôs durante a Guerra Fria, destacando no seio
das Nações Unidas, ao do bloco socialista, que privilegiava os direitos econômicos,
sociais e culturais e a satisfação das necessidades elementais.
15
2.1-Primeiras noções de Direitos Humanos
O Cilindro de Ciro, é um dos documentos mais antigos que vinculou os
direitos humanos,
contêm uma declaração do rei persa CiroII depois de sua
conquista da Babilônia em 539 aC. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em
1971 a todos seus idiomas oficiais.
Tal documento é resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na figura
do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, de Lagash, que
reinou durante o século XXIV aC, e de onde cabe destacar também Hammurabi da
Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, que data do século XVIII aC.
O Cilindro de Ciro apresentava características inovadoras, especialmente em
relação à religião. Nele era declarada a liberdade de religião e abolição da
escravatura.
Tem sido valorizado positivamente por seu sentido humanista e inclusive foi
descrito como a primeira declaração de direitos humanos.Documentos muito
posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, e a Carta de Mandén, de
1222, se têm associado também aos direitos humanos. Na Roma antiga havia o
conceito de direito na cidadania romana a todos romanos.
2.2-Evolução Histórica
Filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode falar de
direitos humanos até a modernidade no Ocidente, pois nessa época as noções de
comunidade não deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular.
A sociedade estamental centrada em grupos familiares, em corporações
profissionais ou laborais, não enfoca o ser humano enquanto pessoa individual, pelo
16
contrário, enfoca o ser derivado de seu status, no seio da família e na sociedade em
geral, pessoas que não gozam desta condição não têm direitos.
A existência dos direitos subjetivos, na visão atual, foi objeto de discussão
durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o que é relevante, pois é a partir daí que surge
a afirmação progressiva da individualidade e a idéia de direitos do homem, tendo
seu aparecimento relatado pela primeira vez durante a luta burguesa contra o
sistema do Antigo Regime (ancient régime).
2.3- Consolidação dos Direitos Humanos
O assunto direitos humanos foi discutido pela primeira vez na Europa após a
conquista da América no século XVI pelos espanhóis.
Com a proclamação da Lei de Habeas Corpus a burguesia, durante a
Revolução Inglesa, conseguiu alguma seguridade contra os abusos da coroa, tais
como a limitação do poder real sobre seus súditos.
Em 1689, o Parlamento impôs a Guilhermo III da Inglaterra na Carta de
Direitos uma série de princípios sobre os quais os monarcas não podiam legislar ou
decidir.
Nos séculos XVII e XVIII, filósofos como John Locke, desenvolveram o
conceito do direito natural. Para Locke, esse visão não dependia da cidadania nem
das leis de um Estado, nem estavam totalmente limitadas a um grupo étnico, cultural
ou religioso em particular. Locke, Thomas Hobbes e Jen-Jaques Rousseau
desenvolveram a teoria do contrato social que dissemina a idéia de que os direitos
do indivíduo são naturais e que na natureza todos os homens são titulares de todos
os direitos inerentes.
A primeira declaração dos direitos humanos efetiva da época moderna é a
chamada Declaração dos Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, escrita por
George Mason e proclamada pela Convenção da Virgínia. Tal declaração influenciou
17
Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos que existe desde a
Declaração da Independência dos Estados Unidos da América de 4 de julho de
1776, assim como também influenciou a Assembléia Nacional francesa em sua
declaração, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
Com o início do século seguinte, surgiram novos direitos com o fim de
solucionar problemas sociais por meio da intervenção do Estado. Nesse processo
tem grande destaque a Revolução Russa e a Revolução Mexicana.
Com o nascimento das Organização das Nações Unidas em 1945, o conceito
de direitos humanos vem universalizando e alcançando grande importância na
cultura jurídica internacional.
Em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos
foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua
Resolução 217 A (III), para amenizar os efeitos da Segunda Guerra Mundial e como
intento de sentar as bases da nova ordem internacional que surgia atrás da luta
armada.
Após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram
aprovados vários tratados internacionais sobre tal matéria, dentre eles se destacam
os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, e foram criados numerosos
dispositivos para sua promoção e garantia.
3. DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos e garantias fundamentais são considerados um dos pilares do tripé
do Estado de Direito, juntamente com os princípios da Legalidade e da Separação
de Poderes. São eles as bases de uma sociedade mais justa que visa a dignidade
da pessoa humana, assunto que será apresentado mais a frente.
18
Segundo José Afonso da Silva direitos fundamentais10 são aquelas
prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
Os direitos fundamentais estão no ordenamento jurídico brasileiro elencados
na Constituição Federal de 1988 , mas não se restringem somente a esse rol, eles
estão enraizados na consciência dos povos. Um conceito meramente formal não
seria suficiente para defini-lo, pois qualquer manifestação que revele em sua
essência a dignidade da pessoa humana pode ser considerada manifestação de
direitos fundamentais e pode localizar-se fora do texto escrito.
A Constituição Federal de 1888 evidencia em seu artigo 5º, parágrafo
segundo, essa tendência:
Art. 5 º, §2º- Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, e
dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja
parte.
A Carta Magna trata de Direitos Fundamentais em seu título II e efetiva a
seguinte separação por objeto de cada grupo, guardando natural peculiaridade para
cada um dos seus segmentos:
A primeira divisão são os chamados Direitos individuais e podem ser
localizados no artigo 5º da Constituição.
A próxima divisão é os chamados Direitos coletivos, representam os direitos
do homem integrante de uma coletividade e também podem ser encontrados no
artigo 5º da Carta Magna Brasileira.
Em seguida podem ser encontrados os chamados Direitos sociais, que
sofrem uma subdivisão em direitos sociais propriamente ditos, encontrados no artigo
6º e os direitos trabalhistas, apresentados dos artigos 7º ao 11 da Constituição
Federal.
10
Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed., São Paulo: Malheiros,
1998, p.152
19
Os Direitos à nacionalidade que são vínculos jurídicos-políticos entre a
pessoa e o Estado estão escritos nos artigos 12 e 13 da mesma Carta Magna.
Por fim podem ser encontrados na Constituição Federal os chamados
Direitos políticos que são os direitos dos cidadãos a participação à vida política do
Estado, tais como: direito de votar e de ser votado, ao cargo eletivo e suas
condições, estão demonstrados nos artigos 14 ao 17 da Constituição.
3.1. Evolução Histórica
Os direitos fundamentais não foram reconhecidos de uma só vez, eles
passaram por um longo processo histórico e foram declarados em diversos paises
ao longo dos séculos.
Por se tratar de um processo gradativo de reconhecimento dos Direitos
Fundamentais, os doutrinadores estabeleceram um critério de divisão em gerações
para o feito. Alexandre de Moraes apresenta-nos a classificação de direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceiras gerações, baseando-se na ordem
histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos:
“Assim os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e
garantias individuais e políticos clássicos, sugeridos a partir da Carta
Magna, os direitos fundamentais da segunda geração são os direitos
sociais, econômicos e culturais e os de terceira geração são os chamados
direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio
ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz,
à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos.11”
11
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 18 ed. São Paulo, Atlas,2005, p.26-27.
20
3.1.1. Jurisprudência sobre as gerações dos Direitos Fundamentais:
Por ser bastante reconhecida, a doutrina da tripartição de gerações de
direitos fundamentais tem recebido acolhida do próprio Supremo Tribunal Federal,
senão vejamos, in literris:
EMENTA: Enquanto os direitos de 1ª geração (direitos civis e políticos) que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o
princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais) – que se identificam as liberdades positivas, reais ou
concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de 3ª geração,
que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a
todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e
constituem um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto
valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade.12
3.2. Contexto dos Direitos Fundamentais segundo a Constituição Federal
de 1988
Não obstante a primazia histórica das Constituições Mexicana de 1917 e de
Weimar, em 1919, os direitos fundamentais passaram a ser consistentemente
inclusos nas constituições após a 2ª Grande Guerra Mundial, quando todos os povos
assumiram uma preocupação de proteção aos direitos da pessoa humana, devido à
violência que vivenciaram em tal guerra e nos regimes fascista, nazista e stalinista.
Diz o Prof. José Afonso da Silva sobre o assunto:
O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados
explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se
esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução
da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista,
12
(STF, Pleno, MS 22164/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ, Seção 1, de 17.11.1995, p.39-206).
21
o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo
que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em
proprietários e não proprietários.13
No entendimento de Norberto Bobbio:
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar com
a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos
interesses, das classes no poder dos meios disponíveis para realização dos
mesmos, das transformações técnicas etc. Direitos que foram declarados
absolutos no final do século XVIII como a propriedade sacre et inviolable,
foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas;
direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como
os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas
recentes declarações.14
No Brasil foi iniciado um processo de redemocratização em 1985, após o
regime militar de 1964. Esse processo culminou na promulgação da Constituição
Federal de 1988, que estabelece além de um regime político democrático, um
avanço significativo no que tange aos direitos e garantias fundamentais.
No preâmbulo da Constituição Federal de 1988, aparece o compromisso
ideológico e doutrinário desses direitos fundamentais que serve de pilar básico ao
Estado Democrático de Direito:
[...] para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias [...]15
Esse compromisso se manifesta por todo o texto constitucional, de forma
explícita, ou implicitamente, conforme observado no artigo 1º, inciso II que elenca o
princípio da cidadania e inciso III o princípio da dignidade humana.
13
14
15
Silva, José Afonso., Ibidem, p. 153
Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campus, 1992, Rio de Janeiro, p.18.
CF/88, Preâmbulo.
22
Não há possibilidade de haver um Estado Democrático de Direito sem a
existência dos direitos fundamentais e os direitos fundamentais não têm eficácia real
a não ser em uma democracia. Onde devem ser garantidos pelo princípio da
liberdade, não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais,
com o do princípio da igualdade, imprescindíveis para a efetividade da dignidade da
pessoa humana.
Segundo José Afonso da Silva:
A cidadania, como princípio básico de Estado brasileiro, deve ser
compreendida num sentido mais amplo do que o de titular de direitos
políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento
dos indivíduos como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º).
Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à
vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania
popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com
o conceito de dignidade da pessoa humana (art.1º,III), com os objetivos da
educação (art.205), como base e meta essencial do regime democrático.16
Por meio do artigo 3º, pela primeira vez a Constituição faz referência aos
objetivos do Estado Brasileiro que se constituem na estruturação de:
Uma sociedade livre, justa e solidária; na garantia do desenvolvimento
nacional; na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais
e regionais; e na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem,
17
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação .
Foram elencados nos primeiros capítulos da Constituição Federal de 88,
inúmeros direitos e garantias individuais, e lhes foi outorgado o patamar de cláusulas
pétreas, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, priorizando assim, os direitos humanos.
No artigo 5º, parágrafo 1º destaca-se a inovação da Constituição ao dispor a
aplicabilidade imediata às regras definidoras dos direitos e garantias fundamentais.
O artigo 5º, parágrafo 2º, mostra que:
16
Silva, José Afonso,Ibidem, p.153
CF/88, Art. 3º,
18
CF/88, Art. 5º, § 2º.
17
23
Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte.18
Verifica-se com isso, a possibilidade da existência de outros direitos e
garantias fundamentais inseridos ao longo de todo o texto constitucional, como
também o fato de os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais
receberem o mesmo tratamento dos direitos fundamentais, e passarem a ter
aplicabilidade imediata no direito.
4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana pode ser entendida como a consideração do
homem como centro do universo jurídico, excluindo os demais seres. Esse
reconhecimento não é dirigido a determinados seres, mas engloba todos os seres
humanos, individualmente, de modo que os efeitos jurídicos não se manifestem de
modo diverso ante duas pessoas.
