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olho no breu
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ARAMIS ASSIS
olho no breu
1ª edição
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Autoria: Aramis Assis
Diagramação: Eloah Barreto, Aramis Assis,
Ana Maria Pereira
Capa: Eloah Barreto e Aramis Assis
Ilustrações: Júlia Fagundes, Arquimedes e
antigos internos do Hospital Jorge Vaz
Fotos: Aramis Assis
Revisão: Aramis Assis e Janaína Nunes
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“Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou
lidando com a matéria-prima. Estou atrás do que fica
atrás do pensamento. Inútil querer me classificar:
eu simplesmente escapulo não deixando, gênero
não me pega mais. Estou num estado muito novo
e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e
pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo.”
Clarice Lispector
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Barbacenas em cenas
A história da humanidade sempre se manteve permeada de paradoxos quanto à loucura. Ela se mostra reverenciada e cultuada em figuras
misteriosas, religiosas e míticas; ou discriminada com a exclusão dos considerados “loucos” da sociedade, chegando até a serem impelidos pela segregação que as correntes e camisas de força os obrigaram.
O Iluminismo trouxe, particularmente na França e Alemanha, as
grandes instituições de despejo, com loucos, marginais, mendigos e ladrões
internados em suas próprias misérias. O doente mental era considerado
perverso e sem distinção moral. O manicômio criado por Pinel, no século
XVII, para receber esses doentes mentais que viviam misturados a marginais e mendigos, se solidificou por início como um avanço no atendimento
psiquiátrico, tornando-se posteriormente um símbolo de repressão ideológica e comportamental. A indústria econômica e seus grupos se apoderaram
dessa instituição, então, e passaram a se utilizar dela como instrumento de
fabricação de alienados, crônicos socialmente.
Em 1903 os primeiros desgarrados e lunáticos chegaram ao de Barbacena para então serem considerados pacientes, ou seja, de indigentes passaram a ser cobaias do insurgente sistema psiquiátrico; já que o serviço de
psiquiatria de Barbacena surgiu na virada do século XIX para XX, e se ativou
com a chegada dos primeiros doentes mentais. Uma virada de século acompanhada de grandes mudanças sociais, com o ciclo do petróleo, a fotografia, cinema, luz elétrica, greves de trabalhadores pelo mundo, monopólio do
café e imigrantes no Brasil, e a psicanálise com os estudos do inconsciente de
Freud.
O município passa então a ser considerado a cidade dos loucos,
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evidenciado por uma época em que havia mais pacientes manicomiais que
próprios habitantes. Barbacena estendeu laços com a história do Brasil no
século XIX, tendo papel importante na Inconfidência, no Dia do Fico, na Revolução Liberal de 1842 e com homens para a Força Expedicionária Brasileira
que lutou na Itália.
Nessa miscelânea ativa política, Barbacena ofereceu todo o seu apoio
a D. Pedro I, quando este estava confuso com sua posição no Brasil, em crise
com a Corte Portuguesa, e resolveu permanecer no país indígena, o que lhe
resultou a excelência do primeiro imperador do Brasil, chegando a nomear
Barbacena no ano seguinte do Dia do Fico, de “Nobre e Mui Leal Vila de Barbacena”.
Por essas e outras complacências imperiais, o senador Xavier de Veiga, no final do século XIX, indicou o município a sediar a Capital do Estado de
Minas Gerais, com uma Ouro Preto desgastada e sem condições de continuar a ser capital. Indecências do destino a parte, a Serra do Curral, nomeada
Belo Horizonte, tornou-se a nova capital em 1897, e Barbacena, aperreada
de importantes políticos e fracassada pela perda de status, foi possivelmente
presenteada com a criação de um centro para tratamento dos doentes mentais, na época, alcunhados como alienados. Da cidade capital para cidade da
loucura.
Nenhum cuidado ou atenção era dado aos portadores de doenças
mentais, no Brasil, até o século XIX, sendo o primeiro hospital psiquiátrico do
país criado em 1841, no Rio de Janeiro. Em Minas Gerais eram os porões das
Santas Casas, como de Diamantina, que recebiam os “doidos”; e em 1889 foi
inaugurado o Sanatório de Barbacena, que ao mesmo tempo era utilizado
como hotel em algumas épocas e casa de repouso para doenças nervosas,
um refúgio de loucos e sãos. As terras e o antigo casarão passaram por vários
donos até enfim serem propriedades do Comendador Francisco Ferreira e os
médicos Gonçalves Ramos e Rodrigues Caldas, inauguradores do sanatório,
que rodeado de luxo ainda possuía uma estação de trem da Estrada de Ferro
D. Pedro I.
O governo estadual criou a Assistência aos Alienados de Minas Gerais,
em 1900; após a falência do Sanatório, o governo mineiro adquiriu-o e ali in1
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stalou em 1903 a Assistência aos Alienados, marco da centralização de todo
o atendimento psiquiátrico de Minas Gerais, durante prolongados anos, constando seu primeiro interno como Francisco Gonçalves, internado em 27 de
dezembro de 1903, aos 27 anos. Relatos também contam que devido a uma
falta de recursos para construir o Hospital Central, seu primeiro diretor, Dr.
Joaquim Dutra, indicou a cidade de Barbacena como sede do hospital, se
localizando no prédio do sanatório particular já fechado.
Barbacena também foi escolhida como “cidade ideal” para a instalação de hospitais, destinados a doentes físico-mentais, devido a seu clima
ameno; destacando entre tantos o ex-Presidente Marechal Floriano Peixoto,
que em ato de reconhecimento pela recuperação de sua saúde em Barbacena, tornou-se naqueles tempos, divulgador dos benefícios oferecidos pelas
condições climáticas da cidade.
A estação ferroviária Sanatório, fundada três anos depois da inauguração do futuro Hospital Colônia, em 1892, traz mitos e mistérios sobre
o trem que ali passava, o famoso “trem de doido”, já citado por Guimarães
Rosa, que possuía várias vagões com grades nas janelas, onde provavelmente
os loucos eram postos, trancados e chegavam as dezenas na cidade. Devido
à falta de diagnóstico vários mendigos, bêbados e outros indigentes deviam
ser jogados junto aos doentes mentais para um passeio no trem de doido,
com destino a Barbacena.
Em trinta anos a instituição se estabeleceu de forma aceitável, até
paulatinamente chegar à superlotação, com os pacientes de diversas regiões
que acabavam abandonados em Barbacena. Com essa indecente crescente
população, o Hospital Colônia se tornou um reduto de rejeitados, um depósito de vegetais. Cálculos apontam a morte de 60.000 pessoas no hospital.
A região de Barbacena tornou-se um reduto de enfermos mentais, com cerca
de quatro casas de saúde particulares, o Sanatório Barbacena, o Manicômio
Judiciário e o Hospital Colônia, este último que chegou a uma média de 6150
doentes alocados, em determinada época. Concomitantemente a cidade
cresceu, abrigando cerca de 100.000 habitantes na virada do século XXI.
Denúncias da imprensa, elucidando as péssimas condições de vida
no Hospital Colônia, só vieram a aparecer em 1958; e em 1971 o Hospital é
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mostrado como uma estrutura violenta, de instalações precárias e alto índice
de mortalidade, sem citar os convênios com as faculdades para o fornecimento de cadáveres, chocando a opinião pública. O cineasta Helvério Ratton
criticou o hospital em sem documentário “Em nome da razão”, e o psiquiatra
italiano Franco Baraglia comparou-o a um campo de concentração nazista.
“Os Porões da Loucura” muito vem a retratar sobre os anos de ditadura manicomial, em que o doente mental era levado para um manicômio
para jamais ser lembrado pela família e sociedade, oculto atrás dos muros e
atrás de sua própria indigência. O museu da loucura de Barbacena, situado
na Fundação Hospitalar do estado de Minas Gerais (FHEMIG), expõe permanentemente essas memórias e fotografias, do repórter do Estado de Minas
Hiram Firmino, em um tempo que os corpos dos doentes, já mortos, eram
utilizados pelas faculdades de Medicina de Barbacena para estudos. Alguns
corpos eram cozidos em latões, defronte a outros doentes, para que a carne desgarrasse dos ossos e fossem oferecidos às faculdades, sem pele nem
alma, somente os esqueletos.
O Hospital Colônia muda sua estrutura e tratamento, e passa a ser
chamado Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em 1980; mesma década em que o projeto de lei federal, de 1989, propõe o término gradual da
antiga estrutura manicomial, acompanhado da substituição deste por outras
formas de tratamento, apesar do vocabulário “nosocomia” existir desde as
raízes gregas, em que “nosos” se entende por doença e “Komein” significa
cuidar, tratar. Somente em 1995 um projeto de lei estadual propõe a reintegração social do doente mental, e determina a extinção progressiva dos
manicômios acompanhados por outros métodos de atendimento.
Esse movimento antimanicomial esteve presente desde as primeiras
manifestações dos movimentos de contra-cultura, da década de 60, juntamente com o movimento hippie e o movimento estudantil europeu. Idéias
mais tarde reforçadas pelos referenciais humanistas ocidentais, que priorizavam a liberdade e seu valor nas inter-relações da sociedade.
O antigo hospício propiciava como primeira conduta, a reclusão, utilizando vários métodos para o tratamento, como eletroconvulsoterapia (eletrochoque), contenção (uso de correia no pescoço), e a psicofarmatologia,
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presente até hoje. Desde 1900 já se objetivava a recuperação de um doente
mental por meio da laboterapia, indicada como uma das terapias mais eficientes no início da psiquiatria, em que já se usava o trabalho agrícola, principalmente, visando uma canalização das energias do paciente em atividades
de prazer, construtivas e ocupacionais.
Da reforma psiquiátrica do Brasil as liberdades sindicais, as organizações civis, o movimento nacional pela anistia, a redemocratização e abertura político-partidária em muito contribuíram para sua implementação.
Encabeçada pelos profissionais da área de saúde mental, divulgadores de
novas condutas terapêuticas, a reforma propunha práticas alternativas, que
desenvolvam autonomia e capacidade de assumir novas posturas do paciente em relação a sua própria doença, numa expansão além muros.
“Abrir uma instituição, o manicômio, não é apenas abrir as portas,
mas abrir nossa cabeça em confronto com aquele que nos procura” (Franco
Basaglia)
Um decreto de 31 de janeiro de 1927 criou o Manicômio Judiciário de
Barbacena, somente inaugurado no mesmo dia e no mesmo mês de 1929,
ironicamente ou propositalmente a data de meu aniversário, só que dezenas
de anos após, ou em 15 de junho de 1929, que depois vim a ler. Um novo
decreto trocou o nome para Manicômio Judiciário Jorge Vaz, em 29 de maio
de 1956, homenageando seu primeiro diretor.
Em 1976, foi realizada uma reforma geral no prédio principal, sem
que fossem alteradas ou modificadas suas características de estilo francês,
e construído o pavilhão feminino, localizado na área fronteiriça ao prédio
principal, destinado somente às recuperandas, com maior numero de leitos
e instalações mais condizentes ao seu fim. Após a reforma o estabelecimento se tornou mais gabaritado, e acolher e custodiar um número maior de
internos e internas, que até então era de aproximademente 160 homens
e 20 mulheres, passando para 200 homens e 50 mulheres. Tudo passou a
ser reestruturado, as camas que eram de ferro (catres), muitas das vezes
destruídas para servirem de material de defesa, agressão ou de fuga, foram
substituídas pelas de alvenaria, os alojamentos e enfermarias ampliados e as
celas recuperadas.
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Criou-se um gabinete dentário, o ambulatório e a enfermaria. A cozinha foi ampliada e equipada, os refeitórios azulejados com mesas de alvenaria, banheiros construídos, corredores recuperados, pisos novos, muros
de segurança novos e outros recuperados, a área externa foi urbanizada e
tetos recuperados. Houve uma grande transformação nos aspectos higiênicos, humano e social, acompanhados pelo aumento de funcionários para
cobrir a deficiência em todos os setores, entretanto sem o hospital perder
sua finalidade jurídica-custodial.
Tendo seu nome mudado novamente, em 1987, para Hospital
Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, subordinado à Superintendência de Segurança e Movimentação Penitenciária, esta Departamento da Secretaria
de Estado da Justiça e de Direito Humanos de Minas Gerais; o hospital é
simplesmente conhecido como Manicômio Judiciário, já dirigido por mais de
treze diretores, entre médicos e advogados, e se localiza no antigo Morro da
Forca.
Tradicional pela lenda de ser o morro onde se executava condenados,
conta-se de um tempo que a punição era executada através da execução,
pela forca; que o condenado, geralmente negro, assistia uma missa na igreja
do rosário e então era conduzido, com orações e com o padre, até o morro
da forca, para enfim ser executado.
Dr. Jorge de Paula Vaz, médico-psiquiatra formado em Medicina, pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi o primeiro diretor-fundador do
manicômio judiciário de Barbacena, que acompanhou a instituição em sua
instalação e organização inicial, até deixar a direção em 1931 e transferir-se
para o Rio de Janeiro, como Psiquiatra e Cientista em Saúde Mental, configurando-se reconhecido em psiquiatria. Além de médico clínico – psiquiátrico
e jornalista, era um crítico político e revolucionário. Jorge Vaz faleceu em
1951, constado como um último registro da Família Vaz em Barbacena, último galho desse passado.
Considerado Unidade da Secretaria de Estado de Defesa Social, o
hospital funciona com Exames Periciais de Sanidade Mental, de Cessação
de Periculosidade ou de Dependência Toxicológica, formulando laudos periciais psiquiátricos para a justiça; com a aplicação da medida de segurança e
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guarda para tratamento de pacientes considerados inimputáveis pelo estado, ou seja, sem condições de se imputar culpa pelo crime cometido, devido
suas perturbações mentais, contido no código penal. Em seus aposentos o
manicômio consegue comportar 161 homens e 54 mulheres em dois prédios
que, juntamente com a horta, lavanderia, refeitório, sala de terapia ocupacional, e demais dependências, compõem a Unidade.
O paciente que é encaminhado a Tratamento Psiquiátrico permanece
o tempo necessário até sua “recuperação”. Vários condenados que apresentaram crises nas penitenciárias, são encaminhados para se estabelecer um
tratamento mais adequado ao detento, agora paciente; ou o interno voltará ao local de origem para continuar a cumprir sua pena, agora detento
novamente, ou permanecerá no manicômio até sua alta ou término de sua
pena.
O juiz aplica a Medida de Segurança quando o paciente é inimputável,
determina um prazo mínimo, sujeito a prorrogações, de um a três anos para
o Exame de Cessação de Periculosidade, até a periculosidade do paciente
ser considerada cessada. Liberado do hospital, o tratamento do paciente é
continuado, e se necessário em regime ambulatorial. Quando se aplica a Medida de Segurança, a internação do paciente não deve ser compreendida
como pena, visto que a pena implica a culpa do indiciado, e o tratamento da
Medida de Segurança visa a periculosidade do interno.
Dois prédios distintos compõem a unidade, e sua estrutura funcional e administrativa está distribuída por vários setores: direção, secretaria,
administração, penal, neurologia, perícia médica/psiquiátrica, psiquiatria/
clínica, medicina/clínica, psicologia, odontologia, enfermaria, farmácia, assistência social, disciplina e controle, assistência religiosa, terapia ocupacional, almoxarifado, copa e cozinha, lavanderia e rouparia, transportes, identificação e manutenção dos prédios.
O atual Hospital Jorge Vaz possui Dr. José Maria Fortes Carvalho como
diretor Geral, Cláudio José dos Santos como diretor de segurança. O diretor
Administrativo é Paulo Cesar Pereira, e Dr. Sebastião Vidigal, diretor de Saúde
em Atendimento. A instituição já recebeu visitas ilustres do Presidente Juscelino Kubtscheck e do Dr. Trancredo Neves, porém não internados.
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Nos Poços
Primeiro você cai num poço. Mas
não é ruim cair num poço assim de
repente? No começo é. Mas você
logo começa a curtir as pedras do
poço. A água do poço. A terra do
poço. O cheiro do poço. O poço do
poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim?
A gente não sente medo? A gente
sente um pouco de medo mas não
dós. A gente não morre? A gente
morre um pouco em cada poço. E
não dói? Morrer não dói. Morrer é
entrar noutra. E depois: no fundo do
poço do poço do poço do poço você
vai descobrir quê.
Caio Fernando Abreu
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A paciência de Eloah, Catula
e Janaína
Ao acolhimento de Eliane,
Magda, Gustavo, Jack, Meire,
Cibele, Paulo C, Manuel e
todos navegantes do Jorge
Vaz.
Ao amor como cura mútua.
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Fumo de rolo
Já havia dois dias que eu estava trocando passagem na rodoviária
de Viçosa, adiando minha viagem à Barbacena, desconsiderando o fato
de que quando enviei o ofício, todo formalizado, me propunha a começar
as visitas em dezembro do ano passado. Abarquei em uma enrolação sem
fim. Preguiça de ano velho, vontade de ano novo, quem sabe; ou receio de
aventura em universos tão desconcertados, sem melodia, desconectados
dos outros por cento do mundo, ou seria um por cento.
A realidade, minha, claro, é o corrente desejo do submundo da mente
humana, sem egos ou superegos. Acredito que ao final do meu trabalho,
sem conclusões exatas já que esse não é o meu objetivo, não terei nenhuma
explicação referente à sanidade do homem, tampouco terei compreendido
os labirintos da mente de um paciente manicomial, mas aprenderei mais
com a convivência com pessoas que julgamos ser tão diferentes, conforto e
um sossego pros meus devaneios, um crescimento como ser (ser) humano.
E desde agora então inicio e compartilho essa minha desventura aventura.
Um leão e uma leoa na entrada, imponentes estátuas de branco cor
de gesso, símbolos da virilidade que existe em nós, aquela que desde cedo
aprendemos a desintegrar de nossos moralismos, pois nascemos sabendo
que não somos animais, somos algo sem nome ou simplesmente evoluído.
Nessa receptiva entrada olhei bem fundo nos olhos desses felinos, procurando algum sim, e o que vi foi outro personagem nesse cenário bucólico,
uma cobra enrolado aos pés do leão, essa nossa venenosa consciência subindo pelas patas, a não ser por um detalhe sórdido, a cobra havia perdido a
cabeça. E com tantas abstrações e pensamentos metafóricos eu nem havia
entrado no manicômio ainda e era a minha intacta cabeça que já começava
a se perder no doer.
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Sem câmera fotográfica, gravador, filmadora, e demais parafernálias.
Eu já sabia. Entrei por corredores vazios de modernidades, um museu com
móveis antigos, máquinas de eletrochock e camisa de força emoldurada na
parede, cicatriz dos velhos tempos e seus violentos procedimentos sem o
uso da química com seus mil compridos e cérebros derretidos. Apertos de
mãos, apresentações, e explicações do por que da minha estranha presença
ali para os agentes, vigilantes, médicos, diretores e funcionários, já que o
manicômio tem um procedimento de segurança similar com o sistema penitenciário. Senti um pouco de frio, gostei, havia dias que eu vivia empapado
de suor daquele verão quente de Viçosa, e agora eu me sentia aconchegado
nessa cidade de alta altitude, cidade fria cor de cinza, deslumbrado dentro
de um antro de psicóticos, em breve pessoas comuns, olhos nos olhos.
Dois agentes nos acompanharam, eu e Elisa, minha supervisora
no manicômio e grande presença amiga. Fardas, armas, grades e grandes
cadeados. Tudo ecoando pelas grades de ferro e a cada passo uma sinfonia
de sons surdos pelos corredores cheios de gritos desconhecidos, distantes.
Entramos na ala masculina, e passamos pelas celas de isolamento coletivo
onde o grau de periculosidade dos pacientes é aceitável para o convívio em
grupo. Aquela primeira cena me levou a nostalgias da infância de quando
minha comunidade, e eu também ia, visitava o asilo em Bom Despacho.
Homens cheirando a hospital, dopados de remédios, cigarros de
fumo de rolo e pijamas mesma cor, afundados em camas hibernadas pelos cobertores ou andando de canto a canto repetindo gestos epiléticos, e
aquele mesmo olhar de amor besta em suas feições derretendo, como se a
pele desistisse da vida e ficasse dependurada no que restou do corpo. Tudo
isso, ainda quadro de tinta em movimento, atrás das grades, e eu sabia que
era como essa recordação da infância, com exceção da diferença de idade,
se é que a maioria me pareceu com aspecto envelhecido, como se já estivessem ali por uma vida inteira. Grandes trabucos de papel enrolavam mal o
fumo de cigarro, formando um cigarro com mais ar do que fumo enrolado
dentro, quase um pastel, que eram fumados o tempo todo por quase todos;
um cheiro de fumo mesclado com doentes que ainda sinto em dias frios.
Uns conversavam sem parar e eu não entendia nada, mas na minha
espontaneidade forçada, necessária para dias de intenso convívio social,
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conversava com risadas e sílabas arrastadas; outros olhavam desconfiados,
coisa de esquizóide com mania de perseguição observando tudo o que acontece; e os demais alheios aos acontecimentos, criando sua própria realidade
fora da realidade da sociedade, eles e seu próprio mundo de que eu tanto
gostaria de ser núcleo.
Várias celas de isolamento coletivo continuavam a encher o corredor
de homens aparentemente comuns, curiosos, aniquilados por algum delito
cometido em suas vidas. Profeta do tempo e das mudanças climáticas, padre pedófilo que ficou conhecido pela TV da região de Minas, um pistoleiro
famoso encontrado pelo programa exibido pela Rede Globo “Linha Direta”,
e outras figuras iam preenchendo aquele cenário de fatos homicidas e fatos
do imaginário.
Passamos pelo refeitório, enfermaria e conheci um corredor escuro,
o mesmo a não ser por uma janelinha colocada perto do teto. Reconheci
aquele ar rarefeito de celas de isolamento que sempre permeou meu imaginário em noites após assistir filmes sobre a ditadura militar. Em pequenas
celas pareadas se encontravam os pacientes isolados, de alto nível de periculosidade, presos em sua própria solidão. Mais carrancudos e desconfiados
que os das celas de isolamento coletivo, esses também aparentavam melhor
saúde física, mais altivismo, com uma energia aparentemente amortecida,
contida dentro daquela pequena cela prestes a entrar em ebulição.
O que quase todos internos comungavam era o pedido desesperado para acender seus cigarros, como se fosse o último fumo, último trago
da fumaça de encontro ao pulmão. Como é proibido o acesso a materiais
cortantes, isqueiros e demais, todos os agentes do manicômio estão sempre preparados com isqueiros nos bolsos. Amanhã eu é que vou levar um
isqueiro, quem sabe minha presença soe mais simpatia.
Não muita intervenção era um propósito antes da primeira visita
ao manicômio, mas só minha presença já bastou, eu já os havia invadido.
Caminhando para o pátio do banho de sol percebi pelas janelas gradeadas a
figura de um homem nos seus 60 anos, estereótipo de aposentado inquieto,
sozinho no pátio e no único pedaço daquele quadrado em que frestas de sol
insistiam em adentrar. Descemos o pátio e nos aproximamos dele; indagado
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pelo agente sobre seu crime cometido, a única frase que nos disse e ainda
a repetiu foi “eu peguei a menina, levei ela pro mato, beijei ela todinha e
depois matei, infelizmente era minha sobrinha”.
Por mais abrupto que fosse aquela declaração, não consegui imaginar a cena, tampouco a pequena menina, me prendi ao olhar daquele
homem, que se transfigurou ao revelar que o crime cometido foi com sua
sobrinha. Um olhar que num primeiro momento era seco e vivo tornou-se
frio e morto. Lembrei-me de estudos e suas estatísticas, afirmando que a
maioria dos psicóticos comete os delitos dentro da própria família, e a consciência desse ato demora um tempo a aparecer devido ao estado de torpor, ou nunca mais aparece; e deixamos o pátio, o velinho e sua consciência,
que come a si mesmo, mas ainda pulsa.
Alguns internos têm permissão para realizarem trabalhos dentro da
instituição, como faxina e capina, e também realizam trabalhos artesanais
na terapida ocupacional, artes que não consegui contemplar, pois estavam
trancadas em uma sala e as janelas atacadas de raios de sol ofuscaram meu
olhar. Conheci a horta do manicômio, uma grande horta de cuidados e
verdes vibrantes, com vários pacientes trabalhando no seu cultivo, feli- zes
soltos. Indaguei o agente responsável pelos internos na horta, que é horticultor também, se não era arriscado o seu trabalho, já que não pude deixar
de notar enxadas e outras ferramentas de fácil acesso; simpático ele apenas
respondeu que havia entregado pra Deus e que ali dentro todos corriam
perigo, não é mesmo?
Mais apresentações e apertos de mãos; numa instituição fechada
como aquela minha presença tinha que ser todo tempo justificada. Eu, um
estranho no ninho. Conheci a diretora da ala feminina e nos dirigimos para
lá, e dos fortes agentes masculinos agora a escolta era feita por uma única
agente feminina. A ala feminina ocupa um espaço menor e se localiza perto
da horta, separada da ala masculina que fica no prédio principal com a entrada de felinos ameaçadores; além da ala ser menor o manicômio possui em suas dependências muito mais homens que mulheres em suas dependências.
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Carência. Talvez esse foi o primeiro sentimento que veio das pacientes de encontro ao meu. Cabelos esvoaçantes, mãos agitadas, olhos de
quem mendiga uma atenção. Divididas em grandes duas celas de isolamento
coletivo, mal nos aproximamos e várias delas se amontoaram nas grades,
curiosas sobre minha pessoa, carinhosas para com Elisa, psicóloga de muitas
delas. Mas uma mulher menina, cabelos pretos escorregadios, magra e de
feições congeladas como se o rosto estivesse anestesiado, congelou também minha atenção. De uma estranha beleza, ela jogou os cabelos de lado,
apoiou as mãos uma sobre a outra e perguntou a Elisa sobre o andamento
do seu processo, pois havia muito tempo que ela estava ali e desejava muito
sair.
