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A ENFERMAGEM E A MORTE: ANÁLISE DOS
SENTIMENTOS DE ENFERMEIRAS FRENTE À MORTE
EM UMA UTI PEDIÁTRICA
OLIVEIRA, L. M.1; SANTOS, L.D.2; OLIVEIRA, M.A.L.3
Desde as primeiras fases da vida, as pessoas são instruídas a não falarem sobre a morte, uma vez
que ela é vista por nossa sociedade como um tabu, que não nos permite discuti-la como um
processo natural da vida. Ao se falar da morte, é comum emergirem sentimentos como terror,
medo, espanto, pavor, dor, enfim, uma série de sentimentos que fazem com que ela se constitua no
fato mais assustador da vida. O Enfermeiro presencia, constantemente, a morte em seu cotidiano
profissional, porém, como ele lida com os sentimentos que emergem mediante o óbito de pacientes
em uma UTI pediátrica? Frente a tal inquietação, esta pesquisa teve como objetivos identificar e
analisar os sentimentos que surgem na profissional Enfermeira (somente foram entrevistadas
mulheres) no enfrentamento da morte e como ocorre a comunicação do óbito aos familiares. O
percurso metodológico escolhido para alcançar esses objetivos seguiu a pesquisa qualitativa com
desenho descritivo, realizada na UTI Pediátrica do Centro Integrado de Assistência a Mulher,
Criança e Adolescente (CIAMCA), sob gestão da Fundação Municipal de Saúde de Teresina (PI).
Utilizou-se o método de abordagem indutivo pela pesquisa ter partido da vivência das
pesquisadoras em um hospital pediátrico e das angústias que a morte gerou nestas, e, como método
de procedimento o tipológico. Os sujeitos foram sete enfermeiras plantonistas que concordaram em
participar da pesquisa, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Não
foram entrevistados Enfermeiros, por não se ter tido acesso a este no campo da pesquisa. Os dados
foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, tendo como instrumentos minigravadores e roteiro previamente elaborado e testado, individualmente e em locais reservados. Os
resultados apontam que, a partir das falas dos sujeitos, o conceito de morte permeia os universos
biológicos e religiosos, o que permite conceituar este fenômeno como passagem, transcendência,
cessação dos sinais vitais, deixar de viver, entre outros. As profissionais de enfermagem
entrevistadas sofrem com a morte de crianças nos hospitais pediátricos e acreditam que sua
principal função é salvar. Frente à morte de crianças, referem sentimentos como impotência,
sofrimento e inutilidade, deixando transparecer a sobreposição de sentimentos profissionais aos
pessoais. Conclui-se que as enfermeiras entrevistadas sentem-se despreparadas para lidar com suas
1
2
3
Acadêmica do 5º Bloco do Curso de Bacharelado em Enfermagem do Centro de Ensino
Unificado de Teresina (CEUT). Conj. Bela Vista II. Qd. 68. Cs. 11. Teresina, Piauí, CEP 64030170. E-mail: [email protected]
Acadêmica do 5º Bloco do Curso de Bacharelado em Enfermagem do CEUT.
Orientadora. Cientista Social – UFPI. Mestre em Antropologia - UFPE. Professora do Curso de
Bacharelado em Enfermagem do CEUT.
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emoções e sentimentos, no que diz respeito à morte. Portanto, as Universidades precisam abordar
mais a temática da morte ao longo da graduação de Enfermagem, desenvolvendo algumas
estratégias de ensino, ou mesmo, propondo uma reformulação na grade curricular destes, com o
implemento da disciplina tanatologia, a fim de que esta dê subsídios para os profissionais lidarem
tanto emocionalmente, quanto profissionalmente melhor com a morte.
Palavras-chaves: Enfermagem. Ensino. Morte. Criança.
