Pastagens e Forragens V O L U M E 2 3 2 0 0 23 2 S U M Á R I O Páginas Situação e Perspectivas da Produção de Forragens e Pastagens no Entre Douro e Minho. Nuno Moreira 1–10 Da Forragem à Pastagem Semeada (com Retrocesso à Pastagem Natural). Teodósio A. Salgueiro 11–27 Efeito da Aplicação ao Solo de Compostado de Resíduos Sólidos Urbanos Sobre a Concentração em Metais Pesados da Cevada e do Milho. Manuel Souteiro Gonçalves, António Videira da Costa, Cristina M. Sempiterno 27–40 Teores de Cobre e Zinco numa Pastagem Instalada num Solo Tratado com Lama Residual Urbana com Elevado Teor de Cobre. Hermínia Domingues, Odete Monteiro, Filipe Pedra, Maria da Graça Serrão 41–52 Gleditsia Triacanthos – Leguminosa Arbórea com Interesse Forrageiro. Caracterização Química e Nutricional. Arminda Martins Bruno-Soares, Benilde Martins Pereira, José Manuel Abreu 53–68 Composição Botânica da Dieta Alimentar de Bovinos em Pastoreio – Método da Análise Micro-histológica de Fezes. Jerónimo Côrte-real Santos, Ana Catarina Ferreira 69–78 Fitoestrogénios da Luzerna e suas Implicações na Alimentação de Vacas Leiteiras. Luísa M. Chambel Leitão, M. Conceição Castilho, José M. Abreu 79–90 Produção e Valor Nutritivo da Consociação de Cereais Forrageiros com Ervilhaca (Vicia Benghalensis L.). Valdemar Carnide, Miguel A. M. Rodrigues, Luis M. M. Ferreira, Henrique Guedes-Pinto 91–102 pastagens e forragens pastagens e forragens Conclusões da XXIII Reunião de Primavera da SPPF. S. Torcato – Guimarães 103–106 (16 a 19 de Abril de 2002) Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens 23 2002 MONTAGEM CAPA.indd 1 produtor design sistemas gráficos grafica europam orçamento 27057 de 21 mar. 2005 a rectificar orçamento para 112páginas + capa. Esta montagem está a considerar a lombada com 6 mm 06-08-2005 20:47:19 cliente data produção Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens Maio 2005 edição 23 Pastagens 750 exemplares + de Forragens 50 separatas referência FORMATO ACABADO PAPEL TIRAGEM ACABAMENTO cadernos 160X240 MM capa: cromocard 260 g miolo: ior 70 gr. 800 exemplares 750 normal + 50 separatas por capítulo com 2 pontos de arame miolo colado a capa mole sem badanas. 7 cad. de 16 pags 1 /1 cor miolo 112 pgs. + capa. 1 / 1 cor capa [rectificar orçamento] impressão Pastagens e Forragens V O L U M E 2 3 2 0 0 23 2 S U M Á R I O Páginas Situação e Perspectivas da Produção de Forragens e Pastagens no Entre Douro e Minho. Nuno Moreira 1–10 Da Forragem à Pastagem Semeada (com Retrocesso à Pastagem Natural). Teodósio A. Salgueiro 11–27 Efeito da Aplicação ao Solo de Compostado de Resíduos Sólidos Urbanos Sobre a Concentração em Metais Pesados da Cevada e do Milho. Manuel Souteiro Gonçalves, António Videira da Costa, Cristina M. Sempiterno 27–40 Teores de Cobre e Zinco numa Pastagem Instalada num Solo Tratado com Lama Residual Urbana com Elevado Teor de Cobre. Hermínia Domingues, Odete Monteiro, Filipe Pedra, Maria da Graça Serrão 41–52 Gleditsia Triacanthos – Leguminosa Arbórea com Interesse Forrageiro. Caracterização Química e Nutricional. Arminda Martins Bruno-Soares, Benilde Martins Pereira, José Manuel Abreu 53–68 Composição Botânica da Dieta Alimentar de Bovinos em Pastoreio – Método da Análise Micro-histológica de Fezes. Jerónimo Côrte-real Santos, Ana Catarina Ferreira 69–78 Fitoestrogénios da Luzerna e suas Implicações na Alimentação de Vacas Leiteiras. Luísa M. Chambel Leitão, M. Conceição Castilho, José M. Abreu 79–90 Produção e Valor Nutritivo da Consociação de Cereais Forrageiros com Ervilhaca (Vicia Benghalensis L.). Valdemar Carnide, Miguel A. M. Rodrigues, Luis M. M. Ferreira, Henrique Guedes-Pinto 91–102 pastagens e forragens pastagens e forragens Conclusões da XXIII Reunião de Primavera da SPPF. S. Torcato – Guimarães 103–106 (16 a 19 de Abril de 2002) Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens 23 2002 MONTAGEM CAPA.indd 1 produtor design sistemas gráficos grafica europam orçamento 27057 de 21 mar. 2005 a rectificar orçamento para 112páginas + capa. Esta montagem está a considerar a lombada com 6 mm 06-08-2005 20:47:19 cliente data produção Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens Maio 2005 edição 23 Pastagens 750 exemplares + de Forragens 50 separatas referência FORMATO ACABADO PAPEL TIRAGEM ACABAMENTO cadernos 160X240 MM capa: cromocard 260 g miolo: ior 70 gr. 800 exemplares 750 normal + 50 separatas por capítulo com 2 pontos de arame miolo colado a capa mole sem badanas. 7 cad. de 16 pags 1 /1 cor miolo 112 pgs. + capa. 1 / 1 cor capa [rectificar orçamento] impressão PASTAGENS E FORRAGENS Revista da Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens VOLUME 23 Este número foi subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia Elvas 2002 AVALIADORES EXTERNOS AO CORPO DE REDACÇÃO E À DIRECÇÃO DA SPPF Carlos Carmona Belo David Gomes Crespo J. Quelhas dos Santos J. Ramalho Ribeiro Nuno Moreira Teodósio Salgueiro DIRECTORA Noémia Farinha – Instituto Politécnico de Portalegre CORPO DE REDACÇÃO M.M.Tavares de Sousa – Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas Maria Ermelinda Lourenço – Universidade de Évora Noémia Farinha – Instituto Politécnico de Portalegre REVISÃO FINAL DOS TEXTOS Maria Alice Madeira da Silva EDIÇÃO, REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens A/c ENMP Apartado 6 7350-951 ELVAS ISSN 0870-6263 Dep. Legal n.º 12 350/86 Tiragem: 725 exemplares PREÇO DESTE VOLUME 11,25€ As teorias expostas no presente volume são da inteira responsabilidade dos seus autores. Esta revista é distribuída gratuitamente aos sócios da SPPF, devendo todos os pedidos de aquisição ser feitos directamente para o Editor. Igualmente será objecto de permuta com outras publicações periódicas, nacionais ou estrangeiras, de interesse para esta Sociedade. "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 1–10. SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DA PRODUÇÃO DE FORRAGENS E PASTAGENS NO ENTRE DOURO E MINHO* NUNO MOREIRA Departamento de Fitotecnia e Engenharia Rural Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Apartado 1013 5001-911 – VILA REAL RESUMO A região do Entre Douro e Minho (EDM) destaca-se no conjunto do país por concentrar um terço do efectivo nacional de vacas leiteiras, cuja alimentação é baseada no cultivo de forragens anuais, ocupando as forragens e pastagens a larga maioria da SAU (superfície agrícola utilizada) regional. O milho silagem e o azevém anual, com superfícies cultivadas anualmente de 37 e 51 mil hectares respectivamente, mais de metade das correspondentes áreas de cultivo no país, são as principais culturas forrageiras da região. Apesar desta marcada especialização da região do EDM, regista-se uma acentuada diversidade regional, já que apenas quatro dos cinquenta e dois concelhos da região, Barcelos, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Vila Nova de Famalicão, concentram mais de metade do efectivo regional de vacas leiteiras (56%) e da área cultivada com milho silagem (51%). Representam assim o modelo de produção intensiva e especializada de leite, com uma superfície forrageira total que excede a SAU, dada a prática generalizada de duas culturas forrageiras anuais sucessivas. Em contraposição, outras sub-áreas regionais, com destaque para o Alto Minho, a região de Basto e concelhos também interiores a Sul do Douro, revelam tipos de produção extensivos com quase nula representação de vaca leiteira (0,7%) e do milho silagem (0,6%), nos quais predominam explorações de muito pequena dimensão com efectivos de “outras vacas” e pequenos ruminantes, alimentados predominantemente em pastagens permanentes (seis concelhos apenas agrupam 51% da área regional de pastagens permanentes). Perspectiva-se para o futuro próximo a continuada redução do número de explorações que se dedicam à produção pecuária de ruminantes, e a especialização em sentidos diversos dos actuais modelos intensivo e extensivo regionalmente diferenciados. Por um lado, a produção forrageira intensiva que suporta as explorações leiteiras especializadas, deverá aproveitar o desenvolvimento das potencialidades a explorar no valor alimentar e na produtividade de novas variedades de milho para * Conferência proferida na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002 1 silagem, ajustar as datas de sementeira e a tecnologia da cultura de Inverno às exigências ambientais e de alimentação do efectivo, e reduzir custos de produção, pela maior divulgação da sementeira directa, da racionalização dos fertilizantes utilizados e da generalização da contratação de serviços de cultivo. Por outro lado, as perspectivas de evolução nas sub-regiões de produção extensiva de carne deverão orientar-se para privilegiar a exploração de produtos com tipicidade regional ou/e o desenvolvimento possível do modo de produção biológico, o qual poderá potenciar a utilização de leguminosas quer como culturas forrageiras quer em pastagens. PALAVRAS-CHAVES: Forragens; Pastagens; Perspectivas; Produção. FORAGES AND GRASSLAND IN THE NORTHWEST OF PORTUGAL: PRESENT AND PERSPECTIVES ABSTRACT The Entre Douro e Minho region, Northwest corner of Portugal, is the main dairy region of the country, with one third of the portuguese herd of dairy cows, based in a double-cropping forage system using nearly all of its agriculture surface area. Maize silage and a winter cover crop of ryegrass with 37 and 51 thousand hectares respectively are the most important forage crops and represent more than half of the cultivated area in Portugal for these crops. This region, with 52 councils, has a great diversity, with four councils concentrating 56% of the dairy cows and 51% of the maize silage area for the region, representing an intensive and specialized dairy production system. On the other hand, there is a group of six councils on the North and Southeast part of the region where dairy farming almost doesn’t exist, with less than 1% of the dairy cows and also only 0.6% of the maize silage crop area for the region, where you find a traditional system of mixed farming with small holdings raising suckler cows, sheep or goat flocks, and using 51% of the total area of permanent grasslands in the region. The near future perspectives are the continuing tendency to reduce the number of farms that raise animals together with a specialization of the intensive dairy and the traditional system moving in different directions. The intensive double-cropping forage system that is the support of the dairy farms will look for new opportunities to explore an improved yield potential and feeding value for new maize silage varieties, for early seeding of the maize silage and the winter cover crop, for the adaptation to environmental restrictions, aiming to reduce production costs, as may be the case of direct seeding, rational fertilization and the use of custom contracts for cultivation and harvesting. In the case of the traditional and more extensive farms, they will look for the typification of their regional products and for the possible development of organic farming that may create an opportunity for the use of forage legumes. KEYWORDS: Forage; Grassland; Production; Perspectives. 2 PASTAGENS E FORRAGENS 23 1 – INTRODUÇÃO O objectivo desta comunicação é contribuir para a análise da situação de produção de forragens e pastagens na região do Entre Douro e Minho e perspectivar possíveis evoluções num futuro próximo. Este trabalho é feito fundamentalmente a partir dos dados dos recenseamentos gerais da agricultura (RGA) realizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em particular dos dados mais recentes resultantes do RGA 99. Resulta ainda da experiência pessoal e de diversos contactos com agricultores e técnicos da região. A região do EDM, situada no Noroeste do país, tem um clima de forte influência atlântica, com valores elevados de precipitação anual e temperaturas relativamente amenas, apresentando variações regionais muito ligadas à sua disposição em anfiteatro, com uma faixa litoral ou de várzea de clima mais ameno, uma zona intermédia ou de meia encosta, e uma zona serrana ou de montanha mais interior (1). Estas zonas agro-ecológicas pela ordem apresentada revelam características mais acentuadas de altitude, relevo, precipitação, baixas temperaturas e geadas (1). No seu conjunto a região do EDM apresenta uma SAU de 215,7 mil hectares, apenas 5,6% da correspondente área do país, mas uma área irrigável de 148,3 mil hectares (68,8% da SAU), representando 18,8% da superfície irrigável do país (2). Salienta-se, por outro lado, uma acentuada divisão da propriedade, com um total de 67,5 mil explorações com um valor médio de SAU por exploração de 3,19 ha (9,78 ha de média nacional) e um correspondente número médio de blocos por exploração de 4,67 (2). 2 – A REGIÃO DO ENTRE DOURO E MINHO NO CONTEXTO NACIONAL DA PRODUÇÃO E UTILIZAÇÃO DAS FORRAGENS E PASTAGENS A extensão e a importância relativa das culturas forrageiras e das pastagens na SAU, no conjunto do país e para as diversas regiões agrárias autónomas, podem ser apreciadas no quadro 1. Como se pode observar as forragens e pastagens no seu conjunto ocupam mais de metade da SAU do país, constituindo a mais importante (extensa) ocupação do solo agrícola e, no caso do Entre Douro e Minho, a superfície PASTAGENS E FORRAGENS 23 3 forrageira total (SFT) representa mesmo 95% da SAU, em boa medida devido à prática frequente de duas culturas forrageiras anuais sucessivas, cultura principal e cultura secundária. Porém, mesmo as estimativas de ocupação por diferença em relação às restantes culturas realizadas na região, de forma a retirar este efeito de sobreposição anual de áreas cultivadas, apontam para uma ocupação anual equivalente a 70% da SAU (aprox. 150 mil hectares). QUADRO 1 – Áreas (ha) de culturas forrageiras e pastagens no contexto da SAU das diversas regiões agrárias e autónomas em Portugal Culturas forrageiras Prados temporários Entre Douro e Minho Prados Superfície forr. P. permanentes Total (SFT) SAU SFT/SAU ×100 (%) 134 360 71 533 205 893 215 675 95* Trás-os-Montes 43 196 107 673 150 869 457 881 33 Beira Litoral 70 034 19 896 89 930 169 779 53 Beira Interior 98 546 175 831 274 377 418 977 66 Ribatejo e Oeste 63 259 126 077 189 336 447 853 42 Alentejo 149 008 818 302 967 310 1 924 043 50 Algarve 6 894 11 721 18 615 101 932 18 Madeira 147 517 664 5 645 12 Açores 13 927 105 273 119 200 121 308 98 Totais 579 371 1 436 823 2 016 194 3 863 093 52 * Este valor surge especialmente sobreavaliado pela prática frequente nesta região de duas culturas forrageiras no ano Fonte: Infoline - hppt://www.ine.pt/prodserv/Rga/index_rga.asp Merece ainda destaque o facto do Entre Douro e Minho, no caso dos “prados e pastagens permanentes”, representar apenas 5% da sua área no conjunto do país, mas nas culturas forrageiras e prados temporários de exploração predominante por corte, contribuir com 23,2% da área de cultivo nacional, revelando que a nível da região estas últimas têm uma importância preponderante nos sistemas de produção. Uma análise ao conjunto das culturas forrageiras recenseadas pode ser feita com base na observação do quadro 2, onde se regista uma importância reduzida no país e na região dos prados temporários e o grande relevo das forragens anuais. No EDM merecem destaque as áreas cultivadas com azevém anual e com milho silagem, representando em ambos os casos mais de metade das respectivas áreas de cultivo no total do país. Para além destas culturas regista-se ainda algum significado regional das consociações forrageiras anuais, em particular de cereais praganosos e azevém. 4 PASTAGENS E FORRAGENS 23 QUADRO 2 – Áreas (× 1000 ha) de pastagens temporárias e de culturas forrageiras nas regiões agrárias e autónomas de Portugal Culturas Prados temporários Culturas forrageiras Sachadas Consociações anuais Azevém anual Aveia forrageira Milho silagem Milharada Sorgo forrageiro Outras cult. forrageiras Forragens para semente Portugal Totais 37,2 542,1 9,9 98,6 90,3 151,7 70,8 37,2 18,9 64,7 6,3 EDM TM BL BI RO Alent. 7,9 126,4 28,5 51,0 3,1 37,2 4,3 0,2 2,0 5,9 2,6 40,6 5,5 1,6 1,1 15,0 3,5 4,3 0,7 8,7 - 2,6 67,4 2,1 17,1 14,3 10,7 12,0 7,9 1,0 2,3 0,2 2,3 96,2 2,0 7,1 4,7 31,7 1,6 18,3 3,2 27,4 - 8,2 55,0 0,1 7,3 6,5 28,7 5,0 0,8 2,7 4,0 0,1 12,8 136,3 0,1 33,2 12,6 58,2 2,6 1,3 10,8 17,6 - Alg. Aço. Mad. 0,8 6,1 13,9 0,7 3,1 0,2 4,1 0,1 8,8 0,1 0,2 0,7 2,1 - 0,1 0,1 - Fonte: INE: RGA 99 A produção forrageira do Entre Douro e Minho sustenta uma produção animal com claro predomínio da produção bovina leiteira, e com uma reduzida participação dos pequenos ruminantes, os quais representam apenas cerca de 10% do efectivo regional de ruminantes em termos de exigências alimentares (quadro 3). No contexto nacional o EDM possui cerca de um terço do efectivo das vacas leiteiras e apenas 6% do efectivo de pequenos ruminantes (quadro 3). Esta região destaca-se ainda por apresentar dos mais altos encabeçamentos médios (CN/SFT), juntamente com as outras duas regiões em que predomina a produção bovina leiteira, a Beira Litoral e os Açores (quadro 3). QUADRO 3 – Efectivos de ruminantes e sua importância relativa (em cabeças normais – CN) no contexto da SFT e das diversas regiões agrárias e autónomas de Portugal (RGA – 1999) Regiões Entre Douro e Minho Trás-os-Montes Beira Litoral Beira Interior Ribatejo e Oeste Alentejo Algarve Madeira Açores Totais Bovinos Total 320 918 79 340 153 379 55 207 159 317 392 268 12 008 4 355 238 396 1 415 188 Vacas Ovinos Outras vacas leiteiras Total 114 399 47 062 140 883 17 556 25 604 325 519 59 008 13 160 189 734 15 026 9 175 453 786 28 478 19 744 263 238 20 830 203 163 1 476 342 839 4 271 68 217 907 318 7 095 98 688 18 765 4 951 355 731 341 262 2 929 765 Caprinos Total 66 202 73 522 82 470 107 962 46 562 119 949 22 351 9 160 9 063 537 241 CN* CN/SFT 300 852 125 495 168 356 127 723 157 359 552 782 22 354 5 455 204 699 1 665 075 1,46 0,83 1,87 0,47 0,83 0,57 1,20 1,72 0,83 * O cálculo baseou-se nos seguintes coeficientes de conversão: vacas leiteiras - 1,25; outras vacas - 1,0; restantes bovinos - 0,5; ovinos e caprinos - 0,15 CN Fonte: Infoline - hppt://www.ine.pt/prodserv/Rga/index_rga.asp PASTAGENS E FORRAGENS 23 5 3 – A DIVERSIDADE SUB-REGIONAL Apesar da especificidade que a caracterização geral da região do EDM atrás apresentada revela, regista-se uma marcada diversidade sub-regional quanto à produção de forragens e pastagens e à pecuária que ela suporta. Num total de 52 concelhos em que a região se divide, há apenas quatro concelhos, Barcelos, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Vila Nova de Famalicão, que concentram 56% do efectivo regional de vacas leiteiras e a maioria da área de cultivo de milho silagem na região (50,9%), apresentando por outro lado valores desprezíveis relativamente às áreas de pastagens permanentes (0,3%) e aos efectivos regionais de “outras vacas” (6,3%), ovinos (2,5%) e caprinos (1,5%) (quadro 4). Trata-se de concelhos que representam o modelo de produção forrageira intensiva, com o milho silagem como cultura principal, praticando duas culturas forrageiras anuais com muito elevada produtividade por unidade de área (≈ 30 t MS ha-1 ano-1), e suportando uma produção leiteira especializada (3). A importância das culturas forrageiras e a intensificação do cultivo nestes quatro concelhos podem ser documentadas pelo facto de 88% da SAU ser “terra arável limpa” e de o total da superfície cultivada com pastagens temporárias e culturas forrageiras ser muito superior à SAU (148%), pela generalizada prática de duas culturas forrageiras anuais sucessivas, cultura principal e cultura secundária (quadro 4). QUADRO 4 – Efectivos de ruminantes (n.º) e ocupação da superfície agrícola utilizada (SAU) por forragens e pastagens (ha) nos quatro concelhos com maior concentração de produção leiteira no EDM Barcelos Vila Nova de Póvoa de Famalicão Varzim Vila do Conde Sub-totais Totais EDM 114 399 Vacas leiteiras 26 790 8 890 9 495 18 845 64 020 Outras vacas 1 354 1 145 316 127 2 942 47 062 Ovinos 1 729 796 235 740 3 500 140 883 439 277 91 168 975 66 202 SAU 12 230 6 381 3 388 6 039 28 038 215 675 Terra arável limpa 10 451 5 173 3 278 5 825 24 727 109 422 Caprinos Pastagens permanentes Milho silagem Totais das superfícies c/ pastagens temporárias e culturas forrageiras 72 66 20 38 196 70 736 8 129 3 440 2 258 5 115 18 942 37 213 17 894 8 273 4 662 10 679 41 508 134 360 Fonte: INE, RGA 99 6 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Em acentuado contraste com esta produção intensiva é possível identificar sub-áreas na região com uma produção de tipo extensivo, como sejam concelhos mais interiores e “periféricos” do Alto Minho, da região de Basto ou da margem sul do rio Douro, como o conjunto de seis concelhos de que se apresentam valores no quadro 5. Este conjunto de seis concelhos possui cerca de um terço dos efectivos regionais de “outras vacas” e de caprinos, e um quarto do efectivo de ovinos, assim como uma contribuição maioritária para a área de pastagens permanentes (50,9%) do EDM (quadro 5). Em contraste ainda com o grupo de concelhos de produção forrageira intensiva, estes seis concelhos apresentam uma contribuição desprezível para a área regional de cultivo de milho silagem (0,6%), assim como para o efectivo de vacas leiteiras (0,7%). As características extensivas revelam-se ainda pelo facto da terra arável ser ocupação de apenas 20% da SAU e de a área total de pastagens temporárias e culturas forrageiras ser inferior a 20% da SAU. As estimativas de encabeçamentos médios para estes dois grupos de concelhos são de 2,1 e 0,57 CN ha-1 de superfície forrageira total e 3,1 e 0,52 CN ha-1 de SAU no grupo de produção intensiva e no de produção extensiva, respectivamente. Por outro lado, o efectivo médio de vacas leiteiras por exploração era de 22,6 vacas no primeiro grupo, enquanto que no grupo de concelhos com tipo de produção mais extensivo os efectivos eram 2,5 de “outras vacas”, 9,2 ovinos e 16,4 caprinos por exploração, o que revela diferenças sensíveis na estrutura das explorações entre os dois grupos de concelhos. QUADRO 5 – Efectivos de ruminantes (n.º) e ocupação da superfície agrícola utilizada (SAU) por forragens e pastagens (ha) em seis concelhos representativos de formas de cultivo mais extensivas na região do EDM Arcos de Ponte da Cabeceiras Mondim SubMonção Cinfães Valdevez Barca de Basto de Basto -totais Vacas leiteiras 466 186 99 29 16 20 816 Totais EDM 114 399 Outras vacas 4 811 1 965 1 514 2 280 1 181 2 209 13 960 47 062 Ovinos 8 600 14 418 1 628 5 036 325 6 211 36 218 140 883 6 525 1 082 3 564 3 295 4 465 2 936 21 867 66 202 16 675 7 009 10 782 5 898 5 390 4 746 50 500 215 675 Caprinos SAL Terra arável limpa Pastagens perm. Milho silagem Total sup. c/ past. temp. e cult. forrag. Fonte: INE, RGA 99 2 893 1 687 1 272 1 544 1 039 1 633 10 068 109 422 12 923 4 234 9 121 3 392 3 759 2 424 35 853 70 736 47 40 32 35 67 - 221 37 213 2 443 1 522 1 008 1 791 1 457 1 452 9 673 134 360 PASTAGENS E FORRAGENS 23 7 4 – PERSPECTIVAS FUTURAS Não é tarefa fácil perspectivar a evolução futura, mas já na reunião homóloga da SPPF realizada aqui nesta região, em Abril de 1993, avancei com algumas perspectivas (3) que se confirmaram (outras não). Por outro lado, a evolução de alguns indicadores do RGA 89 para o RGA 99 são uma base de previsão. Em primeiro lugar a tendência continuada para a redução do número de explorações com produção pecuária de ruminantes, com o consequente aumento da dimensão média das que se mantêm em produção. Isto pode significar ainda uma continuada tendência de especialização, já que entre as que cessam actividade predominam as de mais reduzida dimensão e com uma actividade policultural mais marcada, e é crescente o número das que mantêm apenas produção forrageira para venda a explorações vizinhas mais especializadas. A produção leiteira intensiva deverá prosseguir a sua especialização, para o que deverá contar com o desenvolvimento de empresas prestadoras de serviços, como algumas cooperativas o fazem já nos últimos anos com os equipamentos de sementeira directa sem mobilização e com os equipamentos de colheita automotrizes. Esta especialização, com estábulos cuja produção média por vaca deverá continuar a subir, deve manter como seu suporte forrageiro principal o milho silagem, aproveitando o potencial ainda a explorar quanto ao seu valor alimentar, ou seja, a selecção e divulgação de variedades com mais elevados valores de digestibilidade e ingestibilidade (4, 5, 6), assim como com níveis mais elevados de valor azotado (%PB) (7). Esta evolução, além de ser adequada para animais de elevado potencial produtivo, poderá permitir em termos relativos uma diminuição do consumo de alimentos compostos e assim uma redução da importação de nutrientes, contribuindo para uma melhor gestão dos nutrientes ao nível da exploração, aspecto de importância crescente nas regiões de produção intensiva em que há que procurar reduzir os impactes ambientais (8). Para além da melhoria do valor alimentar, a cultura do milho silagem deverá continuar a beneficiar de efeitos do progresso genético a nível do aumento das produções, como reflexo de melhorias devidas à exploração de resistências a stresses, ao carácter “stay-green”, a resistência à acama, a maior eficiência do sistema radical na utilização da água e nutrientes, assim como à melhor resistência ao frio nas 8 PASTAGENS E FORRAGENS 23 fases iniciais, o que permitirá por seu lado reforçar a tendência para sementeiras mais precoces (7). A cultura de Inverno, importante para o revestimento e protecção do solo, mas também para a utilização do azoto disponível após a cultura do milho e para aplicação e valorização dos chorumes da exploração (9), tende a ser crescentemente utilizada para conservar como silagem, devendo beneficiar da adopção de equipamentos que permitam uma rápida e eficiente pré-secagem ou, em alternativa, de conservantes biológicos com crescente eficácia (10). O ajustamento da cultura de Inverno por forma a desempenhar da melhor maneira a eficaz função de protecção ambiental e simultaneamente satisfazer as exigências da alimentação em estábulos leiteiros, de elevado potencial, é um desafio para os próximos anos. A tendência atrás apontada para sementeiras mais precoces do milho silagem permitirá induzir sementeiras mais precoces da cultura de Inverno, o que é desejável do ponto de vista ambiental (9), e deverá favorecer a utilização do azevém, com mais de um corte, em relação à cultura para corte único com base em cereais praganosos. A melhoria do valor alimentar das forragens produzidas, a utilização da sementeira directa e dos equipamentos automotrizes de colheita e uma fertilização mais racional, deverão contribuir para a redução dos custos de produção e simultaneamente dos impactes ambientais deste sistema de produção intensiva. As zonas de produção mais extensiva do EDM, onde como atrás se refere os efectivos por exploração são mais reduzidos, deverão registar uma mais acentuada redução do número de explorações com actividade pecuária, e deverá acentuar-se a tendência para a exploração de produtos com tipicidade regional (DOP e IGP), a par do desenvolvimento potencial da produção biológica de carne e de leite. O desenvolvimento potencial do modo de produção biológica tenderá a favorecer a introdução de leguminosas, quer como culturas forrageiras quer nas pastagens (11) das explorações de tipo mais extensivo desta região. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – DRAEDM – Entre Douro e Minho - Breve caracterização. “Formação Profissional Agrária”, 1990, n.º 6 2 – INE (2001) – hppt://www.ine.pt/prodserv/Rga/index_rga.asp PASTAGENS E FORRAGENS 23 9 3 – MOREIRA, N. – Situação e Perspectivas da Produção Forrageira Intensiva no Noroeste de Portugal “Pastagens e Forragens” vol. 14/15, 1994, p. 31-40 4 – BARRIÈRE, Y. – Le maïs ensilage de demain, un maïs spécifique pour nourrir les ruminants. «Fourrages», vol. 150, 1997, p. 171-189. 5 – BARRIÈRE, Y.; EMILE, J. C. – Le maïs fourrage. III - Evaluation et perspectives de progrès génétique sur les caractères de valeur alimentaire «Fourrages», vol. 163, 2000, p. 221-238. 6 – NOGUEIRA, A. – O Minho, a Terra e o Homem, 2002, “Boletim regional de variedades de milho forragem” n.º 46, (2001). Suplemento, 16 pp. 7 – BARRIÈRE, Y.; EMILE, J. C. – Le maïs fourrage. II - Evaluation et perspectives de progrès génétique sur les caractères de valeur agronomique «Fourrages». vol. 163, 2000, p. 209-220. 8 – VAN DER MEER, H. G. – Grassland and the enviroment. In “Progress in Grassland Science: Achievements and Opportunities”, 2001, S. C. Jarvis (ed.), BGS/IGER, Devon (U.K.), p. 53-67. 9 – TRINDADE, H.; COUTINHO, J.; MOREIRA, N. – Fluxos de Azoto em Explorações de Bovinicultura Leiteira Intensiva no Noroeste de Portugal. “Pastagens e Forragens”, 1998, vol. 19, p. 99-112. 10 – MERRY, R.; JONES, R.; THEODOROU, M. – The conservation of grass. Its In “Grass. Its Production & Utilization”, 3rd ed., 2000, Alan Hopkins (ed.), BGS & Blackwell, Oxford., p. 196-228 11 – YOUNIE, D. – The role and management of grassland in organic farming. In” Grass. Its Production & Utilization, 3rd ed., 2000, Alan Hopkins (ed.), BGS & Blackwell Science, Oxford, p. 365-393. "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 11–25. DA FORRAGEM À PASTAGEM SEMEADA* (COM RETROCESSO À PASTAGEM NATURAL) Teodósio A. Salgueiro Rua Cidade do Lobito, 268-2.º Esq.º – 1800 – 088 LISBOA RESUMO Depois de se fazer a distinção entre forragem e pastagem ou prado, refere-se que a cultura das forragens em Portugal é antiquíssima, pois tem mais de 2000 anos, ao passo que a das pastagens é recente, tendo-se iniciado, de forma sistemática, apenas em 1965. Descrevem-se os desenvolvimentos das culturas forrageiras que tiveram lugar nas décadas de 1920 e 1930, bem como o que se fez nos anos 50 e 60. Neste último período, as forragens começaram a ser encaradas como susceptíveis de ocupar o lugar do pousio nas rotações cerealíferas, em especial no sul do País. Até 1965 não se falava em pastagens semeadas, pois considerava-se que, no sequeiro, a sua permanência era inviável. Em 1965, porém, este juízo mudou e foram semeadas as primeiras pastagens permanentes em sequeiro, principalmente com trevo subterrâneo (Trifolium subterraneum L.). Iniciou-se então uma “revolução verde”, com benefícios evidentes para a produção animal e a conservação do solo ou, dito de outro modo, para a sustentabilidade da agricultura. Esta revolução começou, todavia, a ser perturbada nos anos 80, pela apologia das pastagens naturais. Tal apologia é errada e as pastagens semeadas devem constituir a regra no desenvolvimento da pecuária. As pastagens naturais, pelo contrário, só terão justificação em regiões de montanha e nalguns lameiros. PALAVRAS-CHAVES: Forragens; Pastagens semeadas; Revolução verde; FROM FORAGE CROP TO SOWN PASTURE (WITH A COMEBACK TO NATURAL PASTURE) ABSTRACT After explaining the distinction between forage crops and pastures, it is affirmed that cultivation of forages in Portugal is very old, dating back to more than 2000 years ago, while cultivation of pastures is recent, dating back to 1965. * Conferência proferida na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002. 11 Development of forage crops in the decades of 1920 and 1930 is described as well in the years of 1950 and 1960. In the later period, forages began to be regarded as crops that could take the place of the fallow in cereal rotations, specially in the south of the country. Sown pastures were not taken into account until 1965, because its persistence in non irrigated land was judged impossible. But in 1965 this judgment changed and the first permanent pastures were sown in dryland, mainly with subclover (Triflium subterraneum L.) It is possible to say that a green revolution had begun at that time, with clear benefits for animal production and soil conservation or, in other words, for the sustainability of agriculture. However, this revolution has commenced to be disturbed in the years of 1980, due to some opinions in favour of natural pastures. Such opinions are very wrong and the sown pastures should be the rule for development of animal production. On the contrary, natural pastures are justified only in mountainous situations with good botanical composition, called “lameiros”. KEYWORDS: Forage crops; Sown pastures; Green revolution; Natural pastures. 1 – DEFINIÇÕES Para boa compreensão do que se vai seguir, há que distinguir entre forragem e pastagem. Assim, forragem ou cultura forrageira, abrange um conjunto de plantas, praticamente sempre ervas, destinadas ao corte, para dar ao gado no seu estado natural, ou depois de conservadas como feno ou silagem. Eventualmente, uma área com forragem pode ser pastoreada, mas a maioria da sua produção vegetal é aproveitada mediante corte. Quanto à pastagem, também chamada prado, pasto ou pascigo, trata-se dum conjunto de plantas, em geral ervas, mas podendo ser sub arbustos ou mesmo arbustos, que ocupam uma certa extensão de terreno e se destinam a ser comidas pelo gado no local onde vegetam. Acessoriamente, podem ser cortadas em determinados períodos do ano, para alimentar, no estado natural ou após conservação como feno ou silagem, animais que estão noutro local, mas a sua principal utilização não deixa de ser o pastoreio. Verifica-se, deste modo, que a diferença entre forragem e pastagem reside na forma como as plantas são utilizadas pelo gado. Por esse motivo, há espécies e cultivares mais próprias para forragens e outras para pastagens, sem deixar de haver algumas, de que a luzerna é um exemplo típico, que são igualmente boas para uso forrageiro e uso pascícola. 12 PASTAGENS E FORRAGENS 23 2 – FORRAGENS E PASTAGENS EM PORTUGAL CONTINENTAL A cultura das forragens é antiquíssima – tem mais de 2000 anos. A cultura das pastagens, pelo contrário, é moderníssima – ainda não tem 40 anos. Segundo Castro Caldas (4), foram os Romanos que introduziram as primeiras forragens – tremoço, fenacho (Trigonella Foenum-graecum) e ervilhaca – com a particularidade de as associarem ao desenvolvimento dos cereais, que, como se sabe, constituía para eles uma preocupação, a fim de assegurarem o abastecimento de Roma. É interessante salientar que, há dois milénios, já os Romanos, entre os quais havia autores de verdadeiros tratados de Agricultura, como Varrão, Columela e Vergílio, conheciam os benefícios da ligação de leguminosas forrageiras com as culturas cerealíferas. E interessante – ou desinteressante – é também notar que, entre nós, tais benefícios são, ainda, menosprezados por muitos. Quanto à cultura das pastagens, isto é, a sementeira de espécies (predominantemente leguminosas) para pastoreio, teve início de forma sistemática, apenas em 1965. É de toda a justiça referir desde já que tal se deveu a um investigador australiano – Frank Hely –, a um Professor do Instituto Superior de Agronomia – Artur Garcia – e a dois engenheiros agrónomos – David Crespo e Mário Barreiro da Ponte. Este, todavia, saiu do Organismo onde trabalhava por decisão própria, cerca de dois anos depois, passando a sua acção a ser continuada, a partir de 1968, pelo signatário desta comunicação. 3 – FORRAGENS 3.1 – Décadas de 1920 e 1930 Até aos anos de 1920, os progressos em matéria de diversificação forrageira foram escassos, tendo ocorrido muito mais no Norte e Centro, sobretudo no litoral, do que no Sul. Forragens com alguma expansão nessa época eram o azevém anual (Lolium multiflorum) alternando com o milho para ocupar a terra no período outono-invernal, o trevo encarnado (Trifolium incarnatum), ligado igualmente ao milho, mas utilizado também onde este não era semeado, a serradela (Ornithopus sativus) e a garroba (Vicia monanthos) PASTAGENS E FORRAGENS 23 13 Nas décadas de 20 e 30 do século passado, os Serviços Oficiais fizeram notáveis esforços para o alargamento da área de cultivo, não só destas espécies mas também doutras, sobre as quais tinha havido experimentação e que se afiguravam de grande interesse para o desenvolvimento da pecuária. Assim, em 1936, o Ministério da Agricultura editou dois folhetos, o primeiro com 80 páginas e o segundo com 127, nos quais era explanado, por engenheiros agrónomos das “Brigadas Técnicas” de diversas regiões, o tema “Forragens – Subsídios para o estudo das possibilidades nacionais”. No Entre Douro e Minho, onde, segundo Ruella (10), as leguminosas forrageiras resumiam-se ao trevo encarnado e à serradela, tinham dado bons resultados em regadio e estavam a ser muito solicitados pela lavoura regional o trevo branco Ladino, o trevo violeta Spadoni e o trevo violeta (sem indicação de variedade) que era, há muito, semeado no distrito de Aveiro. Para o sequeiro, as recomendações incidiam na Vicia villosa e na Vicia macrocarpa, que “davam satisfatórias produções mesmo em terrenos considerados, na região, como muito pobres” (sic). Os trevos Ladino e Spadoni são também apontados por Teles de Vasconcelos (15), como novas culturas forraginosas a introduzir, em regadio, na Beira Transmontana (distrito da Guarda, “grosso modo”). A anafa (Melilotus segetalis) e o bersim (Trifolium alexandrinum), que se tornaram muito vulgares na região de Lisboa, especialmente para vacas leiteiras, deram os primeiros passos nos anos de 1920 e 1930, por indicação dos agrónomos Luís de Seabra (13) e Tavares de Almeida (2). O primeiro dava relevo à aptidão da anafa para os solos salgados e, além disso, salientava que devia entrar na rotação com o trigo. Quanto ao bersim, o mesmo autor referia que na década de 1920 já se cultivava com esplêndidos resultados (sic) no Algarve, nos concelhos de Mértola e Vidigueira, do distrito de Beja, no Vale do Sado, no Ribatejo, na Beira, etc. É igualmente Seabra (13) que, em 1931, advoga a Vicia villosa, a que chamava “ervilhaca peluda ou das areias”, para grande parte do Alentejo onde, dizia, “poderá operar uma verdadeira revolução na prática da agricultura extensiva, tradicional”. A própria serradela, embora já cultivada em várias zonas do País, designadamente nos solos arenosos do Miocénico e do Pliocénico, ainda 14 PASTAGENS E FORRAGENS 23 não ocupava, nas décadas a que nos estamos a referir, área suficientemente satisfatória. Com efeito, Viana (16) escreve, em 1935, que nos arneiros e charneca a sul do Tejo se deve divulgar e propagar a sementeira de serradela, para ensilar ou fenar. De maneira análoga se pronuncia Seabra (13), quer em relação a essa charneca, quer no que respeita ao Alentejo. A garroba, por sua vez, encontra-se numa situação idêntica, já que, apesar de bastante cultivada, é susceptível de abranger uma área muito mais vasta. Assim, Trigo de Abreu et al. (1), reconhecendo que é a leguminosa que mais se semeia no Nordeste Transmontano, dizem que “a sua cultura está ainda muito longe de atingir a importância que podia e devia ter”. Para a Beira Transmontana, ela é também preconizada por Teles de Vasconcelos (15), por se ter mostrado, nas experiências efectuadas, como muito rústica e pouco exigente, devendo anteceder o centeio ou o trigo. A este respeito é muito interessante a revelação de que, adubando a garroba com superfosfato, sulfato de potássio e gesso, pode fazer-se-lhe seguir um cereal, pouco ou nada adubado, e obter dele uma produção bastante superior à conseguida, mesmo com fortes adubações, quando não é precedido desta leguminosa. Na apologia desta Vicia também participa Seabra (13), referindo-selhe como “devendo ser escolhida, num futuro próximo1, para valorizar muitos terrenos das Beiras e Alentejo, concorrendo, poderosamente, para o aperfeiçoamento da sua agricultura”. Este mesmo autor, que no seu descreve diversas espécies, aponta o velmente, a leguminosa forrageira de conhecido, em muitas zonas, como onde é muito cultivado. livrinho “Ervagens de Leguminosas” trevo encarnado como sendo, provamaior difusão em Portugal, sendo até “trevo das Beiras”, por ser a região Acrescenta, porém, que se deve expandir muito mais, com grandes benefícios, invadindo (sic) o Centro e Sul do País e adianta saber que se adapta no concelho de Montemor-o-Novo, em Cabrela, valorizando terrenos xistosos. 1 Note-se que isto é escrito em 1931. PASTAGENS E FORRAGENS 23 15 A terminar este capítulo, é interessante destacar a luzerna (Medicago sativa). Em 1924, esta espécie era completamente desconhecida em toda a região minhota – palavras de Motta Prego (9) que, no entanto, dá preciosas indicações sobre a sua cultura, baseado num luzernal de cerca de um hectare que, certamente sob a sua orientação, foi estabelecido na Escola Agrícola “Conde de S. Bento”, em Santo Tirso. Curiosa é a sua afirmação, a propósito da falta de “cal” (sic) nas terras do Minho, de que basta uma calagem de 200 gramas por metro quadrado, ou 2000 quilogramas por hectare, para se ter um bom luzernal nessa região, a produzir anualmente 70 000 quilogramas de forragem verde por hectare, em sete cortes e em regadio. O autor compara a receita obtida pela sucessão tradicional de “milhogrão e erva no inverno (a dar dois cortes)” com a da luzerna, concluindo que esta dá mais 19 773$00/ha e que provoca um enriquecimento da terra em azoto de 60 kg/ha-1. Anos depois, em 1935, havendo luzernais já estabelecidos no Sudeste Transmontano e a darem cinco ou seis “abundantes cortes” (sic), Trigo de Abreu e outros (1) aconselham a sua introdução nos lameiros mais fundos e susceptíveis de rega do Noroeste Transmontano. Na mesma data e relativamente à Beira Transmontana, Teles de Vasconcelos (15) expressa opinião idêntica e, pelo facto da luzerna entrar em concorrência com a consociação de milho e feijão frade, faz a análise económica comparativa concluindo que os lucros são sensivelmente iguais. À guisa de conclusões, é importante realçar a visão de agrónomos que, trabalhando nas regiões (e estavam lá sem haver Direcções Regionais de Agricultura), se lançavam na experimentação forrageira, visando a diversificação agrária. Para eles, a agricultura não devia cingir-se aos cereais – trigo, centeio, milho – e a pecuária não devia ter, como substracto principal, as ervas que a natureza dá. Há que salientar a ênfase posta nas leguminosas, o empenho na divulgação dalgumas que já eram relativamente conhecidas mas restringidas a certas zonas (trevo encarnado, serradela, garroba) e o interesse no estudo de espécies que, nesse tempo, eram novidade (trevo branco, trevo violeta, Vicia villosa e V. macrocarpa, anafa, bersim e luzerna). É também de destacar o pragmatismo posto na expansão da luzerna, ao compará-la com a cultura sua concorrente – o milho. 16 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Esta questão não merece hoje atenção nenhuma porque, erradamente, se privilegia o cereal. Mas devia ser objecto de ponderação e, até, de investigação científica, a conciliação destas duas culturas, pois afigura-se agronomicamente válido e economicamente vantajoso pôr o milho a beneficiar do azoto acumulado no solo em três a cinco anos de vida dum luzernal que o preceda. Que falta nos faz o Eng. Agrónomo Motta Prego que estudou e escreveu sobre isto em 1924! 3.2 – Décadas de 1950 e 1960 Nos anos 50, ou ainda no final da década de 40, a produção de forragens começou a suscitar o interesse de bastantes agrónomos, embora visando essencialmente a região a sul do Tejo. Assim, são de assinalar as criações, por Marques de Almeida, da variedade Maral do trevo da Pérsia (Trifolium resupinatum ssp. suaveolens) e, por Barbas Guerra, da variedade Grão da Gramicha do chícharo miúdo (Lathyrus cicera). Por outro lado, registam-se os esforços de Joaquim Sampaio na pesquisa duma rotação em que o pousio fosse substituído por forragens. Num período de oito anos (1950-57) e no Posto de Évora da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, este agrónomo estudou uma rotação, de seis anos, a que chamou intensiva, e que consistiu em: alqueive-trigo-sideraçãotrigo sobre sideração-ferrejo estrumado-pastagem melhorada2 (8). Como pastagem melhorada, o autor ensaiou várias espécies, entre as quais trevo da Pérsia, serradela e centeio, vindo a concluir que a consociação aconselhável era a de aveia com grão da Gramicha. Em trabalho publicado em co-autoria com Mariano Feio, sendo este o primeiro autor (8), são comparados os resultados da rotação ensaiada com os de explorações fidedignas da região, nas quais a rotação é de cinco anos: alqueive-trigo-aveia-pousio-pousio. Nestas explorações o encabeçamento era de um ovino/ha. A conclusão a que se chegou revelou que, na dita rotação intensiva, a produtividade do trigo foi 3,2 vezes maior e o encabeçamento 3,5 vezes superior. Todavia, na análise económica a que se procedeu, verificou-se que 2 O termo é incorrecto pois o que o autor designa são, na realidade, forragens. PASTAGENS E FORRAGENS 23 17 nas explorações tradicionais, com os pousios, os ovinos davam algum lucro, ao passo que na rotação intensiva, com 3,5 cabeças/ha, davam prejuízo. Apesar disso, Sampaio manteve a sua preferência pela forragem em vez do pousio, advogando, numa palestra que fez em 1964, que a rotação a praticar devia ser: alqueive-trigo-tremocilha para enterrar-pastagem melhorada. Especificou também que a pastagem podia ser uma mistura de diversas forragens: aveia, centeio, vicias, serradela, trevo da Pérsia, etc. (12). São também de assinalar os trabalhos do Prof. Pais de Azevedo e dos seus colaboradores Engenheiros José Chicau e André Dordio na expansão da cultura forrageira em diversas zonas do Sul. Tratava-se, igualmente, de introduzir as forragens, para ocuparem as folhas do pousio nas rotações cerealíferas. 3.3 – Solos, Cereais e Forragens A Carta de Solos de Portugal, que se vinha fazendo desde o final dos anos 40, e a Carta de Capacidade de Uso do Solo, iniciada cerca de 10 anos depois, bem como as preocupações com a defesa contra a erosão, que entraram em voga na época, contribuíram grandemente para que se generalizasse entre os agrónomos a consciência de que importava reflectir sobre a cultura dos cereais e a correspondente aptidão dos solos. Esta consciencialização fez-se sentir nos diplomas legislativos que os Governos emitiam com a designação de “Regime Cerealífero”. Assim, no Regime Cerealífero de 1959-60, vem expressa, pela primeira vez, a necessidade dum novo ordenamento cultural, sem, contudo, explicar em que devia consistir. Mas no de 1962-63 já se estipula que se devem entregar ao trigo apenas as terras que forem aptas, porém em rotação com forragens (3). Este decreto-lei tece considerações sobre o fomento forrageiro e pecuário e diz: Está mesmo [o Governo] na disposição de tornar dependente da existência de culturas forrageiras e dos correspondentes efectivos pecuários a concessão de qualquer facilidade futura para a cultura do trigo (3). Em 1963 é instituído um Plano de Fomento Pecuário que inclui o regime de produção e comercialização de sementes certificadas de forragens (5). O Decreto-Lei n.º 46 595, de 15 de Outubro de 1965, promulga o Regime Cerealífero de 1966-1970, o qual afirma que produção cerealífera, 18 PASTAGENS E FORRAGENS 23 produção pecuária e, consequentemente, produção forrageira são elementos inseparáveis. Em consonância com isto aborda também a questão da produção de sementes de forragens. Há que mencionar agora, por serem desvalorizadoras das forragens, afirmações escritas por Mariano Feio – personalidade importante na agricultura alentejana. Assim, em 1963, numa exposição (sic) que tinha por título “Situação Económica e Perspectivas da Cultura do Trigo” (6), faz declarações incorrectas e tendenciosas. Com efeito, passando em revista as possibilidades de diversificação da agricultura no Alentejo diz, a propósito do conjunto gado-forragem, o seguinte: 1) O aproveitamento de forragens cultivadas não é aceitável em pastoreio e não é opção válida para fenação nem para ensilagem; 2) A criação de bovinos para carne tem de ser actividade económica secundária, baseada nas pastagens espontâneas e com ajudas muito limitadas de forragens cultivadas. Analisando igualmente as possibilidades do regadio e da florestação, para as quais aponta limitações quanto à área susceptível de ser beneficiada, o autor conclui que “não existe, assim, de momento, qualquer cultura capaz de substituir os cereais em boas condições de rendimentos”. Todavia, um ano depois (1964), numa grande reunião de técnicos dos Serviços Oficiais que constituíam os Conselhos Regionais de Agricultura da Quarta Zona (Alentejo e Algarve), M. Feio afirma, baseado nalguns dados climáticos, que “estamos fora da zona ecológica do trigo, cujo limite meridional passa na Europa, aproximadamente, pelo paralelo 43º, correspondente à costa norte da Península Ibérica” (7). Mais adiante, é a vez de declarar que “as condições no Sul do País não são mais favoráveis para o gado do que para os cereais”. Desta comunicação e do diálogo que houve foram escritas algumas conclusões, das quais citamos duas: 1) Nos solos delgados há que manter a cultura dos cereais até onde a mecanização possa ir3, para impedir a infestação de mato e obter pastagem para o gado; 3 Na publicação onde isto vem referido (7) é explicitado mais adiante que o limite corresponde a declives até 20%. PASTAGENS E FORRAGENS 23 19 2) Nos solos esqueléticos e nos declivosos onde a máquina não consegue trabalhar, a cultura do trigo está irremediavelmente condenada... A ocupação pelo mato será o seu destino natural. É de assinalar a contradição entre afirmar-se que se está fora da zona ecológica do trigo e, simultaneamente, preconizar se os cereais (com o trigo no lugar principal) para os solos mais impróprios, que são os delgados de xisto. Acrescente-se ainda que o limite topográfico que se aponta é ditado, não pelos riscos de erosão advindos duma cultura agrícola, mas pela possibilidade da mecanização, a qual se admite ser viável em declives até 20%. Ora, isto é um atentado à boa conservação do solo. Em abono do autor, diga-se que nesse ano de 1964 o trevo subterrâneo, embora espontâneo em quase todo o País, não era ainda conhecido como cultura. 4 – PASTAGENS SEMEADAS 4. 