Esse era o prólogo mais ouvido durante todo o dia, todos queriam informações sobre seus processos, laudos e demais procedimentos para uma
quem sabe posterior liberdade, tão almejada de ser conquistada. A voz baixa,
lenta e bem articulada dessa moça foi o melhor som de lamento que eu
poderia guardar de minha visita; seu olhar totalmente dissimulado a melhor
visão de de olhar psicopata, olhos de vítima. Seus gestos delicados como de
felino manso, mas mal intencionado, me arranharam as entranhas, trazendo
a tona uma repulsa, que me impossibilitou de interagir com aquela mulher,
tão perto e tão distante de mim, e não tive dúvidas sobre quão meticulosa
aquela forte presença me aferia.
Quando nos dirigimos para a segunda cela me precipitei em perguntar à Elisa os delitos que ela havia cometido, e ouvi: “ela tentou matar a mãe
e a irmã e ainda pretende finalizar. Ela é muito perigosa”. Sim, eu sabia que
a partir de então eu desprenderia cuidados e atenção para aquela menina,
personagem pálida do meu livro de memórias.
Silvia Lima dos Santos, nascida em Monte Carmelo, Minas Gerais, apresentou várias crises convulsivas na sua
infância, tomou Gardenal até seus 22 anos e não teve
mais crises. Foi internada uma vez pela mãe, nega uso
de quaisquer drogas ilícitas, etilismo ou tabagismo, e
se recusa ao tratamento psiquiátrico. Silvia foi internada no Manicômio Judiciário de Barbacena em 2008, em
bom estado lúcido, consciência cronológica, demonstrando
caráter manipulador, reivindicante e prolixo.
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Graduada em História, Sílvia residia no Rio de Janeiro
onde trabalhava. Argumentando saudades de seus sobrinhos
viajou a Monte Castelo, e ao encontrar a mãe e a irmã, as
tratou com frieza. A mãe foi lhe mostrar o quarto em que
deveria se abrigar, e quando se direcionou à janela para
abri-la, foi atacada de surpresa nas costas, pela filha,
com vários golpes de facas.
Silvia só não causou o óbito de sua mãe pela intervenção
rápida da irmã, que também acabou sendo atacada por outra
faca que Silvia trazia na bolsa. Novamente, só não veio a
causar a morte da irmã impedida agora pelo irmão Silvia
foi acusada pela justiça de dupla tentativa de homicídio
intencionado, já que chegou à residência portando duas
facas, e encaminhada para o manicômio judiciário por não
possuir condições mentais suficientes para entender o
caráter do seu ato e por ser considerada de agressividade elevada.
Silvia alegou que desentendeu com a mãe e no calor da
discussão a agrediu com a faca; afirma que sempre foi
perseguida pela família, já foi expulsa de casa e já a
prenderam sem ter feito nada. “Estão mentindo (...) sou
doce, educada, procuro fazer amizade”, e ainda disse que
a mãe não a deixava viver, por isso a agrediu. Segundo
sua família ela sempre fugia de casa, possui mania de
perseguição e não fazia tratamento médico porque afirmava não possuir qualquer tipo de doença mental. Silvia
negou fazer o exame de corpo delito e pediu o isolamento
no nosocômio por não querer ficar com as outras internas,
que segunda ela, possuem problemas mentais.
Ao chegar à instituição foi considerada com memória bem
preservada, apresentando argumentos fantasiosos, articulando-se com sua personalidade calma e perfeccionista,
com bom aspecto e aparência física, e atitudes predominantes dissimuladas e viscosas.
Considerada pelo
prognóstico médico portadora de psicose esquizofrênica,
permanece no manicômio por período indeterminado devido
a sua alta periculosidade não cessada, e diz que o medicamento não lhe faz diferença, apenas causa sono pesado.
“Se eu estivesse em casa e alguém entrasse no banheiro
para me ver tomando banho, eu poderia matar em legítima
defesa”, disse Silvia ao se referir às agentes de vigília
na hora do banho, e ainda conclui “que o Jorge Vaz é um
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hospital muito ruim”.
Outras internas me despertaram o interesse, como uma bonita loira
de cachos encaracolados. De um transparente astral e uma felicidade quase
infantil, ela se insinuava ao vento, como uma adolescente apaixonada, esperando o namorado chegar. Uma frondosa mulher, gorda e forte, até teria me
causado medo se não fosse seu rosto todo borrado de cores de maquiagem
e um batom além do contorno dos lábios; com a voz engasgada e um sorriso
patético, mais parecia uma criança na cena do flagra, tentando esconder a
maquiagem da mãe entre as mãos irriquietas.
Deitada em um canto, outra mulher, carrancuda e de ossos duros
marcando o rosto, aparentava sempre estar ameaçando qualquer vida que
invadisse seu espaço; com postura de uma líder senti sua hierarquia no ambiente, a “mulher macha” da cela. Com carinha sapeca tentando convencer
outra de sua mais nova peripécia, uma simpática paciente se esforçou para
me explicar que estava ali injustamente, pois os espíritos que entravam nela
eram os responsáveis pelos seus crimes cometidos. Em matéria de espíritos,
ou falta de matéria, até já tentei ler Alan Kardec, mas sou um verdadeiro
leigo e prefiro não discutir, os mistérios de nossa existência é o que existe de
mais perigoso em nossa essência.
A última presença que me atraiu, nem vi seu rosto, tampouco seus
olhos de que sempre estimo, apenas uma franja mal-cortada e um beiço
retorcido. Acuada em um canto, de cabeça baixa, em movimentos epiléticos
com as mãos e os pés, era a menor delas, a mais lunática, perturbada, esquizofrênica; e diante de tantas características acentuadas, me pareceu a
mais ilegível, num universo difícil de encontrar.
Nas celas individuais femininas nenhuma presença foi-me apercebida,
todas pacientes se encontravam deitadas nas camas e encobertas. O único
pedaço de vida que vi, além das respirações e roncos ofegantes ressoando,
foi metade de uma bunda avantajada que não suportou os cobertores e nem
as roupas de baixo; metáfora da podridão do ser humano, escondida pela
maioria de nós, despudorada no interior extravasado de outros.
Já direcionando pra saída fiquei ansioso, minhas energias se consumiram pelo odor característico impregnado naquelas grades que separam
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vidas. Passamos pela sala de enfermagem com suas caixas transparentes divididas em vários quadradinhos, cada um destinado pra uma paciente, recheados de pílulas vermelhas, rosas, brancas e até azuis. Não visualizei nenhum remédio, calmante ou entorpecente na cor alaranjada, cor de grande
estima dos debilitados psicologicamente e emocionalmente. Cor quente,
forte, que desperta emoções em corpos fortes de almas fragilizadas.
O último traço que fotografei como lastro, um quadro sozinho em
uma sala branca usada para acompanhamento psicológico de rotina dos pacientes. Ele se encontrava atrás de uma mesa de atendimento de forma que
ficava de frente para as internas quando eram atendidas. Sua beleza não se
encontrava pelo fato de ter sido desenhado por um esquizofrênico, que já
perambulou pelas dependências do manicômio, e sim pelos traços nervosos
rasgados pelo quadro que formam uma mulher forte e sexual, acalentando
um filho nos braços, olhando fixo para quem quisesse interrogá-la. Cabelos
ao vento, um sorriso largo e dos rastros cor de lápis um caminho vai se delineando por detrás da força viva daquela mulher de grafite, perdendo-se o
trajeto em uma bela paisagem colorida, uma tradução da natureza em contornos psicodélicos, pincelados com cores tropicais.
Um quadro que, das cinzas grafitadas de uma imponente mãe, transformam-se em arco-íris misterioso da natureza de nossas vidas. A única arte
que vi naquele dia, escondida em um quarto indiferente de um hospício.
Será que algumas internas já a contemplaram? Será que já se identificaram
com os olhos vivos daquela mulher? Quantos “serás” eu ainda formularia
ali? Despedi-me das agentes da entrada da ala feminina, e sai do nosocômio
com aqueles olhos em mim, olhos que quem diria, eram do próprio artista
que os desenhou. Quem sabe por desventura ou sorte inoportuna eu os reconheça um dia.
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Sem inícios nem re-voltas
Nesse segundo encontro com esses homens e mulheres desventurados por suas condições psiconeurológicas e deturpados contextos sóciofamiliares, vivi as primeiras restrições de que tanto temia para a produção
do trabalho. Apesar de desconhecê-las eu já as sentia pelo sistema de carceragem e todo processo de vigilância do hospital Jorge Vaz.
Explicitei minha vontade inicial de acompanhar alguns pacientes
para uma possível interação com os mesmos, a fim de que estes, dotados
de livre-arbítrio, transcorressem espontaneamente sobre a história e fatos de suas vidas. Porém, a maioria dos pacientes do manicômio possui
pouquíssima memória armazenada, ou nenhum resquício da mesma; não
detêm consciência cronológica dos acontecimentos passados, ou ficam a
deambular em suas falas, afirmando que possuem filhos em um momento,
como exemplo, e logo em seguida contradizendo dizendo não possuir nenhum filho. Assim, o número de pacientes já muito foi restringindo pela impossibilidade de se extrair vivências deles, até porque não pretendia e não
pretendo pressionar ou forçar essas consciências cicatrizadas, ainda mais
dentro do sistema de carceragem hospitalar em que passam seus dias, suas
vidas.
A continuar as limitações, é intransponível, inseguro e antiético o
modo como gostaria de obter esse contato com os vulgos “loucos”, pois
além da presença de um agente de segurança, é indispensável a presença
do responsável pelo acompanhamento clínico ou jurídico dos pacientes, que
também é o responsável por conduzir o diálogo e interceder pelo mesmo;
até porque os internos se mantêm acanhados na presença de outra pessoa
fora do seu convívio, o que denota desconfiança e retração, omitindo e tro2
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cando fatos, ou simplesmente se mantendo mudos.
Um pouco desmotivado pela minha ingenuidade referente a essas
limitações, que eu já deveria ter consciência por se tratar de um manicômio
judiciário com grande parte dos internos diagnosticados com alta periculosidade, ainda esbarrei no tempo disponível para coletar esses relatos, devido
a curta duração dos atendimentos de rotina e a alternância significativa de
dias entre um atendimento e outro, por não poder exigir muito da capacidade e emoção dos pacientes. Somando todos esses percalços à impossibilidade de longa permanência no município de Barbacena e no “Jorge Vaz”,
assim e, contudo, desde já deixo claro todas essas barreiras não exploradas
anteriormente, por desatino, e vim saber no meu primeiro contato a esse
mundo atrás dos muros.
Devaneando entre os ventos lacerantes das manhãs de Barbacena,
passei entre os felinos da escada sem lhes ceder uma ferroada de olhar
qualquer, desci o caminho de pedras e húmus rumo à ala feminina, decidido a acompanhar o atendimento psicológico de Elisa às pacientes. Cortês,
sorri inocente e expliquei a minha presença ali para as agentes prostradas
na entrada: um hábito repetitivo e chato que tive de aprender a ceder, pois
há vários turnos com vários profissionais diferentes que atuam dia sim, dia
não, ou raramente no hospício. O entediante, verdade dita, era repetir, em
virtude da pergunta unânime, que eu não sou estudante de Psicologia e sim,
quem diria, Jornalismo.
Sentado ao lado da psicóloga, com bloquinho e caneta sem tampa na
mão, pés e pernas sem lugar, ora cruzados, ora na circunferência de noventa
graus, pude alongar meus braços ao alto, estralar algumas vértebras irrequietas e bocejar, como quem não está com sono, mas não tem nada a dizer.
Mirrada, com o uniforme da instituição lhe saltando os braços, bem maior
do que seu corpo, Meire entrou na sala permeada de uma penumbra clara,
aquela mesma sala do quadro dos olhos de homem e de mulher, olhos de esquizofrenia. Ela sentou rápida defronte a mesa que a separava da psicóloga,
e com as mãos juntas entre as coxas mantinha um sorriso vergonhoso entre
as bochechas, malícia de quem se intimida fácil, mas possui muita simpatia
pra esbanjar.
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Reli aquele rosto miúdo em corredores crepúsculos, já que Meire era
uma das faxineiras do hospital e eu bem a havia notado ligeira com uma
vassoura na mão no meu primeiro dia de visita. Devido a seu bom comportamento nos apenas quatro meses de internação, foi-lhe cedida a faxina diária
da instituição como ocupação terapêutica.
O acompanhamento foi rápido, assim como suas respostas e seus
movimentos singelos, porém velozes a movimentar o ar. Ela disse que estava
bem e adorava o trabalho, que já havia ficado dois meses internada no manicômio, mas voltou para cadeia de Betim devido a um homicídio praticado,
e retornou ao Jorge Vaz. Aquele meio sorriso misterioso elucidava segredos,
aquele alguém que está sempre a esconder algo e se orgulha disso. Reservada, ainda disse que era viciada em drogas, digo, só maconha, e saiu que
nem pulo de gato magro.
Meire Maria da Cruz foi internada no manicômio em abril
de 2009, procedente do presídio de São João Evangelista,
Minas Gerais. Natural de Guaranésia foi registrada em
Marilac, cidades também de Minas. Foi criada pelos pais,
garimpeiros, junto com mais quatro irmãos, sendo a segunda filha da família. Começou a fequentar a escola com
cinco anos de idade e parou aos oito anos, quando a família mudou para Betim. Meire conta que aos dez anos conheceu um traficante que a engravidou por duas vezes, mas
a tia lhe deu uma “pesada” na barriga e estes morreram,
assim como ela, só que Deus a deixou viver novamente.
Casou-se aos 18 anos pela primeira vez, relacionamento
este que durou apenas um ano, ao contrário do segundo
casamento que perdurou por 16 anos. Alega nos laudos
médicos ter sete filhos, um com o primeiro marido e o
restante com o segundo; e logo após afirma que terá um
terceiro filho, pois o ex-presidente Bush a pediu em
casamento. Meire afirma que já foi internada em Betim,
mas seu psiquiatra e psicóloga a liberaram ao descobrirem
que seu problema era macumba, “mal que faziam pra mim na
feitiçaria, não só pra mim, mas pra o mundo inteiro”.
Admite que usou maconha, mas abandonou pois “ela me dava
sono e tranquilidade, mas como é crime, larguei”.
Trabalhou durante um tempo fazendo propaganda política
para o presidente Lula e ganhou uma “montanha” de din3
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heiro. Ela relata que trabalhava como doméstica quando
foi detida pela polícia, na residência que morava com
a mãe, e que desde então seus filhos são cuidados pela
sogra e sua família. O pai já faleceu e a mãe reside em
Betim. Foi flagrada e presa em Nova Lima, Minas, 2001,
portando maconha e cocaína, e trabalhando como prostituta; acabou sendo detida novamente após uma fuga da
penitenciária. Também foi acusada de tráfico de drogas
em 2007 e presa em Marilac. Apresentou, em 2008, suspeitas de ser portadora de distúrbios mentais devido a seus
discursos delirantes, proferindo palavras sem nexo, de
pouca compreensão e em tom agressivo.
Chegou no “Jorge Vaz” apresentando o quadro de Esquizofrenia Paranóide, constando na ficha de dados pessoais:
solteira, desempregada e com o primeiro grau incompleto.
O exame de sanidade mental mostrou que Meire não é precisa em sua vida pregressa, fala pouco, possui caráter dissimulador, impulsivo e hostil. Apesar de sua inteligência
ser considerada normal, apresenta juízo crítico comprometido, estrutura fraca, instável, dificuldade nas relações interpessoais, e com o controle de realidade perturbado. Às vezes seus pensamentos são acompanhados por
idéias de grandeza. Meire já esteve no hospital outras
vezes, desde 2002; atualmente, controlada por medicamentos, tem permissão para executar tarefas de limpeza
dentro do “Jorge Vaz”.
Magra demais, entretanto com armas a engordar sua cintura, a
agente trouxe à sala a próxima a ser atendida: Luanda, que de lúcida nada
tem, com passos pesados que ecoem pelo piso e sobem até a espinha da
gente, adentrou no recinto com o corpo tombando pra frente, os lábios a
fazer movimentos estereotipados, roçando um no outro, e com olhos esbugalhados de sapo, de quem quer ver além do que a visão já cansou de ver.
Completamente deslumbrada de si mesma, deslocada em tempo e espaço,
deferiu em cusparadas que estava “lôca” pra sair dali e casar com o “Tiago”
de Juiz de Fora, que ele gostava muito dela.
Luana afirmou não ter contato com a família há anos por eles não a
procurarem, mudarem sem avisar e sem deixar endereço. De voz engasgada
e com dificuldade de articular seus pensamentos nada articulados, pediu
pra escrever uma carta ao juiz; cedido seu pedido saiu da sala efusiva deix3
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ando sua energia de toneladas concentradas ali. Sem qualquer consciência
da ilicitude do homicídio que cometeu, alucina em suas divagações, literalmente no mundo da lua, por se identificar com ela, afinal, sozinha como a
lua.
Luanda Inês de Souz é interna do manicômio desde abril de
2000. Caçula de uma prole de onze irmãos nasceu de parto
normal em Mercês, Minas Gerais, e interrompeu os estudos
na terceira série devido às suas crises nervosas. Desde
os oito anos faz tratamento psiquiátrico e apresenta um
grave estado mental, presente em suas agressões contra
várias pessoas ao decorrer de sua vida. Quando morava com
o irmão ficou mãe solteira de uma menina de três anos,
filha do qual não se tem notícias e nem com quem mora.
Já esteve internada no hospital psiquiátrico de Barbacena por três vezes e nega o uso de drogas e etílicos. Ao
ser internada no manicômio judiciário alegou o seguinte
motivo “Foi porque eu dava crises de nervo, machucava tudo”. Luana apresenta psicose epilética e não tem
condições de retorno ao convívio social, já que apresenta
crises convulsivas e agitação psicomotora, uma paciente
de periculosidade não cessada. “Eu quero sair daqui se
Deus quiser, eu não quero ficar aqui mais não porque aqui
é muito ruim demais da conta”, “Quero ir embora pra casa
pra mim casar e ver minha filha”
Luanda recusa-se a tomar medicação controlada, mas faz
uso de Gardenal; nega ter feito algo errado para estar
internada, acontecimento em que ela agrediu justo o homem
responsável por seus cuidados, pois o mesmo lhe havia
negado cigarros já que ela havia fumado o suficiente no
dia. A vítima cuidava de Luana, considerada incapaz de
entender o caráter ilícito de seus atos. Completamente
abandonada pelos familiares que se mudaram e não notificaram o manicômio, Luana é dependente do “Jorge Vaz” e
vive sob os cuidados de um curador.
Enquanto a psicóloga fazia suas anotações para o laudo dos pacientes, com seus prognósticos e diagnósticos e mais “ósticos”, eu ficava ali
tentando dissecar em palavras de asas aqueles rostos de expressões, cheiros
e contradições. Em prantos de lágrimas, daquelas que enchem os olhos e insistem em não cair, entrou Márcia, cabelos desgrenhados e rugas afobadas,
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como criança mimada chorando por um capricho qualquer. De sobrancelhas
baixas e voz de menina meticulosa repetiu quantas vezes lhe foi permitida o
ocorrido no dia anterior, responsável por aquelas doces lágrimas de salgada
infantilidade. Ela estava fazendo bandeirinhas, quando ganhou de um funcionário um pote de tinta para os cabelos, que tanto desejava, foi agradecer o presente com um abraço e acabou sendo impedida por uma agente
do manicômio. Chorou, chorou e chorou. “Nós inferiores que não temos
diproma somos tratados assim; no plantão da agente que me humilhou vou
dormir o tempo todo.”
Tenaz em suas explicações, da repressão que havia sofrido, acabou
por fazer com que a psicóloga encerrasse o atendimento que se tornou
melódico demais. Ao levantar e avistar a diretora da ala feminina, Márcia
iniciou novamente seu monólogo insistente, debulhando-se em novas lágrimas. Com feições rápidas e sérias, e olhos acostumados àquelas lamentações, disse como avó diz ao neto “Chorar dá rugas e envelhece, se resolvesse
eu ia começar a chorar com você”, e pediu que a agente levasse Marta de
volta à cela, sumindo entre passos de grande distância com seu jaleco branco
esvoaçante, esse típico estereótipo dos profissionais da área médica.
Márcia Pires Neto, casada e natural de Abre Campo, Minas, procede da delegacia de Abre-Campo. Foi internada em
janeiro de 2010, aos 40 anos, encaminhada para o “Jorge
Vaz” para o teste de sanidade mental, que foi enviado ao
juiz para decidir os procedimentos para com a indiciada.
Consta nos laudos que em julho de 2009, em Abre Campo,
os denunciados Márcia Pires e Severino Silva, por motivo
fútil, tentaram matar Cássia Mota, utilizando-se de uma
faca, somente não conseguindo o homicídio porque o esposo
da vítima, Pedro Luís, interferiu em sua defesa e a mesma
conseguiu escapar. No mesmo dia os denunciados mataram
Pedro, golpeando sua cabeça com um pedaço de madeira e
desferindo em seu corpo vários golpes de facas.
Em companhia de Severino Márcia adentrou na casa da vitima e começou a discutir com Cássia Mota, por ciúmes de
Pedro Luís, que estaria tendo um relacionamento amoroso
com a nora das vítimas, Maria da Silva, e também em razão
de comentários surgidos de que Severino estaria se apropriando do dinheiro que Maria arrecadara para tratamento
de saúde de Cássia Mota. De surpresa Márcia sacou a faca
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que trazia consigo e tentou golpear Cássia, momento em
que Pedro interveio. Severino armou com o pedaço de madeira e desferiu um golpe na cabeça de Pedro, segurando-o, momento em que Márcia desferiu vinte golpes de faca
contra o mesmo que veio a óbito. Márcia relatou que “o
Pedro tava tendo atrito com o Severino”.
A paciente afirma ter pais vivos, um casal de filhos e
outros dois filhos que são do Severino. O exame pericial
de 2010 diz que a paciente tem conteúdo de pensamento
pobre, é teatral, e possui fala manipulativa, com mudanças nos tons de voz. Consta ainda de seu comportamento
impulsivo e colérico, e sua dificuldade de entender os
relacionamentos interpessoais. Diagnosticada como Retardada Mental leve, com transtorno de personalidade histriônica e epilepsia tratada; chegou-se a conclusão que
as perturbações de saúde mental de Márcia não têm nexo
casual com o delito cometido. Márcia acabou retornando à
delegacia de Abre Campo em março de 2010.
Olhos tímidos de mulher submissa, complacente com a vida, como
daquelas donas-de-casa acomodadas em suas metódicas tarefas diárias de
servir quem não lhe estima. Traduzir Lourdes seria como descrever uma velha em sua cadeira a coser seu crochê de anos de solidão e ingratidão. Ela
entrou com um ar despistado de mulher vivida, e disse ter muitas saudades
dos filhos. Reclamou dos remédios que é obrigada a tomar, cinco por dia, já
que nunca os havia tomado antes de entrar no hospital.
Depois de um ano e oito meses de prisão e seis meses de internação, essa mãe apenas quer ficar com os filhos: “Estou perdendo o melhor
da vida”. De áurea tranquila e unhas cor magenta recém-feitas, enroladas
e escondidas pelas mãos bem apertadas, permaneceu a menos ofensiva e
talvez a mais inibida em sua loucura, percepção dos meus olhos que não se
desviaram daqueles movimentos labiais com um quê de dissuasão.
Lourdes Cristina Pereira foi transferida do Complexo
Penitenciário Estevão Pinto, Belo Horizonte, em agosto
de 2009 para o hospital psiquiátrico e judiciário “Jorge
Vaz”, por medida de segurança, enquanto não cessada, integralmente, sua periculosidade. Procedente da comarca
de Contagem, Lourdes é natural de Belo Horizonte, nascida
em 1963, divorciada, funcionária pública estadual e com
o segundo grau completo.
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Consta dos autos do inquérito policial, que em junho de
2008, Lourdes, de arma em punho escondida para trás,
adentrou na residência onde se encontrava sua mãe e a
vítima, dizendo exaltada que tinha contas a acertar com
eles por motivo de desavenças familiares. A denunciada,
por motivo fútil, efetuou dois disparos de arma de fogo
contra Jorge Pereira, seu irmão, que não teve direito à
defesa, só não lhe causando a morte por intervenção de
outro irmão, que a desarmou e atirou a arma no telhado de
uma casa vizinha. Após o ocorrido ela tentou fugir, mas
foi contida por populares e entregue a polícia.
Esperando a última das pacientes do acompanhamento psicológico
fiquei a observar, por reiteradas vezes de tédio, o que as pacientes demonstraram não notar, ou que já cansaram de ver: o quadro da mulher de olhos grandes, vivos e hermafroditas. Desconcentrei-me da tela com a energia
pesada vinda do corredor silencioso, cheio de passos distintos; entrou no
quarto uma mulher de tamanho avantajado, que passou rente a porta, como
se a moldura de madeira tivesse sido construída seguindo suas medidas.
Com uma presença que desperta receios, daqueles que a gente
até abre mais os olhos para não perder nem um gesto ameaçador, sentime pequeno diante àquela força que gera calafrios tensos, já que nem a
presença de uma agente magricela, com armas na cintura, seria suficiente
se aquele tamanho de mulher utilizasse sua potência retraída. Pois foi que
quando sentou na cadeira, com as costas encurvadas, a cabeça encolhida
entre os ombros e o corpo mais pesado que a gravidade, desarmei um pouco
meus olhos de vigília, e senti naquela carregada energia, que inicialmente
me sugou, um sentimento de gratidão por uma alma perdida dentro daquele
corpanzil todo.
