MINISTÉRIO DA SAÚDE
F o r m a ç ã o
Pedagógica
em
Educação
Profissional na
Área de Saúde:
Enfermagem
2a edição revista e ampliada
1
Brasília – DF
2002
Educação
Governo Federal
Barjas Negri
Ministro de Estado de Saúde
Silvandira Paiva Fernandes
Chefe de Gabinete
Otávio Azevedo Mercadante
Secretário Executivo
Gabriel Ferrato dos Santos
Secretário de Gestão de Investimentos em Saúde
Rita Sório
Gerente Geral do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE
Valcler Rangel
Gerente do Componente II
Valéria Morgana Penzin Goulart
Coordenadora do Subcomponente Formação Pedagógica
Fundação Oswaldo Cruz
Presidente: Paulo Marchori Buss
Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antônio Zepeda Bermudez
Coordenador da Escola de Governo em Saúde/EAD: Antonio Ivo de Carvalho
Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem
Coordenação: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros
Equipe Técnica: Elaci Barreto, Helena David
Assessoria Pedagógica: Carmen Perrotta, Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim
Apoio Administrativo: Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde
Projeto de PProfissionalização
rofissionalização dos TTrabalhadores
rabalhadores da Área de Enfermagem
F o r m a ç ã o
Pedagógica
em
Educação
Profissional na
Área de Saúde:
Enfermagem
2a edição revista e ampliada
Série F. Comunicação e Educação em Saúde
1
Brasília – DF
2002
Educação
© 2000 Fundação Oswaldo Cruz
Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ
Série F. Comunicação e Educação em Saúde
Tiragem: 2a edição revista e ampliada – 2002 – 6.000 exemplares
Capa: Carlota Rios e Letícia Magalhães
Projeto gráfico: Carlota Rios
Editoração eletrônica: Paulo Sérgio Carvalhal Santos
Ilustrações: Flavio Almeida
Revisoras: Alda Lessa Bastos, Angela Dias, Maria Leonor de Macedo Soares Leal, Mônica Caminiti Ron-Réin e Nina Ulup
Elaboração, distribuição e informações
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde
Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE
Esplanada dos Ministérios, bloco G, edifício sede, 8o andar, salas 824-828
CEP 70058-900 – Brasília – DF
Tel.: (61) 315 3286 / 315 2218
Fax: (61) 325 2068
Home page: http://www.profae.gov.br
Programa de Educação a Distância – EAD – ENSP
Av. Brasil, 4036, salas 904/906/908
CEP 21040-210 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: 0800 225530
Home page: http://www.ead.fiocruz.br
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Ficha Catalográfica
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Projeto de Profissionalização dos
Trabalhadores da Área de Enfermagem.
Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: enfermagem: núcleo contextual: educação
1 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde, Projeto de Profissionalização dos
Trabalhadores da Área de Enfermagem – 2. ed. rev. e ampliada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
92 p.: il. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde)
ISBN 85-334-0693-2
1. Educação Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. 3. Educação Continuada. I. Brasil. Ministério da
Saúde. II. Brasil. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores
da Área de Enfermagem. III. Título. IV. Série.
NLM WY 18.8
Catalogação na fonte – Editora MS
Autores
Núcleo Contextual
Francisco José da Silveira Lobo Neto – Coordenador do Núcleo
Módulos 1, 2, 3 e 4
Adonia Antunes Prado
Módulos 1, 2, 3 e 4
Dalcy Angelo Fontanive
Módulos 1, 2, 3 e 4
Percival Tavares da Silva
Módulos 1, 2, 3 e 4
Núcleo Estrutural
Maria Esther Provenzano – Coordenadora do Núcleo
Carlos Alberto Gouvêa Coelho
Módulo 5
Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim
Módulo 6
Alice Ribeiro Casimiro Lopes
Módulo 7
Maria Esther Provenzano
Nelly de Mendonça Moulin
Módulo 8
Núcleo Integrador
Milta Neide Freire Barron Torrez – Coordenadora do Núcleo
Módulos 9, 10 e 11
Maria Regina Araujo Reicherte Pimentel
Módulos 9, 10 e 11
Regina Aurora Trino Romano
Módulos 9, 10 e11
Valéria Morgana Penzin Goulart
Módulos 9, 10 e 11
Colaboradores
Cláudia Mara de Melo Tavares
Elaci Barreto
Helena Maria Scherlowski Leal David
Izabel Cruz
Guia do Aluno
Carmen Perrotta – Coordenadora
Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim
Milta Neide Freire Barron Torrez
Livro do Tutor
Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim – Coordenadora
Carmen Perrotta
Milta Neide Freire Barron Torrez
Coordenação geral da 2 a edição
Carmen Perrotta
Módulo
Módulo
Módulo
Módulo
Educação
Educação/
Sociedade/
Cultura
Educação/
Conhecimento/
Ação
Educação/
Trabalho/
Profissão
Módulo
Módulo
Módulo
Módulo
Proposta
pedagógica:
o campo da
ação
Proposta
pedagógica:
as bases da
ação
Proposta
pedagógica:
o plano da
ação
Proposta
pedagógica:
avaliando
a ação
2
1
5
3
6
4
7
8
Módulo
Módulo
Módulo
Imergindo na
prática
pedagógica em
Enfermagem
Planejando uma
prática
pedagógica
significativa
em Enfermagem
Vivenciando uma
ação docente
autônoma e
significativa na
educação
profissional
em Enfermagem
9
10
11
Sumário
Apresentação da 1a edição
9
Apresentação da 2a edição
11
Apresentação do Curso
13
Apresentação do Núcleo Contextual
15
Apresentação do Módulo 1 – Educação
17
Tema 1 – Prática social educativa
19
Tema 2 – Educação na prática social brasileira:
bases históricas
33
Tema 3 – Educação: interação e consciência social
63
Textos complementares
69
Síntese
82
Atividade de Avaliação do Módulo
84
Bibliografia de referência
86
Apresentação da 1 a edição
Permitam-me, inicialmente, relatar como chegamos a este programa
de qualificação. Quando deputado federal por São Paulo, durante a
Constituinte, apresentei as emendas que permitiram criar o FAT, Fundo de
Amparo ao Trabalhador. Em 1994 apresentei e aprovei projeto de lei que
possibilitou utilizar recursos do FAT para cursos de treinamento e qualificação.
Em 1995, o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso criou o
Planfor, programa de treinamento e qualificação do Ministério do Trabalho,
executado de forma descentralizada, por meio de sindicatos, federações,
centrais sindicais, etc.
Por ser o autor da lei, fui convidado para ser paraninfo de uma turma
de formandos: auxiliares de enfermagem. Fiquei encantado. Em um ano,
centenas ou milhares de atendentes de saúde tornaram-se auxiliares, em cursos
improvisados mas eficientes.
Em 1995/96 eu era ministro do Planejamento mas em 1998 assumi o
Ministério da Saúde. Duas semanas depois decidi criar um programa para
treinar todos os atendentes do Brasil, transformando-os em auxiliares de
enfermagem. Conversei a respeito com Enrique Iglesias, presidente do BID
e meu amigo. Ele topou financiar o programa e pusemos mãos à obra.
Assim, foi criado o Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores
da Área de Enfermagem – PROFAE , com o objetivo de melhorar a
qualidade da atenção ambulatorial e hospitalar, além de oferecer aos usuários
do Sistema Único de Saúde uma assistência humanizada e de maior qualidade.
Para isto, promoveremos a formação profissional de 225 mil trabalhadores
de enfermagem, que hoje atuam nos serviços de saúde sem toda a qualificação
necessária ao exercício de suas funções, garantindo-lhes uma formação técnica
adequada.
A descentralização financeira e de gestão dos serviços de saúde, com
mudanças nos níveis de atuação dos Estados e principalmente dos Municípios,
trouxe de imediato duas conseqüências importantes: (i) uma considerável
expansão dos empregos na esfera municipal; (ii) a necessidade de mudanças no
perfil dos profissionais em torno de experiências efetivas de reformulações do
modelo de assistência à saúde. Assim o “fazer saúde”, voltado principalmente
para a inversão do modelo assistencial através da reorientação das práticas
sanitárias, exige mais do que nunca profissionais e técnicos com capacidade de
atuar em diferentes setores de forma a apresentar a melhoria dos indicadores
de saúde, em qualquer nível de atenção existente no sistema de saúde.
A implementação de um sistema de saúde equânime depende de todos:
gestores, trabalhadores, especialistas enfim. Mas os trabalhadores que
compõem a equipe de enfermagem são sujeitos de especial importância no
processo de reforma em curso, pois a eles cabe a responsabilidade primordial
do “cuidado” aos indivíduos e comunidades. Este cuidado, quando realizado
com qualidade, incorpora, além de competências e habilidades técnicas, outras
dimensões das relações humanas e sociais, como a ética e a responsabilidade.
Para superar o tradicional enfoque da educação profissional baseado
apenas na preparação do trabalhador para execução de um determinado
conjunto de tarefas, consideramos, também, que seria necessário investir na
formação pedagógica dos enfermeiros que atuarão como docentes nos
Cursos promovidos pelo PROFAE. Esta coletânea de livros é um passo
importante nessa direção.
A implementação de um Curso de Formação Pedagógica especialmente
desenvolvido para a docência em educação profissional da área de
Enfermagem é fundamental para que treinemos, inicialmente, um contingente
de 12 mil enfermeiros, indispensáveis à implantação do Projeto. Os princípios
adotados no Curso de Formação Pedagógica do PROFAE permitem,
também, que seja inaugurado um processo de educação permanente junto
aos profissionais, questão fundamental frente às constantes mudanças
tecnológicas que envolvem o setor.
José Serra
Ministro da Saúde
1
Educação
Identificando a ação educativa
Apresentação do Curso
O Curso que você está iniciando visa a apoiá-lo(la) na construção de
competências para formar, em nível técnico, outros profissionais de enfermagem.
Acreditamos que o conteúdo de formação desses novos profissionais
já é, em grande parte, do seu domínio, por possuir curso superior em
Enfermagem, tendo, portanto, uma sólida formação básica para o exercício
de sua profissão. Além disso, o fato de estar atuando profissionalmente em
uma equipe de saúde permite a você atualizar constantemente seus
conhecimentos e aperfeiçoar suas competências.
A prática, quando refletida criticamente e complementada por uma
intencional busca de trocas significativas de informações e experiências, é
extraordinariamente formadora.
Ser um profissional competente e comprometido é mais de meio caminho
andado para atuar na formação de outros profissionais. Mas não é tudo.
Em um grande esforço de dignificação do exercício profissional, a
comunidade da saúde – da qual você é membro integrante e participativo –
tem lutado muito pela qualificação dos que já estão atuando ou dos que
pretendem vir a atuar como auxiliares nas equipes de enfermagem. Tal
mobilização tem resultado em decisões políticas que estão abrindo
possibilidades de encaminhar essa questão. Este Curso é uma dessas ações que
fazem parte de um conjunto. Pretende apoiá-lo(la) em uma tarefa que, com
certeza, de alguma maneira, você já exerce: partilhar seus conhecimentos, suas
habilidades, seus valores profissionais com os que não passaram ainda por
cursos sistemáticos no campo da enfermagem.
Essa tarefa precisa ser, agora, uma ação sistemática, e ninguém melhor
do que o(a) enfermeiro(a) poderá desempenhá-la com a qualidade exigida,
sustentando a prática docente em uma formação pedagógica voltada para a
educação profissional na área de Saúde: Enfermagem.
Por isso, foi cuidadosamente pensado este Curso, que lhe dará
oportunidade de organizar o que você já sabe, de adquirir novos elementos
conceituais e práticos, de desenvolver capacidades próprias para exercer
plenamente e, em melhores condições, as responsabilidades de um docente
em cursos de formação profissional de nível técnico.
Sua proposta pedagógica, justamente porque circunstanciada na realidade
concreta em que você já está inserido(a), tem sua concretização comprometida
com sua atuação docente, no cotidiano.
10
1
Educação
Prática social educativa
O Projeto do Curso assim explicita seus objetivos:
!
!
Formar docentes em educação profissional de nível técnico em saúde/
enfermagem comprometidos com as necessidades sociais em geral e de
saúde em particular.
Desenvolver uma sólida formação teórico-prática, com bases filosóficas,
científicas, técnicas e políticas, para a adoção de uma prática docente crítica,
significativa e emancipadora, que possibilite ao professor:
!
!
!
!
!
associar uma visão crítica e global da sociedade às competências
específicas de sua área de atuação profissional, na perspectiva do
atendimento integral e de qualidade;
escolher melhores formas de atuação, com responsabilidade e ética, no
âmbito das práticas educativas e assistenciais em saúde;
romper, no espaço escolar, com a divisão do trabalho intelectual e
manual, permitindo aos alunos acesso às dimensões culturais e científicas,
de modo a evitar as separações entre os que pensam e os que fazem.
Oferecer, por meio de uma equipe multidisciplinar, uma formação
pedagógica baseada na reflexão, visando à construção e ao
desenvolvimento de projetos político-pedagógicos, com a adoção de
novas competências e tecnologias para o ensino de nível técnico em
Enfermagem e demais subáreas de Saúde.
Proporcionar situações para que os docentes de Enfermagem reflitam
sobre a responsabilidade social de transformar os “trabalhadores
ocupacionais” em profissionais da área de Saúde na especificidade da
Enfermagem.
Antes de iniciar os seus estudos, reflita e explicite para você mesmo:
!
!
!
Quais são os seus objetivos ao fazer este Curso?
Que competências você considera importantes para quem vai exercer
a função de enfermeiro-docente?
Com base em sua experiência, que assuntos você consideraria prioritários
para seu estudo neste Curso?
Inaugure seu Diário de Estudo com suas respostas a essas questões.
Consideramos importante você ir construindo sua trajetória de estudos nas
páginas desse Diário. Facilitará a sua auto-avaliação e será também um recurso
de consulta e retomada de temas. No caso, o registro de suas expectativas
servirá para que você avalie se o Curso está atendendo às suas necessidades e
em que medida.
11
11
1
Educação
Identificando a ação educativa
Apresentação do Núcleo Contextual
O objetivo deste núcleo é oferecer informações, oportunidades e
estímulos para que você possa construir referenciais teóricos e histórico-sociais
de análise e reflexão crítica sobre a prática docente e sobre novas contribuições
teórico-práticas no campo da educação. Atualizando-se, você ampliará suas
perspectivas de promover mudanças e transformações que resultem em
melhoria de sua ação no processo de formação de profissionais de nível médio.
Para levar a bom termo esse propósito, o Núcleo Contextual concentra
sua reflexão em o que é educação e qual é sua relação com o contexto em que
ela acontece. Daí, no seu nome, o uso de contextual.
Talvez esta parte do Curso pareça muito teórica. É verdade que, nela, a
teoria está bastante presente. Contudo, o que é a teoria? Ela é o resultado da
reflexão sobre a realidade e, por isso, necessariamente, supõe a prática como
sua base concreta. Sem a prática não há teoria. Mas, também, sem teoria não
há entendimento aprofundado da prática, da realidade. E – o que não podemos
esquecer – sem a reflexão sobre a prática, esvaziam-se, em muito, as possibilidades
de promover um processo de transformação consciente e conseqüente da
realidade.
Organiza-se o núcleo em quatro módulos:
!
!
!
!
12
Módulo 1 – oferece elementos para a compreensão da educação como
prática social, que se define, a partir de um processo histórico, em um
conjunto de relações diferenciadas, sempre interpessoais, intencionais e
comprometidas com a intervenção transformadora da realidade.
Módulo 2 – desenvolve uma reflexão sobre a relação da educação com
a sociedade – em uma realidade caracterizada por desafios e projetos
políticos de enfrentamento que, em sua prática coletiva, articulam e integram
projetos e realizações pessoais – destacando-se, em nosso caso, as políticas
públicas de educação e saúde.
Módulo 3 – analisa a relação da educação com o conhecimento e a
ação, com base tanto no entendimento da forma de produzir e
apropriar-se do conhecimento quanto na maneira humana de expressarse pela ação, refletindo sobre as dimensões humanas – e, portanto,
necessariamente sociais – dos atos de aprender e de ensinar.
Módulo 4 – aborda o trabalho (e a profissão) como atividade humana
essencial, que se constitui princípio educativo e, portanto, base de construção
da práxis do educador de profissionais.
Prática social educativa
Assim, os autores deste núcleo pretendem oferecer a você a oportunidade
de, refletindo sobre a prática, organizar os fundamentos – os alicerces – para
construir, com seus colegas docentes e seus futuros alunos, uma proposta de
ação educativa formadora de profissionais. Uma proposta de educação que,
desde o Núcleo Contextual até o Núcleo Integrador, se caracteriza como
uma prática social crítica e libertadora.
A produção dos módulos do Núcleo Contextual – cada um deles e
seu conjunto – é o resultado de uma cooperação coordenada de quatro autores
que identificaram temas e os trabalharam em uma perspectiva interdisciplinar,
entendida como permanente tentativa de integração de diferentes áreas de
conhecimento. Principalmente você poderá distinguir, sem prejuízo de outras,
as abordagens filosófica, histórica, sociológica e psicológica.
Certamente ocorrerão a você outros temas e outras abordagens. Ou,
então, você os encontrará privilegiados em outros autores. O importante é
que, na sua diferença, todos estejam responsavelmente comprometidos com a
busca de referenciais consistentes de análise da realidade. Referenciais teóricos,
sim, mas construídos na perspectiva histórico-social, na qual a realidade, a
prática, além de manifestar-se, ganha significado e movimento: possibilidade
de transformação.
13
1
Educação
Apresentação do Módulo 1 – Educação
Este primeiro módulo pretende oferecer condições para que você,
assumindo sua formação como enfermeiro-docente, construa um referencial
conceitual de educação, aplicando a reflexão crítica sobre manifestações concretas
da prática educativa.
A constituição de referenciais – como conjuntos coerentes de conceitos
e idéias claras – surge da análise atenta, aprofundada e crítica da prática. Mas
esses referenciais só têm sentido quando, aplicados de volta à prática, favorecem
o desenvolvimento de uma ação mais consciente, consistente e qualificada.
Nesse sentido, são competências a serem desenvolvidas por você no
estudo deste módulo:
!
!
!
Analisar a dinâmica da relação pedagógica como prática social interpessoal,
tendo presente a amplitude e multiplicidade dos espaços educativos e
reconhecendo o espaço escolar como o lugar da interação educadoreducando no processo educativo e da intencionalidade de realização de
um projeto político-educacional.
Compreender o desenvolvimento da educação brasileira como experiência
histórica da sociedade, relacionando concepções, políticas e práticas
pedagógicas, desde o período da colonização portuguesa, a referenciais
de sociedade, conhecimento e for mação humana produzidos
historicamente na civilização ocidental.
Construir um referencial conceitual de análise da educação como prática
social produzida na interação intencional que, para além dos limites da
prática pedagógica, signifique consciência e compromisso com a mudança
e transformação humanizadora do convívio social e da realidade.
Para facilitar seu estudo, estaremos apresentando o conteúdo deste
primeiro módulo em três temas, todos dedicados ao entendimento da educação.
Tema 1 – Prática social educativa
Identificamos, aqui, a partir de práticas sociais concretas, as diferentes
manifestações da educação como prática social, considerando sua ocorrência
nos diversos espaços de convívio social e, sobretudo, na escola, onde se
estabelece a relação pedagógica professor-aluno.
14
Prática social educativa
Tema 2 – Educação na prática social brasileira: bases históricas
Nesse tema, procuramos situar a história da educação brasileira,
referenciando-nos na experiência histórica da humanidade em seu fazer e pensar
educativos em diferentes espaços e momentos, para identificar, nos processos
pedagógicos, as influências das concepções filosóficas, políticas, científicas,
culturais presentes na sociedade.
Tema 3 – Educação: interação e consciência social
Tratamos mais especificamente da interação e da intencionalidade nas
situações concretas do processo educativo, identificando na consciência social
as bases para sua explicitação como planejamento e projeto.
Os temas do módulo estão separados apenas para fins didáticos, pois,
trabalhando com unidades menores, você terá a oportunidade de melhor
sistematizar a sua análise, desenvolvendo atividades que fortalecerão sua
apreensão e capacidade de avançar na reflexão e solução de questões.
15
1
Educação
TEMA 1
Prática social educativa
Ao iniciar nosso estudo da educação, desejamos convidá-lo(la) a resgatar
suas experiências de vida. Em primeiro lugar, porque o processo educativo foi
vivenciado por você durante toda a sua existência. Ele não é uma algo perdido
no passado, mas um patrimônio guardado em sua memória, à disposição,
para ser trazido por você, com vigor, para este seu momento presente. Em
segundo lugar – e sobretudo – porque, ao resgatar essas vivências, você se
dará conta de que os acontecimentos educativos estão fortemente integrados
ao seu viver ou, melhor dizendo, ao seu conviver.
Em sua família e entre o seu primeiro círculo de relações, você se
recordará vivendo e convivendo, seja brincando ou executando outras ações,
ouvindo e reagindo a palavras (ditas, cantadas ou gritadas) de pessoas que, de
forma distinta, se relacionavam com você.
Veja como Paulo Freire recorda sua vida e analisa esse exercício de
lembrar-se:
Assim, para mim, voltar-me, de vez em quando, sobre a infância remota,
é um ato de curiosidade necessário. Ao fazê-lo, tomo distância dela,
objetivo-a, procurando a razão de ser dos fatos em que me envolvi e
suas relações com a realidade social de que participei. Neste sentido é
que a continuidade entre o menino de ontem e o homem de hoje se
clarifica pelo esforço reflexivo que o homem de hoje exerce no sentido de
compreender as formas como o menino de ontem, em suas relações no
interior de sua família como na escola ou nas ruas, viveu a sua realidade.
(Cartas a Cristina, 1994, p.32)
16
Prática social educativa
Se você procurar um colega para
também partilhar a memória que
ele tem a resgatar, ficará ainda
mais fácil ter diante de você
realidades experimentadas. Não
deixe de fazer esse exercício
continuamente. Com certeza, sua
trajetória de vida trará um
riquíssimo material de um sem
número de situações profissionais
nas quais e pelas quais, para além
da escola, você construiu sua
competência de enfermeiro(a), de
profissional da saúde, de
cidadão/cidadã, de ser humano.
Você poderá dar um salto no tempo e lembrar-se de uma situação em
seu grupo de idade, conversando a respeito das suas dificuldades na relação
com seus pais ou com outros adultos que tinham ou achavam ter autoridade
sobre você. Você transmitia aos seus amigos a experiência nesse lidar com os
“seus” adultos, mas também ficava atento ao que os outros contavam e
ponderava sobre o valor das atitudes deles ou aguardava para repensar ou
refletir depois. Mais que isso, você interpretava os gestos e as maneiras de falar.
Da mesma forma se imporão lembranças daqueles tão diferenciados
espaços que você freqüentou – você, um entre muitos –, onde lhe ensinavam
e você aprendia. E, de repente, outras imagens surgem, de conversas com os
professores ou com os colegas, de convivências não especificamente marcadas
pelos “rituais” de ensino-aprendizagem. Convivências mais abertas e amplas,
por meio das quais as pessoas se alegravam ou entristeciam, se preocupavam
ou se aliviavam com fatos internos ou externos àquele espaço, mas que nele
repercutiam, criando relações de aproximações e afastamentos. Saber não era
então apenas conhecer, mas também sentir.
Anteriormente, falamos de um “patrimônio”. É verdade! E, como se faz
com todo patrimônio, é recomendável usá-lo bem. Sua experiência, contudo,
continua, no movimento presente em que você, pessoa humana, relacionada em
um contexto familiar ou comunitário próximo, desempenha uma profissão, convive
no seu grupo social. Você é – consigo mesmo e com os outros – um ser social.
Sua existência e sua identidade não podem ser percebidas, se você não
se considerar um ser em relação. Manifestamos o que somos, agindo e
praticando na vida social. Mesmo quando privilegiamos o enfoque de
determinada prática – a profissional, por exemplo – não podemos correr o
risco de reduzi-la, esquecendo que, em sua particularidade, ela só tem significado
concreto quando referida ao conjunto de práticas sociais em que nos envolvemos
por sempre viver em convivência.
Voltemos ao mestre Paulo Freire:
Não sei se você já reparou que, de modo geral, quando alguém é indagado
em torno de sua formação profissional, a tendência do perguntado, ao
responder, é arrolar suas atividades escolares, enfatizando sua formação
acadêmica, seu tempo de experiência na profissão. Dificilmente se leva em
consideração, como não rigorosa, a experiência existencial maior. A
influência, às vezes, quase imperceptível que recebemos desta ou daquela
pessoa com quem convivemos, ou deste ou daquele professor ou professora
cuja coerência jamais faltou, como da competência bem-comportada, nada
trombeteada, de humilde e séria gente.
No fundo, a experiência profissional se dá no corpo da existencial maior. Se
gesta nela, por ela é influenciada e sobre ela, em certo momento, se volta
influentemente.