1 – Espécies Em 1965 deu-se um acontecimento simples, que está na origem do que, quanto a mim, se pode classificar de pequena revolução verde na agricultura nacional. Nesse ano, um investigador científi co, de nome Frank Hely, da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization (CSIRO), da Austrália, veio a Portugal, graças a diligências do Prof. Artur Garcia, (Instituto Superior de Agronomia) e de um organismo, já extinto, chamado Fundo de Fomento Florestal (FFF). Cá andou, durante cerca de um mês, acompanhado pelos Eng. Agrónomos Mário Barreira da Ponte (FFF) e David Crespo (Estação de Melhoramento de Plantas), mas teve também bastantes encontros com outros técnicos e agricultores. Hely descreveu os sistemas agro-pecuários que se praticavam na parte da Austrália de clima mediterrâneo (Austrália do Sul e Austrália Ocidental), ecologicamente análoga ao Sul do nosso País. Referiu ainda quão importantes eram as leguminosas, muito em especial o trevo subterrâneo (Trifolium subterraneum), na constituição de pastagens permanentes. Para que isto passasse a ser aplicado em Portugal, empenhou-se a fundo em que esses dois técnicos pudessem deslocar-se à Austrália e lá se inteirassem desses sistemas e os extrapolassem para cá. 20 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Assim aconteceu e, regressados a Portugal, logo nesse ano de 1965 promoveram e orientaram as primeiras sementeiras de trevo subterrâneo nalgumas centenas de hectares, todos ou quase todos no Sul, e as pastagens semeadas à base de leguminosas não mais deixaram de se realizar. Apesar disso, ainda hoje estão, infelizmente, muito aquém daquilo que deveriam estar na agricultura nacional. Até essa data, considerava-se impossível haver pastagens semeadas plurianuais em sequeiro e, mesmo em regadio, a exploração das espécies vivazes que se semeavam era feita quase sempre, ou sempre, por cortes, ou seja, como forragem. A excelência da luzerna, por exemplo, era expressa pelo número de cortes anuais que propiciava – tal como o fazia Motta Prego em 1924 (9). A possibilidade, que o estudo e as observações de campo avolumavam, de haver pastagens à base de leguminosas, que persistiam ano após ano em solos de baixa fertilidade, constituiu a solução técnica para o grande problema da reconversão da agricultura cerealífera de sequeiro. Nos solos delgados de xisto, declivosos, para os quais, em 1964, se preconizava a manutenção da cultura dos cereais até onde a mecanização pudesse ir, e nos solos esqueléticos, para os quais se dizia que o mato era o seu destino natural, era possível agora semear uma planta – trevo subterrâneo – que cumpria o desígnio divino: crescia e multiplicava-se. Este papel fulcral das pastagens no reordenamento da produção agrária foi alvo, logo em 1966, dum trabalho meu, que constituiu o relatório final do curso de engenheiro silvicultor, e que intitulei “As Pastagens de Leguminosas na Reconversão Cultural da Região a Sul do Rio Tejo. Sua Acção nos Solos de Capacidade de Uso Não Agrícola”. De então para cá, várias têm sido as vozes que, vezes sem conta, têm proclamado, em público e em publicações, que as pastagens semeadas constituem uma das soluções, económicas e amigas do ambiente, para substituir os cereais em muitos solos inadequados e para as viabilizar noutros, onde devem entrar nas rotações como fonte de azoto para o solo. Nos primeiros anos, foi o trevo subterrâneo a principal componente do que se semeava, porque a área contemplada situava-se, na esmagadora maioria dos casos, no Alentejo, com pluviosidade inferior a 700 mm e com muitos solos de baixa fertilidade e de pequena espessura efectiva. Para estas condições não havia, nem há ainda, leguminosas vivazes que suportem a secura estival dos terrenos. PASTAGENS E FORRAGENS 23 21 Apesar dos muitos exemplos de êxito, este trevo foi, não raras vezes, acusado de não se adaptar ao nosso clima e aos nossos solos. Acusação de má fé ou de ignorância, pois na Austrália ele é uma planta exótica e, no entanto, ocupa lá milhões de hectares, ao passo que em Portugal é espontâneo. Pereira Coutinho assinala-o, em 1939, na sua Flora de Portugal, como existindo em quase todo o País, e o mesmo escreveu João de Carvalho e Vasconcellos em 1962 (14). Acontece até que as primeiras introduções de trevo subterrâneo na Austrália terão sido, muito provavelmente, originárias do nosso País. Com efeito, a colonização desse território foi decidida, pelo governo inglês, em 1788 e, como o canal Suez só foi aberto à navegação em 1869, os navios vindos de Inglaterra não passavam pelo Mediterrâneo, e era na Galiza, Portugal, Madeira e Canárias que procediam ao seu abastecimento. Nas primeiras sementeiras, juntava-se ao trevo subterrâneo uma pequena quantidade de azevém bastardo (Lolium rigidum), mas verificou-se depois que, por um lado, este era muito pouco produtivo e, por outro lado, a cultivar Currie da gramínea vivaz pé-de-galo (Dactylis glomerata) adaptava-se perfeitamente às mesmas condições do trevo. A partir de 1971, começou a haver uma certa expansão das pastagens semeadas no Oeste, onde a pluviosidade e os solos possibilitaram a introdução duma leguminosa vivaz – o trevo-morango (Trifolium fragiferum cv. Palestine) – consociada com cultivares dotadas de dormência estival de azevém perene (Lolium perenne) e, por vezes, de festuca alta (Festuca arundinacea), sem deixar de se incluir também o trevo subterrâneo (geralmente, a sua cultivar Clare). Mais tarde, quando apareceu a cultivar Haifa do trevo branco, este passou igualmente a ser utilizado em sequeiro, mas, em geral, só onde a pluviosidade era superior a 850 mm. Nos últimos anos, por iniciativa do Eng.º David Crespo, têm também sido semeados, em consociação com o trevo subterrâneo, o trevo balansa (Trifolium balansae), o trevo púrpura (T. purpureum), o trevo vesiculoso e o trevo da Pérsia. Em relação aos solos calcários, usou-se, inicialmente, a luzerna espinhosa (Medicago truncatula) e, posteriormente, a luzerna rugosa (Medicago rugosa). Nalguns casos, também se recorreu à luzerna de disco (Medicago tornata). Todas estas luzernas anuais são, aliás, espontâneas em diversas regiões do País. 22 PASTAGENS E FORRAGENS 23 O que vimos na Austrália, quando lá estagiámos em 1970, e a bibliografia desse país, que consultámos, levaram-nos a proceder à cultura de luzerna (Medicago sativa) e a introduzir uma gramínea desconhecida entre nós – a erva da estepe (Ehrharta calycina) – ambas em sequeiro. Com a luzerna, recorremos a uma variedade muito tolerante a verões secos e quentes – Hunter River. Para além de solos de diversos tipos, ela foi ensaiada com êxito em solos arenosos, de baixa fertilidade e muito ou medianamente espessos como são os Solos Podzolizados do Plio-Plistocénico e do Miocénico a sul do Tejo. Alguns destes tinham a característica de serem repelentes da água. Precisamente nestes solos foi igualmente introduzida a citada erva da estepe. 4.2 – Inoculação com Rhizobium e Revestimento das Sementes de Leguminosas O começo das pastagens à base de leguminosas gerou o começo duma prática que, embora velha nos livros e noutros países como a Austrália, não tinha ainda sido aplicada em Portugal, mesmo no período do fomento forrageiro das décadas de 50 e 60. Refiro-me à inoculação com bactérias do género Rhizobium e ao revestimento das sementes com calcário muito fino, que se faz para proteger esses microorganismos, quer em armazém, quer no solo, até que se dê a germinação. Este procedimento continua a seguir-se em relação às leguminosas pascícolas e forrageiras, mas supomos que só nestas. Julgo, com efeito, que não se aplica nas hortícolas, nem nas arvenses para grão. 5 – PASTAGENS NATURAIS No início dos anos 80, alguns técnicos, nada amigos de estudar, começaram a preconizar que, em vez de se semearem pastos, se utilizassem as pastagens naturais, melhoradas pela adubação, alegando que se gastava menos. Com excepção dalguns casos, cingidos em geral, às pastagens de altitude e a diversos lameiros, esta opção representa um grave erro. Por um lado, a generalidade dos incultos e dos pousios têm uma composição florística de fraco valor alimentar e pouco produtiva, mesmo com adubação. PASTAGENS E FORRAGENS 23 23 Por outro lado, a produção animal em pastos naturais e adubados tem um preço de custo por animal mais elevado do que quando feita em pastagens semeadas. Com efeito, se pensarmos que o encabeçamento nestas últimas é, pelo menos, triplo do que é possível nos pascigos naturais, verificamos que, para um mesmo efectivo animal, precisamos, neste segundo caso, duma área que é tripla da do primeiro caso. Isto, por sua vez, acarreta uma despesa muito maior em cercas e bebedouros. Note-se, por fim, que a adubação dos pastos naturais é até, muitas vezes, mais dispendiosa, pois inclui o nutriente azoto, que é muito caro e que se dispensa nas pastagens semeadas de leguminosas. Sucede, porém, que a exploração de pastagens naturais não exige nenhuns conhecimentos científicos e os seus utentes – os animais – não protestam nem fazem greves. Com as pastagens semeadas sucede o contrário. É preciso ter conhecimentos científicos, que se adquirem pelo estudo, porque ninguém nasce ensinado, dos diversos ramos do saber, sendo de destacar os que se referem às espécies e variedades a semear, à fertilização mineral e à condução dos pastoreios. E como as ciências agrárias evoluem constantemente, o estudo constante é também um imperativo. 6 – CULTIVARES PORTUGUESAS DO CATÁLOGO NACIONAL DE VARIEDADES A investigação agrária tem-se interessado pela criação de cultivares, em geral mais adequadas a forragens do que a pastagens. Este trabalho tem sido feito, quase todo, pela Estação Nacional de Melhoramento de Plantas e Estação Agronómica Nacional. Da autoria destas Estações há, no Catálogo Nacional, cultivares de aveia forrageira, bersim, chícharo (Lathyrus cicera), ervilhacas (Vicia villosa, V. benghalensis e V. sativa), trevo da Pérsia e trevo subterrâneo. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro criou um triticale forrageiro (cv. Douro) e à Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho deve-se o azevém anual Bragelim. 24 PASTAGENS E FORRAGENS 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – ABREU, A. T. et al. – Forragens. Subsídios para o estudo das possibilidades nacionais. II. Trás-os-Montes. “Estudos Técnicos da Campanha da Produção Agrícola.” Folheto n.º 21, 1936, Ministério da Agricultura. Lisboa. 2 – ALMEIDA. F. T. – Forragens. Subsídios para o Estudo das Possibilidades Nacionais. I. Região Saloia. “Estudos Técnicos da Campanha da Produção Agrícola”. Folheto n.º 18, 1936, Ministério da Agricultura. Lisboa. 3 – CABRAL, A. – Produção, Transformação e Comercialização dos Cereais em Portugal. Lisboa, 1991, EPAC. 4 – CALDAS, E. C. – A Agricultura Portuguesa Através dos Tempos. Lisboa, 1991, INIC. 5 – Decreto-Lei nº 46 595 de 15 de Outubro de 1965. Regime Cerealífero 1966-1970. 6 – FEIO, M. – A Situação Económica e Perspectivas da Cultura do Trigo. Federação dos Grémios da Lavoura do Baixo Alentejo. Beja, 1963, Publicação n.º 10. 7 – FEIO, M. – A Cerealicultura do Sul Perante a Reconversão Agrária. Os Problemas Fundamentais da Reconversão Agrária da IV Zona Agrícola. Beja. Federação dos Grémios da Lavoura do Baixo Alentejo. Publicações, 1965, n.º 16. 8 – FEIO, M; SAMPAIO, J. A. – Possibilidades da Agricultura de Sequeiro no Alentejo. A Rotação Experimental do Posto de Évora. Beja. Federação dos Grémios da Lavoura do Baixo Alentejo. Publicações, n.º 2, 1961, 2ª Edição Actualizada. 9 – PREGO, M. – Cultura da Luzerna (De Provença) no Minho, 1926, Porto. 10 – RUELLA, A. – Forragens. Subsídios para o Estudo das Possibilidades Nacionais. I. Entre Douro e Minho. Estudos Técnicos da Campanha da Produção Agrícola. Folheto nº 18. Ministério da Agricultura, 1936, Lisboa. 11 – SALGUEIRO, T. A. – Breve Historial das Pastagens Semeadas à Base de Leguminosas. In “Valorização da Caprinicultura na Serra do Caldeirão” 2000, Direcção Regional de Agricultura do Algarve, Faro. 12 – SAMPAIO, J. A. – Problemas de Matéria Orgânica na Agricultura Alentejana. Federação dos Grémios da Lavoura do Baixo Alentejo, Publicações, n.º 15, 1965, Beja. 13 – SEABRA, A. L. – Ervagens de Leguminosas. Lisboa. Empresa Nacional de Publicidade. 1931. 14 – VASCONCELLOS, J. C. – Ervas Forrageiras. Lisboa. Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. 1962. 15 – VASCONCELOS, M. T. – Forragens. Subsídios para o Estudo das Possibilidades Nacionais. II. Beira Transmontana. Estudos Técnicos da Campanha da Produção Agrícola. Folheto nº 21. Ministério da Agricultura, 1936, Lisboa. 16 – VIANA, C. I. – Forragens. Subsídios para o Estudo das Possibilidades Nacionais. I. Vale do Tejo e Sorraia. Estudos Técnicos da Campanha da Produção Agrícola. Folheto n.º 18. Ministério da Agricultura, 1936, Lisboa. PASTAGENS E FORRAGENS 23 25 "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 27–40. EFEITO DA APLICAÇÃO AO SOLO DE COMPOSTADO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS SOBRE A CONCENTRAÇÃO EM METAIS PESADOS DA CEVADA E DO MILHO* Manuel Souteiro Gonçalves, António Videira da Costa, Cristina M. Sempiterno Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva, Apartado 3228 – 1306 LISBOA – Codex RESUMO Registam-se na literatura trabalhos divulgando acréscimos e outros apontando decréscimos na concentração em metais pesados de plantas cultivadas em solos previamente submetidos a correcção orgânica com compostados de resíduos sólidos urbanos (RSU). Procurando contribuir para a investigação sobre esta temática, visou-se, através de ensaios em vasos, e no âmbito de um estudo mais abrangente destinado a avaliar a qualidade agronómica de um compostado de RSU, estudar o efeito da aplicação de doses crescentes deste fertilizante a dois tipos de solo sobre a concentração em metais pesados (Cd, Cu, Cr, Ni, Pb e Zn) no material vegetal relativo a um sistema de culturas sucessivas: alface, cevada e milho. Os solos utilizados foram um Podzol câmbico (PZb), da região de Pegões, e um Vertissolo cálcico (VRk), da região de Queluz. O estudo apoiou-se num delineamento experimental constituído por seis tratamentos: o controlo zero e cinco níveis de aplicação de compostado por vaso correspondendo, grosso modo, a 7,5; 15; 30; 45 e 60 t ha-1. A análise de variância revelou que: i) no caso do solo PZb, as aplicações de compostado originaram, na cevada e no milho, uma drástica redução dos teores de cádmio, cobre, níquel e zinco no material vegetal (parte aérea), logo a partir do nível mais reduzido, não se registando diferenças significativas nos teores de chumbo e crómio; ii) no caso do solo VRk, não se verificou resposta significativa das concentrações de todos os metais pesados nas plantas de milho às aplicações do fertilizante. A análise de correlação permitiu verificar que as concentrações de cádmio, cobre, níquel e zinco no milho do ensaio conduzido no solo PZb não se encontravam, de um modo geral, directamente correlacionadas com os teores extraíveis (pelo método de Lakanen e Ervio) dos vários elementos no solo, tendo-se obtido os mais elevados coeficientes de correlação (negativos) entre tais concentrações e o pH do solo. Os teores de cádmio, crómio e níquel apresentaram, em ambos os solos e culturas e em todos os tratamentos, valores abaixo dos considerados normais nas plantas e os de cobre, chumbo e zinco muito abaixo dos limites considerados toleráveis. PALAVRAS-CHAVES: Cevada; Compostado de RSU; Metais pesados; Milho; pH; * Comunicação apresentada na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002. 27 EFFECT OF MUNICIPAL SOLID WASTE COMPOST APPLICATION ON HEAVY METALS CONTENTS IN BARLEY AND CORN ABSTRACT Reports were made pointing out either an increase or a decrease of heavy metal content in plants grown in soils where municipal solid waste (MSW) compost was applied. In order to contribute for the research on this subject, the effect a MSW compost on the heavy metal content (Cd, Cu, Cr, Ni, Pb and Zn) of a plant rotation (lettuce, barley, corn) carried out in two soil types, a Cambic Podzol and a Calcic Vertisol, was studied. With this aim, a pot trail was installed with six experimental treatments: the zero control and five compost levels, corresponding, grosso modo, to 7.5; 15; 30; 45 and 60 t h-1. The statistical analysis has shown the following: i) from the compost application to the Cambic Podzol has resulted a dramatic reduction in the concentration of Cd, Cu, Ni and Zn of barley and corn, as from the first compost level, but there was not significant differences in Pb and Cr contents; ii) a significant response of corn to the heavy metal content of compost applied to the Calcic Vertisol was not found; iii) the concentration of Cd, Cu, Ni and Zn of corn grown in the Cambic Podzol was not, in general, directly correlated with its extractable (by Lakanen and Ervio´s method) concentrations in soil, being the higher correlation coefficients (negatives) attained with soil pH. For every soil, crop and treatment, the levels of Cd, Cr and Ni were below the limits considered “normal” and the levels of Cu, Pb and Zn below the tolerable limits for feed crops. KEYWORDS: Barley; Corn compost; Heavy metals; MSW; pH; Soil 1 – INTRODUÇÃO Alguns autores registaram acréscimos no teor de alguns metais pesados em plantas cultivadas em solos submetidos a correcções orgânicas com o compostado de RSU, nomeadamente em doses elevadas (10, 13, 3, 4, 11), enquanto outros apontam decréscimos (9, 14). Esta discrepância de resultados poder-se-á dever à intervenção de vários factores, tais como o pH, capacidade de troca catiónica e teor de matéria orgânica do solo, o pH, grau de maturação e carga em metais pesados do composto e, ainda, os factores de transferência dos diversos metais pesados (2, 8). O presente estudo, com o qual se procurou avaliar o efeito da aplicação de um compostado de RSU sobre a concentração em metais pesados no material vegetal relativo a um determinado sistema de culturas sucessivas implantadas em dois solos de características distintas, inseriu-se numa investigação mais abrangente que visava, ainda, os seguintes objectivos: i) estimar a eficiência de N, P e K veiculados para esses solos pelo compostado de 28 PASTAGENS E FORRAGENS 23 RSU, comparativamente com uma adubação mineral, veiculando as mesmas doses de N, P e K; ii) avaliar o efeito da aplicação de doses crescentes de compostado sobre a evolução dos principais parâmetros químicos indicadores do estado de fertilidade do solo e dos metais pesados não nutrientes. Embora reconhecendo não ser muito correcto extrapolar para o campo os resultados obtidos nos ensaios em vasos (1), tomou-se a liberdade de estabelecer uma correspondência entre as quantidades expressas em gramas por vaso e t ha-1 de compostado aplicado (considerando o volume da camada arável do solo de 20 cm) para ilustrar alguns aspectos do presente estudo. Esta transposição deverá, assim, ser considerada com as devidas reservas. 2 – MATERIAL E MÉTODOS 2.1 – Instalações O ensaio foi conduzido no Horto de Química Agrícola Boaventura de Azevedo, Tapada da Ajuda, numa estrutura constituída por uma estufa de vidro, um abrigo de rede e uma unidade de apoio destinada à preparação de macro-amostras de terra. 2.2 – Material de estudo 2.2.1 – Compostado Utilizou-se um compostado de RSU com as características indicadas no quadro 1. QUADRO 1 – Características do compostado utilizado nos ensaios em vasos* Parâmetros determinados Humidade Unidade Resultados % 22,7 pH (H2O) Condutividade eléctrica 8,2 mS cm-1 a 25 ºC 5,0 Matéria orgânica % 41,7 C orgânico % 18,7 N total N orgânico insolúvel em água % 2,1 % (N) 1,8 Fósforo total % (P2O5) 1,3 Potássio total % (K2O) 1,6 Cálcio total % (CaO) 10,4 Continua PASTAGENS E FORRAGENS 23 29 Continuação Parâmetros determinados Unidade Resultados Magnésio total % (MgO) 1,0 Cloretos % (NaCl) 1,4 Enxofre total % (SO3) 0,7 Composto húmicos % Ácidos húmicos % 8,0 Ácidos fúlvicos % 2,2 10 Relação ac. húmicos/ac. fúlvicos Taxa de humificação 3,4 % 30,3 Relação C/N 11 Cobre total mg kg-1 344 Zinco total mg kg-1 727 Níquel total mg kg-1 70 Crómio total mg kg-1 49 Cádmio total mg kg-1 3 Chumbo total mg kg-1 753 * Resultados reportados à matéria seca a 100-105 ºC. 2.2.2 – Solos Para os ensaios em vasos utilizaram-se dois solos de características distintas e de grande representatividade, a nível regional e nacional: – Um Vertissolo cálcico (VRk), de acordo com a classificação da FAO/ UNESCO, proveniente da região de Queluz, de textura franco-argilosa, capacidade de troca catiónica elevada e pH na gama do neutro; – Um Podzol câmbico (PZb), proveniente da região de Pegões, de textura arenosa, capacidade de troca catiónica muito baixa e de reacção ácida. No quadro 2 apresentam-se algumas características das terras utilizadas nos ensaios em vasos, provenientes da camada arável (0 - 20 cm) de ambos os solos. 2.2.3 – Culturas utilizadas Nos ensaios foi utilizada a rotação alface (Lactuca sativa L., variedade “Maravilha de Inverno”) × cevada (Hordeum vulgare L., variedade “Jaidor”) × milho (Zea mays L., variedade “Px-74”, classe FAO 600). 30 PASTAGENS E FORRAGENS 23 QUADRO 2 – Características dos solos utilizados nos ensaios em vasos Parâmetros Textura Fósforo (P2O5) Potássio (K2O) pH (H2O) Matéria orgânica N total (orgânico + amoniacal) Cálcio extraível Magnésio extraível Bases de troca: Ca Mg K Na H titulável Soma Bases Troca (SBT) Capacidade Troca Catiónica (CTC) Grau Saturação Bases (GSB) Ferro extraível Manganês extraível Zinco extraível Cobre extraível Chumbo extraível Níquel extraível Crómio extraível Cádmio extraível Boro extraível Molibdénio extraível Zinco total Cobre total Chumbo total Níquel total Crómio total Cádmio total mg kg-1 mg kg-1 % % mg kg-1 mg kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 cmol(+) kg-1 % mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 mg kg-1 Solo VRk Franco-argilosa 169 101 7,10 1,45 0,067 2508 1240 16,78 13,33 0,15 0,59 6,70 30,85 37,55 82,16 162 53 4,5 2,4 <3,0 7,0 <0,2 <0,2 0,84 0,049 91,5 53,8 24,5 24,0 192 <0,1 PZb Arenosa <11 14 4,70 0,40 0,036 77 10 0,38 0,07 0,03 0,03 0,42 0,51 0,93 54,84 40,6 8,8 3,0 1,2 <3,0 <0,2 <0,1 <0,1 0,40 0,002 5,0 5,5 3,5 4,0 1,0 <0,1 2.3 – Métodos 2.3.1. – Preparação das amostras e métodos de caracterização laboratorial As amostras de compostado foram previamente secas em estufa a 60 ºC, sendo posteriormente moídas num moinho de facas em aço inoxidável a que se seguiu nova moenda num almofariz de ágata, para que o material passasse por um crivo de 0,5 mm. Para a sua análise, utilizou-se a metodologia descrita no quadro 3. PASTAGENS E FORRAGENS 23 31 QUADRO 3 – Métodos utilizados na análise físico-química do compostado Parâmetro Humidade Unidades % Método Mét. gravimétrico: perda por secagem a ≈105º C PH Esc. Sörensen Método electroquímico (potenciométrico) Condutividade (susp.1:5 v/v) mScm-1 (25 ºC) Método electroquímico Matéria orgânica total Carbono orgânico rapidamente biodegradável % Método gravimétrico: perda por calcinação a ≈ 540º C % Oxidação com dicromato de potássio e ácido sulfúrico. Doseamento por colorimetria N total %N Método de Kjeldahl. Doseamento por volumetria N amoniacal %N Destilação. Doseamento por volumetria N nítrico %N Redução a N amoniacal pela liga de Devarda Doseamento por volumetria N orgânico insolúvel em água %N Ácidos húmicos % Ácidos fúlvicos % Fósforo total % P 2O 5 Potássio total % K 2O Cálcio total % CaO Magnésio total % MgO Extracção com etanol, mineralização pelo método de Kjeldahl. Doseamento por volumetria Extracção com hidróxido de sódio e pirofosfato de sódio . Precipitação (pH ≈ 2). Doseamento por colorimetria Extracção com hidróxido de sódio e pirofosfato de sódio. Doseamento por colorimetria Solubilização com uma solução de ácido clorídrico após calcinação da amostra. Doseamento por colorimetria Solubilização com uma solução de ácido clorídrico após calcinação da amostra. Doseamento por fotometria de chama Solubilização com uma solução de ácido clorídrico após calcinação da amostra. Doseamento por EAA Solubilização com uma solução de ácido clorídrico após calcinação da amostra. Doseamento por EAA Sódio solúvel em água % Na Extracção com água. Doseamento por fotometria de chama Sulfato solúvel em água % SO3 Extracção com água levemente acidulada. Doseamento por gravimetria Cloreto solúvel em água % Na Cl Extracção com água. Doseamento por volumetria Zn, Cu, Cd, Cr, Ni, Pb totais mg kg-1 Solubilização com uma solução de ácido clorídrico após calcinação da amostra. Doseamento por EAA As amostras de terra, provenientes da camada arável de 0 – 20 cm, foram secas a uma temperatura inferior a 40 ºC e submetidas a peneiração com um crivo de aço inoxidável de 2 mm. As análises de terra foram efectuadas no material passado por este crivo, no início e no termo dos ensaios, tendo-se utilizado a metodologia adoptada pelo Laboratório Rebelo da Silva (6, 7). As amostras de material vegetal foram secas a 100 – 105 oC e moídas num moinho apropriado, em aço inoxidável. 