Esse pensamento gera duas importantes conseqüências. A primeira é que a
igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos,
tanto no que concerne à elaboração da regra de direito quanto em relação à sua
aplicação. A segunda é que esse tratamento isonômico não exclui a possibilidade de
discriminação. Celso Bandeira de Mello, embasado nos ensinamentos de Carmem
Lúcia Antunes Rocha entende que:
Em segundo lugar, emerge a consideração da pessoa humana como um
conceito dotado de universalidade. Inviável, portanto, qualquer distinção de
direitos entre os nacionais e estrangeiros, salvo quanto àqueles vinculados
ao exercício da cidadania. 19
Assim, o caput do artigo 5º da Constituição Federal deve ser entendido de
maneira que a titularidade dos direitos se volte a todos aqueles que estão vinculados
19
O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo,1984,
p.49.
24
ao ordenamento jurídico brasileira não podendo privar o estrangeiro só pelo fato de
não residir em solo pátrio.
4.1- Principais enfoques da dignidade da pessoa humana
Segundo Miguel Reale20, a dignidade da pessoa humana pode ser
apresentada sob a ótica de três concepções: individualismo, transpersonalismo e
personalismo.
O individualismo caracteriza-se pelo entendimento de cada pessoa,
protegendo seus interesses, indiretamente protege o do próximo indiretamente. Seu
ponto de partida é, portanto, o indivíduo.
Já o transpersonalismo apresenta-se contrário ao individualismo. Com a
realização do coletivo é que se têm os interesses individuais resguardados. A
pessoa humana deixa de ser o enfoque principal, passando a dignidade da pessoa
humana a ser realizada com o coletivo.
No personalismo, não existe a concepção individualista nem a coletivista
ficando de lado a harmonia entre indivíduo e sociedade e assumindo a
preponderância do individuo sobre a própria sociedade.
4.2- Origem do conceito de Dignidade da Pessoa Humana
Não existem relatos nas civilizações antigas sobre o conceito de pessoa
humana na forma que conhecemos hoje. Para os gregos o homem era um animal
político e social, já para Aristóteles, o fato de pertencer ao Estado, indicava que o
20
REALE, Miguel - Filosofia do Direito, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999. p. 277
25
ser que estava em íntima conexão com o Cosmos, com a natureza, como ensina
Jaeger21.
Zeller, citado por Batista Mondin22, afirma que ”na filosofia antiga falta até
mesmo o termo para exprimir a personalidade" já que o termo "persona" deriva do
latim.
Com o advento do Cristianismo surge o conceito da pessoa humana como
categoria espiritual que possui valor em si mesmo e é possuidor de direitos
subjetivos ou direitos fundamentais. Nasce a chamada filosofia patrística, sendo
mais tarde aprimorada pelos escolásticos.
Para Realle23, a proclamação do valor distinto da pessoa humana terá com
conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem, o
reconhecimento de que, na vida social, ele, homem, não se confunde com a vida do
Estado, além de provocar um "deslocamento do Direito do plano do Estado para o
plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a
autoridade".
Para Immanuel Kant24, na sua investigação sobre o verdadeiro núcleo da
teoria do conhecimento, o sujeito torna-se o elemento decisivo na elaboração do
conhecimento. Propôs ele, assim, uma mudança de método no ato de conhecer, que
ele mesmo denomina "revolução copernicana". Ou seja, em vez de o sujeito
cognoscente girar em torno dos objetos, são estes que giram em redor daquele. Não
se trata mais, portanto, de que o nosso conhecimento deve amoldar-se aos objetos,
mas que estes devem ajustar-se ao nosso conhecimento. Trata-se, como comenta
Georges Pascal25, de uma substituição, em teoria de conhecimento, de uma
hipótese idealista à hipótese realista.
21
REALE, Miguel - Questões de Direito Público, São Paulo: Saraiva, 1997. p. 3.
MONDIN, Battista - O homem, quem é ele?, São Paulo: Paulinas, 1980 p. 285, nota 2.
23
REALE, Miguel -Ibidem, p. 4.
24
PASCAL, Georges, O pensamento de Kant, 2.ed. Petrópolis, Vozes, 2005, p. 36
25
Ibidem, p. 36
22
26
Porém, para o sujeito kantiano a consciência enquanto razão universal é
vazia quando separada da sensibilidade. O pensamento humano é dependente da
sensibilidade. Nesse sentido explana Manfredo A.de Oliveira26: “pode-se dizer que a
teoria é, para Kant, a dimensão da auto-alienação da razão”.
Para Kant27, a razão prática possui primazia sobre a razão teórica. A moral
declara a libertação do homem, e o constitui como ser livre, o homem é um fim em si
mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, por conseguinte, ser usado
como instrumento para algo, e, justamente por isso tem dignidade, é considerada
pessoa.
4.3- A dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988
A dignidade da pessoa humana é, para a República Federativa do Brasil, em
seu texto constitucional, fundamento da pessoa humana. O legislador constituinte
coloca o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado, criando
uma relação de existência entre o Estado e as pessoas. O Estado existe em função
das pessoas e não estas em função do Estado.
Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de
ser considerada inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, sendo
que cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio
para outros objetivos. “Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder
Público e um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro",
explica Edílson Farias28.
26
OLIVEIRA, Manfredo – A Filosofia na crise da modernidade. 2ed. São Paulo: Loyola, 1995, p. 19
Ibidem, p. 23
28
FARIA, Edílson, Colisão de Direitos, Brasília: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996, p. 47.
27
27
Ernst Bloch, citado por Pérez Luño29, destaca que a dignidade da pessoa humana
possui duas dimensões que lhe são constitutivas: uma negativa e outra positiva.
A dimensão negativa significa que a pessoa não venha ser objeto de ofensas
ou humilhações. Daí o nosso texto constitucional dispõe em seu artigo 5º, inc. III,
que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".
Com efeito, "a dignidade, como ensina Jorge Miranda30, pressupõe a autonomia vital
da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades
públicas e às outras pessoas".
Por sua vez, a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada
pessoa, que supõe, de um lado, o reconhecimento da total auto-disponibilidade, sem
interferências ou impedimentos externos, das possibilidades de atuação próprias de
cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção histórica da
razão humana, antes que uma predeterminação dada pela natureza.
Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais
devem ser feitas à luz
de normas constitucionais que proclamam e consagram
direitos fundamentais, as normas de direito fundamental. Com razão, Canotilho31 fala
que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos
fundamentais.
Em suma, o postulado da defesa da dignidade da pessoa humana, ao ser
consagrado como fundamento do Estado Democrático de Direito no Brasil, sinaliza a
síntese dos direitos fundamentais, razão pela qual o nosso Pretório Excelso
reconheceu que o princípio da dignidade foi “arrolado na Constituição do Brasil de
modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental”32.
29
PÉREZ LUÑO, Antonio E. - Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, Madrid,
Editorial Tecnos, 1999, p.138.
30
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 3ª ed, Tomo IV.
Coimbra: Coimbra Editora, 2000,p. 168-169
31
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional 4ª ed, Coimbra: Livraria Almeida, 1989,
p. 363.
32
Ver julgamento do Habeas Corpus nº 90125/RS.
28
5. CIDADANIA
5.1. Entendendo a palavra Cidadania
Ultimamente, a palavra cidadania é usada com freqüência em qualquer
discurso ou diálogo, pois o vocábulo cidadania, devido ao seu significado
abrangente, revela uma designação que tende a ser oportuna e adequada a
diversas situações.
A palavra Cidadania, deriva da palavra cidade e pode ser mais bem
compreendida se for entendida a palavra cidade como o Estado. Assim é possível
dizer que todo cidadão goza do exercício da cidadania que é o conjunto extenso de
direitos e deveres.
A cidadania constitui a finalidade primordial do Estado Democrático de Direito,
que é possibilitar aos indivíduos de um país seu pleno desenvolvimento por meio do
alcance de igual dignidade social e econômica. O conceito de cidadania é amplo,
pois encontra se conectado aos conceitos de democracia e igualdade.
Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade a fim de
melhorar a vida da sociedade e não esquecer das pessoas que mais necessitam de
ajuda e consideração.
A cidadania consiste desde atos simples como: o de não jogar papel na rua,
não pichar os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar as pessoas, até saber
lidar com o abandono e a exclusão das pessoas necessitadas.
A verdadeira cidadania é aquela que busca a inclusão de cada indivíduo na
esfera da concretização de seus direitos e deveres.
29
5.2- O surgimento da Cidadania
A idéia de cidadania surgiu na Idade Antiga, no século V d.C, após a
conquista da Grécia por Roma, se expandindo para o resto da Europa. Apenas
homens com a maioridade e grades proprietários de terras, que não fossem
estrangeiros eram considerados eram cidadãos. Mulheres, crianças, estrangeiros e
escravos não eram considerados cidadãos.
Na Idade Média, surge na Europa, os primeiros feudos, pedaços de terra
particulares, deixando de lado a idéia de cidadania, pois os proprietários dos feudos
passam a dominar tudo dentro daquele pedaço de terra, sem que os servos possam
participar de qualquer decisão.
Após a Idade Média, com o término das invasões Bárbaras, os feudos se
decompõem e surge a necessidade de uma nova organização. Burguesia e Rei unese e criam nesse contexto as primeiras cidades que depois darão origem aos
primeiros países chamados Estados Nacionais.
Com a criação dos paises nasce a necessidade de arrecadação de impostos
para que a máquina administrativa possa funcionar e o rei ter um grande poder. Com
a arrecadação dos tributos o rei construía um exército cada vez mais forte, além de
dar apoio à burguesia, que por sua vez dava apoio ao rei através do pagamento dos
tributos.
Com o passar do tempo o apoio real a burguesia foi diminuindo e o poder
autoritário absolutista do rei aumentando. Os burgueses passaram a enxergar o rei
como uma ameaça constante e começaram a se unir fazendo revoluções a fim de
acabar com tal Absolutismo. Foram realizadas cinco grandes revoluções burguesas
com o mesmo objetivo: acabar com o poder real.
o
Revolução Industrial;
o
Iluminismo (Revolução Filosófica);
o
Revolução Francesa (A maior de todas);
30
o
Independência dos Estados Unidos;
o
Revolução Inglesa.
Com o fim do Absolutismo surge um novo tipo de Estado, o chamado Estado
de Direito, sua principal característica é que todos têm direitos iguais perante as leis,
percebendo assim, uma grande mudança no conceito de cidadania.
Com o advento do Estado de Direito surge o processo de exploração e
dominação do capital, nascendo uma grande contradição entre a cidadania e o
capitalismo. Cidadania é a participação de todos em busca de benefícios sociais e
igualdade, já o capitalismo é a busca incessante por lucros e domínio econômico.
A sociedade capitalista se alimenta da pobreza. No capitalismo, a grande
maioria não pode ter muito dinheiro, tem que existir a exploração das classes
privilegiadas em cima das menos favorecidas com o fim de obter lucro, se todos
tivessem dinheiro e fossem exploradores do capital acabaria o capitalismo, pois
deixaria de existir a relação de explorador e explorado.
Nessa relação capitalista de explorador e explorado, surgem as primeiras
revoltas dos trabalhadores contra os patrões, são as chamadas greves, que visavam
uma vida melhor e sem exploração no trabalho.
Nasce a necessidade de consumo. O homem passa a ter a
função de
consumidor. O homem que consome satisfaz as necessidades que outros impõem
como necessárias para sua sobrevivência. Isso se mantém até os dias de hoje. Para
mudar essas idéias, as pessoas devem criar seus próprios conceitos e a escola
aparece como um fator fundamental.
5.3- Cidadania e Direitos Humanos
Nenhum outro tema desperta tanta polêmica em relação ao seu significado,
ao seu reconhecimento, como o de direitos humanos. É relativamente fácil entender
31
e lutar por questões que dizem respeito à cidadania e à ampliação da cidadania. A
própria palavra cidadania já se incorporou de tal maneira ao vocabulário brasileiro
que, sobre certos aspectos, ela até tende a virar substantivo, como se representasse
todo o povo.
Cotidianamente ouve-se uma autoridade política mencionar a expressão: a
cidadania decidirá, precisamos ouvir a voz da cidadania! Usa-se a palavra cidadania
como sinônimo de povo, a palavra povo no sentido de o conjunto de cidadãos, que é
o sentido democrático de povo.