Indagando-me sobre minha formação como educador, como sujeito que
pensa a prática educativa, jamais eu poria de lado, como um tempo
inexpressivo, o em que andarilhei por pedaços do Recife, de livraria em livraria,
ganhando intimidade com os livros, como o em que visitava seus córregos e
seus morros, discutindo com grupos populares seus problemas ou como em
que, durante dez anos, vivi a tensão entre prática e teoria e aprendi a lidar
17
1
Educação
com ela: o tempo do Sesi. Como igualmente, o tempo de meus estudos
sistemáticos, não importa feitos em que grau, como estudante ou professor.
Os saberes indecisos que se gestaram nas vivências de Jaboatão se
entregaram à possibilidade de uma reflexão mais crítica e mais trabalhada
que a volta ao Recife propiciava (idem, p.107).
Não deixe passar esse texto de Paulo Freire, sem aproveitar toda a sua
riqueza. A verdade é que nele encontramos a valorização educativa de tudo o
que fomos até agora, do que somos hoje e do que seremos amanhã. Tenha
presente que ele aponta para um princípio e uma estratégia fundamental na
proposta deste curso: a prática educativa refletida criticamente é aquela da
experiência escolar e profissional, mas é a experiência “existencial maior” que
lhe dá significado pleno e concreto de prática social.
Na raiz (radicalmente), esta é a razão pela qual, ao trabalhar sua formação
como docente na área de Enfermagem, o que se evidencia não é uma dupla
formação para uma dupla profissão. O desafio é que, na totalidade de sua
prática existencial, você se construa como enfermeiro-professor, pessoa humana
total, com identidade individual produzida na relação com os outros no convívio
social, e que manifeste essa sua humanidade em seu agir profissional.
Uma discussão da educação e da relação pedagógica só é possível,
portanto, se a situarmos como prática social. A prática social não pode ser
vista, simplesmente, como uma atividade que se manifesta como fenômeno
ou fato, mas todo um conjunto de atividades humanas que se diferenciam de
qualquer comportamento “natural”.
Nesse sentido, só há prática humana – mesmo quando “praticada” por uma
só pessoa (por exemplo, você estudando este módulo) – quando nela se identifica
uma dimensão social. Ela está inserida no processo cultural, produzido historicamente.
Isto é, produzido na relação de interação intencional entre os seres humanos e na
relação de homens e mulheres com a natureza, com o mundo das coisas.
Assim, ainda que o ser humano tenha uma atividade de busca de alimento
para saciar sua fome – o que é natural –, nele essa mesma atividade é prática,
porque mobiliza, para além de sua capacidade de sentir a fome e de buscar
saciá-la, sua consciência, sua intencionalidade. A caça ou a pesca, portanto, passam
a ser um fazer consciente e intencionado, implicando necessariamente
estabelecimento de raciocínios, relações, reflexão, abstração, significação.
É necessário ainda registrar que nenhuma prática, justamente por ser
humana, pode prescindir de elementos teóricos. Ela é atividade que incorpora
uma reflexão sobre o mundo, sobre a vida, sobre si mesma, enquanto
parte constitutiva indispensável da humanidade do homem.
É pela mediação realizada pela consciência que o homem percebe e
entende a natureza, os outros homens e a sociedade. É pela incorporação de
18
Mediação – intermediação entre
termos ou seres. Representa
especificamente as relações
concretas – e não meramente
formais – que se estabelecem entre
os fenômenos e suas articulações.
No caso da educação, essa
categoria torna-se básica porque
a educação, como organizadora
e transmissora de idéias, medeia
as ações executadas na prátrica
social. Assim, a educação possui,
antes de tudo, um caráter
mediador.
Prática social educativa
uma teoria das relações sociais que os homens se relacionam, se reproduzem,
e produzem e reproduzem o mundo em torno de si.
Toda atividade educacional que se concretiza em relações pedagógicas é,
portanto, uma prática social que apresenta características históricas, implicações
teóricas e compromissos políticos.
Como afirma Pellegrino (1986),
Pólis – cidade autônoma e
soberana. Estado ou sociedade,
especialmente quando caracterizado
por um senso de comunidade. Na
Grécia antiga, entendia-se por pólis
a cidade-Estado.
Omnilateralidade,
omnidimensionalidade – o
prefixo omni, de origem latina,
designa “todos/as”. No caso,
todos os lados, todas as
dimensões, a totalidade.
Acontece que nós, humanos, somos fratura, ruptura, salto qualitativo da
natureza para o processo cultural. Somos exilados de nossa condição biológica
e da Lei Cósmica que a preside. Perdemos os instintos, no bom e honrado
sentido animal da palavra. Somos, sim, animais, mas animais políticos –
zoon politikon –, tendo que criar as leis da pólis por termos rompido – este é
o pecado original – com a Lei que rege o sol, as estrelas, as plantas e os bichos.
Justamente por ser a educação uma prática social que se concretiza por
meio da relação pedagógica entre os sujeitos que a realizam, o
comprometimento político lhe é inerente.
Uma das lições mais preciosas de Karl Marx (1818-1883) foi a de nos
chamar a atenção para a “omnilateralidade”, ou seja, para a categoria de
totalidade na análise de qualquer fenômeno.
Neste sentido, nosso grande desafio está em não nos deixar levar por
reducionismos na análise da prática educativa, limitando-nos a apenas um
aspecto (ou, mesmo considerando vários aspectos, deles tratar isoladamente),
o que caracterizaria uma unilateralidade.
Por exemplo, considerar como única função educativa, em um curso
de formação de técnicos, a socialização apenas dos saberes técnicos relacionados
com a prática profissional admitida para os profissionais de saúde deste nível
é, provavelmente, correr o risco de sonegar elementos básicos de compreensão
profunda daquelas práticas. Além disso, é desprezar a totalidade e a
complexidade da educação e do próprio exercício profissional, que têm como
critério menos a hierarquização dentro de um campo profissional e mais o
entendimento da realidade (princípios, processos e procedimentos) para o
desenvolvimento de competências humanas. Tal maneira de proceder ignoraria,
possivelmente, outras formas de saber, contribuições de diferentes culturas e
de diversas experiências que podem colaborar significativamente na constituição
do profissional como sujeito, pessoa humana e cidadão. Seria, em última análise,
desconsiderar a prática pedagógica como prática social.
Dentro dessa visão omnilateral da ação pedagógica, certamente mais
do que o objeto, o conteúdo ou a forma, é importante notar o sujeito em sua
totalidade e em sua relação com o outro, formando coletivos, grupos sociais,
que – por sua vez – se relacionam na formação de uma sociedade.
Esse sujeito – em suas dimensões individual e coletiva – ocupa o lugar de
protagonista no cenário pedagógico, pois é nele, por ele e para ele que a ação
educativa acontece. Com base nesse pressuposto, é primordial conhecer muito
bem esse sujeito. Teremos oportunidade de fazê-lo mais profundamente no Módulo
2 (no qual trataremos privilegiadamente dos aspectos relacionados com seu exercício
de cidadania) e no Módulo 3 (quando enfatizaremos os aspectos relacionados ao
processo educativo e, mais particularmente, da aprendizagem). Em ambos os
casos, na totalidade do ser humano como pessoa que se constitui socialmente.
19
1
Educação
O que pretendemos agora, na afirmação dessa totalidade, é ver, na
prática social educativa, esse processo de relação específica entre sujeitos
humanos que se apresentam e recebem denominações também específicas de
educador-educando e professor-aluno.
Certamente, você percebe isso. Em sua experiência cotidiana, sua prática
de enfermagem é uma prática social que envolve uma relação entre sujeitos,
seres humanos que se constituem socialmente como pessoas. Nem se nega que
um seja o profissional da enfermagem em uma relação com um outro que se
está valendo de seus serviços como atendido ou cuidado no campo da saúde.
Entretanto, essa relação concreta, que faz com que se denomine um enfermeiro
e o outro paciente, continua a ser e em nada pode obscurecer a relação
interpessoal de sujeitos sociais.
Da mesma forma, para além da condição daquele que ensina e daquele
que aprende, é preciso compreender o professor e o aluno como sujeitos
que se constroem na história. A relação educativa, em que se envolvem
como educador-educando, só pode ter significado concreto quando
entendida como prática social, sempre pressupondo uma visão de mundo.
A prática pedagógica – como ressaltam vários autores e, com muita
propriedade, Sônia Kramer (1993) – precisa ser vista de uma perspectiva que
possibilite pensar o homem em sua totalidade e em sua singularidade. Isto
significa conceber o homem e suas práticas – dentre elas a educativa – sem
dicotomizá-lo. Implica, portanto, entender que a subjetividade, para existir,
supõe a coletividade e o social. Além disso, demanda a busca de subsídios para
se ter uma visão histórica que, sem excluir o particular e específico, seja entendida
como a totalidade do momento e requer a construção de uma abordagem
interdisciplinar comprometida com a já mencionada omnilateralidade humana,
e não a simples justaposição de perspectivas teóricas diversas.
Os fatos concretos da educação de cada um e o conjunto do “fazer
pedagógico” são, portanto, práticas coletivas. Nelas, necessariamente, os aspectos
cognitivos, afetivos, socioeconômicos, políticos e culturais interagem em função
de resultados também concretos. Assim, a prática social pedagógica, tal como
acontece em cada “aqui e agora”, se faz pela linguagem, fazendo (produzindo)
linguagem. Por isso mesmo a didática, que, sem dúvida alguma, é uma questão
de meios, só pode dar conta deles quando se assume, primordialmente, como
uma questão epistemológica e, mais ainda, uma questão cultural.
Do mesmo modo que na educação, você pode identificar os possíveis
danos na área da Saúde, quando se deixa de lado ou – o que é pior – quando
se nega estar diante de uma prática social, na qual sujeitos humanos, em sua
inteireza e totalidade, se relacionam.
Como ambas – educação e saúde – são práticas sociais, podemos sempre
estar estabelecendo comparação entre situações concretas da prática da saúde
20
Dicotomizar – dividir em duas
partes, classes ou grupos; separar
em partes.
Epistemológico (do grego
epistême, “ciência”, “conhecimento” + o + logia) – relativo
à epistemologia, disciplina que
toma as ciências como objeto
de investigação; teoria do
conhecimento.
Prática social educativa
Trocando impressões com outras
pessoas – principalmente colegas
profissionais da área de Saúde –,
procure identificar e registrar em
seu Diário de Estudo situações em
que, de diferentes maneiras,
houve interação educativa.
e da prática educativa. Além disso, há nelas uma constante que você identificará:
a interação ou relação. Em primeiro lugar, entre pessoas, mas também entre
pessoas e coisas, fatos, idéias. Você notará ainda que essas interações se dão em
uma realidade concreta, física – é verdade –, mas, sobretudo, socialmente
circunstanciada, onde a vida econômica, política, cultural se constitui em contexto
historicamente definido das interações e das ações.
Nesse sentido, a educação está sempre presente quando as pessoas se
desenvolvem, se aperfeiçoam. Pode-se mesmo dizer que, em todas as práticas
sociais – que necessariamente supõem interação entre as pessoas e relação das
pessoas com o mundo que as cerca –, há uma busca de aperfeiçoamento pessoal
e coletivo, uma busca de transformação, portanto, uma prática educativa.
Admitindo a amplitude da prática social educativa como uma realidade,
precisamos ter clareza, , das diferentes situações, com diferentes características,
manifestando processos educativos distintos.
Anteriormente, sinalizamos reducionismos falseadores da realidade.
Certamente é reducionismo não distinguir práticas educativas diversas e não aprofundar
a análise de diferentes manifestações do processo educativo. Principalmente porque,
ao caracterizar essas diferenças, estaremos qualificando a relação pedagógica,
encaminhando parâmetros de responsabilidades pessoal e profissional.
Exemplificando: certamente é uma prática social de saúde a promoção
de um ambiente sadio. Iniciar as crianças em hábitos de higiene, separar o lixo,
reivindicar coleta seletiva e sistema eficaz de tratamento de água e esgoto são
responsabilidades de todos os que participam do convívio social. Entretanto,
práticas específicas de profilaxia, como planejamento e produção de sistemas
de saneamento básico, análise e recomendação de medidas preventivas ao
contágio de uma epidemia, por exemplo, não podem ser responsabilidade de
todos, embora todos devam ser envolvidos nelas como sujeitos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 1º,
reconhece a grande abrangência da educação e define seu objeto específico.
Art. 1º A Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
§1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente,
por meio do ensino, em instituições próprias.
§2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social (Lei n.º 9.394/96 ).
Assim, a lei assume que a educação é um fenômeno humano cujas
manifestações – todas importantes – são muitas e diferenciadas. E mais: delimita
o seu campo de ação, definindo que cabe a ela disciplinar apenas as formas
institucionalizadas de educação, que se expressam predominantemente pelas
atividades de ensino. Mas, ao fazê-lo, estabelece uma condição necessária: a
vinculação da educação escolar tanto ao mundo do trabalho como à prática
social. Isto significa que a educação escolar existe contextualizada, ou seja, situada
no espaço, datada no tempo e referida à vida social como um todo, da qual ela
é parte integrante.
21
1
Educação
Com base nessa análise inicial, podemos encaminhar nossa reflexão sobre a
prática social educativa, tentando sistematizar alguns aspectos que julgamos essenciais.
Considerando que a educação só se realiza plenamente quando resulta em
uma transformação do sujeito que se educa, a intencionalidade é um aspecto muito
importante da prática educativa. Intenção de quem deseja transformar-se, isto é,
do sujeito-educando do processo educativo. Intenção de quem se propõe a apoiar
o sujeito que deseja transformar-se, o sujeito-educador.
Surge assim, sob o ponto de vista da intencionalidade, uma grande
quantidade de possibilidades de situações educativas. Podemos pensar, por
exemplo, em duas situações opostas:
!
!
o sujeito da transformação tem forte intenção de educar-se em uma
determinada circunstância, porém ninguém tem intenção de ajudá-lo em
seu processo;
uma pessoa, que se propõe a apoiar a educação de outra, tem forte intenção
de fazê-lo, enquanto aquela, que seria sujeito do processo de transformação
educativa, não tem a mínima intenção de educar-se.
E, entre essas duas situações, a intencionalidade dos sujeitos pode adquirir
gradações diferenciadas. É possível promover uma situação em que ambas as
partes manifestem um grau elevado de intencionalidade no estabelecimento de
uma interação visando à educação.
Para prosseguirmos nossa análise, essas duas palavras precisam ter um
significado muito claro para nós: intenção e interação.
É usual caracterizar os processos educacionais como
! formais – quando a intenção de promover a educação e a maneira de
realizar a interação pedagógica se explicitam em definição de objetivos,
critérios de seleção de conteúdos, identificação de linhas metodológicas a
serem adotadas, indicação dos critérios de avaliação; e
!
!
Intenção
!
Interação
Como você aplica esses
conceitos em situações de sua
prática cotidiana, principalmente
profissional?
informais – quando ocorrem sem que se explicitem a intenção e a interação
propriamente educativas, em situações ocasionais de convívio social ou
de participação em eventos, sem qualquer previsão ou formalização de
procedimentos.
Quando se trata de educação, é preciso considerar que estamos diante de
um modo específico de ter intenção, de uma maneira específica de vivenciar a
interação. Porém é preciso reconhecer, também, que, mesmo nos processos
educativos que apresentam alto índice de sistematização, há sempre espaços ou
momentos menos sistemáticos e até espontâneos, em que se desenvolvem
importantíssimos processos interativos, nem sempre explicitados como
educacionalmente intencionais, mas cujos resultados educacionais são incontestáveis.
22
Mesmo que você tenha a certeza
de conhecer o sentido exato
dessas palavras, procure-as em
um bom dicionário e anote o
seu entendimento:
Você consegue se lembrar de
situações espontâneas que, na
sala de aula, contribuíram
para a sistematização de
conhecimento?
Prática social educativa
Trazemos essa discussão acerca
de educação formal, não-formal,
informal porque, em suas leituras
– inclusive de documentos oficiais
e normativos –, você vai
encontrar menção a esses e
outros termos qualificando a
educação. Mas, sobretudo, para
chamar sua atenção para a
intencionalidade da ação
educativa nos diferentes projetos
educacionais.
Qual
a
intencionalidade da ação
educativa assumida neste curso?
Pense a esse respeito.
Libâneo (1992) distingue a educação em sentido amplo
(compreendendo os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos
estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente) e
em sentido estrito (ocorrendo em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades
explícitas de instrução e ensino, mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora
sem separar-se daqueles processos formativos gerais).
Esse autor se refere a estudos que caracterizam as influências educativas
em dupla modalidade: educação não-intencional (também denominada
educação informal) e educação intencional.
(...) São muitas as formas de educação intencional e, conforme o objetivo
pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não-formal
quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar
convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados, dos meios de
comunicação de massa, etc.) e da educação formal que se realiza nas
escolas ou outras agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos,
empresas), implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos,
sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a
educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de
educação intencional por ser suporte e requisito delas (1992).
Reconhecendo a necessidade de compreensão dos interesses sociais,
políticos, econômicos, culturais presentes na prática educativa, Libâneo (1992)
enfatiza que as relações sociais existentes na sociedade não são imutáveis, estabelecidas para
sempre. Elas são dinâmicas, porque constituídas pela ação humana na vida social. Elas
podem, portanto, ser transformadas.
Metodologia – atividade crítica
dirigida pelos cientistas para os
procedimentos, teorias, conceitos
e / ou descobertas produzidos pela
pesquisa científica. Representa o
conjunto de processos de
investigação aplicáveis em uma
ciência e não pode ser confundida
com técnicas nem procedimentos.
A metodologia é importante
porque representa um caminho
essencial por meio do qual se
efetua o progresso científico.
Em uma situação educativa, nossa análise pode e deve abranger muitos
aspectos. Entretanto, um ponto fundamental a ser considerado é a identificação
da maneira de agir das pessoas e dos grupos envolvidos. Inclusive, é interessante
verificar como essa maneira de agir das pessoas reflete sua inserção em grupos
sociais.
Vamos, juntos, analisar este nosso Curso.
Ele é uma atividade educativa que explicitou seus objetivos, planejou
suas etapas de execução, selecionou e organizou conteúdos a serem trabalhados,
escolheu caminhos tanto para desenvolver suas atividades (isto é, escolheu sua
metodologia!) quanto para identificar os seus resultados.
Neste sentido, ele é sistemático, promove interações pedagógicas
mediadas (seja de forma presencial ou a distância), é ministrado por instituições
educacionais em regime formalizado de cooperação, obedece às
regulamentações vigentes para habilitar seus alunos para uma função docente
em sua área de exercício profissional.
Por seu lado, os alunos nele se matriculam, recebem material didático e
atendimento de agentes educacionais credenciados como tutores, aos quais
enviam atividades e tarefas, com o objetivo de desenvolver competências
profissionais no campo da docência de educação profissional de nível técnico
em Enfermagem.
23
Pode-se dizer – sem nenhuma dúvida – que é uma proposta de educação
caracterizada por explicitação de elevado grau de intencionalidade e de interação
sistematizada.
No entanto, faz parte de sua metodologia lembrar continuamente que é
necessário criar – nas múltiplas interações de seu cotidiano (mesmo que elas
ocorram fora do espaço escolar ou do serviço da saúde) – uma forte intenção
educativa, para aproveitar, como formativas, todas essas ocasiões.
É bom lembrar que as classificações e categorizações quase nunca dão
conta da realidade. Por exemplo, a maioria das cores, dos sons, dos sabores,
dos odores, que vemos, ouvimos e sentimos, é resultado de combinações que
– embora referidas a escalas de cores, sons, sabores e odores básicos –
promovem resultados diferentes, múltiplas possibilidades de variações.
Por meio de um grande programa de formação de pessoal auxiliar da área
de Enfermagem, no qual você atuará como docente formalmente habilitado por
este Curso, surgirão múltiplas possibilidades de combinações de situações mais e
menos formais, mais e menos intencionais, mais e menos sistematizadas. Todas
com potencial educacional. Importa tanto reconhecer esse potencial como distinguir
– com absoluta clareza – os seus graus e níveis .
Como você será responsável pela formação de profissionais
competentes, é necessário situar-se em algumas discussões que ajudam a entender
a educação como um processo amplo, aberto e, ao mesmo tempo,
comprometido com a especificidade e o rigor necessários ao desenvolvimento
de competências.
Práticas sociais educativas
diferenciadas
No Brasil e em praticamente todos os países da América Latina, a
educação de jovens e adultos se constituiu em uma prática alternativa à educação
formal. Sua motivação principal era a necessidade de atender as demandas não
contempladas pelo sistema escolar. Era, por isso, uma ação voltada para as
populações mais pobres, excluídas da escola pelas condições objetivas de acesso
e de permanência no sistema de ensino.
Essa população seria beneficiada por programas em resposta à
necessidade cidadã de saber ler, escrever, contar.
Tedesco (1985) afirma que os resultados das campanhas de alfabetização
de adultos foram pouco expressivos e não conseguiram superar as discriminações
produzidas pela educação formal (p. 34), exceto em algumas situações – como aquela
em que a campanha fazia parte de processos revolucionários, a exemplo das
situações de Cuba e da Nicarágua.
1
Educação
Educação de adultos no Brasil: algumas anotações
Hoje, a educação de jovens e
adultos é uma modalidade de
educação básica, nos níveis de
ensino fundamental e médio,
cabendo aos sistemas de ensino
assegurar
oportunidades
educacionais apropriadas,
consideradas as características
do aluno, seus interesses,
condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames
supletivos (Arts. 37 e 38, da
LDB).
No âmbito do PROFAE
(Componente I), por exemplo, a
complementação do ensino
fundamental para os alunosauxiliares que não tiveram acesso
a esse nível de ensino na idade
própria é oferecida em parceria
com instituições estaduais.
Em obra publicada em 1983, Vanilda Paiva, ao apresentar um importante
histórico da trajetória da educação de adultos no país, mostra que, no
Brasil, um fator sempre muito presente na justificação dos apelos em favor
de um melhor sistema de ensino ou de campanhas em favor da educação
de adultos [era] a importância atribuída à posição e ao prestígio do país
no plano internacional, no “concerto das nações”, onde os brasileiros
desejavam vê-lo colocado “entre os países cultos” (p.20).
Nesse histórico, a autora lembra que, no início da década de 1930, o
educador marxista Paschoal Lemme tinha tomado a iniciativa inovadora
de dedicar-se à educação de adultos, escrevendo o trabalho Educação
supletiva. Educação de adultos, além de assumir efetivamente a tarefa de
organizar cursos para operários no Distrito Federal (p. 42).
Ainda se referindo ao início da conscientização da importância da educação
de adultos no Brasil, observa que, nos anos 1940, com a divulgação de
estatísticas educacionais nada lisonjeiras para o país, os educadores do
Governo se comprometiam a destinar parte dos recursos públicos à
educação de adultos.
Nessa obra, a autora apresenta e discute várias iniciativas voltadas à
educação de adultos, desde então, tais como a Campanha de Educação
de Adolescentes e Adultos (1947), a Campanha Nacional de Educação
Rural (1952), a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(1952), o Movimento de Educação de Base (1961), o Plano Nacional
de Alfabetização (formalmente, janeiro de 1964), a Cruzada ABC (1964),
o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL (1967).
Para ilustrar a intencionalidade da educação comprometida com os
excluídos, vale citar duas experiências vividas no Brasil, em tempos diferentes.
A primeira diz respeito às experiências de alfabetização de adultos
empreendidas no início dos anos 1960. Estas utilizavam o método de
alfabetização e de conscientização desenvolvido por Paulo Freire.
Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à
democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta
democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no
homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo
paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o
conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito ...
Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz
de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem,
por que não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a
vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e de
reivindicação ... estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia
a de que precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade.
Realmente instrumental por que integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço
e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito. E
se já pensávamos em método ativo que fosse capaz de criticizar o homem
25
1
Educação
Prática social educativa
através do debate de situações desafiadoras, postas diante do grupo, estas
situações teriam de ser existenciais para os grupos. Fora disso estaríamos
repetindo os erros de uma educação alienada, por isso instrumental
(Freire,1975, p.104-7).
As fases de elaboração e de execução prática desse método eram:
1 – levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se ia
trabalhar;
2 – escolha das palavras, selecionadas do universo vocabular pesquisado;
3 – criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se ia
trabalhar;
4 – elaboração de fichas-roteiro que auxiliassem os coordenadores de
debate no seu trabalho;
5 – feitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas
correspondentes aos vocábulos geradores.
A execução prática das campanhas de alfabetização baseadas no método
Paulo Freire foi coroada de sucesso por onde aconteceu: no Brasil, no Chile,
em Angola, depois da independência. No Brasil, o Movimento Militar de
1964 interrompeu o trabalho em curso.
A outra experiência de educação comprometida com a realidade social vem
sendo desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O Movimento dos Sem terra incorporou à sua missão a responsabilidade de promover
a educação dos sem-terra, um aspecto em geral muito prejudicado nas condições da
vida rural.
Atualmente, são 1.000 escolas que atendem a 75 mil crianças e sete mil
adultos, uma façanha ainda pouco conhecida do grande público. No entanto,
já chama atenção de quem se interessa pela questão educacional brasileira e
pelo tema da cidadania.
O modelo escolar do MST segue o método do educador Paulo Freire e conta
com a parceria de diversas universidades, além do UNICEF e da UNESCO.
