VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC
“POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN:
ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA”
27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina
Quando o canavial esmaga o homem:
Um estudo sobre o personagem jornalístico1
Cuando el cañaveral aplasta el hombre:
un estudio acerca del personaje periodístico
When the sugarcane is crushing the man:
a study of journalistic character
Leylianne ALVES-VIEIRA2
Universidade de Brasília (Brasil)
Mestranda em Comunicação
[email protected]
Célia Maria LADEIRA-MOTA3
Universidade de Brasília (Brasil)
Doutora em Comunicação
[email protected]
1
Este trabalho foi apresentado graças à contribuição da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), à qual
agradecemos o auxílio.
2
Leylianne Alves Vieira é mestranda, pertence ao grupo de pesquisa Cultura, Mídia e Política do programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Brasil, e pesquisa em sua dissertação as reportagens da revista
Realidade.
Célia Maria Ladeira Mota é doutora em Comunicação, pertence aos grupos de pesquisa “Jornalismo e a Construção Narrativa
da História do Presente” e “Cultura, Mídia e Política”, ambos ligados ao programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Comunicação da Universidade de Brasília, Brasil.
3
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Resumo
Tive sete filhos. Ninguém bota banca comigo. Criei meus filhos com esses braços. Ninguém
nunca me ajudou. Farofa, taquinho de carne há 54 anos. É só. Asneira dizer que come. A gente
enche a barriga, mas a danada da fome volta logo. Sou cabra bom. Não tenho vexame de dizer.
Os dedos da mão não são iguais. (Realidade, 1970).
Gregório, com 54 anos e apenas três dentes, é o personagem principal da reportagem O canavial
esmaga o homem, publicada na edição de número 46 da revista Realidade, em janeiro de 1970. Os
repórteres, Jorge Andrade (texto) e Jean Solari (fotografias), viajaram para o estado do Pernambuco em
busca dos engenhos de rapadura, dos canaviais e dos homens que são os responsáveis por manterem
o canavial em atividade: o trabalhador do engenho. A reportagem faz parte de uma série de narrativas
da revista que buscou retratar os brasileiros invisíveis durante os anos de milagre econômico da
ditadura militar.
Este artigo analisa a reportagem, tendo como referencial teórico a Análise Crítica da Narrativa,
conforme proposta pelo professor Gonzaga Motta (2013), e foca no estudo do personagem que,
linguisticamente, só existe em termo de palavras, mas que, na narrativa jornalística, representa pessoas
que existem de fato. É a própria estrutura do texto que nos permite identificar o personagem, suas
ideias, sua vida, seu aspecto físico, recuperando, com isso, a figura real. No caso da reportagem
analisada, aproximamo-nos do trabalhador de engenho do Nordeste brasileiro, entendendo como ele
vivia na década de 1970.
O canavial esmaga o homem destaca a pobreza, a dificuldade para obter alimentos, a incerteza sobre o
futuro. Utilizando técnicas originalmente literárias, o repórter assume o papel de narrador de um texto
que recria a realidade de um Brasil pouco conhecido naquele momento histórico, e que continua
invisível até hoje.
Resumen
Gregório, 54 años y solo tres dientes, es el personaje principal del reportaje O canavial esmaga o
homem, publicado en la edición de número 46 de la revista Realidade, en el mes de enero de 1970. Los
periodistas Jorge Andrade y Jean Solari se han desplazado hacia el estado de Pernambuco buscando
los molinos de panela, los cañaverales y los hombres responsables de mantener el cañaveral activo: el
trabajador en el molino. El reportaje hace parte de una serie de narrativas de la revista que ha intentado
retratar a los brasileños invisibles durante los años del milagro económico de la dictadura militar.
En este artículo se analiza el reportaje teniendo en cuenta como marco teórico la Análise Crítica da
Narrativa, según la proposición del profesor Gozaga Motta (2013), y apunta hacia el estudio del
personaje que, lingüísticamente, se sostiene solo en el ámbito de las palabras, empero, en lo que
concierne a la narrativa periodística, retratan personas que de hecho existen. La estructura misma del
texto es lo que nos hace posible identificar el personaje, sus ideas, su vida, su aspecto físico, y por ello,
realizar el rescate de la figura real. En el caso del reportaje analizado, nos hemos aproximado del
trabajador del molino del Nordeste brasileño, buscando entender como vivía en la década de 1970.