REFLEXÕES SOBRE A MORTE: UMA INTRODUÇÃO
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Trabalho 21 - 3/16
“A perda e a morte são universais para todos os
seres vivos” (CAIRNS apud POTTER; PERRY,
2004, p. 520)
Em nossa sociedade a morte é tida como algo vergonhoso e que expressa medo e
negação. Na idade média a morte era vista como um fenômeno natural, onde o indivíduo
convivia tranquilamente com ela em seu dia-a-dia. As pessoas daquela época morriam em
suas casas, rodeadas de entes queridos.
Com o avanço da ciência e da tecnologia, a morte passou a se institucionalizar,
fazendo com que, na maioria das vezes, o paciente em estado terminal se isole dentro de
um hospital, longe de todos os seus amigos e parentes. Desta forma, o indivíduo passou a
não ter mais contato com o processo de morte e morrer.
De acordo com a visão ocidental sobre a finitude, Carvalho et al (2006) afirma que
a morte é uma experiência da qual não possamos antecipar e nem escapar, e apesar dela ser
um processo natural, universal e inevitável, o indivíduo sempre a projeto no outro, pois não
suporta imaginar a possibilidade do mundo sem a sua presença.
De acordo com os psicólogos, “a valorização dos indivíduos é uma resposta
aprendida própria de uma cultura e sociedade específica” (BINSTOCK; SPECTOR apud
POTTER; PERRY, 2004, p. 520). Como por exemplo, o profissional de Enfermagem ser
fruto das relações sociais e processos de (re) socialização nos mais diversos grupos,
ambientes dos quais fazem parte, refletindo muitas das tendências ou perspectivas
adquiridas ao longo da sua trajetória de vida, como indivíduo e como parte de uma
sociedade (WITOSZEK apud POTTER; PERRY, 2004, p. 520). Assim, as normas para o
processo social de perda e luto são refletidas no profissional de saúde bem como no cliente
com a perda, pois ambos, antes de serem profissional e cliente, são sujeitos sociais que
aprenderam nos seus respectivos grupos, diversos olhares sobre a finitude.
E, sobre a finitude, a morte e o cuidar, Rego e Palácios (2006) afirmam que não
basta criar rotinas ou discutir formas eficazes de organizar os serviços se não atuarmos na
formação de quem estará nesses serviços. O processo de trabalho em saúde se realiza na
relação entre aquele que necessita de assistência e o profissional. O trabalho não se
expressa em um produto, ele é imediatamente consumido no momento de sua realização. O
processo de formação, necessariamente, deve contribuir para o desenvolvimento de
competências e habilidades específicas relacionadas com o cuidado em todas as etapas da
vida, em especial, preparar o profissional para a morte, devendo este, considerar a
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compreensão da morte como evento da vida, parte integrante dela, e não como algo que
deva ser combatido.
Pensando como Carvalho (2006), a morte é uma realidade que faz parte do dia a dia
dos profissionais de saúde, por isso este profissional deve ser estimulado desde a sua
graduação a refletir sobre a natureza humana, considerando que a vida segue um ciclo que
é o nascimento, o desenvolvimento, o adoecimento e a morte. Desta maneira, é
indispensável que esteja preparado para lidar com a vida até a hora da morte, independente
de que ela aconteça no início, no meio ou no final do processo do viver.
Assim sendo, esta pesquisa teve, então, como objetivo analisar os sentimentos que
emergem no profissional enfermeiro de uma UTI pediátrica, no enfrentamento da morte.
DETALHANDO O PERCURSO: CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O percurso apresentou-se a partir de um estudo qualitativo com desenho descritivo.
Os participantes deste estudo foram sete enfermeiras plantonistas da UTI pediátrica do
Centro Integrado de Assistência à Mulher, Criança e Adolescente – CIAMCA. A princípio
o objetivo era trabalhar tanto com Enfermeiros quanto Enfermeiras, contudo, não se obteve
acesso ao único Enfermeiro no campo de estudo, ficando a pesquisa restrita às falas
femininas.