32 PASTAGENS E FORRAGENS 23 2.3.2. – Modalidades experimentais, esquema estatístico e fertilização. Como atrás se referiu, a investigação realizada visava múltiplos objectivos, sendo o principal a avaliação da eficiência relativa do N, P e K veiculados pelo compostado, pelo que se estabeleceu um complexo delineamento experimental integrando 29 tratamentos (T1 a T29), distribuídos segundo um esquema de blocos completos casualizados, com 3 repetições, num sistema de três culturas sucessivas: alface, cevada e milho. Para a realização do presente trabalho, consideraram-se os tratamentos relativos à “curva do azoto”, ou seja, o T1 (controlo zero) e cinco níveis de aplicação de compostado por vaso (T2 a T6), correspondendo, grosso modo, a 7,5; 15; 30; 45 e 60 t ha-1. No quadro 4 descriminam-se os tratamentos experimentais considerados, bem como se indicam as doses de compostado e de macronutrientes principais recebidas por cada vaso. O P foi veiculado pelo Ca(H2PO4).H2O e o K pelo K2SO4. Todos os tratamentos, incluindo os que levaram compostado, receberam 300 mg de Mg sob a forma de MgSO4.7H2O. O efeito dos tratamentos sobre as concentrações dos nutrientes no material vegetal foi avaliado através da análise de variância, tendo-se procedido à comparação das médias recorrendo ao teste da diferença mínima significativa (p = 0,05). QUADRO 4 – Tratamentos experimentais estabelecidos e doses de compostado, N, P e K aplicadas Tratamentos T1 T2 T3 T4 T5 T6 - N0PKC0 N0PKC1 N0PKC2 N0PKC3 N0PKC5 N0PKC4 Compostado Fertilização mineral (mg por vaso) (g por vaso) N P K 0 26,25 52,50 105,00 157,50 210,00 0 0 0 0 0 0 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1200 1200 1200 1200 1200 1200 2.3.3 – Descrição e condução dos ensaios Utilizaram-se vasos do tipo Kick-Brauckmann de polietileno branco quimicamente inerte e de parede dupla, com cerca de 7 dm3 de capacidade. Para cada vaso pesaram-se, tendo em conta a densidade aparente, 8,5 kg de terra no caso do solo VRk e 11,47 kg de terra no caso do solo PZb. Após a preparação da terra, que foi passada por um crivo de malha de 1 cm, procedeu-se à incorporação do compostado e dos adubos minerais nas quantidades previstas para cada tratamento. Os vasos foram PASTAGENS E FORRAGENS 23 33 depois dispostos por blocos e tratamentos, de forma casualizada, nos carros porta-vasos. Sempre que as condições atmosféricas o permitiram, foram transferidos para o abrigo de rede. Após o humedecimento da terra, procedeu-se à plantação da alface (4 plantas por vaso). Uma semana depois efectuou-se o desbaste, deixando duas alfaces por vaso, aplicandose de seguida a solução azotada de cobertura. A plantação foi realizada primeiramente no solo VRk e, alguns dias depois, no solo PZb. Seguiu-se o mesmo procedimento na instalação das restantes culturas ensaiadas (cevada e milho). Assim, o trabalho iniciou-se sempre com o solo VRk, sendo as diversas tarefas realizadas de forma escalonada. Durante o ensaio, a terra foi mantida a 70% da capacidade máxima de retenção de água, aproximadamente. Após a colheita da alface, procedeu-se à preparação da terra para a sementeira da cevada. A terra foi revolvida até à profundidade de 10-15 cm, tendo-se efectuado o arranque da raiz principal. No caso da cultura do milho, a sementeira foi também precedida de mobilização até aos 10-15 cm de profundidade, deixando enterradas as raízes de cevada. Para a segunda cultura (cevada), semearam-se 40 sementes por vaso. Após a emergência, realizou-se o desbaste para 25 plantas por vaso. Para o milho, utilizaram-se 8 sementes por vaso, tendo-se realizado o desbaste na fase de duas folhas, mantendo em cada vaso apenas 4 plantas. Os ensaios deram-se por concluídos cerca de 8 semanas após a plantação, no caso da alface, e cerca de 5 semanas após a sementeira, nos casos da cevada e milho. A colheita das plantas efectuou-se rés-terra, procedendo-se de seguida à sua pesagem e posterior secagem a 65 ºC em estufa de ventilação forçada durante 48 horas, a que se seguiu nova pesagem. O material vegetal foi moído para posterior análise química. No sentido de minorar o erro experimental, uma vez que as aplicações do compostado poderiam condicionar a acção dos fitofármacos, não foi efectuado qualquer tratamento fitossanitário. Consequentemente verificou-se, no ensaio com o solo PZb, um forte ataque de Botrytis cinerea à alface (primeira cultura de rotação), do qual resultou a morte ou aparecimento de necroses em 58% das plantas, pelo que esta cultura não foi considerada no presente estudo. Importará, também, referir que a determinação do teor de metais pesados no material vegetal foi, numa primeira fase, efectuada através da utilização de um espectrofotómetro de absorção atómica de chama (PERKIN-ELMER 3100), tendo-se observado que os valores relativos ao 34 PASTAGENS E FORRAGENS 23 chumbo, no material proveniente de todas as culturas ensaiadas, e os relativos ao cádmio, chumbo, crómio e níquel, no caso da cevada e do milho, se encontravam abaixo dos limites de detecção do aparelho. Decidiu-se, assim, conservar as amostras de material vegetal (secas a 105 ºC e acondicionadas em sacos de plástico, em local apropriado), tendo em vista a posterior determinação dos metais pesados utilizando, desta vez, um espectrofotómetro de absorção atómica com forno de grafite (PERKIN-ELMER 4110 ZL). Dadas as reduzidas quantidades de material remanescente de grande parte das amostras correspondentes aos tratamentos considerados no estudo que se pretendia realizar (T1 a T6), só foi possível efectuar as análises com 3 repetições das amostras relativas ao milho instalado em ambos os solos e à cevada instalada no solo PZh. Assim, só os resultados provenientes da análise química destas amostras foram passíveis de análise estatística. 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 – Cevada Os resultados relativos às concentrações de metais pesados nas plantas de cevada (parte aérea) obtidas no ensaio com o solo PZb apresentam-se no quadro 5. QUADRO 5 – Concentrações (valores médios) de metais pesados nas plantas de cevada (parte aérea) instaladas no solo PZb (mg kg-1) Tratamento Cádmio Chumbo Cobre Crómio Níquel Zinco T1 0,190 a 0,299 a 23,0 a 0,292 a 0,834 a 254,0 a T2 0,087 b 0,355 a 17,1 a 0,272 a 0,249 b 75,5 b T3 0,063 b 0,309 a 18,0 a 0,219 a 0,359 b 57,3 b T4 0,076 b 0,283 a 16,3 a 0,196 a 0,209 b 70,3 b T5 0,091 b 0,433 a 11,7 b 0,154 a 0,194 b 71,6 b T6 0,098 b 0,342 a 10,7 b 0,096 a 0,132 b 65,0 b Nota: médias seguidas da mesma letra, dentro da mesma coluna, não diferem entre si de forma significativa (p = 0,05) A análise de variância permitiu verificar que a resposta das concentrações de cádmio e zinco aos tratamentos experimentais resultou altamente significativa (p < 0,001), a relativa ao cobre muito significativa (p < 0,01) e a relativa ao níquel significativa (p < 0,05). Para o crómio e chumbo não se observaram diferenças significativas. Mais se verificou que as concentrações de cádmio, níquel e zinco se reduziram significativamente (p<0,05), logo a partir do nível mais baixo de compostado (correspondendo a 7,5 t ha-1), não diferindo significativamente entre este nível e os restantes. PASTAGENS E FORRAGENS 23 35 A inexistência de diferenças significativas entre tratamentos nos casos do crómio e do chumbo justificar-se-á pelos relativamente reduzidos factores de transferência destes elementos (8, 2). A redução das concentrações dos restantes metais pesados na parte aérea da cevada dever-se-á não só à elevação do pH do solo mas também ao aumento dos teores de matéria orgânica e da capacidade de troca catiónica do solo, resultantes das aplicações de compostado (9). Relativamente ao pH, os resultados da análise estatística sugerem que a elevação deste parâmetro para valores próximos de 6,0 (obtidos, no caso vertente, com a aplicação dos níveis mais baixos de compostado) será suficiente para reduzir drasticamente a fracção biodisponível de cádmio, cobre, níquel e zinco. Importará referir que as concentrações de cádmio, crómio e níquel apresentaram, em todos os tratamentos, valores abaixo dos considerados normais para as plantas e os de chumbo, cobre e zinco, valores muito aquém dos considerados toleráveis (12). 3.2 – Milho Os valores das concentrações de metais pesados nas plantas de milho (parte aérea) instaladas nos solos PZb e VRk constam nos quadros 6 e 7, respectivamente. Relativamente ao solo PZb, registaram-se, na média dos tratamentos, concentrações mais elevadas de crómio e chumbo nas plantas de milho do que nas de cevada, verificando-se o oposto no tocante aos teores de cádmio, cobre e zinco, sendo os de níquel da mesma ordem de grandeza em ambas as culturas. Tal como se verificou com a cevada, os teores de cádmio, crómio e níquel situaram-se, em todos os tratamentos, abaixo dos níveis considerados normais para a planta, e os de chumbo, cobre e zinco muito aquém dos considerados toleráveis. A análise de variância revelou que, neste solo, o padrão de resposta das concentrações dos diversos metais no milho aos tratamentos experimentais foi, como seria previsível, muito semelhante ao relativo à cevada, pelo que a apreciação dos resultados efectuada em 3.1 é também válida para o caso vertente. No caso do solo VRk, a resposta do milho foi distinta da registada com o solo PZh, uma vez que não se verificaram diferenças significativas entre tratamentos para nenhum dos metais pesados considerados. Estes resultados eram expectáveis, já que o solo apresentava, à partida, valores 36 PASTAGENS E FORRAGENS 23 de pH da ordem de 7,0 elevada capacidade de troca catiónica e teores de matéria orgânica bastante superiores aos do solo PZb. QUADRO 6 – Concentrações (valores médios) de metais pesados nas plantas de milho (parte aérea) instaladas no solo PZb (mg kg-1) Tratamento T1 T2 T3 T4 T5 T6 Cádmio Chumbo Cobre Crómio Níquel 0,108 a 0,056 b 0,042 b 0,049 b 0,051 b 0,059 b 0,975 a 1,007 a 1,097 a 1,285 a 1,202 a 1,254 a 9,1 a 5,8 b 6,3 b 6,2 b 6,1 b 5,9 b 0,387 a 0,548 a 0,419 a 0,368 a 0,385 a 0,351 a 0,338 a 0,261 b 0,221 c 0,204 c 0,195 c 0,176 c Zinco 113,3 a 26,3 b 25,0 b 29,0 b 31,0 b 35,7 b Nota: médias seguidas da mesma letra, dentro da mesma coluna, não diferem entre si de forma significativa (p = 0,05). QUADRO 7 – Concentrações (valores médios) de metais pesados nas plantas de milho (parte aérea) instaladas no solo VRk (mg kg-1). Tratamento T1 T2 T3 T4 T5 T6 Cádmio Chumbo Cobre 0,016 a 0,021 a 0,024 a 0,016 a 0,023 a 0,032 a 0,536 a 0,474 a 0,541 a 0,451 a 0,530 a 0,537 a 4,5 a 4,6 a 4,0 a 3,4 a 3,8 a 5,0 a Crómio 0,684 a 0,657 a 0,705 a 0,684 a 0,651 a 0,382 a Níquel 0,927 a 0,954 a 0,949 a 0,920 a 0,901 a 0,871 a Zinco 23,7 a 21,0 a 23,0 a 24,0 a 26,3 a 26,3 a Nota: médias seguidas da mesma letra, dentro da mesma coluna, não diferem entre si de forma significativa (p = 0,05). 3.3 – Correlações entre a concentração em metais pesados no milho e o teor ou valor de alguns parâmetros do solo No sentido de avaliar o eventual grau de associação entre a concentração em metais pesados no material vegetal e os parâmetros do solo que, de forma mais efectiva, condicionam a absorção daqueles elementos pela planta, determinaram-se os coeficientes de correlação (r) entre o teor de metais pesados no milho (parte aérea), e: os seus teores no solo, extraíveis pelo método de Lakanen e Ervio (5); os valores de pH; a capacidade de troca catiónica; os teores de matéria orgânica. Estes parâmetros foram determinados nas amostras do solo PZb após o termo dos ensaios (quadro 8). Como é óbvio, não se teve em conta o solo VRk uma vez que, neste solo, não se registaram diferenças significativas entre tratamentos e, pela mesma razão, também não se consideraram os resultados relativos ao crómio e ao chumbo no solo PZb. PASTAGENS E FORRAGENS 23 37 QUADRO 8 – Resultados relativos a alguns parâmetros do solo no PZb Metais pesados (mg kg-1) Cu Cr Ni MO (%) pH CTC (cmol(+) kg-1) Cd Pb T1 0,53 5,0 1,10 0,003 0,96 2,3 0,016 0,023 4,0 T2 0,53 5,9 1,24 0,004 1,25 2,4 0,007 0,038 2,0 T3 0,60 6,3 1,76 0,006 1,92 3,3 0,011 0,047 3,1 T4 0,62 7,1 2,48 0,010 3,72 4,7 0,020 0,066 5,4 T5 0,67 7,4 3,10 0,012 4,58 5,5 0,027 0,094 6,5 T6 0,81 7,7 3,55 0,015 6,27 6,8 0,034 0,121 9,3 Tratamento Zn Os valores negativos dos coeficientes de correlação (quadro 9) indicam que as concentrações em metais pesados no milho variaram na razão inversa com os parâmetros do solo considerados. Se no caso do pH, capacidade de troca catiónica e teor de matéria orgânica, os valores obtidos são plenamente justificáveis, dado que aqueles parâmetros do solo promovem a fixação dos metais pesados, o mesmo não acontece no que diz respeito aos teores extraíveis dos elementos metálicos considerados pelo método de Lakanen e Ervio (5), pelo que seria conveniente avaliar a capacidade do método para reflectir a biodisponibilidade daqueles elementos. QUADRO 9 – Coeficientes de correlação entre as concentrações em metais pesados no milho (parte aérea) e os valores de alguns parâmetros do solo Parâmetros do solo Teores extraíveis no solo (mg kg-1) Cd Concentrações na planta (mg kg-1) Cu Ni Zn -0,449 -0,504 -0,851 -0,090 PH (H2O) -0,674 -0,736 -0,964 -0,680 CTC [(cmol(+)kg-1] -0,448 -0,533 -0,854 -0,451 Mat. org. (%) -0,342 -0,462 -0,789 -0,358 Da análise do quadro retira-se, também, que o pH foi o parâmetro que condicionou de forma mais determinante a biodisponibilidade dos metais pesados em apreço. Com efeito, os valores de r obtidos entre este parâmetro e as concentrações dos metais pesados no material vegetal resultaram muito significativos (p<0,01) no caso do cádmio, cobre e zinco e altamente significativos (p<0,001), no caso do níquel. 38 PASTAGENS E FORRAGENS 23 4 – CONCLUSÕES Não se registou resposta significativa das concentrações de cádmio, cobre, crómio, chumbo, níquel e zinco nas plantas (parte aérea) de cevada e milho às aplicações de doses crescentes de compostado no solo VRk, fruto, provavelmente, do valor de pH (cerca de 7,0) e da elevada capacidade de troca catiónica que este solo apresentava à partida. No caso do solo PZb, as aplicações de compostado proporcionaram, em ambas as culturas, uma drástica redução dos teores de cádmio, cobre, níquel e zinco no material vegetal (parte aérea) logo a partir do nível mais baixo (cerca de 7,5 t ha-1) – que também proporcionou a elevação dos valores de pH do solo de 5,0 para 5,9 – não se registando diferenças significativas nos casos do chumbo e do crómio. As concentrações de cádmio, crómio e níquel apresentaram, em ambos os solos e culturas e em todos os tratamentos, valores abaixo dos considerados normais nas plantas, e as de cobre, chumbo e zinco muito abaixo dos limites considerados toleráveis. As concentrações de cádmio, crómio, níquel e zinco no milho (parte aérea) conduzido no solo PZb não se encontravam directamente correlacionadas aos teores extraíveis (pelo método de Lakanen e Ervio) dos vários elementos no solo, tendo-se obtido os mais elevados coeficientes de correlação (negativos) entre tais concentrações e o pH. Daqui se infere ser necessário levar a efeito estudos de correlação entre as concentrações dos metais pesados nas plantas e os seus teores extraíveis do solo por outros extractantes e que, nas equações de regressão, se deverão incluir, para além dos teores extraíveis dos elementos, outros parâmetros do solo tanto ou mais determinantes na biodisponiblidade dos metais pesados, de entre os quais emerge o pH. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – ALLEN, S. E.; TERMAN, G. L.; CLEMENTS, L. B. – Greenhouse techniques for soil-plant-fertilizer research. Muscl Shoals, Alabama, Tenessee Valey Authority, 1976. 2 – ALLOWAY, B. J. – Heavy metals in soils. London, Blackie Academic and Professional, 1995. 3 – BARBERA, A. – Extraction and dosage of heavy metals from compost- amended soils. In: “Compost: production, quality and use”. London, Blackie Academic and Professional, 1995, p. 568-614. 4 – GIUSQUIANI, P. L.; PAGLIAI, M.; GIGLIOTTI, G.; BUSINELLI, D.; BENETTI, A. – Urban waste compost: effects on physical, chemical and biochemical soil properties. “Journal of the Environmental Quality”, vol. 24, 1995, p. 175-182. PASTAGENS E FORRAGENS 23 39 5 – LAKANEN, E.; ERVIO, R. – A comparison of eight extractants for the determination of plant available micronutrients in soils. “Acta Fenn”, vol. 1, 1971, p. 232-233. Cit. LQARS, 1988. 6 – LARS – Documentação 2. Sector Fertilidade do Solo. “Série de Divulgação”. Lisboa, DGSA, Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva, 1977. 7 – LQARS – Métodos de Análise de Material Vegetal e Terras. Lisboa, INIA, Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva, 1988. 62 pp. 8 – LÜBBEN, S. – Adsorption and distribution of heavy metals by different crops as a function of soil contamination, species and varieties. In: “I International Symposium Biological Waste Management: A Wasted Chance?” Bochum, 1995, lecture S 50. 9 – MERILLOT, J. M. – Compost quality and hygiene situation in France. In: “I International Symposium Biological Waste Management: A Wasted Chance?” Bochum, 1995, lecture S 51. 10 – MORTVEDT, J. J.; GIORDANO, P. M. – Response of corn to zinc and chromium in municipal wastes applied to soil. “Journal of Environmental Quality”, vol. 4, 1975, p. 170-174. 11 – MURILLO, J. M.; CABRERA, F.; LÓPEZ, R. – Response of clover Trifolium fragiperum L c/v “Salina” to a heavy urban compost application. “Compost: Science and Utilization”, vol. 4, 1997, p. 15-25. 12 – PAIS, I.; JONES, J. B. – The handbook of trace elements. St. Lucie Press. Boca Raton, Florida, 1997. 13 – PURVES, D.; MACKENZIE, E. – Effects of applications of municipal compost on uptake of copper and zinc by garden vegetables. “Plant and Soil”, 1973, vol. 39, p. 361-371. 14 – SØRENSON, J. N.; HENRIKSEN, K.; HANSEN, H. – Heavy metal contents of vegetable crops 1,2 and 9 years after application of composted municipal solid wastes and sewage sludge. In. “Soils and Fertilisers”, 1997, vol. 60, abstract 11 558. 40 PASTAGENS E FORRAGENS 23 "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 41–51. TEORES DE COBRE E ZINCO NUMA PASTAGEM INSTALADA NUM SOLO TRATADO COM LAMA RESIDUAL URBANA COM ELEVADO TEOR DE COBRE* Hermínia Domingues, Odete Monteiro, Filipe Pedra, Maria da Graça Serrão Departamento de Ciência do Solo, Estação Agronómica Nacional Quinta do Marquês, Av. da República, 2784-05 – OEIRAS RESUMO Apreciam-se as concentrações foliares de Cu e Zn na biomassa vegetal, bem como os teores destes nutrientes no solo, nos primeiros ciclos culturais (1997/1998 e 1998/1999) de dois ensaios de fertilização em pastagem melhorada e semeada, na região de Mértola. Os ensaios tiveram sete modalidades idênticas, em que se incluem a testemunha (sem fertilização), a adubação corrigida anualmente, três níveis de lama residual urbana (LRU) de Évora (4,8 e 12 t ha-1) e dois níveis da mesma LRU (4 e 8 t ha-1) complementados com adubação. Antes da aplicação dos fertilizantes, os teores de Cu e de Zn do solo (0 - 20 cm) e o de Zn, na LRU, extraídos por água régia (AR), eram inferiores aos valores-limite da Portaria 176/96, ao contrário do teor de Cu no resíduo. Os teores foliares de Cu e de Zn aumentaram no final do 2.º ciclo cultural, em relação aos do 1.º ciclo, mas os valores mais elevados não ocorreram na modalidade com 12 t ha-1 de LRU, para a qual os teores de Cu e Zn (AR) no solo também foram muito inferiores aos da legislação. Embora a disponibilidade do Cu e Zn (EDTA, pH 4,65) para as plantas não fosse elevada na camada superficial do solo em 1998, em 1999 os teores de Cu e Zn “disponíveis” foram altos nas modalidades com 8 e 12 t ha-1 de LRU, no termo do 2.º ciclo cultural. Estes acréscimos revelam transferência dos elementos na LRU para formas mais disponíveis no solo o que, aliado a produções reduzidas de pastagem em 1999, contribuiu para a concentração de Cu e Zn na biomassa vegetal. Assim, considera-se essencial prosseguir o estudo de efeitos residuais nestes ensaios. PALAVRAS-CHAVES: Cobre e zinco; Lama residual urbana; Pastagem; Solo. * Comunicação apresentada na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002. Este trabalho foi financiado pelos Projectos N.º 4073 do PAMAF e N.º 141/01 do PIDDAC. 41 COPPER AND ZINC CONCENTRATIONS IN PASTURE ESTABLISHED ON A SOIL TO WHICH RICH COPPER SEWAGE SLUDGE WAS APPLIED ABSTRACT Copper and zinc concentrations in plant biomass and in soil were evaluated, for the first cropping cycles (1997/1998 e 1998/1999) of two fertiliser experiments with improved and sown pasture, in the Mértola region. The experiments included seven similar treatments, the witness (no fertilization), a yearly-corrected mineral fertilization, three urban sewage sludge rates (4, 8 and 12 t ha-1) from Évora town and two levels of the same sludge (4 and 8 t ha-1) with mineral fertilization. Before the fertilizers application, soil aqua regia (AR) extractable Cu and Zn concentrations (0 – 20 cm) and sludge Zn concentration were lower than the Portaria 176/96 limit-values. On the contrary, the residue Cu concentration exceeded the legal value. At the end of the 2nd cropping cycle, foliar Cu and Zn concentrations increased when they were compared to those of the 1st cropping cycle, but the highest values did not occur at the 12 t ha-1 sludge treatment. In this treatment, soil Cu and Zn (AR) were much lower than those of the legislation. Although in 1988 Cu and Zn availability to the plants (EDTA, pH 4,65) was not high in the topsoil for the different treatments, in 1999 soil “available” Cu and Zn were high at the 8 and 12 t ha-1 sludge treatments. These increments indicate transfer of the elements from the sewage sludge to more available forms in the soil. As the pasture yields also decreased in 1999, Cu and Zn concentrated in the vegetal biomass. Then, it is essential to proceed the study of the residual effects in these experiments. KEYWORDS: Copper and Zinc; Pasture; Soil; Urban Sewage Sludge 1 – INTRODUÇÃO A necessidade ambiental de eliminar as lamas residuais urbanas (LRU), que mostram um aumento de produção anual considerável, contempla a sua reciclagem na aplicação em solos agrícolas, desde que sejam respeitados os requisitos da legislação Portuguesa (2, 7, 8). No País, estes resíduos orgânicos possuem, usualmente, quantidades apreciáveis de cobre (Cu) e de zinco (Zn), que podem ser factores limitantes nos níveis de aplicação das LRU na agricultura e na selecção das culturas. O cobre e o zinco nas pastagens utilizadas por ovinos devem situar-se em concentrações adequadas para o metabolismo animal, o que depende da disponibilidade no solo destes elementos. De acordo com a US NRC de 1980 (11), os níveis de Cu considerados como máximos toleráveis na dieta do gado equino, bovino e ovino são de 800, 100 e 25 mg kg-1, respectivamente (expressos em matéria 42 PASTAGENS E FORRAGENS 23 seca, MS). Para os níveis de Zn, indicam-se como máximos toleráveis na dieta do gado equino, bovino e ovino 500, 500 e 300 mg kg-1 (MS), respectivamente. A toxicidade de Cu no gado ovino revela-se numa acumulação deste metal no fígado e rins (12). A ingestão de elevadas quantidades de Cu pelo ser humano, manifesta-se através de vómitos, diarreias, cólicas estomacais e náuseas e pode causar danos no fígado, rins e, mesmo a morte (1). Neste trabalho, avaliam-se os teores foliares de Cu e Zn na pastagem obtida em dois ciclos culturais consecutivos de dois ensaios de fertilização em pastagem melhorada e semeada, instalados num Luvissolo Háplico da região de Mértola, bem como os teores daqueles nutrientes no solo. O estudo justifica-se por ter sido utilizada uma LRU com elevada concentração em cobre na maior parte das modalidades ensaiadas. 2 – MATERIAL E MÉTODOS Num Luvissolo Háplico (4) derivado de grauvaques, foram instalados dois ensaios de pastagem melhorada (ensaio A) e de pastagem semeada (ensaio B), com um delineamento experimental de blocos casualizados, com sete modalidades e quatro repetições. As modalidades de fertilização foram as seguintes: sem fertilização, adubação corrigida anualmente, três níveis de LRU de Évora (4,8 e 12 t ha-1) e dois níveis da mesma LRU (4 e 8 t ha-1) complementados com adubação, no início de cada ciclo cultural. A LRU foi aplicada apenas no 1.º ano dos ensaios. Os talhões tinham uma área de 16 m2. A descrição pormenorizada das operações culturais nestes ensaios foi efectuada por Serrão et al. (9). Os valores de pH e os teores de Cu e de Zn extraídos pela água régia (3) nas amostras compósitas de terra, colhidas antes da instalação dos ensaios, e na LRU são apresentados no quadro 1. Salienta-se que os teores de Cu e de Zn nas amostras de terra e os teores de Zn na LRU extraídos pela água régia (AR) são baixos. O teor de Cu (AR) na LRU (2260 mg kg-1) é muito superior ao valor da Portaria 176/96 (1000 mg kg -1) (7). Realizaram-se três cortes na pastagem (dois em 1998 e um em 1999). Analisaram-se os teores de cobre e zinco foliares por digestão nitroperclórica (10), seguida de determinação por espectrofotometria de absorção atómica. PASTAGENS E FORRAGENS 23 43 QUADRO 1 – Valores de pH, teores de cobre e de zinco extraídos pela água régia nas amostras de terra iniciais e na LRU e valores da Portaria 176/96 Profundidade (cm) pH (H2O) Solo LRU 0 - 10 10 - 20 6,00 6,10 6,55 Portaria 176/96 Solos LRU 5,5-7,0 – kg-1) 11,5 11,0 2260 100 1 000 Zn (mg kg-1) 40,5 44,0 1400 300 2 500 Cu (mg No fim dos ciclos culturais de 1997/1998 e 1998/1999 foram colhidas dos ensaios amostras de terra (0 – 10 e 10 – 20 cm). Com o objectivo de detectar uma possível poluição dos solos, nas modalidades sem adubação e com aplicação de 12 t ha-1 de LRU, foram determinados os teores de Cu e Zn nas amostras de terra, por digestão com água régia (3). Para avaliar o estado de fertilidade do solo, em todas as modalidades, determinaram-se os teores de Cu e Zn considerados disponíveis para as plantas, por extracção com 0,5 M NH4CH3COO + 0,5 M CH3COOH + 0,02 M EDTA (pH = 4,65) (6). 