Aparecida se manteve todo o tempo do atendimento em estado de
torpor, petrificada naquela posição que nem um guincho a tiraria, apenas os
olhos insistiam em piscar e os lábios soltavam com preguiça palavras frias,
arrastadas pelo tempo imóvel daquela mulher rocha sísmica. Disse que já
esteve no mesmo manicômio outras duas vezes, que não se lembra da sua
primeira internação devido ao seu estado de choque, e somente com o uso
da medicação, adquiriu um pouco de lucidez e a volta de uma consciência do
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presente e do passado, acompanhada de tristeza. Arrastando a voz naquele tronco, desconjuntado e desproporcional para o assento, falou sobre a
irmã, que se encontra em um asilo, e também possui problemas mentais; da
mãe que cuida do outro irmão também deficiente mental e do pai, também
doente, que é muito nervoso, toma remédios e bebe muito.
Nesse relato da sua deturpada família demonstrou, por último, saudades de sua filha com nove anos, que se encontra sobre os cuidados de sua
mãe. Um pouco consternado pelo estado apático e ao mesmo tempo repulsivo daquela árida mulher, fiquei curioso para começar a ler os processos
e laudos dessas pacientes de personalidades misteriosas. Vi Aparecida sair
com o mesmo estado de torpor com o qual entrou, “bicho do mato” agora
embalsamado nas minhas entranhas.
Aparecida Rodrigues de Assis residia no povoado “Limerão
da Serra”, em Santo Hipólito, Minas, junto com seus familiares, quando em outubro de 2007 jogou as duas filhas
dentro de um poço. Ela havia convidado as filhas, uma com
cinco anos e a outra com seis, para irem ao poço perto
da residência, e chegando ao local Sandra as empurrou.
A filha mais nova acabou morrendo afogada e a outra foi
salva pelo avô materno; durante o ocorrido a denunciada
permaneceu na superfície observando as filhas se afogarem, sem nenhuma reação.
Considerada doente mental com transtorno depressivo, não
teve consciência do ato criminoso que praticou. Separada, Aparecida possui um histórico hereditário com grande
parte dos familiares portadores de problemas psiquiátricos. A paciente chegou ao manicômio “Jorge Vaz” deambulando, com fala lenta, arrastada e forte sotaque rural;
apática descreveu que, desde criança, ouve vozes pedindo
para ela fazer coisas, inclusive jogar suas filhas no
poço: “Eu joguei as duas filhas no poço porque estava
doente. Eu joguei elas no poço pra elas morrerem e não
sofrerem.”
Por osmose o entorpecido agora era eu, pelo ambiente hospitalar e
ao mesmo tempo penal, pelos corredores frios de ecos que se intercedem,
pelos gritos intrépidos de crises nervosas invadindo meus poros todos. Vontade de gritar, vomitar essas experiências amargas concentradas em sons
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histéricos. Despedi das agentes com um sorriso de meia boca, e subi correndo a rampa, entre árvores cor de outono, em direção a ala masculina. Aos
pulos passei pelos degraus da escadaria principal, nostalgias de um tempo
que nem se alertava para a questão anti-manicomial, e por fim me deparei
com os felinos de cara amarrada, olhando pra mim. Senti fome e pensei em
partir, acendi um cigarro, sentei ao lado do leão branco e suas patas grossas,
e confortei-me; olhei para a cobra sem cabeça, deslocado como vento o sem
cabeça agora era eu.
Dizem que cigarro disfarça a fome, não sei, mas renovei meu ânimo
e enquanto esperava a psicóloga para os atendimentos masculinos, senti o
cheiro nauseante dos cigarros de fumo de rolo que os pacientes ansiosamente fumavam, ócios diários e seus subterfúgios. Lembrei que raramente
sinto vontade de fumar, deve ser aquele ar manicomial com gosto de cigarro
de vovô. Atravessei a enfermaria e entrei em uma sala menor ainda àquela
da ala feminina onde há pouco eu me encontrava.
O agente, nada magricelo como a agente, mas com um aspecto engraçado pela sua boca de medidas abissais, entrou trazendo sua imponência
de segurança bem treinado, conduzindo um jovem não muito mais velho
que eu. Leonardo é novato na instituição, com um estado de saúde aparentemente normal, a não ser pela voz um pouco engasgada e pueril. Natural
e coerente relatou, sem esforços, que aos 14 anos começou a fumar maconha, convivia com o pai alcoólatra e violento que agredia ele e sua mãe.
Foi internado por depressão em 2003, pois sofria muita solidão, falta
de amigos e namorada: “Se eu tivesse uma companheira para conversar,
fazer planos, sonhar e ter filhos...”. Afirmou ter tido um vizinho “feiticeiro”,
responsável pela sua vida ruim, tinha pesadelos e ouvia vozes dizendo para
atacar o vizinho, e acabou agredindo-o com facadas. Usou álcool, cola e por
último crack, que o deixou muito revoltado e agressivo; quebrou móveis,
roubou dinheiro da mãe, que em um tentativa de impedi-lo foi agredida com
uma tesoura no pescoço: “Eu não queria matar ela, minha mãe é muito boa
pra mim”.
Dessas mentes de realidades tão íntegras em suas próprias particularidades, Leonardo talvez fosse o de consciência mais lúcida, aparentemente,
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já que sua personalidade impulsiva parece em muito ter sido potencializada
e deturpada pelas drogas. Psicologicamente bem, possui uma característica
comum dos esquizofrênicos devido à percepção de vozes internas manipuladoras, ou não seriam manipuladas, partindo da possibilidade dessas vozes
serem a manifestação do inconsciente deles mesmos.
Leonardo Eugênio é natural e procedente do presídio de
Lavras, Minas. Segundo dados fornecidos, pelo próprio
periciando, foi criado pelo pai alcoólatra e mãe com
quadro de esquizofrenia, juntamente com dois irmãos,
sendo ele o mais velho. Em 1997 parou de estudar pelo uso
excessivo de drogas, trabalhou em vários “bicos” sendo
o último emprego de porteiro, em que pediu demissão com
medo de assalto.
Ao ser detido não estava trabalhando, disse que quando
mais jovem levava uma vida normal, tinha muitas amizades
e gostava de festas, mas após os dezoito anos começou a
ser internado frequentemente em hospitais psiquiátricos,
cerca de seis vezes em sua cidade; sai pouco, gosta de
ficar em casa e não tem mais amizades. Disse que quando
começou a fazer uso de cola o companheiro que lhe fornecia o explorava sexualmente, depois usou maconha e um mês
antes de ser detido havia começado com o crack. Relata
que quando não estava bem sentia-se desorientado, desmotivado, ficava lesado com o que lia na Bíblia, pensava
até em se matar; mesmo sem usar drogas senti-se assim,
só melhora com os remédios. Sua mãe também sofre de transtorno mental, já esteve em hospital psiquiátrico, e o
pai está se recuperando de bebida. Afirma ter bom relacionamento familiar.
Em seus processos judiciais constam roubo e agressão à
sua genitora em agosto de 2008, quando roubou a quantia
de cinco reais de sua bolsa, e ao ser surpreendido pela
vítima que tentou retirar-lhe o dinheiro a agrediu com o
uso de uma tesoura; lesão corporal a facada em uma pessoa em setembro de 2003; e acusado de cometer seguidas
tentativas de homicídio em agosto de 2006, quando ameaçou várias pessoas no bairro e teve que ser contido pela
multidão.
Ao ser interrogado admitiu os atos criminosos sem justificá-los, dizendo ter uma voz falando em sua cabeça para
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ele matar uma pessoa. “Eu estava usando crack uns 23 dias
e foi o suficiente para eu começar a roubar dentro de
casa, roubei meu irmão e minha mãe, ela não quis me dar
o dinheiro e eu machuquei ela com uma tesoura, depois
arrependi, voltei e me entreguei a polícia (...) assisti muito filme de terror e isto foi entrando na minha
cabeça, achei que tinha que criar pânico, tinha uma voz
me mandando eu fazer as coisas e eu ficava desesperado,
não lembro o que ela dizia, neste dia peguei uma faca na
casa do meu irmão e sai correndo atrás das pessoas”.
Foi internado em 22 de janeiro de 2010 no hospital
psiquiátrico e judiciário “Jorge Vaz”, aos 26 anos. Quando chegou ao nosocômio mostrava-se calmo, deambulando,
lúcido e coerente, com alucinações auditivas, vozes de
comando, e nexos afetivos comprometidos. Relatou que estava com a cabeça confusa com os ensinamentos da Bíblia
que costuma ler muito. Recebeu visitas e faz contato
telefônico com seus familiares. Diagnosticado com esquizofrenia paranóide, transtorno mental agravado pelo
uso de drogas, tem noção da gravidade de seus atos e de
sua enfermidade.
Desde minha chegada eu ouvia curiosidades sobre o “pistoleiro” internado no manicômio, que havia perdido o dedo indicador, arrancado da
mão direita por um delegado, como punição por seus homicídios para que
o mesmo não mais utilizasse o gatilho. Além de ser arcaico, não achei o método muito prático já que o pistoleiro podia aprender a utilizar a mão esquerda, ou quem sabe outro dedo da mão direita. Esperando o próximo paciente na sala de acompanhamento eu já nem lembrava a minha curiosidade
de conhecer esse pistoleiro. Assim, o próximo interno entrou miúdo na sala
à frente do agente, tão miúdo que parecia uma conchinha côncava abatida
pelo tempo. Sentou encolhido em sua senilidade tão acentuada que nem
seu rosto deixou transparecer, e eu logo pude reconhecer aquela identidade
tão oculta por uma marca indescritível em sua mão direita, a falta de um
dedo.
José, de um olhar difícil de concretizar e palavras perdidas por um
tempo carcomido de fatos tão abruptos quanto inconscientes, se encontrava
ali tão indefeso pela sua condição física, tão inocente pelos seus traquejos
bestiais, que eu poderia jurar que ele veio de um asilo com seus cheiros de
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urinóis que enrolam a traquéia. As únicas modestas palavras que conseguiu
gesticular foram de estar bem e o desejo de ir pra São Paulo.
Esse pequeno velhinho, totalmente desconectado da realidade e da
sociedade, pela retrocessão que todos esses anos o obrigaram a se omitir,
ainda possuía uma única marca que poderia lhe lembrar de um passado inconsciente: a falta de um dedo que lhe vomitava a ilicitude de um ofício, um
emprego, que ele jamais conseguiu restituir após ser impedido. Aquela imagem de um homem incrustado sobre uma cadeira foi a lembrança mais frágil
daqueles dias de minha auto-internação, em que eu pude entender que a
virilidade, mesmo leonina, não dura pra sempre.
José Bonifácio, nascido em 1949, analfabeto, solteiro
e antigo lavrador, foi internado em outubro de 1972,
aos 25 de idade, no manicômio judiciário de Barbacena,
talvez o mais antigo paciente do “Jorge Vaz”. Natural
de Mandaguari, Paraná, em 1971, entrou na casa de uma de
suas vítimas matando-a com uma foice e aplicando-lhe três
golpes de faca de cozinha na barriga. Ali mesmo na cena
do crime, na fazenda Coromandel, em Minas Gerais, Orlando
preparou comida no fogão pisando na poça de sangue da
vítima, marcando de sangue seus passos pela casa.
Cognominado como “O monstro do portal do triângulo”, José
se tornou foragido da justiça pelo rosário de crimes
cometidos pelo triângulo mineiro e outras regiões, vários deles encomendados. No seu histórico criminal constam
diversos crimes como os homicídios contra Maria Conceição e Manoel Borges, na fazenda “São José”, Paranaíba; em Canápolis matou Antenor e Antônio, tentou contra
a vida da esposa e filho do último, e ainda contra um
desconhecido que passava pelo local; matou Renivaldo em
uma estrada; tentou assassinar João Mercês e Mirtes numa
fazenda; matou Orlando e sua mulher em Capinópolis; praticou dois assassinatos em Tupaciguara, e a tentativa de
homicídio contra um desconhecido. Também preso por furtos, Orlando teve uma espetacular fuga da cadeia pública
de Araxá.
Diagnosticado como autista lacônico, com alta periculosidade e anormalidade psíquica, José é um paciente com
péssimo contato interpessoal, que não responde pergun4
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tas, sem condições de fornecer dados sobre sua história
pessoal e doença mental. Desorientado globalmente, com
nível mental e cultural reduzido, possui impulsos primitivos, atitudes bizarras, prognosticado como abúlico
apragmático, ou seja, demente.
José, ou o famoso “pistoleiro”, se tornou uma preocupação
para a promotoria de justiça quanto à sua liberação e
retorno à sociedade, não devido à possibilidade do mesmo
voltar a praticar crimes, pela sua incapacidade física,
mas uma preocupação com o seu futuro, já que o interno
é um sério caso de abandono familiar. O mesmo não tem
as mínimas condições de auto-subsistência e de contato
social que o favoreça se colocado em liberdade após 38
anos de internação, sendo que ainda permanecem sinais de
periculosidade no paciente.
A psicóloga anunciou, quase que num cochicho, que o próximo a
atender seria o padre Orlando. E assim o foi que, com uma saúde invejável
contrastando com a debilidade de José, Orlando, com todas as faculdades
físicas e mentais aparentemente em perfeito estado, sentou e notou minha
presença que há muito era ignorada pelos internos, que sempre me colocavam do outro lado do muro que constroem em torno de si ou são obrigados
a construir.
Cumprimentou-me gentilmente, com um ar de tamanha serenidade
que eu não duvidaria de um pedido futuro para sua beatificação, se não fossem os incidentes que o levaram à prisão. Retirou a leveza de sua face, como
quem troca de figurino atrás das cortinas, e acentuou uns traços de homem
sofrido ao se lamentar pelo pai, que se encontrava em coma, e pelo pedido
de liberação, não aceito, para passar a data comemorativa e religiosa de 25
de dezembro com o mesmo.
Presenciei, com uma placidez conivente com a da psicóloga, o anúncio
da morte recente do pai de Orlando. Amenizar uma morte é como acentuála, e pude perceber com que tamanha objetividade à pessoa comunicada,
mas com uma humanidade sincera a um processo compartilhado por todos
da perda e desapego de uma pessoa amada, que a psicóloga transcorreu
durante aquele anuncio funéreo. Lágrimas falsas ou sinceras, não importam,
o maior sofrimento é quando corta por dentro; e preferi não julgar aquele
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choro de tentações, aquele sofrimento aparentemente vitimizado, translucidamente amargurado.
Abatido, Orlando não quis tentar o pedido de liberação para ir ao enterro do pai, por vergonha admitida da escolta de agentes que o acompanharia e seria vista pelos familiares. O paciente nos contou a revolta de seus
onze irmãos que o abandonaram e não concordavam com o deslocamento
do pai, até Minas, para acompanhar de perto seu processo na justiça; finalizando seus desabafos pediu notícias da irmã, deficiente mental, que está aos
cuidados da madrasta. Nesse encontro de sintonias desconcertadas com um
homem de comportamento tão natural, não me senti confortável, tampouco
compreendi naquela límpida transparência uma sanidade submergida.
Dissimulação, instituições de poder e seus privilégios para uma diminuição moral e penal, ou apenas um homem normal: indagações que rodearam minha tentativa frustrada de conceber aquele homem com um possível passado distorcido de sua lucidez ali emergida.
Orlando Lanni, natural da cidade Rio do Sul, Santa Catarina, foi preso em Mariana, Minas Gerais, acusado de pedofilia, e internado no manicômio “Jorge Vaz” aos 46 anos,
em 2002, procedente de Ouro Preto. Atuava como padre da
Igreja Católica, com curso superior completo, e chegou
à instituição com ideação suicida, menos-valia de si
mesmo, arrependimento, choro fácil, e com boa orientação
de tempo e espaço.
Nos seus processos consta que utilizando de sua condição
de sacerdote e da relação de afeto para com as pessoas,
praticou vários crimes de pedofilia seguidos da oferta
de pequenas quantias de dinheiro; como quando convidou
Felipe de dez anos, no distrito de Barroca, para ir pescar com ele. Praticou sexo oral com a criança, lhe deu um
real e ainda alertou: “é segredinho nosso, heim”. Orlando
repetiu essa mesma conduta outras duas vezes com
Felipe, no mesmo mês de 2002, dando ao menino pequenas
quantias de dinheiro. O pai achava proveitosas as saídas, pois o filho alegava que gostaria de ser padre, até
descobrir o ocorrido.
Felipe, criado com poucas condições financeiras no meio
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rural, sem a mãe, e carente de afetos pelo pai, afirmou
que “ele não é má pessoa, só tem esse defeito”. No mesmo
ano o assédio sexual ocorreu com Marcelino, também de
dez anos, com os mesmos procedimentos, fazendo sexo oral
com a criança, oferecendo cinco reais e alertando: “Nosso
segredo”. Dois dias depois efetuou novamente o mesmo ato
sexual com o garoto, dando-lhe três reais.
Prognosticado com transtorno de preferência sexual –
pedofilia, Orlando já foi acusado de estar gozando de
privilégios indevidos no Manicômio Judiciário. Ele foi
destaque na mídia da região após ter sido preso, o que
possibilitou a abertura do seu processo criminal com as
novas acusações de pedofilia que surgiram. Ele alegou
que tudo que aconteceu foi exagerado pela mídia, mas que
Deus o mantém de pé, e completou ainda que as pessoas
não entenderam sua forma de demonstrar o amor de Deus
nas pessoas.
Após o anúncio da morte do pai disse sentir muito seu
falecimento, pois o pai veio de Santa Catarina, abandonando toda a família, para ficar com ele em Minas após a
prisão, e os irmãos não compreenderam a atitude do pai.
“Só o amor de um pai pode fazer isto”, finalizou.
Os psicóticos visivelmente normais é os que mais me assustam e excitam, esse medo e desejo do desconhecido, sensações e suas antíteses. Orlando era o último do acompanhamento e se retirou chorando dizendo que
ia tentar se ocupar mais; foi direto para uma cela isolada, conduzido pelo
agente, para ficar mais a vontade com suas lágrimas. Caminhando entre vasos de samambaias pude respirar enfim um ar corrente que entrava pelas
janelas dos corredores, que mais pareciam um amontoado de venezianas,
quando me deparei com a sala de arquivos da instituição, ao lado direto do
corredor, onde se encontravam os processos e históricos criminais dos internos.
Ali, nessa sala, se encontravam mapas de tesouros desses navios
coloniais, vindos de terras distantes para outras mais distantes ainda, que
afundaram para o escuro dos oceanos onde a realidade humana ainda não
conseguiu se permitir entrar. O que eu ia descobrir era que bem ali, naquela sala de gavetas gigantes, havia mapas sim, mas sem cruzetas de saída e
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chegada, apenas caminhos e suas voltas tortas, processos eternamente em
processo. Ali, naquela sala ao lado de um altar com flores de plástico e uma
santa enorme que nunca soube o nome, e esqueci-me de perguntar.
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Pulga de gato no corpo da gente
As manhãs invadiam frias as casas de Barbacena, um refresco pra
minha cabeça, já que nos últimos verões esse tal de aquecimento global,
com todo esse papo eterno e furado de consciência ambiental, anda fritando meus miolos. Apesar das alterações climáticas que também ocorriam no
meu cérebro, aquela cidade de tons pratas e manhãs de fino sol dourado me
fizeram bem, com suas tardes nubladas de tédios e noites úmidas de estrelas
que não demoravam a acender o escuro breu do céu.
Nessa manhã eu já havia incorporado toda aquela rotina de uma cidade coberta de cinzas por um passado tão medonho, com aquelas igrejas
cheirando a arquitetura gótica e medieval; e aquelas esculturas de traços
retos e negros e retorcidos, em uma praça abandonada, desconcertando as
artes tradicionais para uma falta de sentido que desperta o nebuloso em
nós.
Acordei melancólico espirando alergia de pêlos de gatos, que inundavam aquela casa de energia viva, casa de uma grande mulher, forte como seu
trabalho, que em muitos desperta o fraco. Impregnada por aqueles cheiros
de cigarros de fumo de rolo, desde criança passeia por aqueles corredores
cheios de vida e morte, acompanhando todas as mudanças manicomiais do
“Jorge Vaz”. Sua mãe, antiga funcionária do manicômio judiciário de Barbacena, levava-a com seus irmãos pequenos para o trabalho, prova viva na
entrada do manicômio, em uma foto grande, tingida de preto e branco, de
vários funcionários em posições importantes, clichê de fotografia antiga, juntamente com as crianças de uma das funcionárias.
Hoje não podia deixar de retratar um pouco a história de um dos
personagens da história do manicômio, tão encarcerada a essas mentes psicopatas quanto essas mentes estão para si mesmas. Grande profissional que
acompanhei nos meus primeiros dias de vivência, que muito contribuiu para
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a realização do meu trabalho com sua personalidade viva, seu acolhimento,
e seu trabalho além de psicóloga no manicômio.
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Bafo de Cerveja
Amanheci desconfortável, sentindo desejo de algo que não se vê,
vontade de casa, de colo de mãe, de namorar, sei lá. Passei a tarde consumido pela ressaca advinda da noite anterior: tive que extravasar e liberar
um pouco de energia em bares sujos de esquina. Fugas e suas justificativas,
mas pelo menos por algumas horas esqueci o motivo de minha presença invasiva nessa cidade cheirando a loucura, querendo despertar a minha ainda
adormecida. Lembrei de minha mãe que tanto insistiu para que eu tirasse
essa idéia absurda de minha cabeça de retratar o manicômio de Barbacena,
não que ela achasse inconcebível a escolha desse tema como projeto de
monografia e conteúdo de um livro reportagem, é que ela persistia na teimosia de que eu era muito sensível para conviver em um ambiente como este,
e que essa experiência iria me afetar de alguma forma. Medo de mãe vidente precavendo o filho de futuras perturbações. A verdade é que depois de
tanto meses folheando livros sobre psicopatia e suas implicações, eu sentia
a necessidade de fechar esse ciclo do qual eu havia delineado: ser presença
diante dessas vidas nubladas de obscuridades. E percebi que um novo ciclo
se iniciou: ser presença e ser humanidade diante dessas vidas perpassadas
por tragédias e anomalias.
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Papiros
Apesar dos espirros provocados por gatos, misteriosos felinos, de
certo me sentia feliz por estar em uma casa misturada de animais e enrolado
em um cobertor, ato que há muito não fazia. O manicômio nessa manhã
estava com cara de quem acordou cedo; bebi água e café, fui ao banheiro,
e entrei na sala metáfora ao lado da santa e suas flores plastificadas. Após
cumprimentar, me apresentar e explicar minha presença hostil aos novos
funcionários, por mim desconhecidos, que aumentavam com os dias, pude
observar aquelas enormes gavetas de alumínio de escrivaninhas, emparedadas uma ao lado da outra, cheias de chumaços de papel formando livros de
processos, que uma funcionária baixinha às vezes usava um banquinho pra
alcançar.
Entre dezenas de assinaturas e carimbos de decisões judiciais e prognósticos de atestados médicos, escolhi da Sílvia pra começar, aquela menina
de cara de pó arroz do meu primeiro dia de visita à ala feminina, que despertou meu interesse e sem me agredir, o fez com o seu olhar. Talvez pelo seu eu
estereotipado de menina normal e carismática, e não de louca bestializada,
era o processo mais interessante para se aventurar. Estereótipo costuma ser
a primeira imagem de uma personalidade se quisermos, inutilmente, tentar
decifrá-la.
Por horas fiquei a revirar processos e mais processos inacabados, abertos para as histórias que ainda haveriam de acontecer, mastigados pelo
tempo e pelas concepções humanas moralistas. Papéis e mais papéis, alguns
amarelados pelo tempo, ou destituídos de sentimentos. Procurei me ater
aos processos dos internos que despertaram meu interesse, e daqueles que
fizeram o acompanhamento psicológico do qual também acompanhei.
Não foi fácil colher as informações; entre documentos, carimbos, ofícios, transferências, laudos, exames médicos e pedidos de diversos departamentos da justiça, perícia e saúde, descobri que os pacientes estavam mais
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presos àquelas folhas burocráticas do que ao próprio manicômio. As informações se repetiam, contradiziam e até mesmo não existiam, e ainda tive
que transcrever todas as informações colhidas, em meio à agitação da sala
penal, que vira e mexe desviava minha difícil concentração. Instituições de
segurança, suas restrições e eu simplesmente com saudades de uma máquina de xerocar papéis.
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Boné de Maria
Cheguei ao “Jorge Vaz” cedo, desgostoso por querer viver mais a vida
daqueles personagens fora das celas, tão vegetais dentro delas. Ansioso por
uma história narrada viva, querendo ser mais interno, mais intenso, mais
próximo, pedi a Elisa que fizesse um acompanhamento psicológico diferente,
que focasse na história de vida ainda presente nos pacientes, sem necessariamente invadi-los. Eliane disse que me ajudaria chamando dois pacientes
possíveis de uma melhor desenvoltura à memória cronológica dos acontecimentos de suas vidas.
Dessa vez, sem muita segurança, com o agente distraído conversando
com outros funcionários no corredor, Antônio entrou desconfiado, mas com
um sorriso bobo nos lábios. O reconheci da visita à lavandeira nos fundos
do manicômio, quando me deparei com dois homens sentados, com suas
cabeças afundadas sobre os ombros, como se fatigados pelo dia de trabalho
ou meramente observando o tempo se desenrolar. Só cheguei a perceber
que um deles não era funcionário do manicômio e sim um interno devido ao
seu sorriso bobo sem mostrar os dentes; o mesmo sorriso que entrou na sala
e sentou simpático na minha frente.