Os resultados levaram o MST a receber o Prêmio Direitos Humanos,
concedido pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e a
Democracia, entidade ligada à Universidade Cândido Mendes, do Rio de
Janeiro. O prêmio destina-se a distinguir personalidades pelo trabalho
humanitário e, pela primeira vez, foi concedido a um movimento social, em
razão da expressividade do projeto de educação empreendido pelo MST nos
acampamentos e assentamentos (Educação premiada, 1999, p. 25).
26
26
Prática social educativa
O que o MST entende por educação:
processo omnilateral, ou seja, a formação da pessoa humana se dá no todo,
em todas as dimensões e no conjunto das relações (...); [é] reunir-se para
aprender e ensinar o alfabeto e, mais que isso, o ato de ler e escrever a
realidade e a própria vida (Procópio, 1999).
Mídia – designa o conjunto dos
meios de comunicação de massa:
jornais, revistas, televisão, rádio,
cinema, Internet e assim por
diante. A utilização de vários
meios de comunicação de
categorias diferentes para
determinados fins é reconhecida
como multimeios ou multimídia
ou, ainda, como “mídia mix”.
Mais adiante, no Módulo 2
2,
quando tratarmos de algumas
características da sociedade,
teremos oportunidade de discutir
especificamente este tema.
O que o MST entende por escola:
conceito mais amplo que o espaço oficial, porque escola é o espaço onde se aprende,
ensina, cresce. Mais importante que o local onde a Educação Popular acontece, seja
na escola, no movimento popular ou outras organizações, um dos maiores desafios é o
de como fazer com que o povo ( a massa que não teve acesso ao conhecimento de
maneira mais elaborada) se reconheça e seja reconhecida como capaz de intervir na
História. Neste sentido, todos nós nos reeducamos à participação, nos desafiamos a
problematizar a realidade, compreender as causas do que se apresenta como verdade
e buscar saídas coletivas para os problemas da sociedade como um todo. A primeira
grande missão da Educação é ensinar a pensar, pesquisar, desconfiar, criticar, propor.
Neste sentido, contextualiza-se nossa concepção de Educação, e sua herança mais
profunda é seu compromisso com a classe trabalhadora (Procópio, 1999).
Atualmente, pode-se fazer referência a outras modalidades de práticas
sociais educativas diferenciadas, visto que as diversas “mídias” eletrônicas, acessíveis
a um grande e crescente número de pessoas, têm se constituído em veículos
amplamente utilizados e utilizáveis para a educação da população, seja ela
relacionada ou não à educação escolar.
A alta e refinada qualidade técnica, a amplitude de sua cobertura e a ausência
de opções culturais e de lazer para a grande maioria da população fazem com que
a televisão funcione como um instrumento de comunicação – e, por conseqüência,
de educação – poderosíssimo no Brasil , o mesmo ocorrendo em outros países
da América Latina.
Interação intencionada da
prática social educativa
Se admitimos que interação e intenção constituem base essencial à prática
socioeducativa, fica patente a necessidade de explicitarmos uns para os outros
nossas intenções e modos de vivenciar interações. Essa explicitação se manifesta
em um projeto político-pedagógico. Dele trataremos mais adiante, tanto neste
Núcleo Contextual (principalmente no Módulo 2) quanto nos Núcleos
Estrutural e Integrador.
Aqui, entretanto, precisamos iniciar – ainda que brevemente – uma
discussão que também estará presente em todo o nosso Curso: qual é a intenção
de nossas interações constitutivas da prática social educativa? Indo mais fundo
à raiz mesma de nossas intenções interativas, o que pretendemos?
Será que cada um de vocês, que já é docente dos cursos do PROFAE,
poderá responder a essas questões, no limite de um promover as competências
operacionais para que executem com precisão os procedimentos requeridos em sua posição e
nível como auxiliares de enfermagem e considerar que a resposta foi suficiente? Será
que a suficiência da resposta passará a existir se for acrescentado e para que
entendam os termos técnicos seguindo, com precisão, as prescrições?
27
1
Educação
No trecho a seguir, extraído de um artigo publicado no jornal Folha de
São Paulo do dia 26/12/1999, em que o autor fala de uma estrela chamada
esperança, você poderá encontrar reforço para aprofundar nossa discussão.
A estrela
Rubem Alves
A democracia não pode existir também, num país cujo povo não seja
educado. Ser educado não é ter diploma de escola. Ser educado é saber
pensar. Pensar, primeiro, a estrela. Depois, pensar o caminho na sua direção.
Se não vemos a estrela, como caminhar? Quem não contempla a estrela
não pode pensar. Há eruditos com PHD que só sabem pensar os limites
estreitos do seu laboratório de pesquisa. Sua estrela são as revistas
especializadas internacionais onde seus artigos são publicados. Nossas
escolas e universidades não têm ensinado o povo a contemplar as estrelas!
Acúmulo de saberes não significa sabedoria. Perguntava T. S. Eliot [poeta
inglês]: “Onde está a Vida que perdemos ao viver?/ Onde está a sabedoria
que perdemos no conhecimento?/ Onde está o conhecimento que perdemos
na informação?” Ou Manuel de Barros [poeta brasileiro]: “Quem acumula
muita informação perde o condão de adivinhar.” Povo que não sabe pensar
não vê a estrela; caminha seduzido pelo brilho das imagens.
Já no século XVII, um grande educador, João Amós Comênio (15921670), afirmava que o homem é um animal educável. Isto é, ele nasce apto
para saber, mas para saber precisa ser educado, formado. Segundo Comênio,
o homem tem necessidade de ser formado, para que se torne homem
(Didactica Magna – c.VI). Por isso, mesmo com as limitações de seu tempo,
ele lutava por uma educação para todos, falava de uma didática que deveria
dar conta de ensinar tudo a todos e que deveria ser praticada por uma organização
escolar bem estruturada.
Um século depois, Kant (1724-1804) diria: o homem é a única criatura que
precisa ser educada.
Partindo dessas afirmações, sobretudo aquela de Kant, Neidson Rodrigues
(2001) nos lembra que, para além da educação que se processa através de uma intenção
“de fora” com o objetivo de formar o ser humano, há um outro aspecto fundamental
que precisa ser levado a termo. Trata-se da educação que mobiliza, aciona as capacidades
intelectuais e afetivas do ser humano para que este assuma plenamente
suas potencialidades físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua
própria formação. Esta – continua Rodrigues – é uma das condições para que
ele se construa como sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como
ser humano. A educação possibilita a cada indivíduo que adquira a capacidade
de auto-conduzir o seu próprio processo formativo (idem, p. 241).
28
Prática social educativa
1. Após reler o trecho do artigo
A estrela de Rubem Alves,
identifique as críticas que ele faz
à prática educativa, tal como
freqüentemente vem ocorrendo
em nossas escolas. Depois,
pensando nas escolas que você
conheceu e conhece, aponte as
falhas que você percebe nas
práticas educativas que desenvolvem. É sempre importante que
você registre sua posição.
2. Tendo presente o que você
estudou neste primeiro tema e o
resgate de situações da sua
vivência de educando e de
educador, registre no seu Diário
de Estudo aspectos que
você julga fundamentais no
entendimento da educação como
prática social.
As anotações no Diário de Estudo
poderão integrar a sua avaliação
neste Curso, mas, certamente,
serão – muito mais – referência
sempre à mão para sua vida
profissional
É muito freqüente – especialmente quando nosso foco de atenção é o
processo de formação de profissionais – parar na educação “que vem de fora”
e que reflete a transmissão de experiências do agir profissional. Com base em
um perfil profissional estabelecido como desejável, parte-se para formar os
novos segundo esse modelo. Tal é a preocupação com esse aspecto, que se
esquece de que também a educação profissional é formação humana e, portanto,
é responsável por estender a aptidão do homem para olhar, perceber e compreender as coisas,
para se reconhecer na percepção do outro, constituir sua própria identidade, distinguir as semelhanças
e diferenças entre si e o mundo das coisas, entre si e os outros sujeitos (ibidem, p. 243).
E por que isso tudo é essencial na prática social educativa? Porque cada
ser humano se realiza como herdeiro de um mundo natural e transformado
pelos homens que o precederam, em um mundo real que o recebe e que lhe
foi dado. Compreender isso é credenciar-se para ser transformador do mundo.
Mas o homem precisa assumir que, embora possuidor de uma vontade infinita,
tem possibilidades finitas de realização. Ele pode conhecer, mas não pode
conhecer tudo; ele pode fazer, mas não pode fazer tudo. Ao desenvolver sua
consciência de limites, é preciso desenvolver sua consciência da possibilidade
de superá-los e estendê-los nos meandros – usando a precisa expressão de Neidson
Rodrigues (2001) – da intercomunicação cooperativa com outros homens.
Onde é possível dar-se esta cooperação entre as pessoas? Será que não
estamos apenas a teorizar em absoluta abstração? Parece que não. Estamos
fazendo afirmações baseando-nos em vivências concretas, em experiências
vividas. Ao falar do ser humano, não fomos buscar sua essência fora da
realidade. Ao contrário, procuramos o sentido da essência e a existência humana
através de mediações histórico-sociais (Severino, 1992). Só se é homem ou
mulher nessas condições, que se materializam nesta ou naquela sociedade,
concretamente existente neste espaço e tempo definidos.
Não se trata, portanto, de distrair a atenção da prática profissional como
foco central da educação para a qual você está voltado(a). Trata-se de dar a
esse foco sua dimensão completa, total. Sem ela, as interações pedagógicas
serão intencionadas apenas em parte. Também parciais serão os resultados de
toda a formação profissional.
29
1
Educação
TEMA 2
Educação na prática social brasileira:
bases históricas
Começaremos por traçar os caminhos percorridos pela experiência
humana – e sua concretização na experiência brasileira – na prática social que
denominamos educação. Para isso, não podemos deixar de recorrer ao
conhecimento histórico acumulado sobre a ação e o pensamento educativos.
Estamos falando da História da Educação, sim; mas estamos também falando,
de forma mais geral, da História. Isto é, do conhecimento histórico e de seu
valor.
Por que é importante, hoje, apropriar-nos dessa História? Para que nos
servirá tudo isso, na prática?
Hobsbawm (1998, p. 22) nos diz que O passado é uma dimensão permanente
na consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da
sociedade humana.
O mesmo autor acrescenta:
O objetivo de se traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que
acontecerá no futuro, ainda que o conhecimento e o entendimento históricos sejam
essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que
a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo[pois] o que ela [a História]
pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e
mais particularmente das transformações das sociedades humanas durante os últimos
séculos de mudança radicalmente aceleradas e abrangentes. Em lugar de previsões
ou esperanças, é isso que é diretamente relevante para a sociedade contemporânea e
suas perspectivas (ibidem, p. 42-43).
30
Educação na prática social brasileira
Se pensarmos no campo educacional, a História tem fundamental papel
na formação da consciência crítica do educador, desde que não se esgote em
um elenco de fatos e datas do passado. Estes são sempre a matéria-prima a ser
trabalhada na identificação de experiências pedagógicas concretizadas em
contextos, cuja reconstrução e interpretação enriquece e amplia fontes de referência.
Na verdade, as experiências atualmente vividas, mesmo sendo diversas
e inéditas, beneficiam-se de um entendimento histórico de problemas que já
percorreram uma trajetória para configurar-se no aqui e agora, desta maneira
peculiar que nos desafia. Não se trata de buscar no ontem sua solução; trata-se
de resgatar elementos que nos ajudem a melhor definir a situação desafiadora
e encontrar as diretrizes e as coordenadas da nossa ação pedagógica (Reis
Filho, 1981, p. 2).
A educação no Brasil Colonial
No Brasil, a educação só se organiza a partir da instalação do Governo
Geral, em 1549, quando os jesuítas, credenciados pelo Rei D. João III para
desempenhar a dupla missão catequética e educacional, desembarcam com
Tomé de Souza.
Quinze dias após sua chegada, em Salvador, já estava funcionando a
primeira escola de ler e escrever. Não havia terminado o ano, e já o Padre
Leonardo Nunes, em São Vicente, tinha formado um seminário para os meninos
indígenas, onde lhes ensinava com os mestiços da localidade e alguns órfãos vindos de
Portugal a falar português, a ler e escrever, depois o latim aos mais hábeis; e acima de tudo os
bons costumes e a doutrina cristã (Relato do Padre Simão de Vasconcellos, apud
Almeida, 1989, p. 27).
Em 1570, data da morte do Padre Nóbrega, já se contam no Brasil
cinco escolas de instrução elementar e três colégios.
Em 1759, data da sua expulsão, a Companhia de Jesus mantinha no
Brasil, como nos relata Fernando de Azevedo, 25 residências, 36 missões e 17
colégios e seminários, sem contar os seminários menores e as escolas de ler e
escrever, instaladas em quase todas as aldeias e povoações onde existiam casas
da Companhia. Note-se que, na mesma data, em Portugal, os jesuítas mantinham
24 colégios e 17 residências.
Veja o que o Padre Simão de Vasconcellos conta a respeito do
recrutamento dos alunos indígenas dessas primeiras escolas brasileiras:
Quase não havia populações indígenas perto do mar e não era conveniente
abandonar os portugueses. O Pe. Leonardo descobriu um meio engenhoso de
exercer a caridade: com um dos mais robustos irmãos, experto em língua,
caminhou através de ásperas montanhas (...) pelas vilas dos gentios que
habitavam no seio das florestas virgens; obteve por sua autoridade e ajudado
pela língua eloqüente de seus companheiros, que se lhes confiassem seus filhos,
porque desejava conduzi-los para o litoral e educá-los no meio dos portugueses,
ensinando-lhes as coisas da fé, depois de tê-los regenerado pela água do batismo.
Era uma tarefa muito difícil que empreendia o R. Padre porque, para estas
pessoas, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que arrancar-lhes o coração...
(apud Almeida, 1989, p.27).
31
1
Educação
Que concepção de educação traziam os jesuítas para o Brasil? Quais
princípios fundamentaram o início das atividades educacionais no país? Estas
são perguntas que devemos fazer, mas há outra questão relevante: que práticas
sociais, de caráter educativo, os portugueses aqui encontraram entre os habitantes
originais destas terras? O autor do trecho acima tinha consciência disso, pois
registrou que, para os naturais da terra, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que
arrancar-lhes o coração.
Para buscar respostas a essas perguntas, é importante percorrer – ainda
que brevemente – a experiência da prática e da reflexão pedagógicas no mundo
ocidental até à data do desembarque dos que aqui chegaram com a intenção
explícita de educar, isto é, de educá-los no meio dos portugueses, ensinando-lhes as coisas
da fé. Como vimos no primeiro tema, uma interação marcada por uma
intenção nítida de um projeto colonizador.
A pedagogia tradicional e suas
referências humanísticas
Quem desembarca com os jesuítas das caravelas de Tomé de Souza e se
instala, adaptada ou mutilada, nas terras do Brasil, é a denominada pedagogia
tradicional. Um conjunto de idéias e normas que, com diferenças e peculiaridades,
acompanhavam também os outros religiosos missionários que aqui chegaram
antes e depois da Companhia de Jesus.
É a partir da segunda metade do século XVI que podemos identificar o
conjunto de manifestações que caracterizam o surgimento do que chamamos
pedagogia tradicional como um modo de agir e de pensar a educação, dotado
de identidade própria.
Ao tentar apreender o processo histórico de sua formação e consolidação,
é inevitável dirigir nossos olhos, principalmente, para os acontecimentos dos
séculos XVI e XVII. Mas também é necessário identificar, em épocas anteriores
e posteriores, o processo de gestação e de desenvolvimento desse importante
movimento da educação.
A pedagogia tradicional terá diferentes características nos diversos países
da Europa e – o que para nós tem especial interesse – em Portugal. Entretanto,
será sempre possível identificar alguns traços gerais, tais como: a seleção e
ordenação de conteúdos cuidadosamente elaborada, a definição rigorosa
de um método, o estabelecimento de uma relação exemplar e diretiva
do mestre com o discípulo. Principalmente, o espaço físico que expressa essa
pedagogia tradicional, a escola, adquire um mundo peculiar, que se esforça em
se separar do quotidiano, visto, naquele momento, como mais ou menos hostil
aos objetivos da educação.
32
Outras perguntas e questões
relativas à experiência educacional
em terras do Brasil poderão vir à
sua mente. Isto porque todos
temos a qualidade humana da
curiosidade. Queremos entender
as coisas que fazemos, e estas,
como todas as ações humanas,
têm história. Estamos sempre em
atitude de abertura para
construir conhecimento. Muitas
vezes você não encontrará aqui
o tratamento dessas questões,
ou uma abordagem satisfatória.
Procure consultar os livros e os
textos indicados para outras
leituras. Apresente suas questões
ao seu tutor.
Educação na prática social brasileira
Ética – parte da Filosofia que
tem por objetivo elaborar uma
reflexão sobre os problemas
fundamentais do homem:
finalidade e sentido da vida
humana, fundamentos da
obrigação e do dever, natureza
do bem e do mal, valor da
consciência moral, etc. O dever,
em geral, é objeto da ética.
Estética – um dos ramos
tradicionais do ensino da
Filosofia. O termo foi criado no
século XVIII para designar o
estudo da sensação, “a ciência
do belo”, referindo-se àquilo que
agrada aos sentidos.
Paradigma – modelo ou
conjunto básico de crenças que
orienta a ação, a investigação
disciplinada.
Sofística – não se constituiu em
escola filosófica, mas em
orientação genérica – doutrinas
e atitude intelectual – acatada
pelos filósofos sofistas (séculos V
e IV a.C.). Caracterizava-se pela
concentração do interesse no
homem e em seus problemas, isto
é, pela preocupação com
questões práticas e concretas da
vida da cidade, pelo relativismo
em relação à moral e ao
conhecimento, pela valorização
da retórica e da oratória como
instrumentos de persuasão, que
caracterizava a função do sofista,
e, conseqüentemente, pelo
conhecimento da linguagem e
domínio do discurso, essenciais
para o desenvolvimento da
argumentação sofística. O termo
é utilizado freqüentemente com
sentido pejorativo, significando
filosofia de raciocínio verbal, sem
solidez e sem seriedade, que se
vale de sofismas – argumentos
que produzem a ilusão de
validade e que têm como
conclusão um paradoxo ou um
impasse.
Não se pode negar que essa pedagogia tradicional é herdeira do
humanismo, mas se vai construindo no processo de absorção ou negação das
“inovações” e “diferenças” que, em velocidade e profundidade crescentes,
passam a fazer parte do panorama cultural, social e político da Europa, a
partir dos séculos XV / XVI.
O humanismo reage à maneira de pensar da Idade Média, através de
uma retomada do pensamento grego e romano clássico. Mais do que isso,
promove o humano como centro dos estudos, como referência da visão de
mundo e da ação, fazendo do homem o critério fundamental da ética e da
estética.
No movimento humanista, portanto, reforça-se a independência do
pensamento humano em relação à fé religiosa, estimulando a investigação
científica.
Essa retomada do pensamento clássico da antiguidade greco-romana
não deve, entretanto, ser confundida com uma volta ao passado. O humanismo
é um avanço do processo humano. Supera-se, então, a prática, o pensamento,
a mentalidade medieval. Apesar das insuficiências e contradições – que
precisamos ver sempre inscritas nas limitações das circunstâncias históricas dos
homens e mulheres daquela época –, o movimento humanista é um passo em
busca de transformações libertadoras de uma situação que não mais servia aos
homens daquele tempo.
O valor de nos aproximarmos de momentos como esse, em que o
processo de mudança adquire maior nitidez, está na compreensão dos processos
humanos. Neste caso específico, temos algo muito interessante: o resgate do
passado como instrumento de criação do futuro. Os humanistas foram buscar
nas obras da intelectualidade grega e romana estímulo para a criação de novos
paradigmas, novos modelos de interpretação e reconstrução do mundo.
O classicismo greco-latino apresentou sinais de esgotamento quando a
Roma imperial entrou em decadência, abrindo espaço para o cristianismo,
como uma nova leitura do destino espiritual humano. No período
compreendido entre os séculos XIV e XVI, as melhores inteligências cultivadas
na cristandade vão inspirar-se no antigo classicismo greco-romano para propor
uma nova chave de interpretação do mundo, quando a cultura medieval se
tornou incapaz de responder às questões dos homens e mulheres.
E onde e em quem se inspiravam os humanistas para a releitura do
mundo? Certamente em muitas obras e autores. Mas, podemos dizer que, de
maneira muito peculiar, quatro intelectuais constituíram fontes de inspiração,
sobretudo quando nos movemos no campo da educação:
!
!
Platão, que registrava a prática e o pensamento de Sócrates e avançava no
confronto com a sofística, briga com a retórica e a poesia, instaura a
filosofia como sistema e propõe a educação para uma sociedade de sábios;
Aristóteles, que aprende com Platão e dele discorda, lê o mundo a partir
de uma realidade fundamentadora de toda a metafísica e propõe uma
educação para todos (todos, naquele tempo, era uma parte: os homens
livres da Grécia);
33
1
!
!
Educação
Cícero, que, na beleza da linguagem e consistência da temática, reflete em
sua retórica a integração do melhor da contribuição cultural grega com o
mais brilhante do modo de ser romano;
Quintiliano, jurista que, depois de professar o ensino da eloqüência por 20
anos, baseado em sua prática, escreveu um tratado de educação intelectual
e moral: De Institutione Oratoria.
Inspirada na tradição clássica, quase nunca desprezando completamente
as que se consideravam melhores contribuições da cristandade medieval, a
influência do humanismo sobre a educação ocorreu, em primeiro lugar, como
revolução do espírito. Uma mudança de mentalidade, uma crise de
transformação.
Afinal de contas, estava colocado um grande problema para os
educadores. Com a mudança das referências básicas de entendimento do que
seria o homem e o mundo, o próprio conceito de educação passou a ser
questionado.
Em segundo lugar, à medida que mudanças foram ocorrendo na prática
educativa e na reflexão pedagógica, por influência dos novos referenciais, o
humanismo passou a atuar na educação como agente de consolidação de novas
práticas, concepções e valores. Isto é, as mudanças realizadas se estabeleceram
como tradição, contribuindo, assim, para dar aos estudos e aos métodos
pedagógicos uma nova direção e, também, uma nova estabilidade.
Vale notar que quase nunca os mais importantes humanistas vão escrever
diretamente sobre a escola e os professores, mas todos se preocupam com a
educação, identificada como único caminho de acesso à humanitas, idéia e palavra
que expressa toda uma nova realidade, toda uma nova proposta.
Nessa época, revela-se o valor educativo do livro, uma vez que a
aprendizagem do aluno depende menos do professor e mais do pensamento
escrito dos Antigos. Para formar-se, o aluno tem que desenvolver sua capacidade
de ler e entender com agudeza de espírito (ou seja, com a máxima capacidade de
percepção) as obras dos melhores autores da Antigüidade.
A reforma da educação provocada pelo humanismo, portanto, se expressava
fortemente pela arte do discurso, da retórica. Mas note bem: discurso e retórica,
para os grandes mestres do humanismo, não se confundem com palavreado vazio.
Eram, sim, expressões do pensamento e da reflexão, tradução de idéias.
Erasmo de Roterdã (1469-1536), uma das mais destacadas figuras do
humanismo, afirmava: Nada mais admirável, nada mais magnífico do que o discurso
quando, rico de idéias e de palavras, flui abundantemente como um rio de ouro. Era, portanto,
esta a arte que deveria ser ensinada às crianças pelo contato direto com os
grandes autores gregos e latinos.
34
Retórica – ou arte da oratória.
Ciência de usar a linguagem em
prosa e verso a fim de influenciar
ou persuadir uma platéia da
verdade de algo. Baseia-se na
habilidade de empregar a
linguagem e impressionar
favoravelmente os ouvintes. Foi
sistematizada e utilizada pelos
sofistas (ver Sofística).
Metafísica – aquilo que está
além da física, que a transcende;
na tradição clássica, é a parte
mais central da filosofia, estudo
do ser como ser e especulação
em torno dos primeiros princípios
e das causas primeiras do ser.
O termo latino humanitas (que
se pronuncia com acento na
segunda sílaba) designa o ideal
humano de autonomia e de
harmonia – entre corpo e espírito,
entre inteligência e vontade, entre
indivíduo e coletividade. Esse
ideal foi construído primeiramente
pelos gregos e depois integrado
ao que de melhor produziu a
cultura romana.
Discurso – atividade lingüística
que se produz em um determinado
momento, por um determinado
indivíduo, transmitindo uma
mensagem ou construindo
significados, quer seja pela fala
(discurso oral), quer seja pela
escrita (discurso escrito).
Se você tiver interesse em
conhecer as práticas pedagógicas pensadas por alguns
humanistas, leia o texto
complementar número 1,
apresentado no final deste
módulo.
Educação na prática social brasileira
Renascimento – nome dado à
renovação literária, artística e
científica que se produziu na
Europa, nos séculos XV e XVI,
especialmente sob a influência da
cultura da Antigüidade.
Recorrendo ao texto complementar
número 2, que se encontra no final
do módulo, você poderá ler a
respeito da pedagogia da
Reforma e da Contra-Reforma
Contra-Reforma.