Os direitos dos cidadãos são, cada vez mais, reivindicados por todos, desde
os menos favorecidos à elite. Tais direitos estão explicitamente elencados na
Constituição de um país. Mas, e a cidadania em relação aos direitos humanos, que é
um tema que carrega ambigüidades e deturpações voluntárias?
Na linguagem popular a referência aos direitos humanos muitas vezes dá-se
no sentido pejorativo ou excludente, no sentido de identificá-los com direitos de
pessoas que cometeram algum tipo de crime. Mas os direitos humanos estão
associados à idéia central de democracia e a idéias básicas envolvidas no tema
deste trabalho que é a educação. Enfim, o que são direitos humanos, em que eles
diferem dos direitos do cidadão e em que se aproximam?
Cidadania e direitos da cidadania dizem respeito a uma determinada ordem
jurídico-política de um país, de um Estado, no qual uma Constituição define e
garante quem é cidadão, que direitos e deveres ele terá, em função de uma série de
variáveis tais como a idade, o estado civil, a condição de sanidade física e mental, o
fato de estar ou não em dívida com a justiça penal etc.
Direitos de cidadania não são direitos universais, são direitos específicos dos
membros de um determinado Estado, são formados eminentemente de decisões
políticas. Também não são direitos naturais, visto que são direitos criados e têm a
necessidade de estarem especificados no ordenamento jurídico.
32
Já os Direitos Humanos são universais e naturais. Universais no sentido de
que aquilo que é considerado um direito humano no Brasil, também deverá sê-lo
com o mesmo nível de exigência, de respeitabilidade e de garantia em qualquer país
do mundo, pois não se referem somente a um membro de uma sociedade política,
ou de um Estado, mas sim à pessoa humana na sua universalidade. São direitos
naturais porque dizem respeito à dignidade da natureza humana, porque existem
antes de qualquer lei, e não precisam estar especificados numa lei, para serem
exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos.
Assim, percebemos como direitos que são naturais e universais são
diferentes de direitos que fazem parte de um conjunto de direitos e deveres ligados
às idéias de cidadão e cidadania.
33
A EDUCAÇÃO
1. NOÇÕES GERAIS DE EDUCAÇÃO
1.1- Análise da Educação sob diversos focos
A palavra educação é um substantivo derivado do latim educatio e indica a
ação de criar, de alimentar, de gerar cultura.
Conceituar educação não é uma tarefa fácil, pois ela deriva de diferentes
modos de conhecer, tais como vulgar, teológico, filosófico e, ainda, pelas ciências,
tais como a psicologia, pedagogia, biologia, filosofia da educação, sociologia, direito,
política.
Sócrates33, usando o princípio básico da doutrina sofista foi o primeiro filósofo
a definir a educação como o conhecimento de si próprio. “O homem é a medida de
todas as coisas. Se o homem é a medida de todas as coisas, conclui Sócrates, a
primeira obrigação de todo homem é procurar conhecer-se a si mesmo."
Para Locke a educação do homem é uma educação para a razão, não
podendo ser a educação abstraída dos seus vínculos com a sociedade.
Admito que o ler, o escrever e a cultura sejam necessários, mas não que
sejam coisa mais importante. Creio que consideraríeis muito estúpido quem
não estimasse infinitamente mais um homem virtuoso do que um grande
erudito. A educação deve capacitar o indivíduo a julgar e criticar as
opiniões, os costumes, as superstições do ambiente a que pertence. Neste
caso, a tarefa fundamental da educação é a de preparar o indivíduo a fazer
prevalecer, nos seus comportamentos, as exigências da razão escola não é
lugar somente de instrução e sim de educação.34
33
34
PILETTI, Nelson. Filosofia e história da educação, São Paulo: Ática, 2004,p. 637.
Cf. ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. Lisboa : Presença, 1994. V. 6, p. 90.
34
Hegel, em 1821, em sua obra Princípios de filosofia do direito, passa a
considerar a educação com um direito novo, deixando para trás a idéia de educação
como um fenômeno religioso ou moral. Ele identifica o princípio do direito da criança
à educação como conceito jurídico:
A exigência de ser educada existe na criança na forma daquele sentimento,
que lhe é próprio, de não estar satisfeita em ser aquilo que é. É a tendência
para pertencer ao mundo das pessoas adultas, que ela adivinha superior, o
desejo de ser grande. A pedagogia do jogo trata o elemento pueril como
algo de valioso em si, assim o apresenta às crianças e para elas degrada o
que é sério, ela mesma reveste uma forma pueril que as crianças
menosprezam35.
As conclusões do biólogo, psicólogo e educador Jean Piaget provocaram,
também, uma revolução nos antigos conceitos relacionados à aprendizagem e à
educação. Em 1896, ele chamou a atenção para o estado atual dos problemas em
função das recentes tendências da educação, ressaltando o seguinte:
O direito à educação intelectual e moral implica algo mais que um direito a
adquirir conhecimentos, ou escutar, e algo mais que uma obrigação a
cumprir: trata-se de um direito a forjar determinados instrumentos
espirituais, mais preciosos que quaisquer outros, e cuja construção requer
36
uma ambiência social específica, constituída não apenas de submissão.
A educação é, por conseguinte, não apenas uma formação, mas uma
condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural.
Proclamar que toda pessoa humana tem o direito à educação não é, pois,
unicamente sugerir, tal como o supõe a psicologia individualista tributária do
senso comum, que todo indivíduo, garantido por sua natureza psicobiológica
ao atingir um nível de desenvolvimento já elevado, possui, além disso, o
direito de receber da sociedade a iniciação às tradições culturais e morais; é
pelo contrário e muito mais aprofundadamente, afirmar que o indivíduo não
poderia adquirir suas estruturas mentais mais essenciais sem uma
contribuição exterior, a exigir um certo meio social de formação, e que em
todos os níveis (desde o mais elementares até os mais latos) o fator social ou
educativo constitui uma condição do desenvolvimento.37
O sociólogo T. H. Marshall, por volta de 1956, expressou sua concepção de
educação:
O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o
objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva.
Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança
freqüentar a escola, mas como direito do cidadão adulto ter sido educado.38
35
HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios de filosofia do direito. 4. ed. Lisboa : Guimarães
Editores, 1990. p. 170.
36
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 2. ed. Rio de Janeiro : José Olympio, 1974. p. 38
37
Ibidem, p. 39
38
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1967, p. 73
35
A pedagogia moderna concebe a ciência da educação como um fenômeno
social e universal:
A educação é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana
necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada
sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no
desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para
a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social (…)
Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que
ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo
necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente. Em
sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou
não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação
consciente, deliberada e planificada39.
A aprendizagem é a assimilação ativa de conhecimentos e de operações
mentais, para compreendê-los e aplicá-los consciente e autonomamente. A
aprendizagem é uma forma do conhecimento humano – relação cognitiva
entre aluno e matéria de estudo – desenvolvendo-se sob as condições
especificadas do processo de ensino. O ensino não existe por si mesmo, mas
na relação com a aprendizagem. A unidade entre ensino e aprendizagem fica
comprometida quando o ensino se caracteriza pela memorização, quando o
professor concentra na sua pessoa a exposição da matéria, quando não
suscita o envolvimento ativo dos alunos. O processo ensino-aprendizagem
deve estabelecer exigências e expectativas que e os alunos possam cumprir
e, com isso, mobilizem suas energias40.
1.2- Papel da educação na vida do ser humano
É por meio da educação, que as pessoas desenvolvem a personalidade
humana, e concretizam a própria cidadania, compreende os limites de sua liberdade,
a forma de exercício de seus direitos e deveres. Educação é o passaporte para a
cidadania.
A educação também é um pressuposto necessário à evolução do Estado de
Direito, pois com ela os indivíduos adquirem capacidade de crítica e qualificação
para o trabalho, elementos essenciais ao alcance desse objetivo.
39
A pedagogia moderna é, com toda propriedade, a ciência da educação.
SOARES, Moacir Bretas. Dicionário de legislação do ensino. Rio de Janeiro : Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 1981. p. 141
40
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo : Cortez, 1994. p. 16.
36
Regina Muniz, em O direito à Educação, explica que o vocábulo educar tem
dupla origem etimológica:
O termo educare compreende um processo de desenvolvimento da
capacidade física, intelectual e moral do ser humano em geral, visando sua
melhor integração individual e social. Neste contexto, tal verbo significa criar,
alimentar, subministrar o necessário para o desenvolvimento da
personalidade. Educere possui o sentido etimológico inclinando-se por uma
educação em que o mais importante é as capacidades interiores do educando,
cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno41.
Na mesma obra a autora distingue educação e instrução:
A educação engloba a instrução, mas é muito mais ampla. Sua finalidade é
tornar os homens mais íntegros, a fim de que possam usar da técnica que
receberam com sabedoria, aplicando-a disciplinadamente. Instrução e
educação, embora possam ser entendidas como duas linhas paralelas com
finalidades diferentes, necessariamente devem caminhar juntas e integrarse42.
Para Hobbes a educação do homem é o fator que possibilita a formação da
sociedade. Assim afirma no De Cive:
É evidente, portanto, que todos os homens, pois são crianças ao nascer,
nascem incapazes de sociedade civil; e que muitos, talvez a maior parte, ou
por deficiência intelectual, ou por falta de instrução, continuam incapazes por
toda a vida. No entanto, todos eles, crianças e adultos, têm a natureza
humana. Portanto, não é pela natureza que o homem se torna capaz de
formar sociedade, mas pela educação.43
A jurista e educadora Maria Garcia44 ensina que a educação é um processo
contínuo de informação e de formação física e psíquica do ser humano para uma
existência e coexistência: o individual que, ao mesmo tempo, é social. Segundo ela
a finalidade da educação consiste em formar para a liberdade que vem pelo
conhecimento, pela possibilidade de opções ou alternativas; formar para a
cidadania, a plenitude dos direitos e, por último, formar para a dignidade da pessoa,
41
MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 7 e 8.
Ibidem, p. 9.
43
HOBBES, Thomas. De Cive: Elementos Filosóficos a respeito do Cidadão. Petrópolis: Vozes,
1993, nota ao capítulo Um, artigo 2º, pp.281/282.
44
GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Revista dos
Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº23, p57
42
37
princípio fundamental do Estado brasileiro, conforme estabelece o art.1º da
Constituição.
Após visualizar todos os conceitos acima se chega a uma conclusão: que a
educação é indispensável para o desenvolvimento do ser humano e que é o
processo educacional que possibilita o desabrochar das faculdades psíquicas do ser
humano. Somente com a educação que o indivíduo adquire o autoconhecimento,
bem como o conhecimento das demais pessoas com quem convive.
É pelo processo educacional que a pessoa se desenvolve por completo. Esse
processo torna o individuo capaz de entender o que é cidadania e tornar-se um
cidadão, assim como é o instrumento para a efetivação da dignidade humana. Para
Aristóteles, "a educação é importante porque prepara as pessoas para a vida e torna
o indivíduo um homem bom, já que talvez não signifique a mesma coisa ser homem
bom e um bom cidadão em todas as cidades".
2- EDUCAÇÃO E DIREITO
2.1- Direito Educacional
O Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios e leis e
regulamentos que versam sobre as relações de todos os envolvidos, diretamente ou
não, no processo de ensino-aprendizagem. É o conjunto de que disciplina as
relações entre os envolvidos no processo de ensino aprendizagem.