A psicóloga pediu que Antônio tentasse relembrar sua história pessoal e nos relatasse; relapsos de acontecimentos que transcrevo aqui acrescentando, retirando e trocando algumas palavras para melhor compreensão;
e na primeira pessoa, para que a distância exercida pelo seu condicionamento no hospital não seja transcrita para o papel.
“Quando eu era pequeno fugia de casa, meu pai criava abelhas e batia em mim e na minha mãe, meu irmão ficava só olhando. Eu não respondia
meu pai quando ele me batia e uma vez meu irmão bateu nele. Eu ia pra
APAE e tomava remédio em gotas; lá era clamo, mas tinha muita tortura e eu
não aprendia nada. Quando nasci teve ausência de oxigênio no parto que me
causou problemas de cabeça. Tenho oito anos de internação e nunca recebi
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visitas, só uma ligação de uma prima.
Quando meus pais morreram eu estava na cadeia de Guaxupé, chorei
o dia inteiro. Fui parar na FEBEM porque roubava; quando eu era menor de
idade cheirava cola, fumava maconha, bebia muito, e ficava viajando com
chá de cogumelo. Meus parentes quase me estupraram ou me estupraram,
não me lembro direito; fui na delegacia e nada adiantou.
Ficou na minha cabeça uma vontade de vingar, e aconteceu o crime
com a Letícia: eu não conseguia arrumar serviço, tomei dois comprimidos
e dois copos de pinga, ai deu branco e não tive mais percepção. Eu escutava vozes, via assombração em forma de homem, mulher e bicho. Eu converso com Deus, tenho fé nele. Minha cabeça dá sempre umas ferroadas,
tenho muitos pesadelos e sonhei com Nossa Senhora da Aparecida, ela tava
enorme e chorando do meu lado. Não queria contar isso não, era segredo,
ela chorou por mim.”
Durante o relato de Antônio, com algumas informações desconcertadas que eu ordenei com cuidado pra não perder sua fidelidade, Elisa fez algumas perguntas para que ele não se perdesse e outras por curiosidade, como
o porquê de um grande sinal na sua testa, indagação que ele não soube responder. Pude perceber ao final do testemunho farpas da sua personalidade
como uma certa crítica, ao demonstrar com suas feições e trejeitos arrependimento pelo crime citado, e uma censura interna ao negar e omitir fatos de
sua vida.
Antônio levantou, pegou o boné que havia retirado quando entrou na
sala, como sinal de respeito, submissão, ou apenas costume, agora já amassado pelas mãos nervosas, e saiu sereno, aliviado, aparentemente feliz como
quem acabou de revelar um grande segredo.
Antônio Soares dos Santos, vulgo “Tõe”, nasceu em Guaxupé
em 1977, Minas Gerais. Em 1996, na zona rural, perguntou
a uma mulher desconhecida o caminho que iria percorrer
até sua casa, e ela de forma inocente o respondeu. “Tõe”
seguiu a mulher e a emboscou, passou um cinto pelo seu
pescoço, despiu-a e praticou sexo por diversas vezes com
a vítima imobilizada. Após as relações sexuais a afogou
no córrego “Japi” e abandonou o corpo no córrego, que
foi localizado vários metros além do local do crime.
Quando adolescente foi internado na APAE para tratamento
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mental, por causar a morte de uma criança de oito anos,
também após o ato sexual e com o emprego do mesmo meio de
morte. Ele dizia que escutava vozes constantes falando
em matar e brincar de carrinho.
“Eu matei ela com uma correia, quando passei a correia
nela, rebentou a correia, ai eu puxei ela dentro da água.
Ai eu comecei a dar risada, só isso”, “Deu um negócio
branco em mim, e eu tava usando comprimido e tinha tomado
um gole de pinga”. Essas foram algumas justificativas
após o crime de 1996, em que Antônio procurou o detetive,
confessou espontaneamente, acompanhou os policiais até
o local dos fatos e explicou tudo minuciosamente, alegando que os fatos estavam perturbando sua cabeça e que
não queria matar a vítima, mas havia tomado remédios e
brigado com o pai. Ele ainda disse: “Eu perdi pai e mãe
e queria que o juiz me desse uma chance. Eu arrependi
muito”.
Após a confissão Antônio alegou que sempre que deseja
praticar sexo fica a procura de moças para praticar o
ato à força, que lembra ter feito com uma garotinha, que
toma remédios diariamente e vive em desentendimento com
a família, pois não consegue emprego. Acrescentou que
enquanto pratica sexo com uma mulher tem vontade de matála, e sabe que não é correta esta atitude, mas acredita
que o Gardenal e os outros remédios o encorajam.
Em novembro de 1996 um carcereiro fez uma comunicação
ao diretor da cadeia pública de Guaxupé, constando que
o detento Antônio é portador de problemas de ordem psicológica por apresentar comportamentos anormais, como
ingerir as próprias fezes após fazer suas necessidades
fisiológicas, bater a cabeça nas paredes do xadrez, e ser
“useiro e vezeiro”, ou seja, mania de introduzir o dedo
no ânus colocando-o na boca em seguida. Outro boletim
informou que ”Tõe” queima os próprios braços com cigarros
e se morde até causar lesões.
De 1989 a 1995 Aparecido esteve internado na FEBEM de
Minas Gerais. Segundo o laudo da instituição o interno possuía comportamento educável, explosivo, impulsivo, malicioso, manipulador, com deficiência emocional,
dificuldade de atenção, sem cooperação e criatividade
bloqueada. Ainda consta seu caráter bissexual, baixa
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auto-estima, várias tentativas de suicídio, tentativa
homicida por enforcamento, atos sexuais sob pressão e
fugas da Unidade.
O laudo aponta seu meio sócio-familiar inadequado e baixo
nível sócio-econômico, a figura da mãe como protetora e
do pai distante e violenta, por isso a necessidade de
atendimento psicopedagógico, psiquiátrico e neurológico.
No período em que esteve na FEBEM, consta que antes de
sua internação a mãe se encontrava como mendiga pela cidade, alienada à realidade, e o pai alcoólatra tornando
o ambiente familiar hostil.
Antônio foi internado no “Jorge Vaz” em maio de 1999,
e possui um irmão já internado no hospital. No exame
de sanidade mental encontrava-se calmo, com lucidez de
consciência, déficit intelectivo e abstrativo, idéias
delirantes e conteúdo pobre de pensamento. Disse que ouvia vozes, mas estas cessaram; que tem um filho, mas não
sabe a idade dele; já foi na APAE, mas fugia pra nadar;
“tenho a cabeça fraca”. Foi classificado como Retardado
Mental e atualmente apresenta bom comportamento nosocomial, permitindo-o trabalhar na lavanderia da instituição. O laudo de Antônio demonstra condições de retorno
ao convívio sócio-familiar, mas ele prefere permanecer
no manicômio.
Simpatizei com a figura de “Tõe” e seus humildes trejeitos. Li, ávido,
todo o seu processo que constava de muitas informações, e consegui vivenciar um pouco seu percurso por essa transitória vida. Senti-me aliviado por
mesmo ter lido a descrição detalhada, inclusive com fotos dos seus crimes,
ter permanecido com o mesmo sentimento agradável de quando o conheci
no acompanhamento.
Acredito que estou conseguindo diminuir distâncias e a compreender
que caminhos são mais que encruzilhadas. Internalizei a história de “Tõe”,
não de maneira curiosa, mas deixando minha sensibilidade aflorar, quase
que amigavelmente. Menino bobo que chegou a essa terra de amargos contextos, já com problemas mentais, de encontro a encruzilhadas que o fizesse
canalizar de forma destrutiva sua incapacidade mental de discernimento
do real. Passível de julgamento? E a lua crescendo nessa noite mística, vou
guardá-la com um pisco.
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Amor de ninho
Noite estranha nessa serra de homens que Deus se esqueceu. Pesadelos malogrados com meu irmão; deve ser saudades megalomaníacas
dessa pureza infantil que há tanto eu já perdi. Sem muitas apresentações e
apertos de mãos, eu de fácil adaptação já me sentia invisível andando por
aqueles corredores congelados de dor. Dando continuidade ao acompanhamento do dia anterior, Elisa chamou desta vez para o atendimento uma mulher, ironicamente Telma Müler.
Estereótipo de prisioneira, focinho de detenta, essa foi a primeira
impressão daquela mulher de costas curvada, não pela coluna torta, mas
por olhos acanhados que não querem encontrar outros olhos, e se abaixam
carregando a cabeça, pescoço e tronco. Entrou com os pés quase unidos e
passos de frenesi, porém curtos em sua distância, um Charles Chaplin pósmoderno.
Após Elisa pedir para espontaneamente ela relatar os momentos vivos de sua vida, aquela mulher negra, de baixa estatura, cabelos curtos e braços parrudos de fortes, mostrou-se confusa, passou a mão na cabeça, sorriu
com vergonha, mas desatou a falar com uma desenvoltura que eu ainda não
havia presenciado em nenhum paciente. Momentos lembrados, falados e
cuspidos, que reproduzo aqui com mudanças literárias convenientes, mas na
mesma intensidade com que foram contados.
“Eu tinha cinco anos quando minha mãe morreu, ela bebia muito.
Eu tinha oito irmãos, quatro mulheres e quatro homens, hoje somos só oito.
Minha irmã me criou, a Eliane, e meu pai trabalhava na linha de ferro. Fui pra
escola com seis anos, mas não guardava tudo na cabeça, e sai na terceira série para trabalhar com café, eu “panhava” e capinava. Meu pai era violento,
e se meus irmãos não acudiam ele até nos esfaqueava. Pedi dinheiro ao meu
pai e bebi pela primeira vez com sete anos.
Bebia dois litros de cachaça por dia e não conseguia trabalhar. Morei
algumas vezes na rua mas não usava drogas. Cheguei a adoecer, tive delíri5
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os e fui internada em Araxá, perdi o nome do remédio que tomava e parei
de comprar. Bebia tanto que um dia fui parar na cadeia com 31 anos, hoje
tenho 38. Minha primeira vez na cadeia foi por tentativa de homicídio; era
um homem, ele morava comigo, mas botou fogo nas minhas roupas. Avisei
ele pra não ir atrás de mim, mas ele veio e deu um soco na minha barriga,
então esfaqueei ele. Não fugi e a polícia me achou, eu tinha bebido e ofereci
a faca para a polícia, mas eles pediram para jogá-la no chão. Fui sentenciada
por dois anos e meio na cadeia de Araxá; cumpri dez meses, pois tinha bom
comportamento e a pena foi diminuída.
Eu já tinha esfaqueado outras pessoas; eu estive na cadeia outras
vezes por quatro tentativas de homicídio. Quando matei vim parar aqui:
eu fui receber um vale gás, comprei dois litros de cachaça, e um homem
me acompanhou até em casa; ele pirraçou, não quis ir embora, disse que ia
morar comigo e deitou na cama do meu filho. O homem disse que eu ia dar
a ele uma nova morada e dei foi um monte de pauladas na cabeça dele.
Eu tive seis filhos, o juizado de menores me tomou cinco deles. Tenho
dois netos e meus filhos pagam pensão deles. Ninguém me visita e me telefona aqui, ninguém da minha família gosta de mim, tenho só a minha casa
para voltar a morar. Só trabalhei com serviços de roça, já me prostitui por
motivo de bebida, mas não para me manter. Hoje tenho saúde boa, estou
bem, tem mais de dois anos que não bebo; uma vez bebi um gole, só um
pouquinho. Depois de ir embora daqui vou mudar de vida, procurar uma
igreja de crentes, não por mais bebida na boca; mas tenho vontade de beber
ainda, não vou negar. Tem noite que durmo variando, minha cabeça fica rodando, e esqueço coisas e nomes de pessoas.”
Telma perguntou se havia terminado, sorriu lerdo como de costume,
e saiu apressada a pegar o balde e o pano de chão com o qual estava limpando os corredores. Pouco depois a encontrei no corredor, estava determinado
a cumprimentá-la e quem sabe estabelecer algum diálogo que fosse natural,
mas ela se apressou em virar para o próximo corredor com o rodo dançando
ligeiro no chão, não deixando brecha para qualquer simpatia ou conversa,
com aquele sorriso matreiro de sempre.
Achei cômica aquela cena e a figura de Telma, com aquele riso pregado na testa que parece nunca querer sair. Mais tarde me foi relatado
mais histórias sobre essa moça adulta, que já trabalhou como ajudante de
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pedreira e participou na construção da própria casa, que ainda possui; casa
que era destinada pra ser “o ninho de amor” dela e sua parceira, mulher no
qual tinha um relacionamento na época, mas acabou não dando certo.
Telma Müler da Cunha nasceu em vinte de agosto de 1970,
em Campos Altos, Minas. Filha de pai desconhecido foi
presa em flagrante na data de 29 de maio de 2008, por
homicídio considerado cruel e por motivo fútil. Solteira, com a quarta série de instrução, alcoólica, sem renda
e com seis filhos, consta nos laudos que Telma afirmou
ter mantido um relacionamento afetivo por cerca de três
anos com a vítima, mas não sabia seu nome; que na manhã
do ocorrido os dois beberam mais de um litro de cachaça,
mantiveram relação sexual, e discutiram pelo motivo da
saída da vítima de sua casa.
Como Jesus insistia em permanecer, Telma aproveitou que
ele estava deitado, impossibilitado de defesa, e desferiu cinco golpes contra a sua cabeça com um pedaço de
madeira, causando a morte de Jesus Aparecido da Silva,
de 62 anos, vulgo “Paranaíba”. Telma esclareceu que ela
mesma mandou avisar a polícia através de sua irmã: “pedi
pra telefonar pra cadeia pra tirar o corpo de lá”, e
confessou o crime esclarecendo que o pedaço de madeira
ficava na casa como instrumento de defesa: “os golpes
foram mesmo para matar”.
A polícia encontrou a porta da cozinha aberta e o homem de
aparência idosa, negro, com vários ferimentos na cabeça.
Telma foi localizada na rua com as mãos ainda sujas de
sangue, não ofereceu resistência, e disse que nunca havia
sido agredida pela vítima. A denunciada respondeu que sua
ocupação era o trabalho doméstico, que sobrevive com o
dinheiro do vale-gás, que possui outros registros policiais, pois já cometeu dois homicídios e uma tentativa
de assassinato, e nunca ficou internada em clínica de
tratamento para doentes mentais.
Em interrogatório na comarca de Campos Altos Telma disse
já ter matado outro homem, ser ajudada financeiramente
pelos parentes, ter dado a única filha para adoção, melhor dizendo, teve seis filhos e deu cinco para adoção.
Consta nos antecedentes pessoais relatados por Telma que
ela é a terceira filha de oito irmãos, que quando bebia
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demais ficava de ressaca e caia no chão. Fez exame em
Araxá que acusou uma mancha no seu cérebro, e depois de
moça passou a apresentar episódios de héteroagressividade, agredindo quem a irrita. Já esteve em Araxá por
problemas de delírios na cabeça. Nunca se casou, mas tem
dois filhos e dois netos. “Casamento é bobeira”, disse.
Ao ser internada no hospital psiquiátrico e judiciário
de Barbacena, em sete de agosto de 2009, aos 38 anos,
o exame de sanidade mental indiciou afetividade pobre,
crítica diminuída, boa orientação cronológica, impulsiva, instável, desejo de domínio e de afirmação. Ainda
consta sua personalidade limitada às relações interpessoais, figuras materna e paterna internalizada de forma
negativa com angústia e ansiedade frente às mesmas, imatura com dificuldade de controle, afirmando ser certo matar alguém que a incomode. Disse querer matar um mendigo
que lhe deu um murro na boca.
Foi diagnosticado que Telma é portadora de transtorno de
personalidade emocionalmente impulsiva, com transtorno
mental e comportamento decorrente do uso de álcool, tornando-se inimputável por falta de capacidade psíquica de
compreender o caráter criminoso do seu ato.
Fiquei a desenrolar e enrolar mechas dos meus cabelos com os dedos
fatigados de páginas envelhecidas: eu queria é algo novo, que fosse inteiramente livre e firme, mas novo; algo que tivesse uma força superior conectada, que não tivesse essa tal passividade diante da vida; e novo.
Pedi Mariana, a funcionária baixinha, para guardar aquele amontoado de papeis, digo processos, pois não queria mais continuar a lê-los, apesar
de que era meu último dia nessa primeira visita, e eu tava que nem bicho
doido pra espremer ao máximo aquelas 24 horas pra que eu me sentisse
mais vivo, ou seria produtivo? O que importa é que vesti minha impaciência e indiferença num momento necessário egoísta, e tratei de me recolher
daqueles aposentos. Sai assoviando liberdade adquirida e deixei meus pensamentos martelados a pregos naquelas histórias de homens, desde sempre
cerceados à liberdade.
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Pensei em planos e encontros, e fluiu sincero do meu inconsciente
consciente, essa minha voz interior, que num encontro comigo mesmo em
um lugar que seja vida e vida, eu possa amadurecer minhas intolerâncias e
indiferenças, tão arraigadas que nem cobra enrolada em pé de leão, e voltar
a um tal de Jorge Vaz com uma luz que brilhe diferente e espalhe todas as
cores que formam a negra cor, arco-íris em chamas, para que eu seja mais
melodia quando voltar, pra que eu seja novo e faça novo.
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NV
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Entrada do Manicômio Judiciário de Barbacena (MG).
Enganando com psicologia
Comete crimes qualificados
Se vai ser condenado a
muitos anos de cadeia,
demonstra sintomas de alucinação.
Simula desmaios, e o profissional
afirma que ele tem problemas mentais.
O juiz no seu pedantismo pede o laudo.
Ele finge perante os médicos, e
Os médicos declaram insanidade mental.
Toma medida de segurança,
vai para os Hospitais Psiquiátricos,
finge mais algum tempo.
Logo depois demonstra melhoras,
então fica muito pouco tempo preso.
Depois volta às ruas e
pratica crimes piores.
Quem é o doente?
O sistema.
Então, pare e medite nestas palavras.
Aí, verá onde está a psicologia.
JPC
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O dia 13/08/95
Pouca alegria,
Muita tristeza,
Muito sorriso,
Mas só na base do sofrimento.
Papai estou escrevendo esta,
Para lembrá-lo de todo
O sofrimento que passei.
O senhor deve saber que nesta data
Maravilhosa, não me esqueci de você.
Apesar do sofrimento, sou uma mulher feliz.
Vocês me abandonaram,
Mas eu não abandonei vocês.
Por que gostam de mim?
Eu só queria os carinhos.
Vocês não me puderam dar, né?
Hoje me sinto velha, a negra da família.
Se era isso que queria, aconteceu.
Um dia minha alegria vai ser compartilhada.
Lembro-me como se fosse hoje.
Quanta fome já passei,
Quantos restos já pedi pelas casas,
Quanto frio eu passei, dormindo nas calçadas.
Será que o senhor se lembra?
Eu, aquele toquinho de gente.
Quando me jogou pela porta afora,
Eu tinha apenas sete aninhos.
Mas lhe agradeço por ter feito isso.
O mundo é feito pelas linhas tortas,
E hoje estou com vinte e nove anos.
Felizes são as minha irmãs.
Então, vou terminar.
O senhor não me deu amor;
Nem carinho.
Feliz dia dos pais para o senhor.
Da filha sofredora,
Muralha da Solidão
CJC
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Camisa de força exposta na instituição.
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Galinha e Leões
Mais de três meses correram, que nem as horas dos dias escorrem
pelas mãos, desde minha visita ao hospital psiquiátrico e penitenciário, e
meu trabalho ficou parado que nem as águas de um lago. Quisera eu dedicar
meus dias somente à escrita desse livro reportagem, construir um diálogo e
um vínculo com os internos e funcionários para reconstruí-los de forma humanística e justa nessas páginas, porém implicações diversas me impediram
de realizar um trabalho com maior tempo de vivência, mas não de enriquecêlo com as experiências internas e externas que ainda consegui colher nesse
começo do mês de maio, em Barbacena, quando deixei a academia, suas
normas monográficas, citações de autores ilustres e regras da ABNT, para
invadir de novo aquele velho mundo em descobrimento, “o Jorge Vaz”.
Dentro de um ônibus cheirando a urina, cheguei no dia anterior, a uma
cidade mais fria do que minha temperatura normal do corpo podia suportar,
agasalhado que nem esquimó do pólo norte, e me ajeitei na quitinete de um
amigo. Amanheci encolhido em posição fetal, afetado pelos mil sonhos ou
pesadelos (não consegui definir), que só não me acordaram suado por que o
frio já havia congelado meus medos.
Fui caminhando até o manicômio já familiarizado com a cidade de
cores agressivas, que agora tão perto do inverno tinha o céu coberto por
nuvens frias. Identifiquei-me na entrada e subi aqueles degraus de felinos
viris que agora não mais me intimidavam, e sim criavam naquele ambiente
mitológico, tons de poesia. Encontrei Elisa que havia terminado um atendimento psicológico, reiteramo-nos um do outro, e dividi meus novos anseios
de relatos de vivências dos funcionários com os internos, personagens também dessa história manicomial.
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Foi então que conheci seu Olavo, homem calmo e tranqüilo como sua
aguçada surdez, que com sua espiritualidade e história dentro da instituição
prometeu-me contribuir com esses relatos. Também conversei com a diretora da área feminina; o diretor administrativo; e claro a própria Elisa, criança ainda viva dentro de uma instituição, que por detrás de muros e grades,
muito tem a dizer.
Desta vez não esqueci o isqueiro, já no bolso, e foi por essa lembrança que amigavelmente, e sem salas de acompanhamento psicológico, consegui conversar com Geraldo Emerson. Imitando os trejeitos de uma galinha,
ele se aproximou pedindo prolixamente um “fogo”, e eu distraído igual grilo
verde demorei a entender seu pedido. Acendi um trabuco de cigarro de rolo
enrolado em jornal velho, e ele começou a falar, reafirmando as falas no
mínimo duas vezes, que entrou no Jorge Vaz em 1984 e queria muito voltar a
Governador Valadares, não queria mais ficar ali, “é muito ruim ficar preso”.
Rascunhei sua fala num papel, e ele utilizando da expressão “ô primo”, esticando o pescoço tentando ler, me pediu inúmeras vezes para repetir o que
estava escrito. Já cansado de reler disse que não ia mais repetir, e Geraldo,
com cara de menino que perdeu o pirulito, se justificou dizendo que não
sabia ler.
Perguntei o que aconteceu para ele estar ali todos esses 26 anos e ele
relatou por diversas vezes o seguinte ocorrido “Em Governador Valadares,
na Rua Chile, tava eu e o Brás dentro de casa, minha mãe entrou e pegou
eu de porrada, e o Brás fugiu. Minha mãe batia muito em mim e eu dei uma
pedrada nela, e matei ela. A polícia chegou e disse que eu tava preso porque
matei minha mãe. Chorei sozinho arrependido. Morreu 15 horas minha mãe;
ela cuspia em mim”.
Preocupado porque tinha que voltar ao trabalho na horta, começou
a repetir movimentos indecisos de vai e vêm com o corpo, averiguando com
olhos ansiosos ao redor do pátio se tinha alguém nos olhando, e ainda disse
ligeiro algumas palavras, pedaços de sua vida: “Meu pai e irmã moram em
Santa Rita, na roça” e “Eu ia na discoteca no sábado com a Penha, mas tudo
com respeito, sabe?, sem maldade”. Pediu o isqueiro pra ele, eu neguei, e
saiu correndo, os braços abertos ao vento, com uma das mãos segurando
uma sacola cheia de alface dentro.
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Geraldo Emerson Coelho nasceu em maio de 1962, filho de pai desconhecido. Com primário incompleto, antigo trabalhador braçal e solteiro, chegou ao hospital
psiquiátrico e judiciário, aos 45 anos, submetido aos
exames de sanidade mental, que o diagnosticou como portador de um episódio esquizofrênico agudo e considerou-o
sujeito inimputável pelo crime de homicídio contra sua
mãe.
Considerado com alta periculosidade e verborrágico, tem
períodos que se mostra melhor, menos delirante, com bom
comportamento, freqüentando a área externa onde executa
tarefas como cuidar do jardim e lavar carros. Em outros
períodos já se mostra excitado, muito delirante, confuso,
desconexo, com muita alucinação e irritabilidade fácil,
entrando em atritos. Não recebe visitas, mas familiares
fazem contato com o serviço social do nosocômio. Possui
o juízo crítico comprometido, pouca noção de sua enfermidade, de sua situação e da gravidade do ato cometido.
É um paciente instável, sem condições de retorno ao convívio sócio-familiar, estando bem adaptado ao hospital.
Segundo a sentença da comarca de Governador Valadares,
Geraldo Emerson teria em julho de 1984, no interior da
casa em que morava com a mãe e a irmã, utilizando de
uma foice, agredido, após uma discussão, a vítima Dalva
Coelho, sua genitora, causando-lhe a morte. A autoridade
policial impôs provisória medida de segurança, e vislumbrou sinais evidentes de loucura e alta periculosidade
no indiciado. No relatório de ocorrência policial consta
que José aplicou três foiçadas, duas acima do crânio, e
ainda apanhou uma pedra de quatro quilos e a desferiu na
altura do estômago da vítima.
Na época do matricídio, em 12 de julho, Geraldo se encontrava com 22 anos, e a mãe, também portadora de doenças mentais, só veio a falecer em 19 de julho. Em 1985
ficou decretado a internação provisória do indiciado no
manicômio Jorge Vaz pelo prazo de dois anos, que se estende até hoje. Geraldo já havia sido internado várias
vezes para tratamento psiquiátrico com delírio abundante
e alto déficit de inteligência.