O método de abordagem empregado foi o indutivo pela idéia da pesquisa ter partido
do vivido para o campo teórico. Afinal, tem-se por indutivo “um processo mental por
intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se
uma verdade geral ou universal, não contidas nas partes examinadas” (LAKATOS;
MARCONI; 2007 p. 53).
Para a coleta dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, realizadas
individualmente e em locais reservados, tendo como instrumentos mini-gravadores e
roteiro, previamente elaborado e testado. A pesquisa foi realizada nos meses de junho,
julho e agosto de 2008.
A análise obedeceu à seguinte proposta metodológica, na qual foi utilizado o
método de procedimento tipológico que consiste na: ordenação, classificação e análise
final dos dados. A ordenação dos dados consistiu na transcrição de falas gravadas em minigravadores; releitura do material; organização dos relatos em determinada ordem, de
acordo com a proposta analítica. A classificação dos dados foi operacionalizada através da
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leitura exaustiva e repetida das transcrições. Através deste exercício fez-se a apreensão das
estruturas de relevância e categorias de análise, a partir das convergências e divergências
nas falas dos sujeitos do estudo. Nestas transcrições estão contidas as idéias centrais dos
entrevistados. A partir destas, foram sendo elencadas as estruturas de relevância /
categorias contendo nestas, as áreas temáticas.
Os entrevistados encontram-se identificados no texto por nomes de flores. Foram
respeitados os aspectos éticos referentes à pesquisa com seres humanos, conforme
determinada a resolução Nº 196/96. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Fundação Municipal de Saúde, sob o protocolo de nº 133/2008.
A MORTE NO UNIVERSO DA ENFERMAGEM: RESULTADOS E DISCUSSÕES
a) Conceito de morte: concepção biológica e /ou religiosa?
Esta área temática evidencia que as enfermeiras entrevistadas possuem diferentes
conceitos a respeito da morte, e que estes conceitos permeiam entre o universo biológico e
religioso. Assim, foram vários os significados atribuídos a ela, significados estes, que
podem estar relacionados com a cultura aprendida e vivida por cada profissional, como
demonstra o gráfico 01 abaixo:
CONCEITO DE MORTE SEGUNDO ENFERMEIRAS DA
UTI PEDIÁTRICA
13%
29%
29%
Cessação dos sinais vitais
29%
Passagem
Libertação / Alívio de sofrimento
Não sei
A partir do gráfico acima, pode-se perceber, também, através das falas das
participantes, que o conceito de morte, dentro da dimensão biológica, conforme
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supracitada significa: cessação dos sinais vitais (29%), o fim de todos os movimentos.
Dentro de uma dimensão religiosa a morte foi conceituada como: uma passagem (29%),
uma transcendência, uma libertação, alívio para a criança ou o fim do sofrimento
(29%).
Porém, se somarmos as categorias obtidas acima, tem-se 58% referente à dimensão
religiosa e espiritual sobre o conceito de morte, e 29% a dimensão física, ilustrando que,
dentre as Enfermeiras entrevistadas, os sentimentos e conceitos de morte extrapolam a
dimensão física. Tendo também em 13% quem não soubesse conceituá-la.
Ao perguntarmos sobre o conceito de morte para algumas participantes, notou-se
um certo desconforto para falar sobre o tema, pois os sentimentos são densos, conforme a
fala abaixo:
Uma total falta de chão, você não tem apoio, não tem um suporte, você não sabe
como encarar a vida, né? (...) O organismos não está preparado para o ar que
respira (...). (Orquídea).
Por outro lado, pode- se observar, que a religião de cada profissional é um fator que
influencia bastante na concepção de morte deste. Alguns entrevistados se apegam às suas
religiões como forma de compreensão deste fenômeno natural, que é a morte, como
demonstram as falas abaixo:
Não. Pra mim a morte..., eu vejo assim... que nós profissionais de saúde, nós
temos o limite, tenho muito claro essa história que nós profissionais de saúde não
somos é... Senhores absolutos de nada, e que acredito nas coisas divinas que todo
mundo tem o seu fim, nós nascemos não pra morrer mais pra transcender, eu
acredito na transcendência, então a morte pra mim não é o fim, pode ser um
começo, uma passagem (Flor do campo).
