LÍNGUA DE SINAIS,
SURDOS E EDUCAÇÃO
Organizador
Carlos Henrique Rodrigues
Educação em Foco
Juiz de Fora - MG - Brasil
ISSN 0104-3293
Ed. Foco
Juiz de Fora
v. 19 n. 2 p. 01-242
Julho 2014 / Outubro 2014
Universidade
Federal de Juiz de Fora
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EDUCAÇÃO EM FOCO: revista de educação
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Educação em Foco, v. 19, n. 2, jul / out 2014 Quadrimestral
242 p.
v. 1, n. 1, jan./jun. 1995
Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014
ISSN 0104-3293.
Educação - Periódicos, 2. Ensino - Pedagógico
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Sumário
Apresentação ......................................................................... 9
Eixo Temático
Bilingualism in Deaf People: Children and Adults ............. 17
Robert Hoffmeister
A realidade plurimultilíngue brasileira: língua de sinais e
políticas linguísticas.............................................................. 43
Carlos Henrique Rodrigues
Aquisição de língua de sinais por crianças surdas e sua relação
com o bilinguismo................................................................. 71
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino
Formação de professores de surdos: atitude e
contraconduta...................................................................... 101
Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado
A produção de pesquisa científica como um instrumento na
formação crítico-reflexiva de intérpretes língua brasileira de
sinais e língua portuguesa................................................... 125
Neiva de Aquino Albres
Outras Contribuições
Modernização educacional à mineira: o propósito conservador
da reforma Francisco Campos (1926–1930)...................... 147
Pâmela Faria de Oliveira
Carlos Henrique de Carvalho
Professores e dificuldades de aprendizagem, representações
sociais de desafio e perplexidade........................................ 189
Eloiza da Silva G. Oliveira
Danielle Pereira de Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Resumo das Dissertações
O que vocês fizeram está fora de um padrão aceitável para a
escola: sujeição e práticas de liberdade no cotidiano escolar-da
(in) disciplina ao cuidado de si........................................... 223
WescleyDinali
Currículo, Gênero e Identidade na Formação de Professo­res/as.................................................................................... 225
Kelly da Silva
Judicialização da Educação: a atuação do Ministério Público
como mecanismo de exigibilidade do direito à educação no
município de Juiz de Fora................................................... 227
Rafaela Reis Azevedo de Oliveira
Aprendizagem Obscura: fragmentos arranjados por propo­
sições artísticas ................................................................... 229
Luiz Felipe de Souza Carbogim
Sinfonia#01: Licenciados em Matemática e algumas marcas.. 231
Bruna Dias de Carvalho
Summary
Presentation ........................................................................... 9
Eixo Temático
Bilingualism in Deaf People: children and adults................ 17
Robert Hoffmeister
The brazilian plurimultilingual reality: sign language and
linguistic policies................................................................... 43
Carlos Henrique Rodrigues
Sign Language Acquisition in Deaf Children and its relation
with bilingualism................................................................... 71
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino
Teacher’s training for tutoring deaf students: attitude and
counter-conduct.................................................................. 101
Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado
Scientific research development as a tool for a critical reflective
training of Brazilian Sign Language-Portuguese interpreters.
125
Neiva de Aquino Albres
Other Contributions
Modernizing Education Minas Gerais’ way: the conservative
purpose of Francisco Campos’ reformation (1926-1930)....147
Pâmela Faria de Oliveira
Carlos Henrique de Carvalho
Teachers and learning disabilities, social representation of
challenges and perplexity.................................................... 189
Eloiza da Silva G. Oliveira
Danielle Pereira de Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Apresentação
Língua de sinais, surdos e educação
Atualmente, observarmos o reconhecimento das
Línguas de Sinais em vários países, a consolidação e di­
fusão dos Estudos Surdos (Deaf Studies) e o avanço dos
movimentos surdos, em prol da Educação Bilíngue, como
importantes fatores na ampliação do acesso de surdos
à educação e, por sua vez, ao ensino superior. Com o
reconhecimento da Língua de Sinais dos surdos brasileiros,
por meio da Lei 10.436 de abril de 2002, e com a promulgação
do Decreto 5.626, de dezembro de 2005, emerge, no contexto
brasileiro, a afirmação de uma nova realidade, a qual se
configura por meio de diversas ações sociais e políticas,
visando ao estabelecimento de um processo educacional
fundamentado na centralidade do uso da Língua de Sinais
Brasileira, Libras, como a língua do processo de ensinoaprendizagem das pessoas surdas.
Com essas transformações, os surdos e a surdez,
sujeitos e temática, ignorados por séculos, ou reduzidos ao
campo da saúde passam, de fato, a constituir e a expressar
um ramo específico do saber, o qual tem sido significado e
caracterizado por dimensões e aspectos culturais, sociais,
linguísticos, políticos e pedagógicos, antes improváveis
e impensáveis. Nessa direção, em contraposição à visão
clínico-terapêutica da surdez, configuraram-se, nas úl­
timas décadas do século XX e primeiros anos do XXI, as
concepções sociais e antropológicas da surdez. Ao contrá­
rio da visão clínica, na qual se propõe a medicalização, o
tratamento terapêutico, a reabilitação do surdo; na visão
sócio-antropológica, compreende-se a surdez como uma
experiência visual, ou seja, como uma maneira específica de
se construir a realidade histórica, política, social e cultural.
Esse modelo sócio-antropológico, concebendo
a surdez como diferença e não como mera deficiência,
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junto aos Estudos Linguísticos, que atestam o status das
Línguas de Sinais, tem sustentado a importância da Edu­
cação Bilíngue de/para/com surdos. É relevante dizer
que esse modelo emprega o termo “surdo” para se referir
àqueles que, independentemente do grau da perda auditiva,
reconhecem-se como surdos, na medida em que valorizam
a experiência visual e se apropriam da Língua de Sinais
como meio de comunicação e expressão; reúnem-se com
seus pares e partilham modos de ser, agir e pensar, bem
como uma identidade cultural e certo Deaf Pride, orgulho
em ser surdo, no sentido cultural dado ao termo. Assim, as
pessoas com deficiência auditiva seriam aquelas que rejeitam
a condição da surdez, na medida em que tentam resgatar a
experiência auditiva através de próteses e implantes, não
utilizando a Língua de Sinais e estabelecendo seu único
meio de comunicação por meio da Língua Oral: fala com o
auxílio da leitura labial.
Nesta edição da Revista, considerando a surdez por
meio desse novo olhar, que respeita e reconhece o surdo em
sua diferença e especificidade linguística e cultural, reunimos
importantes reflexões acerca do processo educacional dos
surdos, problematizando aspectos centrais da Educação
Bilíngue, no que se refere ao uso da língua de sinais, ao
ensino do Português como segunda língua, à formação
de profissionais, professores de surdos e intérpretes de
Português-Libras, assim como à atuação de intérpretes no
processo de ensino-aprendizagem dos surdos.
O primeiro artigo, Bilingualism in Deaf People: Children
and Adults, apresentado em inglês, é uma contribuição do
professor Robert Hoffmeister da Universidade de Boston.
O professor discute o que significa ser surdo e ser bilíngue,
evidenciando a centralidade da língua de sinais, como pri­
meira língua, no processo de aprendizagem de uma segun­
da língua pelos surdos. Apresentando as pessoas surdas
como essencialmente visuais, Hoffmeister reflete sobre
as implicações e os impactos de ser surdo e ser bilíngue
e argumenta que é crucial para o aprendizado e para o
desenvolvimento das crianças surdas, que as mesmas sejam
reconhecidas e tratadas como bilíngues. Assim, o professor
deixa claro que devemos considerar as línguas de sinais como
línguas legítimas de instrução e buscar a construção de um
processo educacional capaz de lidar com as especificidades
dos surdos, por meio de modelos culturais e da presença na
educação das crianças surdas dos surdos adultos, falantes
nativos da língua de sinais.
Em A realidade plurimultilíngue brasileira: língua de
sinais e políticas linguísticas, o professor Carlos Henrique
Rodrigues, com base na diversidade e na multiplicidade
das relações linguísticas e culturais no Brasil, tece uma
reflexão sobre as tensões e sobre as contradições que ca­
racterizam nossa realidade plurimultilíngue, em relação ao
mito do monolínguismo brasileiro e às suas implicações
sociais, políticas e ideológicas. Ao tratar do campo das
po­líticas linguísticas, o autor discute as políticas linguísti­
cas brasileiras, que têm os surdos como público alvo e
aponta a necessidade do incentivo à conscientização da
população acerca da realidade plurimultilíngue brasileira,
às ações governamentais em prol do reconhecimento e
da valorização dessa realidade e, por sua vez, à promoção
de um novo espaço de negociações políticas em torno da
língua de sinais.
A seguir, a professora Elidéa Lúcia de Almeida
Bernardino, em Aquisição de Língua de Sinais por crianças
surdas e sua relação com o Bilingüismo, apresenta-nos uma
pesquisa, comparando o desempenho em Libras de surdos
gêmeos de pais ouvintes com outras três crianças surdas,
não irmãs, sendo duas delas filhas de pais ouvintes e uma
filha de surdos. Com o intuito de melhor compreender
a realidade vivenciada pelas crianças surdas, a professora
reflete sobre o processo de aquisição e desenvolvimento
de linguagem por crianças surdas e, também, relaciona tal
processo ao bilinguismo dos surdos. Com base nos dados
de sua pesquisa, ela demonstra a importância de a criança
surda adquirir a língua de sinais e afirma que domínio da
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língua de sinais na aprendizagem do português escrito pelas
crianças surdas é central.
Considerando a realidade vivenciada atualmente pela
educação de surdos no Brasil, a professora Lucyenne Matos
da Costa Vieira-Machado, em Formação de professores de
surdos: atitude e contraconduta, problematiza a formação
de professores que atuam na educação de surdos. Com
o intuito de pensar as práticas e os saberes, em jogo, no
processo de formação desses professores, ela traz à tona
a visão de professores que atuam na educação bilíngue e
discute como essa formação sugere uma atitude muito além
da técnica e da prática. Ela demonstra que a formação dos
professores de surdos implica uma escolha estética ao pensar
nas experiências, nas vivências e nas atitudes que devem ser
tomadas, visto que as mesmas relacionam-se diretamente
aos movimentos surdos e às lutas dessa minoria linguística
e cultural.
Por fim, considerando a formação de intérpretes de
Libras-Português, a professora Neiva de Aquino Albres,
em A produção de pesquisa científica como um instrumento na
formação crítico-reflexiva de intérpretes Língua Brasileira de
Sinais e Língua Portuguesa, apresenta alguns apontamentos
teóricos e práticos para a formação de intérpretes. Ela
reflete sobre o papel da pesquisa científica no processo
de formação, demonstrando que a pesquisa como práxis
pedagógica contribui significativamente para a formação
de um intérprete crítico-reflexivo. Para ela, é essencial que
o intérprete possa, durante sua formação, pesquisar, visto
que a pesquisa, na formação do intérprete, possibilita que
ele compreenda a importância da produção de conhecimento
coletivo e interdisciplinar, assim como as possibilidades de
intervenção na prática social, por meio da pesquisa.
As propostas, as tramas, as perspectivas e os achados
apresentados no decorrer dos textos expressam a valorização
da surdez como diferença, como um fenômeno cultural
que exige um reconhecimento político real, o qual deve se
consolidar em políticas educacionais e linguísticas que, de
fato, considerem a língua de sinais e o lugar do visual na
recepção de informações por parte dos surdos, garantindo
o contato das crianças surdas com outros surdos (adultos
e crianças) e favorecendo, cada vez mais, a participação
consciente dos surdos, na construção de sua educação: a
Educação de Surdos. Educação esta que deve necessariamente
desencadear um consistente processo de construção da
cidadania dos surdos, por meio de sua participação efetiva
na sociedade, na constituição de seu processo educacional
e no estabelecimento de políticas linguísticas que confiram
à Língua de Sinais seu devido status e lugar na sociedade,
dando vez e voz aos surdos.
Carlos Henrique Rodrigues
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Eixo Temático
Bilingualism in deaf
people: children and
adults
Robert J. Hoffmeister, PhD2
If you talk to a man in a language he understands,
that goes to his head. If you talk to him in his
language, that goes to his heart.
Nelson Mandela
Abstract
The purpose of this paper is to discuss Deaf people as
bilingual and look at the question, what does it mean to be
a Deaf person and be bilingual? Support will be provided
to show how Deaf people are bilingual and how their
environment dictates whether they are able to function
normally or if they are ‘unable to communicate’ and
therefore isolated. Therefore, this paper provides evidence
that it is becoming more and more clear that ‘knowing’ a
signed language as an L1 is a critical factor in learning an L2.
Deaf children must be recognized and treated as bilingual
children. Even though there is a modality difference
between a Signed Language and the printed form of a
1
Associate Professor of Education, Department of Literacy, Language,
Counseling and Development, Boston University School of Education
and Director, Center for the Study of Communication & Deafness. Ph.D.,
University of Minnesota (Research Development and Demonstration Center
in Education of Handicapped Children) Emphasis on Psychology, Language
and the Deaf, M. Ed., University of Arizona Emphasis on Education of the
Deaf, B. S., University of Connecticut (Magna Cum Laude), Emphasis on
Mental Retardation, Psychology and Language.
Robert J. Hoffmeister, Ph.D. Center for the Study of Communication and the
Deaf. Boston University. 605 Commonwealth Avenue Boston, MA 02215 (617)
353-3205/5191 (V/TTY) FAX: (617) 353 3292. Mail to 621 Commonwealth
Ave, Ctr for Study of Communication & and the Deaf, Boston, MA 02215
Email: [email protected]
spoken language, the acqusition of a language process is the
same as it is for hearing children. Furthermore, the printed
form is in a modality that is visual and can be accessed by the
Deaf child. This provides the Deaf child with an accessible
model to learn a 2nd language.
Keywords: Deaf. Bilingual. Sign Language. Deaf Child.
Robert Hoffmeister
Purpose of this paper
There are many views of Deaf2 people, however, these
views can be divided into two major categories; pathologi­cal
and cultural. The pathological or medical perspective views
and treats Deaf people as a group with an impairment that
is in need of physical or surgical correction (for example,
cochlear implants or hearing aids). An alternative view sees
Deaf people as a linguistic minority rather than identified
as having a physical disability. The cultural view places Deaf
people in the bilingual category (LANE, HOFFMEISTER,
& BAHAN, 1996). Bilingual people are those who use at
least two languages in their everyday lives. Deaf people
use both sign language and English. The purpose of this
paper is to discuss Deaf people as bilingual and look at
the question, what does it mean to be a Deaf person and be
bilingual? Support will be provided to show how Deaf people
are bilingual and how their environment dictates whether
they are able to function normally or if they are ‘unable to
communicate’ and therefore isolated.
Deaf
children and
Deaf
adults :
‘SEEING’
people
If you identify yourself as culturally Deaf and you
use ASL, you are considered a core member of the Deaf
2
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I use the capital “D” for Deaf not to distinguish those who are referred to as
small ‘d’ deaf. My use of Deaf refers to all people who consider themselves
Deaf and not Hard of Hearing. This designation does not depend on hearing
loss but on cultural identity.
World. The Deaf World, Deaf Community and Deaf culture
are defined within a unique framework. If we are to truly
understand the Deaf World and the notion of ‘bilingual’
that is affiliated with it, we need to look at it from the
Deaf perspective. We need to understand how Deaf adults
live, how they cherish their community, how they see their
bilingual abilities and how they truly understand the best
ways to educate Deaf children from their own perspectives.
If we examine Deaf people from their perspective, we
find that Deaf Culture is based on a Seeing Culture
(HOFFMEISTER & BAHAN, 1991; BAHAN, 2008).
This view will help us see things quite differently (pun
intended). In understanding the term Seeing culture we
can begin to understand how Deaf people function in their
every day lives and how their views on the education of Deaf
children are intimately related. For Deaf people, Seeing is
a positive attribute. SEEING or visual access is a position
of strength from which we are able to build a theory of
functioning and/or a cultural description. Using this frame
of reference will help explain many things, especially how
Deaf people are bilingual.
An intriguing and complex issue in the Deaf World
involves who is and who is not considered “Deaf ”. This status
is not attributed to hearing loss or audiological information
per se. Instead, persons with any level of hearing loss who
learn a signed language and identify with the Deaf World are
considered “Deaf ”. In fact the idea for someone to ‘become
Deaf ’ in Deaf culture is not to lose one’s hearing but to
learn and use a signed language and identify as a member
of the Deaf World (LANE, HOFFMEISTER, & BAHAN,
1996). The Deaf perspective of SEEING is based on the
concept of sameness. All Deaf3 people take advantage of
vision as a way to access the world. A person who is Deaf
and a member of the culture depends on the SEEING way
3
There is a subgroup of Deaf people who are Deaf/Blind. Although this group
may not see, they takes advantage of the Signed Languages physical delivery
and use a tactile method of receiving information
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
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of life. It is logical to understand that the Signed Language
of Deaf people is based on vision/SEEING.
A ‘Seeing” Language is fully accessible to all Deaf
adults and children. Througout history it is clear to see
that Signed Language as a visual language has been used
by Deaf people since the beginning of time. All signed
languages evolved based on visual processing principles
similar to auditory processing principles for spoken lan­
guages (EMMOREY, 2002; BRANSON & MILLER, 2002;
ARMSTRONG, 2008).
Veditz, the president of the NAD in 1910, was the
first to call Deaf people “The people of the eye”. A scientific
fact is that Signed Languages are natural languages adap­ted
and evolved for use by the eye (VL2 Research Brief, May
2011). Deaf people have evolved as a visual culture and
as a result are visually sensitive to the behavior of others
(BAHAN, 2008).
A SEEING culture looks at Deaf children and Deaf
Adults from a bilingual perspective. A signed language is
a visual form of language as it utilizes the hands, face and
body. Print is a visual form of a spoken language. Print is
a visual representation of the language spoken by Hearing
people. Because a signed language and a representation in
print of a spoken language are visual forms both languages
are fully accessible to Deaf children and adults.
Using this frame of reference, many issues can be
explained and more readily understood in terms of the
Deaf World.
Robert Hoffmeister
The standard definition of being Bilingual
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20
Grosjean (1994) challenges the general definition
of what it means to be bilingual. Traditionally, a bilingual
person is one who has command of two languages, a native
language and a non native language. This definition is far
too narrow because the idea of ‘command’ suggests native
fluency and most bilinguals are not really fluent in their 2nd
language. “... we will call bilingual those people who use two
(or more) languages (or dialects) in their everyday lives”
(GROSJEAN, 1994, p. 3). This suggests that a bilingual is
able to use two languages but may only have full command
of their L1. The range of ‘command’ of the L2 may vary
from occasional use to extensive use.
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
... from the migrant worker who speaks with some diffi­
culty the host country’s language (and who cannot read
and write it) all the way to the professional interpreter
who is totally fluent in two languages. In between we find
the foreign spouse who interacts with friends in his first
language, the scientist who reads and writes articles in a
second language (but who rarely speaks it), the member
of a linguistic minority who uses the minority language at
home only and the majority language in all other domains
of life, the deaf person who uses sign language with her
friends but a signed form of the spoken language with a
hearing person, etc (GROSJEAN, 1994, p. 1).
This definition of bilingual will aid us in understanding
how Deaf children and adults are considered bilingual in
the framework of this paper. Deaf children whose hearing
loss prevents them from acquiring spoken English due to
limited acoustic access (this covers a significant portion
of Deaf children in any educational placement from
mainstream to residential school) will be able to access the
function and use of English via print. The use of print as
the L2 for Deaf children/adults is more clearly defined in
HOFFMEISTER, CALDWELL-HARRIS, & KUNTZE,
(2011). Combining both the cultural and functionality
view of bilingualism provides us with the fact that Deaf
people are SEEING people and they regard print as the
representation of the spoken language of a community. This
would be determined to be the L2 of Deaf people. Because
print is fully accessible this would provide a mechanism for
the acquisition of English (the L2 in the US) or any other
L2 represented by the printed form (Portuguese in this
paper). Understanding this as the basis for how a ‘bilingual’
Deaf child should learn, we now turn to educational issues.
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Impact of being Bilingual
Robert Hoffmeister
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22
Implementing a bilingual framework for Deaf chil­
dren in schools today requires that we draw on ideas from
bilingual theories. I believe that the Cummins (1984, 1994)
and Pattison (1980) models are the most appropriate for
understanding bilingualism in Deaf children and adults.
These two researchers present the idea that there are two
forms of a language, the conversational form used for
everyday communication, and the academic form used for
instruction (PATTISON, 1980; CUMMINS, 1984, 1994).
The use of a Bilingual/Bicultural model to educate
Deaf children is gaining prominence as a major instructional
and curriculum framework in some educational settings.
Below we examine some of the core issues in bilingual edu­
cation that are pertinent to the education of Deaf children.
Pattison (1980) discussed the difference between the
language of home/street and the language of school and its
impact on literacy in children. Ironically, his concept of the
division of language knowledge was applied to monolingual,
not bilingual, speakers. It is clear that these concepts are
applicable to how we see language use in schools. He divi­
des the language register we use into two major descriptive
components: the language register that we use in everyday
conversation and the language register that is used in school.
These are quite different from each other. This distinction is
not an explicit part of the curriculum but a major component
of the hidden curriculum that guides the structure of how
information is delivered to students (GIROUX, 1983a;
GIROUX, 1983b, GIROUX & PURPEL, 1983). Students
who do well in school (typically the white, middle, upper
middle class in the US) figure out this register difference.
Less adept students take longer and some never figure out
the instructional requirements that are part of the register.
Pattison’s views also lend credence to why bilingual speakers
have more difficulty in schools in the US or anywhere where
the L2 is used as the primary language of instruction. Using
Pattison’s views, bilingual students must learn 4 language
registers and how and when to use each (the conversational
registers of L1 and L2, and the academic registers of L1
and L2).
Schooling in the US (and most programs educating
Deaf children in the world) generally delivers educational
information monolingually, using the dominant language
of the community (the spoken language). Bilingual Deaf
students are educated in their second language (in written
form) at school, rather than their primary signed language.
While this is traditional, it is not effective for many Deaf
students and has not been found to be greatly productive
for Deaf bilingual students in the US.
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Impact of being Bilingual and deaf
Researching the deaf child as a Bilingual child
Once we recognize the complexity of the signed languages of the world, we can then move on to describe what
is necessary for development and education. Given the
above prologue to Deaf children, we connect all the pieces
by defining Deaf children who are SEEING children as
bilingual children. This suggests that the primary language
for Deaf children is a signed language (ASL in the US) and
the printed representation of the spoken language is the L2
(English in the US, Portuguese in Brazil). Considering Deaf
children and Deaf adults as this type of bilingual allows us
to understand how learning of the L2 can be influenced by
the strength of knowledge of the L1. Presenting the learning
by the Deaf child in this way impacts the discussion around
instruction and the learning of an L2.
In many programs, teachers and other school staff
communicate simutaneously using both a variation of a
signed language and speech. This is commonly referred to
as Total Communication and/or simultaneous communica­
tion. This places Deaf students in a severely compromised
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language learning situation, as they are expected to learn
the spoken language via Sign Language, without having
first acquired fluency in either language. Hearing bilingual
students typically learn the first language from native
speaking models, and the second language from fluent
models (not all may be native). Deaf children are faced
with the task of decoding the signed presentation (which
has components of both a signed language and a spoken
language), and the spoken language (which can only be
partially lipread or heard). The Deaf child is left to figure
out what should be salient in the simultaneous presentation,
what is duplicated, what rules go with the signed portion
and what rules go with the spoken portion. It is therefore
not surprising that Deaf children struggle in school and fall
significantly behind their hearing peers.
If the model for bilingual Deaf children mandates they
learn a signed Language as their L1 and the printed form of
the spoken language of their community/country as their
L2, we are faced with three questions:
A)How Do Deaf children learn a signed language?
B)How Do Deaf children learn a spoken language?
C)How Do Deaf children learn to read?
Robert Hoffmeister
We are faced with the scientific dilemma of how to
explain how these three components of language learning
relate to each other. I believe that for Deaf children the
issue of learning a spoken language-L2, (B) is directly related
to (C) learning how to read and that learning a Signed
Language-L1, (A) is directly related to both (B) and (C)
in a bilingual framework (for a more in depth discusion
of this model of learning in the Deaf child the reader is
referred to HOFFMEISTER, CALDWELL HARRIS, &
KUNTZE, 2011).
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Signed language research in education
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Given what we know about language acquisition and
bilingual education, Deaf children should be viewed as
natural bilinguals; however, they are generally not viewed as
such in the research literature. Statistics, such as the majority
of deaf children having hearing parents, and the emphasis
on using English (or the spoken language of a country) as
the primary and preferred language of instruction, have
resulted in unusual and ineffective educational practices.
For example, the majority of educational and language
learning approaches use some artifically created form of
signing (these forms fall under the generic term Manually
Coded English-MCE) (HOFFMEISTER, 1996; NOVER,
2000). As a result those who lead the education of Deaf
children have avoided valid and scientific studies of how
Deaf children learn a natural Signed Language and its
impact on achievement in school. In fact, some researchers
are even setting up a false discussion suggesting that a
signed language cannot be related to learning how to read
(in our model, learning the L2) because of the modality
differences in ‘signed and spoken languages’ (MAYER &
WELLS, 1996).
In the previous 50 years, many educators (including
researchers) of language learning in Deaf children have
focused on two approaches to examining language learning:
1. how Deaf children learn English using the spoken
language of the Hearing world
2. how Deaf children learn to read using the ‘spoken
language’ of the Hearing world (see Wang, Trezek,
Luckner, & Paul, 2008 and Allen, Clark, del
Guidice, & Koo, 2009 for a recent discussion).
When the idea of using a natural Signed Language
is involved, educators have avoided the natural Signed
Language of the Deaf community and have forced ‘signing’
to follow the spoken language of the Hearing community.
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Even when looking at Signed Language learning in school
related research, it is through a spoken language lens. Within
the education community there is very little discussion of
how an L1 is learned and how it might impact the learning
of an L2 in Deaf children. Essentially this approach is a
denial that a) Deaf children are bilingual learners and b) that
bilingual approaches to learning are viable for Deaf children
and c) the natural Signed Language of the Deaf community
is a viable approach to learning.
My belief is that because the L1 or spoken language
of the majority of the Hearing educators is easily accessible
to them, research and practice have accommodated the
ease of accessibility for the Hearing adults and not for the
Deaf children in their care. Bob Johnson aptly describes
the situation as:
Robert Hoffmeister
The phenomenon I have noticed with great regularity
in discussions of deaf education is this: virtually any
time that we talk about deaf children acquiring a spoken
language (English in the United States) we notice sets
of social constructions and cultural practices which
stand in contradiction to what we can observe through
rational or logical means. And, more importantly, these
constructions survive and thrive in spite of the contra­
diction (JOHNSON, 1998).
Language research on deaf children
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There are a large number of research studies over the
previous 50 years comparing DCDP and DCHP in academic
achievement. This research has included over 2700 Deaf
children with over 675 Deaf children of Deaf parents (see
Table 1). In every study DCDP significantly outperform
DCHP in academic achievement, especially in the area of
reading. As a field we have been unwilling to examine these
studies and contemplate the reasons behind this significant
difference. I would propose that the main difference in
academic achievement is signified by the ‘knowledge’ level
of language in DCDP especially when compared to the
language level in DCHP of the same age. Educators and
educational researchers do not want to further examine what
specific advantages DCDP have. It is ironic that DCDP do
so well since their Deaf parents, on average, have a lower
SES, less education, and less skills in finding resources to
support the reading process than their hearing counterparts.
Educators of the Deaf seem to be seeking answers to the
question of learning in school but are unwilling to examine
some of the deeper issues in DCDP and the advantages they
bring totheir educational settings.
Recently, there has been some research on the rela­
tionship of ASL (L1) knowledge and fluency to the levels
of reading ability in Deaf children. I remind the reader that
‘reading ability’ signifies for us the L2 in Deaf children. Table
2 shows that in 17 studies with over 1200 Deaf children and
with a subset of 349 DCDP, there is a significant relationship
to reading ability in Deaf children. Although approximately
29% of the sample are DCDP, this result also demonstrates
that a large number of DCHP who have high level (fluent)
ASL skills also demonstrate the relationship with reading
scores. This strongly suggests that early fluency in a Signed
Language significantly affects learning in school. It is most
interesting that one study listed above (Daniels, 2004)
looked at Signed Language Learning in Hearing childen of
Hearing Parents and found a decided advantage in reading
placement in those children who learned to use a signed
language. In a study of gestures in Hearing mothers with
Hearing children and with Deaf children, the researchers
found that there was a decided advantage in communi­
cation skills in the children whose parents used gestures
and non verbal means of communication (Manfredi and
Fruggeri, 1978).
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People: children and
adults
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28
684
0.25
5
2
3
26
%
1980’s
1990’s
2000’s
Total
94
56
117
111
11
1970’s
306
5
DCDP
19601’s
# Studies
0.75
2024
289
126
376
657
576
DCHP
2708
383
182
493
768
882
Total
Deaf children’s learning of English appears to
benefit from the attainment of even a moderate
fluency in ASL. DCDP significantly outperformed
DCHP on all tasks.
Signed language development, and ASL narrative
comprehension in particular, correlated positively
with reading comprehension.
Mayberry, et. al.
2003
Strong & Prinz,
1997
DCDP demonstrated a significant linguistic
Geers & Schick,
advantage in both their spoken and signed English
1988
over DCHP.
Found DCDP significantly superior to DHCP in
Corson, 1973
reading, wrinting, math, & sppech-reading.
Significant differences in reading, speech-reading, Stuckless & Birch,
and writing scores in favor of DCDP.
1966
Results
Table 1 – A review of 50 years of research on reading achievement in DCDP & DCDP
Robert Hoffmeister
Adults
5
1
Adults
855
DCHP
Hearing
349
12
1
DCDP
#
Studies
144
1204
Total
used gestures and other non verbal means of
communication”.
“the best parenting was done by mothers who
(1993) reading placement measures.
use of expressive English vocabulary, ... and tested
higher than similar students on Marie M. Clay’s
statistically significant gains in their receptive
English vocabulary, maintained an age appropriate
The findings indicate hearing kindergarten
students receiving ASL instruction made
Early ASL related to higher reading scores.
to reading scores.
Higher ASL scores significantly correlated
Results
Table 2 – DCDP and DCHP: ASL skill level related to reading level
Manfredi&Fruggeri, 1978
Daniels, 2004
Mayberry, & Chamberlain,
2008
Strong &Prinz, 1997
Example
Bilingualism in Deaf
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With these factors in mind, I provide my top 10
reasons why Deaf children of Deaf parents do better.
Robert Hoffmeister
They arrive at school:
1. with an intact language
2. with solid conversational skills
3. more fluent in their L1 than their teachers
4. with an idea of what academic language is all about
5. recognizing that there is an L1 and an L2
6. knowing they are supposed to learn a second
language
7. knowing that access to the second language will
be through print
8. knowing that print is a form of communication
as they see their parents using pagers, TTY’s,
computers, etc. for interaction
9. knowing that there are Deaf and Hearing people
in the world
10. knowing they will still be Deaf as adults
(HOFFMEISTER, 2005).
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30
I submit that these reasons heavily impact Deaf
children’s success in school. These reasons also parallel si­
milar skills in Hearing children. Most hearing children enter
school with conversational skills and beginning literacy
skill; those who do well are comfortable with books and
understand the function of printed language (PEARSON
& FIELDING, 1991: STANOVICH, 2000.). DCDP
also possess highly developed linguistic skills, including
pragmatic fluency. Deaf Children of Hearing Parents
generally have great difficulty in school. It is often quoted
that there is a 4th grade level of reading achieve­ment for the
average Deaf child; this is due to educational barriers rather
than any cognitive or linguistic limitations. If we address the
basic reasons behind these difficulties, we can alter the en­
vironment to support early Signed Langua­ge acquisition in
DCHP. In addition, we must upgrade the Signed Language
skills of all teachers of Deaf children, since they become
critical language models for their Deaf students.
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Variables in promoting language learning in
Deaf children
There is research that suggests that there is a critical
period that affects learning in Deaf children (MAYBERRY,
2007; MAYBERRY, CHEN, WITCHER, & KLEIN, 2011).
The critical period issue calls into question how we provide
‘language’ input through Hearing language models. It is here
that the range of variation in input becomes paramount.
In a series of studies examining knowledge of ASL and
English in DCDP, early learners of ASL, and late learners of
ASL (acquired at 10 + years) found that Deaf adults who
are exposed to a signed language after age 104 do not have
a fully internalized language, and are not fluent in either L1
(ASL) or L2 (English). Deaf adults with Hearing parents
who learned to sign between 3 and 8 years of age were
considered early language learners regardless of linguistic
skills (MAYBERRY, DEL GIUDICE, & LIEBERMAN,
2011; MAYBERRY & LOCK 2003). These results have
serious implications in making decisions about language
input in the early years.
Factors affecting Hearing parents
The research on critical period demonstrates that
a crucial variable for success in school is related to when
Deaf children are exposed to a signed language. If they
are not exposed to a Signed Language very early in their
development it not only affects their learning of the language
but has a huge impact on their learning of content matter
in schools (as demonstrated by the achievement research
discussed above). The impact of becoming fully fluent in a
4
Also see Newport & associates.
31
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Robert Hoffmeister
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language before school begins in order to conquer school
subject matter cannot be stressed enough. We must begin
to recognize that exposure to natural Signed Languages
must become part of the educational structure for Deaf
children. We need to reexamine our thinking regarding the
onset of exposure to a signed language in Hearing parents/
models. These findings raise questions about how educators
make decisions and conduct the business of being both
language models for the Deaf child and being responsible
for teaching content to the Deaf child. Educators are put
in the role of being both teacher and language model.
Since most educators are Hearing, the language model
chosen for instruction will be the spoken language. Even
if signing is added as in the sim-com models of today, the
basic thrust for instruction is to use the spoken language
as the preferred language.
Hearing parents should be the main language models
for their children. However, in the case of the Deaf child,
Hearing parents are at a disadvantage. Hearing parents are
expected to simultaneously learn a signed language and be a
model for their child while the child is also acquiring a sign
language. Deaf children are expected to learn sign language
from their Hearing parents. These two statements create a
dilemma for educators of the Deaf. That is Hearing parents
are learning the language of their child over the same time
period as the Deaf child is acquiring their language. No
other FIRST language in the world is learned this way. In
addition the use of a signed spoken language (MCE) has not
been theoretically supported (JOHNSON, 1998). We have
established a set of beliefs that we believe to be true but have
avoided researching their efficacy: Hearing educators believe
that adapting the Signed Language of a country for Hearing
users, as in the case of the artificial ‘signed systems’, can be
useful as a language model for Deaf children. Parents who
are most vulnerable fall to these beliefs. Parents, Hearing
or Deaf are most critical to the acquisition of language in
the Deaf child and the process must begin when they are
very young (hopefully at time of identification). This is
possible now that early hearing detection is becoming more
and more available.
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Factors affecting the Deaf child
A major factor that has not been researched and
contributes to language learning and ultimately to success
in schools is that the Deaf child (in most cases) will
quickly surpass their Hearing parents’ skill and knowledge
in a natural Signed Language. It does not matter whether
Hearing parents are learning an MCE system or a natural
Signed Language (HOFFMEISTER, 1996). It is essential
to consider that parents are learning either the MCE system
or the Signed Language at the same time as their child.
In addition, many Deaf children in their early schooling
may well surpass the level of signed language fluency and
knowledge of their Hearing teachers.
How does this model of language learning impact the
Deaf child’s knowledge of a signed language and learning
in school? We know by observation and statements that
Hearing professionals in schools and medical clinics will
accept any kind of ‘signing’ by young Deaf children as
correct, if they understand what the child is trying to say.
We have no information as to the sophistication and fluency
level of the average teacher of the Deaf. We do know that
many times Hearing teachers will ask their students what the
sign for X is. We do not know how sophisticated and fluent
the signed language of the Deaf student really is! Once the
Deaf child surpasses their language models we enter into a
phase that creates a problem with both the conversational
(BICS) and the academic (CALP) nature of the language
presented to the Deaf child. We have some insight into the
academic language knowledge of the Deaf child since there
has been very little change in the academic achievement
levels of Deaf children over the past 40 years.
There are some significant questions still remaining.
The Language Bio-program Hypothesis put forth in
33
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the 1980’s (BICKERTON, 1981) raises some important
questions. For example, how much variation in the input
significantly affects the output? How much affects learning
and or acquiring an L2? How impoverished can the adult
model be and still be effective for the Deaf child to learn (a
Signed Language)? This is another way of asking how badly
can hearing teachers use of a Signed Language be and still be
effective for the Deaf child? How distorted can the speech
input be and still be effective for the Deaf child? To date we
have looked at the issues of impoverishment around speech
input but avoided examining the signed language input.
We need to answer these very important questions raised
by Bickerton’s (1981) Language bio-program hypothesis.
Robert Hoffmeister
The quality of the input: SEEING Models
One possible remedy to the variation in input is to
modify the environment so that the Signed Language used
by native signers is applied to the education system. Schools
could hire Signed Language fluent Deaf adults to work with
teachers in the classrooms and parents at home. Deaf adults
fluent in Signed Language can function as models for young
Deaf children and for Hearing parents. Deaf adults can be
a significant resource as language models for both Deaf
children and Hearing parents. This model of schooling for
Deaf children has not received the attention it deserves.
We have attempted to do this in our ASL Models Program.
The ASL Models Program
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As part of our research and consultation with schools
we have implemented what we refer to as the ASL Models
Program (HOFFMEISTER, GREENWALD, CZUBEK,
& DIPERRI, 2003; HOFFMEISTER, GREENWALD,
& CZUBEK, 2010), Deaf adults from the community
who are fluent in Signed Language are trained to work
with Hearing teachers in the classroom as co-teachers,
and language facilitators. They function as both direct
teaching models for Deaf children and as support for
Hearing teachers. We have found this to have a significant
impact on Signed Language fluency for Deaf students
and their Hearing teachers. In addition, there was also
an impact on academic achievment on the Deaf students.
The Hearing teachers working with an ASL model are
afforded the opportunity to see how concepts are signed
and to see the signed vocabulary used in the presentation
of content. We found that there was less pressure on the
Hearing teacher to know how to present information in
an appropriate and accurate signing register which enables
them to concentrate on the task at hand teaching! Teachers
commented that they could teach and not have to worry
about language use and accessibility. Reducing this burden
freed up the teachers to increase the level of information
complexity in their daily lessons. Furthermore, teachers
found themselves increasing the pace of teaching which
resulted in presenting more content. The Hearing tea­
chers actually improved in their signing and significantly
raised their expectations of Deaf children, and increased
the amount of information presented (HOFFMEISTER,
CZUBEK, & GREENWALD, 2007).
Deaf adults (ASL models) also worked with Hearing
parents in their homes on a regular basis. Hearing parents
reported that they feel more comfortable with their Deaf
child and less worried about the future after working with
the ASL Models. In addition, Hearing parents report they
have improved in their fluency because they have acquired
the language in a comfortable and natural setting from a
fluent model (HOFFMEISTER & SHETTLE, 1982).
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Summary
The information above provides evidence that it is
becoming more and more clear that ‘knowing’ a signed
language as an L1 is a critical factor in learning an L2.
Deaf children must be recognized and treated as bilingual
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children. Even though there is a modality difference between
a Signed Language and the printed form of a spoken
language, the acqusition of a language process is the same as
it is for hearing children. The printed form is in a modality
that is visual and can be accessed by the Deaf child. This
provides the Deaf child with an accessible model to learn
a 2nd language. If visual accessiblity is fully implemented
then what follows is that if conversational language levels
and academic language knowledge are important for success
in schools for hearing students, as presented by Cummins
(1979; 2005) and Pattison (1980), it should also be true for
Deaf children.
There are a number of research questions still unans­
wered. My intention in writing this article was to begin to
offer some solutions and also raise some questions that
need to be researched and answered. We must look at Signed
Languages as legitimate languages of instruction. Until we
treat Signed Languages with the same respect we afford
spoken languages in schools and programs serving Deaf
children we will not solve the dismal achievement levels
that current schools provide for Deaf children.
There are viable solutions to improving the sad state
of Deaf education if we are willing to establish EQUAL
partnerships with the Deaf adults of the community. In­
cluding native linguistic and cultural models in classrooms
we can increase language and educational successes in
our Deaf children. After all, when we are faced with any
dilemma, don’t we go immediately to the experts? In Deaf
education, our experts are often the Deaf adults who have
gone through and thrived in a system that is often failing
our Deaf children. We need their input, their linguistic
expertise and their innate understanding of how Deaf
children best learn.
Robert Hoffmeister
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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40
O Bilinguismo
em pessoas surdas: crianças e
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
adultos
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir os Surdos como bilíngues
e examinar a seguinte questão: o que significa ser Surdo
e ser bilíngue? Fundamentos serão fornecidos para
demonstrar o quão os Surdos são bilíngues e o quanto
seu ambiente determina se eles serão hábeis para viverem
naturalmente ou se serão “incapazes de se comunicar” e,
portanto, isolados. Assim, este trabalho fornece evidências,
que se tornam cada vez mais claras, de que ‘saber’ uma
língua de sinais como uma L1 é um fator crítico para a
aprendizagem de uma L2. As crianças surdas devem ser
reconhecidas e tratadas como crianças bilíngües. Mesmo
que haja uma diferença de modalidade entre uma Língua de
Sinais e a forma escrita de uma língua oral, o processo de
aquisição de linguagem é o mesmo das crianças ouvintes.
Além disso, a forma escrita está em uma modalidade que
é visual e que pode ser acessada pela criança surda. Isso
proporciona a criança surda um modelo acessível para o
aprendizado de uma segunda língua.
Palavras-chave: Surdo. Bilíngue. Língua de Sinais. Criança
surda.
Data de recebimento: junho 2013
Data de aceite: setembro 2013
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A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de sinais
e políticas linguísticas
Carlos Henrique Rodrigues*
Resumo
Considerando a diversidade e a multiplicidades das re­
lações linguísticas e culturais no Brasil, refletimos sobre
as tensões e as contradições que caracterizam nossa rea­
lidade plurimultilíngue. Após uma breve apresentação de
aspectos relacionados à formação do povo brasileiro e à
busca pela construção de uma nação unificada linguística
e culturalmente, problematizamos fatores relacionados
à visão do Brasil como monolíngue e apontamos suas
implicações sociais, políticas e ideológicas. Com isso,
trazemos para o debate o campo das políticas linguísticas,
com destaque para aquelas voltadas aos surdos, mais
especificamente para o Decreto 5.626/2005. Por meio do
Movimento Surdo Contemporâneo, temos a denúncia da
exclusão social e educacional vivenciada por minorias e
por grupos desprestigiados por sua diferença linguística e
cultural; a promoção de um novo espaço de negociações
políticas em torno da língua de sinais e, por sua vez, o
incentivo à construção da consciência de nossa realidade
plurimultilíngue.
Palavras-chave: Libras. Decreto 5.626. Política linguística.
Plurimultilíngue.
*
Doutor em Linguística Aplicada pela UFMG. E-mail carlos.rodrigues@ufjf.
edu.br Contato telefônico 32 2102-3667/ 91369247 Endereço Rua Francisco
Vaz de Magalhães, 790, apto 302, Cascatinha, Juiz de Fora, Minas Gerais. CEP:
36.033-340.
Introdução
Carlos Henrique
Rodrigues
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 43-69
jul. 2014 / out. 2014
44
Os territórios das relações linguísticas e culturais
no Brasil são múltiplos e multifacetados e se caracterizam
como espaços de lutas, de tensões e de contradições nem
sempre óbvias ou manifestas. Entretanto, não são as línguas
que estão em embate, mas, sim, questões sociais, culturais,
ideológicas, políticas e étnicas atreladas a elas. Na maioria
dos casos, os falantes de diversas línguas minoritárias
opõem-se à colonização e à dominação linguísticas que vêm
sendo historicamente sustentadas e socialmente mantidas
pelos governos. Desde a chegada dos portugueses ao Brasil,
vemos um processo de transformação cultural e linguística
que abarca estratégias de contato, mecanismos de dominação
e táticas de enfrentamento que, pouco a pouco, alteram as
configurações da colônia, a ressignificam e a reconstroem.