Segundo a enciclopédia Saraiva do Direito, o verbete direito da educação
desvela a seguinte definição:
38
O Direito da Educação como ramo da Ciência do Direito que estuda os
princípios e as normas que envolvem a vida dos indivíduos e dos grupos
humanos nos aspectos formativos e informativos.45
Nesse mesmo diapasão, Maria Helena Diniz, em texto, constante em seu
Dicionário jurídico, utiliza a expressão direito da educação como:
O conjunto de normas relativas à formação e à informação dos indivíduos, à
política educacional, à organização, à administração e ao currículo escolar e
à didática.46
Para Álvaro Melo Filho, o direito educacional pode ser entendido como:
Um conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados
que objetivam disciplinar o comportamento humano relacionado à
educação. Impondo-se como matéria curricular e como disciplina autônoma,
o direito educacional distinguir-se-á inteiramente de outras disciplinas
jurídicas, pois envolverá o estudo e o ensino de relações e doutrinas com as
quais nunca se havia preocupado o direito tradicional em qualquer dos seus
ramos.47
Desta concepção de direito, nas palavras de Elias de Oliveira Motta48,
podemos abstrair três formas de enfocar o conceito de direito educacional:
1. conjunto de normas reguladoras dos relacionamentos entre as partes envolvidas
no processo ensino-aprendizagem;
2. a faculdade atribuída a todo ser humano e que se constitui na prerrogativa de
aprender, de ensinar e de se aperfeiçoar;
3. ramo da ciência jurídica especializado na área educacional.
45
MENESES, João Gualberto de Carvalho. Direito da Educação – I. In: Enciclopédia Saraiva do
Direito, p.10
46
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo : Saraiva, 1998. (O verbete direito da
educação remete para direito educacional).
47
MELO FILHO, Álvaro. Direito educacional: aspectos teóricos e práticos. Mensagem, Revista do
Conselho de Educação do Ceará, Fortaleza, n. 8 (nº especial sobre direito educacional), 1982-1983.p.
54.
48
Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília : UNESCO, 1997. p.51.
39
2.2- Educação: Direito Público Subjetivo:
A educação, nos dias atuais, é considerada tanto pela doutrina, como pela
legislação e pela jurisprudência, como direito público subjetivo de caráter cogente e
coercitivo, com instrumentos de tutela para acesso à justiça. Ela se apresenta em
duas dimensões, uma subjetiva e outra objetiva.
Em sua dimensão subjetiva a educação pode ser compreendida como um
direito fundamental, elencados na Constituição de 1988 no capítulo II, do título II,
que trata dos direitos e garantias fundamentais.
Para identificar quais são os direitos públicos subjetivos fundamentais, basta
examinar os títulos I e II da Constituição Federal, sobretudo os capítulos I, II, III e IV.
No artigo 6º da Constituição, a educação é vista como direito social
fundamental e é protegida por uma série de garantias que procuram efetivar a
prestação educacional pelo Estado. Tais garantias estão elencadas no artigo 208 da
Constituição Federal.
Para Nelson Joaquim49, mestre em direito pela UGF e professor da
Universidade Estácio de Sá, ”A educação é um direito fundamental do homem, na
condição de direito público subjetivo à educação, mas, sobretudo, como algo
inerente à própria existência humana, que o Estado deve respeitar, proporcionando
educação para todos”.
Já em sua dimensão objetiva a educação é vista como um serviço público
obrigatório, regulamentando os princípios que devem nortear essa atividade, a
repartição de competências nessa matéria, o modelo de financiamento dessa
atividade.
49
NELSON Joaquim, Texto extraído da dissertação de mestrado do autor, Educação à Luz do Direito,
pela Universidade Gama Filho (RJ).
40
2.2.1. A educação como serviço público
Serviço público, diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições
da Administração e refere-se à atividade prestacional, em que o poder público
propicia algo necessário à vida coletiva. Deste modo, o serviço público apresenta-se
como uma dentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que
deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-lo de
modo eficiente.
Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua serviço público, também em
acepção técnica restrita, como:
(...) toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material
fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem
lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador
de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído pelo
Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no
sistema normativo.50
O artigo 216 da Constituição Federal, inciso II, estabelece que a educação é
um direito de todos e deve ser gratuita e obrigatória, ao que tange o ensino
elementar, hoje chamado de ensino fundamental. Por esse motivo o Estado tem a
obrigação de oferecer a todas as pessoas envolvidas no processo educacional
qualidade de ensino e trabalho.
A educação, quando prestada pelo Estado, enquadra-se perfeitamente na
conceituação de serviço público, mas é importante salientar que a educação não é
um
serviço
particulares.
50
eminentemente
público,
podendo
ser
também
oferecida
por
51
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997.p. 423.
51
CF/88, Art. 206, inciso III e art. 209.
41
2.2.2. Princípios norteadores da Educação:
O artigo 206 da Constituição Federal enumera os princípios orientadores do
ensino. Tais princípios servem como base para a aplicação de todas as regras
jurídicas voltadas à atividade educacional.
a. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola:
Esse princípio deriva do Princípio da Igualdade constante no artigo 5ª, caput,
da Constituição. Encontrado no inciso II, diz que as condições para o acesso e a
permanência na escola devem ser iguais para todos, uma vez que o dever do
Estado para com a educação dirige-se a todos e não apenas a certo ou certos
grupo(s) de pessoas.
b. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber:
O princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber, também denominado de “liberdade de cátedra”, tem
suas raízes no princípio da liberdade de expressão encontrado no artigo 5º, caput,
da Constituição. Esse princípio pode ser entendido como um preceito mais genérico
sobre a liberdade de expressão no contexto do ensino praticado em um Estado
Democrático de Direito.
c. Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino:
Não cabe ao Estado impor modelos únicos e autoritários de idéias a serem
aplicadas no processo ensino-aprendizagem, nem tampouco ditar as concepções
pedagógicas a nortear o mesmo processo.
As idéias e concepções educacionais devem ser construídas dialeticamente,
a partir da observação do cotidiano das atividades educativas, sendo respeitada a
autonomia de cada unidade escolar, as realidades regionais e diferenças
42
ideológicas, não havendo nenhum modelo pronto, acabado e pré-concebido de
ministrar o ensino.
d. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais:
Em locais oficiais, o ensino público deve ser gratuito, não podendo ser
instituído qualquer projeto que queira tornar o ensino público pago por
mensalidades, inclusive no nível superior.
e. Valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos:
A valorização dos profissionais do ensino dá-ser a partir do momento em que
se estabelece um magistério público organizado em carreira, admitindo a progressão
de regime vertical, um piso salarial profissional elevando-se com o avanço na
carreira e a investidura no cargo mediante prestação de concurso público de provas
e títulos, sendo acessível a qualquer brasileiro que preencha os requisitos
estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros.
f. Gestão democrática do ensino público, na forma de lei:
Esse princípio desenvolve uma especificidade em relação aos princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direito encontrado no artigo. 1º, caput, da
Constituição, da soberania popular, artigo 1º, parágrafo único, da cidadania artigo 1º,
inciso II e do pluralismo político artigo 1º, inciso V.
No ensino público, a gestão deve ser democrática, sendo os dirigentes
submetidos a um processo de legitimação periódica e as atividades administrativas,
pedagógicas, financeiras, fazendo parte de um processo de integração da
comunidade escolar, que participe diretamente do seu gerenciamento.
g. Garantia de padrão de qualidade:
Tal princípio deriva do princípio da Eficiência da Administração Pública,
encontrado no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e estabelece que é dever
do Estado garantir um padrão de qualidade no ensino oferecido. Sem qualidade, a
43
educação não será capaz de assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
2.2.3. Competência em matéria educacional
Para que haja uma educação de qualidade e eficaz é preciso que exista uma
estrutura que permita a organização do sistema educacional. No Estado de Direito, a
previsão legal é o mecanismo apto a definir essa estrutura.
A competência em matéria educacional encontra-se prevista na Constituição
Federal em seu artigo 22, inciso XIV, consagrando que a competência para legislar
sobre diretrizes e bases da educação nacional é privativa da União e que na
competência concorrente com a União, estão os Estados e o Distrito Federal, com o
papel de legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, previstos no artigo 24,
inciso IX.
Segundo Ranieri52 (2000, p. 107) a lei de diretrizes e bases da educação tem
conteúdo preciso, apontando para idéia de fundamento, organização, condições de
exeqüibilidade. É a lei de diretrizes e bases que traça a estrutura da educação
nacional.
Quanto à competência prevista no artigo 24, inciso IX, da Carta Magna,
caberá à União editar normas gerais sobre educação e ensino, e aos Estados e
Distrito Federal o estabelecimento de normas suplementares. Dessa forma, há um
regramento sucessivo, dupla legislação em graus distintos, uma genérica e outra
suplementar. 53
Nesse sentido, percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação
nacional representa o regramento a nível nacional, correspondendo à articulação e
coordenação dos sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de
normas em matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, inciso IX, garante a
52
NINA, Ranieri, Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96).
São Paulo: Edusp, 2000, p. 107.
53
NINA, Ranieri, idem , p. 103.
44
atuação dos Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento
para atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das
desigualdades do País.
O papel de articulação e coordenação cabe à União, tendo ela um grande
espaço para atuar nas esferas estaduais, municipais e distritais, regulamentando
questões relativas ao sistema ensino. Atuando neste papel a União estabelece o
plano nacional de educação, cujos objetivos estão definidos no artigo 214 da
Constituição Federal.
2.2.4. Financiamento da Educação
Como visto anteriormente, a educação no Brasil é vista como serviço público
a ser ofertado pelo Estado, por esse motivo a Assembléia Nacional Constituinte
optou, quanto ao financiamento da educação, em atribuir expressamente
determinados percentuais das receitas públicas como fonte privativamente destinada
aos investimentos nessa área.
É válido transcrever recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a
respeito da oponibilidade do direito à educação ao Estado-Gênero e também aos
Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal, os quais não podem se furtar a
participar da efetivação deste direito social à educação, senão vejamos, in literris:
A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que,
deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento
integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o
atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. <208>, IV). Essa
prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira
concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art.
<208>, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta
a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição
Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de
toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a
45
avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se
subordina a razões de puro pragmatismo governamental.54
Creche e pré-escola — Obrigação do Estado. Cumpre ao Estado — gênero
— proporcionar a creche e a pré-escola às crianças de zero a cinco anos de
idade, observando a norma cogente do artigo <208>, inciso IV, da
Constituição Federal, com a redação decorrente da Emenda Constitucional
55
n. 53/2006.
O financiamento da educação no Brasil está previsto na Constituição em seu
artigo 212 que diz:
A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.56
Este artigo define a estrutura do financiamento da educação, e determina a
aplicação de percentuais mínimos de 18% de impostos próprios para a União e 25%
de impostos próprios e receitas transferidas por determinação constitucional para os
Estados e Municípios, da receita proveniente de impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino.
Ele também estabelece critérios para efeito de cálculo dos percentuais e de
verificação de sua destinação, elege o ensino obrigatório como área prioritária de
atendimento, determina o custeio de atividades de apoio ao ensino ligadas à
suplementação alimentar e assistência à saúde com outros recursos e destina ao
ensino fundamental público a receita da contribuição social do salário educação.
Além do artigo 212 da Constituição, no artigo 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, são encontradas regras relativas à aplicação dos
recursos disponibilizados para a educação, metas de universalização do ensino
fundamental e a criação do fundo de âmbito nacional, estadual e distrital, cujo
objetivo é garantir as atividades de cooperação entre os sistemas de ensino,
voltadas para garantia da efetividade ao modelo de cooperação entre os entes
federativos.
54
(RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, DJ de 3-2-06). No mesmo
sentido: RE 463.210-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 6-12-05, DJ de 3-2-06.
55
(RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-07, DJ de 3-8-07). No mesmo
sentido: AI 455.802-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-07, DJ de 17-8-07.
56
CF/88, Art. 212, caput.
46
Em 12 de setembro 1996, o Congresso Nacional promulgou a emenda
constitucional nº 14, alterando a redação do caput do artigo 60 das Disposições
Constitucionais Transitórias, produzindo alterações também no capítulo da
Constituição que trata da educação e introduzindo significativas inovações na
priorização dos investimentos públicos nessa área.
Tal Emenda conferiu um novo caráter à meta de eliminação do analfabetismo
e universalização do ensino fundamental, passando de norma programática a norma
de eficácia plena, mediante discriminação de critérios de atuação e de alocação dos
recursos.57 (Ranieri, 2000, p. 83).