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Aquarela de louco
Ou eu estou ficando paranóico ou as manhãs frias de Barbacena estão cada vez mais dilacerantes. Dificuldade pra levantar foi o mínimo quando
me vi no espelho, com um cabelo tão sujo que não resisti, me joguei debaixo
do chuveiro tremendo até os ossos dos pés. Sai apressado para o hospital
preocupado com o horário, “que seja doce”, pensei, e diminui o passo. Ainda
faltavam muitos processos para olhar, muitas pessoas para abordar, muito
material didático para recolher, muito enriquecimento pra um livro que não
fosse apenas um trabalho para conclusão de um curso superior.
Decidi acompanhar o atendimento do seu Olavo, assistente jurídico
judiciário do hospital, que pelos cabelos brancos ainda lembra-se de quando
os dormitórios e corredores do “Jorge Vaz” mais pareciam uma masmorra,
cheirando a óleo das latinhas cheias de estopa queimando sem parar, chamas
para os cigarros dos internos. Mais para um assistente espiritual do que jurídico, mandou o agente chamar o primeiro paciente, e fez o atendimento ali
mesmo na sala penal, cheia de processos e funcionários perambulando de
um lado ao outro.
O setor jurídico ou penal, que alcunhei como sala dos processos, era
vivo de pessoas indo e vindo, papéis espalhados e empilhados por mesas e
cadeiras, telefonemas, fofocas e risos dos funcionários do “Jorge Vaz”, que
freqüentavam aquela sala com freqüência, ambiente de trabalho, encontros,
bate-papos, e um cafezinho de um minuto e meio.
Entrou segurado pela blusa, algemado e com o semblante de tênue
ansiedade. Renato Silva, incisivo no balançar vertical da cabeça, ficou a repetir prolixamente que “sim, senhor, entendi”. Disse que já havia mais de três
anos que não via Olavo, que estava com saudades e sempre reza pra ele.
Justificou-se muitas vezes dizendo que seus atos não foram por maldade,
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que já usou muitas drogas e tudo que aconteceu foi pressão psicológica; que
não quis fazer o exame pericial porque acreditava que só alguns teriam que
se submetê-lo, mas os agentes o informaram que todos deviam fazer, “eu
não sabia doutor”.
Tentei compreender o que eram aqueles desenhos bizarros por todo
o seu braço, mas não consegui identificar nenhuma daquelas tatuagens, que
não representavam nada a priori pra mim e povoavam os braços daquele
homem mirrado. Fiquei curioso por aqueles desenhos cravados no corpo,
que deviam conter muitas histórias e fatalidades: tatuagens também falam.
Renato lamentou o fato de estar preso a mais de três anos e o seu
caso ainda não ter se resolvido, “tô num caminho da vida muito ruim, falei
pro meu pai que vou entrar numa igreja evangélica, todo dia faço minhas
orações pedindo a Deus do fundo do meu coração”. Durante o atendimento
se mostrou lúcido e saudável, porém um desespero lhe saltava os olhos, vontade de ser canarinho, e tentava gesticular, perguntar e falar tudo sobre o
seu processo no tempo que lhe restava, pois Olavo já havia pedido ao agente
para levá-lo de volta ao dormitório, e ele ainda insistia em continuar ali, com
as algemas em cima da mesa.
Olavo argumentou que está tentando unificar seus vinte processos
na justiça em um só para facilitar seu caso, mas que nada mais podia fazer
a não ser esperar; colocou suas mãos em cima das dele e fez sua oratória
que se repete nos próximos atendimentos, dizendo para ele ser bom com
seus irmãos, pois é uma criatura perfeita de Deus, que a religiosidade nos dá
força, e outros sermões mais. O paciente saiu como entrou: pálido, procurando uma resposta com seu movimento irrequieto da cabeça e dos olhos,
e segurado na blusa pelo agente, claro, sem esquecer de dar um sorriso forçado que seu Olavo sempre pede aos seus pacientes: “Cadê meu sorriso?”.
Pedido este muito engraçado, que sem ser forçado, me fez rir.
Criança ainda aprendendo a viver, esta foi minha primeira e eterna
impressão naquele menino tão novo quanto seu sorriso bobo, tão bonito
quanto seus olhos claros, tão inocente quanto seu chinelo arrebentado e por
ele arrastado. Josimar entrou com a tez leve, semblante maciço, cabelos encaracolados pintados a ouro, olhos azuis, lindos traços pueris e uma algema
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o atando, quase um anjo de filmes bíblicos ou ator de comerciais de
desodorante. O agente com cara de desdenho cochichou no meu ouvido
que a mãe dele o havia levado para internação no manicômio, bêbada,
há uns dois anos atrás.
Josimar, sem mesmo ter sentado, pediu com sua pequena boca
um clipe para ajeitar seu chinelo que estava arrebentado. Com uma
voz bestial, lenta e de poucas palavras, segurou o chinelo na mão que
tremia, e fez o pedido novamente, agora com um olhar vago e triste.
O agente, afirmando que não podia usar arame, pegou um pedaço de
plástico e amarrou a alça do chinelo que havia soltado. Silêncio, e após o
chinelo voltar de encontro ao pé, essas poucas palavras “tem tempo que
não vejo minha mãe (...) to com febre e doente” foram choramingadas
com preguiça. Foi ai que percebi aquele jeito puro de falar combinado
com seu lábio purino, desenhando o espaço entre o nariz e a boca com
aquele traço cicatriz, mais uma marca, mais um charme, menino angelical preso por rodelas de metal.
O agente interrompendo, ficou forçando Josimar a falar que não
estava tomando os remédios corretamente, e ele com cara de criança
envergonhada e sorriso pregado de lado, apenas suspirou dizendo “eu
não lembro, tava pirado”. Não satisfeito, o agente insistiu no assunto
dizendo que o remédio é pra ele dormir e que justo o remédio dele é o
mais caro. Olavo, meio incógnita diante daquela situação que envolvia
o agente e o paciente, resolveu começar a pronunciar, disse suas frases
de apoio, frases de auto-ajuda, e um “cadê meu sorriso?” pra terminar.
E antes de Josimar se retirar, com o mesmo andar tolo, o agente ainda
conseguiu cochichar que o paciente estava bonzinho porque ele havia
tomado os remédios, pois do contrário “a coisa desanda”.
Josimar Araújo Gonçalves nasceu em julho de 1984,
natural de Passos, Minas Gerais, e procede do presídio da mesma comarca. Internado em abril de 2008 no
nosocômio para exame de sanidade mental e tratamento
mental, consta nos laudos de 2009 sua idade de 25
anos, solteiro, primeiro grau completo, com profissão de serviços gerais. Tabagista, nega alcoolismo,
e possui família constituída por mãe e oito irmãos;
seu pai já falecido por suicídio utilizado do meio de
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enforcamento.
Em setembro de 2008 o próprio denunciando relata que foi preso por
invasão de domicílio: “eu mexi no cadeado da oficina, fiz arrombamento em
uma casa, levando um ventilador, pulseira e mochila. Eu participei de outros
roubos, mas já paguei todos eles. Eu roubava por aventura, à toa.” Exame
psíquico diagnosticou no paciente evidência de transtorno esquizoafetivo,
tipo depressivo, e com ideação suicida, considerado desorientado no tempo
e no espaço, com crítica comprometida, humor deprimido e prazer diminuído; permanece em tratamento psiquiátrico temporário desde junho de 2008
na instituição, sem condições de retorno ao convívio sócio-familiar.
Do próximo paciente não tenho muito a lembrar, a não ser palavras
e gestos desconexos. Entrou e saiu que nem veraneio, e só me foi legível
na hora de sair, quando pediu seu radinho de volta, que por algum motivo desconhecido lhe havia sido tirado. Ferreira Maria, sem dentes, senilidade acirrada, e de medidas tão grandes quanto sua desorientação, sentou
pesado e saiu perdido no tempo e no espaço, completamente retardado.
Demonstrou não entender nada do que se passava, e com sua epiderme exteriorizando deliquencia, respondeu com um monossilábico e arrastado “é”
a pergunta do invasivo agente: “Você come três marmitas por dia, não é?”;
e foi-se lento no andar, sem mesmo eu conseguir guardar seu olhar, asilado
em sua cabeça, nos pés, e no cansar.
Chegou o anúncio de que o próximo interno não iria comparecer ao
atendimento, pois não possuía condições de entendimento, até porque não
conseguia nem se pronunciar. Olavo decidiu ir até a entrada das celas masculinas para tentar falar com o paciente e no caminho fiquei inteirado de que
Osmar de Souza já havia sido liberado da instituição, mas a família não possuía condições de recebê-lo. Olavo disse que ele já estava há 48 anos preso
pelo estado e no mínino 35 anos dentro do “Jorge Vaz”.
Chegamos na entrada das celas onde se encontrava vários agentes e
um interno apoiando e escorando José, pois nem locomover este conseguia.
Em um evidente estado de torpor, Osmar estava sendo controlado por medicamentos para não ter ataques epilépticos. Olavo, inultimente, proferiu
sua palavras, e do outro lado das hastes de ferro, parado como poste, Osmar
não falava nada com nada, tanto que eu até acreditaria que ele nem havia
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percebido a presença de Olavo, a não ser pelo momento em que empunhou
o braço com a mão fechada em direção a ele, ação logo repreendida por um
dos agentes; fato que confesso ironicamente achar engraçado, imaginando
o pedido clichê que dessa vez não ocorreu: “cadê meu sorriso?”.
Osmar saiu puxado depois de um grande esforço para retirar seus
pés, enraizados naquele chão frio, que ele já havia se acostumando a se
fundir, fazendo da sua total falta de orientação e discernimento um subterfúgio pelo tanto tempo ali internado, já que sua única casa é o Jorge Vaz.
Osmar de Souza Azevedo é natural de Coração de Jesus,
Minas, e procede da penitenciária de Juiz de Fora. Nos
relatos consta tentativa de homicídio contra seu irmão,
em março de 1995. Submetido a exame de sanidade mental
no hospital de toxicômanos de Juiz de Fora, foi diagnosticado como portador de desenvolvimento mental retardado
e epilepsia, portanto considerado inimputável. Esteve
concedido à liberdade provisória em 2005, quando neste
período em que esteve livre há relatos de problemas de
comportamento na sua cidade, existindo até um abaixo assinado solicitando sua reinternação, ocorrida no mesmo
ano.
Foi internado em março de 2007, aos 42 anos, solteiro,
analfabeto e lavrador, por medida de segurança de tempo
indeterminado até cessar sua periculosidade. Osmar continua apresentado nos exames freqüentes crises de agitação, hostilidade, com agressividade héterodigida, tendo
sofrido também algumas crises convulsivas; costuma possuir contato pobre, sem dizer nem responder nada, sem
queixar ou reinvidicar-se. Não executa tarefas praxiterápicas por não ter condições para tal, não recebe
visitas e não há registro de contatos no serviço social
de seus familiares.
No exame psíquico, dos laudos de 2010, não teve condições
de comparecer à sala de entrevista devido a seu quadro
de agitação, tendo sido examinado em seu isolamento,
ameaçando agredir quem se aproximasse da grade. Os laudos apresentam a discussão de que o periciando continua
apresentando sintomas de sua doença mental, que contraindica seu retorno ao convívio sócio-familiar e evidencia sua periculosidade não cessada.
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As algemas unindo as duas mãos chegavam sempre à frente, depois
o resto do corpo, trilhando os tristes caminhos conduzidos por essas trancas
de aço, procurando alguma direção que ainda reste um perdão. Vi primeiro
suas mãos gordinhas que os laços de metal ainda não conseguiram esconder;
baixo e gordinho, com um boné na cabeça e um beiço de mágoa de menino,
mais parecia um bebê gigante do que um homem ou menino.
Manuel José já chegou com sua voz aguda de choro, com a língua enrolada e uma péssima dicção, pronunciando depressa as palavras, grunhidos
desesperados, pedindo pra ver sua mãe e ir pra casa. Fiquei penalizado com
aquela inocência aparente, demente e frágil, exposta em uma sala cheia de
olhares e suas pessoas. Homem sangrado por uma pinta preta tatuada acima
e a direita da boca, marca cravada na penitenciária em que permaneceu antes de chegar ao Jorge Vaz, significante de sua condição de traidor de algum
grupo, chefe, facção ou sei lá, o famoso “X9”.
O agente, sempre acrescido de novas informações, relatou que já
tentou tirar a pinta com todo tipo de material e não conseguiu nenhum
resultado, só mesmo com sessões de laser. Assim, fixado naquela simples
pinta, congruente de todas as cicatrizes das conturbadas relações humanas,
imaginei a nudez diária de que Manuel José era exposto, com aquela pinta
no rosto, que denotava medo, traição, angústia e uma possível morte em
alguma cela ou num canto de rua. Ficou pouco tempo, não deixava Olavo
dialogar com ele, apenas implorava de pé para ir embora, e depois de sentar
um pouco, saiu com passos curtos e gordos carregando um ponto negro de
morte ou de falta de compreensão.
Manuel José de Castro é natural de Itajubá, Minas Gerais, e procede da mesma comarca. Consta no inquérito policial de julho de 2001 que
Manuel, agindo com crueldade, desferiu inúmero golpes de enxada contra
Bruno Raimundo Evangelista, levando-o a óbito. Denunciado e vítima bebiam pinga, ocasião em que Bruno retirou-lhe o boné, desferindo-lhe ainda
um tapa no rosto e no peito. Descontente com a agressão José utilizou-se da
enxada e cometeu o homicídio. Ainda em dezembro de 2001 o denunciado,
armado com uma faca, desferiu três golpes contra Frederico Magalhães, não
chegando a consumar o crime devido ao pronto socorro prestado. Apurou8
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se inimputável por ser portador de sanidade mental, alegando ter se irritado
com o fato da vítima ter lhe tirado o boné.
O paciente foi internado em junho de 1994 por medida de segurança,
para exame de cessação de periculosidade, aos 36 anos, com primeiro grau
incompleto e profissão de servente. O laudo de abril de 2010 diagnosticou
em Manuel dificuldades de audição, fala pobre, quadro de afeto comprometido, humor lábil, boa relação dentro do hospital, e muito pueril em suas
atitudes. O paciente, portador de HIV positivo, possui crises convulsivas e
quadro compatível com retardado mental. Com alta periculosidade e sem
grau de entendimento do certo e errado, em razão de sua deficiência mental, deve ser mantido sobre internação no hospital.
Logo após o encontro com Manuel José, Olavo e sua espiritualidade,
disse que “pra nós que temos certa idade e estamos muito sensíveis, é triste
e duro ver isto”. Reformulei a frase na minha cabeça articulando que nem
precisa de senilidade, apenas um pouco de sensibilidade, ou seja, humanidade.
Lúcio Santos e seu astral chegaram animados, sentando com um sorriso grande nos lábios, como que ansioso por um encontro amigável. Pra
alguns internos aquele momento é um corte na solidão. Com seu nariz gordo
e a boca torta não parou de discorrer palavras, tentando naqueles poucos
minutos exacerbar tudo o que tinha pra falar. Estava elétrico pelo trabalho
que havia terminado na horta, altivo e feliz com seu trabalho, um ânimo vivo
que nos outros atendimentos desse dia eu não havia incorporado.
“Eu to feliz, não tô sentindo nada, não tô com dor de cabeça, não sei
por que estou aqui preso.” Olavo olhou fixo nos olhos dele e disse calmamente que ele não está numa prisão, mas em uma casa de custódia, pra ter
um pouco de paciência com o seu processo que dependia de seu comportamento. Com aquela evidente falta de dentes e uma cicatriz protuberante na
testa, disse que só queria ir pro seu sítio, pra sua mulher, seus filhos, estes
últimos que nunca iam vê-lo.
Olavo teve que insistir para o guarda levá-lo de volta, mas este queria persistia em ficar, e arrastando seus chinelos com suas meias furadas no
calcanhar, falou que enquanto não toma seu Gardenal não consegue dormir.
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“Cada caso é um caso deixando na gente um tormento”: Olavo pra finalizar.
Com a cabeça arqueada a frente do corpo, dentes extremamente estragados e amarelados, careca e com uma branca barba mal-feita, esse bizarro homem com uma aparência não muito agradável à nossa estética convencionalmente estipulada, sentou grosseiro acompanhando a gravidade, com
a coluna torta caindo pra frente, deixando o corpo se abandonar, cansado de
ver o mundo na horizontal.
Completamente retardado mental, Marcilio João Neto não demonstrou nenhum interesse e entendimento ao que Olavo lhe falava, apenas
mantinha os olhos baixos e as mãos tensas a expulsar suor. Todo aquele aspecto assombroso se desmanchou num sorriso frágil, bobo e vergonhoso,
entre duas mãos colocadas sobre as bochechas, no último pedido de sorriso
ouvido naquele dia. Saiu sem pronunciar nenhuma palavra, apático em um
estado de transe. Acatei como plausível de explicação àqueles curiosos homens, tão abestados, a fala de Olavo: “Depois de tanto tempo presos, uma
saída da cela se torna um choque” e imaginei se a voz de Marcilio seria tão
agressiva quanto sua aparência.
Marcilio João Neto, aposentado, nasceu em maio de 1971,
natural de Fortuna de Minas, e procedente da comarca de
Pitangui, Minas. Foi pego em flagrante, em janeiro de
2007, por homicídio no interior de sua residência, utilizando-se de uma barra de ferro e um pedaço de pau. Marcilio desferiu vários golpes contra a cabeça de Leandro
Costa, o qual já se encontrava desmaiado, causando-lhe
a morte.
No dia dos autos o denunciado e a vítima fizeram uso de
bebida alcoólica, se desentenderam por causa de um copo
de pinga; pouco depois a vitima desmaiou, momento em que
o denunciado valeu-se de sua absoluta impossibilidade, e
causou-lhe o óbito. A testemunha Heloísa Cardoso afirmou
que Marcilio não queria que a vítima bebesse de sua pinga, para sobrar mais para ele, pois tinha pouca pinga na
garrafa; que o réu e a vítima eram muitos amigos: “onde
um estava o outro estava junto”, e não soube explicar a
atitude do réu.
A delegacia de polícia da comarca de Pitangui pediu, em
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2
fevereiro de 2007, a solicitação de uma instituição destinada a presos portadores de deficiência mental; que o
detento Marcilio preso em virtude da prisão em flagrante,
na cidade de Papagaios, constantemente vem perturbando
o sossego dos demais presos, que o amarram nas grades
da cela, alegando que somente deverão retirá-lo se uma
solução for tomada.
No exame de corpo delito de junho de 2007, João disse
que não se lembra de ter matado ninguém, que se medica
com Gardenal, que não estudou e os pais não o colocaram
na escola, por isso já deu uma surra na mãe. O interno
afirmou ter se casado duas vezes, que matou a primeira
esposa com uma facada debaixo do braço, enfiado a faca
até o cabo, devido a uma traição, alegando não ter nascido pra ser corno. Contou ainda ter três filhos com a
esposa falecida, que moram com a avó materna, e possuir
treze anos quando se casou. Marcilio relatou gostar muito
de mulher, que sempre tinha duas ou três freqüentando a
sua casa.
O hospital de toxicômanos juiz forense diagnosticou o
paciente portador de transtorno mental, devido lesão cerebral e epilepsia, considerado parcialmente inimputável. Internado no manicômio em julho de 2007, por medida
de segurança, o exame de sanidade mental de 2010 consta
afirmações de Marcilio, onde diz nunca ter feito uso de
drogas, e a negação que esteja preso referindo à prisão
como “lá em casa”. Chegou à entrevista dizendo não saber
o porquê de estar ali, negou o homicídio e fica a ameaçar os familiares pronunciando “que vai acertar o passo
deles, pois eles que o mandaram para cá.”
Ainda no exame, Marcilio confirma ouvir vozes que lhe
dizem para fazer coisas ruins; portou-se falante, prolixo, desorientado no tempo, ameaçador, contraditório,
confuso, agressivo verbalmente, com nexos afetivos comprometidos, alucinação auditiva e déficit intelectual.
Compareceu a entrevista usando boné com pouca noção da
gravidade de seu ato e de sua enfermidade. Tem se mostrado com melhor relacionamento e comportamento nosocomial.
Foi discutido que Marcilio João apresenta ainda sintomas
psicopatológicos, com atitudes ameaçadoras, que requerem
tratamento a nível hospitalar, portanto sem condições de
retorno ao convívio sócio-familiar.
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3
Já entorpecido dessas várias mentes confusas serem atendidas, por
um assistente jurídico penitenciário, sem nem ao menos saberem de que
serve um assistente jurídico, fiquei foi inerte com a visão desses homens
desorientados portando uniformes de cores iguais. Fui encher os corredores
com o barulho do meu tênis arrastando meus pés sufocados, bebi um pouco
de água tão fria quanto Barbacena e decidi voltar à sala penal para indagar
Olavo sobre acontecidos vividos por ele dentro da instituição, já que há tanto
tempo se movia por aqueles corredores.
Olavo e uma dificuldade de memória me relataram alguns lastros:
por volta de 1976 e 1978 a repartição era bem diferente, com poucos funcionários e muitos pacientes, que usando de artifícios faziam verdadeiras
armas, conhecidas como “chuchu”, para se defenderem e fugirem, como o
cabo da colher de alumínio e da escova de dente. Ele relembrou as comemorações no pátio que sempre terminavam com a fuga de algum interno, mas
este sempre era recuperado. Quando na época da vacinação geral contra
meningite, ele era chefe de disciplina no manicômio, e muitos pacientes não
queriam a vacina, cismados de que esta era uma injeção letal; Olavo insistiu
muito com um dos pacientes, Célio, para tomar a vacina, e este reagiu sendo
preciso muito esforço para lhe aplicar a dose.
No outro dia os agentes da instituição alertaram Olavo para se precaver, pois Célio havia cismado que era ele quem havia obrigado a injeção letal, e poderia agredi-lo; porém tudo terminou bem quando Olavo se dirigiu à
cela de Célio, lhe mostrou seu braço com a marca de vacina, e disse que se a
injeção fosse letal os dois iriam morrer, pois ele também havia tomado. Não
consegui extrair mais nada de Olavo, que muito cansado pelo dia de atendimento ou mesmo pelo tempo, se justificava que não estava conseguindo
lembrar muito no momento.
Atenta às falas carregadas de nostalgias de Olavo, Mariana, que passava os dias a perambular pelos quatro quantos da sala penal, abrir gavetas
e carregar processos, relatou-nos o boato sobre o crime da nova paciente do
hospital: Valesca, que antes de entrar no hospital cometeu homicídio contra
sua avó, alegando que enquanto jogava vídeo-game um vírus invadiu sua
cabeça, obrigando-a a matar. Explicação deturpada, até mesmo engraçada,
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já que o crime foi cometido com um canivete, segundo Andréa, que já se
encontrava no bolso dela quando a mesma jogava o game.
Não quis me interessar por mais histórias do “Jorge Vaz”, meus pensamentos já estavam a desandar. Peguei meus pertences e sai do setor jurídico sem muitas despedidas, e me encaminhei até a diretoria para conseguir
qualquer material sobre o histórico da instituição, quando das tantas portas
de ferro que eu já havia visto hoje portas de asas me foram abertas.
Entrou leve na diretoria, com suas roupas tons pardos, costuradas em
crochê, contrastando com aquela cidade de tons agressivos, igrejas góticas
e hospitais psiquiátricos. Rebeca foi logo se apresentando como terapeuta
ocupacional do manicômio, e eu empolgado pelo seu trabalho e sua simpatia pedi para acompanhá-la em seu trabalho. Como os pacientes liberados
para a Terapia Ocupacional, que passo a chamar aqui de T.O, realizavam-na
no turno da manhã, e já estávamos entre a manhã e o vespertino, Rebeca
convidou-me para conhecer a sala em que funcionava a T.O, e que no outro
dia eu poderia acompanhá-la.
Mesmo faminto, senti que esse encontro e suas conseqüentes descobertas que estavam por vir, acrescentaria luzes a um trabalho tão denso
de solidão e sombras, e compartilhei do astral de Rebeca caminhando por
corredores de um lustre sem fim. Chegamos a uma grande porta de metal
com uma pequena abertura que eu rápido reconheci quando lá estive no inicio desse ano, fui apresentado às dependências do manicômio, e me deparei
com esta curiosa porta, fiquei nas pontas dos pés para ir além da pequena
janela de grades, incrustada na porta, e o que vi foram alguns artesanatos
sem muita vida. Acuados em um canto estes pareciam tão pequenos que
nem transpiravam arte; grande engano meu, pois ao transpor aquela porta
com seu graúdo cadeado, agora em maio, o hospital se encheu de cores e
sorrisos, justo neste corredor em que eu já havia me naturalizado pelas idas
e vindas.
De encontro a uma larga mesa retangular, povoada de vários artigos
de artesanato, papéis coloridos, materiais recicláveis, pedras de bijuteria,
origamis, colas e até mesmo tesouras espalhadas pela mesa e por mãos famintas, vi surgir peças de artes que eu mesmo desconhecia a simplicidade com
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que eram construídas.
Rebeca trabalhou no nosocômio de 1986 até 1987 e voltou ao hospital psiquiátrico e penitenciário por meados de 2001, quando começou a
funcionar a prática da terapia ocupacional em um antigo dormitório em reforma, antes queimado por um dos internos. Ela me explicou que a psicologia usa do verbal para diagnosticar um paciente, enquanto que a terapia usa
da atividade artística manual para avaliá-lo em suas decaídas ou melhoras.