Diversas crenças, mitos e preconceitos, que permeiam
o imaginário social e as representações ideológicas sobre
as línguas, são responsáveis por nossas ações e reações
em relação ao que definimos como sendo nossas línguas e
línguas dos outros. Vemos, portanto, que as maneiras como
as línguas circulam socialmente estão diretamente vinculadas
à posição que ocupam e ao tratamento que recebem, visto
que “o estabelecimento de regras para a efetiva utilização
de uma língua ou para o silenciamento de outra organiza
simultaneamente os espaços institucionais por onde as
línguas circulam e o modo como elas circulam” (MARIANI,
2004, p. 44). Assim, o campo das políticas linguísticas é um
território de enfretamento político e de tencionamento das
relações de poder.
As conquistas logradas nesse campo trazem novas
questões e ressignificam antigos debates que, cada vez mais,
evidenciam a necessidade e a urgência de refletirmos e de
repensarmos as relações que estabelecemos com as diversas
línguas faladas em nosso país. Para Calvet (2007, p. 157),
“[...] as políticas linguísticas existem para nos recordar, em
caso de dúvida, os laços estreitos entre línguas e socieda­
des”. Portanto, é importante que tenhamos consciência da
realidade plurimultilíngue e plurimulticultural1 de nosso
país e da relevância de reconhecermos, de respeitarmos e de
valorizarmos a diversidade que nos constitui como nação
brasileira.
Falar
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
português e ser brasileiro : fusões e
confusões
A formação do povo brasileiro caracteriza-se por al­
gumas matrizes distintas (portugueses, negros, índios), as
quais, pouco a pouco, vão confluindo e dando forma ao que
passa a ser reconhecido como um novo povo: conformado
e, ao mesmo tempo, singular em relação às suas origens
(RIBEIRO, 1995). Entretanto, é importante lembrar que
essas matrizes não são uniformes ou homogêneas, visto
que eram vários os grupos nativos e que, também, são de
diversas origens os afrodescendentes trazidos para a colônia
portuguesa e os imigrantes que passam a viver aqui. Com tal
diversidade, emergem diferentes políticas de padronização,
de homogeneização e de normatização acompanhadas
pela manutenção, pela resistência e, também, pela defesa e
afirmação das diferenças.
Vemos que a constituição do povo brasileiro é mar­
cada por diversas tensões e embates políticos, culturais,
linguísticos, religiosos e ideológicos, por exemplo, que
trazem à tona a diversidade linguística e cultural presentes
nas terras dos Brasis2. Esse campo de enfretamento é esta­
belecido com o olhar do colonizador sobre as diferenças
linguísticas e culturais encontradas, as quais passam a ser
tratadas por meio de ações diversas que visam minimizar,
1
2
O emprego dos afixos latinos “pluri” e “multi”, justapostos em uma mesma
palavra, tem a finalidade de enfatizar a diversidade brasileira, evocando
as muitas, várias, múltiplas e plurais realidades entrelaçadas, dinâmicas e
sobrepostas de nosso cotidiano, as quais se articulam e integram mutuamente, a
despeito de singularidades linguísticas e culturais. Além disso, o nosso “multi”
é, em si mesmo, “pluri” e o nosso “pluri” incorpora o “multi”.
Uso o plural “Brasis” para marcar o fato de que são vários os olhares sobre o
novo mundo que se apresenta das mais variadas formas e pelos mais diversos
vieses teóricos, políticos, ideológicos. Enfim, somos muitos e diferentes.
45
Educ. foco, Juiz de Fora,
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ou eliminar, os problemas de comunicação e de relação com
os nativos. Desde então, processos de uniformização e de
domesticação da diversidade linguística e cultural começam
a ganhar espaço e a estabelecer mecanismos de controle dos
usos e das práticas linguísticas no território brasileiro.
Nessa gênese brasileira, temos a formação de uma
visão homogeneizadora, no sentido de que o Brasil vai, de
certa forma, sendo concebido e almejado enquanto uma
nação unificada: um intenso processo de nacionalização.
Assim, é possível observar tentativas políticas, ideológicas
e discursivas de destacar a unidade brasileira em detrimento
da diversidade que a caracteriza e que a constitui, ou seja,
observamos diversas ações confundindo unidade com
uniformização, com silenciamento e com apagamento das
diferenças, pois “para a metrópole portuguesa, o exercício
de uma política unitária de imposição da língua representava
a possibilidade de domesticação e absorção das diferenças
de povos e culturas indígenas que se encontravam fora dos
parâmetros do que se entendia como civilização na época”
(MARIANI, 2003, p. 76).
Portanto, diante da grande diversidade linguística dos
nativos, buscou-se uma unificação, tanto pela imposição do
português quanto da língua geral/brasílica. Nesse sentido,
estabeleceram-se ações diversas com vistas ao “alcance”
das comunidades indígenas. Assim, a incorporação e o uso
de uma língua nativa representa uma tática colonizadora
que visa diluir e suprimir a diversidade linguística de forma
impositiva, visto que “práticas enunciativas em ambiente
multilíngue passam a ser reguladas pela língua geral, língua
que rouba o espaço enunciativo das outras línguas indígenas”
(HONÓRIO, 2000, p. 122). Segundo Orlandi,
Carlos Henrique
Rodrigues
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46
“Os portugueses descobriram o Brasil”. Daí se infere que
nossos antepassados são os portugueses e o Brasil era apenas
uma extensão de terra. “Havia” selvagens arredios que
faziam parte da terra e que, “descobertos”, foram objeto da
catequese. São, desde o começo, o alvo de um apagamento,
não constituem nada em si. Esse é o seu estatuto histórico
“transparente”: não constam. Há uma ruptura histórica
pela qual se passa do índio para o brasileiro através de um
“salto” (2008, p. 66).
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
Esse apagamento de feições da origem brasileira con­
tribui significativamente para que, no senso comum, circule,
atualmente de maneira espontânea, a pseudoequiparação
entre o fato de ser brasileiro e o de se falar português, por
exemplo. Esses dois aspectos distintos e não necessaria­
men­te relacionados são, por diversas vezes, justapostos
e reduzidos a uma relação necessária de igualdade: ser
brasileiro é falar português. Entretanto, precisamos con­
siderar que nos limites geográficos do país, desde os pri­
meiros olhares europeus,encontramos uma diversidade
significativa de comunidades linguísticas e culturais, as
quais falam outras línguas que não o português. Conforme
Oliveira (2009, p. 20),
no Brasil de hoje são falados por volta de 215 idiomas.
Asnações indígenas do país falam cerca de 180 línguas
(chamadas de autóctones), e as comunidades de
descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas
de línguas alóctones). Some-se a estas ainda as línguas de
sinais, com destaque para LIBRAS, língua brasileira de
sinais, e para línguas afro-brasileiras ainda usadas nos quase
mil quilombos oficialmente reconhecidos no Brasil.
Historicamente, observamos que a dinâmica assumi­
da pelas perspectivas políticas brasileiras encarregou-se
por produzir e por inculcar socialmente a infundada ideia
de que, no Brasil, fala-se unicamente o português e um
“único português”. Essa concepção foi valorizada em
detrimento de todas as demais línguas também brasileiras.
Para termos ideia da potência de tal glotocídio, estima-se
que cerca de 1200 diferentes línguas eram faladas pelos
nativos brasileiros, nos tempos em que aqui chegaram os
portugueses (RODRIGUES, 2005). Portanto, o Brasil é
essencialmente um país plurimultilíngue e, por conseguinte,
plurimulticultural. Entretanto, ressalta Rodrigues (2005,
p. 36) que
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a redução de 1200 para 180 línguas indígenas nos últimos
500 anos foi o efeito de um processo colonizador extrema­
mente violento e continuado, o qual ainda perdura, não
tendo sido interrompido nem com a independência política
do país no início do século XIX, nem com a instauração do
regime republicano no final desse mesmo século, nem ainda
com a promulgação da “Constituição Cidadã” de 1988.
Carlos Henrique
Rodrigues
Durante a construção da nação brasileira, o governo
incumbiu-se de reduzir o número de línguas faladas em seu
território, substituindo-as, gradativamente, pelo português.
Esse processo de negação da diversidade linguística conduz,
necessariamente, ao glotocídio e à invisibilização de línguas
que, por diversos motivos, são socialmente rejeitadas ou
preteridas (HAMEL, 1988).“No caso da colonização lin­
guística brasileira, tanto a metrópole portuguesa quanto a
Igreja Católica vão formular ações político-administrativopedagógicas objetivando uma estabilidade linguística ima­
ginária: uma só língua, uma só nação, uma só produção de
sentidos” (MARIANI, 2003, p. 78).
É possível, inclusive, observar uma série de políticas
linguísticas, de caráter homogeneizador, que preconizaram
o estabelecimento do português como língua nacional em
detrimento das demais: o Diretório dos Índios (1758)3 e as
ações de nacionalização do Governo Vargas (1937-1945),
são exemplos dessas políticas autoritárias e repressoras
com vistas ao deslocamento linguístico. Mariani (2003, p. 76)
relata-nos o objetivo monolíngue, presente desde a cons­
tituição do Brasil; segundo ela,
é importante lembrar que essa língua brasílica foi a língua
eleita como geral pelos jesuítas e, apesar da diversidade
de línguas indígenas existente, os esforços de gramatização centraram-se fundamentalmente nela. Tanto no caso da
coroa portuguesa como no caso da igreja, uma única língua,
ou a portuguesa ou a brasílica, era convocada para diluir a
3
Educ. foco, Juiz de Fora,
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48
Além de diversas ações políticas e sociais, o Diretório instituiu o ensino do
português nas escolas e a proibição de uso da língua geral/brasílica e das outras
línguas indígenasbrasileiras. Entretanto, sabemos que a resistência dos grupos
indígenas perdura de maneira intensa até o século XIX, quando as línguas
indígenas vão cedendo lugar, gradativamente, ao português (SILVA, 1985).
diversidade e civilizar os índios. Seja como for, em ambos
os casos o objetivo era o mesmo: inscrever o índio como
um sujeito colonizado cristão e vassalo de El-Rei a partir
do aprendizado e utilização de uma só língua. Os efeitos
produzidos em função da adoção de uma ou outra língua,
porém, é que resultam diferentes.
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
Com todo esse movimento em prol da uniformização
linguística, a construção da noção de que “ser brasileiro” é
“falar português” foi, aos poucos, ganhando consistência
no imaginário nacional. Historicamente, o ser brasileiro
foi-se constituindo de maneira oposta ao ser índio, ao ser
estrangeiro e, inclusive, ao ser português, e, portanto, cen­
trando-se numa busca por uniformidade linguística nacional
e não somente por uma unidade da nação. Segundo Oliveira
(2009, p. 24),
a História nos mostra que poderíamos ter sido um país ainda
muito mais plurilíngue, não fossem as repetidas investidas
do Estado (e das instituições aliadas, ou ainda a omissão de
grande parte dos intelectuais) contra a diversidade cultural
e lingüística. Essa mesma História nos mostra, entretanto,
que não fomos apenas um país multicultural e plurilíngue:
somos um país pluricultural e multilíngue, não só pela atual
diversidade de línguas faladas no território, mas ainda pela
grande diversidade interna da língua portuguesa aqui falada,
obscurecida por outro preconceito, o de que o português é
uma língua sem dialetos.
Percebemos, portanto, que diversas tensões, contra­
dições e preconceitos manifestaram-se nas lutas por espaços
sociais e políticos, durante o processo de colonização e de
construção da necessidade de certa padronização linguística
nacional. Segundo Mariani (2003, p. 77),
ao se impor a língua portuguesa para os índios, está se
impondo também uma língua com uma memória outra: a
do português cristão submisso ao rei. Ensinar português
aos índios objetivando a catequese é silenciar a língua
e a memória de outros povos. Mas ensinar língua geral
é também silenciar a língua portuguesa. Nos silêncios
impostos pela colonização, a imposição de uma língua
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camufla a heterogeneidade lingüística e contribui para a
construção de um efeito homogeneizador que repercute
ainda hoje no modo como se concebe a língua nacional
no Brasil.
Carlos Henrique
Rodrigues
Com o tempo, essa vinculação entre ser brasileiro e
falar o português contribuiu com o fortalecimento do mito
de que o Brasil é um país monolíngue e excluiu, no campo
político e discursivo, importantes grupos linguísticos e
culturais brasileiros.
O mito do monolinguismo brasileiro
O mito do monolinguismo brasileiro (OLIVEIRA,
2000), historicamente estabelecido, sustenta-se ideolo­
gicamente por uma vertente política que compreende que
a unidade nacional só se realizaria numa base unilíngue, a
qual permitiria que todos brasileiros se compreendessem
e, portanto, convivessem em paz e amizade. Para Faraco
(2004, p. 14),
se o lado positivo desse discurso dá sustento, quando
necessário, até a arroubos nacionalistas, seu lado negativo
motiva, em geral, pesados preconceitos lingüísticos. Assim,
no discurso corrente, o português é fator de unidade e
orgulho, bem como de desdém e exclusão. Se é fator de
unidade, é também fator de segregação.
As bases desse mito estão, não somente na busca po­
lítico-ideológica por unidade nacional, mas, também, no
fato de o bilinguismo estar atrelado às línguas de prestígio
e à opção do indivíduo por ele (CAVALCANTI, 1999).
Assim, as minorias linguísticas em situação de bilinguismo
são desconsideradas, silenciadas e ignoradas. Bagno e Rangel
(2005, p. 77) ressaltam que
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50
a história da formação da sociedade brasileira revela
o empenho constante, por parte das camadas sociais
dominantes, de criar a imagem de um país monolíngue,
onde todos os habitantes se entendem perfeitamente e
vivem, por isso, em total harmonia. O mito da língua única,
para se constituir, exigiu ao longo da história uma política
lingüística essencialmente autoritária, consubstanciada em
medidas repressoras […].
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
Nesse sentido, a naturalização do monolinguismo,
historicamente forjada e imposta, faz com que a população,
muitas vezes, trate as situações e os contextos multilíngues
como incomuns e artificiais.
Vale ressaltar que, segundo dados da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), temos, aproximadamente,seis mil línguas
existentes no mundo. Esse número, muito superior ao total
de países que temos hoje, evidencia e atesta que a maioria
dos países não é, nem tem como ser monolíngue. Portanto,
o comum é a presença do plurimultilinguismo em quase
todos os países do mundo. Entretanto, segundo o Atlas
das Línguas em Perigo, a diversidade linguística mundial
encontra-se ameaçada e se estima que 43% das línguas
faladas atualmente estão, por conseguinte, em perigo de
extinção4 (MONSELEY, 2010).
De acordo com os dados apresentados no Atlas, tería­
mos 190 línguas indígenas em perigo no Brasil. Entretanto,
muitos brasileiros ignoram a diversidade linguística do país
e desconhecem o risco de extinção de várias das línguas
brasileiras. Como já mencionado, esse desconhecimento está
atrelado ao fato de que os falantes dessas línguas são des­
prestigiados social e politicamente e, portanto, sofrem certo
apagamento social. Isso faz com que uma significativa parcela
da população brasileira permaneça ignorante e indiferente à
realidade linguística do país, mesmo porque,
enquanto língua oficial e língua nacional do Brasil, o
português é uma língua de uso em todo o território
brasileiro, sendo também a língua dos atos oficiais, da lei,
a língua da escola e que convive, na extensão do território
brasileiro, com um grande conjunto de outras línguas
4
Confira em: Visão geral da vitalidade das línguas do mundo: <http://www.
unesco.org/culture/languages-atlas/index.php>.
51
Educ. foco, Juiz de Fora,
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(de um lado as línguas indígenas e de outro as línguas de
imigrantes). Por outro lado, enquanto língua nacional, o
português é significado como a língua materna de todos
os brasileiros, mesmo que um bom número de brasileiros
tenham como língua materna outras línguas, ou indígenas
ou de imigrantes (GUIMARÃES, 2005, p. 25).
Carlos Henrique
Rodrigues
Cavalcanti destaca que o mito do monolinguismo “é
eficaz para apagar as minorias, isto é, as nações indígenas,
as comunidades imigrantes e, por extensão, as maiorias
tratadas como minorias, ou seja, as comunidades falantes de
variedades desprestigiadas do português” (1999, p. 387). A
despeito de tal apagamento, vemos a permanência de uma
parcela significativa de línguas indígenas até hoje (cerca de
15% das línguas existentes no Brasil quinhentista), fato que
evidencia, não somente a diversidade linguística brasileira,
mas, principalmente, marca a resistência e o enfrentamento
dos muitos grupos indígenas, por exemplo, às ações colo­
nizadoras que buscaram seu silenciamento e supressão.
Por fim, embora na mentalidade coletiva nacional ainda
se sustente a ideia de que o Brasil é monolíngue (BAGNO,
1999), os dados sobre a nossa diversidade linguística e cul­
tural fragilizam o mito do monolinguismo e trazem para o
debate a urgência e a importância de políticas linguísticas
capazes de promover a conscientização da população, acer­
ca do cará­ter plurimultilíngue e plurimulticultural do país.
Vale destacar que esse caráter múltiplo e plural revela-se
em contextos diversos e complexos, os quais agregam, não
somente diferentes lín­guas, mas, também, suas muitas varia­
çõeshistóricas, regionais, sociais e estilísticas, por exemplo.
P olí t ica L inguís t ica
Linguístico
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52
e
P lane j a m en t o
É importante considerar que, muitas vezes, os termos
políticalinguística (language policy) e planejamentolinguís­
tico (languageplanning) são empregados como sinônimos
(COOPER, 1989). Entretanto, alguns autores conside­
ram que tais termos diferem-se significativamente entre si.
Nesse sentido, pode-se afirmar, de forma simples, que a
política linguística diz respeito às decisões do Estado sobre
as línguas e a sociedade e que o planejamento linguístico, por
sua vez, refere-se à implementação das políticas linguísticas
(CALVET, 2007).
Enquanto a política linguística teria um caráter basi­
camente estatal-legislativo atrelado, sobretudo, à “ofi­
cialização de línguas, a escolha de alfabeto para a repre­­
sentação gráfica de uma língua, a hierarquização formal
das línguas (línguas de trabalho, oficiais, nacionais, por
exemplo), entre outros”, o planejamento linguístico se concentraria na “implementação das decisões sobre a língua através
de estratégias (políticas), como as políticas educacionais,
com vistas a influenciar o comportamento dos sujeitos em
relação à aquisição e uso dos códigos linguísticos” (SEVERO,
2013, p. 451-2). Entretanto, preci­samos considerar que esses
conceitos não são tão simples e envolvem uma diversida­
de de significações e compreensões, não sendo, portanto,
uniformes.
Ao abordar diferentes definições de política linguística/
planejamento linguístico, Cooper (1989, p. 31, grifos do autor)
destaca a importância de se considerar “quem planeja o que
para quem e como?”. O destaque desses quatro aspectos,
constituidores das definições e das abordagens das políticas
linguísticas, permite-nos, também, entender que o caráter
da política ou do planejamento linguístico pode se distinguir
em relação à sua autoria, ao seu foco, à sua destinação e à
sua realização.
Nesse sentido, o autor alerta sobre o risco de se res­
tringir a autoria da política/planejamento às instituições
oficiais, excluindo, assim, as ações de indivíduos que
levantaram tais questões antes mesmo de o governo as re­
conhecer e as assumir. Ele também chama atenção para o
foco de intenção da política/planejamento, já que o mesmo
pode concentrar-se tanto em ações de planejamento de corpus
(documentação e descrição da língua, questões relativas à
“forma”) quanto em planejamento de status (reconhecimento
governamental e estabelecimento da posição de uma língua
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
53
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em relação às outras: difusão, normatização, uso, etc.; ques­
tões relativas à “função”).5
Além desses aspectos, temos a destinação da política/
planejamento, ou seja, a definição de quem seria o público
alvo das intervenções e de qual seria o alcance das ações em
termos de seus participantes; e, também, a maneira pela
qual se efetiva a política/planejamento no que concerne às
suas vias de realização. As maneiras por meio das quais se
efetivam as ações decorrentes da política e do planejamento
linguísticos são diversas e variam conforme sua finalidade,
seus participantes, seu caráter e seu alcance. Nesse sentido, o
como as políticas e os planejamentos linguísticos se realizam
é um aspecto complexo e demasiadamente diverso, visto que
envolve uma série de variáveis e de possibilidades que vão,
desde as primeiras ações de construção, até as intervenções
que concretizam a política e o planejamento linguísticos.
Como a política linguística possui um caráter trans­
formador – sua intervenção modifica tanto a expe­riência
coletiva quanto a individual, construindo novos mecanismos
de relação com as línguas e com as culturas que envolvem
a comunidade – é de suma importância que os governos as
estabeleçam com o propósito de balizar e de estimular uma
relação de profícua convivência entre as muitas línguas e
comunidades linguísticas em nosso país, definindo o papel,
os usos, as funções e os espaços das línguas na socieda­
de. Além disso, as políticas linguísticas podem favorecer o
Carlos Henrique
Rodrigues
5
Educ. foco, Juiz de Fora,
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54
“[…] planejamento de corpus (codificação, elaboração de alfabetos,
gramatização, sistematização do léxico, manuais literários, entre outros),
planejamento do status (designações e usos da língua pautadas por leis
e decretos), planejamento das formas de aquisição (políticas de ensino e
aprendizagem das línguas), planejamento de usos (políticas de divulgação e
uso das línguas) e planejamento de prestígio (avaliação dos usos linguísticos).
Os dois primeiros planejamentos foram tratados por Kloss (1967), o terceiro
foi adicionado por Cooper (1989) e o último foi proposto por Baker (2003)
[…] Além daqueles cinco planejamentos, Bianco (2004) sugere a incorporação
de um sexto: o planejamento discursivo, encarregado de lidar com o trabalho
ideológico das instituições, mídia, discursos de autoridade, entre outros, na
produção e circulação de crenças sobre as línguas, o que afeta diretamente os
usos linguísticos. Este nível, contudo, parece se aproximar do planejamento de
prestígio, sendo que o autor não esclarece a diferença entre ambos” (SEVERO,
2013, p. 454).
registro das línguas, a criação e o estabelecimento de alfa­
betos e gramáticas, assim como a produção de dicionários, o
que pode contribuir com a afirmação social, com o reconhe­
cimento, com a preservação da língua e com a manutenção
de sua memória. Enfim, segundo Hamel (1988, p. 42-3), a
política linguística abarca, tradicionalmente, três áreas:
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
1) a política linguística “externa” que define o papel de
cada língua (em um contexto multilíngue), seu uso e suas
funções na esfera pública; 2) a política linguística “interna”,
que estabelece normas gramaticais, codifica e elabora
dicionários e alfabetos; 3) por último, existe o campo do
ensino ou da pedagogia da linguagem (cf. Uribe Villegas
1981) no qual, de acordo com as decisões tomadas nas áreas
anteriores, estabelecem-se os planos de estudo (programas
bilíngues, etc) e os métodos de ensino. As três áreas estão
intimamente relacionadas e se referem a atividades im­
pulsadas e organizadas por instâncias governamentais. O
planejamento linguístico é um instrumento da política
linguística, uma atividade prática com um status teórico
diferente que se desenvolve em cada uma das três áreas
(HAMEL, 1988, p. 42-3, tradução minha).
As políticas linguísticas e, por sua vez, o planejamento
linguístico tem caráter social, cultural, político, econômico e
educacional, impactando os indivíduos e a sociedade como
um todo. Não há como separá-los, visto que sua constituição
e seu campo de ação e de realização são indissociáveis. O
planejamento envolve atividades conscientes e intencionais
que se orientam às transformações futuras, envolvendo
escolhas e tomadas de decisão.
Nesse sentido, os processos que abarcam as políticas
e os planejamentos linguísticos devem ser essencialmente
democráticos, incorporando as demandas sociais dos di­­
ver­­sos grupos que compõem a nossa sociedade. Portanto,
é importante que, durante a constituição e a efetivação do
planejamento, haja a participação efetiva da sociedade, prin­
cipalmente dos grupos diretamente impactados. Vale men­
cionar que, segundo Reagan (2002, p. 240, tradução minha),
“o processo de planejamento linguístico, propriamente dito,
55
Educ. foco, Juiz de Fora,
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pode ser dividido em quatro componentes: (a) averiguação;
(b) estabelecimento e articulação de objetivos e de estraté­
gias; (c) implementação; e (d) avaliação”. Assim, a partici­
pação popular democrática precisa ocupar todo o processo.
Carlos Henrique
Rodrigues
O reconhecimento
Língua de Sinais
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 43-69
jul. 2014 / out. 2014
56
linguístico - social da
Em relação à língua de sinais e ao seu lugar na so­
ciedade brasileira, é importante apresentamos a trajetória
de reconhecimento e de estabelecimento de seu status como
língua e de sua difusão inicial, visto que, por muito tempo,
o estudo das línguas naturais ficou restrito ao estudo de
línguas orais-auditivas. A exclusão das línguas de sinais
do campo de estudos da linguística deveu-se ao fato de
que essas não eram vistas como línguas naturais, e, sim,
como formas precárias de comunicação ou, até mesmo,
como mera expressão artística. A modalidade gesto-visual
não era reconhecida como legítima ao desenvolvimento da
linguagem. E as línguas de sinais, definidas como mímicas
primitivas, foram, portanto, preteridas pelos linguistas e
postas à margem de seus estudos e pesquisas (QUADROS;
KARNOPP, 2004).
Nos anos 1960, temos as produções acadêmicas dos
primeiros linguistas norte americanos interessados pelos
estudos e pelas pesquisas sobre a língua de sinais: Language
Structure: An Outline of the Visual Communication Systems of
the American Deaf (1960) de Willian C. Stokoe; Dictionary
of American Sign Language on Linguistic Principles (1965)
de Willian C. Stokoe, Dorothy Casterline e Carl Croneberg
(BRITO, 1993, p. 13; WILCOX; WILCOX, 2005, p. 19).
Essas publicações seminais possibilitaram o reconhecimento
das línguas de modalidade gesto-visual como línguas
naturais, contribuindo significativamente com a construção
de um novo olhar sobre os surdos e a surdez. Sobre o
impacto social da publicação do Dictionary of American
Sign Language, por exemplo, Padden afirma que “em certo
sentido, o livro trouxe o reconhecimento oficial e público
para um aspecto mais profundo da vida do povo surdo: sua
cultura” (1980, p. 90 apud SACKS, 1998, p. 155).
As pesquisas de Stokoe constituíram-se como um
marco no reconhecimento de que as línguas de sinais
são línguas naturais, que compartilham uma série de ca­
racterísticas específicas relacionados à sua modalidade
gesto-visual. Ao abordar as tarefas da linguística no Brasil,
Rodrigues (1966, p. 4-5) afirma que
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
cada nova língua que se investiga traz novas contribuições
à lingüística; cada nova língua é uma outra manifestação
de como se pode realizar a linguagem humana. Tôda teoria
lingüística e os métodos de trabalho do lingüísta repousam,
necessáriamente, sôbre a experiência que se vai adquirindo
com as línguas e, como estas são diferentes, a experiência
será mais completa, quanto maior fôr o número de línguas
conhecidas. Cada nova estrutura linguística que se descobre
pode levar-nos a alterar conceitos antes firmados e pode
abrir-nos horizontes novos para a visualização geral do
fenômeno da linguagem humana (sic).
Portanto, os estudos linguísticos sobre as línguas
de sinais têm trazido importantes contribuições sociais e
linguísticas, desde que ela começou a ser vista como “um
sistema linguístico legítimo e não como um problema do
surdo ou como uma patologia da linguagem” (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 30). Segundo Sacks (1998, p. 89),
Stokoe estaria convencido de que os sinais “não eram figuras,
e sim complexos símbolos abstratos com uma estrutura
interna complexa”, sendo ele, então, “o primeiro a buscar
uma estrutura, a analisar os sinais, dissecá-los, procurar
as partes constituintes”. Considerando a obra de Stokoe,
Lacerda (1996, p. 20) afirma que
ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), Stokoe
encontra uma estrutura que, de muitos modos, se assemelha
àquela das línguas orais. Argumenta que, assim como da
combinação de um número restrito de sons (fonemas) criase um número vastíssimo de unidades dotadas de significado
(palavras), com a combinação de um número restrito de
57
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unidades mínimas na dimensão gestual (queremas) pode-se
produzir um grande número de unidades com significa­dos
(sinais). […] Esses estudos iniciais e outros que vieram
após o pioneiro trabalho de Stokoe revelaram que as línguas
de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande
parte os requisitos que a lingüística de então colocava para
as línguas orais.
Carlos Henrique
Rodrigues
As pesquisas de Stokoe evidenciaram que a língua de
sinais não é uma mistura de pantomimas e de gestos icônicos,
incapaz de expressar conceitos abstratos, como acreditavam
os profissionais que atuavam na área da surdez, naquele
momento. Ocorreu, portanto, como afirmam Karnopp e
Quadros (2004), uma verdadeira revolução linguística, social
e ideológica em relação aos surdos e à surdez. Essa revolu­
ção desencadeia um importante processo de libertação e de
empoderamento da comunidade surda e passa a alimentar
diversas ações com vistas às políticas e aos planejamentos
linguísticos em todo o mundo.
Além das pesquisas de Stokoe, temos, na década de
1970, a publicação dos linguistas do Instituto Salk para
Estudos Biológicos, Edward Klima e Úrsula Bellugi: The
Signs of Language, uma descrição da Língua de Sinais
Americana (ASL). Os estudos, posteriores à publicação
seminal de Stokoe, constituíram um corpora de pesquisa, até
então desconhecido pela linguística. Segundo Lodi (2004,
p. 284-285),
Educ. foco, Juiz de Fora,
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58
o impacto do estudo de Stokoe (1960) foi tal que, a
partir dele, nos anos subseqüentes, diversas línguas de
sinais passaram a ser descritas seguindo, em sua grande
maioria, a mesma classificação proposta por este autor,
ou seja, em níveis lingüísticos (particularmente, em níveis
fonológico, morfológico e sintático). Assim ocorreu com
as línguas de sinais inglesa, chinesa, costarriquenha, tcheca,
venezuelana, iugoslava (cf.: Rée, 1999), francesa, sueca,
dinamarquesa, holandesa, alemã, italiana (cf.:Johnson,
1994), portuguesa (cf.: Amaral, Coutinho & Martins,
1994) e também com a brasileira (cf.: Ferreira-Brito, 1995;
Quadros, 1997; Quadros & Karnopp, 2004), além de
uma vasta quantidade de estudos sobre a língua de sinais
americana (cf.: Klima & Bellugi, 1979; Poizner, Klima &
Bellugi, 1987; Emmorey, Bellugi & Klima, 1993, dentre
vários outros citados nos estudos das diferentes línguas
de sinais).
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
No Brasil, a pesquisa sobre a língua de sinais dos
surdos brasileiros – a Língua de Sinais Brasileira (Libras)
– foi inaugurada nos fins da década de 1970, pela linguista
Lucinda Ferreira Brito. Considerando as pesquisas sobre as
línguas de sinais, em seu livro Por uma Gramática de Língua
de Sinais, Brito (1995, p. 29) afirma que
as pesquisas sobre as línguas de sinais têm demonstrado
quão complexa, completa, abstrata e rica pode ser uma
modalidade gestual-visual de língua. Há algumas décadas,
acreditava-se que os sons constituíam uma parte essencial da
linguagem. Atualmente, considera-se que estes são apenas
a parte externa de um processo interno mais profundo, que
é a linguagem propriamente dita.
Enfim, as pesquisas linguísticas sobre as especificida­
des das diferentes línguas de sinais, além de atestarem e
de corroborarem os estudos de Stokoe e sua defesa pelo
reconhecimento do status linguístico da ASL, ofereceram,
segundo Souza (1998, p. 104),
fortes argumentos em favor de uma outra tese, essa sim
com forte vinculação política, a saber, a de que, do ponto
de vista sociolingüístico, surdos sinalizadores devem
ser considerados como pertencentes a uma minoria lin­
guística. Do ponto de vista político, suas decorrências
parecem óbvias e implicariam, entre outras coisas, não só o
reconhecimento e a legalização dessas línguas como também
deveres de cada Estado em face de sua população surda.
Vale considerar que a emergência das línguas de
sinais, em todo o mundo, se deu a partir da necessidade co­
municativa dos surdos. Estes, impossibilitados de utilizar a
fala e a audição, desenvolveram uma língua de modalidade
gesto-visual, por meio da qual podiam se expressar e se
compreender de forma natural. Num primeiro momento,
as línguas de sinais realizam-se de maneira intrassocial e,
59
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de certa forma, velada, mas, aos poucos, com a convivência
dos surdos em instituições de ensino e em associações
comunitárias, as diversas línguas de sinais surgidas em di­
ferentes países, como a francesa, a americana, a inglesa e a
brasileira, por exemplo, conquistaram consistência e visi­
bilidade, num processo de internacionalização e de reco­
nhecimento social, linguístico e político.
Desde então, um crescimento vertiginoso de pes­
quisas relacionadas às línguas de sinais espalhou-se pela
Linguística e também chamou a atenção de pesquisadores
de outras áreas, tais como a Sociologia, a Antropologia,
a Neurologia, a Psicologia e a Educação (BRITO, 1995).
Assim, atualmente, a língua de sinais é reconhecida, pela
maioria dos linguistas e demais profissionais, como a língua
materna ou natural dos surdos. Todavia, embora se façam
presentes, em diversos países, essas pesquisas linguísticas
que visam à descrição, à análise e à demonstração do status
linguístico das línguas sinalizadas, ainda persistem alguns
mitos sobre as línguas de sinais, os quais, segundo Quadros
e Karnopp (2004), trazem compreensões equivocadas em
relação a esta modalidade de língua.
Carlos Henrique
Rodrigues
Políticas
Brasil
Educ. foco, Juiz de Fora,
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60
linguísticas e
Língua
de
Sinais
no
A despeito de mitos e de preconceitos em relação
aos surdos e à língua de sinais, a trajetória do movimento
social e político dos surdos brasileiros, em prol de políticas
linguísticas capazes de reconhecer e de difundir a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) – favorecendo seus usos e suas
funções na sociedade e garantindo seu papel e espaço na
educação – é marcada pela criação do Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), em 1857, pelo estabelecimento
de associações de surdos em diversos municípios, durante a
segunda metade do século XX e pela criação da Federação
Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS),
em 1987, por exemplo. Essas organizações seminais
promoveram o empoderamento da Comunidade Surda
Brasileira, intensificaram suas demandas e passaram a
expressar a resistência dos surdos às imposições sociais,
culturais e políticas, ditas ouvintistas6. Além disso, tornaram
possível a conquista de direitos por meio da mobilização
e da ação política, em especial o reconhecimento legal da
Libras, como língua da Comunidade Surda Brasileira, tanto
em municípios e estados, quanto nacionalmente.
Essa aproximação e reunião dos surdos brasileiros
em diferentes entidades: institutos, escolas, associações e
federações, principalmente na segunda metade do século
XX, contribuíram significativamente para que a Comunidade
Surda se fortalecesse e conferisse outro sentido às suas ações
políticas coletivas. Com essas entidades, os movimentos
reivindicatórios organizados pelos surdos brasileiros em
prol, não somente do “direito de um ensino em Libras”, mas,
principalmente, do direito de opinar e de decidir acerca de
quaisquer questões políticas que envolvam os surdos, ga­
nharam destaque e visibilidade. Desde então, observamos
um gradativo e consistente processo de conscientização
política, de promoção social e de cidadania, o qual conduziu
à criação e ao estabelecimento de políticas e de planejamen­
tos linguísticos considerando a Libras e a sua comunidade
de falantes.
Portanto, com a fundação do INES, das Associações
de Surdos e da FENEIS, diversas ações de impacto nacional
com vistas ao uso, à difusão e à promoção da Libras no
país, assim como à formação de professores em Libras, de
instrutores e professores de Libras e de intérpretes de sinais,
realizaram-se por meio de parcerias, principalmente, entre a
6
O adjetivo “ouvintista” refere-se à imposição de representações da surdez que
a reduzem ao campo da deficiência e, nesse sentido, tratam-na como um desvio
que precisa ser normalizado, desconsiderando quaisquer olhares ou perspectivas
culturais e sociais da surdez. “O ouvintismo – as representações dos ouvintes
sobre a surdez e sobre os surdos – e o oralismo – a forma institucionalizada
do ouvintismo – continuam sendo, ainda hoje, discursos hegemônicos em
diferentes partes do mundo. Trata-se de um conjunto de representações dos
ouvintes, a partir doqual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como
se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem
as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que legitimam
as praticas terapêuticas habituais” (SKLIAR, 1998, p. 15).
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
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Carlos Henrique
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62
Feneis e o Ministério da Educação (MEC). A Libras logrou
espaço nas instituições especiais para surdos e, cada vez
mais, foi se espalhando para outros contextos educacionais,
ganhando, inclusive, um significativo espaço como campo
de estudos e de pesquisas nas Universidades de todo o país.
Algumas ações do governo brasileiro antecedem a
Lei de Libras e demonstram uma preocupação com o lugar
social e com o papel da Libras na sociedade. Uma das atitudes
que está na origem das políticas linguísticas brasileiras, volta­
das à língua de sinais e aos surdos, é a formação da Câmara
Técnica: O Surdo e a Língua de Sinais, em 1996, a qual foi
agenciada pela Coordenadoria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), com a propos­
ta de apoiar as discussões relacionadas ao Projeto de Lei
nº 131/96, que tramitava no Senado Federal, com vistas ao
reconhecimento da Libras(LODI, 2013).
Em 1997, temos a publicação do livro “Libras e
Contexto” (MEC/ SEESP/ FNDE), o qual serviu de
material didático ao curso de capacitação de instrutores,
custeado pelo Ministério da Justiça – Subcordenadoria para
a Integração das pessoas com Deficiência (CORDE) – e aos
demais cursos de Libras oferecidos pela FENEIS. Temos,
também, a implementação, em 2001, do Programa Nacio­
nal de Apoio à Educação de Surdos (2001-2003) e, por sua
vez, a capacitação de professores em Libras, a formação de
instrutores de Libras e a capacitação de intérpretes. Essas
ações ampliam, significativamente, o uso e a difusão da Li­
bras no Brasil, bem como sua presença na educação.
Em 2002, temos o reconhecimento da Libras como
meio legal de comunicação e de expressão da Comunidade
Surda Brasileira, por meio da promulgação da Lei nº. 10.436,
em 24 de abril de 2002, a qual pode ser considerada uma
primeira política linguística brasileira, no âmbito nacional,
especificamente voltada aos surdos, já que estabelece de­
cisões do Estado sobre a Libras. Essa política cita a garantia
de formas institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão da
Libras, ressalta a garantia de atendimento e de tratamento
adequados, às pessoas com deficiência auditiva, nos serviços
públicos de assistência à saúde e estabelece a inserção da
Libras no sistema educacional, como parte integrante dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002).
Como coroação da Lei de Libras, temos, em 22 de
dezembro de 2005, o Decreto nº. 5.626, que regulamenta a
Lei nº. 10.436/02 e o artigo 18 da Lei nº. 10.098/00. Segundo
Lodi (2013, p. 51),
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
o Decreto, motivado pelos movimentos das comunidades
surdas e por pesquisadores da área da educação de surdos,
foi promulgado após o reconhecimento legal da língua
brasileira de sinais (Libras) como meio de comunicação
e expressão das comunidades surdas brasileiras (BRASIL,
2002), nove anos após o início da tramitação da matéria
no Senado Federal. Para a redação dos documentos [do
Decreto e da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva], buscou-se o diálogo
com diferentes segmentos sociais, sendo a academia quem
mais participou desse processo; as comunidades surdas
puderam dar sua vozapenas nas discussões que antecederam
a redação final do Decreto, fato que merece ser destacado.
Outro acontecimento relevante para a difusão da Libras
no Brasil e para a promoção de sua presença na formação
de professores é o Programa Nacional “Interiorizando a
Libras” (2004-2008; MEC/SEESP/FNDE). É importante
destacar que esse programa foi realizado em parceria com as
Secretarias de Educação e que ele promoveu o oferecimento
de cursos de Libras, de cursos de capacitação de instrutores
de Libras e de intérpretes de Libras-Português e, também, de
cursos para os professores de Ensino de Língua Portuguesa
para surdos, já que a proposta é de Educação Bilíngue.
Encontramos no Decreto, além do reconhecimento
da Libras, de seu status, e dos surdos como aqueles que
compreendem e interagem com o mundo por meio de
experiências visuais, o estabelecimento de como deve se
dar (i) a inserção da Libras como disciplina curricular, nas
matrizes curriculares dos cursos de formação de professores
e de Fonoaudiologia; (ii) a formação e a certificação de
professores, de instrutores e de tradutores e intérpretes de
63
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Libras; (iii) os usos e a difusão da Libras e do Português para
oacesso dos surdos à educação; (iv) a garantia do direito dos
surdos ou das pessoas com deficiência auditiva à educação
e à saúde; (v) o papel do poder público e das empresas, que
detêm concessão ou permissão de serviços público, no apoio
ao uso e à difusão da Libras (BRASIL, 2005).
Enquanto política linguística, o Decreto traz im­
portantes contribuições ao posicionamento social da Libras
e às suas funções e usos sociais. Ele tem como um de seus
focos centrais a Libras na educação dos surdos bra­sileiros.
Dito de outro modo, o Decreto preconiza a Educação
Bilíngue dos surdos, estabelecendo diretrizes e estratégias
de ação, um planejamento geral para a implementação da
política linguística: assim a Libras seria a língua de instrução,
primeira língua, e o Português a segunda língua. O Decreto
é uma conquista do Movimento Surdo Brasileiro e marca
o reconhecimento do governo aos direitos linguísticos
da Comunidade Surda, uma minoria linguística e cultural
(LODI, 2013).
Em suma, o Decreto, embora de autoria oficial do
Governo, carrega anseios e reivindicações da Comunidade
Surda e altera o status da Libras, no que se refere ao seu
reconhecimento e ao seu posicionamento em relação às
demais línguas, inclusive ao português. O empoderamento
da Comunidade Surda, por meio do reconhecimento da
Libras, por exemplo, contribui com o deslocamento da
Educação de Surdos para além da Educação Especial,
conferindo-a um caráter central na Educação Bilíngue de
surdos e na formação linguística e cultural em nosso país.
Carlos Henrique
Rodrigues
Considerações Finais
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
64
As três últimas décadas, principalmente, nos permi­
tem observar diversas estratégias, ações e reivindicações
em prol do reconhecimento legal da Libras, por meio do
estabelecimento de políticas linguísticas e de planejamentos
capazes de implementá-las. No Brasil, observamos nessas dé­
cadas o reconhecimento acadêmico das línguas de sinais e o
desenvolvimento de pesquisas linguísticas; as leis municipais
e estaduais de reconhecimento da Libras, na década de 1990
e nos primeiros anos do século XXI; os documentos e as
reivindicações do Movimento Surdo; as ações de difusão
da Libras e de formação de profissionais – parcerias MECFeneis: Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos
(2001-2003), Programa Nacional Interiorizando a Libras
(2004-2008), por exemplo; a Lei 10.436/02 e o Decreto
5.626/05; a criação e a difusão do Letras-Libras e, também,
a formação de um número significativo de surdos na pósgraduação, transformando o Movimento Surdo comunitário
em, essencialmente, acadêmico (RODRIGUES, 2011).
A existência de uma política linguística e de um pla­
nejamento linguístico, em prol da Comunidade Surda, marca
a constituição e a circulação de novos discursos, de outras
mentalidades e de modernas representações que não só
alteram a ordem social vigente, mas trazem à vista a realidade
da exclusão social e educacional, vivenciada por minorias e
por grupos desprestigiados, por sua diferença linguística e
cultural. O fato de existir uma política linguística, na verdade
uma Lei e um Decreto que reconhecem uma língua que
não o Português, como língua nacional, abre espaço para o
reconhecimento oficial de todas as línguas faladas no Brasil,
como línguas nacionais.
Com a Libras posta em destaque, por meio de uma
política linguística, temos o início de uma nova cons­­ciência capaz de entender o caráter plurimultilíngue e pluri­
multicultural do Brasil: o fato de termos várias comunida­des
de imigrantes (mais de 30 línguas – japoneses, italianos,
alemães, espanhóis, etc.); comunidades indígenas (mais
de 180 línguas nativas); comunidades africanas (línguas
quilombolas e crioulas); comunidades de fronteira (com
países hispano-falantes); comunidades surdas (pelo menos
duas línguas de sinais estudadas) e muitas comunidades
de falantes de variedades desprestigiadas do português
brasileiro.