É uma passagem, é a passagem desse mundo que a gente vive pro outro mundo,
pra outro plano... Que a gente não conhece. (Margarida)
E, como exemplo da dimensão física, tem-se que em menor porcentagem, existem
enfermeiros que concebem a morte como o fim da vida, ou mesmo, pelo universo
biológico, como a cessação dos sinais vitais, conforme apresentado anteriormente através
do gráfico 01 e agora, através das falas das participantes que dizem que a morte:
É... É o fim de tudo... Fim da vida. É quando acabam todos os movimentos, os
sentidos, é quando tudo que pudia ser feito já foi realmente feito e mesmo assim
chegou ao fim...acabou mesmo a vida. (Violeta)
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Morte é você... É... Quando os movimentos, os sinais vitais param, o coração
para, a criança para de respirar e a gente não consegue ressuscitar, então a gente
faz o... O médico dá realmente... Constata o óbito, acho que isso é a morte.
(Rosa)
O conceito de morte é algo bastante complexo no qual cada indivíduo possui o seu
ponto de vista a respeito. Cada um possui a sua concepção, concepção esta que é fruto de
um conjunto de costumes, crenças, religião e valores da cultura na qual cada indivíduo
estar inserido.
b) Sentimentos que emergem após a morte de uma criança
De acordo com Oliveira, Brêtas e Yamaguti (2007) a morte dos pacientes faz com
que estes trabalhadores da saúde questionem a sua atuação, sentindo-se culpados, já que
foram preparados para lidar com a manutenção, preservação e recuperação da vida. A
morte faz com que sintam-se fracassados por terem falhado tecnicamente. Segundo Kovacs
(2005), estes profissionais são rodeados por uma áurea de silêncio ao passarem por
situações como estas, podendo se tornar extremamente penoso, como demonstra a fala
abaixo:
Arrasada, principalmente se for uma criança que tinha tudo pra ficar bem, mais...
Infelizmente a gente não pode fazer nada, porque tudo que a gente podia fazer a
gente já fez. Então... (Margarida).
Gutierrez e Ciampone (2006) reforçam que o trabalhador de enfermagem ao se
deparar com a morte de um paciente em estado terminal sofre muito, sentindo-se impotente
com a presença da morte. De acordo com Carvalho (2006), a concepção do cuidador de
que a morte sempre deve ser vencida, o impossibilita de vê-la como um processo natural da
vida, deixando-o sempre, fragilizado diante dela, pois estará sempre fadado ao insucesso.
Péssima, muito triste... Porque é como se você não tivesse conseguido... Como se
você tivesse falhado na sua tarefa, que é lutar pela vida, lutar contra o problema,
daquela criança, entende? E ai você não conseguiu. (Violeta)
Algumas participantes relataram, ainda, que conseguem aceitar e compreender de
maneira mais tranqüila a morte de RN`s, pois os mesmos não conseguem expressar
“sentimentos de afeto”, não construindo laços afetivos com os mesmos. Contudo, a morte
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de crianças maiores, para estas, é um fato muito doloroso, que as faz sentir muita saudades,
e sofrerem bastante com o luto pela criança que faleceu.
Olha, têm umas crianças que a gente sente mais, algumas não. A gente se apega
mais, outras não é que sinta menos, mas não marcam tanto né? Tem umas
crianças que marcam muito, principalmente, as crianças maiores. Então aquelas
crianças maiores que reclamam, que solicitam, sabe? Aquelas crianças elas ficam
marcadas, a gente fica na lembrança muitos dias. Mas já o RN mesmo, que não
reclama, que não fala, assim... A gente sente menos, infelizmente. Não é que
tenha menor valor, mas é que parece que foi menos... É assim, aquela criança
maior, que fala, que pede, que reclama, sabe? Aquela criança ela marca muito.