Quando você se expressa em alguma arte não tem como negar seu interior:
você mostra mais seu interior que o exterior. “A fala mente e a arte mostra o
que o paciente realmente está sentindo.”
Indagada sobre os pacientes que iluminaram aquela sala e que ainda
são vivos em sua memória, Rebeca num piscar de pensamento apontou para
a parede lateral em que se encontrava uma grande pintura cobrindo toda
ela, uma paisagem em cores quentes com coqueiros tortos balançados pelo
vento, árvores com cipós retorcidos, um pequeno corte de mar sombreado
pela lua e um sol inacabado sem cor ao alto, com o branco da parede ao
fundo.
Rebeca relembrou com grande nostalgia e carinho de Franco de
Abreu, que deu cor àquela parede em outubro de 2002. Diz ter sido um
homem de características e físico interessante, de Juiz de Fora, estudante até
o terceiro ano de arquitetura na Unicamp, responsável por vários crimes de
abuso, sendo procurado até pelo extinto programa da Rede Globo responsável por divulgar e procurar foragidos da lei, o “Linha Direta”.
Na época da pintura estava acontecendo uma reforma na sala de T.O,
Rebeca convidou Franco para pintar a parede como processo de terapia, ele
começou a pintar em uma segunda-feira e só não terminou a arte porque foi
liberado do manicômio, na sexta-feira da mesma semana. “Eu não liberaria
ele”. Sobre o processo de criação, segunda Rebeca, o paciente folheou algumas revistas de viagem e resolveu pintar uma paisagem; ao ser colocado
várias cores a sua disposição para a escolha de qual usar, Franco não conseguia usar a tinta azul e verde, cores essas transmissoras de tranqüilidade,
paz e equilíbrio. Entretanto, ele abusou das cores laranja, vermelho e amarelo, que denotam um estado inquieto da mente do paciente.
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Quanto aos elementos do quadro, Franco colocou o sol e a lua na
mesma paisagem, evidenciando confusão mental, além dos cipós caindo das
árvores simularem cordas amarradas, conotação clara ao suicídio apontada
por Rebeca, que minha visão ainda não havia metaforizado. Rebeca ainda
relembrou o prêmio estadual de desenho de combate a drogas, ganho por
Franco enquanto ainda estava internado; desenho que não tive acesso por
ter sido enviado a Belo Horizonte, mas de difícil esquecimento devido à placa
de premiação exposta no corredor principal do “Jorge Vaz”. Depois da desinternação Franco foi preso em flagrante pela polícia quando participava de
um assalto no Rio de Janeiro, foi transferido para sua comarca de origem,
Juiz de Fora, e amanheceu morto poucos dias depois na penitenciária.
O motivo da morte ainda é um mistério, lamenta Rebeca, pois na
época do seu falecimento foi identificado como suicídio, porém Franco
era jurado de morte na cidade. Rebeca disse ainda sobre sua fissura com o
número 9, analogia aos noves meses de gestação; fato concomitante com
sua relação estranha e doentia com a mãe, que lhe trazia até jóias de ouro no
manicômio, e com seus delitos cometidos antes de ser detido. Perguntei curioso sobre esses crimes, e Rebeca disse que não tinha muito conhecimento
sobre, preferia um distanciamento dos delitos dos internos para que não se
distanciasse dos mesmos, “Até comecei a ler o processo de Franco, mas na
primeira acusação já desisti, não queria mais saber.”
Franco de Abreu Nunes é natural de Juiz de Fora e procede
da mesma, onde foi preso por crimes em épocas distintas,
bem como internação em clínicas psiquiátricas. No final
de junho de 1997 iniciou um relacionamento com Lidia
Noêmia Pereira, que perdurou por cerca de onze meses.
Inicialmente era extremamente carinhoso e amigo, até que
no final de julho de 1998 passou a demonstrar ciúmes,
agredindo a vítima com chutes e socos, afirmando que ela
o estava traindo. Trancou-a por horas no interior do seu
veículo privando-a de sua liberdade, chegou até a agredir
um ex-namorado da vitima. Em novo encontro chegou a enforcá-la até que fizesse uma confissão de traição fictícia; em outro encontro, Lidia sofreu graves agressões
físicas e morais, fotografias e filmagens da mesma nua,
bem como ameaças à sua família se ela o denunciasse.
Gislene Oliveira namorou Franco por dois anos. Em fe8
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vereiro de 1998 o mesmo passou a mantê-la em cárcere
privado, espancou-a e a fez comer e beber sua urina; o
denunciado ainda colocou a cabeça de Gislene dentro do
vaso sanitário dando descarga, passou fezes pelo rosto e
cabelos da vítima, após obrigando-a a comê-las. No inicio
de 1999 começou a ter outro relacionamento amoroso com
Talita Dutra, após alguns meses de namoro, já em maio de
1999, o denunciado mudou por completo seu comportamento
ao se dirigir à residência dela e a agredir, arrastando-a
pelos cabelos até dentro do carro por ele utilizado.
Franco seguiu para sua residência e as agressões físicas
foram intensificadas, por socos e chutes; Talita passou
a ser forçada a revelar o nome do homem com quem o traía,
sendo imposta a cárcere privado, inclusive algemada, mediante violência e ameaça de comer suas próprias fezes.
Após dias a colocou no porta-malas e usando de extrema
brutalidade e crueldade constrangeu a vitima à prática de
ato sexual, sempre apontando um revolver em sua cabeça,
afirmando que sentia prazer em vê-la comer fezes. Mostrava para ela o espelho para que visse o sangue escorrendo
de sua boca, e como estava feia. Libertada para retornar à sua residência, Franco ainda ameaçou praticar atos
contra sua vida e de seus familiares caso confessasse o
que ele lhe fez.
Rosa Aparecida de Carvalho namorou por cerca de dois
anos Franco, quando o mesmo a manteve em cárcere privado no interior do seu veiculo e do seu apartamento,
espancando-a com o argumento de que ela o estava traindo.
Introduziu sua cabeça no vaso sanitário, desnudou-a e a
levou para o banheiro, tapou boca e nariz da vitima e
passou a sufocá-la; em outra agressão feita colocou um
saco plástico em sua cabeça para que confessasse os nomes
dos homes com que o traía.
O processo de Franco consta de outros casos, como do
taxista assassinado no qual manteve no porta-malas e subtraiu-lhe dinheiro; seu corpo foi encontrado dia após,
momento em que se descobriu que o taxista era o motorista que fez a mudança de Rosa para Barbacena, logo
após o ocorrido. Outro caso se refere ao casal Violeta
e Evandro, que no ano de 1997 mantiveram sexo grupal,
inclusive filmado, com Franco; quando resolveram acabar
com os encontros este passou a constrangê-los ameaçando
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mostrar ao filho do casal fotos e filmagens. Chegou a interceptar o filho do casal com arma em punho, obrigandoos a continuar naquela conduta sexual.
Internado em março de 2002 no manicômio judiciário “Jorge
Vaz”, Franco estava com 39 anos, solteiro, curso superior
incompleto e profissão na área de informática e desenho.
Os últimos exames do paciente no hospital constam conduta
de bom comportamento e relacionamento, considerado sua
periculosidade cessada, com providências para continuação dos tratamentos psiquiátricos, considerando que o
paciente possui familiares que lhe dispensem todos os
cuidados e apoio. Franco recebia visitas constantes dos
familiares, foi transferido para a penitenciária de Juiz
de Fora em outubro de 2002, por ordem judicial, para cumprimento de pena; presídio em que veio a falecer pouco
tempo após a transferência.
Outra pintura saltava àquelas paredes, de braços abertos um grande
Cristo envolto em rajadas amarelas, com uma grande auréola acima de sua
cabeça e o coração destoante, arrancado do peito. Rebeca, com uma risada
que treme todo o corpo e vai subindo pelo da gente, lembrou-se da interessante paciente, Alessandra, proveniente de Senador Firmino, que se ofereceu para pintar a parede já com a imagem escolhida. No meio da pintura, a
interna jogou o cigarro que fumava fora e, segundo dizem, nunca mais voltou
a fumar; foi liberada três meses depois do término da pintura, e se tornou
evangélica.
Zacarias. Um nome que já pairava no ar nos dias em que permaneci
no manicômio, uma figura eternizada, inclusive em vários presídios por onde
passou. Muitos me haviam falado dele, apenas o citando como o homem da
“ciranda da morte”. Quando Rebeca começou a se lembrar de Zacarias, minha audição inflamou e fiquei atento a história da infância, contada por ele à
Rebeca, e agora recontada por mim: quando criança sua madrasta obrigava
ele e seu irmão a pedirem dinheiro nas ruas, e se voltavam sem um tostão
eram chicoteados. Assim, começou a roubar entre os cinco e seis anos para
dar o dinheiro a madrasta, acabou fugindo de casa ainda criança e desde
então se acolheu no mundo da marginalidade.
Rebeca se lembra de algumas mordomias oferecidas a Zacarias no
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manicômio, devido a uma ameaça de morte feita pelo mesmo contra a filha da diretora. “Ele tinha um caderninho preto com o nome das pessoas
que pretendia matar ou mandar matar”, e teve seus dias de fama na mídia
quando foi responsável pela morte de presos em presídios. Zacarias acabou
morrendo dentro da instituição, com idade avançada e as duas pernas amputadas.
Zacarias Mendes, solteiro, nascido em julho de 1955, é
natural de Recife, PE, e procede de Belo Horizonte. Preso em 1982, por homicídio, sem profissão e com instrução
primária, provocou em 1997 várias mortes em presídios,
conhecido pela sua famosa “ciranda da morte”. Várias
testemunhas presenciaram os assassinatos, mas “na cadeia
nós somos cegos, surdos e mudos”, afirmou um detento. Foi
internado em junho de 1983 e reinternado em junho 1985
no “Jorge Vaz”.
No laudo médico de 2001, consta que Zacarias, já com 46
anos, teve alterações psico-afetivas desde a tenra infância que em muito o afetou. De uma família de cinco
irmãos, segundo suas próprias palavras, sempre foi espancado pelo próprio pai, aos quinze anos foi para São
Paulo, começou a fazer uso de drogas e em seguida começou
a assaltar. Afirmou que “se me tratar bem eu dou minha
roupa, se me tratar mal eu fico revoltado, e se puder
matar, eu até mato”, “Quando eu matava os caros eu ficava
frio como eu estou aqui. Os próprios bandidos queriam
ser mais do que eu, eu os matava para mostrar que era
superior”.
Zacarias alega ter cometido 226 assaltos, cinco latrocínios, quatro crimes dentro da cadeia, e afirma que
“se eles me verem na rua ou eu mato eles ou eles me matam.
A minha carreira é só do crime. Minha vida é roubar de
quem tem dinheiro. Pedir eu não vou mesmo porque eu não
sou mendigo. Eu chegando na rua eu vou é assaltar. Eu
não penso em ter profissão. Eu não tenho mais chance de
recuperação, o resto da minha vida é o crime.” O exame
psíquico do mesmo ano o diagnosticou com lucidez de consciência, ansiedade psicótica, com grau exacerbado de
destrutividade, onde em sua realidade interna o que mais
ocorre é a predominância do instinto de morte e fantasias
agressivas inconscientes: “Quase todo dia eu sonho que
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eu estou matando alguém”.
O periciado ainda apresentou fixação homossexual
sadística e homicida, derivada de uma fixação infantil e uma figura agressiva primitiva do pai. Os
laudos ainda apresentam que as frustrações ocorridas na infância do periciado, através da rejeição do
ambiente familiar pouco afetivo e distante, fizeram
prevalecer nele maior instinto de morte, e com má
influência do ambiente social o mesmo tornou-se um
criminoso de altíssima periculosidade, que só desperta culpa persecutória e não a culpa depressiva.
Zacarias não gostava de sair da cela por nada, nem
banho de sol, “gosto de ficar no meu canto entendeu camarada” disse a um agente. Com as duas pernas
amputadas, o interno faleceu em março de 2002, nas
dependências do “Jorge Vaz”.
Ao falar de Rafael Campos, o garoto esquizofrênico portador de HIV
positivo, minha memória o trouxe de quando Elisa falou sobre ele e suas
peripécias. Rebeca disse que Rafael se mantinha constantemente desnudo
dentro das celas, se auto-mutilava, e não deixava ninguém se aproximar
dele, espirrando sangue nos agentes com o intuito de contaminá-los. “Ele
vivia com uma cordinha no pescoço tentando se enforcar”, contou Rebeca,
que lembrou serena do dia em que mandou chamá-lo para T.O e pediu os
agentes para retirar suas algemas, por não admiti-las em sua sala.
Desde então, Rafael iniciou suas atividades terapêuticas com bom
comportamento, ganhou a incumbência de monitor da T.O, cessou as automutilações, passou a se alimentar corretamente e diminuir seus delírios. Ele
dizia que haviam colocado um chip na sua cabeça e o estavam construindo
para ser um robô, por isso ganharia um dinheirão, mas como não queria o
dinheiro iria dividi-lo com sua mãe e Rebeca. Após anos de relação de confiança que construiu com Rafael, Rebeca batalhou para a sua liberação não
concedida. Rafael entrou em forte estado de depressão e se suicidou depois
de dois anos dentro da instituição.
Rafael Campos de Lima, de pai ignorado, nasceu em julho
de 1973. Natural de Passos, Minas Gerais, procede de
Governador Valadares. Consta nos laudos de 2003 que Rafael foi internado, em fevereiro de 1998, para exame de
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sanidade mental, aos 29 anos, solteiro, com primeiro grau
incompleto e mecânico; transferido para a comarca de origem em junho do mesmo ano. Reinternado em março de 1999,
submetido a tratamento psiquiátrico, foi transferido em
junho do mesmo para a penitenciária de Juiz de Fora.
Novamente internado em janeiro de 2000 para tratamento
psiquiátrico, foi transferido em junho de 2001 para a
penitenciária de Governador Valadares, e em outubro reinternado pela última vez no “Jorge Vaz”.
Rafael chegou ao manicômio com tatuagens por todo corpo,
afetividade comprometida, manipulador, impulsivo, fazendo greve de fome, recusando medicação oral, ameaçando
auto-agressão, mas aos poucos passou a apresentar bom
comportamento. Informou o motivo de sua internação: “foi
porque eu joguei bosta nos guardas lá na penitenciária
de Umaí, aí eles mandaram eu pra cá.”
Preso em 1993, por roubo e furto qualificado, foi condenado a 15 anos e quatro meses de detenção, em Passos. Nos autos do inquérito consta que em maio de 1997,
portando um revólver de brinquedo, marca “bereta”, Rafael subtraiu de uma padaria cerca de 200 reais, fugindo
em seguida. Em novembro de 1991 defronte a um cemitério,
o réu e outros denunciados imobilizaram uma vitima e subtraíram-lhe a quantia de 80.000 cruzeiros; anteriormente
a vitima chegou a pagar bebidas para os indiciados.
Flagrado portando “canabis-sativa”, com fortes indícios
da droga se destinar a comercialização, Rafael relatou:
“fui preso por furto e assalto, lá em Passos(...) Eu fiz
isso para comprar droga.” Conta que sua mãe ficou grávida
dele por um estupro e que teve depois outro filho, que
com quatro anos levou uma tamancada da mãe na cabeça,
estudou até a terceira série e com a idade de dez anos
passou a fazer uso de drogas, depois cocaína injetável,
pelo qual contraiu o vírus da AIDS aos 18 anos. O periciado disse que passou a roubar objetos em casa e na rua,
nunca fez tratamento psiquiátrico e possui vários envolvimentos com a justiça.
No histórico do paciente consta sua família de alcoólatras e toxicômanos; que sua mãe engravidou aos dezessete
anos, uma gravidez indesejada e rejeitada. Rafael foi
criado e deixado sob os cuidados de seus avós maternos,
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muito rígidos, e aos dois anos perdeu o avô, figura paterna. Começou a ser uma criança irritada e ansiosa,
sempre indisciplinado na escola. Aos 11 anos a avó veio
a falecer, figura materna, e o paciente iniciou o uso de
drogas e furtos na rua. Sempre que era preso pela policia apanhava muito, conforme relatos mãe, que mandou o
filho trabalhar em São Paulo, junto com o padrasto, mas
ele acabou preso aos 18 anos, por porte de drogas, e condenado a oito meses de detenção.
O parecer social fez um apelo pedindo cuidados para com
Rafael, que desde o útero materno sentiu a forte rejeição
a que era acometido, possuiu condição sócio-econômica
desfavorável e falta de direcionamento adequado. Rejeitado na escola, cresceu muito só, fragilizou-se, e se
auto-puniu por seus anseios e necessidade de ser considerado pessoa. Diagnosticado portador de Transtornos Mentais impulsionados por drogas, associado a transtorno de
personalidade emocionalmente instável, tipo bordeline,
Rafael suicidou em abril de 2007, por enforcamento, dentro da instituição manicomial.
O novo paciente apresentado, pelas lembranças da terapeuta, era
Murilo Galvão, jovem da alta sociedade de Belo Horizonte, estudante de
administração, usuário de drogas, preso por parricídio. Rebeca recordou a
estranha relação simbiótica de Murilo com sua mãe, que veio residir em Barbacena para acompanhar o tratamento do filho, e conseguiu a permissão de
praticar sessões de masoterapia no filho, aos domingos e de portas fechadas,
fato que trouxe desconfiança quanto aos dois manterem relações sexuais, e
justificou a posterior proibição das sessões.
Muito rebelde Murilo agredia os agentes, e não lhe concedido a participação na T.O devido aos materiais tóxicos, acabou conseguindo que outros pacientes levassem cola pra ele na cela. Com a chegada de um novo
agente penitenciário estudante de psicologia, que Rebeca demonstrou muito
estima por se mostrar diferenciado, Murilo teve a oportunidade de ajudar
na decoração de uma festa surpresa oferecida a uma das funcionárias, pois
esse agente o convidou junto com mais um interno para a confecção dos
enfeites.
Ao chegar com Murilo na T.O, Rebeca não gostou da escolha do
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agente, e com o olhar pacífico ele transmitiu a vontade de dar uma chance
para Murilo, que eles deviam tentar; olhos de quem sente correspondidos
pelos de Rebeca, que se surpreendeu com o envolvimento do menino com
os enfeites, e sua habilidade com o artesanato, arte que afirmou nunca ter
feito. Murilo mudou o seu comportamento na Unidade, realizou vários trabalhos na T.O, e por lá permaneceu por mais dois anos até sua liberação da
instituição, quando retornou a Belo Horizonte, voltou a cursar administração, a morar com a mãe e a irmã, e fazer tratamento psiquiátrico.
Murilo Galvão Costa é natural de Salvador, Bahia;
solteiro, com ensino superior incompleto, procede da cidade de Ribeirão das Neves, Minas, e da comarca de Ipatinga. De pais separados, o pai era residente de Ipatinga,
a mãe morava em Salvador e mudou-se para Barbacena após
a internação do filho. Murilo foi internado em maio de
2006, proveniente de outra instituição prisional desde o
fato criminoso contra seu pai, em junho de 2005, seguido
da tentativa de ocultação de cadáver.
Em agosto de 2005 Murilo disse não confirmar as declarações, por si prestadas, no auto de prisão em flagrante,
que na noite dos fatos foi obrigado a matar seu genitor
porque este queria lhe estuprar. Conta que acordou com
uma fita plástica na boca e uma faca em seu pescoço, que
foi obrigado a fazer sexo oral com as mãos amarradas para
trás, e no momento em que o pai ia introduzir o pênis
em seu ânus conseguiu se desvencilhar da amarração, iniciando uma luta que acabou por desferir uma facada no
pai e o asfixiando por enforcamento, causando seu óbito.
Murilo disse não saber o porquê da atitude do pai, que
não estava alcoolizado, que já teve vários casamentos com
mulheres e nunca teve tendências homossexuais.
No exame pericial do denunciado constou ideação de autoextermínio, atitude paranóide, total indiferença afetiva
aos fatos. No exame de sanidade mental do “Jorge Vaz”
Murilo informa que sua mãe não gosta dele, por isso tentou matá-la também durante visitas da mesma ao hospital,
em que chegou a agredi-la. Não se lembra da morte do pai,
porém afirma que “com a lata tecnologia da medicina ele
pode não ter morrido”, evidenciando sua confusão mental.
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O réu alegou fazer uso de drogas desde os 14 anos, cerca
de três “baseados” por dia, álcool etílico e cocaína.
Murilo pedia que lhe arrumassem a tabela periódica dos
elementos químicos para estudar, e segundo a mãe o pai
já quis interná-lo, que ele se encontrava calado e com
atitudes estranhas no fim de semana antes do parricídio,
porém o filho dizia não ter problemas. Nos autos do processo consta que o pai procurando orientar e corrigir o
denunciado a respeito da situação de dependência química
passou a ser agredido até a morte; na tentativa de ocultar o cadáver por incineração foi surpreendido pelo
tio.
Segundo o exame de sanidade de toxicômanos de Juiz de
Fora, Murilo é portador de um transtorno psicótico induzido por drogas à época do fato criminoso, e por isto
considerado inimputável. Durante todo o período de internação demonstrou atitudes bizarras, forçando vômitos
constantes. Consta nos laudos de junho de 2009, no manicômio judiciário, que o sentenciado, aos 24 anos, se
mostrou calmo, com bom comportamento, atuante nas atividades de T.O e com hábito de leituras, “encontra-se com
quadro psíquico estabilizado, sem qualquer alteração de
conduta, bom comportamento interpessoal”.
O laudo do hospital afirma as visitas familiares e sua
boa assistência, que Murilo diz não pretender usar mais
drogas “só o choque do que aconteceu me fez mudar de idéia”, com disposição de retornar a BH, residir com sua mãe
e completar o curso de administração de empresas. Consta seu juízo crítico com noção da gravidade do seu ato,
educado, orientado globalmente e com inteligência normal. Assim, foi liberado para desinternação condicional,
com restrições como recolher-se a morada até as 20:00
horas, não freqüentar reuniões públicas, espetáculos e
diversões publicas; e no decurso de um ano restituir-se
a medida de segurança caso não seja cumprida as estabelecidas condições.
Rebeca ainda trouxe a memória outros internos que lhe demonstram ou demonstraram estima; como o arquiteto já liberado Thiago, preso
por matar a empregada, alegando o complô entre ela e sua mãe para matálo ser o motivo do crime. Thiago desenhou em uma parede das celas um
engenhoso trabalho arquitetônico para outro planeta, com números e me9
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didas exatas, infelizmente não mais visível. Rebeca acredita que o paciente
queria mesmo era matar sua própria mãe, mulher da alta sociedade, que
sempre lhe sufocou com sua proteção e cuidados excessivos.
Thiago Pereira Gonçalves, arquiteto com nível superior,
procede e é natural de Belo Horizonte. Internado em março
de 2000 com 35 anos, solteiro, cometeu crime de homicídio
contra a empregada doméstica de sua residência, encontrada pela genitora de Thiago caída com uma faca cravada
no abdômen, em abril de 1999. O denunciado foi preso em
flagrante e permaneceu 15 dias em um cadeia, transferido para o instituto Raul Soares até ir para o hospital
psiquiátrico e judiciário de Barbacena.
No relatório de abril de 2000 do instituto Raul Soares
o acusado negou ter matado a vítima Regina, e fez uma
construção delirante se colocando no lugar da vítima,
supondo que era um complô de pessoas de sua família (mãe,
padrasto) que queriam matá-lo envenenado através da empregada, colocado seu ato como legítima defesa. Thiago tem
um histórico de dependência de drogas (maconha, cocaína e
crack) e conduta sexual pedófila. Já era semi-inimputável por tráfico de drogas e responde processos anteriores
por sedução de menores. Ainda consta no instituto que
o paciente manteve alucinações auditivo-verbais, sempre
procurava rapazes mais jovens na enfermaria para se relacionar sexualmente, e buscava de forma impulsiva drogas,
até pulando o muro.
Submetido ao exame de sanidade mental no hospital de
toxicômanos de Juiz de Fora, diagnosticou-se Thiago como
portador de uma Psicose Esquizofrênica com uso de droga
secundário, por isto considerado inimputável por ser
inteiramente incapaz de entender e auto determinar-se.
Submetido a exame pericial em 2004, apresentou elevada
periculosidade, sem condições de retorno sócio-familiar,
e permaneceu em isolamento, por vontade própria, pois
preferia não ter contato com os demais. Em 2005 aceitou
melhor as teraupêticas, com bom comportamento, mas com
quadro delirante e humor instável, às vezes hostil quando
se refere a sua mãe, que segundo ele se alia a pessoas
estranhas e fica a impedir que seja executado seu alvará
de liberação.
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O paciente manteve, ainda no laudo pericial, juízo crítico
comprometido, sem noção de sua enfermidade e da gravidade
de seu ato; fez planos de associar a seu padrasto em um
escritório em BH para fazer assessoria de serviços de arquitetura, e se referiu a um pequeno piano que a mãe lhe
trouxe onde executa seus dotes musicais. O mais recente
exame apresentou ainda sintomas de sua doença mental, com
isso deve continuar seu tratamento em alguma instituição
psiquiátrica hospitalar, em ambiente com segurança, mas
que ao mesmo tempo possa ter um melhor convívio para ser
avaliado o seu grau de integração social.
Thiago é formado nos EUA, inteligente e muito ligado a
arte e cultura; assim foi vislumbrado a possibilidade de
uma estabilização vir a ser construída através de trabalhos artísticos e gráficos, desenvolvidos por ele com
grande habilidade. O paciente foi transferido para um
hospital particular em Brasília, DF, em setembro de 2005,
por ordem judicial.
