Paulo Roberto Rodrigues Teixeira
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“Dentro da barra da ilha de Itamaracá apresenta-se em primeiro lugar o forte Orange, situado sobre um baixo
de areia separado de terra firme por uma angra que é vadeável, de baixa mar. Este forte domina a entrada
do porto,visto que como os navios que entram têm que passar por diante dele a tiro de arcabuz...”
Breve discurso de Maurício de Nassau, em 14 de janeiro de 1638.
Pontal
NE
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Queimadas
S
Bola do Rio
Jaguaribe
Pilar
(centro)
Salinas
ILHA DE ITAMARACÁ
Ponte
Getúlio Vargas
Estuário
do canal
A
Ilha de Itamaracá está localizada no litoral norte de Pernambuco, nas proximidades da cidade de Recife, a uma
distância de 47km, e que, percorrida por estrada de rodagem, demanda cinqüenta minutos.
Itamaracá é uma palavra de origem indígena que significa
pedra que canta ou pedra sonante.
O povoado surgiu em 1508 e foi elevado à categoria de vila
em 1540. De águas cristalinas e esverdeadas, típica do mar nordestino, com vegetação rica em coqueirais e manguezais, possui 16km
de praias lindíssimas e um rico patrimônio histórico e cultural que
Eng. São João
Eng. Velho
Igreja de
Eng. Amparo São Paulo
Vila
Velha
atrai, diariamente, expressivo número de turistas àquela região.
Praia de
São Paulo
FORTE
ORANGE
O Forte Orange foi construído nessa ilha pelos holandeses,
em 1631. Vamos nos aproximar dele e conhecer sua história e curiosidades, como a do personagem Zé Amaro, ex-presidiário, que se
apaixonou pelo forte e, quando foi libertado, retornou ao local,
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onde permanece até hoje. Apreciaremos, ainda, as características e fases de sua construção. A
primeira, pelos holandeses, a segunda, pelos portugueses, referências que o qualificam como
um dos cartões postais de Recife.
História
Desembarque dos
holandeses
em Recife e Olinda
no ano de 1630.
A colonização portuguesa no
Norte e no Nordeste teve seu ponto central no Estado de Pernamtrolava o acesso marítimo a Igarassu, à Vila da Conceibuco. Foi lá que, em 1516, os portugueses instalaram
ção e as demais áreas de escoamento das riquezas. Em
uma Feitoria Régia. Posteriormente, em 1535, desemuma primeira tentativa de ocupação, foram repelidos
barcou, nesse mesmo local, o primeiro donatário da Capelo Capitão Salvador Ribeiro, que comandava a guarpitania de Pernambuco, Duarte Coelho, acompanhado
nição portuguesa. Regressando ao Recife, o Tenentede sua mulher.
Coronel Steyn Callenfels determinou que fosse consA região prosperou muito e os engenhos de açútruído um forte com 33 bocas-de-fogo.
car se multiplicaram, pois a terra era fértil e produtiEssa pequena instalação, erguida na região sudesva. Além do açúcar, escoava por essa área produtos do
te da ilha, tinha o objetivo de apoiar operações futuextrativismo local, entre eles o pau-brasil.
ras. A edificação, inicialmente, executada em “taipa de
Entre 1580 e 1640, período de união das coroas
pilão”, um sistema rudimentar de levantamento de paportuguesa e espanhola, os holandeses tomaram a
redes e muros, muito utilizado na época, foi projetada
decisão de invadir o Brasil, pelo Nordeste, com o objepelo Engenheiro Pieter Van Buerin e coordenada pelo
tivo de garantir-lhes o cobiçado comércio de açúcar
e enfraquecer economicamente
a Espanha. Em 15 de fevereiro de
1630, desembarcaram na Praia de
Pau Amarelo e, posteriormente,
marcharam e ocuparam a cidade
de Olinda, apesar da resistência
O Forte Orange
dos pernambucanos.
construído pelos holandeses
em 1631,
Em 1631, partiram para a
na Ilha de Itamaracá.
Ilha de Itamaracá, situada mais ao
norte. O Canal de Santa Cruz, que
separa a ilha do continente, era a
principal via de acesso às áreas
produtivas. Constituía-se em um
ponto estratégico, o qual dominava a entrada do canal e que con52
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As muralhas debruçadas sobre o mar,
construídas pelos portugueses.