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O canavial esmaga o homem señala la pobreza, la dificultad para obtener alimentos, la incertidumbre
hacia el futuro. Tras emplear técnicas genuinas de la literatura, el periodista asume el papel de narrador
de un texto que rehabilita la realidad de un Brasil poco conocido en aquel momento histórico, y que
sigue, hasta hoy, intangible.
Abstract
Gregory, 54 years old and only three teeth, is the main character of the story O canavial esmaga o
homem, published in issue 46 of Realidade magazine in January 1970. The reporters Jorge Andrade
and Jean Solari traveled to the state of Pernambuco, in the Northeast of Brazil, in search of brown sugar
mills, sugar cane fields and men who were responsible for maintaining the sugarcane activity: the
workers. The report is part of the Realidade magazine narratives which sought to portray the invisible
Brazilian people during the years of economic miracle of the military dictatorship.
This article analyzes the report, following the theoretical references of Critical Analysis of Narrative, as
proposed by Professor Gonzaga Motta (2013) and focuses on the study of the character as it was put in
words linguistically, but looking at it as a representation of real people in journalistic narrative. It is the
very structure of the text that allows us to identify the character, his ideas, his life, his physical
appearance, recovering thereby the true figure in the case of the analyzed report, which was the mill
worker in Northeast of Brazil as he lived in the decade of 1970.
The report highlights the poverty, the difficulty to get food, and the uncertainty about the future. Using
literary techniques, the reporter is the narrator of a text that recreates the reality of a region of the
country which was unknown at that historical moment and which is still unrecognized in the present
days.
Palavras-chave: realidade, engenho, personagem, narrativa.
Palabras Clave: realidad, molino, personaje, narrativa.
Key Words: reality, sugar mill, character, narrative.
1. Introdução
Ao responder à questão “por que estudar narrativas?”, o pesquisador Gonzaga Motta (2013) considera
que estudá-las é compreender o sentido da vida. Analisá-las é interpretar as ações dos homens e as
relações sociais, o que permite refletir sobre o significado da experiência humana e o mundo no qual o
homem vive. Nesta perspectiva, as narrativas forjam indivíduos e nações, o que ocorre por meio de
contradições, confrontos, enfrentamentos sociais e históricos. Como destaca Muniz Sodré (2009), a
narrativa pode ser vista também como um ato comunicativo, caracterizado pelo compartilhamento de
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experiências e vivências. É desta forma que a teoria da Narrativa ultrapassa a barreira entre o que é
fático e o que é ficcional e começa a ser usada para a análise de textos jornalísticos.
As narrativas jornalísticas nos levam a compreender como se integram os sentidos fragmentados das
notícias do dia a dia. Assim, a narrativa é muito mais do que o simples contar cronológico dos fatos
(Motta, 2005). Para o autor, as construções narrativas jornalísticas são estratégicas e estão
impregnadas de intenções e objetivos. Deste modo, o narrador da notícia vai além de relatar
acontecimentos e busca construir significados a partir do uso de ferramentas linguísticas como a
argumentação e figuras de linguagem, além de recursos da pragmática.
A partir da definição kantiana de fato como conceito para objetos cuja realidade pode ser provada, é
importante a distinção que Sodré faz entre fato e acontecimento (Sodré, 2009, p. 33). Enquanto o
acontecimento se pauta pela atualidade, o fato, mesmo inscrito na história, é uma elaboração
intelectual. Sodré cita Mouillaud quando o autor de O jornal: da forma ao sentido (2002) afirma que “o
acontecimento é a sombra projetada de um conceito construído pelo sistema da informação, o conceito
do fato” (Mouillaud, 2002, p. 51). Sodré conclui que o conhecimento dos fatos redunda, na verdade, na
história em torno da qual sempre girou o jornalismo. Assim, a informação jornalística parte de objetos
tidos primeiro como factuais para obter, por intermédio do acontecimento, alguma clareza sobre o fato
sócio-histórico. “É, portanto, uma atividade que transcende a mera distribuição de relatos sobre a
realidade. Visto como uma narrativa, o relato jornalístico envolve enredos, conflitos e personagens para
se desenvolver” (Mota, 2012, p.16).