Geraldo Fernandes é um interno surdo, mudo, sem conhecimento
da língua de sinais e libra, que desperta a comoção e atenção de Rebeca; ela
defende sua liberação por desenvolver um perfeito convívio com ele, que
mantêm um comportamento bom e estável no hospital, não oferecendo riscos algum. A terapeuta diz que o perito vem uma vez ao ano no manicômio e
consta que a periculosidade de Fernando não cessou, deixando-a indignada,
vontade de ver penas soltas, já que basta a própria bolha absorta que flutua
o paciente.
Geraldo Fernandes da Silva é natural de Francisco Badaró,
Minas, procedente de Minas Novas. Foi internado no “Jorge
Vaz” em dezembro de 2006, aos 27 anos, solteiro, analfabeto e sem profissão. Já esteve internado na mesma instituição em janeiro de 2004 por dois anos e sete meses,
pelo crime de estupro a uma senhora em julho de 2001.
Exposto a um exame pericial apresentou agressividade,
mau relacionamento com as pessoas, irritabilidade fácil,
rebelde às normas, e recusa a higienização às vezes.
Atualmente foi diagnosticado como portador de desenvolvimento mental incompleto, e cumpre medida de segurança
por tempo indeterminado, não tendo sido informado o motivo de sua reinternação, apenas constado que ainda não
9
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havia cessado sua periculosidade, mesmo conseguido alta
em julho de 2006.
Geraldo só consegue se comunicar por gestos manifestando
desejo de ir embora; ele continua sem receber visitas,
mas o serviço social tem feito contatos com a família.
No exame de 2009 permaneceu sentado em atitude calma
e indiferente à entrevista, relatado a dificuldade de
contato devido a sua surdo-mudez, e pelo pouco que o
mesmo consegue informar, sem condições de pesquisa de
sua memória, pensamento e orientação. O paciente possui
pouca noção do certo e do errado, impulsivo, agressivo e
agitado, e que todos esses fatores impedem seu retorno
ao convício sócio-familiar.
O material de risco utilizado na T.O, principalmente tesouras, encontra muita resistência por parte dos agentes para a realização do trabalho
terapêutico. Rebeca disse nunca ter sido agredida, que nunca constou o
sumiço de nenhum material ou tesoura da sala, e elucida a necessidade de
confiança e assistência doada aos internos, para que estes confiem em seu
trabalho e em si mesmos.
Com uma imensa gula de viver aquelas histórias e seus interlocutores, suas mentiras e realidades, o que eu precisava era de um prato de
comida e um pouco de sol lambendo a cara. Abraço despedido e agradecido
a Rebeca e seu trabalho, certo de que no outro dia eu a veria novamente na
sala de T.O, rodeada de artesanatos, luzes e pacientes. Deixei todo aquele
trágico universo pra me deixar sem preocupações em uma quitinete do sufoco, um refúgio de todo dia após sair carregado daqueles cigarros e energias do manicômio: uma pequena casa de um novo amigo, me ensinando a
ouvir, quando escutou atento o ocorrido nesses ligeiros, mas intensos dias
de desmanche por dentro.
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Bunda de vagalume
Nessa região de desencontradas correntes de ar, hoje o auto-encontro foi meu. Já é tarde, bebi algumas cervejas, e inicio com letras um dia
sem muros, grades ou máscaras; de contatos que renovam a alma, há tantas
esquecida no congelador, procurando respostas em processos mortos abandonados a mercê de morcegos, num quarto revestido a mofo de pacientes já
liberados ou mortos. A convite da Rebeca passei duas horas com internos na
terapia ocupacional, uma enriquecedora vivência que abriu novas concepções para que eu não fosse só palavras, mas também toque.
Vi Silvia, menina fantasma da minha memória, que ainda mantinha
o mesmo semblante pálido, agora ensimesmado, construindo com atenciosas mãos delicadas peças de origami, que de tão pequenas até dificultavam
o manejo: dois cisnes que se encontravam com os bicos formando um coração. Naquela frágil peça percebi o carinho com que era feita, mais que
um momento de distração, a desconstrução de uma agressividade impulsiva
transpondo-a em uma minimalista peça de arte, tão linda como Sílvia se tornou pra mim a partir desse dia.
Presunçoso, este menino do sorriso lerdo, que eu até tentei fugir,
mal percebeu minha presença e se colou a mim, com mil gracejos, trejeitos
de garoto que aprendeu a se virar por vielas sem lei. André logo percebeu
minha invasão e se aproximou interrogando-me e zoando, forçando eu repetir meu nome por seguidas vezes e dizer quantos nãos fossem necessários
para seus pedidos intermináveis, enquanto eu ainda tivesse algum objeto
na bolsa: “me dá seu isqueiro?”, “me dá sua caneta?”, “me dá seu cigarro?”,
sempre acompanhado do seu discurso de homem pobre e sem luxo. Como
eu também não possuía nenhum álibi para dar qualquer tipo de objeto aos
internos, argumentei isso a André por várias vezes até ele sossegar o facho.
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André Leal Fortes nasceu em fevereiro de 1984, natural de
São Paulo, estudou até a quinta série e tem dois filhos.
Acusado em março de 2009 de homicídio, a secretaria da
segunda vara criminal de Uberaba requisitou-o ao hospital psiquiátrico “Jorge Vaz”, onde ainda permanece, para
realização de exame de sanidade mental, em junho de 2008,
aos 25 de idade, solteiro, profissão de tapeceiro, sabendo ler e escrever.
O denunciado foi preso em flagrante delito, em outubro
de 2006, Uberaba. Consta que ele foi encontrado por testemunhas que presenciaram o homicídio da vitima Severino
Fontes, e teriam visto quando o conduzido passava pela
rua e deu um empurrão na vitima, que caiu no chão, apossando-se o autor de uma pedra, do tamanho de um tijolo,
e desferindo cinco ou seis pancadas na cabeça da vitima,
que veio a óbito no local. André confessou o homicídio
quando encontrado no posto relatado pela testemunha, com
marcas de sangue nas roupas, e disse que a vitima o teria
agredido com um tapa no rosto, em um bar nas proximidades
onde ocorreu o fato.
Adereços era o que não faltava no seu figurino, que se destacava em
meio a tantos uniformes de mesma cor, vestidos por corpos tão distintos
e distantes, uniformizados em um mesmo ambiente. Gerson, um senhor já
velho, tinha um óculos maior que seu rosto, amarrado a uma corrente de
pedrinhas vermelhas enfileiradas com esmero, que lhe assegurava o objeto
preso ao pescoço, mas que sempre o acompanhava pregado ao rosto. Nem
vi seus olhos, só assisti as pulseiras e colares surgirem de suas mãos. Os
óculos, escuros como a pele de Gerson, pareciam atrapalhar seu artesanato,
entretanto era gracioso ver este senhor com um “x” de esparadrapo branco,
pregado na lente direita dos óculos: olho direito dotado de pouca visão ou
escondendo algum tesouro. Pedrinhas de cores e brilhos variados preenchiam pequenos colares que lhe envolviam o rosto, um charme de alguém
acostumado àqueles uniformes sem graça.
Empolgado pelas fotos que comecei a tirar das mãos artesãos dos
pacientes, Gerson abriu rápido o armário e tirou uma toca de crochê que
havia feito, trabalho realizado apenas com os dedos e a linha esticada, sem
nenhuma agulha ou ajuda. Depois de algumas fotografias de suas tocas, não
pude deixar de notar Gerson e sua maestria em ajudar as outras internas,
1 0 2
especialmente Lourdes, que vidrada em suas explicações, se esforçava para
preencher um colar de pedras. Lourdes ainda se comportava como uma
metódica antiga dona de casa, quando a conheci no acompanhamento psicológico dos primeiros rabiscos, na ala feminina.
Gerson Nazário de Lourdes é natural de Barbacena e procede da mesma. Foi internado em abril de 1983, solteiro,
com profissão de cozinheiro, considerado portador de
psicose confusional com uso de drogas, e foi desinternado em 1987. Cometeu homicídio e lesões corporais e
sofreu reinternação em 1990; novamente desinternado em
1998 fugiu da casa de seu pai um mês após a liberação,
em Varginha, e foi reinternado em 2005.
No laudo de 2009, aos 46 anos, Gerson mostra-se sempre
frio emocionalmente, também quando fala da família, impulsividade agressiva, com pouca noção dos atos cometidos e pouco senso de crítica. Faz toucas na terapia ocupacional e faxinas simples pela instituição. Os laudos
constam que o paciente continua apresentando sintomas
psicopatológicos, que necessitam de controle a nível
hospitalar, não tendo condições de retorno sócio-familiar por possível reincidência de crimes.
Séria ao lado de Gerson, com cabelos máquina zero e feições duras,
truncadas por olhares certeiros que não querem ser vistos, mas querem ver,
e logo se abaixam acompanhando a cabeça, Marialine tecia paciente sua
peça de crochê. Aproximei sem assunto e sem perguntas de importância, apenas para estar mais próximo, e ela correspondeu com a mesma falta de importância, levantou os olhos e disse apenas ter algumas filhas, que há muito
não as via.
Marialine Pereira de Carvalho, presa por crimes de tráfico ilícito, procede do complexo penitenciário feminino Estevão Pinto, Belo Horizonte, para tratamento
psiquiátrico temporário. Flagrada preparando algumas
porções de crack, foi condenada pela comarca de BH, em
agosto de 2009, à pena de cinco anos e três meses de reclusão. Internada em março de 2010 no manicômio, constou
no exame que a interna encontrava-se calma, dando continuidade ao tratamento, sem condições ainda para alta.
Nascida em abril de 1983, solteira, natural de Prado,
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BH, o relatório psiquiátrico diz que ela poderá voltar à
sua comarca de origem e continuar seu tratamento e sua
sentença na mesma.
Rodopiei pela sala a registrar origamis de tamanhos e formas diferenciadas, quando Roberto me interrompeu excitado mostrando e explicando
aos cuspes seus dotes de marceneiro, personificados em pequenas camas de
madeira, acolchoadas com espuma e cobertas por um pequeno lençol preto.
Com uma protuberante barriga e aquela fala boba, de que eu já havia me
acostumado a dialogar, Roberto mostrava frenético sua coleção de camas,
com as mesmas proporções, que iam sendo colocadas uma a uma sobre a
cadeira ecológica feita de garrafas pets para secar a cola.
Padre Orlando estava indiferente do outro lado da mesa, a dobrar e
colocar em sacolas pequenos pedaços de papéis, provenientes das tampas
das marmitas, que encaixados e enfileirados um sobre o outro serviam para
a construção dos origamis; ofício que André dominava muito bem e ensinava
marrento aos internos e a mim, além de me mostrar vários vasos, cisnes,
caxetas e outras peças que montava com facilidade.
Foi então que conheci Jeane, que como eu estava aprendendo a construir a base de um cisne com as proezas e o orgulho simples de André. Jeane
não portava uniforme e tão pouco tinha aspecto de paciente, curioso da sua
presença vi a sigla APAC grande em sua blusa, instituição de recuperação e
introdução dos presos de volta à sociedade, já de meu conhecimento pela
APAC também existente em Viçosa. Logo comecei a dialogar e simpatizar
com aquela moça barbacenense, de cabelos pretos e corridos, que estava
conhecendo o hospital e a terapia ocupacional para um futuro trabalho ali.
Secretária da APAC em Barbacena, Jeane trabalha há três anos com a terapia
de laboterapia com presos em Barbacena e está muito interessada em trabalhar com Rebeca na TO; ela contou-me suas experiências com presos nas
visitas a várias cadeias de vários estados, e outras coisas mais, enquanto encaixávamos papéis dobrados formando um grande cisne, que eu me esqueci
de pedir de presente à Rebeca, pra que eu sempre lembrasse que estamos
todos encaixados e conectados com algo maior que nossa humilde passagem.
Acompanhando e ajudando o trabalho minucioso e delicado de Sílvia,
1 0 4
Israel Cardoso, de costas curvadas, boca torcida, rosto marcado por traços
intensos, e encoberto por uma toca, utilizava da mesma delicadeza e atenção de Sílvia aos cisnes enamorados, que os dois construíam com a mesma
afeição, distantes do resto da sala e unidos por sintonias que eu desconhecia,
e fui saber mais tarde que eram o novo casal de namorados do manicômio:
não há grades que não se amam.
Geraldo dobrava as pequenas peças de origami estatizado, não com a
indiferença de Orlando, mas dotado de um tédio que até me entediava, em
sua forçada bolha marcada pela surdez e mudez, e sua falta de comunicação
que me agoniava por querer me comunicar. O menino, que Rebeca tanto
quer ver liberado, se mostrava ali indefeso em seu trabalho e oculto em seus
pensamentos, num vazio de expressões que só o toque poderia falar. Foi
então que eu li na blusa de Jeane que “As coisas só tem significado depois
que as conhecemos”, e num reflexo de tempo quis ser espelho pra naquele
menino refratar. O silêncio é excesso de sentimentos.
Desdobrando-me em aprender aquelas dobraduras, fiz uma de não
muito sucesso, Jeane disse “joga pro bonde” e minha cara de quem nada
entendeu a fez explicar que, entre os presos, se usa essa expressão pra designar algo que deve ser jogado fora. Empolgados, Andre e Jeane desataram
a falar gírias básicas mais usadas em presídios, já que eu me interessei tanto
pelo “bonde”. Alguns internos foram interagindo e opinando surgindo as
seguintes expressões:
“taxi” – chinelo
“pena” – caneta
“boi” – banheiro
“catatau” – bilhete, mensagem
“guela” – colher
“taça” – copo
“capa” – grade
“copo” – parte intima masculina
“giz” – cigarro
“luva de pé” – meia
“vaquinha” – leite
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“moca” – café
“fruta amarela ou macaca” – banana
“joga o jato” – jogar de uma cela a outra pela grade um pet contendo dentro
algum objeto ou mensagem
“dragão ou brasa” – isqueiro
“praia” – chão de cela
“jegua ou burra” – carro
“pápápá ou radinho” – celular
“salve” – olá
“chorona” – carta
“buzentão ou Jack” – estuprador
“quêto” – cortina
“jungo” – coisas que a família leva aos preso
“chuchu” – arma construída com restos de materiais
“treta” – negócio
“palito” – cigarro
“bandeco” – marmita
“pagar janta” – levar marmita até a cela
“correu” – agente ta vindo à cela “campana” – espelho
“tela” – visualizar o que acontece na cela ao lado por um espelho
“homi da capa preta” – juiz
“bate cinza” – cinzeiro
“é quente” – bom, firmeza
“ir pra pedra” – solitária
“açúcar” – cocaína
“café” – maconha
“cripton” – crack
“donzela” – gay
“chinelão” – steack
“zoião” – ovo
“tia ou teresa” – acender algo quando vai ao banheiro da cela para abafar o
mau cheiro, como papel higiênico enrolado.
André disse ainda que quando é horário de almoço nas celas é proibido ir ao “boi” ou espirrar. Curioso pelo assunto que fez da sala um coro,
até com Orlando gritando lá do outro lado e Israel levantando o rosto, quis
mais gírias e não consegui nada, com alegações de não se lembrarem, a não
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ser as que são usadas como códigos e, portanto, nada de serem divulgadas.
Reli as palavras que havia anotado, reconheci algumas como “brasa”, “treta”
e “correu”, de meu uso também fora das grades.
Distrai-me com o crochê de Gerson, e quando me sintonizei, Orlando estava ao meu lado ajoelhado conversando com Jeane, tão rápido que
eu jurei ele ter teletransportado. Fui paciência e ouvidos, e retrato aqui as
lembranças, desabafos e nostalgias que Orlando, com as pálpebras caídas,
dirigia a Jeane e a partir de minha intromissão, também a mim. Criticou a
reunião dos bispos da Igreja Católica que resolveu punir severamente a pedofilia, mas de não destituir o pedófilo de seu sacerdote; disse que o mais
difícil será quando ele sair da prisão devido ao preconceito, “fica a marca na
testa da gente”.
Relembrou com um humor que parecia adormecido, de difícil contenção, do amigo também padre que estava em meio a um relacionamento
sexual, em uma diocese, quando chegaram vários jovens para um encontro,
e ele a pedido do amigo ajudou a mulher a pular o muro, mulher que Orlando não se lembra do rosto por causa do escuro, mas que se lembra do peso
devido à dificuldade para levantá-la, e as gargalhadas espalharam pela sala
que nem bolhas de sabão. Ele guarda esse momento vivido como herança
e aprendizado, já que acabou substituindo o padre após descoberto o caso
amoroso com a mulher, inclusive casada, e mandado para outra paróquia
afastada e isolada, segundo Orlando uma forma de punição.
“É uma violência tirar uma criança dos pais e colocá-la no meio de
um monte de crianças, privadas até da masturbação.” Orlando transbordando lembranças e lágrimas, empolgado com nossa atenção, jorrou vários comentários e confissões sobre a instituição católica, a pedofilia e sua infância,
deixando evidente quando falava sobre pedofilia, mas não pronunciando a
palavra propriamente dita. Afirmou ter sido muito abusado quando criança
na família e na igreja, que a pedofilia é um fator genético, já que o avô também foi preso pelo mesmo motivo.
A pedofilia é muito mais presente do que os escândalos focados com
exagero pela mídia, afirmou Orlando que argumenta conhecer a instituição
por dentro, “a igreja tem que mudar, pois quem define as leis são velhos.
1 0 7
Tem a pedofilia em conventos que ainda não foi mostrada, e a maioria das
meninas são da roça e tem medo de falar.” Meio aéreo, ouvi quando Rebeca
anunciou o término da T.O, e os agentes começaram a levar os internos de
volta aos seus quartos celas; Orlando se apressou na língua e conseguiu finalizar “Nesses 15 anos de igreja é tanta história. O diretor disse que eu
devia escrever um livro.” Alguns pacientes se despediram e André não se
esqueceu de pedir meu isqueiro como presente; mas minha atenção estava
num abstrato livro sobre a biografia de um sacerdote, pedófilo.
A sala ficou vazia, assim como as verdades e incertezas de Jeane, Rebeca e minhas, que ainda sentados na mesa, agora sem os pacientes que a
tornava maior e mais silenciosa, ficamos um bom tempo a discutir sobre a dificuldade de compreender as brutalidades que essas mãos tão cheias de arte
já praticaram. Rebeca, atravessada pelas relações próximas travadas com os
pacientes, explicou existir a doença mental e o distúrbio mental, este último
despertado por algum fator estressante que o desencadeia, como um parto,
vício em drogas, acidente, e outros traumas. Já a doença mental é um fator presente desde o nascimento da criança, possivelmente genético, já que
a maioria dos doentes mentais possui familiares portadores dessa doença,
seja vivos ou genealogias do passado.
O doente mental que sofre um distúrbio mental passa por um processo crítico que o torna alheio a si mesmo podendo extrapolar sua angustia
de uma maneira violenta e destrutiva, acentuado por um contexto familiar
e cultural desfavoráveis. Essas explicações diminuíram dúvidas, mas reformularam e criaram novas, me quebrando em dois, sangrando a criança que
ainda existe em mim. E a genética, o que teria a dizer sobre a psicopatia?
Preciso de raios divinos que me expliquem, me ludibriem.
Discutimos sobre Orlando e seus lamentos confessionados. Até onde
acreditar nessas recordações como um relato fiel ou como criações do pensamento para diminuir sua pena moral, como uma criança marcada por uma
violência que justifique o ato exercido pela mesma criança, agora adulta.
Expus o fato da maioria dos internos do “Jorge Vaz” ser proveniente do meio
rural e possuir baixa condição financeira, similaridade que poderia vincular
algo, mas que Rebeca logo refutou já que os doentes mentais são provenientes de todas as classes e regiões, porém os de classe elevada se escon1 0 8
dem ou são internados pela família em clinicas particulares. Fiquei com medo
das ambigüidades, medo das palavras, medo das letras não serem livres, das
palavras não significarem nada.
Convicto da cor vida que a terapia ocupacional passou a me pintar, da
leveza com que os felinos que guardam o manicômio passaram a me olhar,
também minhas objetividades entraram em contraponto, e eu sai revirado
por tantas questões que me afugentavam o espírito, um avesso da alma.
Fui embora com o sorriso doce e convidativo de Rebeca, ávido pela minha
presença novamente na TO, convite obviamente não negado: me senti pleno
nesse pouco pedaço tempo em que pude conhecer os pacientes sem jaulas
no olhar, sentimento que Jeane compartilhou muito bem: “Pra mim essa é a
parte mais importante do hospital.” E fiz da corrente na portaria da entrada
que pulei ao ir embora: canção.
À tarde voltei ao manicômio, sempre utilizando diferentes caminhos
com um mesmo destino, aquele prédio antigo e sombrio. Um pouco de sono,
mas um pouco alerta pra alguém que conheceu uma sala cheia de vidas amputadas, ansiosas por claridades, como as janelas da TO que deixavam os
raios de sol serem mais presença como em nenhum outro aposento do hospital. Era a sala mais transparente, luz de noite e luz de dia, e eu contente por
conhecer essa terapia.
Fui à sala dos encontros, a penal, e não agradei muito Mirtes nemMariana com o meu pedido dos processos de vários ex-internos que conheci
com Rebeca. Os processos dos internos que já faleceram dentro da instituição ou foram liberados são denominados processos mortos e ficam guardados em uma sala no fundo do “Jorge Vaz”. Mirtes disse que iria trazer alguns
processos, mas outros ela iria pedir outra pessoa pra buscá-los, pois eram
muito antigos e se encontravam em uma sala escura de morcegos.
Até me ofereci pra ir procurá-los, imaginando o teatro de morcegos
sobrevoando minha cabeça e os processos mortos, cena morta por Délcio,
um funcionário que trabalhava no turno da tarde, que foi quem trouxe os
processos que faltavam. Encaminhei toda a tarde a devorar aqueles morcegos em papéis amarelados cheirando há um tempo em que a instituição
ainda nem era considerada um hospital psiquiátrico. Por páginas e pági1 0 9
nas comidas por traças e com letras datilografadas por antigas máquinas,
revivi histórias e personagens penais que se repetem e se sucedem, seres
humanos e suas conturbadas mentes, resistentes ao tempo e suas evoluções
psiquiátricas e tecnológicas.
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Que seja poesia e cicatriz
Despertei mais cedo do que outros dias e sem a poluição sonora do
despertador. Vontade de sentir ao máximo o Jorge Vaz e seus personagens.
O dia, ainda desfocado pela neblina e cheirando a orvalho da madruga, se
alastrava pela cidade amanhecida. Cheguei mais íntimo ao manicômio, sensível a cada olhar, temor das lembranças daqueles dias ficarem guardadas e
escondidas num livro amarelado em uma biblioteca desconhecida. Subi os
degraus leoninos, cumprimentei a todos com uma simpatia que eu ainda
não tinha, e fiquei a deglutir aqueles mortos processos que eu transcrevia
com vida, esperando a TO e suas mãos de fadas iniciar.
A grande porta com sua pequena janela estava trancada. Tive que
fechar os punhos e bater forte para que alguém lá dentro da sala não me
fechasse o entrar. Acanhado, tentando fazer da minha presença pouca atenção, notei uma sala mais abarrotada de homens e mulheres, mais acalorada
que no dia anterior. Rebeca e sua energia, visível em sua áurea, ocupavam
toda a sala e os pacientes, empolgada em empolgar.
Vi Jeane com sua blusa azul da APAC, já rodeada por André e seus
cisnes multicores. Congelados em outra dimensão, se encontravam na mesma posição e envolvidos na mesma tarefa do dia anterior, Gerson com seus
colares coloridos e seus óculos a tino, juntamente com sua fiel aprendiz
Lourdes, e Marialine sentada pesada na cadeira a coser ensimesmada seu
crochê. Sílvia e Israel continuavam seu artesanato no conjunto namoro, os
delicados cisnes de bicos colados que agora montados ganhavam uma base
em formato de coração e aquarelas dos pincéis. Reconheci o menino Leonardo, sentado de lado, a dobrar aqueles intermináveis papéis origamis, o
mesmo do acompanhamento masculino de janeiro, a não ser por sua cara,
1 1 1
mais desmontada.
Novos pacientes perambulavam pela sala, novos personagens que
não iam parar de crescer. Ainda desnorteado pela primeira presença na
terapia ocupacional, Lucas Barros, que há pouco tempo estava internado no
manicômio, captava lentamente cada canto da sala com um fiasco preguiçoso do olhar, depois se perdendo com olhos de desalento; quando pela interferência de Rebeca que lhe perguntou o que gostaria de fazer, pediu papel,
lápis preto e outros com cores. Foi ai que me aproximei da pequena mesa
que Lucas começava a apontar alguns lápis, examinando-os, puxei um banco
feito de retalhos de couro e sentei.
Percebendo ou não minha carapaça, Lucas continuou sua avaliação
dos lápis separando-os e apontando-os cuidadosamente. Perguntei seu
nome, a resposta veio com desinteresse e ele começou a rabiscar um coração mal-feito no papel em branco. Resolvi deixá-lo fluir seu desenho, mas foi
ele então que me interrompeu curioso a respeito do significado da tatuagem
cor de sangue no meu braço direito. Expliquei-lhe que correspondia a um
símbolo da paz e ele, despertado de alguma letargia, mas com a mesma falta
de brilho e movimento no olhar, começou a conversar comigo, sem mesmo
eu conversar.
Lucas, que parecia nem ter se aproximado dos seus dezoito anos,
disse que é tatuador e adora desenhar tatuagens, mas nem sempre foi assim.