Enfim, nesses mais de onze anos de promulgação da
Lei nº. 10.436, observamos novas maneiras de se conceber
A realidade
plurimultilíngue
brasileira: língua de
sinais e políticas
linguísticas
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Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 43-69
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a surdez e de se tratar a Libras, principalmente, no campo
acadêmico e no político. A política linguística, direciona­
da à Comunidade Surda Brasileira e expressa no Decreto
nº. 5.626/05, marca a formação e a difusão de um novo
olhar sobre a surdez e sobre a língua de sinais. A presença
da Libras na academia, tanto como disciplina quanto como
campo de pesquisa e de extensão, favoreceu e possibilitou
a conquista de novos territórios políticos, discursivos e
epis­temológicos, os quais tencionam as perspectivas tradi­
cionais, cristalizadas e ultrapassadas que, muitas vezes,
ainda caracterizam e sustentam a relação com as diferenças
linguísticas e culturais em nosso país.
Carlos Henrique
Rodrigues
Referências
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The brazilian plurimultilingual reality: sign
language and linguistic policies
Abstract
Considering the diversity and multiplicity of cultural and
linguistic relations in Brazil, the tensions and contradictions
that characterize our plurimultilingual reality are thought
over. After a brief presentation of aspects related to the
formation of the Brazilian people and the construction of a
linguistically and culturally unified nation, we problematize
factors related to the point of view that considers Brazil
as monolingual country, and we are able to point out their
social, political and ideological implications. Thus, we bring
to discussion the language policies field, emphasizing the
ones directed to the Deaf, more specifically to the decree
5626/2005. Through the Contemporary Deaf Movement,
we can notice complaints of social and educational exclusion
suffered by minorities and discredited groups brought out
due to their cultural and linguistic difference; the promotion
of a new policy negotiation involving sign language and
with this, the incentive for building a conscious of our
plurimultilingual reality.
Keywords: Libras. Decree no 5.626. Language policy.
Plurimultilingual.
Data de recebimento: junho 2013
Data de aceite: setembro 2013
69
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 43-69
jul. 2014 / out. 2014
Aquisição de língua de
sinais por crianças surdas
e sua relação com o
bilinguismo1
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino*
Resumo
Este estudo busca mostrar que é possível a uma criança
surda adquirir a língua de sinais e se tornar um sinalizador
proficiente, desde que tenha um interlocutor constante
com o qual possa interagir. A partir daí, procura-se apontar
a importância do domínio da língua de sinais para o bi­
linguismo dos surdos e para a aprendizagem do português
escrito. Foram avaliadas cinco crianças surdas da mesma
faixa etária, sendo uma filha de surdos e os outros quatro,
filhos de ouvintes. Desses últimos, dois eram gêmeos uni­
vitelinos. Através de uma tarefa de interação com surdos
adultos, buscou-se avaliar a produção linguística desses
sujeitos. Observou-se que os gêmeos produziram resul­
tados semelhantes aos da criança que têm pais surdos, o
que aponta para a importância da interação constante com
pares surdos, ainda que esses, a princípio, não sejam sinali­
zadores proficientes. Com base nesse resultado, busca-se
apontar a importância do domínio da língua de sinais para
* Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University, mestra
em Estudos Linguísticos UFMG, graduada em Letras e em Tradução pelo
Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora do Núcleo de Libras e
supervisora dos cursos de extensão em Libras na UFMG.
Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University. Rua Josino de
Brito, 163 – Jardim Atlântico 31.555-060 – Belo Horizonte – Minas Gerais
Telefones: (31) 3427-5846 (res.) / 3409-6078 (com.) / 9642-1470 (cel.) E-mail:
[email protected] / [email protected]
1
Parte da pesquisa relatada neste artigo foi apresentada no Congresso In­
ternacional da Abralin, em João Pessoa, 2009. Este artigo é uma versão am­
pliada do trabalho apresentado naquele congresso.
o bilinguismo dos surdos e para a aprendizagem do portu­
guês escrito.
Palavras-chave: Aquisição de língua de sinais. Surdos
gêmeos. Crianças surdas de pais surdos. Crianças surdas
de pais ouvintes. Bilinguismo.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Introdução
Educ. foco, Juiz de Fora,
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72
Qual a importância do domínio e uso de uma língua
de sinais para o bilinguismo dos surdos? É possível uma
criança surda, de pais ouvintes, que só tem acesso tardio
à língua de sinais, alcançar proficiência nessa língua? Que
fatores podem influenciar positivamente na aquisição de
uma língua de sinais, ainda que o contato com falantes
proficientes seja tardio? Este estudo busca mostrar que é
possível a uma criança surda adquirir a língua de sinais e
se tornar um sinalizador proficiente, desde que tenha um
interlocutor constante com o qual possa interagir. Outro
ponto a ser mostrado diz respeito à criança surda que não
tem um interlocutor nem tampouco acesso a uma língua
de sinais na primeira infância, o que retrata a situação da
maioria das crianças surdas brasileiras. A partir daí, procurase apontar a importância do domínio da língua de sinais
para o bilinguismo dos surdos e para a aprendizagem do
português escrito.
Várias pesquisas já apontaram que crianças surdas,
expostas a bons modelos de uma linguagem, à qual elas
podem entender e processar, como a uma Língua de
Sinais, desenvolvem habilidades linguísticas no mesmo
tempo e padrão que crianças ouvintes em condições
similares (EMMOREY, 2002; LILLO-MARTIN, 1999,
HOFFMEISTER, 1990; MEIER; NEWPORT, 1990).
Sabe-se também que crianças surdas, expostas somente à
língua oral, que não ouvem e por isso não entendem, não
têm o mesmo desenvolvimento linguístico, tanto em termos
de época de aquisição, quanto em termos de padrões de
aquisição de linguagem (EMMOREY, 2002; MAYBERRY,
1994; MAYBERRY & EICHEN, 1991).
Além da exposição a um bom modelo de linguagem, o que
mais possibilitaria a uma criança surda um desen­volvimento
linguístico adequado, semelhante ao desenvolvimento
das que são expostas à língua de sinais desde cedo? Seria
possível que a interação compensasse a falta de um modelo,
ou mesmo fizesse com que o seu desempenho parecesse
normal, ou típico de uma criança exposta a uma língua desde
o nascimento, quando eles fossem expostos a bons modelos
de língua?
Neste artigo, apresentamos um estudo piloto que
compara o desempenho em Libras de surdos profundos,
gêmeos, filhos de pais ouvintes (GM1 e GM22) com outras
três crianças surdas profundas, não-irmãs, na mesma faixa
etária, todas matriculadas em escolas especiais para surdos,
sendo duas filhas de pais ouvintes (PO1 e PO2) e uma filha
de pais surdos (PS).
A minha hipótese é que mesmo os estímulos gestuais
ou de sinais, ainda que muito pobres, podem auxiliar a
construção da linguagem infantil, estabelecendo parâmetros
para sua comunicação, desde que ela tenha um parceiro de
interações constante. Essa situação seria possível, mesmo
na ausência de um modelo de linguagem proficiente, desde
que a criança tenha um parceiro que compartilhe o mesmo
código gestual doméstico, ainda que este seja bastante li­
mitado. Essa criança, ao entrar na escola e ao ter contato
com outras crianças surdas e com adultos usuários de uma
língua de sinais, terá melhores condições de adquirir essa
língua e de tornar-se um usuário proficiente dela.
Entretanto, no que respeita às crianças que não
têm condições propícias à criação de um código gestual
doméstico ou que, ainda que consigam fazê-lo, não têm um
parceiro de interações constante, como seria esse quadro?
Esse é o caso da maioria das crianças surdas brasileiras,
que chegam à escola sem o domínio de uma língua e sem
2
Neste artigo, as crianças participantes serão identificadas por meio das siglas:
“GM”, relativa aos gêmeos, não identificando, entretanto, qual dos dois nasceu
primeiro; “PO”, relativa às duas outras crianças surdas que têm pais ouvintes
e “PS”, que identifica a criança surda que possui pais também surdos.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
73
Educ. foco, Juiz de Fora,
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condições de compreender as relações sociais próprias do
ambiente escolar. Se uma criança surda que não tem nenhum
contato com uma língua natural como a Libras, entra na
escola trazendo em sua bagagem apenas gestos caseiros, que
muitas vezes não são entendidos nem pela família, como
esperar que ela tenha o mesmo desempenho de crianças que
chegam à escola já com o domínio de uma língua?
Neste artigo, procuramos partir da definição da
aquisição de linguagem na presença de um modelo – como é
o caso das crianças surdas filhas de surdos – para buscarmos
compreender a aquisição na ausência de um modelo – como
nas crianças surdas que têm pais ouvintes; a partir daí,
buscamos entender o valor da interação na aquisição da
linguagem e discutir a relação entre a aquisição de linguagem
e o bilinguismo. Após essas considerações, procuraremos
encontrar algumas pistas sobre a importância da interação
nos estudos sobre o desenvolvimento de linguagem em
gêmeos, apresentando, em seguida, os dados relativos à
nossa pesquisa.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Desenvolvimento
de linguagem na presença
de um modelo
O cérebro humano está neurologicamente equipado
para adquirir uma língua, não necessariamente a fala (oral)
(EMMOREY, 2002). A linguagem encontra-se ligada à
natureza humana, tanto no aspecto biológico quanto no
psicossocial. Normalmente toda criança, no convívio com
uma comunidade linguística, aprende a falar3 a língua da
comunidade até os cinco anos de idade. Emmorey (2002)
cita vários estudos que mostram que, assim como bebês
ouvintes balbuciam antes de produzirem as primeiras
palavras, bebês surdos também “balbuciam” com suas mãos
antes de produzirem os primeiros sinais. Ela sugere que o
3
Educ. foco, Juiz de Fora,
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74
Neste trabalho, o termo “fala” e seus correlatos são utilizados no sentido de
produção oral ou produção sinalizada de uma enunciação, em qualquer língua,
seja uma língua oral-auditiva ou uma língua espaço-visual.
desenvolvimento desse balbucio manual relaciona-se ao
significado que os bebês surdos descobrem, nos primeiros
movimentos com as mãos, que são capazes de produzir.
O estímulo linguístico é um fator importante na aqui­
sição da linguagem pelo bebê, surdo ou ouvinte. As etapas
de desenvolvimento são semelhantes para ambos, mas
há outros aspectos do sistema linguístico que dependem
de amadurecimento para que sejam adquiridos (BOYESBRAEM, 1981). Algumas estruturas das línguas de sinais
são adquiridas mais cedo, enquanto outras necessitam de
um amadurecimento, da mesma forma que ocorre com a
aquisição de línguas orais. O sistema de classificadores,
a datilologia4, o uso dos pronomes, assim como alguns
recursos narrativos e conversacionais são adquiridos mais
tarde, justamente por serem mais complexos e necessitarem
de um melhor desem­penho no uso do espaço de sinalização
(EMMOREY, 2002).
As crianças surdas de pais surdos (CSPS) normalmente
apresentam um desenvolvimento de linguagem típico,
principalmente porque são expostas a uma língua de sinais
desde cedo e interagem regularmente com pessoas fluentes
nessa língua. Elas apresentam vantagens consistentes em
relação às crianças surdas de pais ouvintes (CSPO) em várias
áreas: CSPS alcançam níveis mais elevados de educação
formal, apresentam habilidades na leitura e na escrita que
são superiores às das CSPO, têm um vocabulário da língua
oral maior e alcançam melhores notas acadêmicas que CSPO
(HOFFMEISTER, 1990; PADDEN & RAMSEY, 2000;
NEWPORT & MEIER, 1985).
4
Datilologia é o elo entre as línguas de sinais e as línguas orais, pois consiste
na “soletração” de certas palavras da língua oral do país em que é utilizada
(no nosso caso, em português), usando-se configurações de mãos que foram
definidas como o “alfabeto manual”. Nas línguas de sinais, usa-se a datilologia
para identificar nomes próprios ou para explicar conceitos que ainda não têm
um sinal específico correspondente.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
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Desenvolvimento
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
de linguagem na ausência
de um modelo
A maioria das CSPO não tem acesso a uma língua
desde o nascimento, por causa da surdez e devido ao fato de
que mais de 90% das crianças surdas tem pais ouvintes, que
não conhecem nenhuma língua de sinais (EMMOREY, 2002;
GOLDIN-MEADOW, 2003; MAYBERRY & EICHEN,
1991). Ao contrário das CSPS, as CSPO são expostas a uma
língua efetiva bem tarde, algumas após a adolescência. Em
muitos casos, os pais não querem que seus filhos aprendam
a sinalizar por causa da falsa ideia de que, se elas aprenderem
os sinais, não serão capazes de adquirir a fala. Essa ideia é,
muitas vezes, compartilhada por profissionais da área da
saúde, que, embora sejam os primeiros a terem contato
com os pais no momento da descoberta da surdez, não
conhecem a importância da língua de sinais na educação de
crianças surdas5.
Na ausência de um estímulo linguístico, muitas
crianças “inventam” o seu próprio sistema comunicativo
gestual. Goldin-Meadow e seus colegas (GOLDINMEADOW, 2003; GOLDIN-MEADOW; MYLANDER,
1984) acompanharam o desenvolvimento de dez CSPO que
inventaram o seu próprio sistema comunicativo gestual. Os
pais ouvintes haviam decidido que educariam seus filhos
usando apenas a fala e leitura labial. Dos treze meses de
idade até os quatro anos, essas crianças não haviam mostrado
nenhum progresso significativo em Inglês. Ainda bem
cedo, essas crianças começaram criando gestos isolados,
como apontar e usar outros sinais que indicariam objetos
ou eventos aos quais se referiam. Após algum tempo, os
gestos foram sendo combinados para formar sentenças bem
simples, numa ordem tipicamente paciente-ação. Goldin
5
Educ. foco, Juiz de Fora,
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76
Com a criação da Lei 10.436 (24/04/2002) que reconhece a Libras como a língua
utilizada pela comunidade surda brasileira, e do Decreto 5.626 (22/12/2005),
que regulamenta essa Lei, tornando obrigatório o ensino da Libras a todas as
licenciaturas, aos cursos de Pedagogia e Fonoaudiologia, esse quadro tende a
mudar.
Meadow e seus colegas notaram que esses gestos não eram
simples produto de influência do ambiente, ou mesmo cópia
de gestos das pessoas com as quais conviviam, mas eles eram
resilientes. Essa autora define resiliência como a capacidade
que uma criança tem de inventar algumas propriedades de
linguagem sem nenhum estímulo linguístico.
Muitos estudos têm demonstrado que o quanto an­
tes uma criança surda é exposta a uma língua de sinais,
mais chances ela terá de alcançar melhor desenvolvimento,
comparável a falantes nativos de línguas orais. As pesquisas
de Singleton (1989) e de Singleton e Newport (2004)
relatam o caso de um menino surdo, Simon, que superou
os seus modelos. Os seus pais, apesar de serem surdos,
não eram proficientes em ASL, já que a tinham adquirido
tardiamente. Além disso, ele estudava em uma escola cujos
professores usavam uma modalidade do Inglês Sinalizado,
o que não era um modelo adequado de língua, já que se
trata de um pidgin. Apesar de não ter contato com a ASL,
ele desenvolveu estruturas linguísticas muito similares às
que são usadas por falantes nativos de ASL. Esses estudos
sugerem que mesmo a sinalização de pais não-proficientes
leva a criança a uma habilidade de nativo, desde que ela seja
exposta a essa língua bem cedo.
O
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
valor da in t eração na a q uisição da
linguagem
Crianças surdas de pais surdos (CSPS) normalmente
apresentam um desenvolvimento linguístico típico porque
são expostas a uma língua de sinais desde o nascimento
e interagem regularmente com pessoas fluentes nessa
língua. De acordo com Vygotsky “A consciência individual
é construída ‘de fora para dentro’, através da interação com
outros, visto que o comportamento social e a consciência
partilham o mesmo mecanismo” (2000, p. 94).
O fato é que a criança precisa desenvolver suas ha­
bilidades sociais através de interações linguísticas para
77
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Educ. foco, Juiz de Fora,
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desenvolver sua consciência individual, assim como sua
capacidade lógica. Vygotsky também argumenta que a
direção do pensamento é do social para o individual, e não do
individual para o social (2000, p. 36). Assim, as crianças que
não têm acesso a uma forma linguística que lhes possibilite
interagir com outros indivíduos terão seu crescimento
intelectual comprometido. Consequentemente, a linguagem
seria tão importante para o desenvolvimento do pensamento,
quanto este seria importante para o desenvolvimento da
linguagem. A interação social tornaria possível à criança
alcançar o melhor do seu potencial. Crianças educadas em
um ambiente linguístico acessivelmente rico têm plenas
oportunidades de interação com pais e irmãos. O mesmo não
ocorre com a maioria das crianças surdas de pais ouvintes.
Vários estudos confirmam que os pais surdos alteram
seus sinais na interação com seus bebês, da mesma forma que
pais ouvintes alteram a entonação da fala. Emmorey (2002)
observa que a mudança sistemática na forma de linguagem,
que o adulto usa com bebês, parece ser um universal
linguístico que não é limitado à fala. Ela cita alguns estudos
que mostram que a fala direcionada às crianças, nas línguas de
sinais, tem o objetivo de atrair a atenção do bebê – os sinais
têm maior duração, mais repetições e as mães posicionam
suas mãos de forma a tornar os sinais mais visíveis aos bebês.
Nessa interação da mãe com o bebê, a criança adquire não
só as propriedades da linguagem, mas também os padrões
discursivos, como a troca de turnos, por exemplo.
Ao imaginarmos uma criança surda que não tenha
uma linguagem efetiva com seus pais ouvintes, que tenha
o seu primeiro contato com uma língua de sinais apenas
na escola, não estará preparada para os desafios que todas
as crianças enfrentam no ambiente escolar. Ela precisará
de um tempo para processar e compreender o que está
acontecendo no ambiente, ao mesmo tempo em que tentará
extrair significado das interações com as professoras e com
as outras crianças. Ninguém usará uma fala direcionada a ela,
de forma que ela possa adquirir e processar as informações
no seu próprio ritmo. As interações de linguagem através
da fala direcionada possibilitam à criança processar as
informações a uma velocidade que seja facilitadora para
a compreensão, tanto do significado quanto da estrutura,
da língua a ser processada (MORFORD; MAYBERRY,
2000, p. 123). Qualquer criança, privada dessa fase normal
da aquisição, terá maiores dificuldades no processamento
de linguagem que outras, que foram expostas a essa fala
direcionada na infância.
Portanto, o desenvolvimento normal de uma criança
depende das interações bem sucedidas que ela experimentará
na família, na comunidade e também com os amigos. O
crescimento intelectual da criança depende das interações
discursivas que ela terá desde a primeira infância até quando
for mais velha. Para uma criança surda, uma interação
discursiva será possível se mediada por uma língua à qual
ela tenha acesso, como uma língua de sinais. Uma criança
isolada, como as descritas por Goldin-Meadow (2003),
não poderá ter interações discursivas se ela não tiver um
par­ceiro, mesmo se ela for capaz de criar sua própria lin­
guagem. Entretanto, nem todas as crianças surdas criam
uma linguagem – algumas conseguem criar gestos isolados,
difíceis de serem compreendidos mesmo pelos familiares
ou cuidadores. Não há como uma criança desenvolver uma
linguagem sem um interlocutor.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
Aquisição de linguagem e sua relação com o
bilinguismo
Como vimos até aqui, a aquisição da língua de sinais
pelo sujeito surdo pode ser dificultada pela falta de um
modelo, embora alguns tenham demonstrado serem capazes
de inventar o seu próprio código. Entretanto, a maioria das
crianças surdas tem pais ouvintes e só vão aprender a língua
de sinais na escola. Elas chegam à escola sem uma língua com
a qual possam se expressar e compreender os conteúdos a
serem trabalhados pelos professores. Se não forem tomadas
providências eficazes para suprir essa carência linguística,
os surdos correm o risco de se tornarem deficientes na
79
Educ. foco, Juiz de Fora,
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linguagem, ou de terem seu desenvolvimento cognitivo
comprometido (SACKS, 1990: 24).
Conforme Pereira (2008), até a década de 1980, o
objetivo das escolas brasileiras para surdos era oralizar6
os alunos. Para isso, o professor expunha seus alunos às
palavras, geralmente com apoio de figuras ou outros ele­
mentos concretos, e as utilizava em frases, substituindo uma
palavra por outra em exercícios, esperando que os alunos
as memorizassem pela repetição oral. A língua escrita era
trabalhada da mesma forma, após o trabalho com a língua
oral, quando o professor propunha atividades de produção
de frases escritas, geralmente com base em estruturas frasais
já trabalhadas. Com isso, embora muitos alunos surdos
chegassem a usar frases com estrutura gramatical correta,
essas eram geralmente estereotipadas, usadas em contextos
muito previsíveis. Segundo essa autora, “era como se a língua
tivesse sido aprendida mecanicamente, de fora para dentro,
sem uma reflexão sobre o seu funcionamento” (PEREIRA,
2008, p. 15).
Esse é um quadro característico do modelo clínicoterapêutico que serviu – e ainda serve – de base para o ensino
de surdos. Esse modelo vê o sujeito como um ser patológico
– falta-lhe a audição e, consequentemente a fala. Até mesmo
o termo utilizado na definição do sujeito – deficiente
auditivo – aponta para a questão da deficiência, o que é
amplamente rejeitado pela Comunidade surda. As práticas
pedagógicas desse modelo são reabilitadoras e o seu objetivo
é a “ortopedia da fala” (SKLIAR, 1997). Opostamente
a esse modelo, surge a visão sócio-antropológica da sur­
dez. Começando pela definição do sujeito – que passa a
ser tratado como “surdo” – e que, independente do grau
da perda auditiva, reconhece-se e é reconhecido pela Co­
munidade surda na medida em que valoriza a experiência
visual e se apropria da língua de sinais como meio de
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
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“Oralizar uma criança surda” significa ensinar-lhe a língua oral, articulada,
ta­re­fa que compete aos profissionais que trabalham especificamente nessa
área, ou seja, aos fonoaudiólogos. Não entendemos que seja responsabilida­de
da escola trabalhar especificamente o ensino da língua oral, em detrimento do
ensino da grade curricular que é ensinada às outras crianças por serem ouvintes.
comunicação e expressão. Esse sujeito valoriza o estar junto
– principalmente com seus pares surdos – partilhando com
eles seu modo de ser e pensar, assim como uma identidade
cultural comum (RODRIGUES, 2008).
A partir da difusão dessa visão, nas últimas décadas,
vários educadores de surdos apropriaram-se dessa nova forma
de pensar e propuseram estratégias de ensino, utilizando
a língua de sinais, entendendo que o português deve ser
ensinado como segunda língua (RODRIGUES, 2008). O que
antes era feito com base na língua oral, passa a ser feito com
base na utilização de duas línguas de moda­lidades diferentes –
a língua de sinais assume a função de ser a língua da interação
face a face e o português, a língua da escrita.
No que respeita ao bilinguismo, Pust e Weinmeister
(2006) afirmam que existem atualmente de 5000 a 6000
línguas no mundo, distribuídas em cerca de 200 estados e que
a maioria da população mundial utiliza duas ou mais línguas
no dia-a-dia. A escolha dos sujeitos por uma língua ou outra
vai depender de diversos fatores, entre eles o conhecimento
das línguas, a situação, o assunto da conversa e a função da
interação linguística. No caso dos sinalizadores bilíngues,
a escolha da língua de sinais pode ser condicionada pelas
limitações na percepção e produção da língua oral.
Alguns autores postulam que as dificuldades en­
contradas pelos alunos surdos na leitura e na escrita não
são decorrentes da surdez, mas do pouco conhecimento
de língua que têm – tanto da língua portuguesa quanto da
língua de sinais – o que resulta do processo escolar ina­
dequado a que foram submetidos (FERNANDES, 2003;
PEREIRA, 2000, 2009). Por outro lado, outros autores
apontam para os efeitos positivos da exposição à língua
de sinais ainda na infância para a aquisição do letramento
(PUST; WEINMEISTER, 2006; HOFFMEISTER, 2000;
STRONG; PRINZ, 2000). Essas proposições nos levam a
pensar na criança surda típica, ou seja, aquela que nasce em
uma família, onde não se usa a língua de sinais e que só vem
a ter contato com essa língua após o ingresso na escola, ou
muitas vezes somente na adolescência ou na fase adulta.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
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Falaremos um pouco mais sobre esse assunto na discussão
dos resultados encontrados nesta pesquisa.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Estudos sobre desenvolvimento de linguagem
em gêmeos
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Gêmeos são bons exemplos de interação, uma vez que
eles têm um parceiro para interação desde o nascimento.
Entretanto, estudos sobre desenvolvimento de linguagem
em gêmeos sugerem que a maioria deles tem mostrado um
desenvolvimento inferior de suas habilidades linguísticas
em comparação com não-gêmeos (DEUTSCH et al., 2001;
MCMAHON; DODD, 1997; GAINES; HELPERNFELSHER, 1995; GAUSTAD, 1995; MOGFORD, 1993;
SCHAVE; CIRIELO, 1983). McMahon e Dodd (1997)
afirmam que tanto gêmeos quanto trigêmeos apresentam
desenvolvimento fonológico atrasado em relação a nãogêmeos. Existem muitas razões para esse atraso linguístico:
as pessoas que cuidam de gêmeos têm mais tarefas a fazer
e menos tempo para interagir com eles; pais normal­
mente tratam gêmeos como uma unidade em termos de
comportamento comunicativo; e também, na maioria das
vezes, os gêmeos idênticos têm menos estímulos para
aprenderem a falar, porque eles conseguem compreender um
ao outro, através de uma comunicação não-verbal. Esses e
outros fatores são descritos na literatura especializada como
“situação de gêmeos”, característica da criação que é dada
à maioria dos gêmeos.
É comum gêmeos desenvolverem uma linguagem
particular, o que é visto como algo que complica e retarda
a aquisição da linguagem (MCMAHON; DODD, 1997;
MOGFORD, 1993). Alguns gêmeos adultos lembram-se
de serem capazes de criar sua própria linguagem, por volta
dos quatro a cinco anos de idade. Muitos reportaram uma
habilidade de se comunicarem de forma não-verbal quando
crianças e ainda como adultos. Alguns descreveram que sua
forma de comunicação não-verbal era baseada em uma língua
de sinais inventada e alguns gestos com o corpo.
Gaines e Helpern-Felsher (1995) observaram o desen­
volvimento de um par de gêmeas monozigóticas, de pais
ouvintes, dos treze aos trinta e seis meses de idade. Uma
delas era surda, e a outra era ouvinte. A irmã mais velha
interagia durante muito tempo com ambas, e ela tinha um
bom vocabulário de Inglês Sinalizado, como os autores
observaram. Entretanto, não eram todos os membros da
família que eram capazes de se comunicar com as gêmeas.
A comunicação entre as duas era rara, e normalmente
elas tendiam a comunicar-se com os adultos presentes no
ambiente. A gêmea ouvinte aprendeu e usava o Inglês Si­
nalizado, mas ela preferia a linguagem oral ao comunicar-se
com adultos ouvintes. Já a gêmea surda preferia gestos e
sinais. Ela raramente usava os sinais e a língua oral ao mes­
mo tempo, o que é usual nas modalidades como o Inglês
Sinalizado. Nessa pesquisa não foi observada nenhuma lin­
guagem secreta entre as duas meninas.
Outro estudo enfoca o desenvolvimento de outro par
de gêmeos, um surdo e um ouvinte, educados com a ASL e o
inglês oral, dos dezesseis aos vinte e quatro meses de idade
(GAUSTAD, 1995). Os pais, embora surdos, adquiriram
ASL tardiamente, mas a mãe preferia ASL e o pai usava tanto
ASL quanto inglês oral. Esses gêmeos também raramente
interagiam um com o outro, e os pais interagiam muito
pouco com ambos. Gaustad observou que, aos dois anos
de idade, os gêmeos produziam muito menos proposições
que o esperado. Nesse caso também não foi encontrada uma
linguagem secreta entre os gêmeos.
Siple e Akamatsu (1991) também observaram o desen­
volvimento de um casal de gêmeos fraternos. A menina era
ouvinte e o menino, surdo, mas os pais surdos decidiram que
ambos deveriam aprender ASL como sua língua materna,
e ambos foram expostos à ASL. A menina só tinha acesso
ao inglês pela TV e fitas cassete, o que não a estimulou a
adquirir a língua oral. Como o ambiente linguístico era
uma língua de sinais, acessível a ambos, os gêmeos tiveram
oportunidade de desenvolver uma relação mais próxima e uma
linguagem secreta, mas isso não ocorreu, como nos outros
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
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casos. Os autores concluíram que os gêmeos estudados não
apresentaram atraso no seu desenvolvimento de linguagem,
e apesar de haver diferenças pelo fato de um deles ser ouvin­
te e o outro surdo, o desenvolvimento linguístico de ambos
foi similar. A expansão foi gradual dos doze aos dezesseis
meses de idade, e aos dezessete meses o vocabulário de ambos
mostrava-se consistente com os estudos sobre aquisição de
linguagem de crianças não-gêmeas.
Os três estudos apresentados, em que um dos gê­
meos era surdo e o outro ouvinte não apresentaram uma
verdadeira “situação de gêmeos”, uma vez que os gêmeos
não se identificavam um com o outro. Entendemos como
uma verdadeira situação de gêmeos, conforme a literatura,
um ambiente em que os gêmeos nascem, são educados
e partilham as mesmas experiências no ambiente. Em
nenhum dos casos, os gêmeos tinham uma relação muito
próxima, como ocorre com os gêmeos ouvintes, que a
literatura apresenta. O ambiente interativo variou de uma
mistura de sinais e fala (ou Manual Communication English
– MCE), ASL e inglês oral e somente ASL. Os gêmeos
raramente interagiam um com o outro, o que talvez possa
ter acontecido pelo fato de um ser surdo e o outro ouvinte.
Como não encontramos nenhum estudo sobre surdos
gêmeos, em que houvesse uma “situação de gêmeos”, temos
de basear nosso estudo tanto nos estudos sobre gêmeos
ouvintes quanto nestes últimos, em que um dos dois é surdo
e o outro ouvinte. Então, examinaremos um par de gêmeos
univitelinos em que ambos são surdos, cujos pais são ouvintes
e não têm nenhum conhecimento de línguas de sinais, que são
educados num ambiente que favorece a situação de gêmeos
(principalmente pelo fato de que eles têm a oportunidade de
desenvolver uma relação mais próxima, tanto comunicativa
quanto afetiva). Um dos fa­tores adicionais é que ambos não
têm acesso à língua usada no ambiente familiar, já que ambos
não podem escutar os pais ou os irmãos.
Tendo em vista a situação desses gêmeos, as questões
específicas sobre sua aquisição de linguagem apresentadas
neste estudo são:
1. A interação na ausência de um modelo de linguagem
poderia fazer surgir um sistema comunicativo entre
surdos gêmeos?
2. Seria possível que o uso de uma linguagem primitiva,
como uma linguagem secreta criada por gêmeos,
possa fazer com que surdos gêmeos apresentem um
desempenho linguístico, que pareça típico de um
desenvolvimento normal, a partir do momento em
que eles são expostos a um modelo de uma língua
estruturada?
E na avaliação das outras crianças que não tiveram
oportunidade de interação como os gêmeos, como
o caso das outras crianças que têm pais ouvintes:
3.Quais seriam as características da língua de sinais
por elas adquirida?
4.Em que essas características poderiam influenciar
a aquisição do português escrito por essas crianças
e de que forma?
As respostas a estas questões podem nos levar a uma
melhor compreensão do papel da interação na aquisição
de uma língua de sinais, ou de forma mais abrangente, na
aquisição de uma língua. A partir dessas repostas, avalia­
remos, também, a questão referente à aquisição de lingua­gem
e sua relação com o bilinguismo.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
Metodologia
1. Procedimento: Foi realizado um teste onde dois
surdos adultos contam histórias para as crianças indi­
vidualmente, usando animais de brinquedo e Libras. Todos
os testes foram filmados.
2. Participantes: Os participantes da pesquisa são um
par de gêmeos univitelinos surdos (GM1 e GM2), filhos de
pais ouvintes, que tiveram o primeiro contato com a Libras
aos cinco anos e dois meses, numa escola especial para
surdos; duas outras crianças surdas, não irmãs, ambas com
pais ouvintes, sendo que uma delas teve contato com a Libras
aos quatro anos e a outra aos cinco anos e onze meses; e
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1 ano
Desde o
nascimento
Bons
sinalizadores
Tempo de contato
com a Libras
Proficiência dos
pais em Libras
7,3 anos
Idade
Idade que entrou na
escola p/ surdos
Feminino
Surdos
PS
Gênero
Pais
Sujeitos
Nenhuma
3 anos e 1
mês
4 anos
7,1 anos
Masculino
Ouvintes
PO1
Nenhuma
1 ano e 5
meses
5 anos e 11
meses
7,4 anos
Feminino
Ouvintes
PO2
Nenhuma
2 anos e 9
meses
5 anos e 2
meses
7,11 anos
Masculino
Ouvintes
GM1
Nenhuma
2 anos e 9 meses
5 anos e 2 meses
7,11 anos
Masculino
Ouvintes
GM2
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
uma criança surda de pais surdos, que teve contato com a
Libras desde o nascimento. A Tabela 1 abaixo apresenta
uma descrição mais detalhada dos participantes.
Tabela 1 – Descrição dos participantes
3. Tarefa: As crianças teriam de recontar algumas
historinhas dramatizadas, com animais de brinquedo, por
um surdo adulto, a outro surdo adulto que fica de costas para
a mesa com os brinquedos e, (conforme foi dito à criança)
nunca foi à escola e não entende o que o examinador contou.
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
Ex: (O examinador encena com animais de plástico e usa
Libras) Mamãe elefante e seus dois filhotes passam andando
por um lago. Os três bebem água e a mãe segue com um
dos filhotes. Ela olha para trás e, quando vê o outro filhote
parado, ela o chama. Ele responde que quer tomar mais
água, que ainda está com sede.
O examinador surdo faz perguntas à criança sobre a
compreensão da história, pede a ela que reconte a história
ao outro surdo, que algumas vezes finge não entender e
pergunta detalhes à criança.
Análise dos resultados
1. Produção lexical: No percentual das respostas
dadas por PO1 e PO2 não se percebe muita diferença em
relação aos gêmeos e PS, pois, apesar de produzirem menos
itens lexicais que os demais, essa diferença não é tão grande
proporcionalmente (Gráfico 1.a.).
Gráfico 1 – a. Produção lexical dos sujeitos (em Porcentagem)
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Observe que 73% das respostas produzidas por PO2
e 80% das respostas de PO1 eram compostas por itens
lexicais, comparadas aos 90% das respostas dos gêmeos e
de PS. Porém, ao observarmos a quantidade de respostas
aos estímulos (Gráfico 1.b.), vemos que enquanto PS e
um dos gêmeos produziram cerca de 170 itens lexicais, e o
outro gêmeo mais de 100, PO1 e PO2 utilizaram 50 itens
lexicais ou menos em suas respostas, demonstrando terem
um inventário lexical muito inferior aos outros três.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Gráfico 1.b – Produção lexical dos sujeitos (em Quantidade
de itens lexicais)
Os gêmeos produziram número de respostas similar
a PS (filha de surdos), tanto proporcionalmente quanto na
quantidade de respostas. Isso mostra que, apesar de terem
pouco tempo de contato com a Libras, o inventário lexical
dos gêmeos é comparável ao de uma criança que tem acesso
à língua desde o nascimento.
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 71-100
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2. Complexidade das respostas: A complexidade das
respostas diz respeito à elaboração de frases (simples ou
mais elaboradas), ou respostas completas às perguntas feitas
pelos examinadores surdos. Por exemplo, se o examinador,
no exemplo acima, perguntasse à criança “Por que o bebê
elefante não seguiu a mamãe, como o irmão dele?” – a resposta
esperada seria algo como “Porque ele estava com sede”, ou
“Porque ele queria beber (mais) água”. As respostas dos
gêmeos foram tão complexas quanto às de PS (“respostas
expandidas”, ou os blocos das bases das colunas do Gráfico
2), enquanto algumas de PO1 e PO2 foram extremamente
simples (sim/não, mesmo quando respostas completas eram
necessárias – ver os blocos cinza das colunas de respostas).
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
Gráfico 2 – Complexidade das respostas produzidas pelos
sujeitos (porcentagem)
Os tipos de respostas produzidos foram: sim/não,
frases expandidas ou uso de gestos (outras respostas). Um
exemplo de gesto, em resposta à pergunta do exemplo anterior
seria quando a criança, ao querer responder que o elefantinho
queria beber água, apenas fizesse o gesto de “lamber” (com
a própria língua, lambendo o ar). Nesse caso, apesar de
a resposta ser correta, não foi considerada uma resposta
complexa, sendo incluída em “outras respostas”. Alguns
questionaram o examinador em vez de responder à pergunta
feita por ele. Entretanto, observe que tanto os gêmeos quanto
os sujeitos PO1 e PO2 produziram mais gestos que PS
(Outras respostas – blocos superiores das colunas).
Analisando ainda as respostas de PO1 e PO2, é
interessante observar a quantidade de respostas “sim/não”
produzidas por eles, mesmo em face de questões como a
exemplificada acima. Por várias vezes, o examinador surdo
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encenava uma história e em seguida pedia à criança para chamar
o gato (outro examinador surdo), que estava de costas para a
mesa. A criança chamava o gato e simplesmente apontava para
a cena. O gato perguntava: “O que (aconteceu)?”, e a criança
somente acenava “sim”, com a cabeça. Por várias vezes os dois
examinadores surdos pediam à criança para contarem o que
haviam visto e o máximo que ela fazia era apontar para um dos
animais da cena e repetir algum dos sinais que o contador da
história havia feito (como fugir, esconder) ou usavam gestos
para exemplificar a cena (lamber), na sequência APONTARanimal + sinal ou gesto.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
3. Proporção de respostas corretas: Observando
o Gráfico 3, nota-se que GM1 e GM2 alcançaram um
índice de respostas corretas superior ao de PS (GM1,
77,8%; GM2, 84,6% e PS 69,7%), enquanto PO1 e PO2
responderam respectivamente a 46,2% e 24,2% das perguntas
corretamente. A proporção de respostas incorretas dos
gêmeos (2,8% e 0%) também foi bem inferior ao de PS
(9,1%). Estes resultados mostram que os gêmeos chegaram
mesmo a superar o desempenho de PS, sendo que GM2 se
saiu ainda melhor que o irmão, o que talvez indicaria que um
dos dois usufrui mais da situação de gêmeos, conseguindo
aproveitar-se mais dos benefícios dessa relação que o outro.
Gráfico 3 – Proporção de respostas corretas na interação
com os examinadores surdos
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Com relação às respostas incorretas, observa-se que
PO1 e PO2 produziram uma proporção muito maior que as
outras crianças (26,9% e 36,4% respectivamente). Além de
possuírem uminventário lexical reduzido, essas crianças
ainda devem ter problemas para compreender as proposições
dos surdos adultos, dificultando o processo comunicativo.
Observe-se que PO2 ainda apresentou um índice muito alto
de interações sem resposta, ou de respostas sem sentido, às
questões/interações propostas pelos examinadores surdos
(39,4%). O índice de interações sem resposta ou com respos­
tas sem sentido de PO1 também foi bem elevado (19,2%),
em comparação com PS (12%) ou os gêmeos (11%).
Na interação com adultos, é normal que haja incompre­
ensões ou mesmo que as crianças sejam influenciadas pela
fala dos adultos. No teste apresentado, houve uma situação
em que o examinador apresentou uma história, onde a
mamãe elefante e um dos filhotes se encontram com o outro
filhote e esse segundo passa a seguir os outros dois. Em
seguida, o examinador pede à criança que chame o “gato”
e reconte a história. Não importando se a criança reconte
a história corretamente ou não, quando o examinador
pergunta ao gato o que aconteceu este responde que a
mãe e o bebê foram para um lado e o outro elefantinho
foi para o outro lado, incorretamente. O esperado era que
as crianças corrigissem o gato. Entretanto, somente GM2
discordou da resposta do gato. Até mesmo PS concordou
com a proposição incorreta. Apenas quando foi novamente
questionada pelo examinador é que PS reconsiderou sua
resposta e recontou a história corretamente (entretanto,
ela não disse que o gato estava errado).
Ainda com base no Gráfico 3, observa-se que PO2,
que em todos os resultados apresentou um desempenho bem
inferior às outras crianças, não respondeu a cerca de 40%
das perguntas que lhe foram feitas. Voltando ao Gráfico 1.b,
que indica a quantidade de itens lexicais produzidos pelas
crianças (em números absolutos), observa-se que enquanto
PS produziu 168 itens lexicais em resposta aos estímulos
propostos, PO2 produziu apenas 33 itens em resposta aos
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
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mesmos estímulos. Esse resultado aponta para o fato de
que a menina, após um ano e cinco meses de contato com a
Libras, não possui um inventário lexical que lhe dê segurança
para responder à interação, e com isso evita responder às
perguntas; ela até mesmo evita tecer comentários sobre a
interação, diferentemente de todos os outros. Quanto a
PO1, os resultados, tanto na proporção de respostas corretas,
quanto na quantidade de itens lexicais produzidos (Gráfico
1.b) sugerem que ele está adquirindo a língua de sinais
gradativamente, mas ainda possui um inventário lexical muito
inferior ao dos gêmeos (GM1 = 172 itens lexicais e GM2 =
116 itens lexicais; PO1 = 51 itens lexicais produzidos), ou
seja, duas ou três vezes menor que o dos gêmeos.
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
Discussão
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Os resultados dos gêmeos se mostraram bem
semelhantes aos resultados de PS, e bem superiores aos de
ambos PO. Isto confirma e reforça nossa hipótese de que
ambos teriam desempenho como o de PS, apesar de não
terem oportunidade de interação linguística com adultos
desde o nascimento, como PS teve. O tempo de exposição
à língua de sinais de PO1 difere muito pouco do tempo
de exposição dos gêmeos à língua (apenas quatro meses a
mais que eles), porém, os seus resultados apontam para um
desenvolvimento linguístico mais lento em relação a eles.
Já o tempo de exposição de PO2 à língua de sinais é bem
inferior ao tempo das outras crianças (um ano e quatro
meses a menos que os gêmeos e um ano e oito meses a
menos que PO1). Isso se reflete tanto na quantidade de
itens lexicais produzidos (33), quanto na complexidade
das respostas dadas (48% apenas sim/não, 20% de gestos e
apenas 32% de respostas um pouco mais complexas).
Em nossa tarefa de interação linguística, os gêmeos
foram capazes de ter um desempenho linguístico compará­
vel ao de falantes nativos após menos de três anos de
contato com a Libras (ver Tabela 1). Isso foi conseguido
apesar de muitas variáveis que poderiam ter influenciado
negativamente o seu desempenho linguístico: pais ouvin­
tes não-sinalizadores; entrada tardia na escola – após os
cinco anos de idade – consequentemente acesso tardio à
Libras; professores não-proficientes na escola; e a falta de
um programa educacional para o desenvolvimento do uso
da Libras, entre outros fatores.
Os surdos gêmeos tinham um código linguístico um
pouco diferenciado de PS (o que foi confirmado também ao
apresentar os vídeos de ambos a um falante nativo de Libras,
que avaliou a sinalização dos dois como “diferente, mas fácil
de entender”). Pela quantidade de gestos utilizados por eles
nas respostas (GM1, 22%; GM2 28%), similar à quantidade
usada por PO1 e PO2 (ambos 20%) e bem diferente de
PS (0,6%), supõe-se que eles teriam uma linguagem ainda
caracterizada por grande quantidade de gestos caseiros.
Estes estariam sendo substituídos pelos elementos lexicais
da Libras aos poucos, durante os dois anos e nove meses
de contato com a língua. Em entrevista com a mãe deles,
ela também informou já ter percebido um código secreto
entre eles, ao qual ela não tinha acesso. Esse código secreto
parece ter servido de base para a aquisição da Libras. Ao que
parece, eles adaptaram sua “linguagem primitiva” ao padrão
da Libras e “reinternalizaram” sua linguagem, um padrão
chamado de “desnativização” por Andersen (1983).