Na Teoria do Jornalismo, o acontecimento é uma categoria que caracteriza o fato noticiável, que
desperta o interesse público. Estabelece-se o valor-notícia das ocorrências que permeiam o cotidiano
das pessoas. Os acontecimentos podem ser de duas ordens: naturais e sociais. Para Louis Quéré
(2012) o acontecimento é uma ocorrência desencadeadora de sentidos. No caso do artigo em análise,
que narra a vida do personagem Gregório, perdido num canavial nordestino, é preciso perceber os
acontecimentos sociais e políticos no país naquela década (1970), em que se vivia o milagre econômico
para buscar os significados da narrativa.
2. O personagem
Não há estudo da narrativa sem a definição dos personagens de uma história. Quem primeiro definiu a
função do personagem como significativa para o desenvolvimento de um enredo foi Vladimir Propp
(1970), com seu livro Morfologia do Conto Maravilhoso. Para o autor, cada personagem teria uma
função no conto, responsável pela lógica das ações. Joseph Campbell (2007), por sua vez, afirma no
livro O Herói de Mil Faces que cabe ao personagem principal de um relato sintetizar os vários
momentos de transformação pela qual deve passar para realizar uma missão. Cabe ao herói partir,
aceitar o destino, buscar seu caminho enfrentando as lutas e obstáculos e retornar, vitorioso ou
derrotado trazendo consigo as lições aprendidas e a memória dos enfrentamentos.
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Para Campbell, a força dramática de um enredo está na busca de realização de um desejo do
personagem, e na oposição das forças de antagonismo que dificultam ou impedem que ele alcance
aquilo que quer. Como protagonista da narrativa, ele é o personagem mais bem desenvolvido na
história, o centro nervoso da trama que sustenta o eixo narrativo. Todos os eventos, personagens e
elementos da história giram ao seu redor. Sua luta vai se desenvolver contra um antagonista, que é o
personagem que traz ou representa uma ameaça, obstáculo, dificuldade ou impedimento ao que o
protagonista deseja conquistar.
No tocante ao campo do jornalismo, Mesquita (2004) defende que a fronteira entre ficção jornalística,
jornalismo ficcionado e jornalismo factual é imprecisa e muitas vezes os três coexistem, sobrepondo-se.
Porém, nestes casos, teríamos o que o autor chama de ‘personagem jornalística’, uma das vertentes
estruturadoras da narrativa factual. Aqui, assumimos o personagem enquanto o ser ficcional
responsável pelo desenrolar do enredo. De acordo com Gancho (1991), mesmo que seja inspirado em
uma pessoa dita real, aquele personagem será sempre uma invenção, uma construção literária. Esta
definição se aplica, portanto, aos textos de fundo jornalístico e histórico.
Os personagens jornalísticos são, presumivelmente, baseados em pessoas que existem no plano do
real, mas são construções. O autor realiza a seleção de características a serem descritas, falas a serem
destacadas e situações a serem apontadas no plano textual. Mesquita ressalta o papel do jornalista
enquanto investigador, a fim de compor as personagens, numa comparação com o trabalho do escritor
de ficção. Ali,
[...] o escritor é o senhor absoluto do personagem criado, enquanto o historiador e o jornalista se
referem a alguém que tem existência no “real”. O personagem jornalístico reflete, além da
elaboração criativa, o trabalho de observação, documentação, inquérito e interpretação
desenvolvidos pelo jornalista, a fim de reunir os elementos relativos ao “referente objetivo”
(Mesquita, 2004, p. 132).
3. A narrativa de Realidade
A revista Realidade, publicação mensal lançada em 1966 pela Editora Abril, propunha-se a ser uma
revista de reportagens, mergulhando na cotidianidade do país, buscando um Brasil ainda não
apresentado aos brasileiros. Os textos ali publicados visavam compor personagens, cenas e ambientes
por meio de estratégias linguísticas mais próximas à subjetividade da Literatura que à objetividade
impelida, de certa maneira, ao Jornalismo.