Tenente-Coronel Steyn. Foi denominado Forte Orange, em homenagem ao príncipe Frederico Henrique de
Orange, que descendia de Guilherme, o Taciturno, tio
de Maurício de Nassau.
A concentração das forças holandesas ocorreu
nesse local e de lá, sob o comando de Schkoppe, partiram para o ataque a Itamaracá, onde derrotaram as
tropas portuguesas.
A estrutura da posição de defesa do forte foi ampliada e tornou-se, mais tarde, um complexo defensivo,
com paliçadas e hornaveques. Era o suficiente para proteger a Barra de Itamaracá, que dava acesso ao antigo
Porto de Pernambuco e às vilas de Igarassu (Pernambuco) e da Conceição, depois Vila Schkoppe (Itamaracá).
Em fins de 1632, os luso-brasileiros, sob comando
de Bagnuolo, tentaram tomar o forte. O sigilo das operações era fundamental para o êxito da missão, o que
não ocorreu.Os holandeses se cientificaram do ataque,
prepararam-se, resistiram e foram vitoriosos na operação de guerra. Bagnuolo retirou-se, deixando, para os
holandeses, as peças de artilharia usadas no combate.
Foram quatro de bronze, que pertenciam ao Forte Real
do Bom Jesus.
Em 1640, esse forte serviu de prisão para frades
carmelitas, são-bentenses e franciscanos, considerados,
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pelos holandeses, espiões e contrários à expansão do
calvinismo no Brasil.
Em 1654, quando pouco restava sob o domínio
holandês, a instalação foi abandonada por suas tropas
e, em seguida, ocupada por luso-brasileiros, sob o comando de Francisco de Figueiroa. De seu armamento
constavam 25 peças de diferentes calibres de 10 e 20
A entrada
do forte. Em cima
da porta de
acesso, o frontão
guarda o símbolo
da Coroa
portuguesa.
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Um dos canhões coloniais em posição,
de frente para o mar.
polegadas. Derrotados os holandeses, o forte ficou em
ruínas, sendo reconstruído pelos portugueses, que colocaram, sobre o portão de entrada, as armas do Reino de
Portugal, passando a denominar-se Fortaleza de Santa
Cruz de Itamaracá.
Foi reconstruído em 1696, e sua guarnição possuía a
seguinte constituição: um sargento-mor; um capitão; um
A muralha de pedras guarnecida
pelos canhões.
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tenente; um sargento; um condestável (chefe dos artilheiros) e duas companhias dos terços de Recife, com
artilheiros especializados.
Reformado em 1777, o forte foi ocupado pelo
Padre Tenório, em 1817, durante a Revolução Pernambucana. Ainda que houvesse um planejamento
de reforma, sua construção não chegou a ser concluída nos moldes previstos no projeto.
Em 1971, foram realizadas várias escavações,
dentro e fora do forte, pelo laboratório de arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
chefiada pelo Arqueólogo Marcos Albuquerque,
oportunidade em que identificaram a cozinha, a capela, os alojamentos e os paióis. Foram resgatados,
também, vários objetos de uso pessoal dos holandeses, como munições e canhões de vários calibres. Em
um deles, havia a seguinte inscrição: Anno Domini
1622 Joanes Sithof Me Fecit Bruxeles.
Em 1973, foi parcialmente restaurado pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
Em 1980, o Ministério do Exército realizou algumas reformas, transferindo sua administração para a Prefeitura Municipal de Itamaracá. Surgiu, nesse
período, o personagem José Amaro de Souza Filho,
ex-presidiário e artesão, que passou a ser o guardião
do forte, situação que perdura até os dias atuais.
A partir de 1991, foi criada a Fundação Forte Orange pelo próprio José Amaro, que se tornou o presidente da entidade. Esta começou a se encarregar da
administração do forte até 1988, quando o patrimônio foi retomado da prefeitura e transferido para o
Ministério da Cultura e, logo após, para a Fundação
de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco (FADE/UFPES).