É nesse clima de Renascimento do Humanismo que, dentro da Igreja Católica
Romana ou rompendo com ela, se concretiza a Reforma Religiosa. Embora,
desde muito antes, movimentos reformadores manifestassem grande
desconforto com aspectos doutrinários, estruturais ou comportamentais da
Igreja, as exigências de reforma religiosa tornam-se agudas no século XVI.
Em termos educacionais, a importância do movimento reformador é
muito grande. Os humanistas haviam consolidado a idéia de que a mudança do
homem e da sociedade envolve necessariamente a educação. Seja do lado da
chamada Reforma (movimento iniciado na Alemanha, com a liderança de Lutero,
e caracterizado pela ruptura com a Igreja Romana), seja por parte da chamada
Contra-Reforma (movimento interno da própria Igreja Romana que tem, no Concílio
de Trento, seu evento catalisador), vamos encontrar, na diversidade de suas
concepções, uma evidente ação fortalecedora da pedagogia tradicional.
A verdade é que, no século XVI, tanto de um lado como de outro,
vemos um extraordinário esforço de estabelecer definições claras de conteúdos
e métodos em consonância com objetivos educacionais. Também nessa época,os
Colégios vão adquirir uma nova feição e consolidar-se como instituições de
educação média e superior, não-universitárias, caracterizadas por marcante
organização pedagógica e disciplinar. Certamente um dos suportes mais
concretos da pedagogia que se constrói e que, ao encontrar condições favoráveis
de continuidade e desenvolvimento, tende a conservar-se como verdadeira
tradição.
A convicção do humanismo quanto ao papel da educação como
reformadora do homem está vigorosamente presente nos movimentos de
Reforma e Contra-Reforma. Tanto Martinho Lutero (1483-1546), e seus
companheiros e continuadores, quanto Inácio de Loyola (1491-1556) e os
jesuítas são a mais viva demonstração disso. Nos dois campos, importantes
traços do pensamento humanista sobre a educação podem ser identificados,
mas também, em ambos os lados, há acentuadas adaptações, negações e
contribuições novas. Vamos encontrar diversas abordagens, apresentadas das
mais diferentes formas, que pretendem garantir a transmissão doutrinária.
A pedagogia dos jesuítas
Na pedagogia jesuítica, os
autores e as obras eram
minuciosamente selecionados.
Prevaleciam os “textos escolhidos”, evitando-se, assim, as
passagens menos recomendáveis
de autores que, apesar de
exemplares, eram pagãos. Na
história da Educação, só a
pedagogia jesuítica selecionou
textos? Pense a esse respeito,
inclusive na atualidade.
Representativa da concepção dos colégios – e básica para o estudo da
educação brasileira –, é importante analisar a prática pedagógica dos jesuítas,
sobretudo percorrendo as orientações contidas na Ratio atque institutio studiorum
Societatis Jesu, mais freqüentemente chamada Ratio Studiorum.
Trata-se de uma série de regras práticas que esclarecem sucessivamente
os objetivos da atividade pedagógica, as responsabilidades e tarefas do superior
provincial, do reitor, do prefeito de estudos e dos professores.
A metodologia baseia-se na preleção, fortemente inspirada na lectio dos
doutores medievais, incluindo os diversos passos de
!
!
!
resumo do texto,
explicação do significado das expressões difíceis,
identificação e exposição das regras de gramática e de retórica relacionadas
ao texto,
35
1
!
!
!
Educação
fornecimento dos conhecimentos históricos e geográficos necessários à
compreensão do texto,
comentário sobre o estilo e a beleza da linguagem,
proposição de exercícios de memorização, de emulação (competição), de
expressão e de imitação.
Emulação – sentimento que nos
incita a igualar ou a superar outra
pessoa.
A disciplina é o pano de fundo de toda a prática educativa e caracterizase por:
!
!
!
extrema rigidez, temperada pelo uso de motivação baseada nos sentimentos
de honra e emulação;
regulamentação de castigos e reprimendas segundo o princípio de
proporcionalidade em relação à falta cometida;
adoção de um sistema de extremada vigilância, que acompanha todos os
passos do aluno, justificando-se como uma providência preventiva.
Em 1600 – 52 anos após terem iniciado o primeiro colégio,
responsabilidade assumida pela Companhia de Jesus em 1548, um ano antes
de sua chegada ao Brasil – os jesuítas já eram responsáveis por 245 instituições
desse tipo. Esse fato já é suficiente para considerar o grande impacto que os
religiosos tiveram sobre a sociedade do século XVI. Por outro lado, não se
pode negar o quanto foi prestigiada a sua pedagogia por essa mesma sociedade.
Pode-se até admitir outras explicações para esse sucesso estatístico, como
a habilidade de envolvimento e o serviço aos detentores do poder. Mas seria
leviano deixar de considerar todo o competente trabalho de construção de um
sistema educacional que define e estabiliza o humanismo pedagógico cristão
como o modelo do que será a educação secundária do mundo ocidental por
muito tempo.
Essa é a pedagogia que se implanta em nosso país em 1549 e que é
praticada por aqueles que, oficialmente, durante 210 anos, tiveram o mandato
régio de promover a educação no Brasil.
Se é verdade que as diretrizes da Ratio Studiorum surgem bem depois da
veloz implantação da educação jesuítica no Brasil, é também verdade que o
Padre Nóbrega e seus companheiros – logo depois o Padre José de Anchieta
e tantos outros – traziam já as marcas do que se praticava na formação dos
religiosos da Companhia e no trabalho educativo de todos os dias. Essas marcas
é que vão se confrontar com o modo de viver dos indígenas, inclusive sua
maneira de educar. E vão se confrontar de acordo com o entendimento peculiar
que esses educadores têm desses educandos.
36
Poder – capacidade de produzir
ou contribuir para resultados que
afetem significativamente outras
pessoas ou grupos de pessoas.
Segundo Foucault, filósofo
francês, o poder é exercido na
sociedade não apenas através do
Estado e das autoridades
formalmente constituídas, mas de
maneiras as mais diversas, em
uma multiplicidade de sentidos,
em níveis distintos e variados,
muitas vezes sem nos darmos
conta disso. O poder político
significa a capacidade de ação
e meios concretos para impor
uma política à sociedade e aos
grupos sociais.
Educação na prática social brasileira
Em primeiro lugar – sobretudo no primeiro momento – há uma certa
generalização, como se os índios formassem um coletivo sem distinções de
tribo, de maneira de ser e agir. Daí a expressão facilitadora dessa abordagem
“em bloco” em um conceito abrangente de gentio como bárbaros e indômitos, que
parecem aproximar-se mais à natureza das feras do que à dos homens, na expressão
daquele Anchieta, que tanto se esforçou para compreendê-los, em carta escrita
em 1554 (apud Neves, 1978, p. 53-54). Mas eles são capazes de aprender, e
com certa rapidez, porque – em carta de 10 de agosto de 1549, pouco mais
de quatro meses desde a chegada ao Brasil – o Padre Nóbrega registra: Já
sabem muitos as orações e as ensinam uns aos outros, de maneira que, dos que achamos mais
seguros, batizamos já cem pessoas pouco mais ou menos, e começamos na festa do Espírito
Santo, que é tempo ordenado pela Igreja. (idem, p. 46).
Em um segundo momento, surge a distinção primeira que rompe a
unicidade. Passa a existir o “índio índio” e o “índio converso”, e este passa a
ter um novo nome. E, no decorrer do processo colonizador, outras distinções
vão surgindo e, até, esmaecendo a primeira, quando não-portugueses (franceses
ou, bem mais tarde, holandeses) pretendem conquistar o território. A distinção,
então, passa a se relacionar à resistência ao invasor, em uma aliança com os
portugueses, ou à adesão aos recém-chegados contra os portugueses. Irrelevante,
no caso, qualquer consideração sobre o fato de ser “índio índio” ou “índio
converso”.
Processa-se, no tempo, um reconhecimento de diferenças e semelhanças.
Sobretudo, o entendimento de uma forma de educar desses povos. E aqui um
ponto de encontro de europeus e indígenas, na valorização do exemplo, e um
de confronto na questão da disciplina. Os homens, escreve nosso primeiro
historiador, Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, de 1627,
logo ensinam aos filhos de pequenos a atirar ao alvo... também os ensinam a
fazer balaios e outras coisas da mecânica, para as quais têm grande habilidade,
se eles a querem aprender; que se não querem, não os constrangem, nem os
castigam por erros e crimes que cometam... As mães ensinam as filhas a fiar
o algodão e fazer redes de fio e nastros para os cabelos (p.81).
Mas logo se acentuam as diversidades, e o mesmo historiador lembra que
nenhuma palavra pronunciam com f, l ou r não só das suas, mas nem ainda das
nossas, porque, se querem dizer Francisco, dizem Pancicu ... e o pior é que também
carecem de fé, de lei e de rei, que se pronunciam com as ditas letras (p.78).
Vale parar um pouco e refletir na razão de trazermos – com a velocidade
e brevidade de uma simples referência – a percepção dos educadores sobre
educandos tão diferentes. Dificilmente essas percepções de época e espírito
colonizadores se repetirão hoje. Mas podemos nos apropriar, nessa história,
da experiência humana de encontro na interação pedagógica de culturas diversas,
de modos diferentes de ler o mundo, de produzir a existência.
Estamos no momento em que se promoveu a institucionalização escolar
da educação nestas terras brasileiras, onde a prática social educativa dos nativos
era a interação intencionada dos mais velhos (guardiões da tradição oral dos
usos e costumes da tribo) com os mais jovens (nova força de trabalho na caça,
na pesca e no rudimentar plantio ou processamento do fruto natural colhido).
37
1
Educação
Note que, nesse mesmo momento, começa a institucionalização dos
cuidados de saúde.
Os índios, primeiros habitantes deste território, mantinham uma organização
social semelhante àquela dos povos primitivos e antigos. As práticas que
mantinham em relação ao cuidado com a saúde também eram instintivas e
mágicas. O pajé era o responsável por essa prática, enquanto às mulheres
competia o cuidado doméstico.
Com a chegada dos jesuítas ao Brasil e a fundação das Santas Casas, o
cuidado se institucionaliza, passando a ser responsabilidade dos religiosos. A
primeira Santa Casa fundada foi a de Santos, seguindo-se a do Rio de
Janeiro e, depois, as de Vitória, Olinda e Ilhéus, no século XVI. O
estabelecimento dessas instituições se deu antes da chegada de médicos ao país.
Nesse momento, o papel do cuidador de saúde era desenvolvido pelos jesuítas.
Esses religiosos eram ajudados por voluntários selecionados para esse fim. Se
compararmos sua atuação com a da equipe de enfermagem de nossos dias, eles
corresponderiam a enfermeiros, e seus ajudantes, a auxiliares de enfermagem.
A finalidade dos hospitais, nesse período, era prestar cuidados aos viajantes,
maltratados pelas longas viagens por mar, e aos militares. Havia um acordo
entre o Governo e as irmandades, que recebiam uma taxa para cuidar dos
militares. O Governo, em momentos de guerra e de epidemias, contava com o
auxílio de voluntários e da Companhia de Jesus (jesuítas), aos quais pedia
ajuda(Santos et alii, s.d.).
A reforma pedagógica pombalina
É no contexto da modernização de Portugal, promovida pelo Marquês
de Pombal no reinado de D. José I, que a educação brasileira sofre um grande
revés, ao menos quantitativo.
Pelos Alvarás Régios de 28 de junho de 1759 e 11 de janeiro de 1760,
não se vai encontrar propriamente uma política de educação para o povo
português, mas sim uma importante decisão política de assumir a direção das
escolas e de toda a instrução existente. A partir de então, também em Portugal,
a educação passa a ser, não apenas genericamente, mas em todas as suas
especificidades, assunto de Estado.
Assim, a primeira determinação é privar inteira e absolutamente os jesuítas
de qualquer atuação pedagógica, dando por extintas todas as classes e escolas, como se
nunca houvessem existido em meus Reinos e domínios onde têm causado tão enormes lesões e tão
graves escândalos.
38
Educação na prática social brasileira
Essa determinação vai completar-se em 3 de setembro do mesmo ano
de 1759, quando o Rei assina a Lei mandando que efetivamente
sejam expulsos [os jesuítas] de todos os meus Reinos, Domínios, para neles
mais não poderem entrar: E estabelecendo que nenhuma pessoa de qualquer
estado, e condição que seja, dê nos mesmos Reinos, e Domínios entrada aos
sobreditos Regulares ou qualquer deles, ou que com eles junta, ou separadamente,
tenha qualquer correspondência verbal, ou por escrito, ainda que hajam saído
da referida Sociedade ...
Já a segunda determinação é
ordenar, como por este ordeno, que no ensino das classes e no estudo das letras
humanas haja uma geral reforma, mediante a qual se restitua o método
antigo, reduzido aos termos símplices, claros e de maior facilidade que se
pratica atualmente nas nações mais polidas da Europa, conformando-me
para a fim de determinar com o parecer dos homens mais doutos e instruídos
neste gênero e erudições.
Mais especificamente, seguem-se as disposições relativas aos professores
de gramática latina, de grego e de retórica, como: instalação de professor com classe
aberta e gratuita em Lisboa, Coimbra, Évora, Porto, cidades cabeça de câmara, e
em cada Vila das províncias, em número especificado; seleção dos professores
para essas classes, baseada em rigoroso exame; expedição gratuita das licenças
de ensinar, pelo Diretor de Estudos, para os professores examinados; adoção,
como método, de alguns livros e proibição de outros, com punição severa
para os desobedientes às determinações; atribuição aos professores do privilégio
de nobres.
Segundo as disposições do Alvará, ainda, os alunos de comprovado
aproveitamento em um ano de grego teriam preferência para o ingresso nas
Faculdades de Teologia, Cânones, Leis e Medicina da Universidade de Coimbra,
e a retórica passava a ser objeto dos exames de admissão à matrícula nas
Faculdades Maiores dessa Universidade.
Somente com a Carta Régia de 10 de novembro de 1772 é criado o
subsídio literário específico para o sustento das escolas públicas:
Mando que para a útil aplicação do mesmo ensino público, em lugar das
sobreditas coletas até agora lançadas a cargo dos povos, se estabeleça, como
estabeleço o único imposto, a saber:(...) na América e na África: de um real
em cada arretel de carne que se cortar no açougue; e nelas, e na Ásia, de dez
réis em cada canada de aguardente das que se fazem nas terras, debaixo de
qualquer nome que se lhe dê ou venha a dar.
A discussão deflagrada pelo movimento iluminista português com
o Verdadeiro Método torna-se visível na reforma empreendida por Pombal,
cuja marca é a hostilidade radical aos jesuítas. De forma alguma, porém, o
Alvará – ou seus documentos complementares – deixa transparecer
qualquer compromisso com a educação dos pobres (aquela gente ínfima,
como a denominava Verney, 1746).
A reforma, no Brasil, teve resultados diversos. Interessa-nos distinguir a
diferença de seus efeitos no Brasil e em Portugal.
39
1
Educação
Considerando que a condição preliminar de reforma é a abolição total
das classes e escolas dos jesuítas, pode-se concordar com a afirmação de
Fernando de Azevedo (1976, p.47): o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de ensino,
mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino jesuítico, que respondia
pela quase totalidade das atividades educacionais do país.
Ao afastar os jesuítas das instituições educacionais da Metrópole, seus lugares
foram imediatamente ocupados por substitutos – religiosos ou leigos – disponíveis
em Portugal.
No Brasil, contudo, só em 1772 (mesma data da criação do subsídio
literário), 13 anos após a edição do Alvará, uma ordem régia determina o
estabelecimento de aulas de primeiras letras, gramática, latim e grego no Rio de
Janeiro e nas principais cidades das capitanias. Só em 1799 – 40 anos após – é
implantado um sistema regular de fiscalização das aulas e escolas régias.
As iniciativas educacionais do Governo e da Igreja – por meio das
outras Ordens Religiosas (franciscanos, carmelitas) e do trabalho educacional
dos párocos, padres mestres e capelães de engenho –, embora dignas de registro,
não chegaram a suprir minimamente um sistema organizado e em pleno
funcionamento como o dos jesuítas. Tanto que, após sua expulsão e até a
chegada da Família Real ao Brasil (1808), surgem apenas dois centros de
excelência, refletindo a influência do Iluminismo e os principais postulados da
reforma pombalina: em 1776, o Seminário dos Franciscanos no Rio de Janeiro
e, em 1800, o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, de Olinda,
cujos estatutos foram elaborados em Portugal, em 1798, por D. José Joaquim
da Cunha de Azeredo Coutinho, já designado Bispo daquela Diocese.
A partir de 1808, a situação geral do Brasil – e, portanto, também a
sua situação educacional – sofre uma significativa mudança com a instalação,
aqui, da corte portuguesa. Assim, o processo de conquista da nacionalidade
ganha impulso, as estruturas de governo desenvolvem-se e sofisticam-se e
os atos de governo, diretamente voltados para o fortalecimento do poder
português e para o atendimento aos interesses da Corte, indiretamente
beneficiavam os – ainda oficialmente – colonizados.
Como se expressa, de forma bastante incisiva, o historiador português
Oliveira Marques, em sua Breve História de Portugal: de um dia para o outro o Brasil
passava à situação de metrópole e Portugal à de colônia.
A verdade é que a abertura dos portos brasileiros marca o fim do regime
colonial, cuja oficialização só ocorrerá em 1815, quando o Brasil será elevado
à categoria de reino. Conforme o modelo inglês, passa a existir o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarve, com igualdade recíproca de direitos e deveres (Marques,
1995, p. 422-427).
40
Se você quiser ler sobre o que
representou o Iluminismo para
a sociedade, cultura e educação
de nossos colonizadores, busque
o texto complementar número 3
deste módulo.
Educação na prática social brasileira
As ações em favor da educação – que muito precariamente poderíamos
identificar como uma política – não fogem a esse jogo de beneficiamentos
diretos e indiretos à nova sede da monarquia.
Como observa Cunha (1980, p. 77), quando a sede do reino se transferiu para
o Brasil (...) as agências do Estado (português) ficaram mais perto do ensino existente no
Brasil, e, assim, o efeito de seus mecanismos foi maior.
Não se pode negar a relevância para a educação brasileira das
providências relacionadas à criação e organização de Cursos e Aulas Públicas
(Anatomia, Cirurgia e Obstetrícia; Economia; Agricultura), à instalação das
Academias Militar e de Marinha, ao estabelecimento de equipamentos culturais
(Biblioteca, Arquivo, Jardim Botânico), ao funcionamento de uma imprensa
oficial.
Entretanto, não se pode identificar aí uma política educacional. As
iniciativas refletem necessidades e interesses pontuais que vão aflorando e exigem
providências – também pontuais.
Como assinala Fernando de Azevedo:
Sobre as ruínas do velho sistema colonial, limitou-se D. João VI a criar
escolas especiais, montadas com o fim de satisfazer o mais depressa possível e
com menos despesas a tal ou qual necessidade do meio a que se transportou a
corte portuguesa (1976, p. 70).
Também José Ricardo Pires de Almeida – um insuspeito defensor da
monarquia, cuja obra História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889) foi
publicada em 1889, em francês, e dedicada ao Conde d’Eu, marido da Princesa
Isabel – já registrava:
Todas estas fundações e estes estabelecimentos literários, artísticos e científicos
prestaram grandes serviços e a memória do primeiro monarca do Brasil será
indelével, por tudo o que o país lhe deve. Entretanto, faltava uma ligação, um
método, para dar às escolas, aos institutos, às academias, a unidade necessária
à formação de um grande povo (p.49).
É interessante notar como, nessa época, ainda que de maneira rara e
localizada, começam a se manifestar, entre nossas preocupações educacionais:
!
!
!
!
a especificidade de uma educação sistematizada para o desempenho de
determinadas atividades na sociedade, inscrevendo-se aí os primeiros
passos para a organização do ensino superior na área de Saúde;
a introdução gradativa do ensino das ciências na educação secundária,
como importante requisito de formação geral;
o início da explicitação do dever do poder público em promover a
“educação dos povos”, embora sem uma formulação clara da educação
como direito;
a gradativa determinação – ao menos formal – das condições de
competência técnica e moral para o exercício da atividade docente.
41
1
Educação
Justificativa da criação de uma cadeira de medicina clínica
teórica e prática no Hospital Militar da Corte assinada pelo
Príncipe Regente. Decisão de 12 de abril de 1809.
Sendo de absoluta necessidade que no Hospital militar e de marinha
desta Côrte se formem cirurgiões, que tenham também princípios de
medicina, mediante os quais possam mais convenientemente tratar os
doentes a bordo das náos, e os povos naqueles lugares em que hajam de
residir nas distantes povoações do vasto continente do Brasil; sou servido
crear como princípio de maiores e adequadas providências que sobre tão
sisudo e importante objeto me proponho dar, uma cadeira de medicina
clínica teórica e prática, cujo lente terá obrigação de dar lições aos
ajudantes de cirurgia, e outros alunos que frequentarem o dito Hospital e
de lhes ensinar os princípios elementares da matéria médica e
farmaceutica, dando igualmente um plano de policia médica, de higiene
geral e particular e de terapeutica, por cujo trabalho vencerá o ordenado
de 600$ (apud Moacyr, 1936, p. 37).
A educação no Brasil Imperial
Mesmo depois da independência, o traço de formação de quadros
dirigentes acompanha as discussões e as ações relacionadas à educação.
Assim como a independência política se faz pela mão do Príncipe Regente
– herdeiro do Trono Português, que se torna Imperador no Brasil – não será
imediata a diferenciação do regime, das prioridades políticas, do
comportamento na gestão da coisa pública e – conseqüentemente – da proposta
de um sistema nacional de educação.
Ao abrir a sessão de inauguração da Assembléia Constituinte (3 de maio
de 1823) do proclamado independente Império do Brasil, D. Pedro I
recomenda aos parlamentares suma consideração às questões educacionais,
levantadas por ele em um trecho da Fala do Trono. Mais um relato do que foi
feito – ações esparsas, na Corte – do que uma proposta consistente:
Tenho promovido os estudos públicos quanto é possível, porém necessita-se
para isto de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para
engrandecimento da Biblioteca Pública uma coleção de livros da melhor escolha;
aumentou-se o número de escolas e algum tanto o ordenado de seus mestres,
permitindo-se além disto haver um sem número delas particulares: conhecendo
a vantagem do ensino mútuo, também fiz abrir uma escola pelo método
42
Ao terminar a leitura desta parte
do tema, referente à história da
educação no Brasil Colonial, pense
no que lhe chamou mais a
atenção sobre as concepções e
intenções da educação à época e
sobre os métodos de ensino
vigentes. Como você sistematizaria
seu pensamento em três ou quatro
parágrafos? Experimente esse
exercício de análise e síntese,
utilizando o Diário de Estudo para
registro.
Se considerar importante para
seu estudo resgatar as idéias
tratadas no texto, você poderá
retomá-las, discutindo, por
exemplo:
a proposta educacional dos
jesuítas;
!
a reforma pedagógica do
Marquês de Pombal e sua
repercussão no Brasil;
!
as ações educacionais do
governo português instalado no
Brasil a partir de 1808.
!
Educação na prática social brasileira
Ensino lancasteriano –
método de ensino para instrução em
massa. Criado por Joseph Lancaster
(1778-1838), mestre-escola inglês,
baseado no emprego de alunos mais
capazes como monitores. Estes
ensinavam pequenos grupos de
colegas o que haviam aprendido
com o professor. Introduzido nos
Estados Unidos em 1806, foi
amplamente adotado, mas
abandonado em 1853.
lancasteriano. O seminário de São Joaquim, que os seus fundadores tinham
criado para a educação da mocidade, achei-o servindo de hospital da tropa,
fi-lo abrir na forma de sua instituição, havendo eu concedido à Casa de
Misericórdia e roda dos expostos uma loteria para melhor se poderem manter
estabelecimentos de tão grande utilidade, determinei ao mesmo tempo, que
uma quarta parte desta mesma loteria fosse dada ao seminário de São
Joaquim para que melhor se pudesse conseguir o útil fim para que fora
destinado pelos seus honrados fundadores... (Moacyr, 1938, p.71).
Decorridos 65 anos, na penúltima Fala do Trono, em 1888, o segundo
imperador ainda mencionará aos parlamentares que
reorganizar o ensino nos seus diversos graus, difundindo os conhecimentos
mais úteis à vida pratica e preparando com estudos sérios e bem dirigidos os
aspirantes às carreiras que demandam superior cultura intelectual, é assunto
que muito se recomenda à vossa patriótica solicitude (Moacyr, 1938, p.667).
O Brasil Imperial começa e termina sem a organização e consolidação
de um sistema educacional.
Tanto a Constituição outorgada em 1824 quanto a Lei sobre o ensino
elementar de 15 de outubro de 1827 proclamavam o valor da instrução primária
gratuita a todos os cidadãos como uma das garantias da inviolabilidade dos direitos civis
e políticos dos cidadãos brasileiros.