A partir dos resultados obtidos acima, podemos
considerar:
- Apesar de não terem um modelo adulto de lin­
gua­gem, os gêmeos puderam construir um siste­
ma comunicativo gestual resiliente, que, embo­ra
primitivo, era funcional ou cumpria o papel de
garantir-lhes a compreensão de relações inter­
pessoais – ainda que restrita aos dois ou, ainda, à
família ou a alguns membros dela – assim como
a expressão do pensamento, nos primeiros anos
de vida;
- Através da interação um com o outro, esse sistema
gestual mostrou-se forte o bastante, ou resiliente,
para facilitar-lhes o acesso a uma língua, assim que
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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tiveram contato com usuários da Libras (ou do
português sinalizado) na escola;
- À medida que foram adquirindo o inventário lexical
e a estrutura da Libras, esses foram substituindo
essa linguagem rudimentar pela língua estrutu­rada,
num processo de desnativização (ANDERSEN,
1983);
- A duas outras crianças surdas (PO1 e PO2), não
possuíam um interlocutor com o qual interagir,
como os gêmeos, e caso tenham desenvolvido um
sistema gestual, esse não era forte o bastante para
garantir-lhes um acesso rápido à língua de sinais.
Apesar disso, eles parecem estar adquirindo a língua
de sinais gradativamente, através da interação na
escola (já que a maioria dos familiares de surdos
não sabe Libras e não apresentam uma comunicação
efetiva com as crianças surdas. Por esse motivo, as
crianças normalmente só têm contato com a língua
na escola).
- Assim como as crianças ouvintes constroem o
sentido dos textos escritos com base em sua ora­
lidade, assim também as crianças surdas cons­
troem o sentido dos textos escritos em português
com base na sua “oralidade” em língua de sinais,
ou seja, a construção de sentidos é mediada pela
Libras (PEREIRA, 2009). Se uma criança surda
não domina nenhuma língua e, aos sete anos ainda
está adquirindo uma língua para compreender as
relações interpessoais e construir a sua linguagem
interior (VYGOTSKY, 2000), como essa criança
pode aprender a ler a modalidade de uma língua
oral à qual ela não tem acesso? E o que talvez ainda
seja pior: se não houver um programa de ensino de
português como segunda língua, essa criança não
terá acesso à escrita, já que o ensino de português
é voltado para falantes nativos de português.
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Conclusão
Aquisição de língua
de sinais por crianças
surdas e sua relação
com o bilinguismo
Gêmeos ouvintes reduzem suas interações sociais
por usarem sua “linguagem secreta” e parecem limitar
seu desenvolvimento linguístico um ao outro, apesar de
terem o potencial de uma interação linguística com outros
modelos de linguagem em seu ambiente, o que difere das
crianças surdas de pais ouvintes. Surdos gêmeos, que não
têm acesso a uma língua estruturada desde o nascimento,
também têm a capacidade de criar sua própria linguagem,
como vimos no estudo apresentado. Porém, esse processo
não serve para isolá-los, ou mesmo reduzir suas interações
sociais, mas pode facilitar o seu acesso a outros contatos em
seu mundo.
Por esses resultados, podemos concluir que as in­
terações sociais são muito benéficas à aquisição e ao desen­
volvimento da linguagem infantil. No caso de crianças
surdas, mesmo que elas não tenham um bom modelo de
língua de sinais, em seu ambiente familiar, ou mesmo na
escola, elas devem ser expostas o quanto antes a outros
usuários de Libras e, principalmente, a outras crianças
surdas, com as quais elas possam se identificar e interagir.
Por esse motivo, é importante que as crianças surdas,
filhas de ouvintes, tenham acesso o quanto antes a uma
escola bilíngue: onde a língua de sinais seja a língua de
instrução, as práticas de leitura sejam direcionadas para as
necessidades do aluno surdo; surdos adultos possam fazer
parte do corpo docente das escolas, não só como instrutores
de língua de sinais, mas como modelo linguístico, como
profissionais que interagem com o aluno surdo diariamen­
te e, principalmente, como contadores de histórias. Mais
importante ainda: que nos primeiros anos de escolarização
seja dada ênfase à aquisição da língua de sinais para só então
iniciar-se o ensino do português escrito.
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Sign Language Acquisition in Deaf Children
Elidéa Lúcia Almeida
Bernardino
and its relation with bilingualism
Abstract
This study aims to show that it is possible for a deaf child
to acquire sign language and become a proficient signer,
inasmuch as she has a steady partner to interact with. Since
then, we want to show the importance of mastering the
use of sign language for deaf bilingualism and for learning
written Portuguese. Five deaf children of the same age
were evaluated: one of them has deaf parents and the other
four have hearing parents. Two of the latter were identical
twins. We sought to assess the linguistic production of
these subjects through interaction in a task with deaf
adults. It was observed that the twins have produced
similar results to the child who has deaf parents, pointing
towards the importance of constant interaction with deaf
peers, although these at first, were not proficient signers.
Based on this result, we seek to highlight the importance
of mastering a sign language for deaf bilingualism and for
learning written Portuguese.
Keywords: Sign Language Acquisition. Deaf Twins. Deaf
Children of Deaf Parents. Deaf Children of Hearing
Parents. Bilingualism.
Data de recebimento: julho 2013
Data de aceite: outubro 2013
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Formação de professores
de surdos: atitude e
contraconduta
Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado*
Resumo
Neste artigo, pretendo discutir a formação de professores
de surdos com o intuito de pensar as práticas e os saberes
em jogo nesse processo. Aqui, abordo esse tema, parte da
minha tese de doutoramento, que problematiza a forma­
ção de professores de surdos, já que vivemos atualmente,
no cenário da educação brasileira um momento ímpar em
que os surdos lutam para uma educação de qualidade e
assim, novos profissionais entram no cenário e por isso a
discussão da formação entra em pauta. Na pesquisa original,
busquei discutir com os professores em momentos de for­
mação diferentes, sobre suas experiências e sua formação
para tornarem-se professores de surdos em suas práticas
diárias. Professores que atuam numa abordagem bilíngue.
Portanto, ao longo do texto, algumas falas de professores
vão sendo inseridas. O recorte que me proponho a fazer
aqui é discutir como a formação dos professores de surdos
implica uma atitude muito além da técnica, mas estética e de
cuidado de si.
Palavras-chave: Formação de professores de surdos. Ati­
tude. Papel do intelectual.
A formação dos professores e o papel do intelectual
Por se tratar de um tema atual, na educação de surdos,
já que vivemos momentos de busca constante de novos
especialistas, de novas pessoas que atuem na educação de
surdos, formação é a pauta do dia.
*
Doutora em Educação pela UFES.
Por isso, inicio o texto discutindo sobre a formação e
o papel do intelectual nesse processo, convidando Favacho
(2009) para uma reflexão, pois o autor propõe, a partir de
uma abordagem foucaultiana, discutir o cuidado de si como
uma superação de uma questão comumente dicotômica: a
relação teoria e prática na formação de educadores. O autor
sugere uma análise de um tipo de formação de professores,
sustentados nas questões éticas, denominadas de cuidado
de si. Porém os caminhos que a dicotomia entre teoria e
prática, como discurso corrente nas formações, traduz as
possibilidades de discutir como os saberes pedagógicos
são criados por meio da pesquisa das práticas educacionais,
realizadas no cotidiano da escola.
Quem nunca ouviu a frase célebre, nas salas dos pro­
fes­sores, ou em espaços de formação: “aprende-se mesmo é
na prática”? Além de Favacho (2009) chamar a atenção para
esse tipo de enunciado, afirma que o mesmo denota um
sentimento de insatisfação e ressentimento endereçados,
principalmente, aos intelectuais.
Na década de 80, os pesquisadores dos diferentes
pro­gramas de mestrados e doutorados começam a dialogar
com os saberes da prática docente e, ao incorporá-los, abre
um espaço enorme para que os profissionais da área da
educação adentrem os programas de pós-graduação. Porém,
mesmo com a tentativa clara de aproximação dos discursos,
o discurso que alimenta a dicotomia teoria e prática é
retroalimentado constantemente.
É apontado, com veemência, o afastamento constante
da academia e do trabalho do intelectual dos saberes dos
professores.
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
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Tais intelectuais deixaram de ser os possíveis causadores
dessa dicotomia e passaram a pensá-la, interpretá-la e
a buscar soluções políticas e metodológicas. É nesse
contexto que surgem expressões tão conhecidas no meio
educa­cional como, por exemplo, curso de reciclagem,
for­mação continuada de professores, planejamento partici­
pativo, projeto educativo, entre outros (FAVACHO,
2009, p. 107).
Com um movimento importante da ANFOP, que
consolida o Movimento pela Reformulação dos Cursos de
Formação de Educador, o resultado é uma Base Comum
Nacional da Formação de Professores (FAVACHO, 2009).
“Incorporada pela atual LDBEN 9.394/96, ela previa entre
outras coisas, uma sólida formação teórica e prática de for­
ma indissociável” (FAVACHO, 2009, p. 107).
E o autor continua sua discussão afirmando que, no
avançar da década de 1990, nasce um conjunto de estudos,
que perduram até hoje, sobre a prática ou saberes docentes.
Formação de
professores de
surdos: atitude e
contraconduta
Dessa vez, trata-se de interpretações que não ressaltam
a dicotomia entre teoria e prática em si, e sim de saberes
da experiência docente que foram, segundo os seus
mentores, menosprezados pela universidade, embora
tivessem força argumentativa suficientemente coerente.
Podemos considerar que tais interpretações são, digamos,
mais sensíveis ou dispostas a analisar a problemática dos
professores da educação básica de um outro prisma: o da
expe­riência dos saberes docentes (FAVACHO, 2009, p. 107).
Então, esse período da década de 1990, passa a ser
um “período histórico de conscientização generalizada por
parte dos professores, de que eles são produtores de saberes
e não apenas reprodutores das teorias universitárias sobre a
docência” (FAVACHO, 2009, p. 107). Vários pesquisadores
passam a discutir esses saberes docentes como uma saída para
a dicotomização entre teoria e prática e uma aproximação
das teorias dos intelectuais e dos professores.
Como consequência, grandes mudanças, segundo
Favacho (2009) ocorreram na questão da formação do pro­
fessor, já que nessa perspectiva novos campos de saber são
incorporados: psicanálise, história oral e do ciclo de vida
dos professores.
Obviamente, essas circunstâncias favoreceram também a
implantação de políticas públicas de impacto, como foi o
caso dos PCNs, dos Temas Transversais e das Diretrizes
Curriculares Nacionais. Foi nesse momento que os pro­
fessores ganharam o status de professores-pequisadores
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ou de professores-reflexivos, o que, metodologicamente,
fortaleceu expressões como pedagogia de projetos, sujeito
sócio-histórico, projeto político-pedagógico, entre outras
(FAVACHO, 2009, p. 108).
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
Segundo esse grupo de pesquisas emergentes, a
dicotomização passa a dar lugar aos saberes da experiência
dos professores, geralmente saberes ignorados pelas
universidades. O saber docente, segundo Tardif (2002),
[...] não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos
professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa
e a identidade deles, com a experiência de vida e com sua
história profissional, com suas relações com os alunos em
sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc.
Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses
elementos constitutivos do trabalho docente (TARDIF,
2002, p. 11).
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O elemento prática do professor e a reflexão do
professor passam a ser fundantes nas novas perspectivas
sobre formação de professores. Segundo García (1992),
quando assumimos o conceito de formação, assumimos certa
posição ideológica, epistemológica, cultural, o que torna a
palavra formação semanticamente complexa.
Ainda nessa perspectiva, para Nóvoa (2007), os pro­
fessores fazem parte de um grupo de profissionais sensível
ao efeito da moda. Para o autor, as modas estão cada vez
mais presentes no espaço educativo e são consequência na
maioria das vezes, da circulação de ideias que é muito grande
no mundo atual. “A adesão pela moda é a pior maneira de
enfrentar os debates educativos, porque representam uma
“fuga para frente”, uma opção preguiçosa, que dispensa o
tentar compreender” (NÓVOA, 2007, p. 17).
Todavia o autor analisa que paradoxalmente, os do­
centes, como um grupo de profissionais, assim como aderem
à moda, também resistem. As duas posições, rigidez e plas­
ticidade, definem modos distintos de encarar a profissão
docente (NÓVOA, 2007). E como a profissionalização do
ensino, de acordo com o autor, se faz à custa de um tipo de
saber experiencial “[...] podendo até adaptar-se à expressão
de Anthony Giddens (1991) e denunciar a ‘confiscação
da experiência’. Por isso, é fundamental fazer com que os
professores se apropriem dos saberes de que são portadores
e os trabalhem do ponto de vista teórico e conceptual”
(NÓVOA, 2007, p. 17).
Para o autor, a maneira como ensinamos ou como
encaramos o ensino, passa por um processo identitário.
A maneira como ensinamos, está diretamente ligada ao
que somos, ao que acreditamos, a como nos constituímos.
“E as opções que cada um de nós tem de fazer como
professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a
nossa maneira de ensinar e desvendam, na nossa maneira de
ensinar, a nossa maneira de ser”. (NÓVOA, 2007, p. 17).
É impossível, segundo Nóvoa (2007), separar o eu pessoal
e o eu profissional. “Não se muda inteiramente em pouco
tempo; eu ousaria até dizer, sem medo de exagerar: não
se muda totalmente nunca, ou melhor, estamos mudando
sempre, mas não conseguimos apagar a história que nos
constitui [...]” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13). E con­
tinuando com a autora, ela afirma que somos o mesmo e
diferentes e é por isso que, ao entrarmos em contato com
uma nova metodologia, nos frustramos por não assimilála tão rapidamente, já que ela exige mudança de atitude,
mudança de hábitos, novas crenças.
Formação de
professores de
surdos: atitude e
contraconduta
E é justamente porque é impossível mudar o outro que
julgo importante construir com ele, professor como eu,
momentos de reflexão, momentos em que espontaneamente,
ele possa falar de seus problemas, de suas ansiedades, de
suas preocupações sem que lhe seja dada nenhuma solução
pronta [...] e quem somo nós, ainda que nos julguemos
estudiosos, especialistas, para dizermos ao colega como ele
deve proceder, se ele é que, de fato, conhece o contexto em
que atua! Dizer ao outro o que ele “deve” fazer, é a meu
ver, desconsiderar seus conhecimentos, seus saberes, suas
experiências (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13-14).
Baseada nessa tendência, as pesquisas relacionadas
à vida dos professores, aos relatos de suas experiências,
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autobiografias, passam a emergir. Aos professores, então,
no lugar de protagonistas nas pesquisas, é requerido que
fale e exponha sobre si mesmo. É requerido que se examine,
que reflita, que se julgue e que se transforme. Isso o torna
sujeito de sua ação e essa ação provém de suas experiências
profissionais. Logo, suas experiências passam a ser con­
sideradas no conjunto de saberes pedagógicos produzidos.
Ao se expor, ao colocar sua experiência, suas vivências,
Eckert-Hoff (2008) os denomina, em sua pesquisa de
doutorado1, como sujeitos-professores. Segundo a autora,
a partir do momento em que esse sujeito-professor narra
a sua história de vida, fala de si mesmo e do outro, de sua
experiência, de fatos e acontecimentos.
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
[...] o sujeito-professor está imbuído de uma trajetória de
formação pessoal e profissional- e deve entender que (re)
significar a formação significa apropriar-se do estranho, do
outro, vozes que se somando a outras, vem construir, de
forma heterogênea e cindida, o processo de identificação
do sujeito (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13-14).
Compreender como os professores se constituem
por meio de suas narrativas, por meio de sua trajetória
profissional, nos possibilita rever a ideia de um tipo de
formação numa tendência de homogeneização do professor.
Quando o professor fala de si, nos possibilita olhar o que
está em jogo em sua formação descentrando, assim, a
identidade desse sujeito-professor e possibilitar possíveis
(re)direcionamentos na perspectiva de formação. E é baseada
nessa perspectiva que discuto, adiante, a formação dos
professores de surdos.
A formação dos professores de surdos...
Magistério era o curso que de tradição na minha família,
então não poderia ser diferente comigo. Conclui o curso normal
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O trabalho da autora denominado: “Escritura de si e identidade: o sujeitoprofessor em formação” é a sua tese de doutoramento em que discute a
formação das identidades dos professores de língua materna.
e comecei a trabalhar em uma creche em Viana. Foi quando
uma prima que trabalhava com surdos, pois ela tinha um filho
surdo e trabalhava na escola Oral e Auditiva em Vitória me
convidou fazer um curso oferecido pelo Estado. No principio
eu relutei, mas a minha mãe relutou mais ainda contra a minha
decisão, pois ela cobrava que só ela levava meus irmãos para
escola e precisava de ajuda. Foi por um pouco de pressão que
tomei a decisão e fui fazer o curso junto com uma outra prima.
(Profa. Janaína).
Formação de
professores de
surdos: atitude e
contraconduta
Há mais ou menos 20 anos atrás interessei em fazer um
curso de LIBRAS que, na verdade, foi o primeiro no município
de São Mateus-ES, ministrado por uma jovem que veio do
Rio de Janeiro, na Primeira Igreja Batista. Muito curiosa em
conhecer a língua dos Surdos, fui a primeira aluna ouvinte a se
matricular. Confesso que não foi nada fácil, mas fui em frente
e então, aconteceu que durante esse período fiquei grávida e
precisei deixar a interpretação. (Profa. Rosa).
[...] Por querer aprofundar mais meus conhecimentos,
em 2008 sai da sala regular e passei a trabalhar no AEE da
prefeitura de Vitória, cada dia me encanto mais em trabalhar
com alunos surdos e vejo o quanto eu tenho de aprender e essa
“falta de saber” me instiga a querer sempre mais informações.
Tenho muito a aprender e que bom termos um grupo pra
discussão de nossas práticas e teorias para embasar nosso
trabalho. (Profa. Liana)
A formação de professores de surdos é um tema forte
nas rodas de conversas, em diferentes momentos, tanto
num bom boteco, ou mesmo num curso de formação. Um
assunto que me instiga pelo fato de compreender que, com
a virada epistemológica que ocorre na educação de surdos,
com saberes sobre a libras sendo instituídos, percebemos
que diferentes percursos formativos desses profissionais vão
constituindo o que hoje chamamos de educação bilíngue.
A ideia de educação bilíngue não vem como método
fechado, com um percurso ou material formativo definitivo.
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Mas ela é constituída com as práticas discursivas e as
experiências, dos profissionais que se envolvem com a
educação de surdos. Tanto as práticas, as experiências,
quanto os movimentos surdos desenvolvem a ideia de
educação bilíngue.
Tomando esse foco como base, a pergunta sobre a
formação de professores de surdos fica em aberto. É possível
pensar num movimento de formação mais prescritiva
como formação possível desses professores? Como temos
formatado a formação desses sujeitos, ao longo do caminho
que a educação bilíngue vem tomando?
Segundo Machado e Lunardi-Lazzarin (2010), a for­
ma­ção de professores de surdos, no campo da inclusão, se
trata de um dispositivo de governamentalidade dos sujeitosdocentes já que produz efeitos de verdades específicos,
nos discursos de formação nas políticas de inclusão. Na
atual conjuntura, a formação docente vem com estratégia
precisa na constituição de um corpo de sujeitos-professores
interessados e sensibilizados nessa política. Vem responder
a uma urgência histórica. Por governamento Foucault
(2006) designa:
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
E com essa palavra quero dizer três coisas: O conjunto
constituído pelas instituições, procedimentos, análises
e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta
forma bastante específica e complexa de poder, que tem
por alvo a população, por forma principal de saber a
economia política e por instrumentos técnicos essenciais
os dispositivos de segurança. A tendência que em todo
o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito
tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se chama
de governo, sobre todos os outros – soberania, disciplina,
etc, e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos
específicos de governo e de um conjunto de saberes. O
resultado do processo através do qual o Estado de justiça da
Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI. Estado
administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado
(FOUCAULT, 2006, p. 291-292).
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Vale pontuar, neste momento, a necessidade urgente de
formação de um conjunto de saberes político-pedagógicos,
para a constituição de um corpo de expertise a fim de que
práticas relacionadas à propagação da política instituída
sejam garantidas.
Formação de
professores de
surdos: atitude e
contraconduta
Assim, os saberes legitimados pela formação de professores
refinam o investimento de poder operado pelas instituições
escolares, constituindo-se, nessa engrenagem, como uma
estratégia de enquadramento dos sujeitos, especialmente
em razão da necessidade de produzir alunos e professores
dóceis, maleáveis, administráveis. Nessa paisagem em que
se torna indispensável formar um determinado corpo de
experts e colocar determinadas práticas em funcionamento,
a educação especial constitui-se como uma expertise, um
aparato de saber pedagógico emergente no contexto da
modernidade para equacionar e continuar produzindo os
estranhos – entre eles, os surdos – necessários à dinâmica
de ordenamento dessa racionalidade (MACHADO;
LUNARDI-LAZZARIN, 2010, p. 23).
Pensando, então, nos familiares e cristãos que passam
a fazer parte dos novos experts que compõe o cenário da
educação de surdos, chegam com um saber específico
e com as verdades instituídas pelas práticas discursivas
vividas no meio dos surdos. Passam, como o servo de Laio
(na história do Édipo, o rei), a falar de igual para igual com
os especialistas afirmando: “eu vi, eu experienciei, eu sou
testemunha que saber Libras é fundamental na educação de
surdos. Eu tenho esse saber...”
Nas falas das professoras acima, podemos perceber
que os diferentes espaços de formação são construídos por
motivações distintas também. Enquanto a primeira pro­
fessora descreve a pressão familiar, no sentido de contribuir
para a educação e cuidado dos irmãos surdos, a segunda
explica sua motivação cristã, ao se sentir convocada para a
“obra” de salvação dos surdos e acaba se tornando professo­
ra com a demanda. Já terceira, aparece com a emergência
da inclusão e com o encontro com esse sujeito surdo que a
coloca nesse lugar.
E as práticas que há anos vêm instituindo o movimento
surdos, alimentando esse grupo, constituem esse novo saber,
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essa verdade que está relacionada à experiência. O perigo
se dá, quando começa a se tornar em oracular, quando as
condições sociais no momento histórico que se instituem,
as legitimam (como as leis e os decretos de Libras por
exemplo). Assim, as formações as tomam para si como um
saber único e exclusivo, como a verdade do momento, da
atualidade.
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
O
professor de surdos como intelectual
específico
A busca da verdade é um problema que Foucault
aborda, com muita veemência, em seus estudos. Não a
verdade como algo preexistente ou “dado aí desde sempre”.
Mas algo que também passa a ser objeto de trabalho in­
terminável dos intelectuais.
A função do intelectual, de acordo com Foucault
(2006), não se resume a dizer aos outros, o que deve ser feito:
Com que direito o faria? Lembrem-se de todas as profe­
cias, injunções e programas que os intelectuais puderam
formular durante os dois últimos séculos, cujos efeitos
agora se vêem. O trabalho de um intelectual não é moldar
a vontade política dos outros; é, através das análises que faz
nos campos que são os seus, o de interrogar novamente as
evidências e os postulados, sacudir os hábitos, as maneiras
de fazer e de pensar, dissipar as familiaridades aceitas,
retomar a avaliação das regras e das instituições e, a partir
dessa nova problematização (na qual ele desempenha seu
trabalho específico de intelectual), participar da forma­
ção de uma vontade política (na qual ele tem seu papel de
cidadão para desempenhar) (FOUCAULT, 2006, p. 249).
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E Foucault continua sua defesa de um posicionamento
político do intelectual, uma vez que afirma que um regime
político é inconsistente, quando indiferente à verdade e
perigoso quando pretende prescrevê-la. E o intelectual,
quando tem como função o “dizer verdadeiro”, precisa
do cuidado com essa função e não se trata de um dizer
prescritivo, mas analítico das relações que os sistemas de
pensamento vão se constituindo. O seu papel consiste em
fazer a crítica.
Em vários cursos proferidos no Collége de France,
o autor trabalha a questão da arte de governar, analisando
os sentidos e dispositivos que constituem essa arte,
historicamente, no exercício do poder e do saber. E afirma
que a ideia dessa arte está ligada diretamente à descoberta
e ao conhecimento de uma verdade. E “[...] isso implica
a constituição de um saber especializado, a formação de
uma categoria de indivíduos também especializados no
conhecimento dessa verdade” (FOUCAULT, 2010b, p. 46).
Diante disso, Foucault nos alerta para algo que aconte­
ce inversamente à constituição desse saber, especializado
com a verdade constituída, que diz respeito ao “[...] fato
de um certo número de indivíduos apresentarem-se como
especialistas da verdade a ser imposta à política é porque,
no fundo, eles encobriram qualquer coisa” (FOUCAULT,
2010b, p. 46).
E o autor continua nos provocando afirmando que se
TODOS conhecem a verdade, a verdade que possibilita o
governo, não seria possível governar.
Formação de
professores de
surdos: atitude e
contraconduta
Isso seria imediatamente a revolução: façamos cair a
máscara, descubramos as coisas tal como elas se passam,
tomemos cada um de nós consciência disso que é realmente
a sociedade na qual vivemos e do processo econômico no
qual somos inconscientemente os agentes e as vítimas;
tomemos consciência do mecanismo de exploração e
de dominação etc., e, imediatamente o governo cai!
(FOUCAULT, 2010b, p. 46-47).
Quando um sistema de pensamento (e em nosso caso
aqui, o cenário da educação de surdos como esse sistema),
começa a constituir verdades que vão se modificando, os
saberes especializados, por sua vez, também vão tomando
outros rumos e criando especialistas sobre esse saber.
No nosso caso, “o saber da Libras”, como um sa­
ber especializado, vai tomando espaço de forma insti­
tucionalizada, abrindo caminhos e possibilidades outras
de existir a educação bilíngue para os surdos, em nossa
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atualidade, substituindo o especialista em surdez na pers­
pectiva clínica. Temos, pelo menos, quatro novos espe­
cialistas nesse quadro atual: os professores de surdos bi­
língues, os intérpretes de Libras, os instrutores de Libras e
os professores de língua portuguesa, como segunda lín­gua.
Porém focarei, aqui, no professor de surdos como um
intelectual específico, discutindo com Foucault o seu papel
na educação de surdos.
Em um diálogo interessantíssimo com Deleuze e em
outras conversações, Foucault nos chama atenção para a
questão da tarefa do intelectual na sociedade. Vamos tomar
emprestado o que ele nos fala, sobre isso, para pensarmos a
tarefa do professor de surdos, em nossos dias.
Deleuze, em conversa com Foucault (2005), inicia o
diálogo fazendo as relações entre teoria e prática, afirmando
que se dão de uma forma diferente do que tradicionalmente
é colocado como a prática, como aplicação da teoria ou
vice versa. Deleuze afirma que essas relações (entre teoria e
prática) são muito mais fragmentárias e parciais. “A prática
é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra e a
teoria um revezamento de uma prática a outra. Nenhuma
teoria deve se desenvolver sem encontrar um muro e é preciso
a prática para ultrapassá-lo” (FOUCAULT, 2005, p. 70).
E Deleuze cita como exemplo o próprio Foucault, em
seus estudos teóricos sobre asilos psiquiátricos. Deleuze
relembra a necessidade de, em certa altura do estudo, ouvir
os reclusos nesses asilos. Bem como nos estudos sobre as
prisões, quando Foucault cria o GIP (Grupo de Informação
sobre as prisões), que promove as condições para que os
presos possam falar sobre si e sobre as prisões.
O papel do intelectual pode também ser confundido
e, muitas vezes, enaltecido por alguns. Foucault (2010a)
também chama atenção para isso em conversa com José, um
operário da Renault. José diz: “O papel do intelectual que
se põe a serviço do povo pode ser o de reenviar, amplamen­
te, a luz que vem dos explorados. Ele serve de espelho”
(FOUCAULT, 2010a, p. 87). E o próprio responde:
Pergunto-me se você não exagera um pouco o papel dos
intelectuais. Estamos de acordo, os operários não precisam
dos intelectuais para saber o que fazem, eles próprios
o sabem muito bem. [...] Seu papel não é o de formar a
consciência operária, visto que ela existe, mas de permitir
a essa consciência, a esse saber operário entrar no sistema
de informações, difundir-se e ajudar, consequentemente,
outros operários ou pessoas que não têm consciência do
que se passa. (FOUCAULT, 2010a, p. 87).
E então José conclui dessa fala de Foucault: “E, a
partir daí, o intelectual favorece as trocas. Então, ele não vai
dizer aos operários o que é preciso fazer. Ele reúne as ideias.
Escreve. Acelera as trocas, as discussões entre as pessoas
sobre o que as divide”. (FOUCAULT, 2010a, p. 87). E ainda
discutindo com Deleuze, Foucault afirma categoricamente:
“Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é
que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem
perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas
o dizem muito bem” (FOUCAULT, 2005, p. 71).
E continua discorrendo sobre como esse saber das
massas é invalidado por um tipo de sistema de poder do
qual os próprios intelectuais fazem parte. O papel do
intelectual deixa de ser o se colocar a frente e dizer verdades
que moldem uma consciência discursiva. “É antes o de lutar
contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo
tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da
“verdade”, da “consciência” e do discurso” (FOUCAULT,
2005, p. 71).
Essa é a nova relação com a prática, que Deleuze e
Foucault chamam atenção, no papel do intelectual. Para
eles “é por isso que a teoria não expressará, não traduzirá,
não aplicará uma prática; ela é uma prática” (FOUCAULT,
2005, p. 71). E Deleuze completa: “Uma teoria é como uma
caixa de ferramentas. [...] É preciso que sirva, é preciso que
funcione” (FOUCAULT, 2005, p. 71).
O verbete Intelectual no vocabulário de Foucault nos
dá mais pistas para pensarmos e levantarmos questões sobre
o papel desse sujeito na sociedade atual.
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Tradicionalmente, a politização de um intelectual, segun­
do Foucault, levava-se a cabo segundo dois eixos: sua
posição de intelectual na sociedade burguesa e a verdade
que trazia à luz em seu discurso. Um intelectual dizia a
verdade àqueles que não a viam e em nome daqueles que
não podiam dizê-la. Assim, o intelectual de “esquerda”
tomava a palavra e, como representante universal, se lhe
reconhecia o direito de falar como mestre da verdade e
da justiça. [...] Foucault opõe a essa figura do “intelectual
universal” a figura do “intelectual específico”. Enquanto
o intelectual universal deriva do “jurista-notável” (do
homem que reinvindicava a universalidade da lei justa), o
intelectual específico deriva do “sábio-experto”.
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Continuando na linha de discussão sobre o intelectual
específico, tomo como referência o texto de Adorno
(2004) que traz uma discussão, levantada por Foucault,
em seu curso “A Coragem da Verdade”, sobre a tarefa do
intelectual num modelo socrático. Ele começa apontando
para a diferença que Foucault faz do intelectual universal,
para o intelectual específico conforme citado no próprio
verbete do vocabulário. O universal é portador da verdade
e da justiça. Quase uma consciência da sociedade. Essa visão
que “universal” lhe permite distinguir o certo do errado, o
verdadeiro do falso faz com que esses intelectuais não ajam
sobre questões práticas e locais e, por isso, acabam mantendo
um discurso generalista.
Para Foucault essa figura, em nossos tempos, deve
ser substituída pelo intelectual específico que age se­
gundo uma outra relação entre teoria e prática. Age sobre
problemas práticos, locais. Devido a sua relação com o
conhecimento de um campo específico, opera com uma
crítica determinada. Seu papel político não se trata apenas
de criticar os conteúdos ideológicos em busca de uma
ideologia justa. “É antes saber se é possível constituir uma
nova política de verdade. O problema não é mudar a cons­
ciência das pessoas ou o que elas têm na cabeça, mas o
regime político, econômico e institucional de produção de
verdade”. (ADORNO, 2004, p. 43).
Ao lidarmos com a verdade, como produto de um
jogo de forças, que opera sobre a maquinaria social, criando
regimes, podemos concluir então que não existe nem uma
natureza, nem uma essência da verdade se refletindo no
mundo. Portanto, o intelectual “específico” tem seu papel
bem determinado na ação sobre as diferentes verdades.
Partindo então dessa premissa, podemos concluir
que o papel desse intelectual é desestruturar o presente.
Não a partir de uma simples crítica desse presente, “mas na
tenacidade em demonstrar a contingência do presente, em
desestruturá-lo como resultado de um processo histórico”
(ADORNO, 2004, p. 43). E exclui qualquer possibilidade
de prever o futuro. Ele deve dizer como é hoje, fazendo
aparecer como não sendo de fato e como poderia não ser.
Seu papel pode ser retomado na perspectiva de
Focault…
Formação de
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contraconduta
Desde que ele renuncie a se considerar como a consciência
universal da sociedade e se dedique à discussão de alguns
problemas específicos, a questão é saber qual será o real
impacto de sua crítica sobre a sociedade e que tipo de relação
se estabelecerá entre seu trabalho teórico e sua prática de
vida (ADORNO, 2004, p. 44).
Há quem possa questionar e dizer que, sendo o
intelectual específico uma pessoa que analisa questões
específicas não dê conta de pensar respostas mais amplas, para
problemas determinados. Foucault responde, claramente,
que não é possível que uma pessoa possa responder sobre
questões sociais, verdadeiramente, simplesmente por meio
de suas pesquisas.
Adorno (2004) então chama atenção para um dos
pontos primeiro do intelectual: o “princípio de modéstia”
que tira do intelectual a necessidade de desempenhar um
papel hegemônico na sociedade. Segundo Foucault, é a
responsabilidade de cada um estar engajado numa mudança
social ampla e profundamente crítica. “A função do in­
telectual é ajudar a formular corretamente os problemas”
(ADORNO, 2004, p. 45). Não cabe ao intelectual apontar
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para um sistema correto ou incorreto, mas mostrar como
acontece, destrinchar os processos, dizer como funciona
determinado regime. Cabe às pessoas fazerem suas escolhas.
Em segundo lugar, para Foucault, a partir da problema­
tização dos problemas locais, o intelectual se torna capaz de
pensar problemas gerais. Inclusive, a opção por problemas
locais, que são analisados pelo intelectual, acabam por estar
relacionadas a questões individuais.
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
É a partir de si que se pode fazer funcionar questões
técnicas e locais que representam outros tantos pontos
de vista que levam a uma visão do conjunto da sociedade
e de seu funcionamento. O intelectual deve ser capaz se
interrogar enquanto cidadão preocupado com as questões
técnicas e questões cotidianas. Ele mesmo poderá ser o
motor de análises teóricas justamente a partir de seus
questionamentos pessoais. Dito de outro modo: ele deve
ser capaz de permutar sua posição de intelectual com sua
posição de cidadão (ADORNO, 2004, p. 46).
Enfim, o trabalho do intelectual, para além da função
política, mas por conta da sua ligação entre a vida prática e
as questões teóricas defendidas, também está ligado a uma
existência ética e estética.
A fim de que o intelectual não caia na armadilha dos
jogos de poder, quando está na luta política das minorias
dando sua contribuição à causa com seu conhecimento
técnico, há um critério de inteligibilidade desse sujeito. O
intelectual deve se limitar a fazer seu trabalho, porém, sem
nunca perder sua capacidade crítica profunda que está ligada
diretamente ao seu papel.
Assim como o papel do intelectual é um papel de fazer
a crítica, ele mesmo o é criticado em todo tempo. Foucault
em várias entrevistas vai enumerando isso. Adorno (2004)
mesmo coloca críticas profundas sobre o esvaziamento do
trabalho do intelectual e sobre o perigo da hipocrisia.
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Se esse temor é perfeitamente justificado, é preciso lem­
brar também que o apoio dado às minorias em causas
locais, específicas, técnicas, é em si mesmo um gesto
político e não apenas moral, pois interrompe o processo
individualizante de poder e abre a possibilidade de
constituição de subjetividade no exterior dos esquemas de
poder (ADORNO, 2004, p. 49).
Formação de
professores de
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contraconduta
Nunca se tratou, para Foucault, a definição séria de
uma doutrina política, mas de perceber como ocorrem as
intervenções dos intelectuais e as relações estabelecidas, por
meio dessas intervenções, junto à sociedade (ADORNO
2004).
Diante dessa mudança de perspectiva quanto ao
trabalho do intelectual diante do seu papel definido pelo
próprio filósofo quanto a “Desestruturação do Presente”,
Foucault faz uma discussão sobre o que é denominado
por Baudellaire como “atitude de modernidade”. Ele o
faz quando discute o PRESENTE como um conceito,
analisando uma resposta de Kant a seguinte pergunta: Was
ist Aufklarung?2 Que traduzindo: O que são as Luzes?
Para Foucault (2005), Kant, em sua resposta, levanta
um problema novo analisando o presente como pura
atualidade, pois quando o analisa, não o faz a partir de
um resultado de uma ação, que seria futura, ou de uma
totalidade. “Ele busca uma diferença: qual a diferença que
ele introduz hoje em relação a ontem?” (FOUCAULT,
2005, p. 337).
A hipótese que Foucault levanta é a de que esse texto
de Kant é uma reflexão sobre a atualidade de seu trabalho,
já que se encontra entre uma análise crítica e uma análise
histórica do mesmo. E essa reflexão sobre a “atualidade” do
trabalho em questão, para Foucault, é um esboço do que
poderia se chamar de “atitude de modernidade”.
Modernidade é comumente vista como uma época,
de tal forma que, o que vem antes ou depois, pode ser
chamado de pré-modernidade ou pós-modernidade. Enfim,
a proposta de Foucault (2005), baseado nesse texto de Kant,
é tentar encarar a modernidade mais como atitude do que
2
Resposta de Kant ao periódico alemão Berlinische Monatsschrift, publicada
em dezembro de 1784.
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um período de tempo determinado na História. “Por atitude,
quero dizer um modo de relação que concerne à atualidade;
uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, uma
maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir
e de se conduzir que tudo, ao mesmo tempo, marca uma
pertinência e se apresenta como uma tarefa” (FOUCAULT,
2005, p. 342).
A modernidade para Foucault tem algumas carac­
terizações específicas. E o próprio busca, em Baudelaire3,
a inspiração para discutir esse tema. Uma característica é
a frequência com que a modernidade é vista como uma
“ruptura da tradição, sentimento de novidade, vertigem do
que passa” (FOUCAULT, 2005, p. 342). Para Baudelaire,
segundo Foucault, “[...] ser moderno não é reconhecer e
aceitar esse movimento perpétuo; é ao contrário, assumir
uma determinada atitude em relação a esse movimento; e
essa atitude voluntária, difícil, consiste em recuperar alguma
coisa de eterno que não está além do instante presente, nem
por detrás dele, mas nele (FOUCAULT, 2005c, p. 342).
É essa atitude que permite heroificar o presente. Para
Baudelaire, o pintor moderno, é aquele que, na hora em que
todos dormem, se põe a trabalhar e transfigura seu trabalho.
“Transfiguração que não é anulação do real, mas o difícil
jogo entre a verdade do real e o exercício da liberdade”
(FOUCAULT, 2005, p. 343) onde “as coisas renascem [...]
naturais, mais que naturais; belas, e mais do que belas; sin­
gulares e dotadas, como a alma do autor, de uma vida em
estado de exaltação” (BAUDELAIRE, 2010, p. 32).
A atitude de modernidade toma o alto valor que tem
o presente, mas sem se eximir de imaginá-lo diferente do
que é, transformando-o sem destruí-lo, mas captando-o. “A
modernidade baudelairiana é um exercício em que a extrema
atenção para com o real é confrontada com a prática de uma
liberdade que, simultaneamente, respeita esse real e o viola”
(FOUCAULT, 2005, p. 344).
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3
Livro: O Pintor da Vida Moderna. Referência completa nas referências
bibliográficas.
Porém, outra característica da modernidade, para além
da relação com o presente, é a relação consigo mesmo. “Ser
moderno não é aceitar a si mesmo tal como é no fluxo dos
momentos que passam; é tornar a si mesmo como objeto
de uma elaboração complexa e dura” (FOUCAULT, 2005,
p. 344). Essa atitude voluntária de modernidade requer,
como diz Foucault, um ascetismo indispensável. “O
homem moderno, para Baudelaire, não é aquele que parte
para descobrir a si mesmo, seus segredos e sua verdade
escondida; ele é aquele que busca inventar-se a si mesmo.
Essa modernidade não liberta o homem em seu ser próprio;
ela impõe a tarefa de elaborar a si mesmo (FOUCAULT,
2005, p. 344).
Na aula de 5 de janeiro de 1983, no curso “O Governo
de si e dos outros” Foucault lê a resposta que Kant deu à
pergunta sobre “O que são as luzes?”: “A saída do homem
da sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável”
(FOUCAULT, 2010b, p. 25). E quando Foucault, nessa
mesma aula, vai discorrendo detalhadamente sobre o que
Kant diz sobre esse assunto, o autor entra na questão
da capacidade do homem de elaboração de sua própria
subjetividade, de governar a si mesmo. E a isso, chama de
ATITUDE. Não é apenas um trabalho político, mas estético.
Diante do exposto, é possível pensar o professor de surdos
como um intelectual específico? Porque razão isso se torna
uma questão do nosso presente?
Se pensarmos a nossa trajetória histórica, já fomos
“apenas” intérpretes em igrejas e acabávamos em associações.
Éramos bons cristãos, familiares. Ou ainda, quando não
familiares, simpatizantes com a causa surda por algum
chamado de Deus, por alguma missão especial. Nosso
trabalho sempre foi altamente relacionado a uma vivência
pessoal com o sujeito surdo. Acabamos nos subjetivando,
para o bem ou para o mal, a uma causa política, moral de
defesa dos surdos.
Com isso, nos tornamos detentores de um saber
peri­goso: o saber da palavra, ou seja, o próprio poder da
enunciação. Esse saber, e por consequência, relações de
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poderes evidentes, nos colocava constantemente num lugar
de destaque em situações diversas, mexendo muitas vezes
com nossa humanidade, com a tentação de conduzir as
minorias, manipular as palavras, criando regimes de verdades.
Por quanto tempo entendemos que nosso papel era
conduzir os surdos do “lado sombrio” do mundo do silêncio
para a luz, que estava em nosso mundo... uma espécie de
exercício do poder pastoral sobre esse sujeito menor e
governável. Entendendo a conduta4 “[...] como de fato, a
atividade que consiste em conduzir, a condução, [...] , mas é
também a maneira como se deixa conduzir, a maneira como
é conduzida e como, afinal de contas, ela se comporta sob
o efeito de uma conduta [...] (FOUCAULT, 2008, p. 255).
E de uma certa forma, levar a esse sujeito o esclarecimento,
muitas vezes nos colocando como o próprio esclarecimento,
tirando-o do seu estado de menoridade, conduzindo-o ao
estado de maioridade5.
E se hoje, na esteira de Foucault, ousamos nos colocar
nesse lugar do intelectual específico é porque acreditamos
que, tanto a Língua de Sinais, quanto a educação de surdos
vem ganhando contornos acadêmicos, consideravelmente
fortes, com o conjunto de saberes que se formam ao redor
das práticas, que constituem esse campo teórico.
Então, quando ousamos pensar em nós, professores de
surdos, que hoje nos constituímos bilíngues, teremos que
assumir alguns compromissos e observar alguns cuidados.
Principalmente se caírmos na armadilha de não exercitar­mos
a aliança entre a prática de vida e o conhecimento teóri­
co, como uma forma ética de vivência. Será que dizemos
o que fazemos? Faz-se necessário nos olhar no espelho e
observarmos como nos subjetivarmos, como tomamos a
ATITUDE.
E nos colocarmos nesse lugar técnico e ético ocorre,
em nosso tempo, por eminência do saber chegando ao surdo.
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4
5
A noção de conduta é um dos elementos fundamentais introduzidos pelo
pastorado cristão na sociedade ocidental (FOUCAULT, 2008, p. 255).
Foucault (2010) afirma que o estado de menoridade para Kant é justamente
quando o homem se coloca para ser dirigido por outro.
Com os surdos acessando o conhecimento, movimentos
de contraconduta6 começam a ser produzidos, o que nos
tira a possibilidade de continuar guiando-os, manipulando
as verdades. É a libertação dos surdos do poder pastoral,
exercido por nós. Seria a sua saída do estado de menoridade?
Porém, também vivenciamos movimentos de contra­­­
conduta. Principalmente quando atuávamos como intér­
pretes, informalmente, numa época em que a língua de sinais
não era conhecida e amplamente confundida com gestos.
Somos desse lugar do exercício capilar de nossa função.
Hoje, quando nos tornamos os profissionais do mo­
mento, esquecemo-nos desse exercício de atitude de trans­
formação. Hoje quando somos muitos, multiplicados em
diversos espaços, requisitados, esquecemos muitas vezes
do exercício da auto avaliação, do exercício de atitude, das
ações nas margens.