A FADE coordenou projetos de pesquisa arqueológica com recursos do Governo holandês, em
fevereiro de 2002, de defesa da estrutura contra o
mar, com verbas da Prefeitura Municipal, bem como
de intervenção de restauro, e instalação de um muANO VII / Nº 12
Frente do Forte Orange. Ao lado
a planta baixa do projeto.
seu, com os testemunhos arqueológicos encontrados
nas escavações, com apoio financeiro do Governo do
Estado de Pernambuco e do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
O Forte
“...é um forte quadrangular com quatro
baluartes, elevados, tendo em certo trecho um fosso,
mas pouco profundo e seco;
está cercado por uma forte estacada...”
do por uma estacada em alvenaria de pedra bruta, situada em posição estratégica, dominando todo acesso as
duas importantes povoações. Seu armamento constava
de 25 peças de diferentes calibres.
A região do forte é uma área de incidência muito
intensa de correntes de ventos que se alteram segundo a
Relatório sobre o estado das capitanias conquistadas
no Brasil (4 de abril de 1640).
Museu instalado no
interior do forte.
O Forte Orange possui uma estrutura
arquitetônica das mais belas e seguras de todos aqueles que foram edificados no período colonial. Seus quatro baluartes permitiam a segurança em todas as direções, quer
a ameaça fosse por terra ou por mar. Protegia o acesso ao embarque e ao desembarque
de navios que se destinavam aos portos de
Igarassu e Vila da Conceição, cujo nome veio
a ser mudado para Vila Schkoppe. Era cercaANO VII / Nº 12
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As seteiras, ao longo da entrada,
protegiam o homem
que atirava contra o invasor.
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época do ano. Apesar da grande quantidade
de detritos trazidos pelo rio que deságua entre a ilha e o continente, conserva-se um canal com profundidade suficiente para hoje
navegarem embarcações de até nove metros.
Formam-se bancos de areia que, movidos pelos ventos, deslocam-se de um lugar para o outro. O forte sofre com as intempéries e, muitas
vezes, as areias ameaçam atingir o topo das
muralhas, invadindo os terraplenos.
O mar também deixa suas marcas nas paredes de pedras, ora cavando perigosamente
as bases, ora depositando grandes volumes de
areia a seus pés. Até mesmo sua entrada, voltada em direção oposta ao mar, muitas vezes
é entulhada pela areia movimentada pelos
ventos. O frontão, acima da porta de acesso,
guarda o símbolo da Coroa portuguesa. É
um belíssimo trabalho de cantaria, executado em calcário. O forte, em sua maior parte,
foi construído em pedra calcária, principalmente suas muralhas.
As paredes do trânsito, que dão acesso
para o forte, dispõem de seteiras, de onde os
homens disparavam contra o inimigo que penetrasse em seu interior, após rompida a barragem dos fogos de artilharia.
Uma segunda linha de defesa era a porta, tipo guilhotina, coberta por fogos cruzados do defensor. A terceira linha, a porta no
limite da praça de armas, constituía-se no
último obstáculo a vencer por quem invadisse a edificação.
Sobre o trânsito, o corpo da guarda e demais dependências encostadas às contramuralhas da cortina de entrada, corria um piso
em madeira, o assoalho de um sobrado, que
seria, provavelmente, as acomodações do comandante e de seus assessores. No intuito de
vencerem o amplo vão do corpo da guarda e
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cadeia, usaram arcos romanos para a sustentação do piso superior, sem que fosse perdido
o espaço necessário às operações realizadas
pelos soldados na defesa do forte.
A capela destacava-se no interior do forte, dominando a visão de quem chegasse na
porta de entrada. O alojamento a seu lado dava
início a uma sucessão de dependências que
contornavam a praça das armas. No centro
do pátio, uma cacimba garantia o abastecimento de água, que era salobra, para algumas necessidades.
Nas operações de guerra ou nos exercícios, a rotina tranqüila do forte transformavase. Pelas rampas de acesso ao terrapleno, faziase uma intensa movimentação, abastecendose cada bateria com os apetrechos necessários.
As paredes dos alojamentos eram de pedra e cal, já se podendo perceber uma maior
heterogeneidade do material. Calcário, arenitos, cortados, muitas vezes, nos arrecifes,
concreções areníticas, extraídas nas barreiras,
bem como fragmentos de corais, conhecidos
como “cabeça-de-carneiro”.