Instituído pela EC 14/96 e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de
dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997, o FUNDEF
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério), tem como objetivo mudança da estrutura de financiamento do Ensino
Fundamental no País, ao subvincular a esse nível de ensino uma parcela dos
recursos constitucionalmente destinados à Educação. Sobre a criação do FUNDEF
é válido transcrever relevante decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou a
alegação de que tal fundo ilidia a autonomia estadual ou municipal, senão vejamos,
in verbis:
Emenda Constitucional n. 14/96 e Lei n. 9.424/96. Fundo de manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério.
Atribuição de nova função à união — redistributiva e supletiva da garantia de
equalização de oportunidades educacionais. Alegada ofensa ao princípio
federativo. Não-ferimento à autonomia estadual." (ADI 1.749, Rel. Min. Nelson
Jobim, julgamento em 25-11-99, DJ de 15-4-05) "Havendo decisão do
Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Emenda
Constitucional n. 14, de 12 de dezembro de 1996, impõe-se a suspensão de
liminar deferida com base em premissa contrária a esse entendimento.
Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.749-5/DF: Liminar
indeferida, por insuficiência de relevo jurídico da assertiva de que, ao
redistribuir receitas e encargos referentes ao ensino, estaria a promulgação
da Emenda Constitucional n. 14-96 (nova redação do art. 60 do ADCT) a
contrariar a autonomia municipal e, conseqüentemente, a forma federativa de
Estado (art. 60, I, da Constituição).58
Por fim, é de se arrematar este tópico relembrando entendimento do Supremo
Tribunal Federal que reconhece não ser absolutamente aplicada à educação a teoria
57
58
NINA Ranieri, idem, p. 83.
(Pet 2.316-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-3-03, DJ de 11-4-03)
47
da reserva do possível, que limita a atuação do Estado na área social aos limites
orçamentários, senão vejamos, in literris:
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS
ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO
TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO
GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER
JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO,
NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO
IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu
desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação
básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito
da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira
concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art.
208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta
a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição
Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de
toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a
avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se
subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil
(CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional,
juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208,
IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo
de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito
básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes
Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar,
ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas
pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em
descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em
caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina.59 REAgR 410715 / SP - SÃO PAULO;
AG.REG.NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO;Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento:
22/11/2005; Órgão Julgador: Segunda Turma
59
RE-AgR 410715 / SP - SÃO PAULO; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO;Relator(a):
Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 22/11/2005; Órgão Julgador: Segunda Turma
48
3. EDUCAÇÃO BRASILEIRA
3.1- História da Educação no Brasil
A história da educação no Brasil não é uma história difícil de ser estudada, ela
passa por várias fases facilmente observadas.
A primeira fase desta história acontece com a chegada dos portugueses ao
território do Novo Mundo. Eles trouxeram ao Brasil um padrão de educação próprio
da Europa para se juntar à educação já usada pelos nativos da nova terra. E
convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas
não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.
Com o advento do bandeirantismo no Brasil, os jesuítas não trouxeram
somente a moral, os costumes e a religiosidade européia, com eles também vieram
os métodos pedagógicos europeus. Esse método durou aproximadamente 210 anos,
quando houve uma nova mudança na educação do povo brasileiro a expulsão dos
jesuítas por Marquês de Pombal.
Na era pombalina aconteceu um verdadeiro caos educacional, o modelo dos
jesuítas já não era mais usado e o Marquês tentou estabelecer algumas aulas régias
e subsídios literários, mas de nada adiantou, o caos perdurou até a chegada da
família real ao Brasil.
Vindo para o Brasil, fugindo de Napoleão, Dom João VI, prepara um novo
cenário da educação no país, ele cria as Academias Militares, Escolas de Direito e
Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em
termos de mudança, foi a criação da Imprensa Régia.
Mas a educação continuava tendo importância secundária. Por todo o
Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela educação
brasileira, que era de qualidade precária.
49
Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tentaram-se
várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas nada que fosse de
relevante importância para o processo educacional brasileiro.
Tardiamente, em 1934, cria-se a primeira universidade Brasileira em São
Paulo, nota-se, pois que em outros paises da América como o México, já havia a
existência de universidades desde o tempo de colônia.
Sob tendências fascistas, a Constituição de 1937, estabelece uma orientação
político-educacional pautada no ensino pré-vocacional e profissionalizante, propondo
que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou
pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação,
mantendo apenas a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Também
dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas
normais, primárias e secundárias.
Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados
alguns ramos do ensino. Estas reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do
Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino profissionalizante.
O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário,
quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou
científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para
o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar
dessa divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância
recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial.
Com o fim do Estado Novo, em 1946 uma nova Constituição de cunho liberal
e democrático é adotada. Essa nova Constituição, na área educacional, determina a
obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a Carta Magna
fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios
50
proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos
primeiros anos da década de 30.
Ainda em 1946, o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino
Primário e o Ensino Normal, e cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC, atendendo às mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução de
1930.
Em 1950 é inaugurado, em Salvador, o Centro Popular de Educação (Centro
Educacional Carneiro Ribeiro), por Anísio Teixeira, dando início a sua idéia de
escola-classe e escola-parque. Em 1952, em Fortaleza, o educador Lauro de
Oliveira Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o
Método Psicogenético.
Em 1953 cria-se um ministério próprio para administração da educação, criase o Ministério da Educação e Cultura que dá inicio uma campanha de
alfabetização, cuja didática, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha
alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos.
E em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o
Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e é criado
o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo
Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire.
Incentivados pelo regime militar de 1964, os militares criam um modelo
educacional antidemocrático, com professores presos e demitidos, universidades
invadidas, estudantes presos e feridos, nos confronto com a polícia, e alguns
mortos. Com a entrada em vigor do Decreto-lei 477 os estudantes e professores
foram calados e a União Nacional dos Estudantes (UNE) proibida de funcionar.
Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Os
estudantes tinham vontade de aprimorar seus estudos nas universidades, mas nem
sempre existiam vagas suficientes para todos eles. Por esse motivo, cria-se o
vestibular classificatório.
51
Ainda nessa época houve a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização,
MOBRAL, com intuito de erradicar o analfabetismo no Brasil. Tal movimento teve
seu declínio anos depois devido às denúncias de corrupção, e em seu lugar nasce a
Fundação Educar.
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular
contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física,
que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em
1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar à formação
educacional um cunho profissionalizante.
Com o fim do regime Militar as discussões sobre as questões educacionais já
havia perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político.
Profissionais de outras áreas do conhecimento passaram a falar de num
sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à
didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si
mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o
Regime Militar, tais profissionais, distantes do conhecimento pedagógico, passaram
a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber
pedagógico.
O trabalho mais marcante nessa época, que perdura até os dias atuais foi do
economista e Ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Logo no início de sua
gestão, através de uma Medida Provisória extinguiu o Conselho Federal de
Educação e criou o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da
Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos burocrático e mais
político.
A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na
Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos,
como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional.
52
A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito
social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, inciso XXIV e
24, inciso IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o
Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional,
vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da
federação.
Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional
de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático,
especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua
efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).60
Finalmente, em 1996, no INEP, cria-se o polêmico exame nacional de curso,
provão, com a finalidade de avaliar as instituições de ensino superior do país.
Nota-se, nesse panorama, que a educação brasileira evoluiu muito com o
passar dos anos. Várias foram às propostas de melhoria na educação, mas essa
diversidade não contribuiu em nada para a qualidade do ensino no Brasil. Em
matéria de educação o Brasil ainda tem muito que melhorar, a fim de garantir um
ensino de qualidade e uma vida digna a cada cidadão.
3.2-Principais idealizadores da Educação Brasileira
A educação no Brasil foi construída com a influência de diversas pessoas e
em diversas épocas, como mostrado acima. Cabe destacar, porém, a presença de
dois pensadores que muito contribuíram para essa construção valendo de seus
pensamentos filosóficos na área educacional e jurídica, o filósofo da educação
Anísio Teixeira e jurista e filósofo do direito Pontes de Miranda.
60
NINA Ranieri, idem, p. 78.
53
Anísio Teixeira, seguindo a perspectiva do pragmatismo filosófico e
educacional de John Dewey, com quem fizera sua pós-graduação nos Estados
Unidos, usava o pragmatismo, o instrumentalismo ou experimentalismo para
resolução do velho antagonismo entre teoria e prática, tendo como referência a idéia
de conhecimento experimental desenvolvido pela ciência moderna.
As experiências de estudos de Anísio com Dewey contribuíram para reforçar
sua teoria de que só se conseguiria uma efetiva renovação educacional se esta
fosse fundamentada em rigorosas bases científicas.
Anísio Teixeira, em 1968, publicou uma obra chamada “Educação é um
direito”, marcado pelo estudo da educação brasileira, tendo sido influenciada por
fatores históricos e pelas legislações a respeito da educação. Para ele, quando o
Estado liberal cogitou a educação para todos, não visualizou o direito individual de
cada cidadão, mas a conveniência de preparar o homem para o trabalho, até porque
a sociedade já era fundada no saber e no conhecimento. A ênfase do Estado liberal
em educação técnica, profissional, industrial, em oposição à educação acadêmica e
intelectual, refletia o velho dualismo, onde poucos seriam educados para si mesmos
e muitos receberiam apenas o treino adequado para o trabalho que se destinariam.
Sobre isto diz o educador:
O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é
um processo de especialização de alguns para certas funções na
sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição
à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a
modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se
que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei.61
A visão de Anísio Teixeira, sob o ponto de vista constitucional, era de que o
direito à educação tornar-se-ia efetivo se houvesse a criação de uma organização
múltipla de ensino, com a união de forças locais, regionais e nacionais, para
promover um ensino múltiplo, diversificado e uno, como convém às proporções
continentais do nosso país e à natureza democrática de sua Constituição.62
Outra contribuição de grande destaque é a do jurista e filósofo do direito
Pontes de Miranda, que, em 1933 publicou uma obra de tema inédito na área de
61
62
TEIXEIRA, Anísio, Educação é um Direito, ,2. ed. Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1996, p.60-61.
Ibidem, p. 103.
54
sociologia jurídica com o título Direito à educação. Neste trabalho ele sustenta a
importância da escola única e de todos, a escola que o povo deve exigir.
Com Pontes de Miranda inicia-se a luta pelo direito público subjetivo à
educação. Ele propõe, ainda, que a política e o direito reconheçam os novos direitos
do homem: direito à subsistência; direito ao trabalho; direito à educação; direito à
assistência; e o direito ao ideal. 63
Afirma o renomado jurista, que os cinco direitos, acima relacionados, têm de
ser executados simultaneamente, em sistema harmônico, em duplo programa de
"economia de plano" e de "educação de plano". Neste caso o direito à educação é o
terceiro dos novos direitos do homem e sem ele tudo que se promete é paliativo,
engodo para retardar a inevitável recomposição social dos povos dignos de vida. Diz
Pontes de Miranda: “Dêem tudo mais, e não dêem com igualdade escola para todos
– aí não deram nada. A ausência do direito voltará”.
Infelizmente, o Estado liberal constitucional deixou sem sanção certos direitos
declarados, inclusive o direito à educação. A solução, que é urgente para o Brasil, é,
afirma Pontes de Miranda:
[…] considerar o direito à educação direito público subjetivo, como fim
preciso do Estado; permitir ação do indivíduo contra o Estado e o plano de
educação como essencial à existência do Estado, em cujo fim único está
incluída a função técnica de educar.64
3.3- Educação nos dias atuais
Atualmente, a educação é um dos fatores mais importantes para o
desenvolvimento de uma nação. É por intermédio dela que um país é capaz de
crescer, aumentando sua renda e dando qualidade de vida à população.
O processo educacional é parte constitutiva do processo social e se relaciona
sistematicamente com os demais elementos constitutivos de um país. Para
63
64
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Direito à educação. Rio de Janeiro : Alba, 1933. p. 6-7.
Ibidem, p.23.
55
compreender tal processo é importante analisar alguns fatores e situar a educação
dentro de um contexto social. A análise de fatores como crescimento demográfico,
econômico e social, contribuem para tal entendimento.