(Tulipa)
Me sinto assim... É um sentimento de impotência, algumas vezes a gente acha
que podia ter feito mais, e... Em alguns momentos a gente sente mesmo que era
um alívio pra aquela criança, quando a criança é maior, por exemplo... Eu diante
da morte de crianças maiores, de mais de 10 anos, é difícil aceitar a morte de
crianças maiores de 10 anos, os recém-nascidos pela... De crianças menores pela
própria fragilidade dela, a gente aceita. Eu aceito com mais naturalidade. (Flor do
campo)
A respeito das falas supracitadas, Haddad (2006) afirma que muitas vezes o
enfermeiro se envolve com as crianças hospitalizadas na unidade de terapia intensiva, por
passarem a conhecer a sua história de vida, a sua família, seus sentimentos, anseios,
podendo, muitas vezes, esse sentimento se tornar doloroso para o profissional,
principalmente, quando esta criança foi a óbito. Nesse contexto, Lorençon (1998) afirma
que ao cuidar de uma criança em estado terminal, a enfermeira possui bastante dificuldade
em lidar com a situação, pois depara-se com a angústia das crianças, a dor dos familiares e
por existir um envolvimento emocional freqüentemente, depara-se também, com a dor da
perda do paciente.
Muitas vezes, criam-se laços afetivos entre enfermeiro e paciente que ficam muito
difíceis separar a sua vida profissional da vida pessoal. Fazendo, desta forma, com que o
enfermeiro sofra o óbito da criança, como se fosse uma pessoa da sua família, se
deparando com sentimentos de consternação. Pode-se observar bem estes sentimentos na
fala abaixo:
Se a gente for muito apegada com a criança, que ela passa muito tempo com a
gente, a gente cuidando, então a gente se sente mais triste. A gente sente uma
tristeza maior, né? No caso que a gente tinha uma criança, que... Que tinha um
problema, que ele não conseguia respira. Ele passou 5 anos com a gente, aí eu
cuidava dele, eu era considerada a mãe dele... Então nesse caso quando ele
morreu, eu senti que realmente eu tinha perdido um filho, né? Que ali era meu
filho que eu criava, que eu cuidava dele, que eu tinha todo prazer do mundo de
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Trabalho 21 - 9/16
manter ele com uma qualidade de vida boa, bem. é... Então nesse caso aí, a
minha tristeza foi muito grande, ainda hoje eu sinto muita falta dele, saudade
mesmo, então nesse caso aí, a perda é muito grande! É um sentimento muito
assim... Mesmo de maternidade, que a gente sente. Mesmo a gente... Sabendo
que tá... Ele sossegou também, que descansou, mais a gente sente muita falta.
Muita saudade! (Rosa)
Segundo Poles e Bousso (2006), a enfermeira ao se deparar com uma criança em
um processo de morte, acaba se projetando no papel de mãe e com isso passa a sofrer a
morte como se fosse a morte de um filho.
Podemos perceber evidentemente que as enfermeiras entrevistadas sofrem muito
com a morte de crianças em UTI pediátrica, e que muitas delas tentam enfrentá-la para
aprenderem a lidar com os sentimentos, ou como elas mesmas referem, como forma de
amadurecimento profissionalmente.
Eu nem gosto muito de trabalhar em UTI, porque... Pela aquela questão de ser
criança, eu vou mais é porque... É... Quero amadurecer profissionalmente, mais
que eu me sinta bem, eu não me sinto não, eu não gosto não. (Jasmim)
Haddad (2006) afirma que é muito mais sofrida a perda de uma criança que a
de um idoso, uma vez que a criança tem uma vida toda pela frente. São despertados
sentimentos de não-aceitação, impotência, de perda, de finitude da enfermeira e de toda a
sua família.