A base que suporta em balanço as guaritas elevadas do solo, fechando os bastiões, é
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A guarita, onde a sentinela observava o setor
de vigilância, à sua frente.
de cantuária. Elas permanecem até hoje como
se continuassem o trabalho das antigas sentinelas a observar o horizonte.
crime de homicídio. Foi uma experiência amarga,
mas que marcou o início de uma operação de transformação em sua vida.
Foi conduzido, inicialmente, à Casa de Detenção do Recife, depois transferido para a recémconstruída Penitenciária Agrícola de Itamaracá.
Sua responsabilidade diária era colher cocos verdes e manter limpo o Forte Orange. No decorrer
dos anos, apaixonou-se pelo forte e começou a buscar ajuda de Deus para que, quando terminasse o
cumprimento da pena, viesse a morar nele e cuidar
da sua manutenção.
Por haver cometido um ato de indisciplina,
foi transferido para outro presídio, também na
Ilha de Itamaracá. Lá, desenvolveu sua veia artística. Dedicou-se ao artesanato de entalhes em madeira, desabrochando, então, um artista cujos trabalhos o tornariam conhecido em todo o Brasil.
Ao sair da prisão, por livramento condicional, cumpriu-se o que pedira a Deus: foi morar no
forte, autorizado pelo Ministério do Exército e
pelo Serviço de Patrimônio da União. Enfrentou
um período muito difícil, uma vez que o patrimônio estava totalmente abandonado, envolvido pela vegetação, à mercê de marginais e viciados que lá se instalavam, dificultando o acesso do
Portas que davam acesso
ao pátio interno.
Curiosidade
“... e Deus ouviu as minhas orações”.
(Zé Amaro. 15 de maio de 2007.)
José Amaro de Souza Filho, mais conhecido como Zé Amaro, é um personagem pernambucano, cuja história é um exemplo de perseverança, determinação e, sobretudo, de fé.
Na década de 1970, com mais de 20 anos,
foi condenado a passar 16 anos na prisão por
58
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As muralhas foram construídas
em pedras de calcário.
público à visitação. Estava só, para cumprir a árdua tarefa. Contou, no entanto, com o apoio do
Exército e, em várias oportunidades refere-se elogiosamente ao Gen Valdir, Gen Pamplona, Cel
Sombra e outros comandantes, que muito o ajudaram. Sem medir esforços, foi bem-sucedido e
conseguiu preservá-lo.
Hoje é o presidente da Fundação Forte Orange, que ele mesmo criou, em 1991. Em 1994, inaugurou um museu, com precioso acervo de relíquias,
deixadas pelos holandeses e portugueses, as quais
foram por ele próprio encontradas.
A história de Zé Amaro prossegue. Todos o
conhecem como o “Guardião do Forte”, designação que lhe foi outorgada pelo povo.
Homem simples, ex-presidiário que, pela fé, viu
o cumprimento do grande sonho de sua vida. Encontra-se lá até hoje e, cordialmente, recebe os visitantes, expressando com orgulho o trabalho que realizou, consciente de que Deus continua a amparálo e que viverá o resto de sua vida cuidando do forte.
ANO VII / Nº 12
Zé Amaro, junto de uma
das suas esculturas.
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... um cenário maravilhoso, que valoriza a herança
recebida de nossos antepassados.
Encerramento
Atualmente, existem ao redor do forte inúmeras pousadas e
um hotel de luxo, para atender aos turistas que procuram se deleitar
nos fins de semana, especialmente nos períodos de férias.
Os restaurantes e os quiosques oferecem farta e saborosa alimentação, predominando, no cardápio, os frutos do mar. A natureza
encanta os visitantes com suas belíssimas praias, as dunas, a brisa do
mar, os manguezais. Enfim, um cenário maravilhoso, que valoriza a
herança recebida de nossos antepassados.
A revitalização do Forte Orange está para se concretizar.
Em breve, disporemos do patrimônio histórico totalmente restaurado. O projeto foi aprovado e os recursos, provenientes do Banco
do Nordeste do Brasil (BNB), permitirão que sejam executadas obras
de contenção, restauração arquitetônica, musealização, gestão e planos de financiamento das ações, que, sem dúvida, contribuirão para
valorizar o precioso acervo cultural, orgulho do povo pernambucano.
Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, é natural do Rio de Janeiro. Tem o curso
de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra. Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da Revista DaCultura.
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