3.3.1. Crescimento demográfico:
Por se tratar de um país com dimensões continentais o Brasil é o país mais
populoso da América Latina, onde se encontra cerca de 1/3 da população de toda a
América Latina. 65
Todos os anos a população brasileira cresce em média 1.2%, o que
representa praticamente a metade da taxa verificada durante a primeira metade dos
anos 80. Esse aumento populacional é um fator que contribui para a lentidão das
melhorias sociais no país.
No Brasil, entre os anos de 1980 a 2000 houve uma mudança significativa no
crescimento populacional. Crianças de 0-14 anos, faixa que inclui a população de
pré-escolar e básica, teve uma baixa de 38.1% do total da população em 1980 a
28.8% em 2000, ou seja, 10% a menos. Esta redução dá a possibilidade mais
efetiva de universalizar o acesso às primeiras etapas da educação, garantindo maior
qualidade no ensino.
Seguindo uma tendência contrária, a população entre 15 e 34 anos de idade
cresce levemente, passando de 35.8% a 36.5% do total. Isto implica que a demanda
por educação média e superior, terá um importante impulso, sendo necessária uma
demanda maior de recursos para este setor.
65
Fonte: CELADE, Boletim Demográfico N° 59, Janeiro de 1977 (20 países). Boletim 62, Julho de
1998
56
Por outro lado, o envelhecimento da população brasileira, por enquanto, vem
caminhando em índices não muito significativos. A população com 60 anos ou mais
passou de 12.4% a 15.2% do total.
3.3.2. Crescimento econômico:
A economia brasileira cresceu muito lentamente durante a década de 80, o
que significou que o PIB per capita diminuiu a uma taxa anual de -0.4%. Até 1995, o
crescimento foi igual a 0%.66
Entres os anos de 1990 a 2002, a economia melhorou muito pouco, houve
apenas um pequeno crescimento de 0.9% anualmente. Isto significa que o PIB de
1980 é muito similar ao de 2002 e que podemos dizer que com relação ao nível de
renda per capita, as décadas de 80 e 90 foram perdidas para Brasil.
3.3.3. Aspectos sociais:
a) Distribuição de renda:
A desigualdade no Brasil, uma das mais altas do continente, se agravou na
década de 90. Este fenômeno é muito prejudicial ao desenvolvimento da educação
do país.
A pobreza reduziu significativamente entre os anos de 1990 e 2001. Em 1990,
a população pobre representava 48% do total, enquanto em 2001 representava
37.5%. Esta redução, desde o ponto de vista estatístico, é um verdadeiro milagre, e
66
Fonte: CEPAL, "Anuario Estadístico de América Latina y El Caribe, 2003"
57
por duas razões básicas. Primeiramente, porque o PIB per capita apresentou um
crescimento muito baixo e é muito parecido ao de 1980.67
Segundo, porque a distribuição de renda não melhorou para o setor mais
pobre da população, que em 1990, representava 10.3% da renda nacional e em
1999 apenas 10.5%.
O milagre estatístico poderia explicar-se devido ao fato de que a renda de
40% da população mais pobre passou de 9.5% do total nacional em 1990 a 10.1%
em 1999. Parece difícil, entretanto, que estes 6 décimos percentuais tenham
possibilitado uma redução da pobreza de 10 pontos percentuais.
Por outro lado, se consideramos 70% dos lares mais pobres vemos que sua
participação no total da renda nacional passou de 28.1%, em 1990, a 27% em 1999.
O único setor que melhorou sua situação foi os 10% mais rico da população,
cuja renda em 1990 representava 43.9% do total nacional e que, em 1999, chegou a
47.1%.
b) Emprego:
Com relação ao desemprego, podemos concluir que o índice se mantém alto
durante os anos 80, com uma tendência crescente a partir de 1990.
No setor formal ocorreu uma redução relativa do emprego. Verifica-se que no
setor privado esta redução foi de 8%, enquanto no setor público o emprego subiu
25%.68
Este alto índice chama atenção considerando, também, o crescimento do
emprego informal, o que sugere que se trata de um problema estrutural que não se
67
68
Fonte: CEPAL, “Panorama Social de América Latina 2002-2003”.
Fonte: CEPAL, “Anuario Estadístico de América Latina y El Caribe 2003”.
58
resolverá no esquema atual de crescimento econômico. A partir de 1990, o emprego
informal cresceu 6% no Brasil.
O desemprego urbano afeta particularmente às mulheres, pois no período
1991-2002, o percentual de mulheres desempregadas é superior ao de homens.
Após situar o processo educativo dentro de um contexto social e analisar
fatores como, crescimento demográfico, aspectos sociais e crescimento econômico,
surge uma pergunta: Qual a real situação educacional do Brasil atualmente?
Com base em dados estatísticos serão apresentados como são utilizados os
recursos destinados à educação brasileira e os principais problemas enfrentados
nesta área.
3.4. Recursos investidos na educação
Os gastos referentes à educação cresceram na primeira metade da década
de 90 e teve baixa na segunda. Contrariando as tendências da maioria dos paises
do continente e as recomendações dos organismos internacionais, gasto como
porcentagem do PIB cai consideravelmente a partir da década de 90. O gasto por
modalidades de educação mostra um comportamento constante durante os anos
analisados.
Gastos com o ensino médio tiveram um crescimento expressivo, passando de
9.3% para 11.1% do gasto total. Na educação fundamental são investidos 60% dos
recursos destinados em educação e na pré-escola esse número chega a 10%.69
O nível educativo mais favorecido é o superior, que recebe mais de 20% do
total de recursos investidos. É importante observar que o nível básico (infantil,
fundamental e médio) é, prioritariamente, financiado por estados e municípios e o
69
Fonte: CEPAL, Globalização e Desenvolvimento 2000.
59
nível superior pela União, em face do artigo 211, §§ 2º e 3º da Constituição da
República.
Ao analisar o gasto por zona geográfica, vemos que mais de 88% é destinado
às zonas urbanas e que apenas cerca de 11% às zonas rurais.
3.5. Principais problemas
Segundo relatório de Monitoramento EFA Brasil 200870, publicado em
30/04/2008 pela UNESCO, o Brasil está entre os 53 países que ainda não atingiram
e não estão perto de atingir os objetivos de proporcionar Educação para Todos até
2015, prazo acordado na Conferência Mundial de Educação em Dacar, Senegal, em
2000, que reuniu 164 países.
Para que o Brasil alcance o acordo no prazo firmado será preciso resolver os
problemas abaixo relacionados:
a- Analfabetismo e Desigualdade social:
O analfabetismo ainda é uns dos problemas que mais afetam a educação no
Brasil, por meio dele é notória a desigualdade no Brasil.
Segundo pesquisa do PNAD – IBGE71, em 2002 o número de analfabetos
ainda é de 10,9% da população, ou seja, 15,2 milhões de analfabetos absolutos e
cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais.
70
71
Fonte: UNESCO, Monitoramento EFA Brasil 2008, publicado em 30/04/2008.
Fonte: IBGE, PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2002.
60
Outro dado importante mostra que, em 2006, 97% das crianças de sete a
quatorze anos freqüentam a escola, mas a taxa de analfabetismo entre a população
a partir dos 15 anos de idade está em 11,8% da população.
O número mais preocupante é o de brasileiros acima de 50 anos, aonde a
taxa de analfabetismo, no ano da pesquisa, chegava a 27.5%.
As taxas de analfabetismo por localização e por sexo mostram um panorama
da forte desigualdade no país.
A pesquisa revela que a taxa de analfabetos nas áreas rurais é o triplo do das
áreas urbanas, enquanto nas áreas urbanas das Regiões Sudeste e Sul a taxa de
analfabetismo é de 6,2% e 5,8%, respectivamente, no Nordeste rural a taxa é de
39,1%.
Com relação ao analfabetismo por sexo, a taxa baixou de forma contínua, em
2002, a taxa é de um pouco mais de 12%. A escolarização média das mulheres é
levemente superior à dos homens, pelo que podemos dizer que há igualdade entre
os sexos.
Por fim, outro fator que marca a desigualdade no país é o analfabetismo entre
os grupos étnicos, o que evidencia a discriminação histórica.
As diferenças entre raça e/ou cor mostram que os negros e pardos estão em
desvantagem, pois a taxa de analfabetismo para este grupo segue em 115.6% e a
escolarização dos brancos supera negros e pardos em dois anos.
b- Repetência e Evasão Escolar:
Outros problemas que têm muito destaque para a problemática da Educação
Brasileira são a repetência e a evasão escolar.
61
O Brasil é um dos paises que apresentam a maior taxa de repetência escolar
do continente americano. Em 1991, essa taxa era de 33,2%, o que representa, em
números absolutos, 9.344.821 estudantes, ou seja, um terço do total dos estudantes
matriculados em educação básica.72
Em 1998 o percentual de repetência reduziu 11.9 pontos percentuais. Neste
ano o número de estudantes que repetiram o ano foi de 7.650. 235 estudantes.
Os piores índices de repetência se dão na 1ª série do ensino fundamental.
Tanto em 91 quanto em 1998, 40% das crianças que ingressaram na vida escolar
encontraram dificuldades e não conseguiram acompanhar o processo educativo
durante o ano letivo.
Nas séries seguintes a taxa de repetência tem uma leve queda, voltando a se
elevar nos quinto e sextos anos do ensino fundamental.
Além da repetência, outro problema que afeta a educação brasileira é a
evasão escolar. Em 1990, a taxa de abandono escolar era de 46%, reduzindo-se
significativamente a 25%, em 1999.
A maior problemática do abandono escolar está evidenciada nas séries
iniciais do ensino fundamental. Em 1998, 18,9% dos estudantes que ingressaram no
sistema desertaram. Se somados a esse percentual o número de crianças que não
ingressaram no sistema educacional, a taxa sobe de 18.9% para 21%, e esse
numero é preocupante, pois essas crianças, se não retornarem à escola
provavelmente aumentarão a porcentagem da população analfabeta.
A taxa global de evasão sofre uma queda nos anos finais do ensino
fundamental, são 5% de desertores nessa situação em 1999.
72
Fonte: MEC/INEP/SEEC-– Censos do Ensino Superior. UnB/SPL – Anuários Estatísticos de 1998 e
de 1999.
62
Outro fator que influencia a evasão escolar é a localidade da população. Nas
zonas rurais o abandono é mais alto que nas zonas urbanas. Em 1999, 13% das
pessoas em idade escolar abandonaram a escola.
Seguramente, a alta repetência nas séries primárias explica a deserção
inicial, de cerca de 25% das crianças, pois é nas séries fundamentais que elas
descobrem o mundo através da educação e, ao repetir, criança fica cada vez mais
desmotivada e não vê sentido em continuar estudando.
63
DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E
DIGNIDADE HUMANA
1. EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS
A educação em Direitos Humanos parte de três pontos essenciais: primeiro, é
uma educação de natureza permanente, continuada e global. Segundo é uma
educação necessariamente voltada para a mudança, e terceiro, é uma criação de
valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, meramente
transmissora de conhecimentos. Tais pontos são premissas, no sentido de ser
compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção.
O primeiro ponto trata-se da formação de uma cultura de respeito à dignidade
humana por meio da promoção e da vivência de valores como: liberdade, justiça,
igualdade, solidariedade, cooperação, tolerância e paz. Portanto, a formação desta
cultura implica na criação e consolidação de mentalidades, costumes e hábitos
decorrentes dos valores supra-citados, transformando-os em prática cotidiana e
global.
A segunda premissa trata-se de uma educação em direitos humanos voltada
para a mudança, trata-se da criação de uma nova cultura de respeito à dignidade
humana e não para a conservação dos costumes, das tradições das crenças e dos
valores arraigados pelas sociedades. Tal mudança implica a derrocada de valores
de vários fatores historicamente definidos.
Cumpre lembrar que direitos humanos são aqueles direitos considerados
fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo,
nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de
saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento
moral.