... a gente procura fazer o máximo que a gente pode, é... Se desligando, um
pouco, né? A parte espiritual. Deixando, liberando um pouco, pra não... Pra gente
não sofrer muito e não se prejudicar espiritualmente, né? A gente é... Procurar
selecionar um pouco, né? Quem tem condições de sobreviver, a gente fica mais
sentido, que não tinha condições de sobreviver, a gente se desliga mais. É
procurar achar que aquilo foi bom pra ele, pra criança. Pra que isso não venha
atingir a parte espiritual da gente, né? A gente consegue manter uma qualidade
de vida melhor, o sentimento da gente fica... Não ficar tão abalado, pra gente
conseguir continuar, né, na profissão da gente, cuidando melhor ainda dos outros,
que estão aos nossos cuidados, pra não prejudicar os que a gente ta cuidando, né?
Prejudicar o cuidado. (Rosa)
A fala acima demonstra que a enfermeira em seu papel de cuidadora, necessita de
um amparo para vivenciar todo este processo doloroso e que estar presente todos os dias
em seu cotidiano, uma vez que ela só irá atuar de forma eficiente se estiver
psicologicamente preparada para enfrentar este tipo de situação, na qual já faz parte da sua
vida profissional.
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Oliveira, Brêtas e Yamaguti (2007) entendem que o distanciamento como um
mecanismo de defesa e proteção contra o sofrimento; o processo de morrer e de morte
passa a ser visto como banal, sendo o distanciamento e o endurecimento das relações frente
à morte e ao paciente terminal algo tornado natural e considerado comum e rotineiro,
Sabe-se que a enfermeira está constantemente presenciando a morte em seu
cotidiano profissional e, em decorrência da educação que é imposta a esta classe, em
decorrência do meio em que vivem, o de negação à morte, torna-se muito difícil vivenciála.
c) Preparo das enfermeiras durante a graduação para lidar com a morte
Esta área temática mostra que as enfermeiras possuem pouco ou nenhum preparo
durante a graduação para lidar com assuntos relacionados à morte de pacientes em estado
terminal. Pode-se observar claramente o preparo das enfermeiras a partir do gráfico 02
abaixo:
PREPARO DOS ENFERMEIROS DURANTE A
GRADUAÇÃO
43%
Pouco preparo
57%
Nenhum preparo
Observa-se, a partir do gráfico acima, que dentro do grupo estudado, mais da
metade não tiveram nenhum tipo de preparo durante a graduação para lidar com a morte,
sendo formado este grupo por 57% dos entrevistados e o restante dos participantes tiveram
apenas um preparo superficial sobre a mesma, no qual representam 43%.
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Trabalho 21 - 11/16
Nascimento et al. (2006) esclarecem que o enfermeiro, ao longo de sua formação
acadêmica, teve uma orientação superficial a respeito da temática da morte, não sendo
preparado para lidar com ela. As experiências cotidianas nos serviços de saúde fizeram que
este profissional tivesse contato com a mesma e a partir daí, desenvolvesse algumas
reflexões sobre o processo de morte e a sua importância no seu desempenho profissional.
Preparo... Preparo mesmo a gente não tem não... Tem assim as disciplinas que
falam alguma coisa, como a anatomia, a própria fundamentos, que tem o preparo
do corpo que é o pacote (...). Mais assim... Preparo mesmo quem prepara é a
prática, a vivência e, aliás, nós nunca estamos preparados. (Violeta)
Eu não tive nenhum, pelo menos eu não lembro não, a gente só fica mais
acostumada com o tempo de trabalho, as experiências. (Margarida)
Nenhum... Nenhum. Preparo mesmo é o que a gente convive no dia-dia, é que a
gente vai aprendendo a lidar com o sentimento, segurar a dor que a gente sente, e
nem todas às vezes sabe segurar né? Mais preparo mesmo nenhum. (Jasmim)
A fala acima mostra que a enfermeira diante de situações de dor e sofrimento, acaba
por reprimir os sentimentos que emergem frente à morte. Desta forma, a repressão dos
sentimentos poderá trazer conseqüências bastante negativas na vida deste profissional,
recaindo sobre o mesmo, uma descarga muito grande de sentimentos negativos.