Quando exercemos essa atitude, nos tornamos sujeitos
capazes de verdade. Adorno (2004) levanta algumas questões
extremamente necessárias: “Qual a relação entre verdade e
a crítica do trabalho do intelectual? Para que reconhecer se
a crítica é autêntica e verdadeira? Em quem confiar e por
quê?” (ADORNO, 2004, p. 54). Essas questões, segundo
o autor, visam encontrar critérios que permitam verificar
a autenticidade da crítica feita pelo intelectual. O autor
argumenta que é necessário responder a essas questões
porque, em primeiro lugar, “a resposta constitui a chave da
atitude política pessoal” e em segundo lugar, “o vínculo, que
é desde o princípio ético entre o dizer e fazer representa o
critério para julgar a validade e a veracidade de uma posição
política” (ADORNO, 2004, p. 54).
E, por fim, mais do que uma atitude técnica e prática,
a formação dos professores de surdos implica uma escolha
estética, ao pensar nas experiências e nas vivências e nas
6
Foucault denomina de contraconduta “[...] movimento tão específicos quanto
esse poder pastoral, movimentos específicos que são resistências, insubmissões,
algo que poderíamos chamar de revoltas específicas de conduta [...]. São
movimentos que têm como objetivo outra conduta, insto é: querer ser conduzido
de outro modo, por outros condutores e por outros pastores, para outros
objetivos e para outras formas de salvação” (FOUCAULT, 2008, p. 257).
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atitudes que devem ser tomadas, já que estão relacionadas,
diretamente, com os movimentos surdos e com as lutas
implementadas por este grupo minoritário.
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
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123
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 101-124
jul. 2014 / out. 2014
Teacher’s training for tutoring deaf students:
attitude and counter-conduct
Lucyenne Matos da
Costa Vieira-Machado
Abstract
Throughout this paper I am to discuss the teacher’s pe­
dagogical training for tutoring deaf students considering
the practices and the knowledge embedded in this process.
Here, I approach this topic, which is part of my doctoral
thesis, discussing the teacher training for deaf people
taking in consideration that we have been living a unique
moment in the Brazilian education scenario where deaf
people struggle for a good educational system. Hence,
new professionals enter in the scene bringing discussions
concerning teacher training. In the original research, I
tried to discuss with the teachers in different educational
formation moments about their experiences and education
to become teachers of deaf students in their daily practices.
Teachers who work in a bilingual approaching. Therefore,
throughout the text, some parts of teacher’s speech were
inserted. The outline I suggest regards discussing how the
teacher’s training for tutoring deaf students embeds not
only a technical attitude, but also an aesthetic and selfcaring one.
Keywords: Teacher’s training for tutoring deaf students.
Attitude. Intellectual’s role.
Data de recebimento: julho 2013
Data de aceite: outubro 2013
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 101-124
jul. 2014 / out. 2014
124
A produção de pesquisa
científica como um
instrumento na formação
crítico-reflexiva de
intérpretes língua
brasileira de sinais e
língua portuguesa
Neiva de Aquino Albres*
Resumo
O objetivo dessa pesquisa foi produzir apontamentos
teórico-práticos que contribuíssem com as propostas para
a formação de intérpretes. O referencial teórico para o
trabalho vem da história e filosofia (SHAFF e GRAMSCI)
e da sociologia da Educação (BOURDIEU). A metodologia
usada foi de natureza qualitativa, o estudo de caso, fazendo
uso da análise dos artigos científicos produzidos como
trabalho final do curso de formação. Os participantes dessa
pesquisa foram alunos do curso de pós-graduação em Libras
no estado de São Paulo, 21 alunos ouvintes matriculados
entre os anos de 2009 e 2010. Ainda no primeiro semestre,
os alunos foram encaminhados para a orientação de pesquisa
com seus respectivos orientadores que, no decorrer de
um ano, aproximadamente, desenvolviam as discussões
em grupo de trabalho e orientações para produção do
artigo científico. Consideramos que, nesse processo de
formação, o professor da disciplina de metodologia de
pesquisa científica trabalhava, inicialmente, na tentativa
da superação de pautar a formação do intérprete dentro
*
Doutora em Educação Especial pela UFSCar.
do modelo da racionalidade técnica. Foram evidenciadas
duas áreas temáticas de pesquisa: descrição linguística e
Tradução. A Análise do material produzido pelos pes­
quisadores (aprendizes) teve como base duas categorias:
1) Procedimentos de pesquisa; 2) O texto escrito – um
encontro entre discursos. Consideramos que a pesquisa
como “práxis pedagógica” possibilita a formação de um
intérprete crítico-reflexivo.
Palavras-chave: Intérprete de LIBRAS. Formação pro­
fissional. Produção científica.
Neiva de Aquino
Albres
O conhecimento é pois um processo infinito, um
processo acumulado de verdades parciais que a
humanidade estabelece nas diversas fases do seu
desenvolvimento histórico: alargando, limitando,
superando estas verdades parciais, o conhecimento
baseia-se sempre nela e toma-as como ponto de partida
para um novo desenvolvimento (SHAFF, 1995).
Introdução
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 125-143
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126
A formação dos interpretes de Língua Brasileira de
Sinais – LIBRAS é algo novo no Brasil, na década de 1990,
ainda proveniente de convivência com a comunidade surda
e em organizações religiosas (LACERDA, 2009).
O Brasil é muito grande e existem experiências di­
versas de formação dos intérpretes de LIBRAS, em di­
ferentes regiões. Cursos tecnológicos em tradução de
LIBRAS, cursos de graduação em Letras-LIBRAS, curso
de extensão, cursos de capacitação (geralmente oferecidos
pelas secretarias de educação onde os intérpretes trabalham)
ou cursos de pós-graduação são ofertados, em todo o país.
Barbosa e Cerny (2010) indicam que o curso Letras,
quando de Bacharelado em Tradução e Interpretação em
LIBRAS, atende majoritariamente alunos ouvintes que
possuem fluência em LIBRAS. Em 2008, foi a primeira vez
de oferta do curso na modalidade à distância para 450 alunos,
em 15 pólos em todo o Brasil.
Outros estados do Brasil já começaram a abrir cursos
presenciais de bacharelado em Letras LIBRAS. A formação
em Libras em nível de pós-graduação Lato Sensu vem
crescendo no Brasil, principalmente após o decreto federal
5.626/2005, que reconhece a LIBRAS como língua oficial da
comunidade surda e formula princípios para a formação dos
profissionais que atuam com surdos. Todavia, os cursos de
pós-graduação Lato Sensu, geralmente, são gerenciados por
universidades privadas, pouco preocupadas com a qualidade
na formação (ALBRES, 2010).
No Sul do Brasil, mais precisamente na Universida­
de Federal de Santa Catarina – UFSC, a proposta foi de
propiciar uma formação teórico-prática, em nível strictu
sensu (mestrado e doutorado), que permitisse aos intérpretes
de língua de sinais atuar no ensino, enquanto pesquisadores
e multiplicadores (QUADROS, 2005).
Em outras regiões do Brasil é possível desenvolver
pesquisa sobre tradução e interpretação em LIBRAS em
vários programas de pós-graduação, a partir do levantamento
feito por Pereira (2010) constatamos que pesquisadores
produziram 16 dissertações de mestrado e 3 teses de
doutorado até o ano de 2009 sobre intérprete de Libras, sendo
as dissertações inscritas em programas de pós-graduação
de Educação (8), seguidas pela Lin­güística Aplicada (3),
Lingüística (2), Educação Especial (1), Semiologia (1) e nas
Ciências da Linguagem (1); e as teses em Letras Vernáculas
(1), Educação (1) e Educação Escolar (1).
No Brasil, pela sua história de colonização, foi pre­
servado um tipo de ensino baseado no trabalho técnico, a
formação dos intérpretes não se distancia desta perspectiva.
Na segunda metade do Século XIV, a especialização do saber
marca o desenvolvimento da ciência e do conhecimento
científico, assim como a formação dos cientistas e de todos
os profissionais em ensino superior. Há uma negação da
totalidade, diante de um quadro político desfavorável, se
valoriza o aprender a fazer, a prática. As atuais estruturas
curriculares dos cursos de formação levam a esta divisão do
saber (ALVES, 1995).
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
127
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 125-143
jul. 2014 / out. 2014
Alves (1995) indica que, para superar a especialização
do saber, seria necessária uma reestruturação no plano da
organização do currículo, a formação universitária deveria
pleitear três momentos: Fixar-se nos estudos que ofereçam
uma visão clara da sociedade concreta de nossos dias; exigir
que a área de atuação seja analisada em suas relações com
a sociedade; e a formação específica que se programa para
cada modalidade profissional.
No Brasil, a formação em diversos cursos do país,
principalmente os ligados à educação, são de preparo
pragmático profissional sem uma preocupação com a
fundamentação teórico-científica ou com a iniciação
científica (SAVIANI, 2010).
Comprometidos com a transformação da realidade,
bebendo do materialismo histórico dialético, valorizando
a subjetividade e singularidade de cada aluno, distanciamonos do modelo de formação mecanicista. Consideramos
ser de fundamental importância o desenvolvimento de uma
universidade de perfil clássico, com preparação teóricocientífica. Uma formação consistente que permita desenvolver
a reflexão sobre a prática, revendo e reelaborando o seu fazer.
Pesquisas internacionais consideram que a formação
do intérprete de língua de sinais deve envolver o olhar
reflexivo para a prática, mas poucos são os cursos que o
fazem de forma direcionada, como cita Winston (2005):
Neiva de Aquino
Albres
Embora a maioria dos programas de interpretação incorpore
algum tipo de requisito de observação e prática, muitas
vezes esses requisitos são acompanhados de instruções
vagas, como “Participar de um evento de Surdos e
escrever um diário sobre o que viu.’’ Mais recentemente,
os formadores de interpretes e pesquisadores estão
investigando abordagens mais estruturadas e dirigidas para
estas observações e participações (Winston, 2005, p. 113).1
1
Educ. foco, Juiz de Fora,
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128
Although most interpreting programs incorporate some type of observation and
practice requirements, often these requirements are accompanied by somewhat
vague instructions, such as “Attend a Deaf event and write a journal about what
you saw.’’ More recently, interpreting educators and researchers are investigating
more structured and directed approaches to these observations and participations
(WINSTON, 2005, p. 113).
O objetivo deste artigo foi produzir apontamentos
teórico-práticos, que contribuíssem com as propostas para a
formação de intérpretes, abrindo possibilidades de reflexão
sobre a prática do intérprete com o desenvolvimento de
pesquisas.
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
Referencial teórico
A universidade tem como função três atividades
principais: ensino, pesquisa e extensão. Um projeto de
curso de formação profissional não pode distanciar-se
destes três pilares. Desta forma, além da formação técnica e
especializada, a formação para produção cientifica completa
a formação do sujeito pensante. A preocupação com o
avanço do conhecimento sobre o objeto de atividade do
profissional é essencial. Desta forma, a ação pedagógica para
formação de intérpretes de Libras também deve estar guiada
para a produção científica de qualidade, que dê respostas à
sociedade.
Bourdieu (1992, p. 26), considera que “toda ação peda­
gógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário
cultural”. No processo de formação dos intérpretes percebese que buscam a prática, as técnicas e dicas de como enfrentar
as situações do cotidiano. Mas, consideramos que uma sólida
formação passa por propiciar, aos intérpretes, esse arbitrário
cultural, ou seja, o conhecimento acadêmico do qual não fez
parte, até o presente momento, em suas vidas. Para Bourdieu
(2007), o fato de se ter uma certificação escolar revela um
capital cultural diferenciado, no estado institucionalizado.
Todavia, há uma grande diferença de conhecimento pessoal
pelos que têm a mesma certificação. Nesta perspectiva, o
curso aqui descrito procurou levar o intérprete pesquisador
(aprendiz) a compreender o processo de conhecer.
Historicamente, a filosofia é tomada como princípio
do fazer científico, e quando da emergência do positivismo,
se finge poder dispensá-la, tempos em que é desprezada em
prol da racionalidade, neste domínio histórico. No processo
129
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Neiva de Aquino
Albres
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130
do conhecimento a tríade que se estabelece é “o sujeito que
conhece, o objetivo do conhecimento e o conhecimento
como produto do processo cognitivo” (SHAFF, 1995, p. 72).
Para Schaff (1995), há essencialmente três modelos do
processo do conhecimento. Primeiro modelo denominado
de teoria do reflexo – “(...) presume, pois que o sujeito seja
um agente passivo, contemplativo e receptivo, cujo papel
na relação cognitiva é o de registrar estímulos vindos do
exterior, papel semelhante ao de um espelho” (SHAFF, 1995,
p. 73). O segundo modelo denominado de idealista e ativista,
na relação sujeito-objeto o olhar volta-se ao sujeito. Dessa
forma, ao sujeito é atribuído um papel criador da realidade,
se observa o fator subjetivo do processo cognitivo. Já ao
terceiro modelo “é atribuído aqui um papel ativo ao sujeito
submetido por outro lado a diversos condicionamentos,
em particular às determinações sociais, que introduzem
no conhecimento uma visão da realidade socialmente
construída” (SHAFF, 1995, p. 75). “Uma relação cognitiva
na qual tanto o sujeito como o objeto mantêm sua existência
objetiva e real, ao mesmo tempo em que atuam um sobre
o outro. Esta interação produz-se no enquadramento da
prática social do sujeito que aprende o objeto na – e pela –
sua atividade (SHAFF, 1995, p. 75).
A formação do intérprete de LIBRAS envolve uma
formação interdisciplinar e a necessidade de olhar, para a
prática, com um olhar crítico. Alguns princípios para iniciar
uma produção de pesquisa que conduziram os pesquisadores
(aprendizes) foram:
1-Construir um problema de pesquisa com relevância
social;
2-Contextualizar seu objeto de estudo e desenvolver
uma boa revisão de literatura;
3-Compreender que há diferentes paradigmas de pes­
quisa e formas de produzir conhecimento;
4-Teorizar a prática, como processo fundamental
do fazer ciência, ou seja, a partir dos dados (base
material) desenvolver a análise com base em uma
teoria consistente;
5-Entender que a sua pesquisa não é a verdade
absoluta;
6-Comprometer-se com a transformação social.
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
Para Gramsci (1966), há uma tríade no processo do
conhecimento, o saber, o compreender e o sentir. O his­
toricismo é fundamental para compreender o problema de
pesquisa, a busca pelas coisas em relações e ver o objeto
em sua totalidade. Para o autor “o erro do intelectual con­
siste em acreditar que se possa saber sem compreender
e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado (não só
pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber)”
(GRAMSCI, 1966, p. 139).
Dessa forma, o intérprete envolvido com seu fazer, com
os problemas de pesquisa provindos da atividade concreta
de interpretar tem reais condições de se apropriar do fazer
ciência e produzir conhecimento. Por outro lado, para o
pesquisador que não esteja diretamente relacionado com o
objeto de estudo, é necessário haver uma adesão orgânica.
Para Gramsci (1968), o intelectual orgânico tem que
se posicionar, é uma forma de ver intelectualizada, mas
deve ser um estudo relacionado à vida (realidade social). A
possibilidade de ter pesquisadores (intelectuais) mais estrei­
tamente dedicados à atividade prática possibilita a produção
de uma ciência tendo, como base, a filosofia da práxis.
Metodologia
A metodologia usada foi de natureza qualitativa, do
tipo estudo de caso, com vistas à pesquisa-ação, fazendo
uso do ambiente natural de aulas e orientações de trabalho
final de curso pós-graduação Lato Sensu em LIBRAS. Os
participantes desta pesquisa foram alunos do referido
curso de uma universidade privada de São Paulo, 21 alunos
ouvintes, matriculados regularmente, entre os anos de 2009
e 2010. A grade curricular do curso propunha conciliar as
áreas do conhecimento que se atravessam, frequentemente,
na formação dos intérpretes (Educação, Linguística, Estudos
131
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
da tradução, Política e Pesquisa científica). Tinha carga
horária total de 614 horas.
Os temas de pesquisa desenvolvidos e as metodologias
e procedimentos de pesquisa foram construídas no decorrer
do curso, a partir das atividades de reflexão sobre a língua
ou sobre o processo de interpretação, proporcionadas em
diferentes disciplinas.
Os alunos foram alocados nas seguintes linhas de
pesquisa, a depender do tema de interesse:
Neiva de Aquino
Albres
• Teoria e Análise Linguística
• Política lingüística em correlação com a História
da Libras
• Lingüística: Léxico e Terminologia
• Prática de Tradução da LIBRAS
O critério para entrar em uma linha de pesquisa foi
referente ao tipo de formação em graduação, experiência
profissional e interesse de pesquisa, como também a afi­
nidade com o professor orientador que coordenava cada
linha. No geral, os intérpretes, com formação em letras,
produziram pesquisas de descrição de LIBRAS e os intér­
pretes com formação pedagógica produziram pesquisas
sobre intérprete educacional.
Análise dos dados
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 125-143
jul. 2014 / out. 2014
132
Consideramos que, nesse processo de formação, o
professor da disciplina de metodologia de pesquisa cien­
tífica trabalhava inicialmente na tentativa da superação,
de pautar a formação do intérprete dentro do modelo da
racionalidade técnica. Ainda no primeiro semestre, os alunos
foram encaminhados para a orientação das pesquisas com
seus respectivos orientadores que no decorrer de um ano,
aproximadamente, desenvolveram as discussões em grupo
de trabalho e orientações para produção do artigo científico.
O produto final das pesquisas desenvolvidas foram
artigos científicos que se inscreveram ou em descrição
linguística da LIBRAS (1) ou em tradução/interpretação
(2). Apresentamos a seguir os títulos das pesquisas:
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
1) Descrição linguística da LIBRAS
a - Descrição das propriedades articulatórias de empréstimos
na língua brasileira de sinais (LIBRAS);
b- Análise das propriedades articulatórias dos sinais-nomes
da Libras;
c - Descrição de formação dos sinais da LIBRAS para os
termos técnicos da área de gramática de Língua Portuguesa;
d - A incorporação de numeral na LIBRAS;
e - Descrição dos sinais topônimos da LIBRAS.
2) Tradução e interpretação: procedimentos, papéis, for­
mação e prática
f - Uma análise da interpretação da Bíblia para a LIBRAS à
luz dos Procedimentos Técnicos da Tradução;
g - O interprete educacional e o processo de aprendizagem
da criança surda;
h - A participação de intérprete de libras nas associações
municipais de surdos: um trabalho para inclusão dos surdos;
i - Guia-intérprete de LIBRAS para pessoa com surdocegueira:
reflexão sobre as tendências e perspectivas de sua formação;
j - Funções do intérprete educacional. Afinal: intérprete,
professor-intérprete, mediador ou auxiliar? Trabalho de
intérpretes na lógica inclusiva;
k - Os gêneros discursivos em livro didático para surdos:
análise dos procedimentos tradutórios aplicados de portu­
guês para LIBRAS;
l - Concurso público para intérprete educacional: saberes
deter­minados para os candidatos – conjuntura nacional;
m - Contratação de intérpretes educacionais: uma “adequação”
para a inclusão-bilíngue;
n - Intérprete de Libras no ambiente profissional.
133
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
Os pressupostos que permeiam o nosso olhar dirigi­
do ao fazer científico do intérprete em formação como
pesquisador (aprendiz) vai além das relações entre história
de cada sujeito e a escolha do tema, mas a formação para
além da prática vai para a possibilidade de escolher um
caminho acadêmico. A pesquisa é defendida como “práxis
pedagógica” que possibilita a formação do intérprete críticoreflexivo, ou seja, pela ação científica de iniciação à pesquisa
constrói-se um meio de produção de conhecimento coletivo
e interdisciplinar e de intervenção da prática social. A análise
do material produzido pelos pesquisadores (aprendizes)
teve, como base, duas categorias:
1 - Procedimento de pesquisa
2 - O texto escrito – Um encontro entre discursos
Neiva de Aquino
Albres
Procedimento de pesquisa
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 125-143
jul. 2014 / out. 2014
134
Embora cada área de pesquisa adapte as metodolo­
gias existentes ao seu objeto de estudo, é necessário um
desenvolvimento de estratégias comuns. As metodologias
vêm antes do sistema de planejamento, definem o como fazer
(o processo) e indicam todas as etapas a serem executadas,
na ordem lógica do pensamento teórico-metodológico.
Procuramos responder à questão: Quais as metodologias e
procedimentos mais recorrentes nas pesquisas desenvolvidas
pelos intérpretes pesquisadores (aprendizes)?
Quando das primeiras orientações, os alunos ainda
tímidos em teorizar sua prática foram se apropriando
dos procedimentos e técnicas de pesquisas e, no processo
de construção do objeto de estudo, foram desenhando
a metodologia do trabalho. Apresentamos a seguir os
procedimentos mais recorrentes:
Trabalhos de descrição da LIBRAS fizeram uso prin­
cipalmente de pesquisa de campo com filmagem (eliciação de
amostras linguísticas) e pesquisa bibliográfica (dicionários
e glossários). Já os trabalhos de tradução/interpretação
fizeram uso de entrevista, análise documental e análise de
tradução (gráfico 1).
Gráfico 1
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
Gráfico 2
Gráfico 3
135
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Comparamos separadamente o campo de descrição
linguística e o de tradução/interpretação. Constatamos
que nas pesquisas de descrição linguística (gráfico 2) o uso
de pesquisa bibliográfica foi maior (60%), em comparação
com a pesquisa de campo com filmagem (40%). Este fato
é reflexo das dificuldades sociais de coleta de dados, ou
seja, de conseguir um número significativo de informantes,
também como de possuir os equipamentos necessários e de
dominar o uso da tecnologia (filmagem e edição de vídeos).
Um dos trabalhos, nesta área, intitulado “Análise das
propriedades articulatórias dos sinais-nomes da LIBRAS”,
que teve, como procedimento de coleta de dados, a pesquisa
de campo com filmagem (eliciação de amostras linguísticas),
teve 100 (cem) sujeitos filmados, essa tarefa requereu da
pesquisadora (aprendiz) um grande esforço, não só pela
necessidade de deslocamento, mas pela dificuldade de
atingir a meta de amostragem, e de posteriormente analisar
o material linguístico, obtido.
Procedimentos como entrevista/questionário foram
usados em grande maioria (45%) nas pesquisas em tradução/
interpretação, ainda na perspectiva de coletar dos sujeitos
(intérpretes) informações sobre suas práticas/experiências
(gráfico 3).
Quando da escolha dos temas pelos pesquisadores
(aprendizes), não se sabia que formato final os trabalhos
teriam, quais seriam os procedimentos de coleta de dados e
as conclusões. A análise dos trabalhos finais possibilitou a
reflexão sobre todo o processo de construção individual e
coletiva. Para Amorim (2004) “toda pesquisa só tem começo
depois do fim (...) é impossível saber quando e onde começa
um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é
possível ressignificar o que veio antes e tentar ver indícios no
que ainda não era e que passou a ser (AMORIM, 2004, p. 11).
Neiva de Aquino
Albres
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2 - O
texto escrito
– Um
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
encontro entre
discursos
Aprender a escrever usando um gênero discursivo
acadêmico, se adequando as normas deste novo processo
não foi tarefa fácil. Ao final dos trabalhos, conseguimos
visualizar a voz do pesquisador (aprendiz) e dos teóricos
que optaram por trabalhar. Essas vozes se interpenetram
pelo diálogo e se transformam como teoria ao ajudar a ver
um novo objeto de estudo, como a “LIBRAS” e a “tradução/
interpretação de LIBRAS-Português.
O texto escrito é um diálogo do escritor com os
autores citados e com seus futuros leitores, é uma busca
do sentido pretendido, como ato de compreensão. O
pesquisador (aprendiz) ao ter que escrever sobre sua prática,
faz uso dos conceitos de outros autores, o que contribui
para um novo olhar sobre sua prática, agora como objeto
de estudo.
A tarefa de escrever faz emergir um novo texto com
traços da palavra alheia (teoria de um autor ou as palavras do
orientador), com a palavra própria já ressignificada. Quando
a internalização dos conceitos teóricos, reelaborados com
o olhar da prática, passa a ser o discurso do pesquisador
(aprendiz) revela a apropriação do conhecimento, um
discurso próprio tecido em novo texto.
Para Freitas (2010), no processo de pesquisa, ao usar
conceitos teóricos de determinado autor, o pesquisador
está fazendo reviver a teoria e construindo conhecimento.
Afirma: “Ao mergulhar no passado e ligar-se a ele con­
substancialmente é que a obra encontra possibilidades de
viver no futuro” (FREITAS, 2010, p. 295).
Para este artigo, trouxemos excerto do texto de uma
pesquisadora (aprendiz), um trabalho que se inscreve na
abordagem histórico-cultural.
137
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jul. 2014 / out. 2014
Neiva de Aquino
Albres
Discurso em transição – do outro
(autor) que fundamenta sua análise
Os textos analisados consistem de
textos reais e a cada novo leitor, a
cada nova leitura se transformam em
um novo texto. Mas, a forma como
os tradutores em seu trabalho construíram sentidos sobre o texto fonte e
o materializaram em texto alvo, por
meio de filmagens das traduções, nos
servem de dados para serem analisados a luz dos procedimentos técnicos
da tradução e do conceito de Sentido
proposto do Vygotsky (2001).
Discurso do pesquisador (aprendiz),
já incorporado
O processo compreensivo por que
passa o intérprete do texto fonte é interessante do ponto de vista da elaboração de sua nova enunciação, passa
por um movimento de identificação
do outro para quem interpreta e das
condições linguísticas da língua alvo,
tendo a possibilidade de significar o
texto conforme suas experiências linguísticas e culturais.
Fonte: Os gêneros discursivos em livro didático para surdos: análise dos
procedimentos tradutórios aplicados de português para LIBRAS.
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Bakntin/Volochinóv (1999, p. 144), debate o processo
em que o “discurso do outrem passa para o contexto
narrativo, conservando seu conteúdo e ao mesmo tempo
a sua integridade linguística”. Desta forma, quando em
processo de formação, estudamos várias teorias, estas se
configuram como palavras alheias, a compreendemos, mas
não fazem parte de nós, não nos integram. Apenas são
palavras alheias que nos fazem ver nosso campo de atuação
de outro modo.
Todavia, quando somos nós os produtores de um
discurso acadêmico e, para a produção deste, nos apro­
priamos de uma teoria (antes de outrem), se faz necessária
o aprofundamento na temática e uma abstração para a
produção da análise e reflexão. Assim, a palavra outrora
alheia, passa a ser uma palavra própria, isso acontece no
momento em que o pesquisador (aprendiz) consegue se
apropriar daquele conhecimento. Há uma produção de
significação diferente de quando era apenas palavra alheia,
agora como palavra própria, passa a ser seu discurso, sua
intenção de comunicar, ou seja, seu projeto de dizer.2
Segundo Barros (1994, p. 02), “o texto é considerado
hoje, tanto como objeto de significação, ou seja, como
um tecido organizado e estruturado, quanto como objeto
de comunicação, ou melhor, objeto de uma cultura, cujo
sentido depende, em suma, do contexto sócio-históri­co”.
Ao analisar o excerto do texto de uma pesquisadora (apren­
diz) constatamos a apropriação do conceito de sentido e a
reelaboração de tal conceito, na perspectiva de análise do
trabalho do tradutor de LIBRAS.
A construção do texto (artigo) foi direcionada
pelo professor-pesquisador-orientador, com o papel de
encaminhar o pesquisador (aprendiz) para olhar o seu
objeto de estudo com determinada lente, a partir de
determinado conceito teórico e ajudá-lo a refletir sobre
seus dados e construir suas análises. Papel este de ensinar
a ser pesquisador, tão complexo quanto o fazer de ser
pesquisador, pois o professor-pesquisador-orientador é
outra voz que aparece no texto tecido.
No encontro das muitas vozes presentes em cada
trabalho, acreditamos que seja possível perceber o matiz dos
discursos em diálogo, como este conjunto teórico reflete e
refrata a realidade dos intérpretes. Afinal,
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
[...] as teorias são parte da realidade social e ao mesmo
tempo interferem sobre a mesma. Elas refletem e refratam
2 Agradeço a Adriane M. Salles, Membro do grupo de pesquisa “Surdez e
abordagem bilíngue” – CNPQ, pela discussão a respeito desta questão.
139
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essa realidade. As teorias são organizadas a partir de tex­
tos, de uma linguagem que reflete e refrata o mundo.
Portanto, elas não só descrevem o mundo, mas constroem,
na dinâmica da história, diversas formas de nele intervirem.
Todo o conhecimento produzido nas ciências humanas
tem seu ponto de partida e chegada nos processos da
vida humana historicamente construídos (FREITAS,
2007c, s/n).
Neiva de Aquino
Albres
A visão (referencial) de homem do pesquisador se
reflete e refrata na sua produção, a começar pelas opções
teórico-metodológicas feitas.
Considerações Finais
Educ. foco, Juiz de Fora,
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140
A perspectiva teórica em que nos pautamos, ajuda
a compreender o aprender a fazer ciência como um
ponto importante da formação. Esse fazer científico está
relacionado com a história de vida de cada aluno, influen­
ciando a escolha do seu tema de pesquisa e pode contribuir
para escolha de um caminho acadêmico, mais precisamente
como pesquisador. A pesquisa é defendida como “práxis
pedagógica” que possibilita a formação do intérprete críticoreflexivo. O pesquisador (aprendiz) com esta primeira
experiência constrói a compreensão da importância da
produção de conhecimento coletivo e interdisciplinar e das
possibilidades de intervenção na prática social por meio dos
achados dessas pesquisas.
Trabalhos inseridos em diversas correntes teóricas
e metodológicas, que contribuem significativamente para
a construção de uma classe científica e profissional, vêm
corroborando para a discussão de diretrizes formativas
do intérprete no Brasil, engendrando espaços políticos e
epistemológicos na academia.
O ato de interpretação envolve alta complexidade na
atividade prática, nesta perspectiva, este trabalho teve como
preocupação a análise de obras acadêmicas, produzidas
pelos intérpretes de LIBRAS, em processo de formação,
indicando o fazer científico como um elemento a compor a
constituição do ser intérprete, que tem o poder de analisar
a complexidade de sua prática. Os problemas de pesquisa
levantados pelos pesquisadores (aprendizes) sobre suas
práticas e a respeito do seu conhecimento sobre a LIBRAS
revelam a identificação de elementos importantes para sua
formação e para sanar a lacuna de conhecimento da área.
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
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Scientific research development as a tool for
a critical reflective training of Brazilian
Sign Language-Portuguese interpreters
A produção de
pesquisa científica
como um instrumento
na formação críticoreflexiva de intérpretes
língua brasileira
de sinais e língua
portuguesa
Abstract
The objective of this study was to produce theoretical and
practical notes which would contribute with proposals for
interpreters’ training, creating possibilities for reflecting
about the interpreter’s practice in research development.
The theoretical framework for the study is based on History
and Philosophy (Schaff and Gramsci) and Sociology
of Education (Bourdieu). The methodology used has
qualitative nature, case study type, and analyses of scientific
papers were produced as final assignments for the postgraduate Libras (Brazilian Sign Language) course, in the
State of São Paulo – 21 audit students enrolled through
2009 and 2010. Each of students enrolled in a research a
research area and together, under their professors’ guidance,
during approximately one year, they would develop group
discussions about their work and scientific papers. During
the training process, the professor of Scientific Research
Methodology worked initially towards the interpreter’s
education on a technical rationality model. Two thematic
areas were evidenced for the research: Linguistic Description
and Translation. The analysis of the material produced by
the researchers (apprentices) was based on two categories:
1) Research Procedures; 2) The written text – an encounter
of discourses. We consider this research a “pedagogical
praxis”, as it enables the formation of a critical-reflective
interpreter.
Keywords: LIBRAS interpreter. Professional training.
Scientific production.
Data de recebimento: julho 2013
Data de aceite: novembro 2013
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Outras Contribuições
Modernização
educacional à mineira: o
propósito conservador
Francisco
Campos (1926-1930)
da reforma
Pâmela Faria de Oliveira
Carlos Henrique de Carvalho
Resumo
Dentre as mudanças que marcaram a modernização do
Brasil, a educação ocupou lugar central na dimensão
intelectual e política do processo modernizante. Nesse
sentido, este texto busca problematizar as relações entre
educação e modernidade, sobretudo sua condição de índice
de modernização em Minas Gerais, na primeira metade
do século XX. Para tanto, especulamos o discurso dos
idealizadores da Reforma Educacional Francisco Campos,
a fim de reconhecer traços do ideário modernizante e pro­
gressista e vínculos com os interesses da elite oligárquica
então predominante na política mineira. Os procedimentos
metodológicos incluem pesquisa bibliográfica, para con­
textualização conceitual e histórica, bem como leitura
crítica de fragmentos dos discursos de Antônio Carlos e
Francisco Campos. Os resultados da pesquisa apontam que
o discurso educacional modernizante desses dois mineiros e
a elaboração coesa de sua proposta de governo, os alçaram à
política nacional e projetaram o ideário da reforma Francisco
Campos na educação nacional. Contudo, não bastaram para
garantir a modernização e democratização uniforme em
Minas, em especial pelos entraves impostos a esse processo,
justamente, pelas formações oligárquicas que sustentavam
o governo de Antônio Carlos.
Palavras-chave: Francisco Campos. Minas Gerais. Escola
Nova. Modernidade.
Introdução
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
Neste artigo, discorremos sobre as relações entre
educação e modernidade no Brasil, tendo como enfoque
a educação, enquanto elemento da modernização em
Minas Gerais na primeira metade do século XX, isto é, as
reformulações educacionais, propostas pelo então presi­
dente do estado mineiro Antônio Carlos e seu secretário
do Interior, Francisco Campos, que ficaram conhecidas
como a Reforma Educacional Francisco Campos.
Esta reforma foi elaborada em um contexto histórico
– a década de 1920 – considerado de efervescência ideológica
e inquietação social, de sinais de desajuste entre forças sociais
dominantes e as novas forças sociais emergentes; em que
mudar quadros sociais vigentes era atitude “[...] de índole
nitidamente liberal, pois se pretende eliminar as barreiras
que impedem o pleno desenvolvimento social – isto é, o
progresso [...]” (NAGLE, 2001, p. 311).
Era um momento em que os projetos político-go­
vernamentais tinham de lidar com problemas como o
analfabetismo: “chaga” responsável pelo “atraso” do país que
devia ser extirpada, porque desorganizava o mercado criado
pela produção capitalista, que dava seus passos iniciais com
a industrialização.
148
Organizar a instrução primária em moldes simples e
concisos, de modo a augmentar o seu coefficiente de
rendimento útil e a facilitar e incrementar a sua intensa
diffusão, tornando-a presente e efficaz em todo o terri­
tório do Estado, cuja área escolar deve tender, o mais
rapidamente que for possível, a coincidir com a sua área
geographica, incorporando, assim, aos benefícios da
civilização a densa e compacta massa de analphabetos,
transformando-os em outros tantos instrumentos de
producção de bens econômicos e espirituaes; ahi está
uma urgente e imperativa exigência, não somente da nossa
vocação democrática, como dos interesses fundamentaes
da circulação e incremento da riqueza coletiva (CAMPOS,
1930, p. 71).
À escola cabia criar um tipo de cidadão despido do
analfabetismo, que trazia resistência ao progresso – na
visão das elites. Essa ideia de educar para progredir ecoava
o pensamento da elite mineira bem como no de Francisco
Campos e Antônio Carlos, republicanos que viam a edu­
cação como meio principal para fazer a nação progredir.
Uma vez no poder, esses dois políticos mineiros trans­
formaram a realidade/contexto criada pela elite mineira,
em linguagem oficial: o assunto educação permeou todos
os discursos presidenciais, proferidos por Antônio Carlos
e Francisco Campos, nos anos de 1927 à 1930: “Convergi
para a educação publica toda a minha attenção. Fiz della a
preoccupação dominante do meu governo. Concentrei nella
o melhor dos meus esforços”1, o que culminou em uma
reforma educacional influente, que tinha como objetivo,
nas palavras de Antônio Carlos, “invadir” as escolas e
perturbar “[...] sua ordem, e pratica, os seus processos, o
seu mecanismo, os seus hábitos, a sua paz, a sua preguiça
exigindo-lhes que se adaptem às necessidades do mundo
contemporaneo, aos imperativos de sua sciencia, da sua
industria, do seu trabalho e da sua cultura” (CAMPOS,
1930, p. 60).
Nesse caso, estaria tal reforma alinhada a esse pensa­
mento republicano? Com a ideia de educação como motor
do progresso do país? Se sim, como tal alinhamento se
materializou no discurso da reforma, isto é, nas palavras
de quem a idealizou? Não seria essa preocupação com a
educação no país uma resposta para acudir a situação de
emergência criada por um “liberalismo à brasileira” – elevar
o país a condição nação desenvolvida (diria Campos, como
“Allemanha”, “Áustria”, “Estados Unidos” e “Bélgica”)?2
1
2
Minas Gerais. Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada dirigida ao Plenário em 1930. In: arquivo público mineiro/apm.
Relatórios de mensagens do governo mineiro — mensagens presidenciais de
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6, gaveta B1.
Minas Gerais. Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada dirigida ao Plenário em 1928. In: arquivo público mineiro/apm.
Relatórios de mensagens do governo mineiro — mensagens presidenciais de
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6, gaveta B1.
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
Isto é, buscar o progresso com respaldo em ideias e ideá­
rios que supunham romper com a tradição (abraçar novos
hábitos e costumes, desprezar o passado...), mas sem
quebrar a ordem oligárquica vigente, sem abandonar o
conservadorismo?
Eis as questões que buscamos refletir neste artigo,
tendo como ancoradouro as propostas de Francisco Campos
e Antônio Carlos para a educação. Escalpelizamos seus
discursos, para tentar reconhecer traços indicativos de
vínculos deles com os interesses da oligarquia, que dominou
a política mineira até então. E de um ideário modernizan­te
e progressivista, que traduza uma visão de educação como
condição elementar para o progresso (econômico, social,
cultural e político); para reconhecer os elementos que
compuseram o propósito de educar para progredir no dis­
curso dos reformistas da educação mineira.
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Moderno, modernização e modernidade
A contextualização de tal problematização apresenta
algumas considerações breves sobre as noções de moderno,
modernidade e modernização, em especial no Brasil e
em Minas, e sobre a difusão do liberalismo como doutri­
na adotada por intelectuais e políticos republicanos. São
ideias mais gerais que esperamos sejam particularizadas
nas questões específicas que o texto busca apresentar – os
pontos em que Francisco Campos e Antônio Carlos deixam
entrever uma noção de educação para o progresso marcada
pela presença de indícios do que se convencionou chamar
modernidade, por exemplo: o processo de industrialização,
o liberalismo, as artes, sobretudo uma filosofia educacional
que – tida como moderna – quebrava o paradigma da edu­
cação tradicional.
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
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150
Francisco Campos via a escola tradicional, segundo Jarbas
Medeiros, como de natureza retórica e ornamental, dirigida
para a formação de elites. A “escola nova” deveria ensinar
a pensar, a inventar e a criar soluções para a multiplicidade
de novos problemas da complexa vida moderna. Para ele o
futuro das instituições democráticas dependia sobretudo
“da orientação e do incremento do ensino primário, o
qual deixando de formar homens, orientar a inteligência e
destilar o senso comum, “poderá fazer eleitores, não terá
feito cidadãos” (ABREU, 2001, p. 999).
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Ao longo do século XX, a noção de moderno, mo­
dernidade e modernização suscitou muita especulação
teórico-interpretativa em campos diversos, dentre os quais
filosofia, história, sociologia, literatura e artes, para fi­
carmos em exemplos mais óbvios. O historiador Jacques
Le Goff (1984) a enfocou ao tratar da relação entre antigo
e moderno. Segundo ele, a conscientização do que seja
modernidade nasce da sensação de ruptura com o passado.3
Após a Segunda Guerra Mundial – esclarece Le Goff (1984,
p. 372) –, a discussão entre economistas, sociólogos e po­
litólogos incidiu na ideia de modernização no contexto da
descolonização e do surgimento do Terceiro Mundo. O
estudo do sociólogo Marshall Berman (1986) também joga
luz sobre o conceito de modernização. Em suma, ele vê a
modernidade como “[...] experiência de tempo e espaço, de
si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida
3
Historicamente – diz Le Goff –, a palavra moderno remonta ao século V, isto
é, à queda do Império Romano; mas a presença desse termo como qualificativo
da periodização histórica se impõe só no século XVI. Ainda segundo Le Goff, a
introdução do conceito de modernidade deve ser creditada a Théophile Gautier
e Charles Baudelaire, que viveram na França do Segundo Império, ou seja,
quando a Revolução Industrial se impunha. Romancista, crítico, jornalista,
Theóphile Gautier (1811-72) se destaca como o autor que representa a transição
do romantismo para o parnasianismo. Ele não se coadunava com a ideia que a
arte deveria ter fins ideológicos, daí sua defesa do belo como compromisso da
produção artística. Dentre os muitos escritores franceses que estimavam sua
produção literária, está Baudelaire (cf. ADAMSON, 2003). Poeta, crítico de
arte e tradutor, Charles Baudelaire (1821-68) é tido hoje pela crítica literária
como um dos maiores escritores do século XIX. Sua obra em verso As flores
do mal lhe deu a condição de o primeiro poeta moderno. Seus poemas são
permeados por imagens da paisagem citadina, embora a cidade mesma nunca
apareça em sua descrição da esfera urbana. Seus versos são entremeados por
imagens do prosaico, do cotidiano, de personagens típicos da vida na metrópole,
tais como o catador de lixo, o boêmio, o transeunte que circula nos bulevares
e outros; mesmo tratando do ordinário da realidade, seus versos compõem
uma expressão poética que se tornou matriz para muitos que o sucederam (cf.
HYSLOP, 2003).
151
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[...] (BERMAN, 1986, p. 15)” que homens e mulheres do
mundo todo ainda compartilham; que isso, ser moderno
seria “[...] encontrar-se em um ambiente que promete
aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e
transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo
ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos,
tudo o que somos”.
No campo da filosofia – diz Habermas (1990, p. 18)
– foi Hegel quem deu contornos precisos ao conceito de
modernidade e passou a empregá-lo em termos históricos,
isto é, como conceito de época. Assim, os “novos tempos”
seriam os “tempos modernos”. Na ótica hegeliana como a
descreve Habermas (1990, p. 18), o “nosso tempo” é a “época
mais recente”, logo a modernidade é uma delimitação dessa
época, da “Idade Moderna”, e contém conceitos derivado
da expressão “tempos modernos” ou “novos tempos”, cuja
significação, válida até o presente, prevê as ideias de “[...]
revolução, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise,
espírito da época, etc.
Também Habermas (1990) trata da modernidade: em
essência, o conceito de modernização se refere a processos
cumulativos mutuamente reforçados na delineação do que
seja modernizar. Esse filósofo alemão particulariza tais
processos em planos distintos: do capital – sua formação
e a mobilização de recursos; do desenvolvimento da força
de produção e do trabalho – em que a produtividade tem
de aumentar sempre; do “[...] estabelecimento de poderes
políticos centralizados [...] [da] formação de identidades
naturais, [da] expansão de direitos de participação política,
de formas urbanas de vida e de formação escolar formal,
[da] secularização de valores e normas, etc.” (HABERMAS,
1990, p. 14).
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
O ideário liberalista no Brasil
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
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152
No dizer de Bobbio (1991), o liberalismo pode ser
entendido como filosofia política da época moderna; dou­
trina gestada na Inglaterra, ao longo do século XVII, cuja
formulação precisa surgiu no Segundo Tratado do Governo
civil, de John Locke (1632-1704). Paim (1984, p. 81) reitera
esse conceito nestes termos:
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Incorporadas ao Bill of Rights (1689), as teses lockeanas
enriqueceram-se pela prática parlamentar inglesa, durante
o século XVIII, do mesmo modo que pela teoria do
liberalismo econômico de Adam Smith (1723-1790).
Justamente esse conjunto de doutrinas é que se tem em
vista quando se associa o liberalismo à sociedade industrial
do tipo capitalista. Convém precisar, finalmente, que o
liberalismo assim concebido – e que se caracterizará de
forma apropriada logo adiante – evolui para incorporar a
idéia democrática, notadamente a partir da segunda metade
do século XIX, sem que o processo requeresse maiores
alterações no arcabouço básico mas apenas a ampliação do
conceito de representação. Esta, na versão original, aplicavase apenas à elite dirigente, proprietária.