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO Os teores de Cu e Zn foliares nos cortes realizados na pastagem dos ensaios A e B, em 1998 e 1999, são apresentados nos quadros 2 e 3, respectivamente. Nos cortes efectuados em 1998, os teores foliares de Cu situaram-se entre 4,2 e 11,3 mg kg-1, correspondentes, respectivamente, às aplicações de 8 t ha-1 de LRU (no 2.º corte do ensaio B) e de 4 t ha-1 de LRU complementada com adubação (no 2.º corte do ensaio A). Os teores foliares de Zn variaram entre 21,0 e 40,6 mg kg-1 respectivamente, na modalidade sem adubação e na de aplicação de 8 t ha-1 de LRU complementada com adubação, no 1.º corte do ensaio B. Em 1999, os teores de Cu foliar cresceram para valores entre 14,1 e 22,8 mg kg-1 (8 t ha-1 de LRU com adubação e 4 t ha-1 de LRU, ensaio B) e os de Zn foliar para teores entre 51,2 e 94,5 mg kg-1 (4 t ha-1 de LRU com adubação, ensaio A e 8 t ha-1 de LRU com adubação, ensaio B). Constatou-se, ainda, que os teores mais elevados não ocorreram na modalidade com aplicação de 12 t ha-1 LRU. 44 PASTAGENS E FORRAGENS 23 QUADRO 2 – Teores de cobre e zinco foliares (mg kg-1) nos dois cortes realizados nos ensaios de pastagem melhorada (A) e de pastagem semeada (B), em 1998 Ensaio Modalidades Corte Cobre foliar Zinco foliar A Sem fertilização 1.º 5,56 25,9 A LRU 4 t ha-1 1.º 6,75 23,4 A LRU 8 t ha-1 1.º 7,44 28,8 A LRU 12 t ha-1 1.º 8,95 28,5 A C/A 1.º 8,63 33,3 ha-1 A LRU 4 t C/A 1.º 8,00 32,4 A LRU 8 t ha-1 C/A 1.º 7,88 36,0 A Sem fertilização 2.º 5,56 23,6 A LRU 4 t ha-1 2.º 5,81 21,9 A LRU 8 t ha-1 2.º 9,89 25,6 A LRU 12 t ha-1 2.º 8,94 27,6 A C/A 2.º A LRU 4 t ha-1 C/A 2.º 11,3 28,8 A LRU 8 t ha-1 C/A 2.º 10,9 28,7 B Sem fertilização 1.º 5,81 25,9 LRU 4 t ha-1 1.º 6,31 24,8 ha-1 1.º 7,06 29,7 1.º 6,50 30,3 B 5,75 24,9 B LRU 8 t B LRU 12 t ha-1 B C/A 1.º 7,56 40,4 B LRU 4 t ha-1 C/A 1.º 7,94 31,8 B LRU 8 t ha-1 C/A 1.º 7,38 40,6 B Sem fertilização 2.º 6,00 21,0 B LRU 4 t ha-1 2.º 5,94 23,6 B LRU 8 t ha-1 2.º 4,19 25,0 B LRU 12 t ha-1 2.º 7,56 28,0 B C/A 2.º 6,06 35,2 ha-1 B LRU 4 t C/A 2.º 5,63 27,8 B LRU 8 t ha-1 C/A 2.º 6,00 28,4 C/A - com adubação. Tendo como referência 25 mg kg-1 de Cu como nível máximo tolerável na dieta do gado ovino (11), considera-se preocupante o teor de Cu foliar de 22,8 mg kg-1, na modalidade com aplicação de 4 t ha-1 de LRU no ensaio B (quadro 3). No entanto, a absorção do Cu pelo gado ovino diminui com a presença de teores elevados de cálcio, ferro, zinco, molibdénio e enxofre (12). PASTAGENS E FORRAGENS 23 45 QUADRO 3 – Teores de cobre e zinco foliares (mg kg-1) no corte realizado nos ensaios de pastagem melhorada (A) e de pastagem semeada (B), em 1999 A A A A A A A Ensaio Modalidades Sem fertilização LRU 4 t ha-1 LRU 8 t ha-1 LRU 12 t ha-1 C/A LRU 4 t ha-1 C/A LRU 8 t ha-1 C/A Cobre foliar 15,4 15,9 19,7 17,5 21,6 18,8 21,7 Zinco foliar 84,3 60,2 60,2 53,5 76,7 51,2 54,5 B B B B B B B Sem fertilização LRU 4 t ha-1 LRU 8 t ha-1 LRU 12 t ha-1 C/A LRU 4 t ha-1 C/A LRU 8 t ha-1 C/A 22,4 22,8 15,9 15,0 16,3 14,9 14,1 76,7 90,3 91,2 89,6 91,8 81,0 94,5 C/A - com adubação. Serrão et al. (9) referiram que as maiores produções médias de matéria seca foram verificadas com as aplicações de 12 t ha-1 de LRU, com acréscimos significativos relativamente à modalidade sem adubação, em 1998 (1294 kg ha-1) e em 1999 (481 kg ha-1), bem como em relação às outras modalidades, em ambos os ensaios. No entanto, em 1999, observou-se uma redução nas produções de cerca de 4 vezes, atribuída à instabilidade na frequência da queda pluviométrica no decurso do 2.º ciclo cultural. Os quantitativos de Cu e Zn introduzidos no solo pela aplicação de 12 t ha-1 de LRU, obtidos por cálculo, não ultrapassaram as quantidades anuais permitidas pela Portaria 176/96 (quadro 4), prevendo não haver posterior incorporação de LRU nestes ensaios de pastagens. QUADRO 4 – Quantitativos de cobre e zinco introduzidos no solo, numa única vez, em 1998, obtidos por cálculo pela aplicação de 12 t ha-1 de LRU e as quantidades anuais permitidas pela Portaria 176/96 (kg ha-1) 12 t ha-1 LRU Portaria 176/96 Cobre 27,1 12 Zinco 16,8 30 Elemento 46 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Os teores de Cu e Zn (AR) nas amostras de terra colhidas nas modalidades sem fertilização e com aplicação de 12 t ha-1 de LRU dos dois ensaios, no termo dos ciclos culturais, em duas profundidades (quadro 5), foram muito inferiores aos valores-limite da Portaria 176/96. QUADRO 5 – Teores de cobre e zinco (mg kg-1) extraídos pela água régia, nas amostras de terra colhidas em 1998 e 1999, nos dois ensaios Ano Ensaio Profundidade (cm) Cobre Zinco 1998 A Sem fertilização Modalidades 0-10 13,0 40,2 1998 A Sem fertilização 10-20 12,5 41,1 1998 A LRU 12 t ha-1 0-10 18,0 44,0 1998 A LRU 12 t ha-1 10-20 12,5 38,0 1998 B Sem fertilização 0-20 12,0 39,5 ha-1 1998 B LRU 12 t 0-20 17,0 44,0 1999 A Sem fertilização 0-10 13,0 43,0 1999 A Sem fertilização 10-20 12,0 42,0 1999 A LRU 12 t ha-1 0-10 23,0 50,0 1999 A LRU 12 t ha-1 10-20 16,0 46,0 1999 B Sem fertilização 0-10 15,0 42,0 1999 B Sem fertilização 10-20 16,0 42,0 ha-1 0-10 25,0 51,0 10-20 19,0 46,0 1999 B LRU 12 t 1999 B LRU 12 t ha-1 No fim do 1.º ciclo cultural (1998), nas diferentes modalidades dos dois ensaios (quadro 6), o teor de Cu “disponível” no solo (EDTA, pH 4,65), situou-se entre reduzido (0,68 – 0,78 mg kg-1, modalidades sem fertilização, 0 – 20 cm) e suficiente (0,88 – 3,33 mg kg-1 modalidades com fertilização e com 12 t ha-1 LRU) para as plantas (5). O teor de Zn “disponível” (1,85 mg kg-1) apenas foi suficiente no tratamento com adubação (ensaio A, 0 – 10 cm), sendo reduzido ou muito reduzido (5) nas outras modalidades. Em 1999, na camada superficial do solo (0 – 10 cm), registaram-se teores altos de Cu “disponível” (quadro 7) com a aplicação de 8 (7,11 mg kg-1, ensaio A) e 12 t ha-1de LRU (9,50 – 10,3 mg kg-1, ensaios A e B). Também o teor de Zn “disponível” na mesma camada de solo foi considerado elevado na modalidade com 12 t ha-1 de LRU do ensaio B (4,31 mg kg-1). Nas outras modalidades, situou-se entre muito reduzido, reduzido e suficiente (5). PASTAGENS E FORRAGENS 23 47 QUADRO 6 – Teores de cobre e zinco extraídos pelo EDTA (mg kg-1) nas amostras de terra colhidas nos dois ensaios, no fi m do 1.º ano cultural Ensaio Modalidades Profundidade (cm) Cobre Zinco A Sem fertilização 0-10 0,78 0,38 A LRU 4 t ha-1 0-10 1,40 0,38 A LRU 8 t ha-1 0-10 3,20 1,15 A LRU 12 t ha-1 0-10 3,28 1,43 A C/A 0-10 1,70 1,85 A LRU 4 t ha-1 C/A 0-10 2,08 0,85 A LRU 8 t ha-1 C/A 0-10 3,15 1,30 A Sem fertilização 10-20 0,73 0,15 A LRU 4 t ha-1 10-20 1,10 0,35 A LRU 8 t ha-1 10-20 1,58 0,60 A LRU 12 t ha-1 10-20 0,95 0,28 A C/A 10-20 0,88 0,33 ha-1 A LRU 4 t C/A 10-20 1,93 0,75 A LRU 8 t ha-1 C/A 10-20 1,05 0,30 B Sem fertilização 0 - 20 0,68 0,28 B LRU 4 t ha-1 0 - 20 0,88 0,23 B LRU 8 t ha-1 0 - 20 1,45 0,45 B LRU 12 t ha-1 0 - 20 3,33 1,35 B C/A 0 - 20 0,90 0,58 ha-1 B LRU 4 t C/A 0 - 20 1,60 0,50 B LRU 8 t ha-1 C/A 0 - 20 2,38 0,95 C/A – com adubação. Estes acréscimos nos teores de Cu e Zn “disponíveis” no solo, no fim do 2.º ano cultural, indicam transferência do Cu e Zn existentes na LRU para formas mais disponíveis no solo, o que aliando-se a uma produção de pastagem muito inferior no mesmo ano (cerca de 4 vezes), verificada em algumas modalidades, contribuiu para os incrementos observados nos níveis foliares de Cu e Zn (2,6 vezes), por efeito de concentração na biomassa vegetal. 48 PASTAGENS E FORRAGENS 23 QUADRO 7 – Teores de cobre e zinco extraídos pelo EDTA (mg kg-1) nas amostras de terra, colhidas nos dois ensaios, no fi m do 2.º ano cultural Ensaio Modalidades Profundidade (cm) Cobre Zinco A Sem fertilização 0-10 1,68 0,83 A LRU 4 t ha-1 0-10 5,34 2,34 A LRU 8 t ha-1 0-10 7,11 2,98 0-10 9,50 3,50 ha-1 A LRU 12 t A C/A 0-10 2,41 2,10 A LRU 4 t ha-1 0-10 3,87 1,58 A LRU 8 t ha-1 C/A 0-10 4,37 2,10 A Sem fertilização 10-20 1,71 0,61 LRU 4 t ha-1 10-20 2,98 1,15 A LRU 8 t ha-1 10-20 2,83 1,22 A LRU 12 t ha-1 10-20 3,41 1,39 A C/A 10-20 2,36 1,44 A LRU 4 t ha-1 C/A 10-20 2,93 0,93 A LRU 8 t ha-1 C/A 10-20 3,43 1,31 B Sem fertilização 0-10 1,24 0,92 B LRU 4 t ha-1 0-10 3,35 1,26 B LRU 8 t ha-1 0-10 4,42 1,69 0-10 10,3 4,31 A ha-1 B LRU 12 t B C/A 0-10 2,19 2,12 B LRU 4 t ha-1 C/A 0-10 2,70 0,90 B LRU 8 t ha-1 C/A 0-10 4,60 1,30 B Sem fertilização 10-20 1,03 0,61 B LRU 4 t ha-1 10-20 1,47 0,69 B LRU 8 t ha-1 10-20 1,58 0,73 B LRU 12 t ha-1 10-20 2,11 0,87 B C/A 10-20 0,90 0,30 B LRU 4 t ha-1 C/A 10-20 1,70 0,50 B ha-1 C/A 10-20 1,90 0,50 LRU 8 t C/A - com adubação. PASTAGENS E FORRAGENS 23 49 4 – CONCLUSÕES A aplicação de LRU com um teor de cobre muito superior ao valor da Portaria 176/96 (1000 mg kg -1) foi limitada a um nível máximo de 12 t ha -1, em ensaios de fertilização em pastagem melhorada e semeada, instalados num solo com baixo nível de fertilidade, na região de Mértola. No entanto, admitindo que a LRU seria apenas aplicada no início dos ensaios, as quantidades de cobre (27,1 kg ha -1) introduzidas no solo pela aplicação daquele nível de LRU, obtidas por cálculo, eram inferiores às quantidades anuais permitidas na referida Portaria (12 kg ha -1). No fim dos 1.º e 2.º anos culturais, as maiores produções de matéria seca, manifestaram-se na modalidade com o nível mais elevado da LRU, embora com uma quebra de produção cerca de 4 vezes em 1999. Neste ano, também se verificaram acréscimos dos teores foliares de cobre e zinco de cerca de 2,6 vezes e registaram-se teores elevados de Cu e Zn “disponível” (0-10 cm) com a aplicação de 8 ou 12 t ha-1 de LRU. No entanto, os teores foliares mais elevados não foram registados na modalidade com aplicação de 12 t ha-1 LRU. Tendo como referência 25 mg kg-1 de Cu como nível máximo tolerável na dieta do gado ovino, considera-se preocupante o teor de Cu foliar de 22,8 mg kg-1, registado, em 1999, na modalidade com aplicação de 4 t ha-1 de LRU do ensaio B. Destes resultados, infere-se que há necessidade em prosseguir a monitorização destes ensaios, através do estudo dos efeitos residuais. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem às Técnicas Profissionais Maria de Lurdes Cravo de Oliveira e Rosa Rocha e à Auxiliar Técnica de Laboratório Ana Carvalho a preparação das amostras e a realização de algumas análises. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – ATSDR – Agency for Toxic and Disease Registry, Public Health Statement: Copper. Division of Toxicology, Atlanta, Georgia, 1990. 2 – DECRETO - LEI 446/91 – Regime de Utilização na Agricultura de Certas Lamas Provenientes de Estações de Tratamento de Águas Residuais. Diário da República n.º 269, I - A Série, 22 de Novembro de 1991, p. 6076-6078. 50 PASTAGENS E FORRAGENS 23 3 – DIN 38 414 – Deutch Norm, part 7, Sludge and Sediments (Group S) Digestion Using Aqua Regia for Subsequent Determination of Acid - soluble Portion of Metals S7, 1983, p. 1-4. 4 – FAO-UNESCO – Soil Map of the World. Revised legend. World Soil Resources Report, 60, Rome, Italy, 1989. 5 – INIA – “Manual de Fertilização das Culturas”. 2000. Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva. 6 – LAKANEN, E.; ERVIO, R. – A Comparison of Eight Extractants for the Determination of Plant Available Micronutrients in Soils. Acta Agralia Fennica 123, 1971, p. 223-232. 7 – PORTARIA 176/96 – Valores-Limite da Concentração dos Metais Pesados nas Lamas Destinadas à Agricultura e nos Solos Receptores e Valores-Limite das Quantidades de Metais Pesados que Podem Ser Introduzidos nos Solos Receptores. Diário da República n.º 230, II Série, 3 de Outubro 1996, p.13 789-13 790. 8 – PORTARIA 177/96 – Regras sobre a análise das lamas destinadas à agricultura e dos solos receptores. Diário da República n.º 230, II Série, 3 de Outubro 1996, p. 13 790. 9 – SERRÃO, M. G. et al. – Utilização de uma Lama de ETAR para Aumento de Produção de Pastagens em Solos Marginais do Baixo Alentejo. In: ”Conselleria de Agricultura, Gandería e Política Agroalimentaria, Xunta de Galicia (ed.) - III Reunião Ibérica de Pastagens e Forragens”, Mabegondo, Centro de Investigacións Agrarias, 2000, p. 269-274. 10 – ULRICH, A. et al. – Plant Analysis, a Guide. Washington, 1980. 11 – US NRC – United States, National Research Council. Mineral Tolerance of Domestic Animals. National Academic Press, Culturas, 2000. 12 – US NRC – United States, National Research Council. Nutrient Requirements of Sheep. National Academic Press, Washington, 1985. PASTAGENS E FORRAGENS 23 51 "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 53–67. GLEDITSIA TRIACANTHOS – LEGUMINOSA ARBÓREA COM INTERESSE FORRAGEIRO. CARACTERIZAÇÃO QUÍMICA E NUTRICIONAL.* Arminda Martins Bruno-Soares♥, Benilde Martins Pereira♣, José Manuel Abreu♥ ♥Instituto Superior de Agronomia, DPAA – Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa ♣ Serviço de Desenvolvimento Agrário do Pico – Av. Machado Serpa 9950-32 – Madalena do Pico RESUMO A Gleditsia triacanthos é uma leguminosa arbórea com potencial de produção de material forrageiro nas áreas de influência mediterrânica. As suas folhas e vagens são consumidas pelos animais e a sua composição química indicia um valor nutritivo que permite considerar a sua utilização em alimentação animal. À semelhança do que acontece com os frutos de azinheira (Quercus rotundifolia), sobreiro (Quercus suber) ou alfarrobeira (Ceratonia siliqua), as vagens do Espinheiro da Virgínia (G. triacanthos) podem ser interessantes nos sistemas de produção de ruminantes em regime extensivo. O elevado teor de açúcares totais das vagens (>29%), na fase de deiscência (Outubro-Novembro), poderá ter efeitos sinérgicos e complementares dos restantes alimentos que nessa altura integram os regimes dos ruminantes em pastoreio. A informação disponível refere que as folhas jovens da G. triacanthos apresentam um valor forrageiro próximo do da luzerna com valores da ordem de 17,7% de proteina bruta (PB), 26,7% de fibra bruta (FB) e cerca de 70% de digestibilidade da matéria seca (DMS). Comparativamente com as folhas de alfarrobeira as do espinheiro da Virgínia apresentam um teor de PB e DMS mais elevado, (8,2% e 41,4%), respectivamente. As vagens da G. triacanthos apresentam teores de PB de 9,3% a 14,3%, de fibra (NDF) da ordem de 31% e de açúcares totais (AT) até 46%. Apresentam teores de lenhina ácido detergente (ADL) que variam de 9% a 11% e teores de fenois totais de 4% a 14%. As vagens de G. triacanthos comparativamente à bolota (azinheira) apresentam menor teor de gordura bruta (1% vs 9 %) e maior teor de PB (9,3% vs 4,5%). PALAVRAS-CHAVES: Composição química; Digestibilidade; Fenóis; Gleditsia triacanthos; Leguminosa arbórea * Comunicação apresentada na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002. 53 GLEDITSIA TRIACANTHOS – LEGUMINOUS TREE FORAGER PROFIT. CHEMICAL AND NUTRIVE VALUATION ABSTRACT Gleditsia triacanthos (Honey locust) is a leguminous tree, which has potential for forage production on Mediterranean areas. Its leaves and pods are eaten up by several animal species and their chemical composition indicates a nutritive value good enough to consider its utilisation in animal feeding. Similarly to the acorns of holm-oak (Quercus rotundifolia), cork-oak (Quercus suber) and the fruits of carob tree (Ceratonia siliqua), honey locust pods may be interesting in extensive ruminant production systems. The high content in total sugars of ripe pods (>29% on falling in October/November) may have complementary and synergetic effects with other components of the grazing animals regime at that time of the year. Young leaves of Gleditsia are refered to have a forage value near to the leaves of Lucerne, and present a content of about 17.7% crude protein (CP) and 26.7% crude fibre (CF) and about 70% dry matter digestibility (DMD). Honey locust leaves have higher value of CP and DMD, relatively to the ones of carob tree (with only 8.2% and 41.4%) respectively. Gleditsia triacanthos pods present values of CP between 9.3% and 14.3%, neutral detergent fibre (NDF) of about 31% and total sugars till 46%. Their content in acid detergent lignin (ADL) and total phenols varied between 9% and 11% and 4% to 14%, respectively. Relatively to acorns of holm oak, pods of Gleditsia are lower in crude fat (1% vs 9%) and higher in PB (9.3% vs 4.5%). KEYWORDS: Chemical composition; Digestibility; Gleditsia triacanthos; Leguminous tree; Phenols 1 – INTRODUÇÃO À semelhança do que acontece com os frutos de azinheira (Quercus rotundifolia), sobreiro (Q. suber) ou alfarrobeira (Ceratonia siliqua), os do Espinheiro da Virginia (Gleditsia triacanthos) podem também ser interessantes nos sistemas de produção de ruminantes em regime de sequeiro extensivo. Estes frutos, além de constituirem em si mesmos um acréscimo nas disponibilidades forrageiras, completam a maturação de forma gradativa, disponibilizando-se, tal como a bolota ao longo do Outono e Inverno, épocas em que habitualmente existem limitações na oferta de forragens. Além disso, pela sua composição, terão provavelmente efeitos sinérgicos e complementares dos restantes alimentos que nessa altura integram os regimes dos ruminantes na região Sul do país (erva jovem, palha de cereais). 54 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Com o presente trabalho procurou-se caracterizar o valor nutritivo para ruminantes das vagens de G. triacanthos e averiguar a presença de substâncias anti-nutricionais que possam limitar a sua utilização pelos animais. 2 – IMPORTÂNCIA DAS FORRAGEIRAS ARBÓREAS De acordo com Huxley (16) a nível mundial mais de 90 espécies florestais são usadas como forrageiras, embora haja referências a algumas centenas potencialmente interessantes para esse fim (25). De acordo com Leme et al. (20) cerca de 75% de árvores e arbustos africanos podem ser consumidos por herbívoros. Nas zonas áridas e semi-áridas, e segundo o ICRAF (International Council for Research in Agroforestry), 90% das espécies lenhosas descritas têm alguma utilização forrageira. Nas zonas tropicais húmidas e sub-húmidas, a utilização de material forrageiro provindo de árvores, é pelo menos tão frequente como nas regiões anteriores, embora utilizando um número mais restrito de espécies. A grande diversidade de espécies lenhosas forrageiras proporciona um banco de germoplasma alargado, contudo apenas algumas dezenas de espécies têm sido estudadas, em regime de cortes frequentes, com predomínio dos géneros Leucaena, Gliricidia, Erythrina e Acacia (21). O leque de opções é elevado permitindo uma selecção criteriosa e uma boa adequação às situações concretas, sendo as características mais frequentemente determinantes da escolha entre outras: o rápido crescimento, a eficiência no aproveitamento da luz e nutrientes, a versatilidade que lhes garante ampla área de distribuição na região de desenvolvimento pretendido; a capacidade de competição com espécies invasoras; a compatibilidade com as espécies que se pretendam associar-lhes; a resistência a pragas e doenças e ainda como condicionantes maiores as características de boa palatabilidade e valor nutritivo, sendo o seu estudo condição indispensável à difusão de qualquer espécie. (20, 23, 38, 39). No Sul do Brasil, Leme et al. (20), num estudo com 94 espécies silvícolas potencialmente forrageiras concluiram que as folhas e raminhos (diâmetro <0,5 cm) se caracterizam por serem: i) ricas em proteína bruta (82% das espécies dosearam em média 14,7 variando entre 5 e 35% de PB); ii) frequentemente pouco degradáveis (56% apresentaram degradabilidade <60%); iii) ricas em taninos totais (28% das espécies registaram teores superiores a 10%). Os mesmos autores indicaram que PASTAGENS E FORRAGENS 23 55 apenas cerca de 33% das 94 espécies estudadas apresentam potencial forrageiro se se limitar a aceitação das folhas a um conteúdo mínimo de proteína bruta de 10%, degradabilidade superior a 60% e taninos totais a um máximo de 10%. Usadas, em exclusivo ou como suplemento, principalmente pelos ruminantes (26), as árvores e os arbustos produzem quantidades importantes de alimento nas zonas áridas e semi-áridas. Contudo, o seu maneio e integração nos regimes alimentares dos animais requerem informações, frequentemente não conhecidas com suficiente detalhe, sobre a sua palatabilidade e valor nutritivo (33, 34). É também escassa a informação sobre as suas produções e produtividade potencial, até pela dificuldade de aplicação de métodos objectivos para a sua estimativa (40). Algumas leguminosas arbóreas, como a Gleditsia triacanthos, a Prosopis tamarugo, a Prosopis chilensis e a Ceratonia siliqua, para além das folhas, produzem vagens em quantidade significativa, sendo particularmente interessantes como espécies frutícolas. Estas vagens caiem nos períodos de Outono/Inverno, podendo constituir suplementos ricos em energia e/ou proteína e compensar, quantitativa e qualitativamente, os restantes recursos forrageiros locais (8). 3 – A GLEDITSIA TRIACANTHOS COMO ESPÉCIE FORRAGEIRA Entre as espécies arbóreas exóticas utilizadas na alimentação animal, a G. triacanthos é uma das leguminosas com potencial de produção de material forrageiro nas áreas de influência mediterrânica. As suas vagens são consumidas pelos ruminantes e a sua composição indicia um valor nutritivo que permite considerar a utilidade desta espécie para complementar o papel das arbóreas autóctones, como por exemplo a azinheira (Quercus rotundifolia) e a alfarrobeira (Ceratonia siliqua). Pelo facto de associar à capacidade de produção de frutos as características de crescimento rápido, a G. triacanthos tem grande versatilidade de maneio nos sistemas em que se integra. Pode ser encarada como frutícola forrageira ou como arbórea conduzida em regime arbustivo de cortes frequentes, ou mesmo, em situações de emergência, de forma alternativa, dada a boa capacidade de regeneração das árvores após o corte. 56 PASTAGENS E FORRAGENS 23 3.1 – A Gleditsia triacanthos nas regiões de influência mediterrânica Na Bacia Mediterrânica, tal como nas áreas tradicionais de montado do Centro e Sul de Portugal, a vegetação está adaptada, desde há muito, ao seu meio e à pressão antrópica. Esta longa adaptação confere aos ecossistemas características de elevada diversidade biológica e resistência à instalação de novas espécies, sendo capazes de suportar, sem muitos prejuízos, impactos fortes e violentos (29). Papanastasis (28) indica como espécies favoráveis para apoio aos sistemas pastoris mediterrânicos a Medicago arborea, a Robinia pseudoacacia, a Gleditsia triacanthos e a Morus alba, sugerindo que estas quatro espécies e ainda a Amorfa fruticosa deveriam ser prioritariamente incluídas nos programas sobre recursos genéticos de forrageiras lenhosas, a desenvolver em diversos países do Sul da Europa. Destes programas, destaca-se um dos mais recentes, com início na década de noventa sob o patrocínio da CE, (participação de França, Grécia, Itália e Espanha) que incluiu 17 espécies de árvores e arbustos, com ênfase dada às consideradas de maior potencial como: Gleditsia triacanthos, Chamaecytisus proliferus, Morus alba e Robinia pseudoacacia (28). Autores como Correal et al. (9) pré-seleccionaram 150 espécies lenhosas com potencial para serem exploradas nas zonas em que a precipitação média anual não ultrapassa os 500 mm. A G. triacanthos faz parte do conjunto, devendo ser utilizada para zonas com precipitação média anual superior a 450 mm. Talamucci e Pardini (36), assim como Correal et al.(9) incluem o Espinheiro da Virgínia no grupo das 6 espécies leguminosas forrageiras arbóreas ou arbustivas mais promissoras nas zonas semi-áridas e húmidas da bacia mediterrânica. Em ensaios conduzidos em zonas degradadas do SE de Espanha, com características mediterrânicas semi-áridas semelhantes às do Centro e Sul interior de Portugal, Tilstone et al. (37) observaram que o Espinheiro da Virgínia se incluíu no grupo das espécies nativas e exóticas que se situaram nas 5 mais promissoras, nos ensaios de produção. Nestes últimos, a G. triacanthos registou a terceira mais elevada capacidade de sobrevivência (até aos 2,5 anos) e uma das maiores capacidades de adaptação em três das comunidades vegetais mais representativas daquela região. No Centro e Sul de Portugal o Espinheiro da Virgínia pode encontrar-se ao longo de ruas e estradas e também na compartimentação de propriedades e culturas, aludindo Goes (14) a sua boa adaptação às nossas PASTAGENS E FORRAGENS 23 57 condições referindo a existência de vários exemplares com cerca de 30 m de altura e 3,4 m de perímetro à altura do peito. Este mesmo autor incluiu a G. triacanthos entre as várias espécies indicadas como mais interessantes para o fomento florestal em Portugal, partilhando Correia e Oliveira (10) da mesma opinião. A espécie regista, no entanto, grande variabilidade relativamente à quantidade, aspecto e composição das vagens produzidas (19). Os caracteres morfológicos das vagens constataram-se igualmente muito variáveis, em termos de comprimento (22 a 45 cm), largura (3 a 4 cm), número de sementes por vagem e relação peso das sementes/peso das vagens (17 a 43%) (28). Também Bruno-Soares e Abreu (6) observaram idêntica variação nos caracteres morfológicos das vagens estudadas em relação ao: i) comprimento (25 a 56 cm); ii) largura (3,8 – 5,3 cm; iii) peso dos grãos por vagem (1,2 a 4,7 g) e iv) peso do tegumento por vagem (15,9-45,0 g). Acresce ainda que o elevado peso da fracção tegumento (cerca de 89% do total da matéria seca das vagens) é determinante na composição química da vagem. 