Realidade tem sua história dividida em três estratos: o primeiro corresponde à equipe inicial de
repórteres e editores (abril de 1966 a dezembro de 1968); o segundo é marcado pela mudança no
quadro de funcionários (janeiro de 1969 a setembro de 1973); ao passo que a última fase é assinalada
pela mudança no formato da revista e em sua proposta editorial (outubro de 1973 a março de 1976).
A segunda fase, período do qual faz parte a reportagem sobre a qual nos debruçamos neste artigo, dáse após a promulgação do Ato Institucional Nº 5, um dos responsáveis pela institucionalização da
censura aos meios de comunicação no decurso da ditadura militar. Ocorrido durante o governo do
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general Artur da Costa e Silva, este período é caracterizado pela forte repressão oposicionista. No
entanto, a imagem negativa do governo era compensada pela situação econômica: o país vivia sob a
égide do expressivo crescimento que ficou conhecido como ‘milagre econômico’. Não previsto pelo
regime, o crescimento foi utilizado como ferramenta de combate à oposição (Earp & Prado, 2007).
É nesse contexto que foi lançada uma das revistas que conquistou o público leitor a partir da variedade
de temas e estilos, traduzidos em grandes reportagens: Realidade. “A cobertura era ampla e ambiciosa.
A revista traçava uma espécie de mapa da realidade contemporânea, sem resistência a esta ou aquela
pauta. O mundo – e o Brasil, em especial – eram desvendados de modo multifacetado” (Vilas Boas,
1996, p. 92), o que dava subsídios para uma análise do país por parte dos brasileiros, a partir de
reportagens sobre diversos trabalhadores quase invisíveis, habitantes das diferentes regiões do país.
Assim, Realidade se centrou na possibilidade de reportagens que tivessem como personagens os
brasileiros esquecidos pelo governo e pela mídia. Estes cidadãos, anônimos, cujas profissões os
colocavam na base da pirâmide social, tornaram-se a principal marca da revista em suas duas primeiras
fases. Este é o caso de Gregório, trabalhador de engenho do estado do Pernambuco. A reportagem
traça o caminho percorrido pelo homem desde a hora que acorda até o término da jornada de trabalho.
Nesta pesquisa, focamos nas construções narrativas do personagem e nos detalhes de sua jornada,
procurando compreender os significados que destacam a vida de sofrimento daquele trabalhador e de
sua comunidade.
4. O canavial enquanto personagem
A reportagem O canavial esmaga o homem foi publicada na edição número 46 de Realidade, em janeiro
de 1970. Os repórteres, Jorge Andrade e Jean Solari, viajaram para o estado do Pernambuco em busca
dos engenhos de rapadura, dos canaviais e, em especial, daqueles personagens que são os
responsáveis por manterem o canavial em atividade: o trabalhador do engenho.
O canavial é apresentado ao leitor com um personagem vivo, com a capacidade de exigir espaços,
derrotando a mata, tomando o lugar que era, por direito, dela. O canavial vai tomando os espaços
naturais, crescendo, muito rapidamente, e modificando a paisagem. A cana também é dotada de armas
naturais, que maltratam os trabalhadores.
O mar verde que se forma aprisiona homens, mulheres, crianças e idosos. Quem olha a partir de um
prisma externo, enxerga apenas as folhas que se mexem com o vento. Quem está ali dentro vê a sua
história ligada ao canavial. Mais que isso, sente-se como um sujeito fadado a travar uma luta diária
contra o canavial. Podemos observar isso quando o narrador apresenta o personagem principal desta
narrativa, Gregório. Um homem humilde, analfabeto, envelhecido, que se levanta todos os dias às três
horas da madrugada, pega suas armas e vai ao canavial.
Na luta, o homem almeja alcançar uma vida mais digna e confortável para a mulher e os filhos. Ao
mesmo tempo em que está ali preso, vendo sua história, e de muitos outros, passar, Gregório consegue
no canavial a remuneração que permitirá o acesso ao alimento. Aqui começa a ser traçada uma relação
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de alternância em torno dos significados dados ao canavial: ao mesmo tempo em que é vilão,
maltratando o homem, também é mocinho, tornando possível a sobrevivência. Ao longo desta
discussão, veremos mais exemplos dessa alternância de significados.