Se algumas das raízes do liberalismo remontam ao
humanismo (como a contestação da autoridade da Igreja),
os movimentos tidos como liberais surgem à época do Ilu­
minismo (a exemplo da oposição à monarquia absoluta e
ao mercantilismo). Para Weffort (2006), a teoria política de
Locke, no Segundo Tratado, seria a primeira e mais completa
formulação do Estado liberal, pois está em sua filosofia a
defesa dos direitos naturais inalienáveis do indivíduo (direito
à vida, à liberdade e à propriedade). Para Locke – diz Weffort
(2006) –, antes que a sociedade e o Estado surgissem, o
ho­mem vivia no estado de natureza – estágio pré-social e
pré-político – em que gozava de liberdade e igualdade e era
dotado de razão.
A história do liberalismo, como ideologia hegemônica, aponta, como princípio, a necessidade de o governo
pre­servar a liberdade individual – liberdade como algo
fun­­­damental aos direitos políticos e ao Estado. Em linhas
gerais, o liberalismo se associa ao direito de discordar da
autoridade política e religiosa e rejeitar fundamentos de
sistemas passados de governo político, a exemplo do reinado
como algo divino e da hereditariedade; de usar o voto para
153
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Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Educ. foco, Juiz de Fora,
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154
escolher governantes; de ter igualdade perante a lei e de
que todos tenham direitos iguais baseados em leis e que
não infrinjam a liberdade do outro; assim como direitos
individuais e civis (à vida, à liberdade e à propriedade).
Sub­jacente a essas ideias, está o princípio de que o homem
nasce livre e a sociedade tem de proporcionar meios para
que ele aja livre e conscientemente.
No Brasil, o ideário do estado liberal penetrou, se­
gundo Paim (1998), na voz de intelectuais que foram estudar
em países europeus e nos Estados Unidos. Proclamada
a República, a doutrina liberalista se consolidou graças à
intelectualidade, que a incorporou em sua discussão sobre
mudanças. Esse autor afirma que um defensor convicto dos
ideais liberalistas na Primeira República foi Rui Barbosa,
cujas campanhas presidenciais de 1910 e 1919 apresentaram
plataformas permeadas pelo pensamento liberal, numa
tentativa de estruturar o liberalismo como orientação da
opinião nacional. Conforme Machado (2009), Rui Barbosa
divulgou o projeto de modernização e se envolveu na
mudança do trabalho escravo para o livre, da monarquia
para o republicanismo e da economia agrária para uma
industrial. Ainda segundo esse autor, modernizar para Rui
Barbosa significava, sobretudo, educar o povo com um
sistema nacional de educação e uma reforma do sistema de
ensino de então. Mas, embora ele reconhecesse a educação
como fator de desenvolvimento, progresso e liberdade,
Machado (2009) afirma que progredir ia além da criação de
condições materiais: significava manter a ordem necessá­
ria à sociedade burguesa. Assim, os traços liberais em Rui
Barbosa não anulam, em sua obra, a força do espírito de
uma época de uma sociedade que aspirava à modernização,
porém mantendo a estratificação social. Daí se deduz um
liberalismo ineficaz.
Segundo Paim (1998), o liberalismo foi mais fértil na
década de 1920, quando muitos movimentos contestatórios
surgiram, o capitalismo deu sinais de expansão, e a sociedade
civil foi instada a participar mais da vida pública mediante o
voto. Todavia, a Constituição de 1891 restringiu o direito de
votar;4 e essa restrição – sobretudo ao voto popular – indica
um liberalismo conservador e contraditório: a defesa em prol
de uma participação maior da sociedade civil na vida pública
ignorava que a maioria expressiva da população estava
legalmente alijada do direito de votar. Assim, se o liberalismo
se comprometia fundamentalmente com a consolidação e o
desenvolvimento de instituições do sistema representativo
e o direito de votar, democratizar o sufrágio, segundo
Paim (2000), tornou-se um desafio enorme para doutrina
liberal, no século XX; afinal, em seus primórdios, esta não
se comprometia com o ideal de democracia. Seu propósito
era frear e limitar o poder absoluto do monarca. Nessa ótica,
a democratização via sufrágio distorceu o ideário liberalista.
Para Paim (2000, p. 132), os liberais de países como o Brasil
“[...] são instados a reconhecer que as tradições culturais
predominantes lhes são desfavoráveis. Sem enfrentar essa
questão, dificilmente serão capazes de formular políticas
mobilizadoras, aptas a contribuir para a consolidação e a
subsequente hegemonia das tradições liberais”.
Com efeito, as classes dominantes na Primeira Re­
pública, afirma Pinheiro (1997), tinham gostos e opiniões
conservadoras, além de serem arraigadas ao status quo.
Estrategicamente, diziam querer a democracia, mas repro­
duziam a exclusão política do império. O governo mineiro
de Antônio Carlos e Francisco Campos não foi exceção,
pois sua política de feição liberal – que defendia o direito
de voto a todos – excluía muitos cidadãos. Paim (2000,
p. 114) explica isso assim: a representação política libe­
ral, em geral, afirmava que, numa democracia, os cidadãos
agem “[...] principalmente para maximizar o seu interesse
pessoal e sua renda. Os partidos políticos, por sua vez,
for­mulam políti­cas para ganhar eleições e não o inverso,
4
“Art. 70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na
forma da lei. § 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou
para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos; 3º) as praças de pré,
excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) os religiosos
de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer
denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a
renúncia da liberdade Individual” (BRASIL, 1891).
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
155
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
isto é, não ganham eleições para formular políticas”. Em
outras palavras, o partido político deve catalisar interesses
e reprimir intenções particulares que visassem a uma
sobreposição ao interesse geral.
Embora, as ideias modernizantes que marcam a re­
forma educacional, concebida por Francisco Campos e
reiteradas pelo então presidente de Minas Gerais, Antônio
Carlos, nos impeçam de incluí-los nessa elite oligárquica
que travou a modernização do estado, o mesmo não pode
ser dito de sua condição de representantes políticos de
tal elite, mesmo que isso fosse uma oposição à postura
de liberalistas que os dois sugeriam ter. Segundo Peixoto
(1983), o presidente de Minas afirmou a importância do
voto livre e secreto, assim como reiterou seu esforço para
assegurar que esse direito fosse exercido com liberdade.
Caso se possa dizer que ideologicamente a campanha
política de Antônio Carlos tenha configurado uma luta
pró-liberdades públicas e tradições liberais e anti-Esta­
do analfabeto, oligárquico e autoritário (mesmo que a
oligarquia compusesse sua base política essencialmente);
também pode ser dito que a bandeira liberalista de campanha
teve fins político-eleitoreiros, isto é, foi uma tentativa de
anga­riar apoio popular citadino. Ora, 17% da população
no perío­do enfocado – como se lê na Tabela 1 – residia na
cidade, logo defender os interesses desse povo era ignorar
que 83% da população brasileira era rural. Isso relativiza
a bandeira liberalista sob qual Antônio Carlos se elegera
dirigente do estado.
Podemos perceber, nos discursos presidenciais de
Antônio Carlos e Francisco Campos, a ausência de ben­
feitorias e discussões sobre a educação rural, mesmo que o
estado fosse classificado como terceiro em termos de valor
de propriedades rurais – estava atrás de São Paulo e Rio
Grande do Sul.
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
156
Tabela 1 – População residente por domicílio – 1900-2000
ano
1900
1920
1940
1950
1960
1970
1980
1991
2000
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
população em milhões
Rural
15 300 000
27 500 000
28 300 000
33 200 000
38 800 000
41 100 000
38 600 000
35 800 000
31 800 000
%
90
83
68,1
63,8
55,5
44,1
32,5
24,5
18,7
Urbana
1 700 000
4 600 000
12 900 000
18 800 000
31 300 000
52 100 000
80 400 000
111 000 000
138 000 000
%
10
17
31,3
36,2
44,5
55,9
67,5
75,5
81,3
Total
17 000 000
32 100 000
41 200 000
52 000 000
70 100 000
93 200 000
119 000 000
146 800 000
169 800 000
Fonte: Instituto Brasileiro de Georgrafia e Estatistica/IBGE, 2002.
Ainda seguindo a ótica liberalista, Antônio Carlos e
Francisco Campos queriam disseminar a educação primária
pública, gratuita e de qualidade a toda a população de Minas.
Conforme Paim (2000, p. 146), os educadores liberais
tiveram papel central na assimilação do consenso de que a
educação obrigatória (fundamental ou básico) seria capaz
de “[...] elevar os padrões de renda e eliminar a pobreza [...]
à medida que o sistema representativo ganhou dimensão
universal”. Se assim o for, então convém entender um pouco
das relações entre liberalismo e processo pedagógico nos
anos 1920, sobretudo com a difusão do movimento da escola
nova, importante para constituir o pensamento liberal no
mundo e fundar teoricamente a educação para a cidadania.
A educação liberal é
[...] em primeiro lugar, a herdeira do sistema de ensino
criado na Época Moderna pelas igrejas protestantes e
que, no século passado, tornara-se uma incumbência das
comunidades, conhecido pela denominação de educação
popular. Essa transição das escolas confessionais para o
sistema público deu lugar a um grande embate – de natureza
teórica, mas envolvendo também encarniçada luta política
–, que determinou pelo estabelecimento de uma legislação
fixando o caráter do ensino oficial, de maneira que não
interferisse na liberdade religiosa. Somente em nosso século
este sistema de ensino foi batizado de forma adequada.
Chamou-se de educação para a cidadania. (PAIM, 2000,
p. 137).
157
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
A influência do liberalismo na educação do Brasil
veio, em especial, de Dewey, isto é, da escola nova, que
pretendia – diz Paim (1998) – levar a proposta liberal ao
plano curricular-pedagógico e, assim, fazer surgir uma edu­
cação para a cidadania.
Ao apontar diferenças entre a educação tradicional e a
progressiva, Dewey afirmou que a fundamentação teórica da
primeira se baseia em informações e habilidades produzidas
no passado e transmissíveis às novas gerações com certos
padrões; os quais passam a balizar, conforme diz Valdemarim
a “[...] organização em horários, esquemas de classificação,
avaliação, promoção, método de instrução, dis­c iplina,
o livro como objeto material essencial e a imposição às
crianças dos padrões dos adultos”. Numa educação pro­
gressiva, a educação proposta por Dewey cultivaria a “[...]
individualidade, a atividade livre, a aprendizagem pela
experiência, o aproveitamento das oportunidades da vida
presente próprias de um mundo em mudança” (2010, p. 78).
A defesa do movimento escolanovista mostrava uma
visão de educação como instrumento apto a reformar e
cons­truir uma sociedade, buscava-se, neste momento, rom­
per com a educação dita tradicional, e este desejo estava
pre­sente nas falas de Antônio Carlos e Francisco Campos,
onde defendiam que a escola:
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
[...] para ser educativa, deve estar em continuidade com a
vida social, de que se constitui em prolongamento e de­
pendência, pois se destina a transmittir pela educação os
processos sociaes em uso; mas, a escola, como instrumento
educativo, não se limita apenas á transmissão passiva, senão
que transmitte corrigindo, rectificando, aperfeiçoando e
melhorando, de onde a sua influencia sobre a sociedade,
cujas tendências e aspirações inculca ás creanças não sob
a fórma vaga e impalpavel do ideal, senão sob a fórma
de hábitos, costumes, regras de vida e disciplina da in­
telligencia e da vontade (CAMPOS, 1930, p. 14).
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
158
Nagle (2001, p. 310) afirma que não havia indícios
claros de um movimento liberal; este ganharia contornos
nítidos em meados dos anos 1920, quando o escolanovismo
no país – diz esse autor – entra na fase da difusão de seu
ideário.
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Nesta fase se encontra a difusão sistemática dos ideais da
Escola Nova, período em que a literatura educacional, além
de se expandir, se altera qualitativamente, dada a frequência com que se publicam trabalhos sobre assuntos refe­
rentes à “nova pedagogia”. Ao mesmo tempo se difundem
as novas idéias e aparece a nova literatura, se processa a
infiltração do escolanovismo no movimento reformista da
instrução pública: na década de 1920 tenta-se, pela primeira
vez, realizar o novo modo de estruturação das institui­ções
escolares. (NAGLE, 2001, p. 310).
Como produto da década de 1920 e da lavra de dois
políticos de extração liberal, a reforma Francisco Campos
não podia fugir a esse ideário. Isso fica patente na proposta
de mudança coerente com a efervescência ideológica e a
inquietação social ante um descompasso entre forças sociais
dominantes (a oligarquia) e forças sociais emergentes (a
modernização). Se for correto que o programa de governo
de Antônio Carlos e Francisco Campos buscava suprir
demandas sociais, como a educação para todos, seguindo
a bandeira liberal; também é correto dizer que essa deixa­
va entrever contradição, sobretudo se considerarmos que
Campos se tornou ministro da justiça do Estado Novo,
contrário às ideias liberalistas defendidas por ele, quando
estava envolvido com o governo mineiro. Mais que isso, essa
contradição possibilita aventar a ideia de que as demandas
que tentaram não eram aquelas das forças emergentes, mas
das forças conservadoras: as elites mineiras.
O quadro político brasileiro, sobretudo em Minas
Gerais, tinha uma feição complexa porque traduzia a von­
tade das oligarquias estaduais de conservar privilégios,
lançando mão de estratégias políticas espúrias. Tais estra­
tégias ganhavam forma na mão de políticos que, não raro,
provinham da classe oligárquica e que compunham a “elite”
intelectual do país. A presença de Francisco Campos no
governo Antônio Carlos, como político e intelectual pode
159
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
160
ser tomada como exemplo da presença oligárquica, numa
proposta liberal de governo e de educação.
Subjacente a essa presença estava o pressuposto de
que – diria Pécaut (1990) – os intelectuais brasileiros, su­
postamente quem detinha o conhecimento, estavam aptos a
solucionar problemas sociais graves como o analfabetismo
e a suposta ignorância do povo. Entregaram-se à ação
política como se tivessem qualificação e preparo especial
para fazê-lo. Muitos se tornaram protagonistas políticos
cen­trais, como Francisco Campos. Uma vez na elite diri­
gente, acreditavam que viam a “realidade brasileira” como
ninguém: conheciam os mecanismos sociais e os interesses
profundos de grupos distintos, então se posicionavam como
mediadores indispensáveis às classes. Ainda segundo Pécaut,
com o processo de decadência do Estado oligárquico, os
intelectuais, originários de famílias dessa estirpe, buscaram
se projetar na política ante o temor de perder o status e o
estilo de vida das elites ditas cultas. A política era a opor­
tunidade de terem uma ocupação profissional, que lhes
daria visibilidade pública e preservaria sua posição nas elites
dirigentes. Essa estratégia marcou o período posterior à
passagem do Império para a República, quando gerações
sucessivas de políticos-intelectuais e intelectuais-políticos
abra­çaram as causas do povo em prol de um “projeto na­
cional” e invocaram a “realidade nacional”, nos termos de
Pécaut, em prol da construção de outra sociedade.
Todavia, para esse autor, tal engajamento soava falso.
Ora, como burgueses de origem, os intelectuais-políticos
não se desvinculavam de seus interesses específicos nem
agiam para “[...] fazer prevalecer valores de justiça. Apenas
o faziam porque o intelectual tinha de estar à altura da
construção da nação, portador que era da identidade nacio­nal
e, além disso, detentor do saber relativo às leis da evolu­ção
histórica” (PÉCAUT, 1990, p. 6). Para ele, os intelectuais
jus­tificavam sua presença na política porque o povo era igno­rante e classes sociais se formavam; dada a ignorância do
povo, seria fácil lhe incutir ideologias; enfim, a ideologia
permitia que fossem da elite, quando necessário e do povo,
quando conviesse.
Ideais de moderno e modernização no Brasil
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
O desejo de fazer o país progredir via educação –
preparar o povo para ocupar seu espaço no processo de
industrialização – era sintoma de um fenômeno mais amplo:
a inserção do Brasil na modernidade; isto é, em uma nova
consciência de mundo, uma nova sensibilidade, uma nova
percepção de realidade que mudou costumes seculares e
a organização social de estilos de vida tradicionais. Seus
indícios mais notáveis foram reconhecidos na Europa
do século XVII, em especial na Revolução Industrial. A
modernidade se difundiu no mundo como dinâmica de
desenvolvimento e exaltação do presente e do futuro – digase, de desdém pelo passado – e se traduziu em fenômenos
variados: modo de produção baseado no trabalho mecânico
(produção em larga escala de bens de consumo), urbanização,
outra sensibilidade estética e difusão maciça da alfabetização,
para ficarmos em algumas das esferas impactadas.
Nas décadas iniciais do século XX, o país passou por
transformações políticas, econômicas e sociais decisivas
para entrar na chamada era moderna. Tais transformações
se vincularam, em especial, à crise que acometeu o Estado
oligárquico (crise detonada após a Primeira Grande Guerra
e consolidada pelo movimento revolucionário de 1930) e
à transição econômica, em que a base agrário-exportadora
(cafeeira) começou a dar lugar à industrial-urbana. A
tran­sição supôs uma dependência maior dos países mais
desenvolvidos e levou a classe agrário-latifundiária (pro­
dutores de café) a investir noutros setores. Começava, assim,
a constituição de outra feição para a sociedade, marcada pela
industrialização, em especial e que fomentou um debate
denso sobre problemas sociais básicos, que exigiam solução
urgente, a exemplo da educação escolar.
O futuro das instituições democráticas depende, sobretu­
do, da orientação e do incremento do ensino primário.
Saber ler e escrever não são, porém, títulos sufficientes á
cidadania, digna deste nome. Não basta, pois, difundir o
161
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
ensino primário para dilatar os limites da cidade. Si este
ensino não forma homens, não orienta a intelligencia e não
distila o senso commum, que é o eixo em torno do qual se
organiza a personalidade humana, poderá fazer eleitores,
não terá feito cidadãos. [...] Assim, pois, ao que me parece,
o melhoramento ou aperfeiçoamento do ensino primário é
obra de muito mais relevância e de maior urgência do que
o da sua diffusão por processos inadequados (CAMPOS,
1930, p. 101; 102).
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
A escolarização (principalmente a primária) passou
a ser objeto de uma reflexão intensa entre os intelectuais e
políticos porque, supostamente, anularia um entrave central
ao progresso: os altos índices de analfabetismo. Como
podemos perceber nesta passagem a atenção destinada à
educação, no governo Antônio Carlos e Francisco Campos:
Organizar a instrução primária em moldes simples e
concisos, de modo a augmentar o seu coefficiente de
rendimento útil e a facilitar e incrementar a sua intensa
diffusão, tornando-a presente e efficaz em todo o território
do Estado, cuja área escolar deve tender, o mais rapidamente
que for possível, a coincidir com a sua área geographica,
incorporando, assim, aos benefícios da civilização a densa
e compacta massa de analphabetos, transformando-os
em outros tantos instrumentos de producção de bens
econômicos e espirituaes; ahi está uma urgente e imperativa
exigência, não somente da nossa vocação democrática, como
dos interesses fundamentaes da circulação e incremento da
riqueza coletiva (CAMPOS, 1930, p. 71).
Mais que isso, a escola seria um instrumento valioso
para disseminar o novo ideário que se impunha na sociedade
(RODRIGUES, 2006). Evidentemente, a instrução escolar
preocupava os dirigentes do país já na época imperial,
quando a educação foi objeto de reformas. Porém, foi a
partir da década de 1920 que ela se projetou com vigor,
porque a formação educacional foi vista como condiçãochave à preparação do povo (mão de obra) para as atividades
econômicas, que a industrialização anunciava.
Educ. foco, Juiz de Fora,
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162
Renovaram-se a comprehensão, as exigências e a finalidade
do ensino primário, os seus methodos, os seus processos e
os seus programmas; uma larga e fecunda actividade prática
e theorica tem-se exercido, infatigavelmente, na investiga­
ção dos seus termos, dos seus fins e dos coefficientes
intellectuaes e moraes de sua organização; experiências,
tentativas, reformas e projectos multiplicam-se, dia a dia,
no sentido de approxima-lo cada vez mais das finalidades e
exigências que lhe estão, visivelmente, a impor não apenas
o estado actual, senão as formas virtuaes que tendem a
revestir e definir a nossa cultura e, por conseguinte, a nossa
concepção dos valores humanos (CAMPOS, 1930, p. 41)
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Eis por que se diz que os anos 20 foram prolíficos
em reformas da educação nos estados, das quais algumas
se tornaram relevantes para a educação nacional; assim
como foi comum a projeção política nacional de muitos
dos intelectuais que elaboraram tais reformas, a exemplo
de Francisco Campos.5 Mais que isso, essa década abriga
marcos legitimados da modernização brasileira, o que indica
atraso na penetração do ideário modernizante na sociedade.
Com efeito, mas não é incorreto supor que o país já
havia experimentado processos modernizantes no século
XIX, ou seja, os processos sociais de que fala Berman.
Não se pode negar que a mudança de monarquia para
república e a abolição da escravatura não apontem uma
modernização; assim como apontam-na a construção de
ferrovias e portos, numa economia ainda de base agrária
5
Francisco Campos é natural de Dores do Indaiá (MG), cidade que, segundo
Oliveira (1996), influenciou sua formação pessoal, intelectual e política.
Sua infância ocorreu no momento em que políticos locais levaram a efeito
iniciativas que pudessem fazer a cidade progredir. A população local tinha
entusiasmo pelas artes e havia um panorama cultural promissor: teatro,
jornais e biblioteca com acervo diverso já em 1903. Essa tendência se refletia
na educação, cuja qualidade preocupava as autoridades, pois a viam como
indício de progresso – coerentemente com o ideal republicano de então. Após
iniciar seus estudos nesse ambiente, Campos foi, em 1910, estudar Direito
na Faculdade Livre de Direito. Academia de ciências políticas, jurídicas,
econômicas e administrativas de grande projeção, essa faculdade ofereceu
a ele um ambiente que influenciou sua formação política e estimulou sua
produção intelectual, a qual lhe daria projeção pessoal e abriria perspectivas
na carreira política. Uma vez advogado e jurista formado, Campos se elegeu
deputado estadual, em 1919, pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), mas
deixou a Câmara em 1926, para assumir a Secretaria do Interior de Minas
Gerais, na qual deu muita atenção à inspetoria da instrução; seu papel na
política educacional do governo Antônio Carlos sugere isso.
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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(latifúndio, monocultura e escravismo) e o desenvolvimen­
to da atividade mercantil interna e da atividade bancária,
cujo funcionamento demandava um público escolarizado.
Como se pode supor, o país não estava de todo estanque,
no momento em que a modernidade se impunha na Europa.
Todavia, esses acontecimentos têm menos visibilidade
que os desencadeados a partir da década de 1920, sobretudo
por causa da industrialização. Curiosamente, nesse decênio
ocorre – digamos – a verbalização artística da modernização
brasileira: a Semana de Arte Moderna, de 1922. Esse dado
remete à afirmação de Habermas (1990, p. 19) de que,
“[...] nas línguas européias da idade moderna, [...] a partir
dos meados do séc. xix, é que o adjetivo moderno foi subs­
tanciado, e de novo pela primeira vez no domínio das Belas
Artes”; e no que diz Le Goff sobre os vínculos do poeta
Baudelaire com a ideia de moderno. Essas associações de
modernidade com arte (belas artes, arte poética) permitem
supor que os artistas foram dos primeiros a se conscien­
tizarem de que o mundo havia mudado; noutros termos,
outro marco da presença da modernização seria quando
a voz dos artistas expressa as mudanças associadas com o
conceito de modernidade. Pécaut (1990, p. 27) afirma a
Semana de Arte Moderna como momento fundador:
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Aspirando a renovar as formas de expressão da arte
brasileira, definiu o conteúdo da modernidade cultural:
contemporaneidade ao lado das vanguardas européias
futuristas e surrealistas, sensibilidade à descoberta psica­
nalítica e, simultaneamente, exploração dos alicerces da
nacionalidade brasileira na busca de suas maneiras de
ser, seus falares, sua diversidade étnica e cultural, e das
indefinições que estão na raiz da sua universidade.
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
jul. 2014 / out. 2014
164
Contudo, poderíamos pensar – precipitadamente –
que a modernização (aquela representada pela Semana de
1922) imitou as civilizações mais desenvolvidas econômica
e socialmente – imitação esta representada pela influência
das vanguardas artísticas europeias. Nesse caso, seria uma
modernização contraditória porque a imitação reiteraria
a ideia de que a sociedade brasileira ainda era primitiva.
Pécaut (1990) esclarece, porém, que a assimilação não foi
pacífica: o elemento estrangeiro teve de se submeter às
singularidades nacionais. (Talvez por isso essa consciência
dos códigos artísticos manifestada por quem articulou esse
evento tenha tido tanta repercussão na produção artística
nacional posterior, sobretudo na literatura.) E, mesmo
passível de ser vista como contraditória, diz Pécaut (1990),
essa modernização estimulou o engajamento político de
quem a defendeu – a problematização do cosmopolitismo
e nacionalismo (mais deste que daquele) era bem-vinda
ao debate político-intelectual em torno de um projeto de
modernização.
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Modernização em Minas Gerais
A ideia de contradição se associa, também, à moder­
nização de Minas Gerais, onde esse processo foi gradativo e
multifacetado. Os entraves centrais à difusão de elementos
modernizantes foram o conservadorismo e a hierarquiza­
ção. Os valores da sociedade mineira exposta ao processo
modernizante eram os valores de uma sociedade agrária
(estáveis e conservadores) e classista, cuja manutenção da
condição de rico e de pobre legitimava e perpetuava a or­
dem social, além de concentrar o poder mercantil, agrí­
cola e político nas mãos de grupos fechados ligados por
parentesco (WIRTH, 1982). Arraigada à tradição, essa
sociedade era composta por uma população de feição rural
e tinha uma economia de base agrária, voltada ao mercado
interno e uma organização política ainda oligárquica. Nesse
contexto socioeconômico, a assimilação dos elementos
modernizadores foi desuniforme e pouco incisiva. Noutros
termos, esbarrou na força da ordem oligárquica.
Segundo Wirth (1982), Minas Gerais apresentava
mui­tos contrastes. Por exemplo, tinha relações complexas
com regiões mais ricas e dinâmicas do Sul, porém mantinha
vínculos fortes com regiões mais dependentes do Norte.
Além de energia e recursos naturais, tinha localização
165
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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166
geográfica, que fazia do estado uma via de passagem im­
portante, econômica e socialmente, e potencial industrial,
de trans­porte e de renda estadual; porém, sua renda per
capita era deficiente, o analfabetismo, alto e a saúde
pública, precária. À força política (os mineiros dirigiram
o país de 1889 a 1930, junto com paulistas e gaúchos)
equivalia a fraqueza socioeconômica. No dizer desse
autor, a formação das cidades mineiras principia na dé­
cada de 1920, com o êxodo da população rural, atraída
especialmente pela oferta de trabalho. Contudo, mesmo
tendo cinemas, farmácias, es­colas e centros de saúde pú­
blica, a maior parte das cidades pequenas mantinha vín­
culos fortes com a vida no meio rural, pois ainda era o
produto da produção rural que mantinha a economia delas.
Todavia, assim como é plausível reconhecer indícios
de modernização no Brasil, já na segunda metade do século
XIX, Antonio Paula (2000) considera que o estado de Minas
Gerais nasceu moderno. Prova disso seriam o crescimento da
urbanidade (vilas) e uma estrutura de ocupação diversificada,
que intensificou o comércio interno graças à mineração
aurífera, à atividade manufatureira e à formação da indústria.
Segundo Paula (2000), a urbanização trouxe outro padrão de
sociabilidade, novas relações políticas e econômicas, novos
costumes, novas sensibilidades e novas mentalidades. As
cidades viriam superar a feição rural da sociedade mineira
como indício-chave da modernização.
Se o processo de urbanização e a entrada do estado
na era moderna tiveram como marco central o surgimento
da capital Belo Horizonte, uma cidade planejada (WIRTH,
1982); a consolidação da vida urbana foi reforçada por outro
símbolo-chave da modernização: o surgimento da indústria.
Além da produção de bens de consumo e do desenvolvimen­
to de técnicas de produção, a industrialização motivou a
reorganização espacial urbana, a disciplina e o controle, a
di­visão do trabalho, a renda e o consumo. E mais: impôs a
discriminação e exclusão das classes inferiorizadas. Por isso
se diz que a modernização em Minas não conseguiu suprir
uma das promessas do processo modernizante: estabelecer
“[...] relações econômicas capazes de produzir a melhoria
das condições de vida do conjunto da população” (WIRTH,
1982, p. 81). Noutros termos, a modernização “à mineira”
não enfraqueceu o tradicionalismo e conservadorismo da
elite, ainda “[...] localista e isenta de crises de identificação
e função [...]” (WIRTH, 1982, p. 147).
Não se pode negar, porém, que a modernização do
estado, que despontava na década 1920, não tenha trazido
novas concepções, a exemplo das formas de conceber a
educação, que passou a ser vista ponte para o progresso.
Era preciso educar as massas – diria Wirth (1982) –, trans­
formá-las em outros tantos instrumentos de producção de
bens econômicos” – diria Francisco Campos (1930, p. 71).
Afinal, mesmo que a instrução pública preocupasse o go­
verno provincial, isso não bastou para reduzir os índices
de analfabetismo: “chaga” cuja extirpação supunha incluir
a escola na reorganização do espaço urbano motivada pela
industrialização. Dito de outro modo, era preciso reformar
o sistema de instrução pública, visto que da educação do
povo dependia o progresso do estado (e do país).
R efor m a F rancisco C a m p os :
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
o p ro j e t o
modernizador mineiro
Com efeito, reformas da educação estiveram na pau­
ta da política educacional mineira, nas primeiras décadas
do século passado: em 1906 (João Pinheiro), 6 em 1910
(Wenceslau Brás),7 em 1910-1 (Bueno Brandão),8 em 1915-6
6
7
8
Criou o sistema de grupos escolares; reformulou os níveis primário, normal e
superior; começou a pensar na criação de “escola normal modelo”; aprovou o
regimento interno dos grupos escolares e reforçou a fiscalização; prescreveu
os métodos intuitivo e prático, dentre outras ações. Contudo, não inovou no
ensino normal, que continuou a ser simples e resumido.
Aprovou o regulamento da reorganização escolar, na qual uma mudançachave ocorreu na duração do curso normal (de três anos para quatro), além
de classificar a escola normal de Belo Horizonte como modelo.
Pouco distinta da reforma João Pinheiro, determinou normas ao pré-primário,
primário e normal, criou escolas rurais, previu escolas dominicais, fixou
diretrizes para exercícios físicos e, sobretudo, estabeleceu a primeira escola
infantil.
167
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(Delfin Moreira),9 em 1924-6 (Mello Viana),10 além das
modificações educacionais feitas durante o governo
Artur Bernardes (1921-4).11 Essas iniciativas reformistas
antecederam a reforma que se tornaria a mais importante:
a Reforma Educacional Francisco Campos, levada a efeito
pelo governador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada12 e
seu secretário de Interior, Francisco Luís da Silva Campos.
Mais ampla que a reforma de 1925, a de Francisco Campos
foi anunciada na festa cívica do primeiro Centenário do
Ensino Primário, da qual participaram seis mil pessoas,
com crianças cantando o hino, desfile e lançamento de
edição especial da Revista de Ensino, órgão oficial da
diretoria de Instrução Pública, conforme (VIDAL, 2009)
e (BICCAS, 2011).
Segundo Peixoto (1983), a reforma de Campos se
preocupou com a face técnico-pedagógica da escola, assim
como com uma renovação escolar coerente – diria Abreu
(2001, p. 999) – com os “[...] postulados da ‘escola nova13’”,
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Sem fazer mudanças fundamentais, fixou instruções ao ensino da escola
infantil.
10
Estipulou gratificação especial a docentes normalistas, alinhou muitas escolas
normais à Escola Normal Modelo e criou numerosos grupos escolares; também
aprovou o Regulamento do Ensino nas Escolas Normais e programas de ensino
para o jardim de infância e para cursos complementares, primários agrícolas e
ensino primário.
11
Governador, Artur Bernardes; secretário do Interior, Afonso Pena Júnior.
Como mudanças mais importantes, essa reforma criou escolas rurais, nomeou
professores de ensino primário e facultou o ensino da religião católica; os
quesitos organização, metodologia e programas não foram revistos, embora
tenha atido ao ensino universitário com a criação da Escola Superior de
Agricultura e Veterinária.
12
Natural de Barbacena (MG), estudou segundo métodos pedagógicos con­
trários ao castigo físico e favoráveis à persuasão e ao apelo à dignidade
como atitudes mais aptas à formação de cidadãos dignos. Na faculdade de
Direito de São Paulo, deu vazão à vocação e ao desejo de participar da vida
política, entusisamdno pela causa republicana e pelo liberalismo clássico.
Sua preocupação com o ensino escolar foi tal que a educação se tornou um
compromisso expressivo de sua plataforma de governo. Ciente da situação
precária da educação, ao assumir a presidência de Minas focou na melhoria
dos níveis primário e normal, sobretudo. Também reiterava o pressuposto de
que o aprimoramento do ensino primário era condição direta para o progresso
social e econômico.
13
A escola nova tem no pensamento de John Dewey uma de suas bases centrais.
No dizer de Veiga (2007), Dewey espera, dentre outras coisas, que a escola seja
9
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168
então difundidos no país na voz de educadores como “[...]
Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo” [...] no pósPrimeira Guerra Mundial.
Como reiteramos até aqui, se modernizar significava,
então, romper com a tradição do passado, podemos supor
que os postulados da escola nova representavam a mo­
dernização, pois propuseram uma quebra da tradição no
ensino, isto é, do que Campos – segundo Abreu (2001, p.
999) – via como retórico e ornamental, próprio para formar
elites; logo, a escola nova, supostamente, opunha-se a isso,
uma vez que “[...] deveria ensinar a pensar, a inventar e a
criar soluções para a multiplicidade de novos problemas da
complexa vida moderna”. Para Campos, ainda segundo esse
autor, a orientação e o incremento da instrução primária
não poderiam “[...] fazer eleitores” se não os tivessem
“[...] feito cidadãos” antes, mediante uma educação que
formasse homens e orientasse a inteligência. Para Campos
– diz Medeiros –, o futuro das instituições democráticas
dependia dessa formação. Dito de outro modo, a “escola
nova” poderia embasar a formação de cidadãos aptos a
participar da sociedade moderna pelo voto (a democracia
como participação de todos). Como quer Nagle (2001), a
escola ajudaria fundamentalmente a consolidar a sociedade
moderna democrática e modernizar o estado de Minas.
Se essa reforma compunha o processo moderniza­
dor de Minas Gerais, estaria ela isenta de contradições? O
discurso pró-modernização de Campos não replicava as
contradições desse processo em Minas? Teria ele esbarrado
na estrutura oligárquica – conservadora e arcaica – do estado?
Vejamos como se apresenta o discurso do Francisco Campos
secretário dos Negócios do Interior de Minas Gerais;
cremos que aí seja possível reconhecer ideais de moderno
e modernização relacionáveis com a proposta educacional
patente na reforma da educação que ele elaborou.
capaz de estimular o desenvolvimento dos interesses fundamentais da criança:
comunicação verbal, descoberta, capacidade de construir objetos etc. O espaço
escolar seria, então, uma “comunidade em miniatura” capaz de estimular e
facilitar vivências produtivas laboratoriais e em oficinas, por exemplo, assim
como os jogos (VEIGA, 2007, p. 227).
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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M odernização nas ideias
Francisco de Campos
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
educacionais de
O livro Pela civilização mineira (1930) reúne discursos
de Campos publicados em documentos da Secretaria dos
Negócios do Interior que, talvez, permitam encontrar uma
via de compreensão e interpretação da reforma de ensino,
elaborada por ele e levada a efeito no governo de Antônio
Carlos. Consideremos o trecho a seguir, que compõe o
documento “Exposição de motivos do Novo Regulamento
do Ensino Primário – 14 de outubro de 1927” e dá pistas
da visão geral que Campos tinha de educação escolar e a
ser educada:
Si a escola, porém, pela educação, adapta a creança á
vida social, fazendo-a assimilar a ordem intellectual e
moral reinante, de que é um poderoso instrumento de
conservação, ella, por sua vez, como órgão de aspirações e
de ideaes, reage sobre a sociedade, a cujo serviço é destinada,
introduzindo-lhe na circulação fermentos e reactivos que
lhe provocam alterações e transformações profundas,
agindo, quer immediatamente, por influencia directa, quer
mediata e indirectamente, por intermédio dos futuros
cidadãos, cuja intelligencia e cujo caracter receberam a marca
da sua influencia, indelével por que impressa em metal ainda
em via de resfriamento e de condensação e, por conseguinte,
plástico e ceroso. (CAMPOS, 1930, p. 13).
Educ. foco, Juiz de Fora,
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170
Essas palavras deixam entrever que a educação escolar
reflete aspirações de cada época e sociedade, conserva a
ordem (intelectual e moral) vigente e visa “adaptar” a crian­
ça à vida social. Adaptar, nesse caso, sugere moldá-la à vida
em sociedade, daí a comparação metafórica com a ideia de
metal quente, isto é, pronto para ganhar formas mediante
a manipulação esmerada, disciplinada e rigorosa do
metalúrgico (do professor). O documento cita várias outras
questões sugestivas de um ideal modernizador no discurso
de Campos, dentre as quais estão estas: garantir cooperação
entre escola e meio social; fazer valer a condição da escola
como miniatura da sociedade; apontar a educação primária
como algo que não prepara para a vida escolar; entender mais
o desenvolvimento físico e psíquico da criança mediante a
psicologia e biologia; recorrer a orientações e pensamentos
novos acerca do processo de ensino e aprendizagem, afinal
“[...] quem não está aberto a inovações [à modernização]
é retrogrado”; introduzir o método Decroly (centros de
interesse); qualificar os programas de ensino e a formação
docente reformando o ensino normal; inspecionar a parte
técnica da educação; oferecer assistência escolar médica e
odontológica; organizar o conselho superior de educação
e o magistério em carreira regular; enfim, aparelhar e
construir prédios escolares. Com efeito, o documento
é abrangente, o que permite cogitar que, para Campos,
me­lhorar a educação era fator central ao progresso (à mo­
dernização) de Minas Gerais.
Uma ideia central no discurso de Campos foi a de
que qualificar a escola normal – diga-se, prover formação
docente pedagógica especializada – era premente para
qualificar a escola primária. Talvez por isso Fiz seguir para os
Estados Unidos um grupo de professores, para que ouvissem,
por dois annos, os especialistas na matéria. Contratei na
Suissa, França e Belgica, professores de nomeada para o
aperfeiçoamento de nosso professorado (CAMPOS, 1930,
p. 235). Na “Exposição de motivos do Regulamento do
Ensino Normal – 20 de janeiro de 1928”, ele advoga o
papel central do professor e da presença de técnicos e
psicólogos no ensino normal, assim como da biologia,
higiene e psicologia educacional. O “Discurso de installação
do curso de aperfeiçoamento – 14 de junho de 1928”, que
trata do aperfeiçoamento docente, reforçou o conteúdo
da “Exposição... de 1928”. Acrescente-se que esses dois
documentos revelam uma aspiração à reforma do espírito,
dos processos e da organização do ensino primário. Con­
tudo, mais que renovar e readaptar a escola normal, era
preciso rever:
[...] as exigências e a finalidade do ensino primário, os seus
methodos, os seus processos e os seus programmas; uma
larga e fecunda actividade prática e theorica tem-se exercido,
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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infatigavelmente, na investigação dos seus termos, dos
seus fins e dos coefficientes intellectuaes e moraes de sua
organização; experiências, tentativas, reformas e projectos
multiplicam-se, dia a dia, no sentido de approxima-lo
cada vez mais das finalidades e exigências que lhe estão,
visivelmente, a impor não apenas o estado actual, senão
as formas virtuaes que tendem a revestir e definir a nossa
cultura e, por conseguinte, a nossa concepção dos valores
humanos. (CAMPOS, 1930, p. 41).
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Como se pode ler nessa passagem, renovar a educação
se ajustava a necessidades maiores: aquelas da sociedade
moderna. Eis por que a reforma tinha de ser profunda,
mediante experiências, projetos e atividades práticas e
teóricas que redundassem em métodos e técnicas para qua­
lificar a educação; isto é, suprir os interesses da sociedade
que se formava – diria Carvalho (1998, p. 169): uma ade­
quação de populações urbanas resistentes à ordem da
modernidade, “[...] adequação dos costumes urbanos às
exigências do trabalho industrial na ordem capitalista”,
na qual a escolarização poderia ser alternativa ao controle
pela violência policial (CARVALHO, 1998, p. 169). Esse
aprofundamento fica patente na defesa da presença das
cadeiras de biologia e psicologia educacional.
O estudo da biologia humana e de hygiene não podia
deixar de integrar-se, como disciplina autônoma, no
curso destinado á formação do professorado primário. A
influencia dos pontos de vista biológicos sobre a educação,
a necessidade do conhecimento das formas que actuam no
crescimento physico e mental das creanças, dos fatores
organicos que determinam as suas reacções, que o ensino
da biologia humana não podia deixar de constituir uma
parte das mais importantes do curso normal graduado
(CAMPOS, 1930, p. 51).
Supostamente, essas áreas poderiam proporcionar um
conhecimento maior da fisiologia e da intelecção da criança;
mais que isso, traduziam uma “pedagogia moderna” em que
Educ. foco, Juiz de Fora,
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172
A “ciência suprema do mestre” residia no “conhecimento
do discípulo” no método tradicional”, os alunos se
dobravam a “rígidas prescrições gerais”; no “método
moderno”, o ensinamento é que se adaptava “ao discípulo
como centro do mundo escolar”. Tal adaptação deveria
alicerçar-se em “estudo profundos sobre a evolução física,
moral e intelectual da criança, nos quais a “pedagogia
experimental’ vinha-se “firmando brilhantemente” [...] A
“psicologia moderna” fornecia as “regras diretoras da es­
cola nova: fazer agir a criança; ocupá-la em trabalhos cuja
utilidade ela sinta; despertar o interesse a fixar a atenção,
partindo sempre do conhecido para o desconhecido, do
fácil para o difícil, encadeando observações ate a descoberta
de um principio e a verificação ulterior das aplicações desse
principio inconscientemente já feitas”. (CARVALHO,
1998, p. 228).
Também a psicologia contribuiu para a renovação
escolar, com técnicas educacionais que modificavam o
comportamento e a experiência do educando; as quais
Campos acatou, do contrário não teria criado a cadeira
de Psicologia Educacional no curso normal – para ele,
isso “[...] representa uma necessidade imperiosa, cuja sa­
tisfação vem integrar o curso normal de uma disciplina
indispensável á formação da mentalidade do professor
primário”. [...] a psychologia, não apenas a psychologia
geral, mas a psychologia educacional, constitui parte in­
dispensável ao equipamento intellectual do professor
pri­mário. Certamente, com Ella, os que forem providos
de dons especiaes, terão, com esses dons accrescidos pela
sciencia e aquelles que forem cegos da intuição terão, com
Ella, de certo modo, supprida a sua cegueira. (CAMPOS,
1930, p. 52).
A defesa de Campos da recorrência a áreas da ciência,
que pudessem dar aporte à educação, se fundava no que
ele via como uma organização poderosa: a indústria. Para
ele, o conhecimento da organização racional do trabalho
e da organização de técnicas industriais havia surgido da
rotina, das práticas, dos hábitos, da repetição de processos
industriais. Nesse caso, a escola como espaço de assimilação
da moral, do saber e dos costumes vigentes supunha uma
disciplina do corpo e do espírito dos alunos, que pudessem
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
torná-los compatíveis com o universo fabril. O “Discurso
de agradecimento, no banquete oferecido pelas classes
intellectuaes de Bello Horizonte – 22 de outubro de 1926”
mostra o quanto Campos estava alinhado ao processo
de industrialização do país. Para ele, o desenvolvimento
(a modernização) se vinculava à organização econômica,
industrial e comercial, que garantiria a atividade social e
política do país. A passagem a seguir ilustra essa afirmação:
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Um paiz sem organização industrial e comercial, com toda
a sua majestade, as suas dragonas, os seus parlamentos, as
suas declarações de direitos, não passará de um embryão
nacional, com uma vida de relação inteiramente artificial e
inconsistente por insufficiencia dos seus órgão de nutrição.
Até aqui temos cuidado mais de nossa vida de relação do que
da nossa vida de nutrição. Começamos a nos apparelhar agora
para as duras competições próprias do cyclo de civilização e
de cultura dos nossos dias, dirigindo a nossa attenção para
os difficeis problemas de organização econômica, industrial
e commercial – de maneira a garantir ao mercado nacional
as condições indispensáveis á sua efficiencia como órgão
destinado a manter e assegurar a nossa actividade social
e política, ate agora desapercebidas de uma base physica
proporcional á grandeza e extensão do nosso aparelho
político. [...] Ora, nós não podemos enriquecer como na­
ção, si o nosso commercio não se acha sufficientemente
apparelhado para exercer a sua funcção de colletor e
distribuidor, da maneira mais remuneradora possível, das
riquezas e da producção do paiz. (CAMPOS, 1930, p. 87).