3.2 – Valor nutritivo das produções de Gleditsia triacanthos Folhas As folhas da G. triacanthos apresentam um valor forrageiro próximo do da luzerna, segundo Baertsche (3), destacando-se o elevado teor de PB (17,7%). Em regime de alto fuste, é no Outono que esta caducifólia proporciona aos animais em pastoreio uma importante suplementação diária de folhas (15). Por se tratar de uma arbórea, da família das leguminosas e com folhas constituídas por numerosos folíolos, pequenos e finos, admite-se um razoável grau de manutenção da sua qualidade até à senescência. No quadro 1 e como termo de comparação, apresenta-se a composição química das folhas de arbóreas nativas como a azinheira, o sobreiro e a alfarrobeira. Da comparação da composição das folhas destas espécies, destaca-se o teor mais elevado de proteína bruta das da Gleditsia relativamente às das espécies autóctones, bastante mais escoriáceas e cutinizadas. 58 PASTAGENS E FORRAGENS 23 No que respeita às folhas das quercíneas (azinheira e sobreiro), embora se saiba que a sua composição é variável ao longo do ano, são de notar os teores relativamente elevados em matéria seca e fibra bruta (FB), referindo ainda Cañellas et al. (7), para as resultantes das podas no mês de Novembro, teores de gordura bruta (GB) da ordem de – 3,8 e 5,2%, e razoável concentração proteica – 10,6 e 11,6% PB, respectivamente para a azinheira e o sobreiro. QUADRO 1 – Alguns parâmetros da composição química e digestibilidade da matéria seca das folhas de Espinheiro da Virgínia (G. triacanthos), Azinheira (Quercus rotundifolia), Sobreiro (Quercus suber) e Alfarrobeira (Cerotonia siliqua) (% na MS) Matéria seca (MS) E.Virgínia * Azinheira ** Sobreiro ** Alfarrobeira *** 40,0 58,0 54,3 60,4 Proteina bruta (PB) 17,7 10,6 11,6 8,2 Fibra bruta (FB) 26,7 27,3 27,8 21,2 0,12 0,19 Cálcio (Ca) 2,2 Fósforo (P) 0,12 Digestibilidade da MS (DMS) 69,8 41,4 *Adaptado de Duke (13); ** Adaptado Cañellas (7); *** Adaptado de Salem et al. (34). Por sua vez, as folhas de alfarrobeira são pouco digestíveis (41,4% DMS) e apresentam baixo teor de PB (8,2%), mas são das mais apetecíveis (por ovinos), de acordo com um estudo sobre a composição química e digestibilidade de 12 das espécies arbóreas e arbustivas forrageiras de regiões áridas e semi-áridas (34). A população microbiana ruminal necessita dum teor mínimo de amónia, cerca de 70 mg de azoto por litro (cerca de 8% PB na dieta), para desenvolver actividade fermentativa (26). Assim, e de acordo com Norton (26) pode-se referir que as folhas de Gleditsia têm elevado teor proteico e que as três arbóreas autóctones com maior aproveitamento forrageiro no Centro e Sul do país são medianamente providas de PB. Vagens Segundo Goes (14), as vagens de G. triacanthos apresentam um elevado valor nutritivo sendo bastante apetecíveis pelos animais. Contudo o mesmo autor refere que o seu consumo em exagero pode trazer inconvenientes PASTAGENS E FORRAGENS 23 59 para a saúde dos animais. Refere ainda que o seu valor energético é semelhante ao das vagens de alfarroba, do grão de cevada e da polpa de lande e superior ao da bolota. Papanastasis (28) observou também que as vagens e especialmente as sementes do Espinheiro da Virginia eram muito nutritivas e apetecíveis, sobretudo por ovinos, doseando 26% e 12% de PB e 62% e 70% de digestibilidade da MS, respectivamente para as sementes e vagens (quadro 2). QUADRO 2 – Teores de cinza, proteina bruta (PB), fibra bruta (FB), fibra neutro e ácido detergente (NDF, ADF), lenhina ácido detergente (ADL), gordura bruta (GB) e digestibilidade da matéria seca (DMS) de sementes e vagens de Gleditsia triacanthos (% na MS). Cinza 5,4 PB 20,3 FB NDF ADF ADL 12,7 GB DMS Ref 62 (28) 70 (28) 4,6 26,0 (13) Semente 3,9 10,6 21,1 0,8 12,0 Vagem* 9,3 16,1 4,7 14,3 18,4 3,9 7,0 – 3,9-4,8 10,3-13,4 – (13) (35) 1,9 31,0 23,1 11,2 34,5-44,6 22,2-29,6 8,8-11,4 – 1,1-1,6 (27) 67,5 (6) (30) *com semente Bruno-Soares e Abreu (6) em vagens colhidas em Novembro observaram valores com cerca de 7% de PB e DMS da ordem de 68%. Por sua vez Pereira (30) observou valores de PB da ordem de 13,4% a 10,3% em vagens colhidas respectivamente em Julho e Novembro (quadro 2). De referir que o açúcar é a forma preferencial de armazenamento desta espécie (quadro 3). Contudo é de salientar a grande faixa de variação deste parâmetro (1,9 – 50%) que pode ter resultado de entre outros factores: i) dos métodos analíticos utilizados na sua avaliação; ii) das espécies utilizadas; iii) das condições edafo-climáticas e dos sistemas de exploração da árvore e ainda, vi) das fases de maturação das vagens estudadas. Muitas espécies forrageiras e subprodutos vegetais incluem substâncias tóxicas ou anti-nutricionais que podem depreciar o seu valor alimentar (12). Assim, a avaliação do teor de tais substâncias potenciará a informa- 60 PASTAGENS E FORRAGENS 23 ção disponível para um mais completo e rigoroso conhecimento do valor nutritivo desses produtos. A informação disponível sobre a presença de substâncias tóxicas e/ou antinutricionais nas folhas e vagens da G. triacanthos é ainda escassa. Contudo foi possível observar que as vagens podem dosear teores elevados de substâncias antinutricionais, nomeadamente de compostos fenólicos (taninos condensados) e saponinas (quadro 3). QUADRO 3 – Teor de açúcares totais (AT), fenois totais (FT), taninos condensados (TC) e saponina bruta (SB) de vagens de G. triacanthos (% na MS). AT FT TC SB Referência 24,6 (32) 10 – 38 (19) 50 (24) 46 (17) 1,9-23,0 3,9-14,4 1,6-9,5 - (30) 29,2 3,5 5,4 5,2 (6) Níveis da ordem de 5% de taninos condensados e saponina bruta foram observados por Bruno-Soares e Abreu (6) em vagens de G. triacanthos colhidas em fase de maturação (Outubro/Novembro). Os mesmos autores observaram que o teor de taninos condensados (5%) presentes nas vagens de G. triacanthos quando estas integraram uma dieta, de feno (44% na MS), bagaço de soja (15% na MS) e vagens (40% na MS), fornecida a ovinos não provocou depressão na sua digestibilidade. De acordo com Kumar (31) mais de 9% de taninos condensados nas dietas podem ser letais, sendo correntemente aceite que teores de taninos superiores a 5% na MS têm acção anti-nutritiva nos alimentos fornecidos a ruminantes, entre outros efeitos por reduzir a ingestão (influência da palatibilidade) e a digestibilidade (deprime a degradação da fibra) (4). Pereira (30) observou que o teor de compostos fenólicos nas vagens de G. triacanthos, nomeadamente de taninos condensados, diminuiu com o desenvolvimento fenológico dos frutos (14,4% para 3,9% e 9,5% para 1,6%, respectivamente para os compostos fenólicos e taninos condensados). A observância da menor concentração de compostos fenólicos na fase de maturação das vagens indicia que será nesta fase a época por excelência para serem utilizadas pelos animais. PASTAGENS E FORRAGENS 23 61 No que respeita ao teor de saponina bruta (5,2%) este é relativamente elevado, na fase de maturação, quando comparado com o teor observado na maioria das forragens, nomeadamente na luzerna (2,5%). Contudo a quantidade e/ou a qualidade de saponinas observadas por Bruno-Soares e Abreu (6) pareceu não afectar a saúde, nem as condições corporais, dos ovinos quando estes ingeriram cerca 1800 g de vagens (1046 g MS vagens/dia/animal) integradas numa dieta diária de 1479 g de MS. É de notar que o efeito laxante referido por Goes (14) quando da ingestão de vagens de G. triacanthos por ovinos não foi observado por Bruno-Soares e Abreu (6) na mesma espécie animal quando da ingestão de vagens até 71% da MS total da dieta (17% de feno + 12% de bagaço de soja) durante um periodo de 15 dias. 3.3 – Valor nutritivo dos frutos de G. triacanthos vs Quercus suber, Q. rotundifolia e Ceratonia silíqua Os frutos das espécies autóctones, sobretudo a bolota, têm sido frequentemente objecto de estudo. Segundo Goes (14) em estudos realizados em Espanha, a bolota de azinheira é constituída por 79,0 a 83,3% de polpa e 16,7 a 21,0% de casca. Estes frutos apresentaram valores de MS que variaram entre 48,5 e 58,5%, teores de PB da ordem dos 6,8% e teores de GB que oscilam entre 8,5 e 15,5%. Mais refere, o referido autor, que a amplitude de variação dos parâmetros da composição química mencionada resultaram da longa época de deiscência dos frutos e da evolução dos respectivos teores com a maturação. Cañellas et al. (7) determinaram o valor nutritivo da bolota de várias quercíneas, concluindo que o da azinheira era o de melhor qualidade. Como refere Ayanaz (2) a bolota tem baixo teor em PB (cerca de 4,5%) quando comparado com o das vagens maduras do espinheiro da Virginia (cerca de 10,3%) (6). O seu valor energético assemelha-se ao dos frutos em apreço, em energia bruta (19,6 vs 19,1 MJ. kg-1 MS), respectivamente na bolota de azinheira (1) e nas vagens do Espinheiro da Virgínia (6). As vagens da alfarrobeira são também bastante deficientes em proteína (3,6 a 6,5% PB), doseando menos fibra bruta (7,0 a 10% FB) do que os frutos da azinheira e do sobreiro (quadro 4). Por outro lado, e à semelhança das vagens da G. triacanthos, as da alfarrobeira constituiem as suas reservas sob a forma de açúcares e não como amido e gordura, como acontece com as quercíneas. 62 PASTAGENS E FORRAGENS 23 O teor de açúcares nas vagens de alfarrobeira é superior ao do Espinheiro da Virgínia, contudo com menor amplitude de variação do que nestas últimas - 45,7 a 61,2% na alfarroba vs 10 a 50% no Espinheiro da Virgínia (quadros 3 e 4). QUADRO 4 – Teores de cinza, proteina bruta (PB), fibra bruta (FB), fibra neutro e ácido detergente (NDF e ADF), lenhina ácido detergente (ADL), gordura bruta (GB), amido (A), açúcar total (AT) de bolota de azinheira (Quercus rotundifolia), sobreiro (Quercus suber) e vagens de alfarrobeira (Ceratonia siliqua), (% na MS). Frutos Integral Azinheira Polpa (Quercus rotundifolia) “ Casca Cinza PB FB NDF ADF ADL GB A 1,7 4,5 13,6 31,2 23,9 10,2 9,1 34,0 _ 9,9-23,8 3,2-4,5 0,9-2,1 4,0 _ _ _ 1,9-2,0 5,2-6,1 2,5 6,0 1,2-1,7 3,2-4,8 _ 4,8-11,3 24,1-43,6 9,2 _ 66,7-85,6 43,9-65,7 14,6-28,6 1,0-1,3 0,0 – 0,0 AT Ref. _ (1) _ (5) _ (5) _ (5) “ 2,1 5,5 42,7 _ _ _ 1,4 _ _ (5) Sobreiro Polpa 2,1 8,1 2,1 _ _ _ 9,0 _ _ (7) (Quercus suber) Casca 2,2 6,3 31,4 _ _ 1,7 _ _ (7) Alfarroba Integral 2,1-3,5 3,6-6,5 7,0-10 _ _ _ _ 0,6 _ 45-61 (11) (Ceratonia siliqua) Ambas as leguminosas doseiam teores significativos de taninos nos seus frutos. Contudo, a utilização de métodos diferentes na sua avaliação não permite estabelecer relações de grandeza entre os seus teores. Assim as vagens da alfarrobeira apresentaram 4,5 a 13,4% de taninos de acordo com Tous e Battle (1990) cit. por Custódio (11) avaliados pelo método de Folin-Denis usando a D-catequina como padrão; as vagens maduras do Espinheiro da Virgínia com 0,9 a 3,7% de taninos de acordo com Bruno-Soares e Abreu (6) doseados pelo método de Julkumen-Titto (18) e a bolota 4,1 g de ácido gálico. 100 mg-1 de MS de acordo com BrunoSoares et al.(5) e doseados de acordo com Marigo (22). 4 – CONCLUSÕES O interesse forrageiro do Espinheiro da Virgínia (G. triacanthos) pode incidir: i) como fornecedora de folhas (15% a 18% PB e 65% a 70% de DMS) em regime arbustivo de cortes frequentes e/ou ii) como fornecedora de vagens em regime de alto fuste. PASTAGENS E FORRAGENS 23 63 As vagens de Gleditsia triacanthos são relativamente ricas em proteína (10-2%), doseando mesmo maduras um teor de PB (cerca 10%) superior ao dos frutos das quercíneas autóctones (4,5%-8,1%) e da alfarrobeira (4,9%). A fracção fibra tem nas vagens da G. triacanthos (cerca de 35%NDF) uma maior participação do que nos frutos das quercíneas (cerca de 31%-NDF). Os teores máximos de açúcares são da ordem de 31%, notoriamente inferiores aos observados nas vagens da alfarrobeira (>50%). Os compostos fenólicos apresentam nas vagens de G. triacanthos teores que variam de 1,6 a 9,5% para os taninos condensados. A diminuição dos teores de paredes celulares e de compostos fenólicos com o aumento do teor de açúcares na maturação indicia que será nesta fase (Out/Nov) que as vagens deverão ser utilizadas pelos animais (pastoreio). Por as vagens da G. triacanthos apresentarem um elevado teor de açúcares rapidamente fermentescíveis, elas poderão ser um complemento para as ervas jovens, ricas em azoto rapidamente degradável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – ABREU, J. M.; BRUNO-SOARES, A. M; CALOURO, F. – Intake and nutritive value of mediterranean forages & diets. 20 years of experimental data. 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In: Agroforestry Systems, vol. 4, p. 291-294. 40 – VON CARLOWITZ, P. G., Agroforesty technologies and fodder production. Concepts and examples. Kluer Academic Publishers. Netherlands. 1989. Agroforestry systems, vol. 9, p. 1-16. PASTAGENS E FORRAGENS 23 67 "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 69–78. COMPOSIÇÃO BOTÂNICA DA DIETA ALIMENTAR DE BOVINOS EM PASTOREIO – MÉTODO DA ANÁLISE MICRO-HISTOLÓGICA DE FEZES* Jerónimo Côrte-Real Santos, Ana Catarina Ferreira Divisão de Produção Animal (DRAEDM) – Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho – Quinta do Pinhó – 4800-875 – S. TORCATO. RESUMO O conhecimento da dieta alimentar de bovinos em regime de pastoreio livre é essencial para uma eficiente gestão do sistema alimentar destes animais, principalmente em ecossistemas de grande diversidade florística, como é o caso da Serra da Peneda (Noroeste de Portugal), local onde se desenvolveu este trabalho. O método da análise micro-histológica das fezes por nós utilizado, é composto por duas fases distintas. Na primeira fase construímos uma colecção fotográfica de referência da flora existente na Serra da Peneda de acordo com o método proposto por Metcalfe e Chalk descrito por Guerra (3) e do método proposto por (12 e 5) que se baseia no facto de cada espécie vegetal apresentar características anatómicas e químicas das suas células epidérmicas, distintas e específicas para cada uma delas. As maiorias destas epidermes vegetais não são digeridas pelos processos digestivos de um ruminante, mantendo a estrutura microanatómica depois de excretada, podendo ser identificadas microscopicamente à posteriori. Recolhemos 18 amostras de fezes, em que cada amostra representa um grupo de animais, que foram conservadas por processo de congelação doméstica. Numa segunda fase, através da comparação das epidermes encontradas nas amostras fecais com a colecção de referência previamente elaborada, procede-se então à discussão das dietas alimentares. Como resultados apresentamos a colecção de referência da flora identificada na Serra da Peneda cujas fotografias foram confrontadas com as da bibliografia sendo discutidas as eventuais causas para as diferenças ou semelhanças encontradas. Apresentamos a composição botânica da dieta alimentar dos animais estudados em função da época do ano e do local de pastoreio do animal sendo estes resultados discutidos com os obtidos pelo método da observação directa. De forma a pudermos utilizar estes resultados para a Serra da Peneda, testámos estatisticamente o efeito local e época do ano. PALAVRAS-CHAVES: Bovinos; Dieta alimentar; Micro histologia das fezes. * Comunicação apresentada na XIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002 69 BOTANICAL DIET COMPOSITION OF FREE GRAZING BOVINES MICRO HISTOLOGICAL FAECES ANALYSIS ABSTRACT The knowledge of diet composition of free grazing bovines is very important in order to have an efficient management of the feeding system mainly in ecosystems of great floristic diversity as it is the one of Peneda’s mountain (Northwest of Portugal) where this work took place. The method of micro histological faeces analysis that we have used has two different stages. In the first one we built a reference photographic collection of the flora from the Peneda’s mountain adapted from Metcalfe and Chalk described by Guerra (3) and also from the method proposed by Sparks and Malechek (12) and Holechek (5), that is based on the fact that each plant presents anatomic and chemical caratheristics of its cells from the epidermis that are different and specific for each one of it. Most of the epidermis are not digested by ruminants and they can keep its micro anatomical structure after being excreted. Afterwards, they can be identified by means of a microscope. We have picked up 18 faeces samples where each one represents a group of animals (five) which were conserved in a domestic freezer. In the second step we have compared the epidermis that we found in the faeces samples with the photos from the reference photographic collection and afterwards we have discussed the feeding diets. As results, we present the reference photographic collection from the identified flora from Peneda’s mountain. We compared our photos with other authors Maia et al. (6) and Fernandes (1) and we have not find any differences. We also present the botanical diet composition per month and per place being these data compared with the ones from the direct observation (11) and statistical tested as effects. KEYWORDS: Bovines; Feeding diet; Micro histological faeces analysis 1 – INTRODUÇÃO O desenvolvimento agrícola sustentável, baseado numa correcta utilização dos recursos naturais, deve ser uma meta de um desenvolvimento económico equilibrado, o qual exige a aplicação dos conhecimentos científicos às metodologias de intervenção em zonas de montanha. Tendo por objectivo a determinação da dieta alimentar de espécies herbívoras em ambiente natural, sendo, no nosso caso, os bovinos de raças 70 PASTAGENS E FORRAGENS 23 autóctones, optámos pelo método da análise micro-histológica de fezes, de modo a obter resultados fidedignos e significativos sem alteração do comportamento e hábitos alimentares dos animais. Este método baseia-se na identificação dos fragmentos de epiderme não digeridos, que ficam retidos no material fecal dos bovinos. A identificação é baseada numa colecção de referência, que permite uma comparação com as epidermes encontradas. 2 – MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo localiza-se na Serra da Peneda, Noroeste de Portugal, no concelho de Arcos de Valdevez, e compreende a área geográfica das freguesias de Sistelo, Cabreiro e Gavieira num total 90 km2, representando 28% da superfície total do concelho (10). A zona, predominantemente montanhosa, caracteriza-se por um relevo fortemente acidentado (cotas que variam entre 200 e 1416 m), com pronunciados declives e inúmeros afloramentos rochosos. O clima mediterrâneo marítimo, proporciona à região uma temperatura média anual de 13 ºC, devido à influência oceânica que penetra até ao interior montanhoso através dos vales dos rios Minho e Lima. O crescimento vegetativo é influenciado no Verão pela falta de água (precipitação ou rega) e no Inverno é limitado pelas baixas temperaturas (inferiores a 8 ºC) (8). A oferta alimentar para as freguesias de Cabreiro, Rouças e Gavieira, provém de uma superfície composta por cerca de 2910 ha de pastagens naturais de baldio e 351 ha de pastagens permanentes privadas (8). As amostras de fezes foram obtidas entre 1999 e 2000 enquanto ainda se encontravam frescas, num total de 18 amostras (6, de Janeiro; 2, de Fevereiro; 7 de Maio; 1 de Junho; 2 de Julho), sendo cada uma composta por 5 g de fezes das defecações individuais de 5 animais encontrados num mesmo local. As amostras de fezes foram conservadas num congelador doméstico, devidamente identificadas. Os animais dos quais foram recolhidas as amostras de fezes eram fêmeas adultas, representativas do universo (sexo e origem genética) de animais que pastoreiam livremente na Serra da Peneda. Para a realização da colecção de referência, procedeu-se inicialmente à recolha de material herbáceo e arbustivo de todas as espécies que nos foi possível identificar na área de estudo, entre Abril e Junho de 2001. Através de conhecimentos adquiridos em estudos anteriores, foi-nos possível garantir a recolha das principais espécies que esperamos encontrar na dieta PASTAGENS E FORRAGENS 23 71 dos bovinos em estudo. Devido à abundância de espécies herbáceas e à sua maior importância relativa não foram recolhidas espécies arbóreas. De cada espécie vegetal extraiu-se uma amostra de várias estruturas (folhas, caule, flores) e colocadas em sacos no frigorífico. Posteriormente, de cada estrutura vegetal foi retirado um pequeno fragmento que foi colocado numa placa de Petri com algumas gotas de hipoclorito de sódio, sendo o tecido imobilizado com uma lâmina de vidro e raspado com a ajuda de uma lâmina de barbear, após o que foi lavado com água. O hipoclorito de sódio foi utilizado de modo a que a epiderme perdesse os pigmentos e assim facilitasse a observação e identificação das características epidérmicas de cada espécie. Por vezes, foi também utilizada, para o mesmo efeito, a solução de Hertwig’s, principalmente em espécies bastante lenhificadas como certos caules de arbustivas. Após a adição da referida solução a lâmina foi aquecida numa placa de aquecimento. Depois, a epiderme foi montada entre lâmina e lamela, utilizando-se o meio de Hoyer como líquido de montagem, sendo a amostra posteriormente aquecida e colocada numa superfície fria, absorvendo o excesso de meio com papel absorvente e evitando deixar bolhas de ar na montagem. Por fim, a montagem foi selada com um isolante (verniz para unhas) de modo a evitar o contacto com o ar. Tiraram-se fotografias a todas as epidermes, com diferentes ampliações (200× e 400×). Para o efeito, foi utilizado um microscópio Nikon Labophoto 2 ligado a uma câmara, que permitiu a visualização das estruturas num ecran, ao qual foram tiradas as fotografias. Foram classificadas 32 espécies, pertencendo 24 ao estrato herbáceo e 8 ao estrato arbustivo, que constituem a colecção de referência. Como complemento à colecção de referência por nós realizada, utilizámos também a colecção de fichas individuais do trabalho de Fernandes (1) para as espécies arbóreas: (Pinus pinaster, Quercus lusitanica Lam., Quercus súber L.,) e arbustivas: (Cistus crispus L., Cistus ladanifer L., Cistus populifolius L. e Halimium alyssoides Lam C. Koch), para posterior identificação dos fragmentos ao microscópio. A análise micro histológica de fezes foi feita de acordo com Sparks e Malechek (12, 15) e Holechek (4). Uma vez retiradas as amostras do congelador, pesaram-se 5 g de fezes, que foram colocadas num copo misturador, tipo doméstico, com capacidade de 1 litro. Depois de adicionada água, trituravam-se durante cerca de 3 minutos, de modo a obter uma mistura com epidermes homogéneas. Em seguida, fez-se passar a solução por um crivo de 53 μ. O material retido foi colocado numa placa de Petri 72 PASTAGENS E FORRAGENS 23 e foi-lhe adicionado hipoclorito de sódio, de forma a sofrer o mesmo tratamento das epidermes da colecção de referência, permanecendo assim durante aproximadamente 24 horas. Quando o preparado das fezes não pode ser observado imediatamente, deve ser mantido numa solução de álcool etílico a 70%. Sobre uma folha de papel quadriculado, onde se escolheram aleatoriamente 5 pontos diferentes de amostragem, foi colocada a placa de Petri com o material decantado, já despigmentado, proveniente de cada amostra. De cada ponto retirou-se com uma pipeta uma gota, que se colocou entre lâmina e lamela (6). Esta preparação foi observada ao microscópio, com uma ampliação de 200×, suficiente para garantir um maior rigor na classificação das epidermes, e por vezes de 400× para confirmar algum pormenor. Os fragmentos foram identificados, por comparação com as imagens da colecção de referência e contabilizados sistematicamente em trajectos paralelos, num varrimento total ao longo da preparação, de modo a evitar a duplicação na contagem (6). Chama-se a atenção para o facto de nem sempre ter sido possível a identificação das epidermes, observadas ao microscópio, até ao nível da espécie, pelo que optámos pela sua divisão nas seguintes categorias: graminae, outras herbáceas, cistaceae, leguminosae, ericaceae, fagaceae, arbustivas e/ou arbóreas não identificadas (arb/arv) e fragmentos não identificados (NI). Testámos os efeitos, mês do ano e local, na composição botânica da dieta dos bovinos da Serra da Peneda, através do programa JMP versão 3.2.2 (SAS Institut Inc. 1997) para a análise de variância pelo método de Tuckey-Kramer HSD. 