Mas, em 1832, as estatísticas oficiais registram 180 escolas (18 para
meninas), das quais ao menos 40 sem professor. Isto é, após 10 anos da existência
política do Brasil como nação independente, não acontecera nada que registrasse
uma tendência de implantação de um sistema educacional para “todos os
cidadãos”.
José Ricardo Pires de Almeida apresenta como razão: as escolas primárias
não foram instaladas por falta de pessoal apto para as funções de instrutor. Isto devia-se
ao fato das pessoas que poderiam abraçar esta carreira penosa encontrarem uma remuneração
muito baixa (1989, p. 60-61).
Sucedem-se, entre discussões e comparações com as nações modernas
da Europa e com os Estados Unidos da América, propostas de leis e planos.
Sucedem-se também relatórios oficiais e discursos de parlamentares e dos
ministros do Império. Entretanto, é o Conselheiro Paulino José Soares de
Souza, Ministro do Império do Partido Conservador, em Relatório de 1869,
quem vai se aproximar da verdadeira razão: não se faz investimento público
suficiente para desenvolver a educação pública e não se executam ações de
formação e apoio ao magistério.
43
1
Educação
Dados do Ministro do Império, Conselheiro PPaulino
aulino José Soares
de Souza, sobre a educação brasileira em 1869
Ensino primário: 3.516 escolas de primeiras letras, freqüentadas por 115.935
alunos.
Ensino secundário: 467 estabelecimentos, freqüentados por 10.911 alunos.
Totalizando uma matrícula de 126.846 indivíduos.
Como, porém, os algarismos pecam por deficientes, visto que não foi
possível obter informações completas, sendo este o primeiro trabalho que
se faz de semelhante natureza, demos que se aproxime de 150.000 alunos
a população escolar em todo o Império. Se o Brasil como muitos pretendem,
conta não menos de 8 milhões de habitantes livres (...) Estes algarismos
bradam alto, que julgo escusado pedir para este assunto a atenção da
Assembléia Geral Legislativa. (...) Si repartirmos a despesa com a instrução
pela população livre do Império, temos cada habitante, contribuindo com
12$875 réis para a renda do Estado e das Províncias, desta soma só
despende com a instrução publica 378 réis. E trata-se daquele dos ramos
do público serviço que mais interessa à civilização e progresso nacional.
(...) Dos três ramos da instrução pública, a primária é, sem dúvida, a mais
interessante, pois que além de ser condição essencial dos outros dois, se
refere à máxima parte da população (...) Sinto pois ter-vos de dizer que
as condições da instrução primária nesta Côrte estão ainda longe de
responder às necessidades sociais. Temos poucas escolas, e mesmo nestas
não se obtêm os resultados que poderiam apresentar, por falta de bons
professores. (...) Não pode haver boas escolas sem professores que saibam
ensinar, e ninguém pode ensinar, e menos ainda ensinar bem, sem ter
aprendido não só as matérias do ensino, mas o método de ensiná-las.
(...) Quer-se o aperfeiçoamento: não se lhes dá, nem se lhes diz como há
de alcançá-lo. Si alguns professores se distinguem ... devem-no a seus
esforços isolados, e não a se lhes facultar a aquisição de novos
conhecimentos (Moacyr, 1936, p.97-118).
A educação no período imperial debate-se, portanto, com a ausência de
vontade política de prover uma educação para todos e a presença de ações de
fortalecimento da educação formadora da elite.
Assim é que:
!
44
A Lei de 15 de outubro de 1827, ao determinar o estabelecimento de
escolas de primeiras letras, (...) em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, em
si mesma traz algumas razões de sua não-efetividade: embora ainda preserve
a responsabilidade do Poder Central, responsabiliza diretamente os
Educação na prática social brasileira
presidentes de Província, em sua execução; embora estabeleça critérios e
cuidados na designação de professores, aponta a adoção do método de
ensino mútuo lancasteriano não-usual no país, recomendando que os
professores que o desconheçam, por sua própria conta, desloquem-se às
capitais para aprendê-lo; embora fixe faixa salarial (piso e teto) para as
remunerações do magistério, estabelece-as em um valor não-convidativo,
o que será sempre apontado nos relatórios.
!
!
!
!
!
O Ato Adicional à Constituição, em 1834, consagra a descentralização de
competências administrativas do Poder Central para as Províncias, inclusive
a total responsabilidade pelas escolas de primeiras letras e secundárias.
O Poder Central, desde o início, ainda que sem criar uma universidade,
dedica especial atenção ao ensino superior, primeiramente privilegiando
os cursos de Direito, responsáveis pela formação da elite governante, e
depois ampliando as ofertas também dos cursos de Medicina e Engenharia,
de elevado prestígio social.
No campo do ensino secundário, em 1837/1838, é criado o Colégio Pedro
II, estabelecimento padrão desse nível de ensino no país.
A implantação das escolas normais para a formação de professores, a partir
de 1831 – inicialmente nas províncias ( a primeira foi a de Niterói), já que a
do município da Corte só foi criada em 1881 – vem responder à explicitada
preocupação com a qualidade do ensino, mas também com a uniformização
da preparação dos candidatos aos concursos para o magistério.
Apesar de iniciar-se uma discussão mais consistente sobre a necessidade
de uma educação profissional, sobretudo no reinado do Segundo
Imperador, mesmo com algumas instituições mais sistematizadas, como
os Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e de São Paulo,
respectivamente criados em 1856 e 1874, sua concretização não se realiza.
Durante muito tempo permanecerá como área de assistência filantrópica,
mesmo quando, em 1874, o Asilo de Menores Desvalidos do Rio de
Janeiro se transforma em Escola Profissional Masculina.
No campo das profissões da área de Saúde, excluindo os cursos de
Medicina e Cirurgia, a monarquia e os governos do Império não foram muito
diligentes. Cabe apenas mencionar que existiam os cursos de parteira, vinculado às
Faculdades de Medicina. Segundo Santos (s.d.), poderiam ser identificados como o
início do movimento de organização da enfermagem brasileira. Os mesmos autores
consideram o Hospital de Alienados, que passou ao controle do Governo
Republicano em 1890, denominando-se a partir de então Hospital Nacional
de Alienados, o primeiro espaço institucional em que podem ser identificados trabalhadores
desenvolvendo atividades próximas do cuidar de enfermagem.
A seguir, são apresentados dois textos de dois grandes intelectuais
brasileiros. O primeiro foi escrito por Rui Barbosa, na última década do regime
monárquico, como documento oficial do Parlamento Brasileiro. Posteriormente,
em 1910, seu autor se tornaria político republicano e candidato à Presidência
da República. O segundo, escrito por Fernando de Azevedo, o mais eminente
dos introdutores das Ciências Sociais no Brasil e um dos responsáveis pela
45
1
Educação
reforma educacional no Distrito Federal, está inserido em obra de referência
obrigatória que trata da cultura brasileira. Duas épocas, dois autores e um
balanço que merece reflexão.
Balanços da educação no Brasil Imperial
I – RUI BARBOSA
A verdade (...) é que o ensino público está à orla do limite possível a uma
nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de
progresso; é que somos um povo de analfabetos, e que a massa deles, se
decresce, é numa proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução
acadêmica está infinitamente longe do nível científico desta idade; é que a
instrução secundária oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez
menos preparada para o receber; é que a instrução popular, na Corte
como nas províncias, não passa de um desideratum; é que há sobeja matéria
para nos enchermos de vergonha, e empregarmos heróicos esforços por
uma reabilitação, em bem da qual, se não quisermos deixar em dúvida
nossa capacidade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante
sacrifício nenhum (...) Salvo exceções singulares, as crenças e as filosofias
mais opostas,, variando quanto à direção, reacionária, ou liberal, que mais
convenha imprimir ao ensino, coincidem na idéia, cada vez mais geral de
que, na fase atual da civilização, as instituições e encargos do Estado,
em matéria de ensino, tendem inevitavelmente a crescer (...) A idéia hostil
à interferência do governo no domínio da instrução pública não passa de
uma concepção abstrata, contrariada pela evolução das idéias e dos fatos
nos países mais livres. Em vez de vos propor medidas tendentes a enfraquecer
a organização central do ensino, a vossa comissão encara, por conseguinte,
como providência de largo alcance e urgência imperiosa a criação do
ministério da instrução pública (Barbosa,1982, p. 89-97, 114).
II – FERNANDO DE AZEVEDO
Nessa sociedade, de economia baseada no latifúndio e na escravidão, e
à qual, por isso, não interessava a educação popular, era para os ginásios
e as escolas superiores, que afluíam os rapazes do tempo com
possibilidades de fazer os estudos. As atividades públicas, administrativas e
políticas, postas em grande realce pela vida da corte e pelo regime
parlamentar, e os títulos concedidos pelo Imperador contribuíam ainda mais
para valorizar o letrado, o bacharel e o doutor, constituindo, com as profissões
liberais, o principal consumidor das elites intelectuais forjadas nas escolas
superiores do país. Esse contraste entre a quase ausência de educação
46
Fernando de Azevedo (MG,
1894 – SP, 1974) – educador,
historiador e sociólogo –,
participou intensamente do
movimento das reformas
educacionais da década de
1920, tendo promovido, como
Diretor Geral da Instrução
Pública, a reforma do sistema
escolar do Distrito Federal
(1926-1930). Em 1932 foi o
relator do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova.
Tendo participado da concepção
e criação da Universidade de
São Paulo, em 1934, exerceu
grande influência na formação
dos cientistas sociais brasileiros.
Educação na prática social brasileira
Com base no estudo da
educação no tempo em que o
Brasil foi governado por Pedro I,
pelos Regentes e por Pedro II,
desafie-se a produzir um
pequeno artigo de jornal. Sob o
título Características da
educação brasileira no período
imperial, problematize a
educação dos nossos dias frente
às questões daquela época.
Registre o produto do seu
trabalho no Diário de Estudo.
popular e o desenvolvimento de formação de elites, tinha de forçosamente
estabelecer como estabeleceu, uma enorme desigualdade entre a cultura
da classe dirigida, de nível extremamente baixo, e a da classe dirigente,
elevando sobre uma grande massa de analfabetos, – “a nebulosa humana
desprendida do colonato” – uma pequena elite em que figuravam homens
de cultura requintada e que, segundo ainda, em 1890, observava Max
Leclerc, não destoaria entre as elites das mais cultas sociedades européias
(Azevedo, 1958, p.81-82).
A
educação
republicana
Muitas vezes se pensa que uma mudança de regime político traz
“automaticamente” significativas alterações na proposta e na prática educativa.
Nem sempre – ou quase nunca – isso ocorre. Em várias ocasiões, inclusive,
sem alteração de regime, registram-se verdadeiras e concretas transformações
nos processos educacionais.
Sem minimizar a importância dos aspectos políticos, cujas manifestações
sempre refletem os movimentos da sociedade na produção de sua existência
econômica e cultural, a História da Educação não segue rigorosamente os
tempos e movimentos da História Política.
Outros fatores influem decisivamente na velocidade de mudanças
educacionais. O principal deles certamente se refere à concreta prioridade
dada à questão da educação pela sociedade, ou por segmentos influentes
dela, constituindo, portanto, força de pressão sobre antigos e novos regimes
políticos.
Em nosso caso, analisamos anteriormente a reforma educacional
promovida em Portugal pelo Marquês de Pombal. Não havia mudança de
regime, mas um movimento nas sociedades européias – economicamente muito
significativo e influente na redefinição das relações de poder – que exigia
mudanças modernizadoras. Esse quadro constituiu o contexto da reforma
educacional pombalina. Vimos também que as condições de mudança em
Portugal eram diferentes das existentes no Brasil. A mesma reforma teve aqui
resultados diferentes.
A proclamação da República ocorre em um momento de grande
desgaste político do governo parlamentar, no regime monárquico constitucional.
Ao cair o Poder Executivo, representado pelo Governo formado pelo
Visconde de Ouro Preto, caiu com ele o Regime Monárquico e foi proclamada
a República.
Se é verdade que a pregação republicana vinha de muito caminhar na
história de nossas rebeliões, revoltas e revoluções, é também verdade que a
educação não era tema destacado de preocupação dos republicanos e, muito
menos, mobilizador dos movimentos sociais da época. Geralmente a questão
educacional não era sequer mencionada.
47
1
Educação
Na formação do Governo Provisório, presidido pelo Marechal
Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa teve assento como ministro da Fazenda.
Foi o autor dos extensos, argumentados e brilhantes pareceres da Comissão de
Instrução da Assembléia Geral Legislativa do Império relativos à reforma
educacional, em 1882.
Como os demais ministros, muito envolvido com questões políticas e
financeiras da administração do país, também Rui Barbosa esteve bem menos
atento à sua própria análise da educação brasileira, escrita sete anos antes.
Essa menor atenção ao ensino público se reflete na Constituição
Republicana de 1891, que mantém – como já era tradição no Império, desde
o Ato Adicional de 1834 – a instrução primária sob a responsabilidade
exclusiva dos Estados, atribuindo-lhes também a organização geral do ensino
em suas órbitas, bem como reservando à União a possibilidade de criar
estabelecimentos de ensino secundário e superior nos estados. Por outro lado,
determinava caber à União a instrução no Distrito Federal (Artigo 35, nº 3, 4
e 30 da Constituição de 1891).
Pela Lei de 20 de novembro de 1892, porém, transfere-se ao poder
público distrital a responsabilidade pela educação primária e profissional, ficando
o governo da União com a jurisdição sobre todo o ensino secundário e superior
da Capital.
No campo da enfermagem, no início do período republicano (1890),
o governo assume o Hospital de Alienados. A conseqüência mais imediata
desse fato é a saída das irmãs de caridade do hospital.
A entrada do médico naquela instituição deslocou o poder hierárquico que até
então estava nas mãos das irmãs. A justificativa apresentada pelos diretores
do hospital para a retirada das irmãs de caridade baseava-se no tipo serviço
que elas prestavam. Segundo eles, as irmãs acobertavam os maus tratos sofridos
pelos doentes por parte dos guardas e “enfermeiros” da instituição. Também
foram alegadas questões morais que diziam respeito ao fato de mulheres estarem
prestando cuidados a pacientes homens, o que não era aceito pela sociedade da
época (Santos, s.d.).
Com a redução de mão-de-obra, cria-se a Escola Alfredo Pinto (atual
Escola de Enfermagem da UNIRIO) segundo o modelo do Salpetrière, em
Paris, com as seguintes características: formação de dois anos de duração para
pessoas de ambos os sexos, que iriam trabalhar nos hospitais civis e militares;
exigência de conhecimento de aritmética elementar por parte do aluno, além
de saber ler e escrever; ensino ministrado pelos internos inspetores; fiscalização
feita pelo médico, sob a superintendência do diretor geral.
48
Educação na prática social brasileira
Positivismo – sistema filosófico
formulado por Augusto Comte,
tendo como núcleo sua teoria dos
três estados, segundo a qual o
espírito humano, ou seja, a
sociedade, a cultura, passa por
três etapas: a teológica, a
metafísica e a positiva. As
chamadas ciências positivas
surgem apenas quando a
humanidade atinge a terceira
etapa, sua maioridade, rompendo
com as anteriores. Para Comte,
as ciências se ordenaram
hierarquicamente da seguinte
forma: Matemática, Astronomia,
Física, Química, Biologia,
Sociologia; cada uma tomando
por base a anterior e atingindo
um nível mais elevado de
complexidade. A finalidade última
do sistema é política: organizar a
sociedade cientificamente com
base nos princípios estabelecidos
pelas ciências positivas.
A Cruz Vermelha, em 1914, criou um curso para voluntárias, preparando
senhoras e moças da sociedade para servir o país em tempos de guerra e paz.
Funcionava sob supervisão médica e era de curta duração. Dois anos mais
tarde, em 1916, foi criada a Escola Prática de Enfermeiras da Cruz Vermelha,
filial do Rio de Janeiro. Sua finalidade era formar socorristas voluntários para
situações de emergência. Após a formação da primeira turma, a partir de
1917, o curso passou a ter dois anos de duração. Entre os critérios de ingresso
no curso, o candidato devia apresentar o certificado do curso primário. Nessa
mesma instituição, em 1920, foi criado um curso de visitadoras sanitárias.
Na avaliação de Fernando de Azevedo,
... em vez de arredar os obstáculos à organização de um sistema geral, a
República não fez mais do que agravá-los, repartindo entre a União e os
Estados as atribuições na esfera da educação e renunciando explicitamente ao
dever que lhe indicavam as instituições democráticas de dar impulso e traçar
diretrizes à política de educação nacional (1976, p.119).
É nesse quadro de construção e constituição da República “liberal” que
são elaboradas as reformas educacionais de Benjamin Constant Botelho de
Magalhães (1836-1891), que deixa o Ministério da Guerra e assume o Ministério
da Instrução, Correios e Telégrafos, criado em 19 de abril de 1890.
A primeira reforma educacional republicana, concebida com o seu
patrocínio, vai realizar-se em 1891, já sem contar com sua presença, pois Benjamin
Constant falece em 20 de janeiro de 1891. O Ministério específico (embora
tenha a ele agregado o do Correio e Telégrafos), por sua vez, não durará muito
mais, sendo extinto em 26 de dezembro de 1892, quando os assuntos vinculados
à educação passam a ser tratados pelo Ministério do Interior e Justiça.
Benjamin Constant, mais próximo, sob certos aspectos, de outras correntes
cientificistas do que do positivismo ortodoxo do Apostolado Positivista do Brasil (Silva,
1969, p. 220), é inegavelmente, através da Reforma de 1890, um facilitador da
sua influência.
O positivismo de Auguste Comte (1798-1857), entendido como uma
entre as várias manifestações do pensamento sobre o desenvolvimento científico,
representa, na primeira metade do século XIX, um esforço de superação do
conflito entre humanismo e progresso científico.
Mais uma vez se apresenta a
possibilidade de leitura de um texto
complementar, o de número 4.
Ele trata do pensamento
educacional de Auguste Comte.
É necessário conhecer o
pensamento positivista para situar
as críticas a essa visão de
organização científica da
sociedade.
É evidente a influência positivista na reforma republicana de 1891.
Tomando, na reforma Benjamin Constant, apenas a proposta para o
ensino secundário – no Distrito Federal, reduzido ao Ginásio Nacional (Colégio
Pedro II) –, verificamos a superação de um objetivo preparatório ao ensino
superior, adquirindo o sentido de formação educativa em si mesma.
O currículo adotado tem uma parte constituída pelas ciências fundamentais,
rigorosamente apresentadas na ordem lógica estabelecida por Comte.
Observa-se, porém, o não-abandono do tradicional currículo do ensino
secundário, acrescentando-se o estudo das ciências fundamentais. Estas, embora
constituindo uma parte significativa, não se caracterizam como parte principal
ou predominante, conforme demonstra o quadro que segue:
49
1
Educação
1º ano
2º ano
3º ano
4º ano
5º ano
6º ano
7º ano
Aritmética
Geometria
Geral
Álgebra
Física
Geral
Química
Geral
–
Biologia
Sociologia
Zoologia
Moral
Botânica
Direito Pátrio
–
–
–
Revisão
Economia
Política
Revisão
–
Português
Latim
Francês
–
Português
Latim
Francês
Revisão
–
Latim
Francês
Geometria
Celeste
Mecânica
Celeste
Revisão
–
Grego
–
–
–
Cálculo
Diferencial
Cálculo
Integral
–
Mecânica
Geral
Trigonometria
Esférica
Astronomia
–
Geometria
Preliminar
Trigonometria
Retilínea
Geometria
Especial
–
Revisão
–
Grego
–
Geografia
Geografia
Desenho
Música
Ginástica
Desenho
Música
Ginástica
Inglês ou
Alemão
Desenho
Música
Ginástica
Inglês ou
Alemão
Desenho
Música
Ginástica
Revisão
–
–
História
Universal
–
Álgebra
Elementar
–
Inglês ou
Alemão
–
Sem dúvida alguma, é patente a opção enciclopédica comtiana, na ótica
de sua classificação lógica. Contudo, não era comtiana a sistematização científica
oferecida pelo ensino destinado a adolescentes. Comte preconizava essa
sistematização para idade mais avançada.
Porém, como registra Geraldo Bastos Silva (1969, p.222):
(...) o ideal de formação enciclopédica, na forma em que o concebia Benjamin
Constant, nem sequer poderia ser seriamente ensaiado. Seu intelectualismo e sua
grandiosidade excediam inteiramente a capacidade de aprendizagem de adolescentes.
Assim, o plano de estudos proposto por Benjamin Constant, além de contrariar
a concepção preparatória do ensino secundário, ainda dominante na opinião
pública, era intrinsecamente inexeqüível. Isto é sentido logo no primeiro ano de
vigência da reforma, quando apenas se iniciava a observância progressiva do
currículo proposto, e já se levantam vozes pedindo sua modificação.
E, de fato, nos oito anos seguintes, sucedem-se constantes mudanças no
currículo, até que Amaro Cavalcanti, em 1898, para harmonizar o embate entre
humanismo e estudos modernos, adota a solução européia no Colégio Pedro II: o
curso clássico e o curso realista. Entretanto, o Código de Ensino do Ministro Epitácio
Pessoa (Decreto n.º 3.890, de 1º de janeiro de 1901) manda restabelecer o plano
50
–
Revisão
–
–
História do
Brasil
Hist. da Lit.
Nacional
–
Educação na prática social brasileira
A
figura
dos
exames
preparatórios, que vem desde o
período imperial com a mesma
ou outras roupagens, está
sempre presente nas discussões
e ações reformuladoras da
educação brasileira, seja como
reconhecimento oficial de
competências adquiridas, seja
como mecanismo de controle do
Estado ou das corporações, seja
como – por que não? – uma
legítima preocupação com as
possibilidades formativas de
experiências e aprendizagens não
formais..
Estudar a história da educação
brasileira nos ajuda a entender,
por exemplo, as concepções que
inspiram a construção dos
nossos atuais currículos.
Quando “historicizamos” as
diversas reformas curriculares,
evidencia-se que não estamos
diante de uma questão apenas
técnica. Afinal, educação é
prática social, tendo, portanto,
dimensão política. Isso
certamente o ajudará neste curso
e, mais especificamente, no
Módulo 7
7, no qual se vai
estudar a questão do currículo.
Em 1907 contava o país com
3.258 empresas industriais e
150.000 operários no setor.
Em 1920 estes números
passam a 13.336 e 276.000,
respectivamente.
Anarquismo – doutrina política
que, em nome da emancipação
do indivíduo, rejeita toda
organização do Estado e toda
autoridade social repressiva que
a ele se imponha.
de estudos unificado de Benjamin Constant, reduzindo o curso para seis anos e
simplificando-o pela retirada da Biologia, da Sociologia e da Moral, substituídas
pela Lógica.
Em 1911, é feita nova reforma, por Rivadávia Correia (Lei de 5 de abril),
retomando o ideário positivista nos seguintes aspectos: adoção de critério prático
no estudo das disciplinas; ampliação da liberdade de ensino e de freqüência;
transferência para as faculdades do exame de acesso ao ensino superior.
Em 18 de março de 1915, pela reforma de Carlos Maximiliano,
restaura-se a situação anterior e reoficializa-se o ensino secundário, com
cinco anos de duração, mantendo os exames preparatórios nos colégios
particulares.
A influência positivista na educação brasileira produz fatos que a
evidenciam a ponto de Luis Antônio Cunha (1980, p. 150) afirmar que a
importância do positivismo e dos positivistas no desenvolvimento da educação escolar no Brasil
é difícil de se exagerar. Entretanto, com o passar do tempo, vai assumindo novas
características, distanciando-se da ortodoxia comtiana, para assumir
complexidades e diferenciações de um movimento de idéias e aspirações
ancoradas no desenvolvimento científico e tecnológico.
Assim, é possível identificar traços de positivismo – mais ou menos
comtianos – no desenrolar das concepções educacionais e na adoção de
medidas de ação educacional, mesmo quando se analisam situações mais atuais.
Na visão de Moacir Gadotti:
A expressão do positivismo no Brasil inspirou a Velha República e o golpe
militar de 1964. Segundo essa ideologia da ordem, o país não seria mais
governado pelas “paixões políticas”, mas pela racionalidade dos cientistas
desinteressados e eficientes: os tecnocratas. A tecnocracia instaurada a partir
de 1964 nos oferece um exemplo prático do ideal social positivista, preocupado
apenas com a manutenção dos “fatos sociais”, entre eles, a existência concreta
das classes. Essa doutrina serviu muito às elites brasileiras quando sentiram
seus privilégios ameaçados pela organização crescente da classe trabalhadora.
Daí terem recorrido aos dirigentes militares, que são as elites “ordeiras”
vislumbradas por Comte (1993, p.110).
No período republicano, muitas são as discussões e constantes as
proclamações de valores e intenções educacionais que não se tornam realidade.
Entretanto, um processo significativo de industrialização vem ocorrendo,
e a sociedade começa a contar com a afluência e influência de novas forças e
movimentos sociais. Crescem as aspirações – que logo se tornam exigências –
por mais e melhor educação. No âmbito federal, nem sempre esses movimentos
encontravam repercussão objetiva entre os políticos e a burocracia.