A educação em direitos humanos é fundamental porque é indispensável para
64
a vida com dignidade. Atualmente todos os textos nacionais e internacionais de
defesa dos direitos humanos explicam a dignidade pela própria transcendência do
ser humano. Exemplo disso encontra-se no artigo 1º da Declaração Internacional de
Direitos Humanos de 1948 que diz: “todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e em direitos”.
Por fim, no processo educativo, voltado para os direitos humanos, busca-se
atingir não só a razão, mas também a emoção, isto é, corações e mentes, visto que
o homem não é apenas um ser que pensa e raciocina, mas que chora e que ri, que
é capaz de amar e de odiar, que é capaz de sentir indignação e enternecimento,
que é capaz da criação estética.
O homem é um ser essencialmente moral, ou seja, o seu comportamento
racional estará sempre sujeito a juízos sobre o bem e o mal, portanto o ser humano
tem a sua dignidade explicitada através de características que são únicas e
exclusivas da pessoa humana. Somente o ser humano é dotado de vontade, de
preferências valorativas, de autonomia, de autoconsciência como o oposto da
alienação. Para Kant o ser humano é o único ser cuja existência é um valor
absoluto, é um fim em si e não um meio para as outras coisas.
Quando se fala em educação em direitos humanos fala-se também em
educação para a cidadania, com a formação do cidadão participativo e solidário,
consciente de seus deveres e direitos. Fala-se em educação para a democracia, e
não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existem direitos
humanos sem a prática da democracia.
Para uma efetiva educação em direitos humanos é preciso que se leve em
consideração algumas premissas:
Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado à vivência do valor da
igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de
sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade.
Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da capacidade de
se perceber as conseqüências pessoais e sociais de cada escolha. Ou seja, deve
65
levar ao senso de responsabilidade.
E por último, esse processo educativo deve visar à formação do cidadão
participante, crítico, responsável e comprometido com a mudança daquelas práticas
e condições da sociedade que violam ou negam os direitos humanos.
A educação em direitos humanos deve ser aplicada em diversos lugares,
dependendo dos recursos e das condições objetivas, sociais, locais e institucionais,
de cada grupo, de cada entidade. Há que distinguir entre as possibilidades da
educação formal e da educação informal.
Na educação formal, a formação em direitos humanos será feita no sistema
de ensino, desde a escola primária até a universidade e na educação informal, será
feita através dos movimentos sociais e populares, das diversas organizações nãogovernamentais – ONGs – , dos sindicatos, dos partidos, das associações, das
igrejas, dos meios artísticos, e, muito especialmente, através dos meios de
comunicação de massa, sobretudo a televisão.
O conteúdo da educação em direitos humanos decorre do estudo e da
discussão da própria definição de direitos humanos, do conhecimento sobre as
gerações ou dimensões históricas, sobre as possibilidades de reivindicação e de
garantias vinculadas a uma noção de direitos e obrigações do cidadão e de seu
compromisso dom a solidariedade. É importante, ainda, que sejam mostradas as
razões e as conseqüências da obediência a normas e regras de convivência.
A efetiva realização da educação em direitos humanos dar-se-á mediante a
relação democracia entre os partícipes, segundo enfatiza o Professor José Mario
Pires Azanha73, “de nada adiantará levar programas de direitos humanos para a
escola, se a própria escola não é democrática na sua relação de respeito com os
alunos, com os pais, com os professores, com os funcionários e com a comunidade
que a cerca”.
73
BENEVIDES, Maria Victoria.(Professora da USP/Faculdade de Educação; fundadora, diretora e
professora da Escola de governo de São Paulo) .Tópicos do Texto: Educação para a Democracia.
(versão resumida de conferência proferida no âmbito do concurso para Professor Titular em
Sociologia
da
Educação
na
FEUSP,
1996).
Ver
Texto
In:
http://www.hottopos.com/notand2/educacao_para_a_democracia.htm
66
É nesse sentido que um programa de direitos humanos, introduzido na escola
serve, também, para questionar e enfrentar as suas próprias contradições e os
conflitos no seu cotidiano.
2- EDUCAÇÃO: DIREITO FUNDAMENTAL E INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DA DIGNIDADE HUMANA
2.1- Educação como garantia do Mínimo Existencial:
As idéias propostas até aqui conduzem à compreensão de que a educação é
integrante do próprio direito à vida, constituindo-se, assim, como direito fundamental,
indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana.
Ela está intrinsecamente ligada à dignidade humana, pois a partir de uma
educação bem ministrada, de qualidade, o indivíduo torna-se capaz de competir em
situação de igualdade por uma vida plena, por condições mínimas de sustento, tanto
em relação ao mínimo dos bens materiais, quanto no que diz respeito à formação do
homem integral e na sociedade.
Esta afirmação implica em dizer que a educação garante condições mínimas
para uma vida digna, para uma vida com qualidade. Implica que cada pessoa bem
educada deve possuir condições mínimas de sustento físico próprio, bem como as
condições mínimas para que possa participar da vida social de seu Estado, se
relacionando com as pessoas que estão ao seu redor e que fazem parte da
sociedade na qual vive. Segundo o professor Ricardo Lobo Torres essa condição é
denominada de mínimo existencial:
Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de
sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade.
A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem
retroceder aquém de um mínimo.74
74
TORRES, Ricardo Lobo, Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de
Janeiro: Renovar, 1995, p. 129
67
No artigo 6º da Constituição encontram-se os elementos que garantem o
denominado mínimo existencial. Neste sentido ensina o Professor Ricardo Lobo
Torres:
Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora não sejam
originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne
à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive. 75
Alguns autores, como o Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, preferem
utilizar-se da denominação piso mínimo normativo para referir-se, aos elementos do
artigo 6º da Carta Magna Brasileira garantidores das condições sem as quais o
homem não pode viver dignamente. Vejamos a posição do Professor a respeito
desse assunto:
(...) para que a pessoa humana possa ter dignidade (CF, art. 1º, III)
necessita que lhe sejam assegurados os direitos sociais previstos no art. 6º
da Carta Magna (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdencia
social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados) como "piso mínimo normativo", ou seja, como direitos
básicos.76
Segundo entendimento do Professor José Afonso da Silva77 a educação é um
dos "(...) indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana".
Assim, temos a educação como um dos componentes do mínimo existencial
ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita
para viver em sociedade, para ter uma vida digna, sobretudo no que se refere ao
ensino público fundamental gratuito nos estabelecimentos oficiais de ensino, que se
traduz como direito público subjetivo, como condição essencial para uma existência
digna.
Segundo artigo 208, inciso I, da Constituição Federal, o ensino fundamental é
garantido de forma gratuita, para ricos e pobres. Caso em um determinado Município
não houver vagas nas escolas de ensino oficial, pode o município ingressar com
uma ação, obrigando o Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, a garantir tais
75
TORRES, Ricardo Lobo, Opus citatum p. 129
FIORILLO, Celso Antonio, O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São
Paulo: Saraiva, 2.000. p. 14.
77
SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22 ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 109.
76
68
vagas em estabelecimentos de ensino particular, pois é de competência das três
entidades, assegurarem a educação de todos, reservando-lhes meios de estudo.
No que tange ao ensino médio, não constitui mínimo existencial. No entanto,
o art 208, inciso II, da Constituição declara que “o dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de: progressiva universalização do ensino
médio”. Ricardo Lobo Torres afirma que este dispositivo trata de norma
programática, com exceção as pessoas pobres.
O referido autor observa, ainda, que a gratuidade do ensino foi estendida ao
ensino superior, sem que houvesse suficiência de recursos no orçamento, o que
gerou um desequilíbrio, com aumento das verbas das universidades e diminuição
das escolas primárias, beneficiando-se, injustamente a classe rica. Desta forma,
para que cada ser humano seja considerado e respeitado como tal, é preciso que
possua uma vida digna.
Por tais motivos, a educação em todos os níveis (básico/fundamental, médio
e superior – sem se privilegiar com recursos um deles em detrimento do outro), deve
ser assegurada de maneira primordial, pois caracteriza o direito à vida e é
instrumento fundamental para que o homem possa se realizar como homem.
2.2- Educação na formação do ser humano:
O Homem não se define como tal no próprio ato de seu nascimento, pois
nasce apenas como criatura biológica que carece se transformar incorporando uma
natureza própria, distinta das demais criaturas. Ao nascer não se encontra equipado
nem preparado para orientar-se no processo de sua própria existência necessitando
de ser ensinado e moldado. Segundo Kant "o homem é a única criatura que precisa
ser educada".78
78
KANT, Immanuel, "Resposta à pergunta: Que é esclarecimento?". In: Textos Seletos,
Petrópolis: Vozes, 1974. p.69.
69
Para Kant "o homem não pode se tornar homem senão pela educação".79 A
formação humana resulta na transformação da criatura biológica em um novo ser
dotado de cultura e conhecimento. Esse ato denomina-se Educação.
A educação garante a formação de um ser humano atento a princípios e
valores que norteiam o mundo em que vive. Segundo o Novo Dicionário da Língua
Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, educação é “processo de
desenvolvimento da capacidade física, intelectual ou moral da criança e do
ser
humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social”.
Educar compreende acionar os meios intelectuais de cada ser para que o
mesmo seja capaz de assumir o pleno uso de suas capacidades físicas, intelectuais
e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação. A Educação
possibilita a cada indivíduo adquirir o controle de seu próprio processo formativo.
O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das
sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a
necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos.
O processo educacional tem início na família, quando os pais ensinam a seus
filhos valores e princípios fundamentais para a formação de sua vida individual e em
sociedade.
Num segundo momento, entra em cena a escola. Tem início a etapa da
instrução do individuo, onde ela vai adquirir conhecimentos referentes a áreas do
saber específicas: Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, entre outras.
Mas o papel da educação na formação do indivíduo não fica restrito a esse
tipo de informação. De certa forma, a escola vai dar continuidade ao processo que
foi iniciado pela família, educando o individuo também para a vida, através da
disciplina, das responsabilidades, do estímulo ao exercício da cidadania.
A educação garante ao individuo a oportunidade de desenvolver a sua
identidade e autonomia.
A interação com as demais pessoas da instituição de
ensino amplia seus laços afetivos e os torna capaz de perceber seu papel social.
79
Ibidem, p.73.
70
Desse modo, na escola, criam-se condições para as crianças conhecerem,
descobrirem e ressignificarem novos sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis
sociais.
Uma Educação pautada em valores capacita o ser humano a conhecer o
universo em que vive, a viver em sociedade, a entender, a respeitar e ajudar ao
próximo, a ouvir, a dialogar, a questionar, a mudar e resolver os problemas do dia-adia.
2.3- A Educação como garantia de Emprego:
Com a globalização, a sociedade passou a ficar mais competitiva ampliando a
demanda por conhecimentos e informações. As tendências atuais valorizam e dão
destaque à inteligência distribuída e à elevação contínua da qualidade, enfatizando
igualmente o desenvolvimento de capacidades que permitam a indispensável
adaptação a mercados em constante mutação e oscilação.
Com base nesta afirmativa observa-se que a educação e o trabalho estão
intimamente ligados e interdependentes por um ser indispensável à existência do
outro, se fazendo vital a humanização da pessoa humana. Segundo Dermeval
Saviani, percebe-se que:
A educação coincide com a própria existência humana (...) as origens da
educação se confundem com as origens do próprio homem. Na medida em
que é determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para
existir, a produzir sua própria vida, é que ele se constitui propriamente
enquanto homem (...) O ato de agir sobre a natureza, adaptado-a às
necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho. Por
isto, podemos dizer que o trabalho define a essência humana. Portanto, o
homem, para continuar existindo, precisa estar continuamente produzindo
sua própria existência através do trabalho. Isto faz com que a vida do
homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência.80
Atualmente, vários países têm procurado reformar seus sistemas de
educação com o intuito de preparar seus cidadãos para atender à nova tendência
80
SAVIANI, Demerval. O Trabalho como Princípio Educativo Frente às Novas Tecnologias, 2 ed.
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 77-78.