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO Para a colecção de referência foi feito um estudo sobre as características microscópicas de cada espécie, as quais ficaram registadas em fotografia. Para além desta colecção fotográfica, elaborámos fichas individuais para cada espécie classificada, onde estão discriminadas a data e o local da colheita e alguns apontamentos sob a forma de desenho, para além das características histológicas das células da epiderme, estomas e pêlos. Esta colecção de referência, devido às suas particularidades, será publicada de uma forma autónoma. PASTAGENS E FORRAGENS 23 73 QUADRO 1 – Lista das espécies que constituem a colecção de referência FAMÍLIA CYPERACEAE COMPOSITAE ERICACEAE GRAMINEAE ESPÉCIE FAMÍLIA Carex acuta Leontodon taraxacoides Calluna vulgaris * Erica arbórea * Erica australis * Erica umbellata * Erica tetralix * Agrostis spp. Agrostis curtisii Dactylis glomerata Danthonia decumbens Festuca spp. Nardus stricta Molinea coerulea Poa annua Poa trivialis Pseudarrhenatherum longifolium ESPÉCIE IRIDACEAE JUNCACEAE Crocus carpetanus Juncus efusus Juncus squarrosos Chamaespartium tridentatum * Genista florida * Trifolium repens Ulex minor (Roth?) * Asphodelus lusitanicus Simethis planifólia Rumex acetosella Pteridium aquilinum Ranunculus repens Carum verticillatum Peucedanum lancifolium Veronica officinalis LEGUMINOSEAE LILIACEAE POLYGONACEAE PTERIDACEAE RANUNCULACEAE UMBELIFEREAE Legenda: *estrato arbustivo Como resultado da observação microscópica dos fragmentos obtidos das amostras de fezes, apresentamos na figura 1, a importância relativa das componentes da composição botânica da dieta dos bovinos em função do mês a que se refere a observação. 1% 1% 28% 19% 25% 3% 8% 1% 1% 1% 26% 1% 38% 8% 1% 4% 9% 9% 1% 2% 7% 19% 6% 3% 4% 5% 5% 55% 60% 58% 42% Janeiro Graminae Fevereiro Outras herbáceas Maio Cistaceae Leguminosae Junho Ericaceae 47% Julho Fagaceae Arb/Arv FIGURA 1 – Variação da composição botânica em função do mês. 74 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Relativamente às pinaceae, ainda que não apareçam na figura 1, foram identificadas a um nível residual (0,1% nos meses de Janeiro, Fevereiro, Maio e Junho, e sem observações no mês de Julho). Os fragmentos não identificados (NI) têm um peso relativo bastante grande em relação ao total de observações (Janeiro=46%, Fevereiro=39%, Maio=41%, Junho=57%, Julho=43%). Contudo, estão dentro de níveis admissíveis, quando comparados com os trabalhos de Fernandes (1) (Inverno=41%. Primavera=44%) ou de Guerra (3) (30%). O elevado número de fragmentos não identificados deve-se ao facto do tamanho do fragmento ser de reduzidas dimensões. Por outro lado, por vezes, as epidermes apresentaram-se opacas devido à elevada proporção de componentes lenhosos o que pode sugerir uma sub estimação do grupo das arbustivas e/ou das arbóreas. Também a presença de fragmentos onde apenas se notavam tecidos vasculares que poderiam pertencer a arbustos contribuiu para valores tão elevados de fragmentos não identificados. Como seria de esperar, as gramíneas são a principal opção alimentar dos bovinos da Serra da Peneda, conclusão que também tirou Mandaluniz et al. (7) nos seus trabalhos sobre bovinos em pastoreio no País Basco, tendo utilizado esta mesma metodologia da análise microhistológica de fezes. As ericaceae são as principais arbustivas (9, 8) consumidas pelos bovinos, assumindo particular importância no tempo quente, resultados que estão de acordo com os trabalhos de Santos e Pinheiro (11), tendo estes autores utilizado o método da observação directa do animal em pastoreio na Serra da Peneda. Para validar a aparente diversificação da composição botânica da dieta alimentar em função do mês, procedemos à análise de variância, cujos resultados apresentamos no quadro 2, apenas para os estatisticamente significativos. Para todas as famílias, excepto para as pinaceae, é significativa a variação da sua ocorrência em função do mês. As gramineae são consumidas pelos bovinos em maior quantidade no mês de Maio assim como as outras herbáceas (OH) e as cistaceae. As leguminosas são mais consumidas no mês de Junho enquanto que as ericaceae, as fagaceae e as arbustivas/arbóreas são mais consumidas no mês de Julho. Assim, o aumento relativo da preferência dos bovinos pelas arbustivas no início do tempo quente poderá ter a ver com a diminuição da disponibilidade das herbáceas (7) mas também é nossa opinião, que está associado às diferentes evoluções do estado fisiológico, já que as gramíneas sofrerão mais com a falta de água e aumento da temperatura de Junho e Julho do que as arbustivas. PASTAGENS E FORRAGENS 23 75 QUADRO 2 – Análise de variância (média ± erro padrão) das componentes da dieta alimentar em função dos meses do ano. Gra *** OH * Cis ** Leg *** Eri *** Fag * Arb/Arv *** JAN 73,1±5,65 b,c 8,2±1,31 a,c 2,0±1,17 b 10,1±1,62 c,d 36,3±4,16 c,d 1,1±0,22 a,b,c 6,7±2,11 d FEV 97,4±9,78 a,b,c 12,8±2,27 a,c 1,3±2,03 a,b 4,6±2,81 d 40,2±7,21 b,c,d 1,0±0,38 a,b,c 24,3±3,65 a,b,c MAI 105,9±5,23 a 12,3±1,22 b,c 7,5±1,08 a 15,2±1,50 a,b,c 34,0±3,86 d 0,6±0,20 b,c 15,3±1,95 c JUN 58,8±13,83 c 5,6±3,22 a,c 7,2±2,87 a,b 26,4±3,97 a 36,6±10,20 a,b,c,d 0,0±0,54 c 17,6±5,16 b,c,d JUL 87,7±9,78 a,b,c 5,6±2,27 a 5,6±2,03 a,b 11,0±2,81 b,c,d 70,3±7,21 a 1,9±0,38 a 35,5±3,65 a Legenda: Gra-gramineae. OH-outras herbáceas. Cis-cistaceae. Leg-leguminosae. Eri-ericaceae. Fag-fagaceae. Arb/Arv-arbustivas e arbóreas não identificadas. As médias dentro da mesma coluna, com a mesma letra não são significativamente diferentes # (p>0,05) *(p<0.05);** (p<0.01); ***(p<0.001) Um outro possível factor de variação na composição da dieta é o local de pastoreio onde o bovino se encontrava, no momento da colheita da amostra de fezes. Assim, apresentamos no quadro 3 o resultado da análise de variância para o efeito local apenas para os estatisticamente significativos. QUADRO 3 – Análise de variância (média ± erro padrão) das componentes da dieta alimentar por local. Gramineae Outras herbáceas Cistaceae Leguminosae Ericaceae Arb/Arv ABADE 103,3±9,55 a,b 15,4±1,57 a,b,c 0,9±1,33 f,g,h 6,0±1,97 e,f,g 53,9±5,09 a,b,c,d,h 15,3±3,07 d,e,f ALHAL 79,2±7,80 a,b,c 2,4±1,29 g 0,5±1,09 h 3,5±1,61 g 57,9±4,16 a,b,c,h 1,5±2,51 g AREEIRO 87,7±9,55 a,b,c 5,6±1,57 e,f,g 5,6±1,33 c,d,e,f,g,h,i 11,0±1,97 d,e,f,g 70,3±5,09 a 35,5±3,07 a AZEVEDO 97,4±9,55 a,b,c 12,8±1,57 a,b,c,d,e 1,3±1,33 f,g,h,i 4,6±1,97 f,g 40,2±5,09 b,c,d,e,f 24,3±3,07 a,b,c,d B. ALHAL 92,2±13,50 a,b,c 8,4±2,23 b,c,d,e,f,g 3,2±1,89 e,f,g,h,i 18,6±2,78 a,b,c,d 25,4±7,20 d,e,f,g 2,8±4,34 f,g Continua 76 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Continuação Gramineae Outras herbáceas Cistaceae Leguminosae Ericaceae Arb/Arv CANDO 99,0±13,50 a,b,c 7,8±2,23 c,d,e,f,g 16,6±1,89 a 29,0±2,78 a 15,6±7,20 f,g 20,6±4,34 a,b,c,d,e,f CEIDA 58,8±13,50 b,c 5,6±2,23 d,e,f,g 7,2±1,89 b,c,d,e,f,g,h,i 26,4±2,78 a,b 36,6±7,20 c,d,e,f,g 17,6±4,34 b,c,d,e,f,g LAMELA 119,0±9,55 a 18,9±1,57 a 0,9±1,33 g,h 11,5±1,97 c,d,e,f,g 39,4±5,09 b,c,d,e,f,h 3,6±3,07 e,f,g LIMARINHO 98,7±9,55 a,b 5,0±1,57 f,g 16,0±1,33 a 21,1±1,97 a,b 17,8±5,09 e,f,g 24,4±3,07 a,b,c,d PORTELA 54,5±9,55 c 16,8±1,57 a,b 3,5±1,33 d,e,f,g,h,i 15,6±1,97 b,c,d 9,3±5,09 g 16,5±3,07 c,d,e,f Legenda: Arb/Arv- arbustivas e arbóreas não identificadas. As médias dentro da mesma coluna, com a mesma letra, não são significativamente diferentes (p<0.001). A preferência alimentar dos bovinos varia de acordo com a oferta alimentar disponível que, por sua vez, varia em função do local. Para quem conhece a Serra da Peneda, é facilmente visível, na Branda do Areeiro, que a área de arbustivas é relativamente maior em relação à das herbáceas, enquanto que na branda da Lamela (Lamela) e na Chã do Abade (Abade) a área ocupada por herbáceas é nitidamente superior à das arbustivas. Os resultados obtidos neste trabalho, quando tratados em função do local (quadro 3), vêm confirmar isto mesmo. 4 – CONCLUSÕES A principal conclusão deste trabalho é que a metodologia da análise micro-histológica de fezes (AMHF) confirma os resultados obtidos por Santos e Pinheiro (11), com o método da observação directa do animal, para identificação da composição botânica da dieta alimentar dos bovinos em pastoreio na Serra da Peneda. De referir que os trabalhos de Santos e Pinheiro foram realizados na mesma altura em que foram recolhidas as amostras de fezes. Vários outros autores (2, 5) chegaram à conclusão de que a AMHF é um bom método para confirmação de resultados obtidos por observação directa. Por outro lado, este método da AMHF permite poupar recursos e esforços quando comparado com o método da observação directa do animal por períodos de 24 horas. PASTAGENS E FORRAGENS 23 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – FERNANDES, C. A. – Estudo da Dieta (Inverno/Primavera) da População de Veados (Cervos elaphus L.) da serra de Silves: Análise micro-histológica das fezes. “Relatório de fim de curso - Licenciatura em Engenharia Florestal”, Universidade Técnica de Lisboa, I.S.A. 1997, 90 pp. 2 – GORDON, I. J. – Animal – based techniques for grazing ecology research. “Small Ruminant Research”, 1995, vol. 26, p. 203-214. 3 – GUERRA, A. P. – Utilização da Vegetação Natural por Herbívoros: Determinação de Dietas Alimentares. “Relatório final de estágio, Licenciatura em Engenharia Zootécnica, U.T.A.D.,” 1990, Vila Real, 53 pp. 4 – HOLECHEK, J. 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F. E; XAVIER, D. – Práticas de Pastoreio – Imaginar, Observar e Aprender. Direcção Regional de Agricultura de Entre-Douro e Minho. Divisão de Produção Animal, 1999, 79 pp. 10 – REY, J. – Território e Povoamento. “Cadernos da Montanha, Peneda 1”, p. 22-39. 11 – SANTOS, J. C-R., PINHEIRO, R. A. G., – Bovinos em Pastoreio na Serra da Peneda – estudo da estratégia alimentar, “Pastagens e Forragens”, 2000, vol. 22, p. 55-69 12 – SPARKS, D. R.; MALECHEK, J. C. – Estimating percentage dry weight in diets using a microscopic technique. “Range Manag.”, 1968, vol. 21, p. 264-265. 78 PASTAGENS E FORRAGENS 23 "Pastagens e Forragens", vol. 23, 2002, p. 79–89. FITOESTROGÉNIOS DA LUZERNA E SUAS IMPLICAÇÕES NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS LEITEIRAS* ♥Luísa M. Chambel Leitão, ♣M. Conceição Castilho, ♦José M. Abreu ♥Escola Superior Agrária Coimbra, Bencanta – 3040-316 COIMBRA ♣ Faculdade Farmácia Universidade COIMBRA – Rua do Norte – 3000 - 316 COIMBRA ♦Instituto Superior Agronomia, Tapada Ajuda – 1349-017 LISBOA Codex RESUMO Após algumas notas históricas e económicas sobre a luzerna, referem-se a sua grande produtividade e o seu bom valor nutritivo, tanto para ruminantes como para monogástricos. Mencionam-se os fitoestrogénios que esta leguminosa possui (formononetina, daidzeína, biochanina A, genisteína e cumestrol), os factores que mais afectam a sua presença e teor, e os efeitos que têm nos animais, sobretudo nas vacas leiteiras. Discutem-se igualmente os efeitos que estes estrogénios possam ter no homem, via consumo de leite, sobretudo em grupos de risco. Finalmente, considera-se o potencial impacto ambiental dos fitoestrogénios dos dejectos, admitindo que possa ser significativo em zonas de grande concentração de animais. PALAVRAS-CHAVES: Ambiente; Fitoestrogénios; Leite; Luzerna; Segurança alimentar. LUCERNE PHYTOESTROGENS, ITS EFFECTS ON DAIRY COWS ABSTRACT After a few historical and economical notes, mention is made of the high productivity and good nutritive value of alfalfa, both for ruminants and monogastric. Alfalfa phytoestrogens (formononetina, daidzein, biochanina A, genistein, coumestrol), as well as the factores that influence their occurrence and levels, and their effects in dairy cows, human milk consumers and environment are discussed. KEYWORDS: Alfalfa; Environment; Food safety; Milk; Phytoestrogens. * Comunicação apresentada na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002 Este trabalho foi apoiado pelo PRODEP III, Medida 5 / Acção 5.3. Concurso 4/5.3 de 2000. 79 1 – INTRODUÇÃO O interesse forrageiro das plantas do género Medicago (seguidamente referidas por medicagos) é reconhecido desde tempos imemoriais. Entre elas destaca-se tanto histórica como economicamente, a luzerna Medicago sativa. As primeiras referências conhecidas à luzerna datam pelo menos do séc. VII a.C. (20). As estatísticas da FAO dão-nos conta da sua importância actual, ao atribuírem nos últimos dez anos uma área global da ordem dos 16×106×ha. Nos últimos anos, a cultura está à escala mundial relativamente estabilizada, seguindo a tendência dos Estados Unidos da América (EUA). Os EUA detêm mais de 60% da produção mundial e a União Europeia (UE) cerca de 13%. Na UE, a Itália, a França e a Espanha são os maiores produtores, com mais de 80% da quantidade produzida. Portugal apresenta valores insignificantes de produção no contexto europeu (6). As estatísticas da FAO mostram ser Portugal um país deficitário em luzerna desidratada ao contrário do que sucede com Espanha, França ou Itália, que conseguem atingir grandes produções para auto-consumo sendo ainda grandes exportadores mundiais. Em Portugal, a importação média anual ronda as 50 mil toneladas de luzerna vindo mais de 80% de Espanha (9). A participação de luzerna desidratada na produção nacional de alimentos compostos para animais não vai além dos 1,5%. Isto é menos do que a quantidade de melaço ou carbonato de cálcio utilizada ou aproximadamente 10% da utilização do bagaço de soja (9). A luzerna, em condições favoráveis dá origem a plantas muito produtivas, que regeneram bem após o corte. Possuem um valor nutritivo elevado e são bem consumidas pelos animais. Para além destas vantagens, têm uma apreciável flexibilidade de utilização quer por poderem ser consumidas de várias formas – em verde, feno, silagem ou erva desidratada – quer por poderem ser vantajosamente incluídas nas dietas da maior parte dos animais domésticos, incluindo ruminantes e monogástricos. Em contrapartida, a luzerna, contém algumas substâncias com efeitos potencialmente negativos sobre os animais, nomeadamente substâncias causadoras de timpanismo, como as saponinas e substâncias com efeitos estrogénicos, como as isoflavonas e o cumestrol. Note-se no entanto que estas últimas podem também influenciar, positivamente, o crescimento dos animais, pelo seu provável efeito anabolizante (2). 80 PASTAGENS E FORRAGENS 23 Neste artigo iremos abordar as características dos fitoestrogénios, pertencentes aos grupos das isoflavonas e dos cumestanos (cumestrol), as suas vias de metabolização e excreção pelos animais e as potenciais consequências da presença de resíduos destes fitoestrogénios para o homem, como consumidor de produtos de origem animal, nomeadamente no leite e para o meio ambiente. Um melhor conhecimento destes temas ajudará a utilizar de forma mais eficiente e segura a luzerna, em particular na alimentação das vacas leiteiras. 2 – FITOESTROGÉNIOS NA LUZERNA Os fitoestrogénios são metabolitos secundários que ocorrem em especial abundância em leguminosas, tais como a soja, o trevo ou a luzerna. Estes são muitas vezes, associados a mecanismos de defesa, para assegurar a sobrevivência destas espécies no ecossistema. Entre os fitoestrogénios da luzerna encontram-se, habitualmente, as isoflavonas (biochanina A, a daidzeína, a formononetina e a genisteína) que são flavonoides e o cumestrol que é um cumestano (7). Os fitoestrogénios a que nos referimos, isoflavonas e cumestrol, podem interferir no metabolismo animal devido à semelhança química das suas estruturas moleculares com as dos estrogénios dos animais, podendo competir com estes para os mesmos receptores. No entanto, os fitoestrogénios são fenóis e não esteróis como as hormonas animais. Na figura 1 pode ver-se a semelhança que existe entre as estruturas moleculares do 17β-estradiol, o estrogénio mais activo em mamíferos e as de alguns fitoestrogénios pertencentes aos grupos das isoflavonas e do cumestano. Uma forragem tanto pode conter compostos fitoestrogénicos endógenos, como estar contaminada com fungos (por exemplo do género Fusarium) produtores de outros compostos com actividade estrogénica, como a zearalenona, toxina que por hidrogenação dá origem ao conhecido anabolizante zeranol. Este composto é um promotor de crescimento em animais explorados para a produção de carne, tendo sido banido da União Europeia, como todos os anabolizantes, em 1988. Vestígios de zeranol poderão ser encontrados nalguns tecidos animais mas a sua origem pode estar na ingestão de zearalenona, presente em alimentos mal conservados (18). PASTAGENS E FORRAGENS 23 81 BHVWUDGLRO +2 2+ &+ +2 2 +2 'DLG]HLQD *HQLVWHLQD )RUPRQRQHWLQD 2 2+ 2+ 2 2 2+ +2 2 &XPHVWURO 2 2&+ 2 +2 2 +2 2 %LRFDQLQD$ 2+ 2 2&+ 2 2+ FIGURA 1 – Semelhança molecular entre alguns fitoestrogénios e o estradiol. Refira-se que o zeranol é um composto com características estrogénicas tão potentes como o 17β-estradiol ou o dietilstilboestrol (DES), por isso a sua presença na cadeia alimentar representa um risco muito superior ao dos fitoestrogénios (21). Já referimos que, compostos com actividade estrogénica podem ser encontrados naturalmente em plantas ou em microrganismos, mas existem ainda, sintetizados pelo homem, em pesticidas, plásticos, produtos farmacêuticos, entre outros. Todos eles possuem alguma capacidade para se ligar ao receptor de estrogénio das células animais e interferir na resposta metabólica normal. No caso dos fitoestrogénios, é a presença do anel fenólico que torna possível a ligação do composto ao receptor de estrogénio presente na célula animal. Esta interferência dá origem a respostas metabólicas diversas, que dependem de factores tais como o fitoestrogénio em causa, a concentração do fitoestrogénio, ou de outros compostos estrogénicos, o órgão ou a célula envolvido e a situação do receptor (38). O conhecimento sobre as influências da variedade e das condições de cultura nos níveis dos diferentes fitoestrogénios presentes na luzerna é reduzido embora seja uma questão muito interessante tanto do ponto de 82 PASTAGENS E FORRAGENS 23 vista teórico como do ponto de vista prático. Sabe-se, no entanto que os estrogénios endógenos tendem a aumentar após a floração, e surgem em concentrações superiores nas folhas mais velhas das zonas inferiores dos caules (14). Sendo assim, tanto a fase como a altura de corte, poderão influenciar o nível de estrogénios na forragem. É também sabido que o stress tende a aumentar a síntese de alguns metabolitos secundários nas plantas (33). Vários autores reconhecem que podem existir isoflavonas na luzerna, mas raramente se têm publicado valores concretos de concentração destes fitoestrogénios. O cumestrol é habitualmente identificado como sendo aquele que mais contribui para os efeitos estrogénicos nos consumidores e podem ser considerados teores de 25 a 65 ppm (parte por milho) de matéria seca (37). De seguida iremos debruçar-nos sobre as consequências da ingestão de fitoestrogénios nos animais, suas repercussões no homem como consumidor de leite e carne e no meio ambiente. 3 – EFEITOS SOBRE OS ANIMAIS Os efeitos dos fitoestrogénios, sobre os ruminantes, essencialmente consumidores de trevos têm sido estudados, em particular na Nova Zelândia com vacas leiteiras, e na Austrália com ovinos. No caso dos ovinos, é sabido que a ingestão de doses elevadas de alguns trevos reduz a fertilidade, quando ocorre antes da cobrição, podendo em contrapartida não ter efeitos visíveis durante a gestação (2). Também estão identificadas situações de ovelhas em pastoreio prolongado destes trevos que desenvolveram esterilidade definitiva (28). Animais, ingerindo fitoestrogénios, vão em situação normal ser capazes de os excretar sob a forma conjugada e a percentagem de eliminação destes conjugados normalmente não ultrapassa os 50% (39). Assim, parte dos fitoestrogénios permanece em circulação ou sob a forma conjugada ou ligada a proteínas do plasma e uma pequena percentagem, inferior a 5% (38) encontra-se livre e por isso disponível para interferir no processo hormonal dos estrogénios endógenos. Se em animais reprodutores os efeitos dos fitoestrogénios são geralmente nefastos, em animais produtores de carne poderão exercer efeitos anabolizantes ou outros benéficos do ponto de vista zootécnico tais como antioxidantes, antisépticos ou promotores da ossificação. Resta saber qual PASTAGENS E FORRAGENS 23 83 o nível ideal, em que os fitoestrogénios devem estar presentes nas dietas, de forma a existir uma participação favorável no desempenho animal. Por exemplo a genisteína, uma das isoflavonas com actividade estrogénica, presente na luzerna, tem revelado poder comportar-se como agonista a baixas concentrações e como antagonista a altas concentrações (26). Por outro lado podem surgir efeitos sinérgicos (3) e antagónicos (35) entre os vários compostos com actividade estrogénica que podem afectar tanto a produção animal como a saúde humana. Actualmente admite-se que a investigação com células in vitro não permite a identificação correcta da acção dos compostos estrogénicos in vivo, devido à complexidade dos seus efeitos nos organismos. Reconhece-se desde já que as reacções serão diferentes em função da espécie e dentro da mesma espécie variarão com vários factores com destaque para a idade, a dieta, a presença de estrogénios sintéticos, o período de habituação e o indivíduo (39). 4 – EFEITOS SOBRE O HOMEM Os eventuais efeitos sobre a saúde humana dos fitoestrogénios bem como outras substâncias sintéticas com actividade estrogénica são hoje motivo de literatura abundante. Os riscos destes compostos hormonais para o homem e para os ecossistemas são grandes e foram pretexto de tomada de posição por países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido. Em humanos é corrente admitir-se que uma dieta rica em carne e lacticínios implica a ingestão de compostos com actividade estrogénica uma vez que na ração dos animais quase sempre existe soja, trevo, luzerna, (16) ou seus derivados com teor elevado destes compostos. O leite é um dos produtos da alimentação humana que se sabe ter resíduos de compostos com actividade estrogénica, com origem na dieta das vacas. Tendo já sido considerado que 60 a 70% dos estrogénios consumidos pelo homem têm origem nos lacticínios da sua dieta (8). Devemos realçar também que a exclusão do leite (de origem animal) da dieta infantil pode ter más consequências uma vez que é difícil seleccionar um bom substituto. Foram identificadas perturbações graves no sistema hormonal de crianças que ingeriram quantidades elevadas de leite de soja, ou que tinham dietas à base de soja (40). Verificou-se que a concentração de isoflavonas encontrada no plasma destas crianças era 84 PASTAGENS E FORRAGENS 23 13 000 a 22 000 vezes superior à concentração de estradiol nos primeiros meses de vida. Quando comparadas com crianças alimentadas à base de leite de vaca tinham dez vezes mais isoflavonas no plasma e vinte vezes mais do que as alimentadas com leite materno (39). Admite-se ainda que durante a gestação o feto possa ser gravemente afectado por compostos de natureza estrogénica (36) e assim talvez seja de recomendar a diminuição de fitoestrogénios na dieta de grávidas e recém-nascidos. O efeito da exposição prematura a fitoestrogénios não é claro. A hipótese de ser adverso, baseia-se no conhecimento de distúrbios reprodutivos e neuroendócrinos verificados em várias espécies animais, mas também se admite poder ocorrer um efeito positivo relacionado com o aumento de resistência a algumas formas de cancro (40). 5 – EFEITOS SOBRE O MEIO As excreções de fitoestrogénios conjugados que se têm quantificado, normalmente não ultrapassam os 50% como já se mencionou. Tem sido difícil, fazer uma correcta avaliação, do total excretado uma vez que existe uma grande variedade de compostos resultantes do catabolismo dos fitoestrogénios ingeridos, e por motivos diversos nem todos têm sido quantificados (40). Não serão muitas as referências precisas sobre o impacto dos fitoestrogénios sobre o meio ambiente. A sua concentração num terreno pode tornar-se considerável quando nele estejam concentrados grandes efectivos de vacas leiteiras, quer porque ingiram quantidades apreciáveis de fitoestrogénios, quer por as vacas poderem estar sujeitas a tratamentos hormonais com estrogénios de síntese, que também serão parcialmente excretados. Os fitoestrogénios e os seus metabolitos são considerados (26) como tendo reduzida bio-acumulação, quando comparados com compostos com actividade estrogénica sintetizados pelo homem, DDT ou DES (diclodifeniltricloroetano ou dietilstilbestrol) que permanecem intactos no meio ambiente e nos organismos vivos por largos períodos (43). O ciclo dos fitoestrogénios não tem sido estudado. Em teoria, após excreção, estes poderão ser mais uma das fontes de contaminação para o meio ambiente, mais grave em sistemas de produção mais intensivos como são os de bovinos de leite. PASTAGENS E FORRAGENS 23 85 Admitimos que o meio poderá ser afectado pela aplicação ao solo de estrumes e chorumes provenientes de explorações onde os animais ingiram grandes quantidades de fitoestrogénios. Estes, depois de excretados poderão interferir com os processos naturais de simbiose estabelecidos entre raízes de leguminosas e alguns microorganismos do solo, uma vez que estes processos são modulados por flavonóides excretados pelas raízes, entre eles isoflavonas e cumestanos. Estão descritas semelhanças funcionais entre o receptor de estrogénio das células animais e certas proteínas presentes no Rhizobium, que se ligam a um flavonol excretado pela planta (29). É a ligação dum composto com características estrogénicas, à proteina receptora da bactéria que permite o desencadear da nodulação nas leguminosas. Existe uma enorme variedade de espécies de Rhizobium, verificando-se haver uma certa especificidade entre estas e as leguminosas a que se ligam; essa especificidade poderá ser controlada pela composição dos flavonóides excretados pela raiz e pela estrutura da proteína receptora da bactéria (4). Por exemplo, a daidzeína, a genisteína e o cumestrol podem ser promotores de nodulação na soja (34) e o cumestrol pode inibi-la na luzerna (29). Assim, se as concentrações destes compostos estiverem desequilibradas no solo, a nodulação pode não se concretizar, com consequente perda da capacidade de fixação azotada da planta. Interacções entre as micorrizas e fungos estabelecem-se também na rizosfera, e do mesmo modo, neste caso entram em jogo compostos flavonóides que promovem o crescimento dos microorganismos. Mais uma vez, será de admitir que o uso de chorumes e estrumes com elevado teor de fitoestrogénios possa interferir significativamente nos mecanismos de cooperação existentes no solo entre microrganismos e plantas. 