Embalados na generalidade de um discurso entusiasmado e em uma
visão otimista da educação, os governos pouco fazem. Os movimentos sociais
dividem-se na reivindicação da escolarização. Enquanto uns cobram do governo
uma educação oficial e pública para todos (socialistas e comunistas) e disputam
recursos públicos para suas iniciativas educacionais, os anarquistas partem para
a ação direta, criando as Escolas Modernas ou Racionalistas.
51
1
Educação
No âmbito dos governos estaduais, a década de 20 vai ser marcada
pelas reformas locais, mencionando-se especialmente São Paulo, Distrito Federal
e Bahia. Um grupo de educadores liberais, assumindo postos de direção nesses
locais, promove essas mudanças. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e
Lourenço Filho são alguns desses intelectuais que, com notável sensibilidade
pedagógica, realizam educação, refletindo sobre ela.
A eles se somam socialistas e, no início da década de 30, em março de
1932, lançam o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
No período, as referências educacionais no campo da enfermagem
também avançam. A partir de cursos realizados nos Estados Unidos, alguns
médicos sanitaristas do Departamento Nacional de Saúde Pública conhecem o
modelo de assistência à saúde por meio de visitas domiciliares de enfermeiras
visitadoras distribuídas em distritos de saúde, as quais se tornavam responsáveis
pelos moradores daquele distrito.
Carlos Chagas trouxe, então, Ethel Parsons e um grupo de enfermeiras norteamericanas para realizar um estudo da situação brasileira. Sua missão teve o
financiamento do Serviço Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller.
A recomendação desse estudo foi a criação de um serviço de enfermeiras no
Departamento Nacional de Saúde Pública e de uma escola de enfermeiras a
ele ligada. Em 1923 é criada a Escola Ana Néri (Santos, s.d.).
A Escola de Enfermeiras Ana Néri, reconhecida como escola padrão,
tornava-se critério de reconhecimento das demais, que começaram a surgir em
atendimento ao crescimento da demanda por profissionais enfermeiros nos
vários estados brasileiros. As enfermeiras formadas pela Escola Ana Néri
passaram a chefiar os serviços ou dedicar-se ao ensino. Foram surgindo várias
iniciativas para a preparação de pessoal auxiliar, as visitadoras sanitárias. O
primeiro curso para auxiliares de enfermagem foi criado em 1936, na Escola
de Enfermagem Carlos Chagas (atual Escola de Enfermagem da UFMG),
em Belo Horizonte.
A década de 30 termina com o início da 2ª Guerra Mundial, que
perdura com seus horrores até 1945. Nos primeiros anos da década de 50,
foram criados 37 novos cursos de auxiliares de enfermagem, refletindo um
esforço concentrado de entidades de direito privado, que incluíam entre seus
objetivos a manutenção de hospitais. Assim, tanto em educação quanto em
saúde, o poder público se omite e, em ambos os campos, o que predomina é
a iniciativa privada.
De certa forma, ainda que não da mesma maneira e na mesma
intensidade, cresce a consciência da população quanto às responsabilidades da
esfera pública na áreas da Saúde e da Educação. Um desenvolvimento que
52
Se você deseja conhecer esse
Manifesto, leia algumas
passagens dele, apresentadas
como texto complementar no 5,
ao final do módulo.
Educação na prática social brasileira
A questão da evolução histórica
da educação profissional estará
sendo tratada com profundidade
Núcleo
Estrutural
no
Estrutural,
especialmente no Módulo 5
5.
acompanha, em ambos os campos, a demanda por crescente profissionalização
e formalização da formação dos professores e dos enfermeiros e auxiliares
de enfermagem.
O Ministério da Educação e da Saúde, criado em 1941, se divide em
dois, em 1953, devendo-se anotar que o Ministério da Saúde, em um primeiro
momento, parece simples elevação de status do Departamento Nacional de
Saúde Pública, que lhe inspira a estrutura. Além disso, ele foi o Ministério
menos aquinhoado por verbas do orçamento da União, naquele período.
O Ministério da Educação e Cultura, além de centralizar as políticas do
ensino secundário, profissional e superior, vive o momento da longa e conflitada
gestação da Lei de Diretrizes e Bases.
Apesar da escassez de recursos, os anos 50 assistem à edificação e
consolidação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, sob a direção e
inspiração de Anísio Teixeira, de 1952 a 1964, como centro de estudos
absolutamente comprometido com a educação pública.
Entre os embates de correntes adversárias que assumem as posições da
intelectualidade liberal e católica no quadro político de uma ditadura com
fortes características personalistas e populistas, o Estado Novo reorganiza o
sistema educacional, adotando – muitos diriam aprofundando, porque já vem
de muito antes – um modelo dualista, de uma educação acadêmica
propedêutica, em franco paralelismo com a educação mais ocupacional do
que profissional, mais ou menos popular e fortemente influenciada pelas
lideranças industriais. Concretiza-se nos Serviços de Aprendizagem Industrial
e Comercial, cuja inegável trajetória de formação do trabalhador se faz pela
ótica da formação de mão-de-obra para atender à demanda do mercado, isto
é, dos que definem os rumos da produção industrial e dos serviços.
A democratização de 1945 e a Constituição de 1946 reacendem o debate
educacional em torno das reformas a serem consolidadas pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional.
Mais uma vez, e agora de forma mais nítida, o grande embate polariza-se
na questão do público e do privado. Mas também ganha importância a discussão
entre os defensores de um modelo de sistema centralizado ou descentralizado.
Em 1959, Fernando de Azevedo redige um manifesto de educadores,
com o apoio dos que haviam assinado o Manifesto dos Pioneiros e de um grande
número de intelectuais de diversas correntes. Esse documento sintetiza bem os
debates que precederam a primeira LDB. Eis alguns trechos:
(...) Esta mensagem, decorridos mais de 25 anos da primeira que em
1932 nos sentimos obrigados a transmitir ao público e às suas camadas
governantes, marca nova etapa no movimento de reconstrução
educacional que se procurou então desencadear, e que agora recebe a
solidariedade e o apoio de educadores da nova geração. (...) O que era
antes um plano de ação para o futuro tornou-se hoje matéria já inadiável
como programas de realizações práticas, por cuja execução esperamos
inutilmente, durante um quarto de século de avanços e recuos, de
perplexidades e hesitações. (...) Não renegamos nenhum dos princípios
53
1
Educação
porque nos batemos em 1932, e cuja atualidade é ainda tão viva, e mais
do que viva, tão palpitante que esse documento já velho de mais de 25
anos, se diria pensado e escrito nestes dias. (...) Vendo embora com
outros olhos a realidade (...) partimos do ponto em que ficamos (...) para
uma tomada de consciência da realidade atual e uma retomada, franca e
decidida, de posição em face dela e em favor, como antes, da educação
democrática da escola democrática e progressista que tem como postulados
a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades para todos.
(...) Não foi, portanto o sistema de ensino público que falhou, mas os que
deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na
medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas
instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e
aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas
múltiplas atividades. (...) A educação pública é a única que se compadece
com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha
e reflete, e que ela concorre, por sua vez para fortalecer e alargar com
seu próprio desenvolvimento (...) A Escola pública, cujas portas, por ser
escola gratuita, se franqueiam a todos sem distinção de classes, de
situações, de raças e de crenças, é, por definição contrária e a única que
está em condições de se subtrair a imposições de qualquer pensamento
sectário, político ou religioso. A democratização progressiva de nossa
sociedade (e com que dificuldades se processa ao longo da história
republicana) exige pois, não a abolição – o que seria um desatino, –
mas o aperfeiçoamento e a transformação constante de nosso sistema de
ensino público. (...) As profundas transformações operadas em
conseqüência da preponderância da economia industrial sobre as formas
econômicas que a precederam, determinam, de fato, e têm de determinar,
nos sistemas de ensino, grandes mudanças que permitam ampla
participação de todos em estudos e práticas, desde a escola primária
completa até os mais altos níveis de estudo superiores’. Já se vê, mais
uma vez, que essa participação, com a amplitude que deve ter, para
colher toda a população em idade escolar não pode ser senão obra do
Estado pela escola universal, obrigatória e gratuita, e numa sucessão de
esforços ininterruptos, através de longos anos, inspirados por uma firme
política nacional de educação. (...) [Os que acusam e pedem a eliminação
da escola pública] (...) o que disputam afinal, em nome e sob a capa de
liberdade, é a reconquista da direção ideológica da sociedade - uma
espécie de retorno à Idade Média - e os recursos do erário público para
manterem instituições privadas, que, no entanto, custeadas, na hipótese,
pelo Estado, mas não fiscalizadas, ainda se reservariam o direito de cobrar
o ensino, até a mais desenvolta mercantilização das escolas (...).
54
Você sabia que, entre os
signatários desse manifesto,
estão, além de Anísio Teixeira e
Paschoal Lemme (Pioneiros),
Florestan Fernandes, Fernando
Henrique Cardoso, Ruth Correa
Leite Cardoso, Darcy Ribeiro,
Caio Prado Júnior, José Arthur
Giannotti, Wilson Martins e
tantos outros?
Identifique no Manifesto dos
Educadores de 1959 os principais
argumentos de defesa da
educação pública. Como você
os situa em relação à realidade
educacional do país, hoje?
Educação na prática social brasileira
Após 15 anos de tramitação, em 20 de dezembro de 1961, é aprovada
a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que refletia
todas essas contradições .
Sobre ela, Anísio Teixeira – claro defensor da escola pública comum e
adepto de um modelo de sistema descentralizado, cujos pronunciamentos
marcaram com competência e paixão os debates – vai manifestar-se em artigo
publicado no Diário de Pernambuco, de 13 de abril de 1962, nos seguintes
termos:
Não se pode dizer que esta Lei de Diretrizes e Bases seja uma lei à altura
das circunstâncias em que se acha o país em sua evolução para constituir-se a
grande nação moderna que todos esperamos. Se isto não é, não deixa, por
outro lado, de ser um retrato das perplexidades e contradições em que nos
lança este próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, é na escola que se trava
a última batalha contra as resistências de um país à mudança (Teixeira,
1969, p. 226-227).
Essa manifestação do grande educador brasileiro surge em um momento
de efervescência política e ideológica. No campo educacional, aparecem as idéias
novas de valorização da cultura popular, aliadas à inquietação e desconforto
diante de um deficit educacional que nos envergonhava no cenário internacional.
Movimentos de educação popular surgem, com campanhas mais ou
menos frustradas e frustrantes de alfabetização de massa e com ações mais
duradouras de educação de base para trabalhadores urbanos e rurais.
Uma grande pressão do enorme contingente histórica e politicamente
excluído exige medidas para obter para seus filhos a educação que não teve.
Nesse contexto, em que a universalização da educação faz parte da
reivindicação das reformas de base, desponta um projeto experimental de
alfabetização de adultos, cuja metodologia encontra sua base na cultura do
sujeito que se educa, estimulando-o a assumir a consciência de sua realidade, na
construção de uma vontade de um agir transformador.
Com a experiência vitoriosa em Angicos, assumida como programa
pelo governo federal, Paulo Freire ganha visibilidade nacional no cenário da
educação brasileira. A visibilidade internacional ele terá, graças à repressão que
se seguiu ao Golpe de 64, que o obriga ao exílio.
O rompimento da ordem democrática, em 1964, esvazia
significativamente os aspectos de descentralização da educação contidos na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961.
A LDB possibilita, no campo da enfermagem, a criação de muitos
cursos de nível técnico, sendo que o primeiro deles surge vinculado à escola de
Enfermagem Ana Néri (Santos, s.d).
Com a repressão a pensamentos divergentes, inibe-se a ação dos
movimentos sociais de educação popular, sob a alegação de ameaça de
subversão.
Os governos estaduais e locais, também no campo da educação, passam
a ser tutelados pelo poder centralizado e centralizador da União.
55
1
Educação
Privilegia-se uma mentalidade tecnicista, com sotaque economicista, que
rapidamente se instala como uma tecnocracia.
Nesse contexto, são promovidas as reformas de ensino de 1968, para o
ensino superior e de 1971, para os ensinos de 1º e 2º graus.
Não é preciso aprofundar a análise para perceber que as políticas
educacionais se deixam comandar pela teoria do capital humano e pelo
absolutismo da demanda do mercado.
Profissionaliza-se compulsoriamente todo o segundo grau de ensino. A
falta de recursos e de capacidade de gestão não permite que as escolas públicas
se profissionalizem. As melhores escolas privadas continuaram a exercer seu
papel propedêutico para um ensino superior, cada vez mais demandado,
cumprindo formalmente a determinação profissionalizante, através de cursos
minimalistas de “auxiliar técnico de...”.
O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, que repercute
em todos os campos da atividade humana, desafia os processos de formação
profissional em geral. No setor da saúde, uma elevação de custos,
correspondendo à sofisticação e ampliação de possibilidades terapêuticas, tem
como contrapartida a diminuição do acesso da população aos serviços.
Registra-se uma crise que leva a novas propostas para reorientação dos
serviços de saúde. Internacionalmente, ocorrem eventos significativos: a Quarta
Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas (1977) e a Conferência
Internacional de Alma-Ata, que elaborou um documento sobre cuidados básicos
de saúde (1978).
A redemocratização, como conquista palmo a palmo de uma sociedade
que manifesta não abandonar seu projeto histórico-político, expressa-se
pedagogicamente pela revisão dos equívocos de concepção ou de execução
da política do ensino de 1º e 2º graus e do ensino superior.
A pesquisa e o debate fazem-se presentes em reuniões gerais, como as da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e específicas, como as
Conferências Brasileiras de Educação e Congressos/Seminários temáticos.
Desenvolve-se o conhecimento e a perplexidade diante da crise de
paradigmas, diante das divergências de leitura e interpretação da realidade,
diante de referenciais alternativos.
A convivência da competência técnica com o compromisso político
como componente básico dos objetivos educacionais fundamenta a busca
negociada da escolha entre alternativas de solução, a eleição de prioridades, o
estabelecimento de princípios e linhas de ação capazes de definir um projeto
pedagógico, solidário ao projeto histórico-político da sociedade. As linhas gerais
desse Projeto se encontram na Constituição promulgada em 1988.
56
Tecnocracia – comando ou
governo exercido por agentes
administrativos, quer seja no setor
público, quer no privado. Um de
seus mais importantes pressupostos
é a existência do suposto
conhecimento “objetivo”, o qual
pode ser apreendido e aplicado
diretamente a problemas sociais,
econômicos e técnicos. Segundo a
doutrina, a decisão pretensamente
neutra e técnica deve predominar
sobre a decisão política.
Teoria do capital humano –
parte do pressuposto de que todas
as pessoas são capacitadas,
havendo apenas uma diferença de
grau, e não de natureza, entre elas.
Algumas possuem capital material,
outras, capital humano (homem +
educação) e outras, ainda, tanto
um quanto outro. Segundo essa
teoria, a educação é entendida
como um investimento, como o
que se faz em instalações físicas,
máquinas, matérias-prima, sendo,
portanto, produtora de capacidade
de trabalho.
Retomando, em 1980, o
interrompido
ciclo
das
Conferências Brasileiras de
Educação, iniciado pela
Associação Brasileira de
Educação na década de 1920,
a ANDE (Associação Nacional
de Educação), a ANPED
(Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação) e o CEDES (Centro de
Estudos Educação e Sociedade)
realizam, em Goiânia, a IV
Conferência Brasileira de
Educação, que sistematiza a
proposta de 21 princípios a serem
inscritos na Constituição.
Educação na prática social brasileira
A discussão das bases legais da
Educação estará sendo retomada
no Núcleo Estrutural
Estrutural, especialmente nos Módulos 5 e 6.
A partir daí, inicia-se um novo ciclo de discussões para a elaboração da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Se é verdade que, ainda em
1988, o Deputado Octávio Elísio apresenta o projeto de lei, oriundo das
discussões das Conferências Brasileiras de Educação e elaborado sob a liderança
do Professor Dermeval Saviani, é também verdade que só oito anos depois é
promulgada a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Uma lei elaborada
com base em uma inacreditável correção daqueles rumos que balizaram o
texto constitucional. Uma lei que, optando por dizer menos, abriu caminho
para uma volumosa normatização do poder público federal, onde o duvidoso
critério da governabilidade, que nada mais é do que a retração do fundo público,
traça políticas que na verdade são as diretrizes e bases que a Lei deixou de
explicitar.
No que se refere à saúde, o Brasil, na década de 1980, é marcado
pelo movimento sanitário, que apontou para novas estratégias de superação
da crise da Previdência e de reorganização do setor saúde, adotando os princípios
de igualdade, hierarquização do sistema e acesso universal. Em 1986, a
Oitava Conferência Nacional de Saúde teve suas propostas levadas à
Constituinte (Santos, s.d.).
Ao finalizar o estudo deste tema,
analise que contribuições ele traz
para a sua formação de
enfermeiro-docente
comprometido com uma prática
crítica,
significativa
e
emancipadora. Registre essa
avaliação, pessoal, no Diário de
Estudo.
Após muitas lutas políticas, aprova-se, com algumas alterações, na
Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), modelo que preserva
a unidade e a descentralização. E, também, cria a necessidade e desafio de
reformular a política de formação de recursos humanos para a saúde,
no sentido de atender às determinações e aos princípios do SUS.
Menos como base histórica e mais como a vivência de um presente que
ainda não conseguiu imprimir com nitidez as tendências do futuro, os fatos e
as idéias continuam a polarização em torno do atrasado Plano Nacional de
Educação, aprovado somente em 9 de janeiro de 2001, pela Lei nº 10.172.
Assim como o projeto de lei, construído na discussão da sociedade, foi
dilacerado pelos interesses menores, resultando em uma lei tímida e “cheia de
vazios”, também a proposta de Plano Nacional de Educação, discutido na
dinâmica social do “agir pedagógico”, foi preterida pela maioria governamental
no Congresso Nacional, cuja preferência foi o projeto de Plano elaborado nos
gabinetes governamentais. Mesmo as poucas incorporações, na versão aprovada
pelo Legislativo, de propostas originadas da sociedade, receberam o veto do
Presidente da República.
57
1
Educação
Outras leituras
1. O aprofundamento de informações e interpretações sobre a educação
brasileira no período colonial pode ser favorecido pela leitura
!
da obra fundamental de Fernando Azevedo, A transmissão da
cultura (parte terceira da 5ª edição da obra “A cultura brasileira”).
São Paulo: Melhoramentos, Brasília: INL, 1976.
Na página 47, você encontrará os dados sobre as escolas dos jesuítas no Brasil
em 1759.
!
!
da obra, escrita em francês, em 1889, por José Ricardo Pires de
Almeida, História da instrução pública no Brasil (1500-1889).
São Paulo: EDUC, Brasília: INEP-MEC, 1989.
do Capítulo 2, A organização do ensino na Colônia, da primeira
parte do livro História da Educação: a escola no Brasil, escrito
por Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro, Olinda Maria
Noronha e publicado pela editora FTD de São Paulo em 1994.
Maria Elizabete S.P. Xavier é Doutora em História e Filosofia da Educação pela
PUC/SP e leciona na Faculdade de Educação da UNICAMP/SP, onde também
desenvolve sua intensa atividade.
Olinda Maria Noronha, livre docente de História da Educação.
Maria Luiza Santos Ribeiro, Doutora em Filosofia da Educação pela PUC/SP,
exerce sua atividade no campo da pesquisa e da orientação de teses. As autoras
têm vários livros publicados.
Essa obra conjunta concentra sua análise na história da instituição escolar,
apresentando um olhar sempre atento ao contexto socioeconômico e político
das práticas escolares e das políticas governamentais.
!
do Capítulo 2 do livro História da Educação no Brasil: 1930-1973,
de Otaíza de Oliveira Romanelli, publicado pela editora Vozes de
Petrópolis, em 1978.
Otaiza de Oliveira Romanelli, Doutora em Educação pela Sorbonne (Paris),
exerceu o magistério na Universidade Federal de Minas Gerais, até seu
falecimento prematuro. Essa obra, de referência obrigatória no estudo da
História da Educação Brasileira, tem no Capítulo 2 uma síntese crítica primorosa
da educação brasileira até os anos 30, quando inicia o período enfocado no
seu livro.
58
Educação: interação e consciência social
2. Os conhecimentos sobre a educação brasileira no século XIX poderão
ser aprofundados na leitura
!
!
dos Capítulos 3 a 6 do livro História da Educação: a escola no
Brasil, escrito por Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro e
Olinda Maria Noronha, citado anteriormente.
da continuidade do Capítulo 2 do livro História da Educação no
Brasil: 1930-1973, de Otaíza de Oliveira Romanelli, também já
citado.
3. Para aprofundar as bases históricas da educação brasileira no período
republicano até 1937, leia
!
o Capítulo I, A Primeira República, do livro de Paulo Ghiraldelli Jr.,
História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990. p.15-78.
Paulo Ghiraldelli Jr. é Doutor em História e Filosofia da Educação e autor de
muitas obras no campo pedagógico. Esta sua obra traz um balanço crítico dos
movimentos da elite e do povo na construção do direito à educação.
!
os Capítulos 7 e 8 da primeira parte e os Capítulos 1 e 2 da segunda
parte do livro História da Educação: a escola no Brasil, de Maria
Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro e Olinda Maria Noronha,
p.102-169.
59
1
Educação
TEMA 3
Educação: interação e consciência social
Desde o início, estamos nos ocupando com a interação e a intenção.
Em nossos caminhos de constatação da realidade e de nossa reflexão sobre
ela, esses dois processos se combinam, formando uma unidade que expressa o
modo de existir humano como constitutivo da realidade. Mas não se pode
deixar de ver as pessoas como seres que procuram compreender, interpretar,
assumir como própria a realidade na qual vivem, movimentam-se e existem,
nela interferindo para transformá-la.
Se você achar que estamos teorizando, volte seu pensamento para a
prática. Logo no princípio do primeiro tema deste módulo, justamente para
não nos desvincularmos da prática, decidimos trazer para a nossa análise e
discussão a nossa própria experiência. E o que constatamos? Uma maior
facilidade de pensar uma situação real em que estivéssemos em relação com o
outro. Não estamos solitários no mundo. Nós nos vimos relacionando-nos
com as coisas e com as pessoas. A prática nos mostrou relacionados com o
mundo dos homens, com o mundo dos seres vivos não humanos, com o
mundo das coisas.
Por isso procuramos entender a prática social em geral, refletir sobre ela
e, conseqüentemente, sobre as diferentes práticas sociais que, encontrando-se
ou até mesmo confrontando-se, conformam a sua totalidade.
É neste sentido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional se
refere à necessária vinculação da educação e do ensino escolar “à prática social”.
A prática social educativa precisa vincular-se à totalidade da vida social, tecida
da confluência das distintas práticas que, na sociedade, se efetivam.
60
Educação: interação e consciência social
Quem usou pela primeira vez o
conceito de relação (em latim
relatio) foi Quintiliano, na sua
obra Institutio Oratoria, e o fez
aplicando-o a termos referentes,
isto é: termos que serviam de
referência um ao outro.
Você encontrou, anteriormente, palavras como “relação”,
“combinação”, “encontro”, “confluência” e outras, mas, sobretudo, “interação”.
Certamente, a mais geral é “relação”, porque todas as outras, de maneiras
diferentes, indicam relações.
A relação se dá quando uma coisa, um conceito, uma pessoa está diante
de outra, servindo uma de referência à outra. Por exemplo: não há relação
entre esparadrapo e gaze, na simples contigüidade que os reúne sobre uma
mesa, porque é o mesmo que cada um estivesse isolado e até distante um do
outro. Estas mesmas coisas, colocadas em uma bandeja, para serem usadas no
ferimento do joelho da criança, estão em relação, porque uma se refere à outra
para fazer o curativo em que a gaze será fixada pelo esparadrapo.
No exemplo, além de uma relação de combinação entre duas coisas,
precisamos ter presente que essa relação é mediada por agentes humanos,
sujeitos que se relacionam (a criança e quem faz o curativo) e – especialmente
um deles, o autor do cuidado – objetivam a relação entre as coisas.
Poderíamos ir mais longe nesse exercício de análise da relação que já,
agora, se apresenta como um leque de mediações. Interessa-nos, entretanto, no
quadro das relações, concentrar-nos na interação. Por mais que se use este
termo abusivamente, principalmente em nossos dias, o conceito de interação
implica uma relação altamente qualificada. A qualidade que a distingue é a
reciprocidade da relação. São ações que não se esgotam em ser conjuntas,
integradas, cooperativas; elas são mútuas, recíprocas. Há um agir de um sobre
o outro e “do outro sobre o um”. Certamente agem conjuntamente, agem
integradamente, agem cooperativamente, porém – mais do que isso – interagem,
ou seja, cada um age em relação a cada outro.
Observando a realidade, veremos interações (relações recíprocas) entre
coisas. Mas é na realidade social, onde mulheres e homens a constituem pela
convivência, que a interação adquire um significado todo especial. Por quê?
Porque nessa relação interativa entre seres humanos há sempre a possibilidade
de manifestar-se um aspecto peculiarmente humano, a intenção de interagir e
a consciência de interagir intencionalmente.