71
mundial. Nesse sentido, a educação e a formação profissional aparecem como
questões centrais em diversos países, pois a elas são conferidas a capacidade de
tornar os indivíduos mais competitivos, intensificar a concorrência, adaptar
trabalhadores às mudanças técnicas e minimizar os efeitos do desemprego.
O papel de organismos internacionais reguladores tem sido fundamental para
essa mudança, como é possível apreender a partir de estudos do Banco Mundial:
Detalhados estudos econométricos indicam que as taxas de investimentos e
os graus iniciais de instrução constituem robustos fatores de previsão de
crescimento futuro. Se nada mais mudar, quanto mais instruídos forem os
trabalhadores de um país, maiores serão suas possibilidades de absorver as
tecnologias predominantes, e assim chegar a um crescimento rápido da
produção. (...) O desenvolvimento econômico oferece aos participantes do
mercado de trabalho oportunidades novas e em rápida mudança.81
Essa tendência, observada em vários paises do mundo, não se faz de forma
homogênea, pois se depara com diferentes contextos nacionais.
No Brasil, a reforma do sistema de educação encontra dificuldades, pois se
mescla com problemas sociais como a desigualdade da distribuição da renda, o
analfabetismo e os baixos índices de escolaridade que atingem grande parte da
população, acarretando, desta maneira, a falta de emprego.
2.4- A Educação como Efetivação da Cidadania
Como visto anteriormente, cidadão é o indivíduo que participa ativamente
dos destinos da sociedade em que vive. Ser cidadão é respeitar e participar das
decisões da sociedade a fim de melhorar a vida da sociedade e não esquecer das
pessoas que mais necessitam de ajuda e consideração.
No mundo globalizado, para ser cidadão tem que se desenvolver nas pessoas
uma consciência que envolva o conhecimento, uma noção da interdependência que
81
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial. O trabalhador e o processo
de integração mundial. Washington, 1995, p. 26-35.
72
existe não só entre os indivíduos, mas também entre elas e o complexo ambiente
em que estão inseridas. Para isso só há uma solução básica: educar o ser humano a
fim de que seja efetivada a cidadania.
Neste sentido Roberto Carlos Simões Galvão ensina:
Educar é um ato que visa à convivência social, a cidadania e a tomada de
consciência política. A educação escolar, além de ensinar o conhecimento
científico, deve assumir a incumbência de preparar as pessoas para o
exercício da cidadania. A cidadania é entendida como o acesso aos bens
materiais e culturais produzidos pela sociedade, e ainda significa o exercício
pleno dos direitos e deveres previstos pela Constituição da República.82
Para Maria Victoria Benevides83, três elementos são indispensáveis e
interdependentes para a compreensão da educação como efetivação da cidadania:
1. A formação intelectual e a informação - da antigüidade clássica aos nossos
dias trata-se do desenvolvimento da capacidade de conhecer para melhor escolher.
Para formar o cidadão é preciso começar por informá-lo e introduzi-lo às diferentes
áreas do conhecimento, inclusive através da literatura e das artes em geral. A falta,
ou insuficiência de informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e pode
levar a uma verdadeira segregação. No Brasil, aqueles que não têm acesso ao
ensino, à informação e às diversas expressões da cultura lato sensu, são,
justamente, os mais marginalizados e "excluídos".
2. A educação moral, vinculada a uma didática de valores que não se
aprendem intelectualmente apenas, mas, sobretudo pela consciência ética, que é
formada tanto de sentimentos quanto de razão; é a conquista de corações e mentes.
3. A educação do comportamento, desde a escola primária, no sentido de
enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o
aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse pessoal ou de
grupo ao interesse geral, ao bem comum. Sem participação dos interessados no
estabelecimento de metas e em sua execução, como já afirmava Dewey, não existe
possibilidade alguma de bem comum. É preciso tempo para sacudir a apatia e a
82
GALVÃO, Roberto Carlos Simões. Educação para a cidadania: o conhecimento como instrumento
político de libertação Disponível em: <http://www.educacional.com.br>. Acesso em: 30 set 2008.
83
BENEVIDES. Maria Victoria, opus citatum
73
inércia, para despertar os interesses positivos e a energia ativa (Dewey). Ora, é
evidente que essa é uma tarefa para a educação, para a democracia.
Depois de verificados os elementos acima elencados, afere-se que a idéia de
educação está intimamente ligada às de liberdade, democracia e cidadania. Não
existe a educação para cidadania sem que exista democracia. Seria contraditório
ensinar a democracia no meio de instituições de caráter autoritário.
Neste sentido, Norberto Bobbio afirma que:
A democracia não se refere só à ordem do poder público do Estado, mas
deve existir em todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais.
Começa na relação interindividual, passa pela família, a escola e culmina no
Estado. Uma sociedade democrática é aquela que vai conseguindo
democratizar todas as suas instituições e práticas.84
Por tais motivos, a educação do cidadão, para a democracia, nunca se fará
por imposição do Estado, como uma doutrina oficial, mas pelo ensino dos valores
democráticos e liberdade individual. Ainda segundo Maria Victoria Benevides85, são
valores democráticos:
a) A virtude do amor à igualdade, de que falava Montesquieu, e o
conseqüente repúdio a qualquer forma de privilégio;
b) O respeito integral aos direitos humanos, cuja essência consiste na
vocação de todos - independentemente de diferenças de raça e etnia, sexo,
instrução, credo religioso, julgamento moral, opção política ou posição social - a
viver com dignidade, o que traz implícito o valor da solidariedade;
c) O acatamento da vontade da maioria, legitimamente formada, porém com
constante respeito pelos direitos das minorias, o que pressupõe a aceitação da
diversidade e a prática da tolerância.
Onde deve ser desenvolvida a educação do cidadão? As instituições de
ensino são os lugares mais indicados para a efetivação dessa educação. Como já
visto, a escola não tem apenas a função de repassar conteúdos programáticos
específicos, mas de contribuir para a formação global de seus alunos.
84
85
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.319-329.
BENEVIDES. Maria Victoria, opus citatum
74
Desta forma, a figura do professor, e de todas as pessoas envolvidas no
processo educativo, torna-se imprescindível no auxílio à formação do caráter dos
alunos como coloca Hurtado:
[...] orientar vivências, sendo um elemento crítico e questionador de valores,
o que lhe permitirá realizar muito mais no sentido de desenvolver o espírito
crítico dos alunos, se souber aproveitar fatos e informações obtidos de outras
fontes que não somente as da escola e, a partir deles, procurar auxiliá-los a
estruturar sua personalidade.86
A proposta de socialização em ambiente escolar coloca em relevo a
necessidade de distribuição do conhecimento a todos os integrantes da sociedade,
devendo ser assimilado por todos.
O processo de transmitir e assimilar o conhecimento elaborado, dependendo
de como for relacionada sua forma com o respectivo conteúdo, provoca, no
desenrolar desse processo, a assimilação de uma postura política por parte do
educando e também pelo educador, mesmo que ela na tenha sido conscientemente
percebida ou clarificada. A geração de feito já no interior da sala de aula é, portanto,
um fato notório.
O desenvolvimento da cidadania por meio da educação não diz respeito
somente àqueles que pertencem aos grupos dominantes da sociedade, pois a
detenção desses conhecimentos é de fundamental importância também ás classes
subordinadas, uma vez que, do ângulo político, aqueles que não o conhecimento
adequado, constituem uma massa facilmente manobrável, o que facilita o processo
de dominação. Nesse sentido, a posse desse conhecimento em cidadania e
democracia, é por demais relevante, tendo em vista a implementação de ações que
visem alterar as condições de existência.
A educação para efetivar o cidadão deve ser diferenciada. Não basta apenas
educar para a tolerância e para a liberdade, sem o forte vínculo estabelecido entre
igualdade e solidariedade, pois isso implicaria no despertar dos sentimentos de
indignação e revolta contra a injustiça e, como proposta pedagógica, deverá
86
HURTADO, Johann G. G. Melcherts, O ensino da Educação Física: uma abordagem didática.
2a ed. Curitiba: Educa Editer , 1983, p.77.
75
impulsionar a criatividade das iniciativas tendentes a suprimi-la, bem como levar ao
aprendizado da tomada de decisões em função de prioridades sociais.
Nas palavras de Rousseau (1615, p.11)87, um clássico educador político: A
pátria não subsiste sem liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude sem
os cidadãos. (...) Ora, formar cidadãos não é questão de dias, e para tê-los adultos é
preciso educá-los desde crianças.
87
ROUSSEAU, Sur L´économie politique, 1615, p.11, apud BENEVIDES, Maria Victoria, opus
citatum.
76
CONCLUSÃO
Após a análise de toda a dissertação podemos concluir que a educação é um
principio fundamental, garantido pela Constituição Brasileira, que contribui de
maneira expressiva, para a formação de um ser humano digno, competitivo e pronto
para ser inserido numa sociedade democrática.
As idéias expostas nesse texto nos impelem a uma reflexão crítica quanto à
educação como instrumento de transformação social, onde podemos afirmar que o
papel do professor e de todos os que estão inseridos no processo educativo, tem
primordial importância para a efetivação da educação como garantia da dignidade
humana.
Devido à abrangência do tema, no capítulo I procurou-se explicar as noções
gerais de direitos humanos, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e
cidadania, concluindo que muitas ciências contribuíram com diversas concepções,
para a formação destes conceitos.
No mesmo capítulo, pode-se acompanhar a evolução histórica dos direitos
humanos, direitos fundamentais, princípio da dignidade humana e cidadania,
concluindo-se que desde os primórdios do mundo já existia a noção de cidadania e
respeito social.
No capítulo II, as noções gerais de educação mostram que a educação tem
papel relevante no desenvolvimento da personalidade humana, e concretizam a
própria cidadania. É por meio da educação que os indivíduos compreendem os
limites de sua liberdade, a forma de exercício de seus direitos e deveres, tornando –
se o passaporte para a cidadania.
Aliás, é nesse capítulo também que observamos que as diferentes
concepções da educação contribuíram para a construção do conceito jurídico de
direito à educação, dando-nos a conclusão de que a educação é um direito público
subjetivo garantido pelo Estado Brasileiro em sua Carta Maior.
77
Por meio da análise do histórico da educação brasileira nota-se que a
educação brasileira evoluiu muito com o passar dos anos. Várias foram as propostas
de melhoria na educação, mas essa diversidade não contribuiu em nada para a
qualidade do ensino no Brasil.
A apresentação dos principais problemas da educação brasileira serviu de
norte para a conclusão de que em matéria de educação o Brasil ainda tem muito que
melhorar, a fim de garantir um ensino de qualidade e uma vida digna a cada
cidadão.
E finalmente após análise do capitulo III, conclui-se que a educação é o
principal meio de garantia das condições mínimas de existência, chamada mínimos
existenciais, que é o instrumento de transformação social, devendo ser assegurada
de maneira primordial, pois caracteriza o direito à vida e é instrumento fundamental
para que o homem possa se realizar como homem.
Com a globalização, a sociedade passou a ficar mais competitiva ampliando a
demanda por conhecimentos e informações, tornando educação e emprego
dependente uma da outra. É principalmente por intermédio da educação que o
homem adquiri condições de competir por uma colocação melhor no mercado de
trabalho e exterioriza dignidade perante si e os outros.
Nesta mesma linha de raciocínio conclui-se que educação garante a formação
de um ser humano atento a princípios e valores que norteiam o mundo em que vive.
Conclui-se também que o processo de formação do ser humano preocupado
com valores tem início na família, quando os pais ensinam a seus filhos valores e
princípios fundamentais para a formação de sua vida individual e em sociedade e
depois tem a continuidade na escola, tendo o professor papel fundamental na
solidificação desse processo.
Evidencia-se nos textos normativos citados neste trabalho que, do ponto de
vista jurídico, estão lançados os fundamentos necessários para a desafiadora e
indispensável empreitada que significa a construção de uma sociedade democrática,
78
com apoio na educação. Isso porque, somente através desta é possível desenvolver
o ser humano de forma integral. O texto constitucional é explícito quanto aos
objetivos da educação: o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo desta para o
exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.
79
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Wanessa Novoa Furasté - Universidade Católica de Brasília