Observando outra fala, tem-se que:
Eu não... pelo menos eu não tive muito preparo. A gente vê alguma coisa na
teoria né? Na universidade. As professoras tentam preparar a gente, mas a gente
não sabe o que é a realidade né, pode trazer.Então eu sempre procurei, na minha
vida, ir atrás de estar dentro do ambiente hospitalar, de vivenciar mesmo esta
realidade, pra poder entender, conhecer e sentir né, como é vivenciar esta
situação de morte. A gente nunca estar preparada na verdade, né?(Orquídea)
Não. Eu não me lembro de nenhum preparo não. Preparam pra lidar com a vida,
com a morte não. (Rosa)
Educar para a morte não é fácil, pois envolve uma série de questões polêmicas
como sentimentos, costumes, religiões, crenças e culturas. Ela só irá ser encarada com
mais tranqüilidade, a partir do momento em que os profissionais de Enfermagem passarem
a compreender que cada paciente, a partir de suas crenças, também podem ser confortados,
através do respeito, as diferenças culturais e as múltiplas formas que se tem de vivenciar a
morte.
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Trabalho 21 - 12/16
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Trabalho 21 - 13/16
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo evidenciou que as enfermeiras da UTI pediátrica
entrevistadas possuem dificuldades para lidar com os sentimentos que emergem frente à
morte. Os achados deste trabalho corroboraram o pressuposto de que estas enfermeiras não
estão preparadas para vivenciar o processo de morte, devido ao tema ser pouco discutido
durante o período de graduação e, principalmente, na sociedade da qual estão inseridas.
Podemos perceber claramente que estas profissionais não recebem nenhum tipo de
amparo emocional e tentam buscá-lo nas trocas de experiências com colegas de trabalho,
em casa, com a família, buscam momentos de lazer, para que possam esquecer, pelo menos
por um instante, a morte de seus pacientes. Observamos também, que muitas vezes,
acabam não prestando uma assistência tão humanizada aos pacientes sem prognósticos, e
até mesmo naqueles que possuem um bom prognóstico, pois sentem medo de se
afeiçoarem e sofrerem com o óbito, pois segundo algumas delas, se não agirem desta
forma, não conseguirão viver à suas vidas pessoais.
As entrevistas evidenciam, ainda, que as enfermeiras participantes da pesquisa
desejam prestar um cuidado humanizado aos pacientes em estado terminais, mas que
possuem uma enorme dificuldade de lidar com seus próprios sentimentos.
Constatamos que a graduação não vem oferecendo um bom preparo para estas
profissionais vivenciarem melhor o óbito. Salientam que as instituições de ensino deveriam
abordar mais a temática da morte dentro das instituições, como forma de amenizar a dor ao
se depararem com a mesma, dentro do cotidiano profissional. Algumas relataram também,
que a graduação prepara o futuro enfermeiro para lidar apenas, com a vida. O enfermeiro
ao sair para atuar no campo profissional termina por absorver vários sentimentos
negativos, como impotência, inutilidade, fracasso, dentre outros, quando se depara com a
morte de pacientes.
Concluímos, deixando algumas sugestões apontadas pelas enfermeiras
entrevistadas, a fim de que estas possam ajudá-las no melhor desenvolvimento de suas
missões, que as universidades precisam abordar mais a temática da morte ao longo do
curso de enfermagem, desenvolvendo algumas estratégias de ensino, ou mesmo, propondo
uma reformulação na grade curricular destes, com a implantação de disciplinas como a
tanatologia, que é o estudo da morte, a fim de que esta dê subsídios para os profissionais
interagirem com o ser humano em seu processo não só de vida, mas também quando por
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Trabalho 21 - 14/16
uma fatalidade, com a morte, podendo, desta forma, lidar com as questões de dor,
sofrimento e perda.
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Trabalho 21 - 15/16
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análise dos sentimentos de enfermeiras frente à