É por isso que, sendo múltipla troca de ações recíprocas, toda prática
interativa faz-se necessariamente social. Sem qualquer prejuízo da individualidade
atuante, a prática interativa se materializa em dimensão coletiva da ação.
Vamos voltar a nos debruçar sobre a educação como prática social. E
vamos fazê-lo sem evitar a complexidade das múltiplas relações que nela
ocorrem, principalmente as que a qualificam como prática social, porque relações
de interação.
Mesmo que você julgue estarmos escolhendo um caminho difícil,
certamente ele não é novo para você. Sua prática como profissional de
enfermagem é uma prática social construída na complexidade de múltiplas
relações, sendo que um grande número delas interativas.
E a questão que se apresenta agora para nós, profissionais da enfermagem
e profissionais docentes, é a da intencionalidade dessas interações.
Desde logo, em ambos os campos – da saúde e da educação – se
evidenciam como “naturais” as intenções imediatas do agir pedagógico e do
61
1
Educação
agir de promoção da saúde. O que pode ser grave é limitar-se a elas, em uma
não rara redução dos temas, dos problemas, das soluções e das intenções aos
limites mesmos de cada campo, daquela específica prática social, quase a excluir
o campo e sua prática do contexto social amplo.
Em um dos seus mais brilhantes artigos, Durmeval Trigueiro Mendes
(1974), usando o exemplo da formação de médicos, nos lembra da centralidade
do trabalho na constituição do sujeito humano e social, já que é por meio dele
e nele que o indivíduo desenvolve sua cultura. Por outro lado, essa cultura
transcende o trabalho “como instância crítica e criadora”. A escola média,
segundo o autor
dá a formação profissional, mas esta só é autêntica quando a tecné, na
qual o indivíduo é instruído, constituir uma práxis autêntica, abrangente
do seu projeto existencial global – o seu fazer que incorpora o seu ser; o
fazer é fazer-se refazendo o seu “entorno” – e abrindo, dentro dele,
espaço para sua própria e permanente recriação. O indivíduo não cai
dentro de uma profissão como um objeto passivo se encaixa dentro de um
escaninho, ou um bicho-da-seda dentro de seu casulo. Ele se torna elemento
ativo e criador, não só porque se movimenta dentro do seu emprego, como
também porque é capaz de olhar o mundo, além deste, como um horizonte
de possibilidades para sua promoção humana e social. Ele precisa estar
armado de uma consciência crítica e prospectiva para não cair num emprego
como uma pedra cai num poço, mas para mergulhar numa corrente que
pode levá-lo sempre adiante. Sua habilidade fundamental é para exercer
criadoramente seu ofício, aperfeiçoando-o, extraindo dele uma consciência
gratificante que está ligada só a um opus – e nunca a uma tarefa – e
transcendendo-o sempre para outros, mais próximos de sua ambição
criadora e de sua capacidade.
Muito importante, para nós, é ter sempre presente que o nosso aluno,
que se estará formando como profissional técnico ou auxiliar de enfermagem,
não pode ser dissociado de seu “projeto existencial global”, e este só subsiste
em termos pessoais se inserido no projeto da sociedade.
Aqui, então, é que esta intencionalidade da interação humana está chamada
a se manifestar como consciência social, “crítica e prospectiva”, abrangente de
uma totalidade que vai além e inclui a prática educativa.
Dissemos está chamada a se manifestar como consciência social, porque ter
consciência é um atributo humano natural, mas não é natural, e sim uma
produção pessoal no contexto histórico e cultural, é mobilizar a capacidade de
“saber que sabe” para níveis mais elaborados de consciência disso ou daquilo.
Por isso é que podemos, diante de uma realidade, constatar presença ou ausência
de consciência social.
62
Identifique e analise uma situação
concreta, vivida ou presenciada
por você, em que você percebeu
uma limitação ao campo
específico, ou seja, o contexto
social mais amplo não foi
considerado.
Registre em seu Diário de Estudos
e, depois, confira com colegas,
verificando se, na opinião deles,
sua percepção foi adequada.
Educação: interação e consciência social
A verdade é que a prática educativa e a prática de promoção da saúde
são práticas sociais. Isso, entretanto, não significa que, necessariamente (ou,
como dizem alguns, automaticamente) expressem consciência social.
As interações que se processam nessas práticas, certamente, são
intencionais. Mas nem sempre essas intenções vão além dos limites de uma
situação restrita ao campo da educação ou da saúde. Às vezes sequer ultrapassam
o aqui e agora daquela aula para aquela turma ou daquele curativo naquele
joelho. Nem a turma é entendida como coletivo em que interagem pessoas,
nem o joelho ferido é entendido como parte integrante de uma pessoa.
O que precisa ser objeto de nossa reflexão como educadores – uma
reflexão radicalmente vinculada à prática como sua origem e seu destino – é
que a prática social educativa só se realiza totalmente quando resulta de interações
intencionadas para a transformação dos sujeitos que se educam e para a
construção de possibilidades de contribuir para mudanças e transformações
mais amplas na vida social, no sentido de torná-la mais humana. Em suma, a
prática educativa precisa contribuir efetivamente no avanço da constituição de
sujeitos sociais abertos à cooperação, enquanto ação conjunta consciente de
reconstrução permanente do convívio humano.
Ao conceber e realizar a educação como prática que ocorre no mesmo
tempo e no mesmo espaço social, estamos relativizando as fronteiras entre a
escola e a sociedade.
Como nos diz Trigueiro Mendes (1974)
Até agora era o adulto, exclusivamente, que representava a sociedade (já que
se considerava sociedade a sociedade estabelecida, de que ele era o estereótipo),
enquanto a escola era constituída por aqueles que ainda se preparavam para
integrar-se nela. Agora, começamos a compreender que a sociedade se estabelece,
criadoramente – e não estaticamente –, mediante o concurso das gerações no
tempo e no espaço simultâneos. Por isso, os adultos voltam a freqüentar a
instituição educativa, ou criam novas instrumentalidades, paralelas ou até
competitivas com a escola.
Vale ressaltar a percepção do autor sobre a cooperação intergeracional
no estabelecimento do projeto social que, segundo ele, não se separa dos projetos
pessoais. Na educação deve-se promover o modo de uma pessoa agir segundo
o seu projeto. Este implica a maneira de estruturar sua visão, de se situar,
lidando com as realidades existentes para transformá-las em novas realidades,
fazendo de sua existência um ato de inteligência continuada.
Trata-se de ordenar operativamente a visão da realidade em função do projeto
pessoal ou social; um modo de ver o mundo, colocando-se nele como parte de
sua criação ou de sua ordem; um modo de ver-se como instância de sua
própria criação na mesma medida em que desempenha um papel na criação e
na origem do mundo. Instrumento do seu próprio projeto, o homem o é desde
o momento de formulá-lo (Trigueiro Mendes, 1974).
A educação, portanto, como prática social fundada na intencionalidade
de uma interação socialmente consciente, é projeto que reflete o projeto social
e nele incide, no encontro das intenções pessoais, dele instituintes e, também,
por ele instituídas.
63
1
Educação
Como enfrentar a multiplicidade de projetos pessoais, de leituras e
entendimentos da realidade, de opções entre diversos encaminhamentos
possíveis, de intenções diferentes?
O primeiro e importante passo é a explicitação dos entendimentos da
realidade e das intenções em relação a ela. Um exercício certamente coletivo,
participativo. Um exercício – retomando a expressão – “crítico e prospectivo”,
partilhado nas diferenças e, portanto, necessariamente debatido em busca de
encaminhamentos aceitos ou apenas admitidos.
Você sabe lidar com isso. Na Saúde como na Educação, o planejamento
é uma atividade freqüente. Tanto em uma como em outra área, a explicitação
do entendimento da realidade (diagnóstico), do levantamento e registro das
viabilidades, da construção de linhas de encaminhamento (opções preferenciais
e alternativas), da mobilização de meios, dos modos de aplicar os meios ou
procedimentos, das estratégias de acompanhar o processo... Enfim, planejamos.
O planejamento é sobretudo um processo. Quando julgamos ter chegado
a um grau de sistematização que o justifique, produzimos um documento que
registre os pontos principais do processo de planejamento. Geralmente damos
a esse documento o nome de “plano” ou “projeto”.
Tanto a atividade de planejar quanto os planos podem ocorrer em níveis
diversos. Um professor pode planejar uma aula (plano de aula), um conjunto
de aulas (plano de unidade, de disciplina). Ele pode participar do planejamento
curricular de um curso, de um nível de ensino de sua escola (plano curricular
do curso a ou b, do ensino fundamental) ou do planejamento pedagógico
global de sua escola (plano ou proposta pedagógica). O planejamento pode
tomar como referência a educação de um município, de um estado, de uma
nação (planos municipais, estaduais e nacional de educação). No Módulo 2,
vamos tratar dos Planos Nacionais de Saúde e Educação e procuraremos
relacioná-los com o Projeto Histórico-Político da Sociedade Brasileira.
Você pode também identificar, em sua atividade de profissional da
enfermagem, esses níveis de planejamento, que com o nome de planos ou
projetos e também de propostas, ou até com uma denominação diferente,
refletem a explicitação do entendimento e das intenções de ação das pessoas
envolvidas em um campo de atividade.
Embora, em nossa exemplificação acima, tenhamos partido dos níveis
menores, é preciso dizer que o planejamento tem sua origem no nível macro e
que sua aplicação em níveis menos amplos é bastante pertinente, mas analógica.
Como iremos abordar Planos e Projetos Nacionais mais adiante, então
aprofundaremos esses aspectos.
O que nos importa mais, no contexto dessa análise que empreendemos
da educação como prática social, é ressaltar:
64
Prática social educativa
!
!
Que projeto sustenta a prática
educativa em sua escola? Como
ele foi concebido? Seus objetivos
intencionalizados estão se
concretizando? Como?
Registre no Diário de Estudo suas
primeiras reflexões a respeito
desse tema, que tornará como
desafio ao longo de todo curso,
especialmente a partir do
Módulo 6
6.
o processo de planejar como instrumento privilegiado de promoção da
construção coletiva do entendimento da realidade, das opções alternativas
de interferência transformadora da realidade, da sistematização das ações
cooperativas nos campos da educação e da saúde;
o registro do processo de planejamento em documentos sistematizados
como um mecanismo importante de explicitação de intenções, de opções
de linhas de ação e procedimentos operacionais e de formas de
acompanhamento, controle e avaliação das ações;
e, ainda, que
o planejamento e sua explicitação em planos ou projetos, porque são
processos cuja origem é a análise crítica da realidade e a proposição de
interferência conseqüente, estão permanentemente sob avaliação, abertos
às necessárias mudanças e redirecionamentos;
! o planejamento, em qualquer nível e campo, deve estar compatibilizado
com a concepção de sociedade que se assume coletivamente, sendo
portanto inconcebível em uma sociedade que se concebe democrática,
um planejamento fechado à mais ampla participação.
!
65
1
Educação
Textos complementares
Texto complementar n o 1
1. A proposta educativa de Erasmo
Em sua obra, Elogia da Loucura, Erasmo de Roterdã (1469-1536) critica
violentamente a prática educacional medieval, afirmando que o ensino das
línguas latina e grega em nada poderia ser semelhante ao daqueles gramáticos
que viviam plenamente satisfeitos consigo mesmos, enquanto apavoravam com
as ameaças de seu rosto e de sua voz aquela multidão amedrontada de alunos,
batendo nos coitados com chicotes e varas...
Em De Ratione Studii, ele recomenda o hábito da conversação e dos
jogos, acompanhados pelos mestres, que corrigem os erros e elogiam os acertos,
devendo estimular o hábito da correção mútua.
Para Erasmo de Roterdã, o mestre diligente e preparado deverá escolher os
mais simples e breves dentre todos os preceitos dos gramáticos, dispondo-os
na ordem mais adequada. Após tê-los ensinado, orientará seus alunos para o
autor mais apto, treinando-os a falar e a escrever.
Esse mesmo mestre deverá propor exercícios variados (tradução,
versificação, escrita de cartas, de discursos), tendo a forma como grande
preocupação.
Essa metodologia visa a abolir a controvérsia e a discussão, manifestações
das indesejadas e veementemente criticadas escolástica e dialética medievais.
Para Erasmo, a arte da expressão suplanta a da discussão. Uma educação,
portanto, eminentemente literária e estética, em que mesmo a ciência (sobretudo
sob a forma da observação das plantas e animais) tem seu lugar, mas que se
constitui também em ocasião para o exercício da linguagem.
2. A prática pedagógica de Vittorino da Feltre
Vittorino da Feltre (1378-1446) deixou marcas profundas para o
surgimento de uma nova concepção e maneira de educar. Embora não se
tenha dele obras escritas, esse educador italiano – tendo vivido na passagem
do século XIV para o XV – desenvolveu uma prática pedagógica que hoje
reconhecemos como precursora de concepções e práticas que só foram
difundidas muitos séculos depois.
66
Escolástica – originariamente,
significa “doutrina da escola”.
Designa os ensinamentos de
filosofia e teologia ministrados
nas escolas eclesiásticas e
universidades na Europa,
sobretudo entre os séculos IX e XVII.
Caracterizava-se principalmente
pela tentativa de conciliar os
dogmas da fé cristã e as verdades
reveladas nas Sagradas Escrituras
com o platonismo e o
aristotelismo.
Dialética medieval – técnica
e arte da argumentação, que se
exercita no contexto da
escolástica. Alguns autores
medievais utilizam o termo como
equiparado à lógica.
Educação: interação e consciência social
As linhas do trabalho educativo de Vittorino da Feltre eram:
!
a importância exemplar do mestre;
!
a formação do raciocínio independente;
!
a adoção de um plano de estudos enciclopédico;
!
!
!
a gradação das propostas de ensino, evoluindo desde os primeiros
elementos da leitura até a filosofia de Platão e Aristóteles;
a associação, com vistas a uma educação harmoniosa dos exercícios
do corpo com os do espírito;
a preocupação com um ensino interessante para crianças, com a criação
de oportunidades de expressão da personalidade dos alunos, com a
abolição de castigos e punições corporais, com o constante apelo à
honra e à emulação.
Por isso, em sua morte, um dos ex-alunos gravou uma inscrição no busto
do mestre, que o exalta como Aquele cujas lições e exemplos ensinaram a
conhecer a dignidade do homem.
3. Rabelais e Montaigne
Na França do século XVI, contemporâneos já dos jesuítas, Rabelais
(1494-1553) e Montaigne (1533-1592) contribuíram de uma forma mais
sistemática e diferente para a reformulação das concepções e práticas
pedagógicas.
Rabelais
Sátira – texto, discurso, panfleto
manuscrito ou impresso que
investe contra os costumes
público ou privados, ou que
ridiculariza alguém ou alguma
coisa, em linguagem picante ou
maldizente.
Com a força destruidora da ironia e da sátira – concretizada na sua
obra Gargantua, Rabelais manifesta todo o seu horror aos vícios da educação
praticada em seu tempo. Critica tanto os mestres de gramática quanto os mestres
universitários e apresenta suas idéias de como deveria ser a nova educação:
! não pode se basear exclusivamente em memória e palavras;
! a inteligência deve ser enriquecida com idéias e conceitos aprendidos
gradualmente e de forma sistemática;
!
!
o bom senso e a virtude devem ser desenvolvidos de maneira ativa;
as bases do plano completo da educação são o humanismo (adquira perfeito
conhecimento do outro mundo que é o homem), em que:
!
!
!
!
o movimento substitui a vida sedentária;
a observação direta dos objetos substitui as simples palavras;
a escola não se fecha em quatro paredes, mas se abre no contato com
a amplitude da vida no campo e na sociedade;
a aprendizagem das línguas vivas modernas é tão útil quanto a das
línguas antigas.
67
1
Educação
Em resumo, Rabelais baseia sua proposta de educação:
!
!
em uma instrução agradável, variada, interessante para o aluno e
em uma cultura e doutrina não imposta autoritariamente, mas útil à vida
econômica, social e ética do educando.
Montaigne
Encontramos os pensamentos de Montaigne sobre educação nos seus
Ensaios (especialmente nos capítulos Da educação das Crianças e Pedantismo). Sua
preocupação pedagógica é com a educação da criança para a formação do
homem. Parte de sua própria educação como um menino de família rica,
instruída e culturalmente sofisticada. Em relação ao educador, recomenda que:
! tenha uma cabeça bem feita em lugar de bem cheia;
!
se preocupe em formar a capacidade de julgamento pessoal no educando,
em vez de estimular uma memória livresca.
Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por
simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos
ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade
e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos
têm certeza absoluta de sua opinião (1972, p.81).
Para Montaigne, o objetivo da educação é formar para uma sabedoria
prática. Assim:
! privilegia o aprendizado da língua materna, da história e de uma filosofia
prática;
!
concebe uma educação harmônica em que corpo e alma sejam
desenvolvidos juntos (Não é um corpo que se educa, não é uma alma, é um homem.).
Texto complementar n o 2
A pedagogia da Reforma e da Contra-Reforma
1. Reforma
A Reforma Religiosa de Lutero foi bastante apoiada e assumida pelos
senhores e governantes das cidades alemãs, porque também representava o
desejo de libertação das comunidades civis face às imposições de Roma.
O catolicismo romano, sobretudo por meio das ordens religiosas, exercia
importante papel de execução do serviço educacional. Isso significou que, ao
romper com Igreja Católica, surgiu a necessidade de elaborar novas propostas
relativas à organização, às responsabilidades, aos objetivos e às maneiras de educar.
68
Verifique, na prática pedagógica
dos humanistas, os papéis
atribuídos ao educador:
preceptor, mestre, professor. E
hoje?
Educação: interação e consciência social
Tr i v i u m / q u a d r i v i u m –
forma as sete artes liberais,
que constituem a base do
currículo dos cursos introdutórios (studium generale)
das faculdades de artes
(principalmente filosofia), nas
univerrsidades medievais. O
trivium , inicial, é constituído
pelas “ciências da linguagem”
– gramática, retórica e
dialética –, e o quadrivium é
composto pela aritmética,
geomentria, música e
astronomia e pressupõe a
passagem pelo trivium. As sete
artes liberais tiveram um
papel importante como forma
de preservação do saber
clássico da antigüidade grecoromana, durante o período
medieval.
Desde os primeiros anos, a crise educacional – marcada pela exclusão e
evasão de estudantes e professores – instalou-se em todos os graus de ensino,
desde a escola de ler e escrever até a universidade. O reformador alemão, em
seu estilo candente, denunciou com veemência os vícios das escolas de seu
tempo, chamando-as de infernos, purgatórios onde um menino era eternamente
atormentado com casos e tempos, e onde ele não aprendia, devido a um contínuo açoitamento,
tremor, dor e angústia. As universidades, para ele, eram as grandes portas do inferno
(apud Eby,1970, p.53-68).
Por isso, sem tardar, o próprio Lutero assumiu a bandeira da educação
e o fez com tal empenho que a maioria dos historiadores reconhece sua essencial
contribuição à construção do forte sistema educacional da Alemanha. Ainda
que tenha tratado das questões de conteúdo (Eu os faria estudar não só as línguas e
a História, mas também Canto, Música Instrumental e todo o curso de Matemática), Lutero
foi sobretudo um agente da adoção de uma política de educação. Em sua
carta de 1524 aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã, desenvolve
forte argumentação em favor da educação de todos, em todas as cidades.
Coube, entretanto, a Felipe Melanchton (1497-1560), grande humanista,
a tarefa pedagógica de restaurar a educação alemã. A ele é outorgado o título
de “preceptor da Alemanha”. Seu regulamento da escola da igreja na Saxônia,
aprovado por Lutero, inspirou governantes de muitas cidades e estados.
Estava aí explícita a responsabilidade do poder civil em criar escolas e
mantê-las. Estabelecia prioridades e a seqüência de conteúdos (o latim era
absolutamente prioritário), de acordo com o objetivo fundamental de formar
religiosa e moralmente a juventude.
Suas obras sobre Gramática Latina, Retórica e Lógica; sobre Aritmética,
Geometria, Astronomia e Música (o trivium e o quadrivium medievais) foram
amplamente utilizadas na educação, tanto em escolas protestantes quanto em
escolas católicas.
2. Contra-Reforma
A preocupação pedagógica na Contra-Reforma ou Reforma
Católica é, evidentemente, diversa.
As instituições educacionais, nas regiões em que a reforma “protestante”
não se tornara hegemônica, mantinham-se em plena atividade.
Entretanto, mesmo nos países católicos, viviam-se fortes apelos
reformadores que repercutiam nas instituições, nas práticas e nas orientações
educativas.
A preocupação com a educação do clero, em particular, presidia os
ajustamentos e mudanças que se operavam na atividade pedagógica sob a
influência da Igreja.
Com os humanistas, acreditava-se que a reforma do homem envolve a
educação.
No pensamento dos reformadores católicos, a própria reforma da Igreja
teria que passar pela educação dos fiéis e, sobretudo, dos membros do clero e da
elite leiga. Essa educação será definida, principalmente depois da ruptura luterana,
como instrumento de preservação da fé e da unidade da Igreja.
69
1
Educação
A educação católica, então, passa a ter maior clareza de definições,
devendo atingir os seguintes objetivos:
! fortalecimento dos católicos expostos à pregação reformista;
! reconquista para a Igreja Romana dos reformados;
! catequese, em terras de missão, dos povos pagãos para sua adesão à fé
católica.
E, na busca da consecução desses objetivos, podemos considerar como
bastante adequada a expressão Contra-Reforma.
Embora não se possa desconhecer a criação e importância dos colégios
no ambiente reformado “protestante”, é no campo católico que seu papel vai
ser extenso e fundamental. Vão constituir-se em espaço privilegiado de
construção de um corpo de idéias e normas consolidadoras da pedagogia
tradicional. A comprovação disso está clara na adesão e desenvolvimento dessas
instituições pelas ordens religiosas surgidas no contexto da Reforma Católica,
e muito especialmente pelos jesuítas.
Na Idade Média, o colégio era uma comunidade de bolsistas, que nele
viviam como em uma pensão, dirigindo-se a outro local para seguir os
cursos. A partir do século XV, o ensino das Faculdades das Artes começa a
deslocar-se para os Colégios. No século XVI, estes se afirmam como
instituição de ensino secundário, desvinculados das universidades. Organizam
sistematicamente suas atividades de ensino e, sobretudo, normatizam de
forma ampla a vida dos alunos e a relação docente-discente. Seus objetivos
são claros e abrangem o campo religioso, moral e literário: os alunos devem
viver piedosamente e falar latinamente (et pie vivant et latine loquantur), como
se expressou Mathieu Cordier, professor parisiense do século XVI, em seu
De emendatione.
Texto complementar n o 3
Iluminismo: sociedade, cultura e educação
O que é o Iluminismo?
A Europa do século XVIII é o espaço e o tempo da manifestação de
um movimento que recebeu o nome de Iluminismo (ou Movimento da
Ilustração, ou das Luzes).
Quem melhor o definiu foi o filósofo Emanuel Kant, em 1784:
O ILUMINISMO é a saída do homem da sua menoridade, pela qual ele
é responsável. Menoridade, isto é, incapacidade de servir-se do próprio
entendimento sem a orientação de outrem, menoridade pela qual ele é o
70
1
Educação
Educação: interação e consciência social
responsável porque a causa dessa incapacidade não está numa deficiência de
seu entendimento, e sim na falta de decisão e de coragem para dele servir-se
sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de servir-te do teu
próprio entendimento! Eis a divisa das ‘Luzes’(apud Falcón,1989, p.19).
O Renascimento humanista caracterizou-se pela recondução do homem
como centro e referência da realidade a ser conhecida. O movimento iluminista
instaura a racionalidade como referência principal e, de certa maneira, única
para o humanismo. A razão é a única luz, a iluminação racional, que substitui
tanto a iluminação mística quanto aquela proveniente da autoridade dos autores
clássicos.
Como se expressa D’Alembert, no Discurso Preliminar da Enciclopédia,
publicada na França no Século XVIII:
O universo e as reflexões são o primeiro livro dos verdadeiros Filósofos, e os
Antigos, sem dúvida, o tinham estudado: era portanto necessário fazer como
eles; não se podia substituir este estudo pelo de suas Obras, que foram destruídas
em sua maioria e das quais um pequeno número, mutilado pelo tempo, não
podia nos dar, sobre uma matéria tão vasta, senão noções muito incertas e
muito alteradas (1989, p.65).
O critério da verdade passa a ser a ciência, geradora de técnica e
tecnologia, de progresso, de bem-estar para todos.
Instituiu-se, portanto, a ousadia do saber (aude sapere) para cada um, a
coragem de servir-se de seu próprio entendimento, em um movimento que
promova, para um número cada vez maior de homens, o exercício de pensar
por si mesmos, a conquista da autonomia.
Nesse sentido, como afirma o verbete da Enciclopédia: A liberdade reside
no poder que um ser inteligente tem de fazer o que quer de acordo com a sua própria
determinação (1974, p.113).
Esse traço geral da “ousadia de pensar por si mesmo” é que nos dificulta
caracterizar o movimento iluminista através de outros aspectos comuns, porque
essa autonomia de pensamento promove diferenciação e variedade.