Educ. foco, Juiz de Fora,
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174
Essa crença na industrialização como modelo para a
reformulação da educação escolar se mostrava, ainda, na
renovação da técnica pedagógica com base no conhecimento
derivado da rotina e nas práticas da fábrica. Assim, testes
de inteligência, graduação e classificação dos discentes,
diferenciação dos indivíduos, pedagogia de Dewey e outros
elementos compunham a fundamentação da reforma da
educação.
Era preciso modificar a prática da escola, seus pro­
cessos, seu mecanismo, seus hábitos para adaptá-la às
necessidades do mundo contemporâneo: científicas, de produção, profissionais e culturais. O argumento de Campos
pró-renovação educacional se apoiava na ideia de que
a escola, que propunha, era a escola dos países mais
avançados no processo de industrialização (modernização):
países europeus como Alemanha, Inglaterra, Bélgica,
além dos Estados Unidos. Assim, se a incorporação dos
“[...] benefícios da civilização” – concepções e métodos
educacionais de fora – ajudaria a escola a cumprir seu papel
de partícipe do desenvolvimento do país, também seria
um modo de disciplinar a “[...] densa e compacta massa de
analphabetos” para transformá-lo em “[...] instrumentos de
producção de bens econômicos e espirituaes [...]”, sujeitos
ao controle e à disciplina próprios do espaço de produção
industrial; isso era exigência urgente “[...] da nossa vocação
democrática [...]” (CAMPOS, 1930, p. 71).
Essa campanha em prol da melhoria da educação
escolar, de uma reforma profunda, de uma renovação de
concepções, modelos e métodos para a escola continha
intenções politiqueiras, como se pode ler nesta passagem
de seu “Discurso de instalação do Congresso de Instrução –
8 de maio de 1927”:
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
O futuro das instituições democráticas depende, sobretu­
do, da orientação e do incremento do ensino primário. [...]
Não basta, pois, difundir o ensino primário para dilatar
os limites da cidade. Si este ensino não forma homens,
não orienta a intelligencia e não distila o senso commum,
que é o eixo em torno do qual se organiza a personalidade
humana, poderá fazer eleitores, não terá feito cidadãos.
(CAMPOS, 1930, p. 101; 102). [...]
Campos sugere que a qualidade da educação escolar
era mais importante que sua difusão; isto é, que a quantidade
de escolas. Essa possibilidade contradiz, porém, o discurso
de seu governo, que vai contra a multiplicação de escolas
propalada nos “Discursos presidenciais do Estado de Minas
Gerais”, como se lê nesta passagem:
Convergi para a educação publica toda a minha attenção.
Fiz della a preoccupação dominante de meu governo.
Concentrei nella o melhor dos meus esforços. Reformei
175
Educ. foco, Juiz de Fora,
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o ensino normal e primário. Fundei dezenove escolas
normaes e refundi, de todo em todo, as duas únicas escolas
normaes officiais existentes. Creei e installei 3.662 escolas
primarias, o que quer dizer que foram multiplicadas por
três as escolas que encontrei. Fundei e installei quatro
gymnasios. (CAMPOS, 1930, p. 236).
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Dito isso, não podemos negar que o discurso de
Campos, relativo à renovação educacional em Minas Gerais,
não convergisse para modernização do estado. Mas essa
convergência não ficou isenta das contradições que marca­
ram o processo modernizador em Minas Gerais e no Brasil.
Os exemplos de seu discurso permitem afirmar essa contra­
dição. Ora, embora insistisse na qualidade da educação, o
governo Antônio Carlos enfatizou o dado quantitativo:
apre­sentou a quantidade não só em números exatos – 3.662 –,
mas também em proporções – três vezes mais. Além disso,
a concepção de educação, de criança e dos fins da escola
sugere que ele contribuiu para manter a estrutura social
vigente: excludente. Ora, Campos via a educação escolar
como instrumento de conservação, num momento em que a
ideia de modernização supunha quebra do conservadorismo,
abertura ao novo, ruptura com a tradição “reinante”; logo,
não cabia falar na formação de cidadãos transformadores
(modernizadores) porque a sociedade deveria permanecer
como estava. Mais que isso, na escola segundo Campos, a
liberdade, espontaneidade e naturalidade da criança é cerceada
pela assimilação adaptativa e disciplinada de um estado de
coisas. Assim, se Campos almejava à modernidade mineira,
não ficou ileso aos entraves, à modernização uniforme e
incisiva de Minas Gerais; a faceta pró-modernização de seu
discurso mostra vínculos com a estrutura oligárquica – mais
conservadora, mais arcaica.
Projetos políticos e educacional para Minas
Gerais
Educ. foco, Juiz de Fora,
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176
Até 1920, diz Wirth (1982), Minas Gerais tinha li­
derança econômica, demográfica e política, depois foi
superado pelo estado de São Paulo demograficamente, cuja economia diversificada prometia oportunidades variadas,
diferentemente da economia conservadora mineira, de
estabilidade social forte. Como o estado padecia de doenças
epidêmicas em algumas localidades, supõe-se que a saúde
pú­blica fosse precária; assim como a educação – a taxa de
analfabetismo era alta. Esses fatores, por si só, diziam mui­
to da falta de progresso e modernização e estimularam a
migração.
Ainda na visão de Wirth, numa economia de ba­se
agrícola (o café) e pastoril (a pecuária de leite), a indus­
trialização engatinhava: atendia o mercado doméstico e
empregava pouca gente. A isso se aliam uma produção
cafeeira irregular e um sistema viário e transporte deficiente,
que reforçava a dependência de São Paulo e do Rio Grande
do Sul, estados com os quais Minas Gerais tinha relações
econômicas de dependência. Assim, resolver os problemas
supunha construir estradas de ferro e estimular o mercado
interno, para anular a dependência. Todavia, mesmo a cons­
trução de ferrovias e abertura de rodovias, entre 1870 e 1930,
não integraram suficientemente as regiões do estado, logo
estimularam o fortalecimento do mercado interno, segundo
diz Wirth (1982).
Com efeito, a fraqueza e desorganização do mercado
mineiro compuseram a formulação de projetos políticos à
época, pois foram associadas com o analfabetismo. Assim, a
reforma educacional de Antônio Carlos e Francisco Campos
tinha respaldo não só em argumentos do contexto nacional,
mas também em necessidades criadas, sobretudo, pela elite
mineira por trás de um programa de governo para acelerar
o desenvolvimento e a modernização do estado. Uma vez
eleitos, esses dois políticos vazaram essas necessidades em
linguagem oficial, sobretudo as educacionais: o assunto
educação foi patente nos discursos presidenciais de Antônio
Carlos em 1927/28/29/30.
Como tentamos contextualizar até aqui, a educação
foi tomada como indício de modernização de Minas Gerais.
Mas a assunção das questões educacionais como programa
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
177
Educ. foco, Juiz de Fora,
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político tinha, segundo Dahlberg, Moss e Pence (2003) e
num contexto maior, outros interesses que não o educar o
povo propriamente dito. Ora, na proporção que a economia
capitalista assumia as rédeas do desenvolvimento, políticos
e líderes empresariais pouco afeitos à educação passaram a
expressar preocupação e disposição para agir em prol dessa
faceta da sociedade. A defesa da qualidade e da difusão da
instrução primária seguiu a lógica da relação custo-benefício:
formar e manter uma força de trabalho estável e qualificada
para o futuro: a industrialização.
Isso sugere que esse interesse pela educação se voltava
à instrução da população urbana. Do contrário, o projeto
político de Antônio Carlos teria previsto uma reforma que
mudasse, também, a feição da educação rural em Minas
Gerais. A reforma propôs uma modificação no ensino rural:
“até á reforma, o curso nas escolas ruraes era apenas de dois
annos. [...] [Após a reforma] o curso nas escolas ruraes
passou a ser de tres annos, o que, certamente, contribuirá
para melhorar o ensino” (MINAS GERAIS, 1928, s. p).
Pode-se aventar a possibilidade de que esse “desdém” pelo
ensino no campo se explique pela ideia – construída e apro­
priada pela sociedade – de que o meio rural é atrasado e
tradicional; isto é, antítese da vida urbana, da vida moderna,
do progresso (PAIM, 1984; ORTIZ, 2001). Nessa ótica,
ao ser associada com a educação que deveria democratizar
o país, a modernização de Minas Gerais ajudou a esconder
problemas mais graves de uma sociedade cuja população era,
a maioria, habitante do campo.
A ênfase na educação primária não anulou interesse
de Antônio Carlos e Francisco Campos por outros níveis
educacionais como o ensino superior, embora investimento
tenha sido quase imperceptível.
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Educ. foco, Juiz de Fora,
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178
A lei n. 956, de 7 de setembro de 1927, creou a Universida­
de de Minas Geraes. A mesma lei auctorizou o Governo a
constituir patrimonios, cujos rendimentos, respectivamente,
de 2 0 0 : 0 0 0 $ 0 0 0, 3 5 0 : 0 0 0 $ , 6 0 0 : 0 0 0 $ 0 0 0 e
5 0 : 0 0 0 $ 0 0 0, auxiliem a manutenção da Faculdade de
Direito, da Escola de Engenharia, da Faculdade de Medicina
e da Faculdade de Odontologia e Pharmacia de Bello
Horizonte, que se reuniram para constituir a Universidade
de Minas Geraes. O decreto n. 7.921, de 22 de setembro do
mesmo anno, approvou o Regulamento da Universidade,
que, considerada fundação, com personalidade jurídica
de direito privado, objectiva o desenvolvimento dos
institutos que lhe são incorporados, o estímulo da cultura
scientífica, o aperfeiçoamento do ensino e, em summa, o
engrandecimento intellectual e moral do Estado de Minas
e do Brasil. (MINAS GERAIS, 1928).
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
Segundo Nagle (2001), a “elite nacional” pedia uma
formação superior, por isso era necessário agradá-la; isto é,
estruturar uma universidade que pudesse formar uma elite
de cultura e ciência apta a governar o país. Atentos a essa
demanda elitista, Campos e Andrada criaram a Universidade
de Minas Gerais,14 cuja sede seria o prédio da Faculdade de
Direito, influente15 na formação da intelectualidade e da
política mineiras. Assim, criar uma universidade cumpria
parte de um programa político coerente com os interesses
das oligarquias: além de escolas normais (e secundárias) para
alimentar os valores humanistas ocidentais, havia escolas
superiores para elite; para massa, a escola primária, como
forma de suprir uma demanda social que poderia garantir
não só votos, mas também eleitorado fiel.
“A lei n. 956, de 7 de setembro de 1927, creou a Universidade de Minas
Geraes. A mesma lei auctorizou o Governo a constituir patrimonios, cujos
rendimentos, respectivamente, de 200:000$000, 350:000$, 600:000$000 e
50:000$000, auxiliem a manutenção da Faculdade de Direito, da Escola de
Engenharia, da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Odontologia e
Pharmacia de Bello Horizonte, que se reuniram para constituir a Universidade
de Minas Geraes. O decreto n. 7.921, de 22 de setembro do mesmo anno,
approvou o Regulamento da Universidade, que, considerada fundação, com
personalidade jurídica de direito privado, objectiva o desenvolvimento dos
institutos que lhe são incorporados, o estímulo da cultura scientífica, o
aperfeiçoamento do ensino e, em summa, o engrandecimento intellectual e
moral do Estado de Minas e do Brasil.” (MINAS GERAIS, 1928).
15
No dizer de Wirth (1982, p. 139): “Os professores passavam facilmente para
cargos políticos e administrativos importantes e os alunos tinham esperanças
de subir rapidamente, uma vez de posse de seus certificados de bacharéis e
doutores. [...] A classe media via nos diplomas a marca de um homem instruí­
do. [...] O acesso aos corredores do poder era muito mais fácil para aquele
que portava o anel de rubi do advogado e reforçado pelo companheirismo dos
colegas de mesmo status.”
14
179
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
A permanência no poder supunha outras condições, a
exemplo de laços que deviam ser firmados com grupos sociais
distintos, úteis à influência do governo de Antônio Carlos.
Dentre esses grupos está o professorado, convocado a par­
ticipar do Congresso de Ensino Primário16 para conhecer as
ideias educacionais e, uma vez cientes destas, ser cooptado
a defender o projeto político-educacional modernizante
do governo, como foi manifestado por Antônio Carlos
Ribeiro de Andrade, em presidencial sobre o apoio recebido
dos professores primários depois do Congresso de Ensino
Primário, realizado em Belo Horizonte:
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
Atendendo a convocação do governo, reuniu-se, nesta
Capital, em maio próximo findo, o Congresso de En­
sino Primário, cujas luzes, devendo provir de pessoal
experimentado, pareceram úteis à administração, para o fim
da reforma que planejo, e já exposta, em linhas gerais, por
mim e pelo Secretário do Interior, em vários documentos
públicos. As resoluções do congresso, em sua maioria
merecedoras de acatamento, terão o devido apreço na
elaboração do regulamento que, sobre esse importante
assunto, será, dentro em pouco, expedido.17
Assim, Antônio Carlos e Francisco Campos divulgaram
seu projeto político com apoio da “densa e compacta massa
de analphabetos” e do professorado, tido como central à
concretização da reforma educacional.
“Atendendo a convocação do governo, reuniu-se, nesta Capital, em maio
próximo findo, o Congresso de Ensino Primário, cujas luzes, devendo provir
de pessoal experimentado, pareceram úteis à administração, para o fim da
reforma que planejo, e já exposta, em linhas gerais, por mim e pelo Secretário
do Interior, em vários documentos públicos. As resoluções do congresso, em
sua maioria merecedoras de acatamento, terão o devido apreço na elaboração
do regulamento que, sobre esse importante assunto, será, dentro em pouco,
expedido.” (MINAS GERAIS, 1927).
17
MI N AS GERAI S . Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada dirigida ao Plenário em 1927b. In: ARQUIVO PÚBLI­
CO MI N EI RO/APM . Relatórios de mensagens do governo mineiro –
mensagens presidenciais de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6,
gaveta B1.
16
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 147-188
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180
Considerações finais
Esta leitura analítica dos discursos de Antônio Carlos
e Francisco Campos tentou mostrar os vínculos desses dois
políticos e de seu programa de governo como o projeto de
modernização de Minas Gerais pela via da educação. Essa
possibilidade compunha o ideário nacional de modernização
da sociedade, mas tinha algo de utópico, visto que educar
o povo tinha profundo de fazer a massa aderir – sobretudo
pelo voto – ao regime republicano e o que ele trazia a re­
boque: industrialização, controle social e democracia, dentre
outros pontos.
Esse discurso educacional modernizante, na década
de 1920, foi uma forma de projetar Francisco Campos
e Antônio Carlos na elite política nacional. Seu projeto
político desenvolvido e a dimensão alcançada pela reforma
educacional os alçaram à condição de homens prestigiados
na intelectualidade e elite dirigente, nas quais ocuparam
posições de destaque, a exemplo de Campos, que se tornou
ministro da justiça. Mas, se a elaboração interna coerente
de sua proposta política garantiu futuro para suas ideias
no cenário nacional, isso não bastou para concretizar o
projeto de modernização e democratização no estado em
seu conjunto. Os entraves à modernização de Minas Gerais
como processo político advinham justamente das formações
oligárquicas que sustentavam o programa do governo
Antônio Carlos, para as quais modernização significava
democratizar – assegurar o direito de voto e angariar elei­
tores – para proteger seus bens e aumentá-los.
Se o debate sobre a escolarização era próprio dos
círculos de intelectuais, nos anos 20 ele cooptou novos
debatedores: os políticos. Assim, estes e aqueles – fossem
intelectuais-políticos ou políticos-intelectuais – viram a
escola como vetor de democratização com cidadania. O
resultado foi a imbricação do discurso educacional com o
discurso político, em que a política passaria a traçar, então,
os rumos da educação. Essa articulação pode ser vista tanto
como uma tentativa de fazer o país desenvolver, com base
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
conservador da
reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
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182
na educação escolar quanto o desejo de construir uma
nação democrática e com cidadania, pela educação. Mas essa
intenção, muitas vezes, esbarrou na vontade política e se
mostrou em doses controladas, na medida das necessidades e
dos interesses da classe dominante. Assim, o movimento de
construção do regime de governo republicano foi intrínseco
aos movimentos de construção dos projetos de educação,
elaborados para produzir a República.
Percebemos, porém, que muitas vezes tais reformas
deixavam a desejar em modificações mais profundas e
signi­ficativas no sistema de ensino, assim como se distan­
ciaram, na prática, das propostas expostas e defendidas
discursivamente. Por isso, foram vistas como fragmentadas,
desarticuladas, parciais, arbitrárias, lançadas sem solidez
econômica e sem visão global do problema. Nesse contexto
de mudanças e discussões sobre a instrução pública como
fator de modernização do país, insere-se a Reforma
Educacional Francisco Campos. Atentos às mudanças e
perspectivas no ensino primário nacional e estadual, seus
idealizadores – Antônio Carlos, então presidente de Minas
Gerais, e Francisco Campos, secretário do Interior – esfor­
çaram-se para promover melhorias na educação como forma
de consolidar o progresso e a modernização do estado.
Sua finalidade era instituir uma política educacional
segundo princípios e bases modernos. Dizia-se que era
necessária e que deveria começar pela instrução primária –
mais útil à massa de cidadãos porque o país só se desenvolveria
e se modernizaria através da escola, que deveria capacitá-los
a entender seus direitos e seus deveres. Ao difundirem a
escola primária, visualizavam a possibilidade de controle,
fundamental à formação do país e de seu povo.
Embora a reforma se vinculasse ao objetivo de mo­
dernizar o estado mineiro, este estudo aponta que ela foi
parcial, pois a modernização não dependia só da escola, mas
também de mudanças nos contextos sociais e na mentalidade
da população.
Sobretudo, talvez porque os ideais de modernidade
difundidos sempre se misturaram com elementos de uma
sociedade tradicional, conservadora, agrário-exportadora,
oligárquica e cuja população – a maioria – residia no campo.
E mesmo com as transformações que a República propôs
em Minas Gerais, não democratizaram os direitos políticos
– seu principal objetivo.
Isso nos fez acreditar que o governo de Antônio
Carlos desenvolveu a reforma Francisco Campos como
marco modernizador de uma ação conservadora, coerente
com a perspectiva transformadora que então se propunha
na República. Num segundo momento, a pesquisa mostrou
que ele e Campos, a fim de consolidar seu projeto político
– modernizar Minas Gerais –, assumem ideologicamente
ideais vistos como liberais: assegurar o exercício livre e
tranquilo do voto e lutar em prol das liberdades públicas e
contra um estado analfabeto, oligárquico e autoritário. A
feição moderna desses ideais não ocultava seus traços do
conservadorismo que então marcava a sociedade mineira:
via-se a escola como mecanismo de poder pelo qual se po­
deria inculcar os princípios liberais nas novas gerações para
garantir a consolidação e continuidade da ordem.
Além disso, Francisco Campos e Antônio Carlos re­
pre­sentavam os interesses das elites dirigentes que bus­­cavam
consolidar a modernidade em Minas Gerais. Conservadoras,
tais elites diziam que buscavam a democracia; mas esta não
devia pôr em risco a manutenção de privilégios daquelas,
por isso mantinham seus interesses reproduzindo o mode­
lo de exclusão política. Eis por que se pode ver o projeto
educacional desses dois políticos como busca de uma
democracia aparente — afinal, não lograram disseminar
a instrução pública de modo que o trabalhador pudesse
ampliar sua participação política, via escolarização, nem
facilitar a participação política democrática.
É claro: não podemos negar a busca pela democratização,
pois a reforma levou a um crescimento vertiginoso do ensino
primário; isto é, aumentou as oportunidades educacionais
para jovens da classe média e de classes desprivilegiadas eco­
nomicamente (esse nível de ensino deixou de ser privilégio
exclusivo dos ricos).
Modernização
educacional à
mineira: o propósito
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reforma Francisco
Campos (1926–1930)
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Mas, também apresentou limites, sobretudo em sua
incorporação de ideais de modernização em prol da educação
mineira do decênio de 1920. Um deles foi a introdução dos
princípios da escola nova, via importação de ideias relativas
ao ensino, em nações mais desenvolvidas da Europa e da
América do Norte (Estados Unidos); as especificidades
econômicas, sociais, culturais, políticas e pedagógicas do
Brasil e de seu povo foram desconsideradas, se não no todo,
ao menos em parte. Outro limite foi a legislação, que por si
só não basta para modificar a educação nem a mentalidade
da sociedade mineira; tal mudança depende de condições
básicas de desenvolvimento de toda a sociedade, as quais
muitas vezes eram precárias graças à falta de recursos
materiais e humanos para formação educacional.
A essas limitações se acresce a lentidão na substituição
de concepções antigas da escola, dita tradicional, por
concepções tidas como mais modernas – da escola nova;
perduram métodos antigos porque a proposta não se efetivou
no estado todo – chegou só a uma parcela da população.
Por fim, também limitante é a organização pedagógica
subordinada aos poderes políticos, por não possibilitar
o desenvolvimento de princípios básicos pertinentes ao
movimento da escola nova como a liberdade, a cidadania
e a democracia; a busca por tais princípios não resultou de
construção coletiva, mas de imposição do poder.
A colaboração dos verdadeiros interessados na edu­
cação, dos especialistas sobre o assunto – os educadores –,
era limitada, pois nunca lhes entregaram os destinos do
ensino. O progresso e a modernização da educação no país
talvez só tenham acontecido pelas mãos de educadores
atentos às reais necessidades educacionais e ao verdadeiro
interesse da população brasileira, mas alheios a política de­
magógica. Acreditamos que, se a elaboração de leis, decretos
e regulamentos pressupusesse a presença de profissionais
da educação, talvez houvesse modificações mais profundas
na educação.
Pâmela Faria de
Oliveira
Carlos Henrique de
Carvalho
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Modernizing Education Minas Gerais’ way:
the conservative purpose of Francisco Campos’
reformation (1926-1930)
Abstract
Education played a central role in the intellectual and
political dimension of the process of modernization in
Brazil. This text focuses on this role by discussing the
relationship between education and modernity, above its
condition of an index of modernization in the state of Minas
Gerais in the first half of the twentieth century. To do so,
we analyze governor Antônio Carlos’ and his secretary
Francisco Campos’ discourses underlying their influent
education reform, which is supposed to convey traces of
progress and bonds with the local oligarchy’s interests.
Methodological procedures included bibliographical
research to contextualize conceptually and historically
our discussion and analytical reading of extracts of these
politicians’ official discourses. Results point out that their
discourse of a modernizing education and the cohesive
elaboration of their government program stood them
out in the national political scenario as well as turned
their educational reform into a strong influence on the
national education perspectives. However, it didn’t mean a
uniform process of modernization and democratization in
Minas Gerais, especially because of impediments imposed
precisely by the oligarchic formations that maintained
Antônio Carlos government.
Keywords: Francisco Campos. Minas Gerais. New School.
Modernity.
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Data de recebimento: agosto 2013
Data de aceite: novembro 2013
Professores e dificuldades
de aprendizagem,
representações sociais de
desafio e perplexidade
Eloiza da Silva G. Oliveira1
Danielle Pereira de Vasconcellos2
Caio Abitbol Carvalho3
Thaís Trindade4
Rafael Lima de Souza5
Monna Vasconcelos6
Joyce Sequeira7
Resumo
O artigo focaliza as dificuldades de aprendizagem (DAs),
o conceito de “normalidade”, os termos distúrbios e
dificuldades de aprendizagem e a dificuldade de diagnosticálas. Realizamos uma pesquisa com 86 profissionais ligados
à Educação do Estado do Rio de Janeiro, por entendermos
que as representações sócias desses profissionais sobre as
DAs impactam o trabalho que realizam e a visão do processo
de aprendizagem que elaboram.
Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Repre­
sentações sociais. Formação humana
1
2
5
6
7
3
4
Doutora em Educação, Diretora do Instituto de Formação Humana com
Tecnologias (IFHT), [email protected], Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Danielle Pereira de Vasconcellos (Graduanda em Pedagogia; Bolsista de
Iniciação Científica),
Graduando em Pedagogia; Bolsista de Iniciação Científica.
Graduanda em Pedagogia.
Graduando em Pedagogia.
Graduanda em Pedagogia; Monitora da área de Aprendizagem.
Graduanda em Pedagogia; Monitora da área de Aprendizagem.
Introdução: sobre a conceituação e o diag­
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
nóstico das dificuldades de aprendizagem
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
As dificuldades de aprendizagem têm se constituído,
historicamente, em um objeto complexo e polêmico para
a abordagem dos estudiosos, pesquisadores, professores e
demais profissionais, além das famílias que convivem com
pessoas que aprendem em ritmo, ou de forma diferente,
daquilo que é esperado ou considerado “normal”.
Nesta introdução vamos abordar três aspectos
que tornam esta abordagem especialmente complexa. O
primeiro se refere à complexidade do termo “normalidade”
e aos múltiplos aspectos que ele envolve. Além da mul­
tiplicidade de critérios – estatístico, clínico, teleológico,
cons­titucional, sociológico, entre outros – o conceito de
normalidade permite com facilidade a ocorrência dos fe­
nômenos da fragmentação, considerando partes do ser
humano quando ele se constitui em uma totalidade e da
estereotipia, criando “tipos” característicos associados às
dificuldades de aprendizagem. Incorre assim no equívoco
do estabelecimento de etiologias, listagens de causas que,
ilusoriamente, facilitam o diagnóstico.
Para Doron e Parot (2007):
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
A normalidade é concebida, por um lado, como a ausência
de patologia, e, por outro, como a conformidade com
o tipo médio. Vale ressaltar que a média é uma medida
estatística, puramente descritiva e operacional, que tende
a ser considerada como regra e como valor, podendo
proporcionar uma interpretação equivocada, uma vez que
não leva em conta as singularidades, as dissidências e as
anomalias, baseando-se em valores atribuídos ao indivíduo
e ao comportamento, cuja função é avaliar e detectar a
utilidade social das condutas e dos indivíduos. (p. 335).
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
190
Kaplan (1997) fala em quatro perspectivas do enfoque
das ciências comportamentais e sociais para a normalidade:
• Como saúde, em anteposição ao que é considerado
doença, consiste na ausência dos sinais e sintomas
que estejam em “desajuste” com o que é comum
(ou normal), indicando um organismo saudável.
• Como utopia, fundamentada na conjunção
harmoniosa e plena do sistema nervoso funcionando
de maneira “perfeita”.
• Como média, tendo por base a média estatística
dos estudos normativos do comportamento no
qual traços da personalidade são entendidos como
medida padronizada do comportamento.
• Como processo, relacionada às situações ou a fases
de desenvolvimento da personalidade, tendo cada
estágio características intrínsecas.
O segundo aspecto refere-se a certa confusão es­
tabelecida entre os termos distúrbios e dificuldades de
aprendizagem.
O termo dificuldades de aprendizagem começou a
ser usado, no início dos anos 1960, para descrever diversas
“discapacidades” relacionadas com o insucesso escolar e
que não deviam ou podiam ser atribuídas a outros tipos de
problemas de aprendizagem. Concordamos com Moojen
(1999) ao dizer que esses termos vêm sendo utilizados de
forma aleatória na literatura especializada, na prática clínica
e no cotidiano escolar para designar quadros diagnósticos
variados.
Alguns autores afirmam que os comportamentalistas
preferem o termo distúrbio, enquanto os construtivistas
utilizam o termo dificuldade. França (apud SISTO, 1996)
apresenta a distinção fundamentada na concepção de que o
termo “dificuldade” está relacionado a questões de ordem
psicopedagógica ou sócio – cultural e o termo distúrbio
sugere a existência de comprometimentos neurológicos,
em funções corticais específicas e é mais utilizado pela
perspectiva clínica.
Collares e Moysés (1992) expressam preocupação
com a expansão do uso da terminologia “distúrbios de
aprendizagem” entre os professores. Segundo as autoras
os professores, com frequência, não conseguem explicar
o significado do termo e os critérios que fundamentam
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
191
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Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
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192
o seu uso, o que pode evidenciar um reflexo do processo
de patologização da aprendizagem ou da biologização das
questões sociais.
Isto nos remete ao terceiro dos três aspectos que nos
propusemos a abordar nesta introdução: a dificuldade do
diagnóstico das dificuldades de aprendizagem.
Convidamos o leitor a refletir sobre alguns dos
principais entraves à realização do diagnóstico das dificul­
dades de aprendizagem: o despreparo dos professores para a
realização desta tarefa; o pouco acesso das escolas às equipes
multidisciplinares que poderiam efetuar corretamente
essas avaliações; a resistência das instituições escolares a
assumir a sua parcela de responsabilidade na gênese destas
dificuldades; a necessidade de maior variedade e quan­tidade
de instrumentos e estratégias de diagnóstico; a ansiedade das
famílias e das próprias escolas pelo resultado do processo de
avaliação diagnóstica e pela “nomeação” do tipo de dificuldade
apresentada; a precariedade de instituições complementares
à ação pedagógica da escola que possam dar suporte às
dificuldades diagnosticadas; a confusão entre alunos com
dificuldades de aprendizagem e os que apresentam baixo
rendimento escolar; a rigidez dos sistemas de classificação
que irão expressar os resultados deste processo. Em relação
a este último ponto Dockrell e McShane (1997) falam de
dois destes sistemas de classificação:
• Sistema etiológico – tenta classificar as dificuldades
de aprendizagem de acordo com a causa que as
origina.
• Sistema funcional – tem por base a medida da
in­teligência dos indivíduos que apresentam difi­
culdades de aprendizagem, destacando dois grupos:
o de nível intelectual bem abaixo da média (e
isto justifica as dificuldades encontradas) e o de
desenvolvimento intelectual considerado “normal”,
mas cujos membros têm alguma dificuldade espe­
cífica (a leitura ou a escrita, por exemplo).
Fernández Cabezas (2000) fala de dois enfoques do
diagnóstico das dificuldades de aprendizagem: o diagnóstico
com enfoque tradicional-individual e o diagnóstico com
enfoque curricular escolar. O quadro que se segue, elaborado
pela autora, esclarece estas duas modalidades:
ENFOQUE
TRADICIONALINDIVIDUAL
DIAGNÓSTICO
ENFOQUE
CURRICULAR
Finalidade
A informação é
obtida somente do
aluno, se interessa
pela criança, pelo
que faz, assim como
fundamentar seu
defeito.
Obter informação do
aluno e do ambiente
em relação com a
resposta curricular.
Conteúdo
Aluno.
Aluno, contexto
educativo, contexto
sócio-familiar.
Instrumentos e
procedimentos
Utilização de provas
e testes.
Provas, pautas
de observação,
trabalhos dos alunos.
Instrumentos
contextualizados que
se referem a todos
os componentes do
processo ensino e
aprendizagem.
Pessoas que
intervém
Psicólogos, médicos
e participação
muito limitada dos
pedagogos.
Todos os profissionais
implicados no processo
educativo, e a família.
Biológica.
Dinâmica e interativa.
Concepção de
base
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
(FERNÁNDEZ CABEZAS, 2000, p. 34).
C onhecendo
melhor as dificuldades de
aprendizagem
A construção do conhecimento e a aprendizagem
são processos naturais e espontâneos do ser humano que,
193
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
desde cedo, se desenvolvem. A aprendizagem escolar
também é considerada um processo natural, resultado de
uma complexa atividade mental, na qual o pensamento,
a percepção, as emoções, a memória, a motricidade e os
conhecimentos estão entrelaçados para a criança sentir
satisfação em aprender.
O cenário educacional é repleto de aprendizagens,
sucessos e aprovações. Porém, diversas vezes, ao decorrer
do ensino, nos deparamos com um problema bastante
comum, as dificuldades de aprendizagem.
O termo “dificuldade de aprendizagem” começou a ser
utilizado na década de 1960 e até hoje, na maioria dos casos,
é confundido por professores e pais como uma simples
desatenção das crianças em sala de aula.
As Dificuldades de Aprendizagem (DA) possuem
inúmeras definições, como a que é apresentada por GarcíaSánchez (1990) e é bastante conhecida:
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Dificuldade de aprendizagem (DA) é um termo geral que
se refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se
manifestam por dificuldades significativas na aquisição e uso
da recepção, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades
matemáticas. Estes transtornos são intrínsecos ao indivíduo
são atribuídos à disfunção do sistema nervoso central
e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir
junto com as dificuldades de aprendizagem, problemas
nas condutas de auto-regulação, percepção social e in­
teração social, mas não constituem por si mesmas uma
dificuldade de aprendizagem. Ainda que as dificuldades de
aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com
outras condições incapacitantes (por exemplo deficiência
sensorial, retardo mental, transtornos emocionais graves)
ou com influências extrínsecas (tais como as diferenças
culturais, instruções inapropriadas ou insuficientes), não
são o resultado dessas condições ou influências. (GARCÍASÁNCHEZ, 1998, p. 35).
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
194
De forma mais genérica, a expressão dificuldade de
aprendizagem é usada para se referir às condições sóciobiológicas que afetam as capacidades de aprendizagem de
indivíduos, na aquisição, construção e desenvolvimento das
funções cognitivas. Ainda abrange diversos transtornos de
percepção, dano ou disfunção cerebral.
Embora a dificuldade de aprendizagem não seja
indicativa do nível de inteligência, existe uma tendência à
exclusão dos indivíduos, com essa dificuldade pela política
de educação, pois as pessoas atingidas pela dificuldade de
aprendizagem ainda carecem, em muitos casos, de um espaço
educacional específico para o seu problema. Dessa forma, as
dificuldades de aprendizagem figuram como um dos maiores
desafios educacionais.
O aluno, ao perceber que possui dificuldades em
aprender determinada coisa frequentemente começa a
demonstrar desinteresse, desatenção, irresponsabilidade,
agressividade, etc. A dificuldade acarreta muitos sofrimentos.
Segundo Weiss (2000, p. 56),
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
(...) a aprendizagem normal dá-se de forma integrada
no aluno (aprendente), no seu pensar, sentir, falar e
agir. Quando começam a aparecer “dissociações de
campo” e sabe-se que o sujeito não tem danos orgânicos,
pode-se pensar que estão se instalando dificuldades na
aprendizagem: algo vai mal no pensar, na sua expressão,
no agir sobre o mundo.
As DAs são um dos fatores que conduzem o alu­
no ao fracasso escolar. Ao atribuir ao próprio aluno o
fracasso escolar, considerando que ele tenha algum tipo
de comprometimento no desenvolvimento cognitivo,
lingüístico, psicomotor ou emocional, o professor
aparentemente deixa de ficar atento a esse tipo de proble­
ma, excluindo-o do seu foco de interesse da sua prática
pedagógica.
É preciso que esse profissional utilize diferentes
maneiras de ensinar, uma vez que existem inúmeras
maneiras de aprender. É necessário que o professor saiba da
importância de criar vínculos com seus alunos no cotidiano,
construindo laços positivos e fortes na construção do saber.
Pois não se pode dizer que o fracasso é somente do aluno, a
escola precisa saber lidar com a diversidade dos seus alunos.
195
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
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Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Educ. foco, Juiz de Fora,
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196
Uma das dificuldades mais conhecidas e com grande
repercussão na atualidade é a dislexia, porém, é importante
a observação de outros problemas sérios de aprendizagem,
como disgrafia, discalculia, dislalia, disortografia e o TDAH
(Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).
Nos dias atuais, houve um enorme aumento de
crianças com DA (dificuldade de aprendizagem). É notório
que os problemas de atenção, concentração, memória e
ajustamento social são muito comuns em indivíduos com
esse problema.
É preciso, porém, ter atenção para não confundir
dificuldade de aprender e o desenvolvimento normal, pois
as crianças têm processos diferentes de desenvolvimento,
não existe um ‘padrão’ determinado para isto. Portanto
é importante que os pais e professores respeitem o
desenvolvimento geral da criança, seus ritmos e motivações,
assim como os diversos estilos de aprendizagem que
podemos encontrar.
A DA tem inúmeros sintomas que podem ajudar a que
a mesma seja identificada e que se alteram de acordo com
a idade, áreas afetadas (as áreas são dividas em linguagem,
memória, atenção, motricidade fina e outras funções) e da
fase de desenvolvimento na qual o indivíduo está. Essas
informações serão apresentadas abaixo, para facilitar a
elucidação dos sintomas, através de quadro elaborado por
Levine (1990).
Com base nessas informações sobre a situação, forne­
cidas por profissionais habilitados, como médicos, psi­
cólogos e terapeutas, sobre a situação e uma consulta à visão
dos pais, é possível que um profissional da educação possa
tentar minimizar ou até mesmo suprimir esses problemas.
Quanto mais precocemente houver intervenção adequada
maior a possibilidade de ajuda, no desempenho do aluno,
tanto na escola quanto na vida social.
O aluno com DA pode sofrer alteração com relação
a classes regulares e serviços educacionais, para que haja
fa­cilitação da aprendizagem é necessário que o processo
de ensino seja adequado, através de adaptações físicas e
curriculares, para facilitar a compreensão do aluno. Outros
artifícios podem ser utilizados, como: flexibilização de
horários, mudanças nas atividades, nos textos e trabalho de
casa, orientando de forma mais simples sobre o trabalho de
casa.
Áreas
Pré-Escolar
Níveis Iniciais
Níveis Médios
Níveis
Superiores
Linguagem
Problemas de
articulação.
Aquisição lenta
de vocabulário.
Falta de
interessa em
ouvir histórias.
Atraso na
decodificação
da leitura.
Dificuldades
em seguir
instruções,
soletração
pobre.
Compreensão
pobre da
leitura. Pouca
participação
verbal na classe.
Problemas com
palavras difíceis.
Dificuldades
em argumentar.
Problemas de
síntese e escrita
fraca.
Memória
Problemas na
aprendizagem
de números
alfabeto dias
da semana etc.
Dificuldade em
seguir rotinas.
Dificuldades em
recordar fatos.
Problemas de
organização.
Aquisição
lenta de novas
aptidões.
Soletração
pobre.
Dificuldade
em recordar
conceitos
matemáticos.
Dificuldade
na memória
imediata.
Problemas em
estudar para os
testes.
Dificuldades
na memória de
longo tempo.
Atenção
Problemas em
permanecer
sentado
(quieto).
Atividade
excessiva. Falta
de persistência
nas tarefas.
Impulsividade,
dificuldade em
planificar. Erros
por desleixo
Distração.
Inconstante.
Difícil
autocontrole.
Fraca
capacidade
para perceber
pormenores.
Problemas
de memória
devido à fraca a
atenção. Fadiga
mental.
Motricidade
Fina
Problemas na
aquisição de
comportamen­
tos de
autonomia.
Desajeitado.
Relutância para
desenhar ou
tracejar.
Instabilidade
na preensão do
lápis. Problemas
no componente
grafomotor da
escrita (forma
das letras,
pressão do
traço, etc.).
Manipulação
inadequada do
lápis. Escrita
ilegível, lenta ou
inconsciente.
Relutância em
escrever.
Diminuição da
relevância da
motricidade
fina.
Outras
Funções
Problemas na
aquisição na
noção na direita
ou esquerda
(possível
confusão viso
espacial).
Problemas nas
interações.
Problemas
com a noção
de tempo
(desorganização
temporal
sequencial).
Domínio pobre
dos conceitos
matemáticos.
Estratégias de
aprendizagem
fracas.
Desorganização
no espaço ou no
tempo. Rejeição
por parte dos
pares.
Domínio pobre
de conceitos
abstratos.
Problemas na
planificação
de tarefas.
Dificuldade na
realização de
exames testes.
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
197
Educ. foco, Juiz de Fora,
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Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
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198
O uso de tecnologias de informação e comunicação
é uma nova adaptação, que pode ser utilizada para a
facilitação da aprendizagem dos alunos com dificuldades de
aprendizagem. Na conclusão deste texto abordaremos mais
profundidade esta questão.
Na busca de resultados concretos é preciso ser feito
um trabalho entre pais, escolas, professores e demais
profissionais, todos deverão estar envolvidos em um só
objetivo: ajudar o aluno que “aprende de forma diferente
dos demais”. O papel dos pais é muito importante nesse
processo, pois são eles que melhor conhecem os filhos,
conversas freqüentes entre eles e com a escola poderão
ajudar na observação de qualquer novo problema. Isto
faz com que o envolvimento da família, no tratamento
das dificuldades de aprendizagem, seja fundamental. Para
Fernandez (1990), ela não pode ser considerada apenas como
responsável principal ou como fornecedora de informações,
mas que se dê, ao grupo familiar, protagonismo no processo
de abordagem das DAs, é necessário “devolver à família a
possibilidade de pensar, de fazer perguntas, de questionar-se
e de refletir” (FERNANDEZ, 1994, p. 30).
Os psicólogos, com especialização em clínica
infantil, são os profissionais recomendados para fazer uma
avaliação e tratar da criança, caso o problema seja de fundo
emocional. Caso o diagnóstico da criança for dificuldade
cognitiva, a mesma deverá ser encaminhada para um
psicopedagogo, que poderá ajudar no desenvolvimento dos
processos de aprendizagem.
Destacamos, no entanto, a importância da equipe
multidisciplinar, funcionando coesa e homogeneamente
(sem que sejam desconhecidas as particularidades de atuação
de cada profissional), no atendimento às dificuldades de
aprendizagem que resistem aos esforços mais imediatos
realizados pela escola.
Aprender e ensinar são duas ações dependentes
uma da outra. Então, a dificuldade de aprendizagem está
intimamente ligada à dificuldade de ensinagem. Se uma
dessas funções não opera de forma correta, pode gerar o
fracasso escolar. A relação entre aluno e professor pode
tornar o aluno mais capaz ou incapaz. Se o professor tratar o
aluno como incapaz, não terá bons resultados, não permitirá
a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento.
Polity (2002) destaca a importância do papel do
professor como facilitador do processo de aprendizagem do
aluno, afirmando que ele precisa ser, também, colocado no
foco das dificuldades de aprendizagem e auxiliado em suas
próprias fragilidades, diante daqueles a quem não consegue
ensinar.
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
É com disposição que pretendo acolher o sujeito da
ensinagem: sem tentar catalogá-lo em compartimentos
fechados, mas inseri-lo em um novo paradigma que
permita pensá-lo em toda sua complexidade. E que faça
sentido no contexto de construção de conhecimento, a
partir do qual penso as ambivalências, as incertezas, as
insuficiências, reconhecendo ao mesmo tempo seu caráter
central e periférico, significante e insignificante. (POLITY,
2002, p. 34).
Ensinar, assim como aprender, é uma questão rela­
cional, formada por interação. O emocional do indivíduo
interfere no ato de ensinar, assim como o emocional in­
terfere, também, naquele que aprende. Esse estado inter­
subjetivo pode tornar-se significativo nos processos de
ensino e aprendizagem. Portanto, o ato de ensinar necessita
de equilíbrio entre razão e emoção.
É necessário que o sistema de ensino seja reavaliado,
pois os desafios educacionais precisam ser enfrentados,
crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem
precisam ter seus direitos e oportunidades de inclusão
educacional assegurados, como os de qualquer outra pessoa.
Novas diretrizes educacionais precisam ser traçadas para a
construção de uma nova realidade na aprendizagem daqueles
que possuem determinadas dificuldades. É importante
entender que cada pessoa é diferente, sendo assim, a forma e
o tempo para aprender também são diferentes, é importante
entender que o ato de ensinar vai além de repassar conteúdo.
É preciso que exista uma integração efetiva entre aqueles
199
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
que ensinam e os que aprendem, pois a conquista de bons
resultados, na educação, não depende exclusivamente de
um desses envolvidos, uma boa educação depende de uma
harmoniosa junção entre todos esses elementos citados.
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
As
Joyce Sequeira
representações sociais dos professores
sobre as dificuldades de aprendizagem
A esta altura da discussão teórica sobre o tema, de­
cidimos empreender uma investigação relativa ao que pensam
os professores sobre as dificuldades de aprendizagem.
Sabemos que o tema é recorrente no universo da investigação
científica, mas focamos a questão do conceito de dificuldade
de aprendizagem, da representação que os professores
elaboram sobre ela.