6 – CONCLUSÕES Produtividades altas em vacas leiteiras só se atingem com dietas muito equilibradas, baseadas em forragens de elevada qualidade. Neste sentido, a luzerna apresenta-se como um alimento de eleição. No entanto, a sua ingestão pode implicar a de substâncias estrogénicas, susceptíveis de interferirem no metabolismo reprodutivo e produtivo dos animais e de desencadear efeitos ainda pouco estudados na cadeia alimentar, com possíveis repercussões no homem como consumidor de leite e carne. 86 PASTAGENS E FORRAGENS 23 São escassos os estudos que referem os níveis de fitoestrogénios presentes na luzerna e seria útil avaliar como variam em função de factores tais como a variedade, a época de corte, o processamento após o corte, entre outros. Conhecer os efeitos dos fitoestrogénios nos animais produtores de leite ou carne será também importante, especialmente numa perspectiva de cadeia alimentar, considerando a posterior transferência destes compostos com actividade estrogénica para a alimentação humana e para o meio ambiente. A presença nos alimentos e no meio ambiente de compostos com características hormonais poderá por outro lado ser benéfica para o ecossistema, desde que promovam a sobrevivência e o equilíbrio das espécies. Os mecanismos ecológicos de defesa da luzerna expressam-se através da limitação da sobrevivência dos que directa, ou indirectamente, a consomem. Cabe ao produtor aprender a tirar partido do melhor desta forragem, evitando os possíveis efeitos adversos que lhe estejam associados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – ABREU, J. M.; LEITÃO, L. M. C. – Substâncias Prejudiciais à Produtividade Animal em Pastos e Forragens. “Pastagens e Forragens”, 1991. vol. 12, p. 181-202. 2 – ADAMS, N. 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PRODUÇÃO E VALOR NUTRITIVO DA CONSOCIAÇÃO DE CEREAIS FORRAGEIROS COM ERVILHACA (VICIA BENGHALENSIS L.) * Valdemar Carnide♣, Miguel A. M. Rodrigues♦, Luis M. M. Ferreira♦, Henrique Guedes-Pinto♣ ♣Centro ♥Centro de Genética e Biotecnologia de Ciência Animal e Veterinária. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-911 – VILA REAL RESUMO A produção e o valor nutritivo de diversas consociações de três triticales, um centeio, uma aveia e uma ervilhaca vermelha, foram avaliadas durante dois anos em Vila Real. Efectuou-se um único corte à floração da ervilhaca vermelha. Os resultados obtidos para a produção de matéria seca evidenciam diferenças significativas (P<0,001) entre consociações, não significativas (P>0,05) entre anos e para a interacção anos × consociações. As duas consociações mais produtivas eram constituídas por dois cereais forrageiros (triticale e aveia ou triticale e centeio) e ervilhaca vermelha. A digestibilidade in vitro da matéria orgânica mais baixa verificou-se nas consociações em que um dos cereais forrageiros era o centeio e a mais elevada em consociações de triticale com ervilhaca vermelha. O teor em proteína bruta parece não ser influenciado pela espécie de cereal e o número de espécies de cereal na consociação. A utilização de duas espécies de cereal forrageiro, sendo um destes o triticale, na constituição de consociações com ervilhaca vermelha, parece ser mais indicado do que a utilização de uma única espécie de cereal forrageiro. PALAVRAS-CHAVES: Cereais forrageiros Consociações; Ervilhaca vermelha; Produção; Valor nutritivo. YIELD AND NUTRITIVE VALUE OF CEREALS × VETCH (VICIA BENGHALENSIS L.) MIXTURES ABSTRACT The production and nutritive value of several mixtures of three triticales, a rye, an oat and a red vetch, were evaluated for two years at Vila Real. Only one cut was made at flowering stage of the red vetch. * Comunicação apresentada na XXIII Reunião de Primavera da SPPF. Guimarães, Abril de 2002. 91 The results obtained for the production of dry matter show significant differences (P <0.001) among mixtures, not significant (P>0.05) among years and for the interaction years × mixtures. The two most productive mixtures were composed by two cereals (triticale and oat or triticale and rye) and red vetch. The lowest in vitro organic matter digestibility was observed in the mixtures in that one of the cereals was rye and the highest in triticale × red vetch mixture. The concentration in crude protein does not seem to be influenced by the cereal species and the number of cereal species in the mixtures. The utilization of two cereal species, being one of these the triticale, in the mixtures with red vetch, seems to be more suitable than the use of singular cereal species. KEYWORDS: Mixtures; Cereals; Nutritive value; Red vetch; Yield. 1 – INTRODUÇÃO As consociações de Outono, de cereal com leguminosa, são uma forma de obtenção de forragem para o início da Primavera ou para ensilar. As mais frequentes em Portugal são de um cereal, normalmente a aveia e, mais recentemente, o triticale com uma leguminosa, em especial a ervilhaca. No entanto, em alguns países como no Canadá e nos Estados Unidos da América utilizam-se também consociações constituídas por dois cereais ou por dois cereais e uma leguminosa. A inclusão da leguminosa na consociação tem como principal finalidade aumentar o valor nutritivo, em particular o teor em proteína e em elementos minerais, compensando assim a diminuição do valor nutritivo que se verifica nos cereais com o avanço do seu estado de desenvolvimento (4, 11). Com este trabalho pretendeu-se estudar a importância do cereal e de diferentes espécies de cereal forrageiro na produção e no valor nutritivo de diferentes tipos de consociações. Para o efeito elegeram-se três espécies de cereal forrageiro (aveia, triticale e centeio) que foram consociadas, quer individualmente quer na combinação de duas a duas, com uma mesma cultivar de ervilhaca vermelha (Vicia benghalensis L.). 2 - MATERIAL E MÉTODOS Estudou-se o comportamento de três espécies de cereal forrageiro – aveia (cv. Boa-Fé), triticale (cv. Douro, cv. Ugo e linha EP3/94) e centeio (Pop. Montalegre) - quando consociadas com a cultivar de ervilhaca vermelha Fontainhas. Os triticales Douro e EP 3/94 são provenientes do programa de melhoramento do Departamento de Genética e Biotecnologia da UTAD e o triticale Ugo é uma cultivar polaca. 92 PASTAGENS E FORRAGENS 23 As consociações estudadas eram formadas por um cereal forrageiro ou por dois cereais forrageiros pertencentes a espécies diferentes e pela ervilhaca vermelha. Os ensaios foram instalados em Vila Real e decorreram durante 2 anos agrícolas (1998/99 e 1999/2000). A sementeira, em blocos completos casualizados com quatro repetições, efectuou-se na primeira quinzena de Outubro, em linhas afastadas de 25 cm, sendo a densidade de sementeira de 250 plantas/m2 para o cereal e de 90 plantas/m2 para a ervilhaca vermelha. A adubação consistiu na aplicação de 28 kg de azoto, 56 kg de P2O5 e de K2O de fundo e de 60 kg de azoto em cobertura. O corte das consociações ocorreu quando a leguminosa atingiu a floração. De cada um dos talhões retiraram-se duas amostras. Uma das amostras colocou-se numa estufa de circulação forçada de ar a 65 °C por um período superior a 36 h para secagem, para posterior determinação da produção de matéria seca e para as análises de qualidade. Na outra amostra separaram-se os componentes cereal; nas consociações com mais do que um cereal forrageiro separaram-se os dois cereais e a leguminosa, avaliando-se em seguida a contribuição de cada um dos constituintes para a produção total. O valor nutritivo da forragem foi avaliado pela digestibilidade in vitro da matéria orgânica, através do método de Tilley e Terry (14) modificado por Marten e Barnes (10) e pelo teor em proteína bruta (N × 6,25), tendo-se determinado o teor em azoto num sistema semimicro Kjeldhal. A concentração em matéria orgânica digestível (expressa em % da MS) foi estimada de acordo com Beever e Mould (2). 3 – RESULTADOS Para a produção de matéria seca registaram-se diferenças significativas (P<0,001) entre consociações e não significativas (P>0,05) entre anos e para a interacção anos × consociações. Na média dos dois anos as maiores produções de matéria seca obtiveram-se nas consociações triticale EP3/94 × aveia Boa-Fé × ervilhaca vermelha Fontainhas e triticale Douro × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas com 8714 kg/ha-1 e 8706 kg/ha-1, respectivamente. Estas consociações foram significativamente diferentes (P<0,05) de todas as consociações em cuja constituição entrou apenas uma espécie de cereal forrageirro. A menor produção obteve-se na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas (5149 kg/ha-1) e foi significativamente inferior (P<0,05) à registada em todas as outras consociações (quadro 1). PASTAGENS E FORRAGENS 23 93 QUADRO 1 – Produção de matéria seca, digestibilidade in vitro da matéria orgânica, teor em proteína bruta, fibra do detergente neutro e fibra do detergente ácido em diferentes consociações (média de 2 anos). PROD. MS (kg/ha-1) DIVMO (%) PB (%) NDF (%) ADF (%) Douro × Montalegre × Fontainhas 8706 59,43 10,85 62,92 40,50 Douro × Boa-Fé × Fontainhas 8349 65,41 10,35 57,08 36,12 EP3/94 × Montalegre × Fontainhas 8286 60,65 10,79 64,45 40,37 EP3/94 ×Boa-Fé × Fontainhas 8714 64,11 10,94 58,58 38,25 Ugo × Montalegre × Fontainhas 7682 64,54 12,51 62,25 39,98 Ugo × Boa-Fé × Fontainhas 6959 66,99 11,49 56,16 36,40 Douro × Fontainhas 7100 66,97 12,15 57,23 35,20 EP3/94 × Fontainhas 8314 67,61 12,81 59,45 38,06 Ugo × Fontainhas 5149 71,86 12,29 53,24 34,87 Boa-Fé × Fontainhas 7435 65,77 11,11 54,17 34,46 Montalegre × Fontainhas 8622 60,71 11,99 64,60 42,79 DMS (P=0,05) 1094 2,35 1,03 2,02 2,10 Legenda: Prod. MS – Produção de Matéria Seca; DIVMO – Digestibilidade In Vitro da Matéria Orgânica; PB – Proteína Bruta; NDF – Fibra do Detergente Neutro; ADF – Fibra do Detergente Ácido A digestibilidade in vitro da matéria orgânica foi significativamente diferente (P<0,01) entre anos e entre consociações e para a interacção anos × consociações (P<0,05). A consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas teve a digestibilidade média mais elevada (71,86%) e foi significativamente diferente (P<0,05) de todas as outras consociações, seguida da consociação triticale EP 3/94 × ervilhaca vermelha Fontainhas (67,61%). O valor mais baixo (59,43%) registou-se na consociação triticale Douro × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas não tendo sido significativamente diferente (P>0,05) das consociações triticale EP 3/94 × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas (60,65%) e centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas (60,71%) (quadro 1). De notar que estas três consociações têm em comum a espécie centeio. 94 PASTAGENS E FORRAGENS 23 No que se refere ao teor em proteína bruta registaram-se diferenças significativas ao nível de 0,1% entre anos, ao nível de 1% para a interacção anos × consociações e ao nível de 5% entre consociações. O teor médio mais elevado de proteína bruta obteve-se na consociação triticale EP 3/94 × ervilhaca vermelha Fontainhas (12,81%) seguida da consociação triticale Ugo × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas com 12,51%. A consociação triticale Douro × aveia Boa-Fé × ervilhaca vermelha Fontainhas apresentou o teor médio mais baixo com 10,35%, o qual não foi significativamente diferente (P>0,05) das consociações em que os cereais triticale EP 3/94 e centeio Montalegre, triticale Douro e centeio Montalegre, triticale EP 3/94 e aveia Boa-Fé estiveram consociados com a ervilhaca vermelha (quadro 1). Quanto ao teor em NDF registaram-se diferenças significativas (P<0,001) entre anos, entre consociações e para a interacção anos × consociações. Para os teores em ADF as diferenças foram significativas (P<0,01) para o efeito consociações e não significativas (P>0,05) para os efeitos anos e interacção anos × consociações. O teor médio mais baixo em NDF registou-se na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas (53,24%) e o de ADF na consociação aveia Boa-Fé × ervilhaca vermelha Fontainhas (34,46%). O teor mais alto de NDF obteve-se na consociação centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas com 64,60, o qual não foi significativamente diferente (P>0,05) do registado nas consociações triticale EP 3/94 × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas e triticale Douro × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas. Quanto ao teor em ADF o valor mais elevado (42,79%) obteve-se na consociação centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas e foi significativamente diferente (P<0,05) do encontrado em todas as outras consociações (quadro 1). A contribuição média da ervilhaca nas consociações em que havia dois cereais forrageiros variou entre 17,5% na consociação triticale Douro × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas e 24,1% na consociação triticale Ugo × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas. Nas consociações com uma única espécie de cereal forrageiro a contribuição média da ervilhaca oscilou entre 26,1% na consociação centeio × ervilhaca vermelha e 37,6% na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha (quadro 2). Em todas as consociações a percentagem média das infestantes foi inferior a 5% pelo que se considerou desprezível a sua contribuição para a produção total. PASTAGENS E FORRAGENS 23 95 QUADRO 2 – Contribuição (%) de cada um dos componentes das diferentes consociações. CEREAL 1* CEREAL 2* (%) (%) CONSOCIAÇÕES ERVILHACA VERMELHA (%) Douro × Montalegre × Fontainhas 41 41,6 17,5 Douro × Boa-Fé × Fontainhas 41,5 38 20,6 EP 3/94 × Montalegre × Fontainhas 45,2 35,5 19,3 EP 3/94 × Boa-Fé × Fontainhas 43 41,5 20,7 Ugo × Montalegre × Fontainhas 29,7 46,3 24,1 Ugo × Boa-Fé × Fontainhas 36,6 41,7 22,7 Douro × Fontainhas 66,4 - 33,6 EP 3/94 × Fontainhas 70,4 - 29,1 Ugo × Fontainhas 62,4 - 37,6 Boa-Fé × Fontainhas 71,5 - 28,6 Montalegre × Fontainhas 73,9 - 26,1 * O cereal 1 refere-se ao primeiro cereal forrageiro indicado na consociação e o cereal 2 ao segundo cereal forrageiro da consociação, nas consociações com 2 cereais forrageiros 4 – DISCUSSÃO Nas consociações em que existia apenas um cereal forrageiro a produção média de matéria seca mais elevada registou-se naquela em que o cereal foi o centeio, o qual teve também a maior contribuição (73,9%) para a produção de matéria seca. Esta consociação (centeio × ervilhaca vermelha) teve dos menores valores para a digestibilidade in vitro da matéria orgânica e as consociações em que o centeio foi um dos constituintes apresentaram ainda o NDF e o ADF mais elevados. A consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas teve a produção de matéria seca mais baixa mas a digestibilidade in vitro da matéria orgânica mais elevada e um dos teores em proteína bruta mais alto. Atendendo a que, na generalidade das gramíneas, quando aproveitadas em corte único, a produção de matéria seca aumenta ao longo do ciclo vegetativo e o valor nutritivo da forragem decresce (1, 3, 5) o diferente comportamento destas consociações pode ser explicado pelo facto do centeio já se encontrar no início da floração enquanto a cultivar de triticale Ugo se encontrava apenas no início do espigamento. Por outro lado, na consociação centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas a contribuição da leguminosa 96 PASTAGENS E FORRAGENS 23 foi 11,5 unidades inferior à registada na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas o que também contribuiu para a justificação do melhor valor nutritivo da forragem desta consociação. Ao contrário dos resultados obtidos em trabalhos anteriores (6, 7, 8, 9) a consociação aveia × ervilhaca vermelha apresentou uma produção média de matéria seca significativamente superior (P<0,05) à obtida quando a ervilhaca vermelha foi consociada com as variedades de triticale Ugo mas significativamente inferior (P<0,05) à registada na consociação triticale EP 3/94 × ervilhaca vermelha. A digestibilidade in vitro da matéria orgânica nas consociações em que se utilizou apenas uma espécie de cereal foi mais alta quando o cereal foi o triticale. Estes resultados são diferentes dos obtidos em trabalhos anteriores (7, 8) em que a consociação aveia × ervilhaca apresentou valores mais elevados. No que se refere ao teor em proteína bruta, as três consociações triticale × ervilhaca vermelha apresentaram valores médios superiores aos registados nas consociações centeio × ervilhaca vermelha e aveia × ervilhaca vermelha sendo para esta última consociação as diferenças estatisticamente diferentes (P<0,05). O maior teor em proteína bruta obtido nas consociações em que o cereal foi o triticale ou o centeio, comparativamente com o registado na consociação em que o cereal foi a aveia, vem confirmar os resultados de Osman et al. (12) Contudo, Carnide et al. (8, 7) e Rihawi et al. (13) obtiveram teores mais elevados em consociações aveia × ervilhaca do que em consociações triticale × ervilhaca. A diferença de resultados obtida entre estudos pode ser devida aos genótipos avaliados serem diferentes, ao estado de desenvolvimento das plantas quando do corte e a factores edafoclimáticos. A melhor produção média de matéria orgânica digestível obteve-se na consociação triticale EP3/94 × ervilhaca vermelha Fontainhas com 5621 kg/ha-1, tendo-se registado na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha o valor médio mais baixo (3700 kg/ha-1). Em termos gerais, as menores produções médias de matéria orgânica digestível obtiveram-se nas consociações em que um dos constituintes foi a cultivar de triticale Ugo (figura 1). Quanto à produção média de proteína bruta os valores apresentaram uma amplitude entre 1065 kg/ha-1 na consociação triticale EP3/94 × ervilhaca vermelha Fontainhas e 638 kg/ha-1 na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas (figura 2). Nas consociações em que se utilizaram dois cereais forrageiros verifica-se que os valores mais elevados, quer para a digestibilidade in PASTAGENS E FORRAGENS 23 97 vitro da matéria orgânica quer para a proteína bruta, se conseguiram em consociações em que um dos cereais forrageiros foi a cultivar de triticale Ugo. Estes dados vêm confirmar a influência da espécie e, porventura de igual ou maior importância, o efeito da variedade. Quando se analisa a produção de matéria orgânica digestível é possível verificar que a inclusão de dois cereais forrageiros nas consociações permitiu obter, na generalidade, valores mais elevados comparativamente às consociações em que se utilizou apenas uma espécie de cereal (figura 1). 5750 PROD. MAT. ORG. DIG. (kg/ha) 5500 5250 5000 4750 4500 4250 4000 3750 3500 3250 BOA FE X FONT MONT X FONT UGO X FONT EP3/94 X FONT DOURO X FONT UGO X BOA FE X FONT UGO X MONT X FONT EP3/94 X BOA FE X FONT EP3/94 X MONT X FONT DOURO X BOA FE X FONT DOURO X MONT X FONT 3000 CONSOCIAÇÕES FIGURA 1 – Produção de matéria orgânica digestível (kg/ha-1) em diferentes consociações. Em duas das três consociações triticale × aveia × ervilhaca vermelha a produção média de proteína bruta foi superior à registada na consociação aveia × ervilhaca vermelha o que reflecte a importância da introdução do triticale neste tipo de consociações (figura 2). A única consociação em que não se verificou esta situação foi aquela em que o cereal foi a cultivar de triticale Ugo que, como se disse anteriormente, tem um ciclo mais tardio do que as restantes cultivares de cereal ensaiadas. 98 PASTAGENS E FORRAGENS 23 1000 PROD. PROT. BRUTA (kg/ha) 950 900 850 800 750 700 650 600 550 BOA FE X FONT MONT X FONT UGO X FONT EP3/94 X FONT DOURO X FONT UGO X BOA FE X FONT UGO X MONT X FONT EP3/94 X BOA FE X FONT EP3/94 X MONT X FONT DOURO X BOA FE X FONT DOURO X MONT X FONT 500 CONSOCIAÇÕES FIGURA 2 – Produção de proteína bruta em diferentes consociações A produção média de proteína bruta apresentou uma variação muito maior quando se consociou apenas uma espécie de cereal forrageiro com a ervilhaca, entre 638 kg/ha-1 na consociação triticale Ugo × ervilhaca vermelha Fontainhas e 1065 kg/ha-1 na consociação triticale EP3/94 × ervilhaca vermelha Fontainhas, do que quando se utilizaram duas espécies de cereal forrageiro consociadas com a ervilhaca vermelha, entre 864 kg/ha-1 na consociação triticale Douro × aveia Boa-Fé × ervilhaca vermelha Fontainhas e 961 kg/ha-1 na consociação triticale Ugo × centeio Montalegre × ervilhaca vermelha Fontainhas. Deste estudo podemos concluir que a consociação de duas espécies diferentes de cereal forrageiro, sendo uma delas o triticale, com a cultivar de ervilhaca vermelha Fontainhas, é uma boa alternativa à consociação de uma única espécie de cereal forrageiro com esta cultivar de ervilhaca vermelha. Constata-se ainda que é importante, dentro de uma espécie de cereal e em particular para o triticale, a escolha do ciclo da cultivar a consociar. PASTAGENS E FORRAGENS 23 99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – BARON, V. S., KIBITE, S. – Relationships of maturity, height and morphological traits with whole-plant yield and digestibility of barley cultivars. “Can. J. Plant Sci.”, vol. 67, 1987, p. 1009-1017. 2 – BEEVER, D. E. e MOULD, F. L. – Forage evaluation for efficient ruminant livestock production. In: GIVENS, D. I., OWEN, E., OMED, H. M., AXFORD, R. F. E. (eds.) – Forage Evaluation in Ruminant Nutrition. CABI Publishing, USA, 2000, p. 15-42. 3 – BERGEN, W. G., BYREM, T. M., GRANT, A. 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TORCATO – GUIMARÃES (16 A 19 DE ABRIL DE 2002) Constituiu objectivo central da XXIII Reunião de Primavera da Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens discutir a problemática da produção de forragens e pastagens a nível nacional, tendo subjacente a necessidade de produzir forragens e pasto mantendo os sistemas agrícolas rentáveis e respeitadores do ambiente. O evento promoveu a participação de investigadores, técnicos e demais interessados, com a apresentação de trabalhos que contribuíram para uma reflexão mais profunda sobre a forma de produzir forragens e pastagens num contexto de qualidade e ambiente, enfatizando-se estas questões, também a um nível regional. Participaram na reunião 100 congressistas dos quais 55 sócios, 32 não sócios e 13 estudantes. Foram apresentadas trinta e uma comunicações, dezanove das quais foram apresentações orais distribuídas por quatro sessões, a que se somou uma de posters. As comunicações abrangeram as vertentes ambiente, produção e qualidade alimentar em sistemas intensivos e extensivos. Para a resolução de problemas ambientais na produção intensiva foram apontadas algumas soluções que passam sobretudo pela melhor gestão do azoto mineral e orgânico, pela redução do efectivo de substituição e pelo melhoramento animal. Para a melhoria da qualidade da dieta animal no sistema leiteiro, foi apontada a necessidade de melhorar a tecnologia de produção de silagens, como meio de diminuir os factores anti-nutricionais da forragem verde. 103 Um novo perfil de produtores de forragem constitue um desafio para a comunidade técnica e científica. Em relação ao sistema extensivo, a actual relação da produção de pastagens e forragens com o ambiente deixa uma margem para a intervenção técnica no sentido de melhorar a produtividade e a qualidade sem que isso interfira na qualidade dos produtos. Aponta-se como estratégia de desenvolvimento a produção de alimentos com interesse para os produtores e consumidores, preservando ao mesmo tempo a paisagem. Deu-se particular relevo a novas tecnologias para a produção pecuária, sempre associada às infra-estruturas e às medidas de política ajustadas que sirvam de instrumento para o efectivo desenvolvimento rural. Entendeu-se que há necessidade de conferir um carácter local às actividades de experimentação no âmbito da produção de forragens e pastagens, nomeadamente no que se refere ao impacto destas actividades no ambiente e na qualidade. É conveniente potenciar parcerias, nomeadamente envolvendo as autarquias locais, dirigindo-se as suas acções ao estudo e à resolução de “pequenos” problemas concretos de pessoas concretas, induzindo a formatação de medidas de política mais adequadas. 104 PASTAGENS E FORRAGENS 22