Assim, ao pretender caracterizá-lo como um movimento intelectual da
burguesia, ou como um movimento anticlerical, cabe ter presentes as
observações de Falcón (1989, p.28 e 34):
Havia, é certo, idéias e intelectuais burgueses no movimento iluminista. Mas
eram todos burgueses? Já vimos que aí se situam as divergências dos
historiadores. O mais difícil, portanto, é saber como avaliar corretamente as
idéias, hábitos, comportamentos e atitudes de natureza aristocrática (no sentido
de nobreza e clero) presentes no movimento iluminista (...) O anticlericalismo,
típico das “luzes” francesas, não é a regra do restante da Europa. O
reconhecimento da diferença como raiz da autonomia do homem e do mundo
faz parte também de um processo interior à própria Igreja. Com freqüência,
a iluminação racional, longe de ser encarada como oposta à iluminação religiosa,
foi entendida como uma espécie de expansão ou ampliação desta última.
As interpretações categóricas e lineares comprometem a riqueza das
diferenças e variedades, estas, sim, manifestação comum a todos os iluminismos,
como “ousadia do homem em pensar por si mesmo”.
71
71
1
Educação
O iluminismo português e a reforma educacional
Em Portugal, como na Espanha, o Iluminismo sofre atraso em sua
manifestação se comparado com os outros países da Europa.
O movimento ilustrado português é caracterizado por Francisco J. C.
Falcón (1982, p.197) como uma
... ideologia estruturada alhures e para ali transferida, modificando-se bastante
no decurso desse movimento, que é não um simples reflexo mas uma verdadeira
releitura, uma reinterpretação do discurso ilustrado em função das condições
concretas ali existentes, de onde resultou uma construção ao mesmo tempo
nova e original, cujas limitações e peculiaridades devem ser entendidas como
resultantes de tais determinações de natureza histórica.
Assim é que, apesar de suas variadas manifestações, é possível reconhecer
alguns traços característicos do iluminismo português. Um deles é o fato de ser
mantido dentro dos limites da prudente preocupação em não romper as
barreiras da fé católica, importantes para a sustentação do poder monárquico
absoluto e a coesão social.
Na reforma pedagógica, que se concretiza na instituição das aulas régias
em 1759, a razão invocada nos Alvarás Régios é a necessidade de se conservarem
a união cristã e a sociedade civil (Carvalho, 1978, p.32).
E a radicalização contra os jesuítas vai se justificar – oficialmente – por
duas razões principais:
! eles teriam introduzido nas escolas destes Reinos e domínios [um] escuro e fastidioso
método [do] estudo das letras humanas [que são] a base de todas as ciências que se
vêem, neste Reino, extraordinariamente decaídas daquele auge em que se achavam quando
as Aulas se confiaram aos religiosos jesuítas;
! [eles teriam uma doutrina] sinistramente ordenada à ruína não só das artes e ciências
mas até da mesma Monarquia e Religião (Alvará de Lei, de 28 de Junho de 1759).
O Iluminismo, em suas manifestações portuguesas, está presente nas
reformas educacionais propostas pelo Marquês de Pombal. Não há dúvida
alguma de que a questão da Ilustração – como prevalência da racionalidade
científica sobre a autoridade religiosa ou filosófica ou retórica dos Antigos –
vai ganhando espaço em Portugal.
No campo da educação, a partir de 1730 evidencia-se uma reformulação
para além dos métodos, com a introdução das ciências experimentais e da
filosofia moderna, sobretudo por obra dos Padres Oratorianos que, desde o
final do século XVII, vinham assumindo posições na educação portuguesa.
Contudo, como nos adverte Falcón (1982, p. 210): Conviria (...) não exagerar o
âmbito dos resultados anteriores a 1746, aproximadamente, pois, ainda aqui, é somente após
o golpe do Verdadeiro Método que as posições se definem e as mutações têm lugar.
72
Educação: interação e consciência social
Com a publicação, em 1746, do Verdadeiro método de estudar, para ser útil à
República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal, as rupturas, pela
crítica e pela afirmação, se tornam mais claras.
Certamente, a obra de Luiz Antônio Verney tem um nítido enfoque
educacional, mas apresenta-se também com uma abrangência capaz de cobrir
todas as manifestações da mentalidade portuguesa de seu tempo. A explicitação
caracteriza-se pelo compromisso com a realidade de uma determinada
sociedade, mesmo – ou, talvez, sobretudo – porque seu autor é um clérigo
português (nasceu em Lisboa, em 23 de julho de 1713), de origem francesa,
aluno brilhante dos padres jesuítas. Escolhe, entretanto, prosseguir seus estudos
com os padres do Oratório e, indo para a Itália em 1736 (dez anos antes da
publicação das 16 Cartas), entra em contato com o pensamento europeu de
sua época. Embora não retorne mais a Portugal (morre em Roma, em 20 de
março de 1792), está permanentemente presente ao desenrolar-se da vida
portuguesa, analisando, criticando e sugerindo medidas que pudessem contribuir
para sua “modernização”.
Como nos ensina Clarice Nunes (1989, p. 55):
Verney configura-se como um pensador enraizado no seu tempo, um
militante radical sem ser revolucionário, cuja obra passou a referir ou
simbolizar, em Portugal, todo um processo de modernização política,
econômica e sociocultural da elite iluminista portuguesa do qual foi expressão.
A constatação do atraso de Portugal em relação às outras nações da
Europa, a necessidade de modernização, o desejo de romper os bloqueios às
idéias inovadoras, levam Verney – na esteira dos humanistas e dos melhores
iluministas de seu tempo – a identificar na educação renovada o insubstituível
caminho para promover uma renovação cultural.
Sob o ponto de vista educacional, sua contribuição tanto ressalta sua
preocupação com o conteúdo e a metodologia do ensino, desde as classes de
gramática até os cursos universitários, quanto evidencia suas preocupações com
a política educacional.
Para ele – e nisso expressa o sentimento de muitos – a educação
portuguesa e, até mesmo, a nação portuguesa estavam paralisadas pela rigidez
ineficaz de conteúdo e método da pedagogia dos jesuítas, pelos desmandos
inquisitoriais, pelo descompromisso da Universidade com a investigação no
campo das ciências.
Para Verney aquele modo de pensar jesuítico, enraizado em todas as cabeças desde a
infância, tornou-se uma segunda natureza: serão necessários muitos anos, muita leitura e grande
e boa educação para desenraizá-lo (Carta de Luís Antônio Verney a Francisco de
Almada e Mendonça, em 17 de julho de 1765, apud Moncada, 1941, p.153).
Contudo, encontraremos nele a valorização das ciências e do método
científico, mas não o desprezo pela Fé revelada; a valorização da gramática e
da retórica portuguesa, mas não a negligência em relação à latinidade clássica;
a crítica violenta à brutalidade e ignorância da Inquisição, mas não qualquer
diminuição de apreço e submissão à instituição eclesial, à Santa Sé e ao Sumo
Pontífice.
73
1
Educação
Talvez, a grande contribuição de Verney tenha sido a de expressar uma
nova realidade a ser enfrentada com o firme propósito de torná-la útil à República
e à Igreja, mantendo fidelidade ao estilo e necessidade de Portugal. Sua proposta de
reforma educacional faz parte de um contexto de mudanças e nele se integra
como suporte essencial.
Nesse sentido ele declara a necessidade de haver, em cada rua grande, ou ao
menos bairro, uma escola do Público; para que todos os pobres pudessem mandar lá os seus
filhos (Verney, 1746, p. 206), cuja ausência ou deficiência causa sumo prejuízo, como
ele afirma na Carta Décima Sexta:
Na idade de sete anos é que devem ensinar-lhe a escrever (...) Depois
ensinar-lhe as quatro primeiras operações de Aritmética que são
necessárias em todos os usos da vida. Nisto há grande descuido em
Portugal: achando-se muita gente, não digo ínfima, mas que veste
camisa lavada, que não sabe ler, nem escrever: outros que, suposto
saibam alguma coisa, não cotejam: o que causa sumo prejuízo em
todos os estados da vida (ibidem, p. 205).
Não se deve esperar do texto do “Padre Barbadinho” (pseudônimo
com o qual Verney assinou o Verdadeiro Método) mais do que ele pode oferecer.
É verdade que defende o estudo das ciências experimentais, mas coloca-as no
currículo que precede os cursos superiores, como uma introdução no último
momento, reservando seu aprofundamento para a universidade.
É importante lembrar que, embora as ciências da natureza estivessem em
franco desenvolvimento, ao tempo de Verney estas continuavam vinculadas à Filosofia.
Como ele mesmo expressa na Carta Oitava (1746):
Eu suponho que a Filosofia é conhecer as coisas pelas suas causas; ou
conhecer a verdadeira causa das coisas. Esta definição recebe os mesmos
Peripatéticos, ainda que eles a explicam com palavras mais obscuras. (...)
saber qual é a verdadeira causa que faz subir a água na seringa é Filosofia;
conhecer a verdadeira causa por que a pólvora, acesa em uma mina, despedaça
um grande penhasco é Filosofia; outras coisas a estas semelhantes, em que
pode entrar a verdadeira notícia das causas das coisas, são Filosofia.
Mas é exatamente com essa concepção, ainda meio enviesada, da Ciência
– e conseqüentemente de seu ensino – que se lançam as bases da reforma da
Universidade de Coimbra, no Portugal pombalino, levada a termo em 1772.
Redirecionam-se todos os cursos e introduzem-se as Faculdades de Matemática
e de Filosofia, propostas por Verney, mais de 25 anos antes. A Faculdade de
Filosofia compreendia quatro Cátedras: Filosofia Racional e Moral; História
Natural; Física Experimental e Química Teórica e Prática. A Faculdade de
Matemática, também se constituiu com quatro Cátedras: Geometria, Cálculo,
Ciências Fisico-Matemáticas e Astronomia.
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Peripatéticos – peripatetismo é
o termo que designa a filosofia
de Aristóteles e de sua escola; é
proveniente da tradição segundo
a qual Aristóteles lecionava
dando passeios a pé nos jardins
do Liceu, local onde fundou sua
escola, em Atenas (335 a.C.).
Educação: interação e consciência social
Texto complementar n o 4
O pensamento educacional de A. Comte
Embora sem ter deixado o Tratado sobre a Educação Universal, que
projetava publicar em 1858, Comte explicitou seu pensamento educacional
em outras obras, o que nos permite conhecer suas principais idéias. Vejamos o
que ele diz na segunda lição de seu Curso de Filosofia Positiva:
O problema fundamental da educação consiste em fazer com que o
entendimento, muitas vezes medíocre, em poucos anos chegue ao mesmo ponto
de desenvolvimento atingido, durante uma longa série de séculos, por um grande
número de gênios superiores, que aplicaram, sucessivamente, durante a vida
inteira, todas as suas forças ao estudo de um mesmo assunto.
Assim, a educação do indivíduo deve, segundo ele, reproduzir a da espécie, no sentido
de transmitir não as etapas - o que seria impossível - mas o movimento e o produto.
Em síntese, seu discípulo Émile Littré registra que o pensamento
educacional de Comte consiste em:
! mudar de base mental,
! substituir pelo saber científico o saber literário, que deve manter seu lugar, mas
não-prioritário,
! e universalizar, uniformizando-a, a educação (Littré, 1878, p.352-353).
Dentre as principais características da educação, podem ser citadas as
seguintes:
! é uma emanação do poder espiritual moderno, sendo, como tal, autoritária, no
sentido em que a relação educador-educando é, na verdade, uma relação
entre ascendente e descendente;
! é, toda ela, coordenada pela idéia e pelo culto do Grande Ser;
! é universal, para todos, portanto, também a mulher e o proletariado devem
ser educados;
! a educação familiar é espontânea, especialmente materna (na família o
poder espiritual é representado pela mãe), de grande importância,
responsável sobretudo pela educação moral, porque somente sob a direção
de uma mulher uma criança pode começar a difícil aprendizagem da
luta interior, que dominará toda a sua vida, para subordinar
gradualmente as impulsões egoístas aos instintos simpáticos; sua
sistematização, pelos filósofos educadores, só ocorrerá nos últimos anos
que precedem a maioridade;
! a educação pública completa e espontânea, familiar e materna, com a
instrução teórica e prática;
! a educação “espontânea” é fortemente marcada pela estética, sendo que a
presença da arte tem continuidade de influência também na educação
“sistemática”;
! apesar da privilegiada preocupação científica, a educação positiva inclui
no plano de estudos as disciplinas literárias, indicando, para o aprendizado
das línguas estrangeiras, o critério da solidariedade atual, ou seja, deve-se
aprender, em primeiro lugar, as línguas dos países limítrofes;
75
!
!
o método geral da educação positiva apresenta diversificações em duas
fases:
!
antes da puberdade, preocupa-se com o concreto, a prática da
observação e de exercícios tendentes a facilitar a adaptação do corpo à ação
habitual;
!
da puberdade em diante, preocupa-se com a sistematização, ou seja,
com lições formais e programação orgânica das ciências, segundo
classificação hierarquizada;
os professores devem ser polivalentes, isto é, capazes de dirigir a iniciação
de todas as ciências, devendo suscitar a submissão ativa e voluntária e não a
discussão estéril e dispersiva, o que faz prevalecer o ensino oral, sendo raro o
recurso a livros didáticos.
Texto complementar n o 5
A proposta dos intelectuais educadores da década de 1930
(Trechos do Manifesto dos Pioneiros)
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade
ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos
planos de reconstrução nacional.
No entanto, se, depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado
atual da educação pública, no Brasil, verificar-se-á que, dissociadas sempre as reformas econômicas
e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido,
todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram
ainda criar um sistema de organização escolar à altura das necessidades modernas e das
necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação anual, criada pela sucessão
periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e
sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão
desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces,
e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes...
... o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa;
as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu
meio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para
perceber, além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução
social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das
forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cultura geral, que lhe permite
organizar uma doutrina de vida e amplia o seu horizonte mental, poderá ver o problema
educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico
ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico,
1
Educação
empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas
mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados
de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso
dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.
À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou,
no Brasil, o movimento de reconstrução educacional. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira
renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado, então, na campanha
de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa
reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa
e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo, nem produzir-se, do ponto de
vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por
todas as forças organizadas de cultura e de educação.
A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes,
assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para
formar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos
os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto,
organizar e desenvolver os meios de ação durável, com o fim de “dirigir o desenvolvimento
natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com
uma certa concepção do mundo.
...a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade humana, considerada
não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a
escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado
a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado.
...a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para
transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-se
intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses
individuais e os interesses coletivos.
...do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o
Estado, que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus
graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a
realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais.
Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado,
pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade
exclusiva, e que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições
privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós, não como “uma conscrição precoce”,
arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o
maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de
destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15,
todas, ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma
educação comum, igual para todos.
A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições
escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária)
aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano,
uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro
do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico,
fazendo um apelo, dos jardins de infância à universidade, não à receptividade, mas à
77
Questionando o Processo Educativo
atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) até à universidade,
com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18 anos), a
“continuação ininterrupta de esforços criadores” deve levar à formação da personalidade
integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador,
pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos
(observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações
científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais
e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos
15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas;
ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual,
ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,
decorrentes da extração de matérias-primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca), da elaboração
das matérias-primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes,
comunicações e comércio).
78
1
Educação
Síntese
Neste primeiro módulo, foram desenvolvidos temas e indicadas atividades, buscando sistematizar
referências conceituais relativas à educação, sempre a partir da aplicação de reflexão crítica sobre
manifestações concretas da prática educativa.
1 – Em um primeiro momento, procuramos identificar, a partir de práticas sociais concretas vivenciadas
pelos alunos do curso, as diferentes manifestações da educação como prática social, considerando sua ocorrência
nos diversos espaços de convívio social e, sobretudo, na escola, onde se estabelece a relação pedagógica
professor-aluno, educador-educando, como relação intersubjetiva, isto é, entre sujeitos sociais.
Na discussão de práticas educativas diferenciadas, foi dado especial destaque à educação de adultos
caracterizando ainda uma experiência alternativa de educação fundamental de crianças, tendo como exemplo o
Movimento dos Sem Terra.
Ressaltamos também a importância de ter clareza sobre a intencionalidade da interação na prática social
educativa, que tem como finalidade básica a construção dos sujeitos, em sua dimensão tanto individual como
social, como agentes da reconstrução do mundo como espaço de vida humana plena.
2 – Em seguida, reconhecendo o valor do conhecimento histórico como base da contextualização da
realidade e seu desvendamento, propusemos um percurso pela história da prática social educativa brasileira,
procurando identificar os elementos formadores das linhas de seu desenvolvimento como experiência da
sociedade. Foram, assim, resgatados:
!
!
!
!
79
a herança de uma pedagogia tradicional, que se instala com a atuação dos jesuítas, cujas características de
definição rígida do currículo, do estabelecimento de metodologias, da configuração de um espaço específico
de atuação pedagógica e da normatização da relação exemplar entre mestre e discípulo se voltam para o
objetivo de formar súditos do Rei e fiéis da Igreja Católica, instalando, com grande rapidez e por longos
dois séculos, um sistema educacional;
a reforma pombalina, sob influência iluminista, que repercute no Brasil como um processo veloz de eliminação
quantitativa de pontos de serviço pedagógico de qualidade no país (fechamento das escolas mantidas pelos
jesuítas e sua expulsão) e como um processo lento de implantação de seus propósitos (renovação de
conteúdos e métodos, favorecendo uma perspectiva mais aberta às ciências experimentais);
o surgimento de novas perspectivas – mais de meio século depois – com um projeto nacional substituindo
o colonial, desde a chegada da Corte ao Brasil, que se transforma em Reino e depois em Império
independente; a educação que se constrói oficialmente, entretanto, se rompe com a dependência ao
colonizador, ao mesmo tempo acentua a dupla tendência de formação de quadros dirigentes e de absoluta
ausência de empenho na educação popular; em lugar de políticas, fatos isolados (escolas de direito, lei do
ensino elementar, fundação do Colégio Pedro II, discussões parlamentares com discursos que culminam
nas importantes – e não executadas – propostas de reforma da educação nacional de Rui Barbosa);
o fato de, apesar de a mudança do regime monárquico para o republicano representar uma ruptura
política, revelar quase nenhuma mudança na educação; desde a reforma de 1891, feita por Benjamin
Constant sob o ideário positivista, um suceder de reformas no âmbito nacional esgota-se em eventos
1
Educação
Atividade de avaliação do módulo
limitados no tempo e no espaço (Capital, capitais); entretanto, no âmbito da sociedade cresce a exigência
por mais e melhor educação, na mesma proporção em que os impactos da industrialização e modernização
se fazem sentir mais fortes, a partir da década de 1920, quando intelectuais brasileiros, alçados a cargos de
dirigentes da educação, promovem em seus estados (e muito mais, em suas capitais) reformas de cunho
modernizador, no espírito do movimento de idéias e ações da Escola Nova, repercutindo suas idéias e
feitos, em 1932, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; começa também a introduzir-se o
processo de definição da educação profissional em geral e, especificamente, na área de Saúde; movimentos
que se confrontam – e muitas vezes são utilizados – com um projeto ditatorial no qual o populismo,
sustentado pelos interesses da oligarquia, reforça o dualismo pedagógico, sistematizando uma educação
brasileira em compartimentos estanques como caminho da elite para as profissões liberais e caminho
popular para as profissões manuais, ainda que exigentes de mão-de-obra mais bem qualificada;
!
!
!
!
a história da redemocratização do país, após a Segunda Guerra Mundial, que se faz no desafio da velocidade
das mudanças no mundo, quando a educação, redefinida em seus objetivos na perspectiva da liberal
democracia inscrita na Constituição de 1946, discute durante 15 anos suas diretrizes e bases, sendo o
confronto entre público e privado o centro de um debate que vai refletir-se em novo manifesto de
intelectuais “mais uma vez convocados” em defesa de uma educação pública, universal, leiga e gratuita,
em 1959;
a inauguração de um longo período autoritário, em 1964, que se opõe ao impulso renovador exigente de
reformas e rico em projetos alternativos de educação popular que ocorria desde 1961; esse período
autoritário, primeiro de fato, depois através de medidas normativas, recentraliza a educação e, com a mais
genuína fidelidade ao tecnicismo economicista, promove uma revisão da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional;
o avanço do processo de redemocratização (embora mantido no modelo da liberal democracia), vinte
anos após o golpe,através das reformas de políticas sociais, conseguindo um bom projeto pedagógico na
Constituição de 1988;
o retrocesso sofrido pela Constituição com o texto final da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 que, não
avançando, deixa espaços para atos normativos do poder executivo, com forte conotação de dualismo
educacional, renovada crença na teoria do capital humano a serviço do mercado, flexibilização do uso do
fundo público para a educação privada.
Em todo o percurso, buscou-se estabelecer relações com o desenvolvimento da formação e da prática
social de saúde no campo da enfermagem.
3 – Retomando a prática social educativa, cujo entendimento se reforçou com a análise da experiência
histórica, foi discutida com mais profundidade a interação social e sua intencionalidade, para identificar no
processo educativo as possibilidades de desenvolvimento de uma consciência social.
Passou-se, então, a caracterizar a atividade de planejamento e sua objetivação em planos e projetos,
como uma forma de explicitar a intencionalidade da interação pedagógica para a construção de ampliação do
entendimento da realidade e de proposição sistematizada de estratégias como possibilidade de intervenções
transformadoras no convívio social.
80
80
Educação: interação e consciência social
Atividade de Avaliação do Módulo
Para que seu tutor possa ir acompanhando sua formação/transformação ao longo deste Curso (educação só acontece quando aquele que se educa realiza sua própria transformação), ao término do estudo de cada
módulo, você deverá realizar uma atividade de avaliação.
Repare que aqui estão apresentadas quatro proposições. Conheça as quatro, mas escolha apenas uma
para desenvolver como atividade avaliativa. Poderá ser aquela em que você se sente mais confiante para demonstrar seus avanços (e também dúvidas, por que não?) neste momento.
Realize a atividade, envie-a ao seu tutor e receba dele os comentários.
1 – Com base no estudo desenvolvido neste módulo, exponha seus referenciais de educação em um
pequeno texto (de duas a quatro páginas), abordando as seguintes questões:
! que significa para você a expressão “a educação é uma prática social” e como você relaciona intenção e
interação a esse entendimento?
! em sua maneira de ver, quais os problemas que se apresentam quando o processo desconsidera a dimensão
sociocultural do aluno?
2 – A exemplo do que fez Paulo Freire, em Cartas a Cristina, escreva para um companheiro(a) docenteenfermeiro(a) como você, refletindo criticamente, em razão da leitura deste módulo, sobre sua prática na saúde
e na educação. Comente, nessa missiva (de duas a quatro páginas) seu pensamento em relação a conceitos aqui
aprendidos.
3 – Leia, com atenção, o texto abaixo, extraído do Manifesto de Educadores, de 1959, que você conheceu ao ler o Tema 2 deste módulo:
(...) Não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o
número de escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe cada vez
mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades.
(...)
... a educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos
acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento. (...) A
escola pública, cujas portas, por ser escola gratuita, se franqueiam a todos sem distinção de classes, de situações, de
raças e de crenças, é, por definição contrária e a única que está em condições de se subtrair a imposições de qualquer
pensamento sectário, político ou religioso. A democratização progressiva de nossa sociedade (e com que dificuldades se
processa ao longo da história republicana) exige pois, não a abolição – o que seria um desatino, – mas o aperfeiçoamento e a transformação constante de nosso sistema de ensino público. (Azevedo e outros,1959).
Com base no estudo desenvolvido no módulo, especialmente no Tema 3, comente em um pequeno
texto (de duas a quatro páginas) o trecho acima, abordando, os seguintes aspectos:
! a importância do planejamento como expressão de uma intencionalidade de uma prática social educativa;
!
considerações fundamentais no planejamento da educação brasileira, hoje, particulamente em relação à
educação dos profissionais da área de Saúde/Enfermagem.
81
1
Educação
Bibliografia de referência
4 – Relate em um texto breve (de duas a quatro páginas) uma experiência (ou um conjunto de experiências) de
prática educativa vivenciada por você ou a que você tenha assistido, seja na escola ou no serviço de saúde, analisandoa/o do ponto de vista da concepção pedagógica e da interação social estabelecida entre os sujeitos do processo.
Observação importante: Para a realização da atividade que você escolher entre as quatro propostas, não
deixe de recorrer, como fonte de consulta, ao seu Diário de Estudo, resgatando as idéias e reflexões anotadas
no transcurso do seu estudo.
82
Educação: interação e consciência social
Bibliografia de referência
A enciclopédia. Trad. Luiza Tito Morais. Lisboa: Editorial Estampa, 1974.
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil
(1500-1889). Trad. Antônio Chizzotti. São Paulo: EDUC/Brasília, INEP/MEC, 1989.
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no
Brasil. Tomo terceiro: A transmissão da cultura. 3a ed. São Paulo: Melhoramentos, 1958.
____________. A transmissão da cultura. Parte terceira da obra A cultura brasileira.
5a ed. São Paulo: Melhoramentos, Brasília: INL, 1976.
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