Desde novo o menino possuía um desejo enorme de aprender a desenhar,
porém não tinha muita vocação, e decidiu fazer um pacto com o diabo para
aprender esta arte; desenhou o pentagrama em um cemitério e colocou uma
vela preta em cada uma de suas cinco pontas, realizou seu pedido, e desde
então começou a desenhar como profissional. Porém o pacto arruinou sua
vida, ele foi testemunha de um homicídio, no qual não realizou nenhum ato
para impedi-lo, que o traumatizou e o persegue, na lucidez alucinada do dia
e nos sonhos acordados da noite.
Mais aprumado disse amar o estilo musical Metal, já eu disse que não,
mas o ouvi citar algumas bandas pra soar dele mais amabilidade por mim.
Em tom soberbo disse ser “metaleiro”, que desde novo andava em cemitérios pelas madrugadas, usava crucifixos invertidos dependurados no pescoço,
1 1 2
e que possui um pentagrama na coxa esquerda. Ele me mostrou a tatuagem
na coxa, que mais parecia um rabisco de caneta preta, sem delineamento e
cor; desenho provavelmente feito por ele mesmo que eu não quis perguntar.
Contou-me mais detalhes do crime que atuou como co-autor, mas depois se
arrependeu, “Meus amigos metaleiros mataram um caminhoneiro na minha
frente. Eu morava com minha esposa e minha mãe, tivemos que mudar pra
roça depois disso”. Indaguei do porquê de ter participado, ele apenas disse
que o motivo era algum tipo de vingança, mas não sabia que terminaria em
homicídio e não conseguiu intervir. Acreditei ser este o motivo de sua prisão,
que nas palavras do próprio Lucas foi por tráfico de drogas.
Durante os minutos que estive vigilante às palavras de Lucas, o mesmo não se desvencilhou de seu desenho, antes um coração com traços malfeitos que se transmutou em um gentil coração alado, que começava a voar
e ganhar cores. Lucas ainda disse que o juiz também queria prender a sua
mãe e que ficou indignado, “ta doido, minha mãe é tudo pra mim”. E aquele
menino magrelo, de ossos protuberantes acentuando seu rosto à de uma
caveira, começou a entrar em catarse no seu desenho, que eu admiti estar
ficando belo.
Fui saindo devagar, já me sentindo incomodado por incomodá-lo, ele
me olhou percebendo a saída discreta e disse com palavras de olhar morto:
“Também desenho revistinha em quadrinhos. Quero sair daqui e voltar a tatuar”. Foi eu que não consegui dizer nada, mas sorri com os lábios fechados
e não duvidei que Lucas sairia logo da instituição deixando alguns desenhos
pra outro curioso contemplar. Não notei nenhuma presença de doença mental nele, e sim o trauma que o atormentava e ainda circulava em suas veias,
querendo fugir pelo olhar. Mas se ia voltar pra casa acredito que tão cedo
Junior não o faria, ele ainda possuía uma pena a cumprir pra penosa justiça.
Lucas Frederico da Silva foi preso em 2007, solteiro, sem
ocupação definida, estudante até a oitava série. Natural de Teófilo Otoni, Minas, nasceu em 1998, e foi condenado porque em abril de 2007 trazia consigo 115 buchas
de maconha. Lucas declarou medo de conviver com outros
prisioneiros, e manifestou vontade de pintar tecidos. O
prontuário de Lucas traz ainda relato de medo, angústia
e auto-agressões com arranhões, ele diz ver a alma do
caminhoneiro que assistiu ser assassinado; sendo assim
1 1 3
sugerido o acompanhamento psicológico/psiquiátrico em
clínica especializada. O paciente foi transferido da penitenciária da Teófilo Otoni para o hospital psiquiátrico
e judiciário Jorge Vaz, para tratamento psicológico temporário.
Atraído pelas jovens almas que enfeitavam a sala de TO, sentei ao
lado de Viviane, rainha da desnuda alegria. Todo o tempo a rir de algo, nem
que seja de si mesma, ela riu que só criticando a Valesca, a tal paciente novata, que por infortúnio já estava associada ao vírus do vídeo-game, pra outros do computador, não sei, resolvi não prolongar. Ela disse que Valesca era
a “coelha” da ala feminina, ou seja, ladra de qualquer que seja o objeto, e
de repente Viviane se jogou no chão, começou a imitar um falso desmaio
que Valesca havia simulado há pouco tempo. Riu e riu de Valesca, que segundo ela é ainda mais engraçada pelo seu avantajado tamanho que a deixa
destrambelhada.
Felicidade, nem que da boca pra fora, assim senti Viviane, que com
uma jovem virilidade conservava três estrelas tatuadas no pescoço e brincos
nas orelhas e na sobrancelha. Por ironia, o nome de sua filha tatuado com
letras maiúsculas e de um tamanho fácil de observar, no seu braço direito,
deixava-a mais cômica por se iniciar com a letra “i”: “ISTEFANI”. Ela disse ter
mais dois filhos, e com um sorriso quase sedutor pegou na minha barbicha,
dizendo que seria liberada na próxima segunda-feira, justo no dia do seu
aniversário de 26 anos.
Motivo ou não do seu excesso astral, o que Vivi não sabia ou sabia,
mas de qualquer maneira viria a saber, assim como eu o soube, era que ela
seria liberada da medida de segurança do manicômio para continuar a cumprir pena pelo crime 157 na penitenciária de origem, por não ser considerada agente inimputável em seu diagnóstico. Foi ela mesmo que me contou
o seu crime e que o número 157 se refere a assalto a mão armada. Várias
internas seriam liberadas no inicio da próxima semana da medida de segurança, como Viviane e Marialine, consideradas conscientes de seus atos, e
voltariam às suas comarcas de origem para cumprirem suas penas.
Viviane Amorim Assis, solteira, nascida em maio de 1984,
procede da penitenciária feminina Estevão Pinto, Belo
Horizonte, onde foi matriculada em setembro de 2009 con1 1 4
denada a pena de sete anos e onze meses. Doméstica,
natural de Pedra Azul, Minas, foi internada em janeiro de 2010 para tratamento psiquiátrico temporário. No
relatório psiquiátrico de fevereiro consta que suas crises convulsivas estão controladas com tratamento.
Viviane disse que seu filho Jonathan, oito meses, foi
envenenado por ela mesma, que o pai do bebê comprou o
veneno de rato e mandou que ela fizesse o serviço. Ela
colocou o veneno na comida e deu para o bebê, depois levou a criança para o hospital onde a criança acabou não
resistindo e faleceu. A paciente, epiléptica, estava com
17 anos e disse não ter tido consciência do que fez: “se
fosse para voltar atrás não teria cometido o crime”.
Está em tratamento medicamentoso e laboterapia. O relatório
psiquiátrico de maio de 2010 constou seu quadro psicopatológico compensado e que a paciente manteve bom comportamento na unidade hospitalar, portanto poderá voltar à
comarca de origem e continuar seu tratamento na mesma.
Cansei um pouco dessa alegria elétrica e desassossegada de Vivi, e
vasculhei com o olhar quem eu ainda desconhecia. Ao lado de Gerson, com
alguns colares de miçangas atadas ao pescoço, que se tornaram epidemia
pela sala, estava Janaína, estática na mesma posição desde que cheguei, só
não sei se na mesma alucinação. Gerson se esforçava para ensiná-la a montar os colares, que já preenchiam o pescoço até dos funcionários, como a
atenciosa Solange, auxiliar administrativa do hospital que ajudava Magda no
atendimento da TO. Janaína não se mostrava nada habilidosa e ia concretizando o oficio com desinteresse, por distração, mas se mostrava vaidosa nos
pedidos, que não vinham na voz, que Gerson a adornasse com mais um colar.
Deixei-a em seu mundo particular para entrar naquele homem taciturno que brotou num estalo de dedos na sala, se ajoelhou ao lado de um
agente e começou a exibir suas tatuagens a Jeane. Célio tinha tatuado no
braço direito o nome do antigo programa “Linha Direta”, inclusive com as
cores fieis ao nome. A tatuagem, advinda de sua detenção e prisão pelo programa, lhe dava entre os presos uma posição de status, afinal foi procurado
por todo o Brasil pela mídia.
1 1 5
Ainda em seu braço esquerdo era nítida a frase que Jeane ficou
tentando decorar: “Deus dá, mãe cria e nóis mata”, que muito me lembrou
Zacarias da “ciranda da morte”, e quem sabe, Célio seria sua reencarnação.
Rebeca se mostrou irritada com a presença de Célio e pediu para retirá-lo,
pois este não possuía permissão de participar da TO; antes de sair Célio insistiu que queria freqüentar a TO, pedido insinuado pelas feições de Rebeca
que demoraria a ser atendido.
Célio José dos Santos, lavrador, nasceu em junho de 1969
em Barbosa Ferraz, Paraná, e procede da comarca de Monte
Carmelo, Minas, e do hospital toxicômano Padre Wilson
Vaz da Costa, de Juiz de Fora. Sem dúvidas das provas da
materialidade e das provas da autoria, Célio, em dezembro de 2003 , no interior de sua residência, produziu as
vitimas Marieta Severo Pinto e Sandro Junior Pinto, a
golpes de foice, sendo uma de apenas dois anos.
O denunciado prestou declarações a policia civil em dezembro de 2004, alegando que trabalhava na fazenda Santa
Juliana, propriedade de Paulo Dias, cidade de Nova Ponte,
Minas, e morava em uma residência no local. Célio negou
ser o autor dos crimes, afirmando que Carlos Dalmonte,
amásio da vítima Marieta, foi o autor dos homicídios.
O indiciando relatou em detalhes como as vítimas foram
mortas, imputando ao senhor Paulo toda a culpa, e não
deixou dúvidas de que foi o autor, principalmente pela
idade elevada de Paulo, sem condições físicas de praticar
tamanha atrocidade, e por várias testemunhas que o viram
em companhia de Marieta e seu filho, seguindo em direção
a sua residência, no dia do crime. Por óbvio Paulo negou
as declarações do acusado, muito abatido e emocionado com
o ocorrido, salientando que cuidava das vítimas como se
fossem seus filhos.
Outro fato nas declarações do réu demonstra a falsidade
de suas afirmações, quando disse que Paulo, após ter
atingido com dois golpes de foice Marieta, o pediu que
lavasse a foice e a colocasse no vaso sanitário, e que
depois arrastasse o corpo de Marieta até o banheiro. Célio relatou que enquanto arrastava o corpo de Juliana,
o autor se dirigiu até onde estava criança e a golpeou
1 1 6
também com a foice; afirmação contraditória já que se a
foice havia acabado de ser lavada e colocada no vaso,
como ela foi utilizada para atingir a criança, sendo que
após o crime a foice foi encontrada limpa e dentro do
vaso sanitário.
As afirmações de Célio foram consideradas frutos de sua
imaginação, e os peritos concluíram que o denunciado
apresenta transtorno de personalidade anti-social, considerado perturbação de saúde mental do ponto de vista
psiquiátrico. Foi considerado incapaz de experimentar
culpa e de aprender com a experiência, com propensão
marcante para culpar os outros, e alto grau de periculosidade. Comprovado ser o réu perigoso, e diante do
risco que o mesmo impõe a sociedade, foi requerido sua
internação em novembro de 2009, no hospital psiquiátrico
e judiciário “Jorge Vaz”, por medida de segurança.
Logo após Célio se retirar da TO outros internos também foram saindo, pois o horário da terapia tinha acabado. Eu, mais rápido que todos os
passos, sai não deixando nem um rastro, uma despedida, uma abstração ou
um abraço. Voltei ao nosocômio no turno da tarde e visualizei ao longe vários homens dentro de uniformes com as cabeças brilhando ao sol, homens
ofuscados que se tornaram incandescentes naquele momento de banho de
raios. Rodeados pelos agentes penitenciários, alguns quase dormiam e outros se esticavam tal como lagartixas imóveis em cima de muros, pelando a
quente.
Tirei uma foto com o olhar, precisava guardar nostálgico aquela fotossíntese mútua, para que eu sempre lembrasse que as energias do astro
revivem até lagartixas. Mais uma tarde eu prolonguei a revirar processos
impregnados de morcegos que eu não via, mas os sentia rodeando essa consciência minha, hora ativa, hora apática, hora viva, hora sonâmbula, mais na
maioria das horas, lampião que não cessa de esperar respostas.
Senti que, nessa segunda temporada no manicômiofalta, tudo me foi
e se tornou novo, mas faltava algo, alguma ausência que eu queria descrever
em minhas palavras que nem o Jorge Vaz com sua sala de Terapia Ocupacional, com seus inesquecíveis pacientes e funcionários, nem a Barbacena fria
cheia de corpos quentes, preencheram essa lacuna, tampouco me deixaram
1 1 7
à vista uma pista. Os mistérios humanos não nasceram para serem desvendados, mas existem para serem explorados, e eu bem que tentei em mim
incorporá-los.
Confesso que ao começar meus relatos desse último dia manicomial
subiu-me pelas ventas uma frustração difícil de explicar. Depois de tantos
dias observando, analisando, interiorizando, sentindo, vivenciando, explorando o manicômio de psicóticos apáticos ou efusivos, notei que as letras
formando palavras, formando frases, formularam pensamentos carregados
de apatia ou de tons efusivos. Acredito que consegui representar o que vi,
mas não consegui ir além do que essas almas desgarradas ou não do corpo
conseguem ir. Juntei o que restou do meu desalento desassossegado ao revirar noites a escrever sentimentos que nada podem contribuir para dar a
esses homens presos, sangrados de vida, e aos “livres” que foram estraçalhados por este sangue, uma liberdade não física, mas moral; uma liberdade
que transcenda as instituições de controle e liberte as consciências humanas. Aprendi que não aprendi a lidar com as fatalidades humanas, muito
menos a criar soluções para compreendê-las, saná-las ou diminuí-las.
Com um gosto amargo na boca, deixei o Jorge Vaz e seus tripulantes
lunáticos para entrar em um ônibus lotado de passageiros com mochilas,
maletas, sacolas de compras, celulares, filhos dependurados pelos braços,
mp3, mp4 e mp5. Marionetes do teatro social e eu vestido de palhaço, pensei pensando em parar de pensar. Procurei a poltrona de número 27, louco
pra sentar logo, deitar a poltrona no máximo ângulo que conseguir, e fechar
os olhos esquecendo-me de raciocinar; e por mais ironias que me surgem
e que não consigo me desarraigar, justo no meu banco se encontrava uma
bíblia aberta em alguma página, que em um primeiro momento pensei em
ler excitado, e na impulsividade dum gesto rápido fechei esse bendito livro
sagrado, considerado por todo o universo os escritos mais lidos por toda a
humanidade, e coloquei-o no assento ao meu lado.
Finalmente fechei as pálpebras, não os olhos, imaginando em quais
bíblias eu encontraria as escrituras sagradas de que eu tanto precisava, para
seguir no caminho de qualquer que seja força superior, de que eu tanto
almejava para diminuir meu tormento; e nem percebi quando o dono da
bíblia sentou-se ao meu lado, colocou o livro no colo com uma bufada de
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quem não gostou do que eu fiz, e começou a roncar. O ônibus começou a se
locomover e locomover meus órgãos, que sempre ficam a remexer nessas
viagens entre serras mineiras; lembrei de vários internos do manicômio e os
vários livros que poderiam surgir a partir de suas sensibilidades e memórias,
um trágico real.
Abri os olhos, e em um desses únicos momentos da vida em que ela
se resume em um único momento, vislumbrei escrito em um muro velho
de uma casa velha “Cada dia traz em si uma eternidade”, pintado nas cores
azul e vermelho, tipo nome de vereador em época de propaganda política,
e acreditei ser esta a melhor citação academicamente falando, que definisse
o que senti e compartilhei no manicômio. Finalmente pude sossegar minha
alma despedaçada em mil estilhaços, entrecortada por tantas outras almas,
que diferentes da minha, continuam ocultas no alto do antigo Morro da
Forca, no novo eterno amigo Jorge Vaz. E me deixei ser silêncio com o que
veio, arrancou um pedaço, e não ficou.
1 1 9
1 2 0
Enquanto estudante, cidadão, filho, irmão, neto, primo,
sobrinho, amigo, namorado, vizinho, animal, ser humano, ser
vivo, luz e cosmos, quem dera elevar o homem enquanto ser
divino que pudesse sanar suas deficiências e emoções doentias, quem dera resolver os problemas ambientais e sociais
da humanidade, quem dera reviver fauna e flora, quem dera
dividir todas as artes e descobertas, quem dera fazer do sofrimento gratidão, fazer do sangue flor, fazer dos deuses todos
nós, fazer da magia união, fazer das diferenças compreensão,
fazer das vivências amadurecimento, fazer das criaturas da
terra uno, fazer da essência liberdade, fazer do academicismo
expansão, para que todo compromisso seja social, para que
toda dor seja madura, para que todo louco seja são, para que
todo são seja loucura, para que todo dia seja eterno, para que
toda ação seja com o coração, para que todo silêncio seja inundação por dentro, para que toda mão seja duas.
1 2 1
1 2 2
NV
1 2 3
1 2 4
Sala utilizada para Terapia Ocupacional.
1 2 5
Artesanato construido pelos internos.
1 2 6
“Na minha
ela é a
e
cabeça
bailarina,
é assim que o
começa
termina” MSB
ema
po-
e
1 2 7
1 2 8
Sumário
1
Fumo de Rolo
2
Sem inícios nem re-voltas
3
Bafo de cerveja
4
Papiros
5
Boné de Maria
6
Amor de Ninho
7
Galinhas e Leões
8
Aquarela de Louco
9
Bunda de vaga-lume
1 2 9
1 3 0
Nota do Autor
Eu, Aramis Sebastião de Assis, sou Clarice Lispector, Caio Fernando
Abreu, Gabriel Garcia Marquez, Florbela Espanca, Julio Córtazar e Guimarães
Rosa. Aquariano, de 1988, nasci e cresci livre em Bom Despacho, cerrado mineiro, correndo no mato e nadando em córregos, sem computadores e videogames. Em 2008, junto com um casal de amigos barbacenenses, viajei de
Viçosa a Barbacena montado em uma bicicleta velha amarela; após dois dias,
próximo a cidade ainda desconhecida, o frio lacerante e a sensação de energias pesadas aguçou minhas percepções e curiosidades a respeito do município: cidade das rosas, mas cidade sem cor, que respira a psiquiatria e um passado de manicômios e descasos. Como estudante de Comunicação Social,
pela Universidade Federal de Viçosa, resolvi escrever um livro-reportagem,
como trabalho final de conclusão de curso, que pelo meu olhar retratasse o
cotidiano do Manicômio Judiciário de Barbacena, um hospital penitenciário
de difícil acesso e com pouco material referente ao mesmo; um relato que
mesclasse sensações pessoais e as informações contidas nos processos judiciários e laudos médicos dos internos do hospital, utilizando-me da linguagem literária e técnica. Os nomes dos funcionários e internos foram trocados
em respeito ao sigilo de identidade; vários processos dos pacientes, agora
personagens do livro, se encontravam em estudo para laudo pericial, portanto não pude ter acesso. Foram Realizadas, em 2010, duas visitas temporárias
no manicômio “Jorge Vaz”, entre os dias 21 e 28 de janeiro, 10 e 14 de maio,
que em muito me arrebatou o coração e alimentou minha compreensão.
1 3 1
Glossário
Abúlico - Indivíduo com ausência de vontade.
Agente Inimputável - Havendo nos autos documentos que ora apresentam o agente como inimputável, ora como semi-imputável, a lógica é a
asolvição podendo ser tratado em regime ambulatorial.
Agressividade Heterodirigida - A criança tem seus gritos interiores e o
comportamento depressivo é um destes gritos; ela não só chuta e xinga como
se machuca, arranca os cabelos e morde-se; baixa auto-estima demonstrada
por timidez e dificuldades de se posicionar perante o grupo; sentimento de
rejeição; condutas grosseiras e malcriação.
Alucinação Auditiva - Geralmente são referidas vozes, dirigidas ou
não ao sujeito que vivencia a experiência, com maior ou menor hostilidade.
Audição dos próprios pensamentos ou sons do mundo cotidiano
Alucinação Auditivo-Verbais - O que o sujeito percebe não é outra
coisa que sua “linguagem interior”. É “ouvir de dentro para fora”. Mas com a
característica toda especial de que o alucinado não reconhece como própria,
sua “linguagem”; não conseguindo identificá-la como proveniente de seu eu
pessoal.
Autista Lacônico - O autismo é uma alteração cerebral que afeta a capacidade da pessoa se comunicar, estabelecer relacionamentos e responder
apropriadamente ao ambiente, podendo apresentar inteligência e fala intactas ou retardo mental. Laconismo é a quantidade de fala diminuída, mas
em velocidade normal. Pode chegar ao discurso “monossilábico” (responde
apenas “Sim”, “Não” etc.).
1 3 2
Epilepsia - Doença que se caracteriza pela recidiva de episódios convulsivos, como produto de uma lesão estrutural a nível cerebral ou, às vezes,
sem comprovação de lesão prévia.
Esquizofrênia - Psicose Esquizofrênica, “mente dividida”, uma
doença da personalidade total que afeta a zona central do eu e altera
toda estrutura vivencial. Culturalmente o esquizofrênico representa o estereotipo do “louco”, um indivíduo que produz grande estranheza social
devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida. Agindo como
alguém que rompeu as amarras da concordância cultural, o esquizofrênico menospreza a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias, um prejuízo tão severo que é capaz de interferir amplamente na capacidade de atender às exigências da vida e da realidade. Usualmente
o paciente com esquizofrenia mantém clara sua capacidadeintelectual.
Esquizofrênia Paranóide - A mais comum e também de melhor tratamento. O paciente que sofre esta condição pode pensar que o mundo inteiro
o persegue, que as pessoas falam mal dele, têm inveja, ridicularizam-no, pensam mal dele, elas têm intenções de fazer-lhe mal, de prejudicá-lo, de matálo, etc. Trata-se dos delírios de perseguiçã, delírios de grandeza, acompanhados de alucinações, aparição de pessoas mortas, diabos, deuses, alienígenas
e outros elementos sobrenaturais. Algumas vezes esses pacientes chegam a
ter idéias religiosas e/o políticas, proclamando-se salvadores da terra ou da
raça humana.
Humor Lábil - Oscilação entre período de euforia e depressão.
Laboterapia - Método psicoterápico em que se usa o trabalho, principalmente manual, para afastar os malefícios da desocupação e da ociosidade; ergoterapia; praxiterapia.
Laudo Pericial - Uma forma de prova, peça do processo, que deverá
ser interpretada e avaliada pelo Juiz ou Tribunal, cuja produção exige conhecimentos técnicos e científicos, e que se destina a estabelecer, na medida
do possível, uma certeza a respeito de determinados fatos e de seus efeitos.
O perito fala somente sobre os efeitos técnicos e científicos. O Juiz declara os
efeitos jurídicos desses fatos referidos pelo perito e das conclusões deste.
1 3 3
Praxiterapia - Terapia Ocupacional; técnica psiquiátrica de tratamento que consiste na utilização terapêutica do trabalho, distribuindo-se tarefas
de complexidade crescente, usada, geralmente, com pacientes crônicos
hospitalizados. Método psicoterápico de trabalho, principalmente manual,
para afastar os malefícios da desocupação e da ociosidade.
Psicose Confusional - Uma espécie de “Confusão Agitada” da
mente.
Transtorno Depressivo - Os transtornos depressivos são um problema de saúde pública, devido a sua alta prevalência e ao declínio na qualidade de vida, tendo como elementos mais salientes o humor triste e o
desânimo.
Transtorno de Personalidade - Também referido como Perturbação
da Personalidade se caracteriza quando os traços de personalidade de um
indivíduo causam tamanha inaptidão de lidar de forma regular com determinadas situações e passam a prejudicá-lo e incomodá-lo e, talvez mais comumente, seus familiares e pessoas próximas.
Transtorno de Personalidade Bordeline - Definido como um gravíssimo transtorno de personalidade, caracterizado por desregulação emocional, raciocínio “totalmente bom ou totalmente mau - extremo ou cisão”, e
relações caóticas. Pessoas com essa personalidade podem possuir uma série
de sintomas de transtornos psicológicos, tais como ataques pânico, grande
sentimento de entusiasmo para depois sentir um grande vazio ou dissociação mental, assim como despersonalização, comportamento briguento,
acompanhado por impulsividade auto-destrutiva, manipulação, conduta
suicida, bem como esforços excessivos para evitar o abandono e sentimentos crônicos de vazio.
Transtorno de Personalidade Histriônica - Uma desordem de personalidade representada por pessoas dramáticas, exageradas, sedutoras,
que tendem a chamar atenção para si mesmas e controlam pessoas e circunstâncias para conseguirem o que querem - manipuladores.
Transtorno Psicótico - Este estado mental indica uma perda de con1 3 4
tato com o real, caracterizado por delírios (pensamentos que não condizem
com a realidade, como medo de perseguição) e alucinações (ouvir vozes,
ver objetos e coisas inexistentes). A pessoa pode ter alucinações, delírios,
mudanças comportamentais e pensamento confuso, aliados a uma carência
de visão crítica que leva o indivíduo a não reconhecer o caráter estranho de
seu comportamento. Assim, ele tem sérias dificuldades nos relacionamentos
sociais e em executar as tarefas cotidianas.
Toxicômanos – Dependente Químico. Toda a pessoa que, partindo de
um produto base, faz a escalada com outro produto e (ou então) o utiliza diariamente, ou quase diariamente. É uma definição que não emite julgamento sobre as conseqüências psicopatológicas do uso de produtos tóxicos.
Verborrágico - Pessoa que usa uma quantidade excessiva e geralmente irritante de palavras para dizer coisas de pouco conteúdo ou sem importância.
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