Figura 1 - O canavial esmaga o homem (Revista Realidade, nº 46, jan. 1970)
Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Estudos Fotográficos (CNPq/UFCA)
A abertura da reportagem, conforme podemos observar na Figura 1, dá-se por meio de uma imagem,
cerca de três quartos da página dupla, e uma massa de texto. O recorte realizado na fotografia, em
formato parcialmente circular, possibilita que vejamos um homem e um aglomerado de canas cortadas.
Podemos observar que o homem está extremamente magro, usa um chapéu como forma de proteção
contra o sol e está sentado no chão, no mesmo nível que os pedaços de cana.
Uma das características do canavial enquanto personagem da narrativa é a autoridade. Os verbos
utilizados ao narrar a tomada realizada sobre aquele espaço são: derrotar, expulsar, tomar, ocupar,
cercar e obrigar. O canavial dita regras sobre o espaço e sobre os animais. Todos os elementos
remetem ao autoritarismo. Ao tomar para si as características que seriam esperadas do dono do
engenho, o canavial torna-se o vilão da narrativa.
Ao dar início ao texto da reportagem, o narrador dá relevo aos riscos que aquela atividade, ou batalha,
implicam. Além da própria cana, que solta pelos que entram na pele como espinhos, também existem
outros perigos naturais, como é o caso das cobras escondidas na base das touceiras de cana. O
primeiro elemento está mais visível e próximo do sujeito que o segundo. Tomamos os espinhos como a
representação do conhecido, ao passo que a cobra representa o desconhecido, uma vez que o homem
sabe de sua existência, mas não tem como prever onde ela está ou quando o atacará.
As passagens que se referem à construção do ambiente da narrativa vão desde elementos físicos até
os sons que inundam o local. Após relatar que a cana expulsou todos os animais, ocupou espaços que
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antes eram de outras vegetações e cercou os ambientes de convívio do homem, uma frase descreve o
atual cenário da região: ali “há um mar verde que, quando ondula batido pelo vento, produz um som
seco e áspero” (Andrade, 1970, p. 34, grifo nosso). Desta forma, até o som do ambiente machuca,
atormenta.
O elemento descritivo ‘mar verde’, no parágrafo seguinte, tem seu sentido bruscamente alterado: passa
a ser “[...] uma prisão verde, onde milhares de homens, mulheres e crianças já terminaram seus dias e
outros estão terminando” (Andrade, 1970, p. 34, grifo nosso). O termo mar produz uma imagem de
espaço que abriga elementos desconhecidos, transmite uma sensação de beleza, de calma. Ao
transmutar a palavra mar em prisão, temos como referência um local fechado, onde conhecemos
aqueles que ali estão presos, porém, o indivíduo externo ao ambiente não sofre como aquele que está
preso, não percebe as reais dificuldades da relação estabelecida com o confinamento.
5. O homem do canavial
Após a apresentação do espaço físico daquela região, tomada pelo canavial, a narrativa nos apresenta
Gregório. Aproximamo-nos do personagem principal durante a madrugada, ainda deitado, expondo as
características físicas e sociais daquele espaço: “na noite que custava a passar, Gregório olhou à sua
volta, medindo as paredes do quarto: 2 por 3 metros” (Andrade, 1970, p. 34). No quarto dormem
Gregório, sua mulher Dalvanise, Matilde e Madalena, filhas pequenas. Na sala ainda dormem Severino
e Joaquim, também filhos. Gregório teve sete filhos, dos quais cinco ainda moram com ele. O mais
velho já foi convocado a trabalhar como adulto no canavial e é descrito no texto como ‘cabrinha macho’,
uma designação dada por Gregório ao filho:
Severino, de oito anos, não ia ao corte de cana naquele dia: estava com o peito cheio. Cabrinha
macho, esse! Com a ajuda dele, tinha cortado tonelada e meia de cana por dia durante a
semana. Gregório sentiu frio e encolheu o corpo: acho que é falta de sangue. É por isso que o
corpo não se esquenta (Andrade, 1970, p. 34).