Vale à pena dedicar um pequeno espaço deste artigo
à importância da representação social, como forma de
conhecimento. Inicialmente abordada por Durkheim
(1986), sob a forma de representações coletivas, ela foi des­
tacada no cenário acadêmico por Serge Moscovici (1978),
que assim as definiu:
[...] a representação social é um corpus organizado de
conhecimento e uma das atividades psíquicas graças às quais
os homens tornam inteligível a realidade física e social,
inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas,
e liberam os poderes de sua imaginação. (MOSCOVICI,
1978, p. 28).
O autor prossegue o delineamento das representações
como forma de produção de conhecimento:
(...) são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma pro­
dução de comportamentos e de relações com o meio am­
biente, de uma ação que modifica aquelas e estas e não de
uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações,
de uma reação a um dado estímulo exterior. (MOSCOVICI,
1978, p. 50).
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
200
Denise Jodelet (1990) foi uma das autoras que mais
contribuiu para a atribuição de status de conhecimento à
representação social ao atribuir-lhes cinco características:
a) ela é sempre representação de um objeto;
b)tem sempre caráter imagético e a propriedade
de deixar intercambiáveis a sensação e a ideia, a
percepção e o conceito;
c) tem caráter simbólico e significante;
d)tem caráter construtivo;
e) tem caráter autônomo e criativo.
E conclui: “As representações são medidas sociais
da realidade, produto e processo de uma atividade de
elaboração psicológica e social dessa realidade nos processos
de interação e mudança social”. (JODELET, 1990, p. 37).
Spink (1993) adaptou um quadro de Jodelet (1990)
que indica, mais claramente, a dinâmica das representações
sociais como forma de conhecimento, consequentemente
objeto fidedigno para pesquisas como a que desenvolvemos:
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
Ainda segundo Jodelet:
As representações sociais devem ser estudadas articulandose elementos afetivos, mentais e sociais e integrando
– ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação
– a consideração das relações sociais que afetam as
representações e a realidade material, social e ideativa sobre
a qual elas têm de intervir. (JODELET, 2002, p. 26).
201
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
Para Jodelet (1996) e Abric (1996), estudar fenômenos
relacionados ao preconceito e à exclusão social, através
da análise de representações sociais, é extremamente
pertinente. Foi a Escola de Aix-en-Provence1 que, em seus
estudos, encontrou representações “disfarçadas” (masquées).
Alguns elementos de uma representação apareciam numa
situação e não em outras, surgindo então a hipótese da zona
muda, de que falaremos ao final.
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
A pesquisa realizada
Para construir a metodologia de investigação a ser
utilizada recorremos novamente a Moscovici (1978) e aos
seus conceitos de objetivação e de ancoragem. Segundo o
autor, a objetivação nos permite estruturar o conhecimento
do objeto, desenvolvendo-se em três etapas. Na primeira é
feito um “enxugamento” do excesso de informação, com
base na informação prévia que o indivíduo possui. Logo
a seguir, esses fragmentos resultantes são reconfigurados
em um esquema (o núcleo figurativo da representação),
criando algo objetivo, reconhecível e familiar. Finalmente,
chega a vez da naturalização, cristalizando a representação
e tornando-a “natural” para o indivíduo.
A ancoragem dá sentido à representação como forma
de conhecimento. Faz com que ele penetre no social e
volte ao sujeito, que recorre ao que é familiar para torná-lo
categoria e fazê-lo parte da sua leitura do mundo.
Jodelet (2002) propõe que, para contemplar a am­
plitude das representações sociais consideradas como
“saber prático” seja possível responder a três questões:
Quem sabe, e a partir de onde sabe? O que e como se
sabe? Sobre o que se sabe, e com que efeito? Desta forma
sistematizou três planos: as condições de produção e de cir­
culação das representações sociais; os processos e estados
1
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
202
Assim é chamado um grupo de pesquisadores, pertencentes à
Universidade de Aix-en-Provence, na região de Provence, na
França, que se dedica à análise estrutural das representações sociais,
como Flament, Abric e Guimelli.
das representações sociais; e o estatuto epistemológico das
representações sociais.
Realizamos uma pesquisa com 86 profissionais, em
atuação no Estado do Rio de Janeiro (pedagogos, psi­
cólogos, professores das diversas áreas do conhecimento,
fonoaudiólogos). Primeiro pedimos que falassem livremente
sobre a sua atuação com pessoas com dificuldades de
aprendizagem. Logo a seguir solicitamos que definissem o
que entendem por dificuldades de aprendizagem.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e as res­
postas cuidadosamente analisadas e divididas por fração de
sentido, obtendo-se assim 114 respostas diferentes.
Embora saibamos que definir um único conceito
para dificuldade de aprendizagem é impossível, já que cada
entrevistado ressaltou pontos específicos, obtivemos, por
freqüência da similaridade de significado das respostas, seis
subgrupos ou categorias, considerando a dificuldade de
aprendizagem como: responsabilidade do próprio sujeito;
falta, carência, deficiência, distúrbios, anormalidade; causa
de um processo de exclusão; consequência de um processo;
evidência de normalidade; ou responsabilidade de outro
agente (escola/ professor/família.
Operacionalizando cada categoria construída, pude­
mos elaborar as tabelas abaixo.
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
Tabela 1 – Definição das categorias de análise utilizadas
Dificuldade de
aprendizagem como:
Definição da categoria
Responsabilidade do
próprio sujeito
Respostas que, de alguma forma, atribuem ao sujeito a dificuldade de aprendizagem em função distúrbios (neurológicos, psicológicos, cognitivos, emocionais,
psicomotores) do mesmo.
Falta, carência, deficiência,
distúrbio, anormalidade
Respostas que citam textualmente termos correlatos à dificuldade como falta,
carência, deficiência, anormalidade, distúrbio, bloqueio, limitação, comprometimento.
203
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Respostas que evidenciaram as dificuldades de aprendizagem como causas de
problemas como a estigmatização, preconceito, restrições na escola e na vida
cotidiana.
Causa de um processo
de exclusão
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Respostas que atribuem a um processo
prolongado (pedagógico, de desenvolConseqüência de um processo vimento) as causas das dificuldades de
aprendizagem, a formação dos sintomas
das mesmas.
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Evidência de normalidade
Respostas que atribuíram às dificuldades
de aprendizagem o sentido de formas diferentes de aprender, em relação ao que é
esperado, sendo os bloqueios apenas imaginários e criados socialmente.
Responsabilidade de
outro agente
Respostas que descrevem fatores ligados
à escola, à atuação do professor, à família
ou à sociedade como causadores das dificuldades de aprendizagem.
Tabela 2 – Exemplos de respostas referentes a cada categoria
Dificuldade de
aprendizagem como:
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
204
Respostas obtidas
Responsabilidade do
próprio sujeito
“São dificuldades que o aluno tem de com­
preender determinados conteúdos...”.
“Acontece quando o aluno apresenta al­
gum problema ou transtorno que não o
deixa aprender com a mesma facilidade dos
demais.”.
“É quando o aluno não consegue aprender o
conteúdo programado...”.
Falta, carência,
deficiência, distúrbio,
anormalidade
“Algum distúrbio em alguma área (cog­nitiva,
afetiva) que dificulta a aprendizagem, ou o
desenvolvimento de habilidades relacionadas
a ela.”.
“Bloqueios, existentes ou imaginários, na
mente humana, que impossibilitam o ser
humano (criança, adolescente ou adulto,
em todas as fases) a atingir determinados
objetivos.”.
“Entendo dificuldade de aprendizagem como
patologia”.
Causa de um processo
de exclusão
“Enquanto toda a turma aprende, o aluno
com dificuldade de aprendizagem não acom­
panha os seus colegas, ficando retido na série
por muitos anos, sem estímulo da escola e
da família e desiste no meio do caminho, se
sentindo incapaz.”.
“São dificuldades que se cristalizam pelo fato
de passarem desapercebidas pelo professor
e pela escola, prejudicando o indivíduo pelo
resto da vida.”.
“São um estigma que inviabiliza a perma­
nência na escola e repercute na vida social do
indivíduo.”.
Conseqüência de um
processo
“Podemos conceituar dificuldades de apren­
dizagem como uma possível e longa não
adaptação à aprendizagem sistematizada.”.
“As dificuldades de aprendizagem são decor­
rentes de um processo de causas secundárias
(emocionais, neurológicas, escolares).”.
“Atribuo a causa das dificuldades de apren­
dizagem principalmente às privações culturais
que vêm com o aluno de fora da escola. No
universo acadêmico são confrontados com
um saber sistematizado que não faz parte da
sua vida cotidiana.”.
Evidência de
normalidade
“Dificuldade de aprendizagem eu acredito que
seja uma forma diferenciada de apren­der.”.
“Incapacidade de aprender no tempo e espaço
determinados pela maioria como normais,
em função de diferenças individuais.”.
“As dificuldades de aprendizagem po­
dem
a­con­tecer em qualquer idade e em diferentes
áreas. São dificuldades apresentadas pelos
alunos que fogem aos critérios considerados
normais.”.
Responsabilidade de
outro agente
“A dificuldade de aprendizagem ocorre quan­
do há alguma falha no processo de ensino
aprendizagem.”.
“Dificuldade de aprendizagem ocorre quando
há inadequação do conteúdo curricular, ou
inadequação da proposta desse conteúdo.”.
“... podem ter origem, na minha opinião, em
causas externas ao aluno como a inépcia do
professor ou da família.”.
“Se devem ao fato da escola e dos professores
virem com tudo pronto, sem escuta, com
rotulações, dificultando o direito à fala dos
alunos.”.
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
205
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
Percentual de respostas em cada categoria
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Dificuldade de aprendizagem
como:
Porcentagem
Responsabilidade do próprio
sujeito
47,30%
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Falta, carência, deficiência,
distúrbio, anormalidade
16,20%
Causa de um processo de
exclusão
13,40%
Consequência de um processo
12,20%
Evidência de normalidade
5,80%
Responsabilidade de outro agente
5,10%
O gráfico construído a partir da tabela acima apresenta a seguinte configuração:
Gráfico 1
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
206
Considerações finais
Em primeiro lugar é importante destacar a riqueza
da experiência de estudar, dentro do amplo espectro de
temas relacionados à aprendizagem, às dificuldades ou
“desfuncionamentos” da mesma. Queríamos que o nosso
estudo fosse além da descrição das variadas dificuldades de
aprendizagem, ou da indicação das melhores práticas para
lidar com elas, sobre as quais já temos disponível rica e
variada bibliografia.
A ideia de ouvir os profissionais de várias áreas, que
lidam com pessoas com dificuldades de aprendizagem,
trouxe um novo recorte à pesquisa desenvolvida, já que
consideramos o desvelamento das representações sociais de
um grupo sobre algum tema, uma forma de conhecimento
importante e fidedigna.
A forma pela qual esses profissionais representam
as dificuldades de aprendizagem, além da enunciação
de conceituações acadêmicas inerentes às suas áreas de
formação, deve impactar o trabalho que realizam e a própria
visão do processo de aprendizagem que elaboram. Isso se
soma ao fato de que pesquisas como as que são apresentadas
por Chakur e Ravagnani (2001) mostram que as crianças
atribuem a si próprias a causa do seu fracasso escolar. Da
mesma forma Elbaum & Vaughn (2001) apontam que
crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam
um elevado risco de terem um autoconceito negativo, es­
pecialmente quanto à área acadêmica.
Nas falas iniciais, livres, sobre a atuação dos pro­
fissionais algumas questões surgiram de imediato: o deli­
cado e complexo processo de diagnóstico, muitas vezes
confundido com outros problemas como o da disciplina
na escola; a carência de profissionais e de recursos para
o atendimento; a precariedade da existência de equipes
mul­tidisciplinares que otimizariam o atendimento às pes­
soas com dificuldades de aprendizagem; a expectativa da
sociedade em relação à aprendizagem das crianças, desde
pequenas, especialmente no momento da alfabetização;
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
207
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 189-215
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Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
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a falta de apoio das famílias em relação ao atendimento
dessas pessoas, até mesmo adultas; as enormes dificuldades,
de diversas naturezas, enfrentadas pelos que aprendem de
maneira ou em ritmo diferente dos demais; a frustração dos
professores que não percebem avanço no aprendizado dos
seus alunos.
Com essa primeira etapa tentamos chegar à revelação
da zona muda das representações sociais (Abric, 2003).
O autor assim designa representações que, embora sejam
comuns a um determinado grupo, não se revelam facilmente
nos discursos diários e, ainda mais, nos questionários de
investigação, pois são consideradas como pouco adequadas
às normas sociais vigentes. Aí se incluem os preconceitos e
estereótipos negativos.
Na etapa seguinte, quando levantamos as repre­
sentações sociais dos profissionais entrevistados em rela­
ção às dificuldades de aprendizagem, encontramos, de
imediato, os adjetivos com que as identificamos no título:
desafio e perplexidade. Desafio em relação às barreiras
que se constituem e que justificam as categorias de “falta,
carência, defi­ciência, distúrbio, anormalidade”; “causa de
um pro­cesso de exclusão”; e “conseqüência de um pro­
cesso”, sobre o qual eles não têm domínio. Perplexidade
que levou, principalmente os professores, a atribuírem às
DAs a “responsabilidade de outro agente” ou que fez com
que a maioria das respostas indicassem a “responsabilidade
do próprio sujeito” sobre as dificuldades.
Tivemos ainda um pequeno percentual de respostas
que apontavam as dificuldades como “evidência de nor­
malidade”, algumas afirmando que os próprios processos
de desenvolvimento e escolar poderiam dar conta das mes­
mas. Perguntados pelo porquê de atribuirmos tanta im­
portância às representações sociais dos profissionais, que
lidam com as dificuldades de aprendizagem, apoiamo-nos
em Vygotsky (1989) e no enunciado do conceito de zona
de desenvolvimento proximal (ZDP). Para o autor ela
caracteriza o desenvolvimento mental de forma prospectiva,
pois é a distância entre o nível de desenvolvimento real,
determinado pela capacidade de resolver problemas inde­
pendentemente e o nível de desenvolvimento proximal,
caracterizado pela capacidade de solucionar problemas com
ajuda de um parceiro mais experiente.
Consideramos que os profissionais que atendem às
pessoas que apresentam DA trabalham especificamente com
a estimulação da ZDP, promovendo a aproximação entre os
níveis potencial e real do desenvolvimento.
Fino (2001) aponta três implicações pedagógi­c as
importantes da zona de desenvolvimento proximal: a
primeira, de que se constitui em uma “janela de apren­
dizagem” em cada momento do desenvolvimento cognitivo
do sujeito, que pode ser muito estreita. E afirma “que
num grupo de aprendizes não existe uma única “janela de
aprendizagem”, mas tantas quantas os aprendizes, e todas
tão individualizadas quanto eles”. Decorre disto a neces­
sidade do oferecimento de múltipla e variada quantidade
de conteúdos e de atividades, para atender a todos, perso­
nalizando a aprendizagem.
A segunda implicação é a do conceito de professor
como agente metacognitivo, permitindo que o aluno planeje
e avalie o próprio pensamento enquanto desenvolve ativida­
des de aprendizagem, resolve problemas, ou tem consciência
do próprio processo de construção do conhecimento.
Segundo o autor a terceira implicação é “a importância
dos pares como mediadores da aprendizagem”, já que para
Vygotsky os processos intrasubjetivos são anteriormen­
te intersubjetivos, fazendo com que a regulação exterior
preceda a auto-regulação e levando os elevados processos
mentais a decorrerem de fenômenos sociais. Isto leva à
criação de uma proposta de aprendizagem assistida por
pares (peer tutoring)
Fino conclui que:
Desse postulado decorre a ideia de que, na mente de cada
aprendiz, podem ser exploradas “janelas de apren­dizagem”,
durante as quais o professor pode actuar como guia do
processo da cognição, até o aluno ser capaz de assumir o
controlo metacognitivo. E refira-se a importância, nesse
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
209
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
particular, que pode ter a intervenção dos pares mais
aptos que, num processo de encorajamento da interacção
horizontal, podem funcionar, também eles, como agentes
metacognitivos.
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Cabe a esses profissionais, portanto, diminuir o im­
pacto das dificuldades de aprendizagem como “síndrome
psicossocial” (DEL PRETTE e DEL PRETTE , 1998) que
sofre efeitos de fatores internos, mas também externos e
que provoca “sintomas” como agressividade, sinais de ima­
turidade, dificuldades na interação com os pares, inibi­ção,
passividade e dependência nas tarefas escolares, além de
menor grau de assertividade nas atitudes e opiniões.
Preocupou-nos, ao analisar as representações sociais
(RS) dos profissionais que trabalham com as di­fi­culdades
de aprendizagem, a tendência a atribuir ao próprio sujeito
as causas das mesmas, assim como certa tendência a não
desta­car a importância da intervenção das suas áreas especí­
ficas, no atendimento delas. Claro que aí estão envolvidos
processos emocionais (conscientes e não conscientes) dos
pro­fissionais, suas histórias de vida e de formação, assim como
identificações e projeções, por exemplo. Tudo isto nos faz
encerrar este artigo com uma rápida reflexão sobre a forma e
as possibilidades de transformação das representações sociais.
Autores como Abric (1994) destacaram a tendência
à estabilidade das representações sociais, enquanto Spink
(1991) aponta três contextos que dão sentido às re­pre­­
sentações sociais, determinando a “balança” entre per­
manência e mudança das mesmas: o contexto cultural,
(demarcado pelo tempo longo da história); o contexto social
(inserido no perímetro da história pessoal do indivíduo);
e o contexto interacional (alicerçado no tempo curto da
interação, como num presente atualizado incessantemente).
Sobre o processo de mudança das RS Arruda afirma
com propriedade:
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
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v. 19 n. 2, p. 189-215
jul. 2014 / out. 2014
210
(...) as representações mergulham no contexto imediato
da inserção dos sujeitos, sua experiência, mas também na
sua bagagem e no seu projeto, no imaginário no qual estão
imersos. E para essas dimensões, é preciso voltar o olhar
para trás, em direção ao passado, levando em conta o que
a história construiu como mentalidade que conforta esse
contexto imediato. É preciso também projetar esse olhar para
o futuro, atento ao que ele devolve ao presente como desejo,
expectativa e direção a seguir. (ARRUDA, 2000, p. 245).
Trata-se então da necessidade de uma inflexão pro­
funda sobre os cursos de formação desses profissionais,
verificando de que maneiras as dificuldades de aprendizagem
são a eles apresentadas, provocando tamanha perplexidade
e ansiedade, superando visões de piedade, e estranheza, que
nada mais são que mascaramentos e disfarces do preconceito
e da exclusão.
A predominância de representações sociais que
atribuem ao próprio indivíduo a gênese das DAs, assim
como a freqüência de utilização de termos como falta,
carência, deficiência, distúrbio, anormalidade indica que
o tratamento acadêmico, oferecido ao tema, na formação
desses profissionais não deu conta do esclarecimento e da
formação de atitudes positivas dos mesmos, em relação a
essas pessoas que “aprendem de forma diferente da norma
estatística”.
Para Fonseca (1995), a criança com dificuldade de
aprendizagem não deve ser “classificada” como deficiente.
Trata-se de uma criança normal que aprende de uma
forma diferente, a qual apresenta uma discrepância entre
o potencial atual e o potencial esperado. Não pertence a
nenhuma categoria de deficiência, não sendo sequer uma
deficiência mental, pois possui um potencial cognitivo que
não é realizado, em termos de aproveitamento educacional.
A título de “fechamento” deste artigo queremos
abordar um ponto citado anteriormente: a importância do
uso de tecnologias de informação e comunicação como uma
nova adaptação, que pode apoiar o acesso e a progressão de
alunos com dificuldades de aprendizagem.
Apresentando características como o atendimento aos
diferentes estilos de aprendizagem, o impacto motivacio­
nal que efetivam; o estímulo à independência; a permissão
Professores e
dificuldades de
aprendizagem,
representações
sociais de desafio e
perplexidade
211
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
de modos colaborativos no processo de aprendizagem e
a facilitação da comunicação e da interação social, entre
outras, podem tornar-se aliadas poderosas dos educadores
que trabalham com esses alunos.
O uso das TIC permite novas perspectivas para a
relação do aluno e do professor com o conhecimento e com
a prática pedagógica. Delors (1996) no conhecido relatório
da UNESCO “Educação: Um tesouro a descobrir” afirma:
Eloiza da Silva G.
Oliveira
Danielle Pereira de
Vasconcellos
Caio Abitbol Carvalho
Thaís Trindade
Rafael Lima de Souza
Monna Vasconcelos
Joyce Sequeira
Bem utilizadas, as tecnologias da comunicação podem tornar
mais eficaz a aprendizagem e oferecer ao aluno uma via
sedutora de acesso a conhecimentos e competências, por
vezes difíceis de encontrar no meio local. A tecnologia pode
lançar pontes entre países industrializados e os que não o são,
e levar professores e alunos a alcançar níveis de conhecimento
que, sem ela, nunca poderiam atingir. Meios de ensino
de qualidade podem ajudar os professores com formação
deficiente a melhorar tanto a sua competência pedagógica
como o nível dos próprios conhecimentos. (p. 161).
Este será o foco continuativo da pesquisa que de­
senvolvemos, tendo por premissa básica que a quebra
das práticas arcaicas de gerenciamento dos processos
de ensino e aprendizagem, com a inserção de variadas
estratégias tecnológicas mediadoras, pode alterar as repre­
sentações sociais que atribuem ao próprio o indivíduo a
responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem, per­
mitindo a descoberta de novas potencialidades de aprender
do aluno, assim como de alternativas mais ousadas e criati­vas para o processo de ensinar.
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T eachers
and learning disabilities , social
representation of challenges and perplexity
Abstract
The article focuses on learning disabilities (DAs), the
concept of “normality”, the terms disorders and learning
disabilities and difficulties to diagnose them. We conducted
a survey of 86 professionals linked to Education of Rio
de Janeiro, Brazil, because we believe that the social re­
presentations of these professionals about DAs impact
on their work and the vision of the learning process that
elaborate.
Keywords: Learning difficulties. Social representations.
Human formation.
Data de recebimento: agosto 2013
Data de aceite: novembro 2013
215
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. 2014 / out. 2014
Autores
Robert J. Hoffmeister
Ph.D., Center for the Study of Communication and the
Deaf Boston University, Associate Professor of Education,
Department of Literacy, Language, Counseling and
Development, Boston University School of Education
and Director, Center for the Study of Communication
& Deafness. Ph.D., University of Minnesota (Research
Development and Demonstration Center in Education of
Handicapped Children) Emphasis on Psychology, Language
and the Deaf, M.Ed., University of Arizona Emphasis on
Education of the Deaf, B. S., University of Connecticut
(Magna Cum Laude), Emphasis on Mental Retardation,
Psychology and Language.
Carlos Henrique Rodrigues
Doutor em Linguística Aplicada pela UFMG. Professor da
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), Doutor em Linguística Aplicada (Estudos da
Tradução) e Mestre em Educação (Educação e Linguagem)
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Especialista em Educação Inclusiva pela Escola de Governo
da Fundação João Pinheiro, Coordenador do Grupo de
Estudos em Educação de Surdos (Gees) e do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade (Neped)
da Faculdade de Educação da UFJF, professor de Libras e
tradutor-intérprete de Libras-Português.
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino
Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University.
Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Linguística Aplicada
pela Boston University, mestra em Estudos Linguísticos
UFMG, graduada em Letras e em Tradução pelo Centro
Universitário Newton Paiva. Coordenadora do Núcleo de
217
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 217-219
jul. 2014 / out. 2014
Libras e supervisora dos cursos de extensão em Libras na
UFMG.
Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado
Doutora em Educação pela UFES. Doutora e Mestra em
Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Professora Adjunta da
disciplina Fundamentos de Libras na mesma Universidade.
Coordenadora do Grupo de Estudos Surdos no Núcleo de
Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial (GES/
NEESP/UFES). Já atuou como professora assistente
de educação especial na Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul. Intérprete de Libras. Também coordenou a
implantação do trabalho de educação bilíngue para surdos
na Prefeitura Municipal de Vila Velha/ES.
Neiva de Aquino Albres
Doutora em Educação Especial pela UFSCar. Professora da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora
em Educação Especial pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Especialista em
Psicopedagogia Clínica pela UNIDERP, Fonoaudióloga
pela UCDB e Pedagoga pela UEMS. Membro do grupo
de pesquisa “Surdez e abordagem bilíngue” – CNPQ e
coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre tradução/inter­
pretação em língua de sinais e interpretação educacional da
FENEIS e APILSBESP. Assessora da Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo – Diretoria de Orientação técnica
em Educação Especial para a implantação do programa de
Educação bilíngue para surdos (2011-2012).
Eloiza da Silva G. Oliveira
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 217-219
jul. 2014 / out. 2014
218
Doutora em Educação. Diretora do Instituto de Formação
Humana com Tecnologias (IFHT). e-mail: eloizagomes@
hotmail.com, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), Brasil.
Pâmela Faria de Oliveira
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia. Possui Pós- graduada Lato sensu em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade Católica de Uberlândia.
É Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uber­
lândia. Professora permanente da Escola de Educação Básica
da Universidade Federal de Uberlândia.
Carlos Henrique de Carvalho
Possui graduação em História pela Universidade Federal de
Uberlândia. Mestre em Educação pela Universidade Fede­
ral de Uberlândia. Doutor em História pela Universidade
de São Paulo (2003) e estágio pós-doutoral em História da
Educação pela Universidade de Lisboa (2008). É professor
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), membro dos conselhos editoriais
das revistas Cadernos de História da Educação (UFU),
Educação & Filosofia (UFU) e Revista Alpha (Patos de
Minas). É Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Trabalha
na área de História, com ênfase em História do Brasil
República, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação e imprensa, historia da educação brasileira, Igreja
Católica e educação no Brasil e em Portugal. É professor
do programa de Pós-graduação (cursos de mestrado e
doutorado) em Educação da UFU. É bolsista produtividade
em pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro,
da FAPEMIG.
219
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 217-219
jul. 2014 / out. 2014
Resumo das Dissertações
O que vocês fizeram
Resumo das
Dissertações
está fora de um padrão
aceitável para a escola:
sujeição e práticas de
liberdade no cotidiano
escolar-da (in) disciplina
ao cuidado de si
Autor: WescleyDinali
Orientador: Anderson Ferrari
Data da defesa: 18 de março de 2011
As problematizações aqui pospostas passam pelo
interesse em mover discussões em torno da produção
de sujeitos escolarizados, na possibilidade de (re)pensar
os diferentes processos de subjetividades presentes no
cotidiano escolar, sujeição e práticas de liberdade. Tendo
como arcabouço teórico a perspectiva foucaultiana e alguns
autores que trabalham com essa proposta, como Gallo,
Veiga-Neto e Revel, entre outros, a pesquisa foi realizada
no Ensino Médio, do Colégio de Aplicação João XXIII, da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Observouse que a escola busca controlar cotidianamente os corpos
escolares. A “indisciplina” foi pensada como uma prática
de resistência contra esses efeitos do poder inerente a esse
tipo de processo pedagógico, pois quanto mais se controla
mais se produzem forças resistentes. Todavia, a autoridade
escolar, muitas vezes, busca controlar ainda mais essas
forças, produzindo e reproduzindo a (in)disciplina. Para
tanto, a ética da estética da existência como cuidado de
si pode vir a ser, para a prática docente, uma forma de
resistência a esse modelo escolar, a essas práticas impostas,
223
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 223-231
jul. 2014 / out. 2014
propiciando, para o professor e para os outros, diferentes
jogos de forças no interior desse espaço, jogos de liberdades
mútuas, recíprocas entre uns e outros cotidianamente.
Palavras-chave: Cotidiano Escolar. (In) disciplina.
Cuidado de Si.
Resumo das
Dissertações
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 19 n. 2, p. 223-231
jul. 2014 / out. 2014
224
Currículo, Gênero e
Identidade na Formação
de Professores/as
Resumo das
Dissertações
Autor: Kelly da Silva
Orientador: Anderson Ferrari
Data da defesa: 18 de março de 2011
Tendo em vista que uma série de conhecimentos
não é fornecida, aos estudantes, pelo currículo e que eles
aprendem tanto em função do que está representado no
currículo, como em função daquilo que nele está oculto,
silenciado, questiono o porquê se ensina ou se aprende de
uma determinada maneira e não de outra, sem interrogarmos
o que estamos transmitindo por meio do currículo e,
nesta perspectiva, volto ao lugar onde se propõe uma
formação: o ensino superior. Nesse sentido, a questão
analisada é: quais identidades de gênero que as experiências
e relações estabelecidas pelo/no currículo dos cursos de
formação de professores/as vêm produzindo e quais são
suas possibilidades de construção? Dessa forma, procurei
conhecer como esses temas são tratados nos cursos de
Pedagogia de três instituições federais de Minas Gerais:
Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de
Juiz de Fora e Universidade Federal de São João del Rei. O
objetivo do estudo foi analisar projetos e/ou discursos sobre
a formação de professores/as, no que se refere às relações de
gênero, sexualidade e currículo, enquanto participantes da
construção de novas identidades. Neste trabalho, articulamse estudos foucaultianos, estudos de gênero e estudos
feministas da perspectiva pós-estruturalista. A pesquisa nos
apresenta todo o jogo que está organizando as discussões
de gênero e sexualidade nas universidades. Para tanto,
foram realizadas análises documentais e entrevistas semiestruturadas com os coordenadores dos cursos de Pedagogia
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das instituições. De um lado, as análises desenvolvidas
nos revelam a importância da discussão e a necessidade da
universidade versar sobre essas temáticas, de tratá-las na
formação. Por outro lado, aponta-nos todas as dificuldades
da estrutura e da cultura da universidade que inviabilizam
essa implantação. Não proponho aqui, respostas; o que
procuro é lançar outras possibilidades de se pensar sobre
o tema, diferentes maneiras de enxergar a constituição de
muitos “preconceitos” vivenciados na sociedade. O que
sugiro são mudanças, como as que me propus.
Palavras-chave: Currículo. Formação de professo­res/as. Identidade. Gênero e sexualidade.
Resumo das
Dissertações
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Judicialização da
Educação: a atuação do
Ministério Público como
Resumo das
Dissertações
mecanismo de exigibilidade
do direito à educação no
município de Juiz de
Fora
Autor: Rafaela Reis Azevedo de Oliveira
Orientador: Beatriz de Basto Teixeira
Data da defesa: 21 de março de 2011
O presente trabalho expõe os resultados da pesquisa
“Judicialização da educação: a atuação do Ministério Público
como mecanismo de exigibilidade do direito à educação, no
município de Juiz de Fora”, desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Juiz de Fora, para obtenção do grau de mestre. Teve como
objetivo analisar a atuação do Ministério Público na garantia
do direito à educação básica, a partir dos estudos sobre
judicialização da política/educação e do que é declarado na
legislação nacional sobre educação no município citado. Foi
realizada uma pesquisa sistemática no acervo da Bibliote­
ca Municipal, na Secretaria Municipal de Educação, no
Mi­nistério Público e nos Conselhos Tutelares, bem como
a realização de entrevistas semiestruturadas com atores
im­portantes para este estudo, quais sejam: Conselheiros
Tutelares, (ex) secretárias de educação e Promotor da In­
fância e Juventude do município supracitado. Destaca-se,
no trabalho, ações obtidas na Promotoria oriundas de
diferentes esferas, como Defensoria Pública, Conselhos
Tutelares e, entre outras, escolas da rede pública municipal
e estadual de Juiz de Fora. Embora o tema da evasão escolar
tenha surgido, mostra-se evidente a demanda por vagas
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na educação infantil – um problema que percorreu todo
o período estudado (1996-2010). Observa-se ainda que a
referida demanda corroborou para uma Ação Civil Púbica,
impetrada pelo Ministério Público, contra a Prefeitura de
Juiz de Fora, em 1999 e que foi analisada com mais detalhes
neste trabalho. Por fim, é possível afirmar que a atuação da
Promotoria da Infância e Juventude não tem sido expressiva
no município, abrindo margens, dessa forma, para outros
agentes “judicializantes”.
Palavras-chave: Direito à educação. Judicialização da
educação. Ministério Público.
Resumo das
Dissertações
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Aprendizagem Obscura:
Resumo das
Dissertações
fragmentos arranjados por
proposições artísticas
Autor: Luiz Felipe de Souza Carbogim
Orientador: Sônia Maria Clareto
Data da defesa: 23 de março de 2011
Esta dissertação é um escrito que se compõe com
multiplicidades, que atravessam um professor de artes no
seu formar-se, ou, deformar-se. É o exercício de trazer com
a escrita, uma escrita de si, o processo da pesquisa, não um
falar sobre a pesquisa, mas a pesquisa em si – perseguindo
e sustentando a problemática como aula? Agenciando
Hélio Oiticica, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Friedrich
Nietzsche, na busca de uma um corpo outro, uma aula
outra em última análise. O conceito de proposição, tal
como aparece na obra de Oiticica, é definido por ele como
o declanchar de processos inventivos coletivos, deslocado
aqui para a imanência das aulas, das leituras, das escritas, dos
corpos... da vida. A proposição abala qualquer concepção
dicotômica e disso deriva um campo problemático de
encontros entre professor, arte, alunado, fruição, produção,
poética, estética, política e ética. Esta problematização
persegue a aula enquanto proposição: aulaproposição, mas
não se trata da apresentação de uma didática para o ensino
de artes, tampouco uma pedagogia da arte, está mais pró­
xima de um abalo no campo educacional que faz tremer,
especialmente, os alicerces da Arte/Educação, reverberando
na questão tão cara à Arte/Educação escolar que traz como
que um senso comum o objetivo do ensino de arte em formar
um público crítico para as artes. Aulaproposição: processo
de invenção coletivo anônimo, no qual os participantes são
produtores, em busca de um – estado de invenção, como
coloca Hélio Oiticica. Daí, especialmente com Oiticica,
um corpo interroga: como formar artistas e não formar
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público? Como formar público e não formar artistas? É
possível, tendo em vista a proposição, um caminhar outro,
o impossível? Relato alguns processos-aulas a partir do
método investigativo da cartografia, produzido por Deleuze
e Guattari, no qual a pesquisa, pesquisador e pesquisado
não se dão em separado. O processo de pesquisa é processo
de invenção, importa ao pesquisador estar à espreita do
acontecimento, atento às virtualidades que pululam no
campo de pesquisa. Nesta perspectiva o campo de pesquisa é
jogo de forças, oficina de signos, e, a atenção do pesquisadorcartógrafo deve flutuar e pousar num movimento com o
movimento vivo de um campo-jogo. Assim, preparo um
corpo para estar atento difusamente aos processos que vivi
com alunos e alunas de seis, sete, quinze e dezesseis anos,
para exercitar a cartografia rente aos processos inventivos
da experimentação dos propositores. Parte da pesquisa fora
realizada a partir do meu arquivo pessoal produzido com um
colégio da cidade de Juiz de Fora, especialmente interessado
no processo poético-inventivo em aulas de artes visuais.
Palavras-chave: Proposição. Invenção. Arte. Edu­
cação. Produção poética experimental.
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Dissertações
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Sinfonia#01: Licenciados
em Matemática e algumas
Resumo das
Dissertações
marcas
Autor: Bruna Dias de Carvalho
Orientador: Sônia Maria Clareto
Data da defesa: 31 de março de 2011
STACCATO
Os alunos de licenciatura em Matemática, ao optarem
por esse curso, trazem, muitas vezes, o status de “bom
aluno”, conquistado durante sua formação nos Ensinos
Fundamental e Médio, porém, quando ingressam no
Ensino Superior, outras marcas vão se dando. A presente
dissertação procurou ouvir esse processo. Foram estudadas
marcas formativas que foram sendo reveladas pelos/nos
alunos, no decorrer da investigação, que, por sua vez,
foi realizada nas aulas das disciplinas Matemática Escolar
I e Geometria Espacial, em um curso de Licenciatura
em Matemática; ao longo, ainda, de leituras e releituras
de avaliações diagnósticas, realizadas pelo professor da
disciplina Matemática Escolar I; e durante uma entrevista,
realizada com três licenciandos. Com ouvidos aguçados
para essa sonoridade, é possível dizer que expectativas são
construídas e desconstruídas, ao longo da licenciatura, que
esteja em curso, e, assim, a noção de “bom aluno” acaba
modificada, modificando, também, a imagem do que seria ser
professor de matemática. A partir dessas marcas, do estudo
de autores como Descartes, Deleuze, Nietzsche, Kastrup,
entre outros, e do questionamento sobre quais marcas
formativas vão sendo constituídas nos/pelos alunos, que
optam pela Licenciatura em Matemática, em seus percursos
de formação, é que a escrita desta dissertação se deu.
ACORDE: Educação Matemática. Aprendizagem
Inventiva. (Des)Territorialização.
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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Universidades que possuem
todos os exemplares da
Revista Educação em Foco
Universidade Federal São Carlos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade Federal de Londrina
Universidade Federal de Uberlândia
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Estadual do Centro-Oeste-Unicentro
Universidade Estadual do Maranhão
Universidade Estadual de Feira de Santana
Universidade de Fortaleza
Universidade Estadual Norte Fluminense
Universidade Estadual Paulista
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Universidade Estácio de Sá
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal de Santa Catarina
Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade do Estado de São Paulo – UNESP
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Universidade Estadual de Santa Cruz
Universidade de Lavras – Unilavras
Universidade de Cruz Alta – Unicruz
Universidade Federal de Itajubá
Universidade Federal de Ouro Preto
Universidade Federal de Minas Gerais
Universidade Federal de Juiz de Fora
233
Permutas
1. Educação Contemporaneidade
Revista da FAEEBA
2. Ciências & letras
Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação,
Ciências e Letras
3. Revista Diálogo Educacional Programa de Pós-Graduação
em Educação – PUCPR
4. Ciência & Educação
5. Revista Brasileira de Filosofia
6. Instituto Brasileiro de Filosofia São Paulo
7. Revista do Centro de Educação UFSM
8. Serie Estudos Periódicos do mestrado em Educação da
UCDB Educação escolar e formação de professores
Dossiê Educação Superior
9. Revista FAMECOS
Mídia, cultura e tecnologia. Faculdade de Comunicação
Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul
10. Comunicações
Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba
11. Gestão em ação
Universidade Federal da Bahia UFBA Faculdade de Edu­
cação – FACED
235
12. Entrelinhas
Revista do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos
13. Revista Educação e Filosofia – Universidade Federal de
Uberlândia
14. Revista Nuances
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
15. Educação em Revista
Universidade Federal de Minas Gerais
16. Ideação Revista do Centro de Educação e Letras
Campus de Foz do Iguaçu – EDUNIOESTE
17. Revista de Ciências Humanas
Campus de FredericoWestphalen – URI
18. Revista da Faculdade de Educação
UNEMAT
19. Revista Educação em Questão
Centro de Educação PPGE – UFRN
236
Normas para publicação
O envio dos artigos para a Revista Educação em Foco deverá
serfeito obedecendo as seguintes orientações:
1-O texto deverá ser original, comprometendo-se o
articulista em termo que estabelece a sua res­ponsabilidade
na garantia da originalidade, bem co­mo do com­promisso
de não enviá-lo a outro meio de pu­blicação enquanto
estiver se processando o aceite.
2-Os procedimentos do aceite são o parecer favorá­vel de
dois membros do conselho cientifico nacional ou in­
ternacional, ou dois pareceristas ad-hoc, indicando ou não
reformas possíveis no texto. O texto modifi­cado ou con­tra
argumentado sobre as retificações sugeri­­das, ca­so as tenha,
será re-enviado aos pareceristas pa­ra o aceite final.
3- Quanto à formatação
A-Página de rosto:
1- Título do artigo
2- Resumo do artigo em Português (05 linhas) ou Espanhol,
conforme a língua original do artigo
3- Resumo do artigo em inglês
4- Nome e titulação do(s) autor(es)
5- Endereço e telefone de contato do autor responsável pelo
encaminhamento do artigo. E-mail do autor, instituição
que trabalha.
B- Corpo do trabalho:
1- Título: Em maiúscula e em negrito, separado do texto
por um espaço
237
2- Digitação: Programa Word para Windows
3- Formatação:
Papel tamanho A4
Margem superior com 3,0 cm
Margem inferior com 2,5 cm
Margem esquerda com 3,0 cm
Margem direita com 2,0 cm
Fonte Times New Romam
Tamanho da letra 12 pontos
Espaçamento justifi cado
Espaçamento entrelinhas 1,5
Páginas numeradas – máximo 20 páginas; mínimo 12
páginas
4- Referências Bibliográfi cas: Ao fi nal do texto, de acordo
com as normas da ABNT em vigor
5- Citações e notas: Devem ser observadas as normas da
ABNT em vigor
6- Quantidade de páginas:
Mínimo de 12 páginas
Máximo de 20 páginas
7- Encaminhamento:
Uma via impressa de folha de rosto
Duas vias impressas do artigo
Disquete de 3,5, contendo folha de rosto e o artigo
238
Endereço para encaminhamento:
Universidade Federal de Juiz de Fora
Faculdade de Educação/ Centro Pedagógico
Revista Educação em Foco
Campus Universitário/ Cidade Universitária
Juiz de Fora – Minas Gerais
CEP: 36036-330
Exemplos de organização das Referências bibliográficas
Livros
ROCHA, Marlos Bessa Mendes da. Matrizes da modernida­
de republicana: cultura política e pensamento educacional
no Brasil Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
Capítulos de Livros
CURY, Carlos R. Jamil, A educação e a primeira constituinte
republicana. In: FAVERO, Osmar. org./ 2. ed. A educação
nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas, SP:
Autores Associados, 2001. p. 69-80.
Artigos em periódicos
CASTRO, Magaly. Memórias e trajetórias docentes: os bas­
tidores de uma pesquisa. Revista Educação em Foco, Juiz
de Fora, v. 12, n. 1, p. 81-107, mar/ago 2007.
Teses e dissertações
SOUZA, Jane A. G. Avaliação X relações de poder: Um
estudo do Projeto Nova Escola / Rio de Janeiro. Juiz de
Fora, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
– Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de
Juiz de Fora.
Congressos
SOUZA, J. A. G. Simave X Nova Escola: caminhos que con­
vergem?. In: Congresso de Pesquisa e Ensino de História da
Educação em Minas Gerais, IV, Juiz de Fora, 2007.
Artigo em jornal
MIRANDA, Ruy. Plano Collor acelera o processo de fusões
e compras de empresas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4
jun.. 1990.
239
Assine Educação em Foco
A revista Educação em Foco é quadrimestral e sua
assinatura anual. Caso seja de seu interesse recebe-la em casa,
através dos Correios, favor efetuar depósito identifi cado para
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6.810-1 no valor de R$60,00 (sessenta reais).
Solicitamos que preencha as informações a seguir, e
envie por fax, junto com o comprovante de depósito para
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36.036-330 – Juiz de Fora – MG
Tel.: (32) 3229-3656
E-mail: [email protected]
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Informações Gráficas
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Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,8 x 18,4 cm
Tipologia: Adobe Garamond Pro – Garamond – Alberta extralight – Miniom Pro
Papel: Pólen Bold 90 g/m² (miolo) – Cartão Supremo 250 g/m² (capa)
Tiragem: 300 exemplares
Impressão e acabamento: Templo Gráfica e Editora Ltda.
Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
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Robert Hoffmeister
#
Studies
DCDP
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Total
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349
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Adults
Adults
Results
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Early ASL related to higher readi
The findings indicate hearing
students receiving ASL instructi
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1
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(1993) reading placement mea
1
144
# StudiesDCDP DCHP Total
12
349
855
1204
“the best parenting was done by m
used gestures and other non verba
communication”.
Results Example
Higher ASL scores significantly corre
1997
5Adults Adults
Early ASL related to higher reading scores
1Hearing
The findings indicate hearing kindergarten students
significant gains in their receptive English vocabulary, maintained an age approp
and tested higher than similar students on Marie M. Clay’s (1993) reading place
1
144
“the best parenting was done by mothers who use
communication”.
Manfredi & Fruggeri, 1978
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Bilingualism in Deaf
People: children and
adults
Example
correlated
ing scores.
Strong &Prinz, 1997
Mayberry, & Chamberlain,
2008
kindergarten
ion made
eir receptive
ge appropriate
, ... and tested
Daniels, 2004
rie M. Clay’s
asures.
mothers who
al means of
Manfredi&Fruggeri, 1978
elated to reading scores
Strong & Prinz,
Mayberry, & Chamberlain, 2008
receiving ASL instruction made statistically
priate use of expressive English vocabulary, ...
ement measures
Daniels, 2004
ed gestures and other non verbal means of
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