Ao sair para trabalhar, Gregório imagina a semana seguinte, quando será lua cheia. Durante estes
períodos, quando a noite é bem iluminada, os homens trabalham por mais tempo, recebem mais
dinheiro. É pensando em um presente para Dalvanise que ele dá início a sua caminhada de oito
quilômetros até o local do corte da cana. Caminhando, ele pensa sobre a influência do canavial sobre a
vida de todos, até dos que ali não residem. Sobre o período de safra, ele afirma: “Tempo de trabalho pra
todo mundo, quando os parentes e conhecidos do Agreste vêm com as famílias ganhar o dinheiro para
sustentar os pequenos roçados” (Andrade, 1970, p. 37).
Ao longo do caminho, o momento de maior satisfação para Gregório se dá quando ele alcança as
navalhas e enxerga as pernas dos trabalhadores, que empurram a cana para dentro das máquinas
como raios daquelas engrenagens. Da mesma forma, seus braços seriam raios das foices (Andrade,
1970, p. 37). Todos trabalham em conjunto para transformar a cana em álcool e açúcar. O ‘olho’ (texto
em destaque) desta página expressa o sentimento do homem em relação à cana: “Vingança: ver a
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máquina despedaçar a cana”. O narrador usa o verbo despedaçar, reforçando o significado que o
trabalhador dá à sua relação com o canavial: partir em pedaços. Gregório sonha em um dia trabalhar
nas máquinas para, assim, observar sua vingança de perto.
- Um dia, vou trabalhar na esteira só para ver essa amaldiçoada ser esmagada até virar mais
bagaço do que eu.
Espantando o pensamento – pois não é a cana que dá o sustento? –, Gregório se voltou
e viu o Opala do dono da usina – máquina formosa! – e lembrou: amanhã temos pagamento. Dia
de pinga (Andrade, 1970, p. 37).
O dono do engenho é aqui representado apenas pelo seu carro, e a narrativa mostra o afastamento
existente entre ele e o trabalhador. Ir ao engenho significa conviver com um mundo de máquinas, no
qual a ‘máquina’ do dono atrai mais atenção. Ao ver o carro, Gregório lembra-se de que o dia de
pagamento é sempre seguido por uma visita ao bar, buscando na bebida o alívio para a tensão do dia a
dia e para esquecer as dificuldades da vida.
A narrativa descreve o homem como um bagaço, comparando-o com o que sobra da colheita. E
acentua a semelhança entre o trabalhador e o canavial: sua força, sua coragem, seu suor, sua vida,
ficam no canavial. São retirados pela cana. A vingança seria aplicar o mesmo destino a ela: retirar-lhe a
força, a resistência, a forma, o suor, o caldo.
A terceira página dupla desta reportagem (Figura 2) conta com quatro fotografias, ocupando cinco
sextos da página, e mais uma coluna de texto, à direita. A legenda das fotografias diz:
Não são homens, mulheres e crianças vivendo onde gostariam. Estão ali porque não têm outra
condição de trabalho. A alimentação não corresponde ao esforço que despendem: a farofa e o
‘taquinho’ de bacalhau mal dão para se manterem de pé. Aguentam-se porque comem a própria
cana, que é rica em glicose e sacarose (Andrade, 1970, p. 37).
Figura 2 - O canavial esmaga o homem (Revista Realidade, nº 46, jan. 1970)
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Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Estudos Fotográficos (CNPq/UFCA)
Na primeira das fotografias, um menino é o motivo principal. Atrás dele, outra criança, menor, e a
silhueta de um homem, dando vistas aos braços, costelas e um chapéu. As duas crianças podem ser da
mesma família, considerando que a menor usa a outra para se defender, esconde-se. Ambos estão
sujos. Não estão felizes, mas, ao serem fotografados, demonstram simpatia com aqueles repórteres. O
menino menor, por sua vez, tem na expressão marcas de cansaço e sofrimento. As sobrancelhas,
curvadas, apontam para o desconforto da situação.
Na segunda imagem da página, quatro pessoas estão entre a calçada de uma casa e a porta. Um
desses sujeitos tem feições masculinas, sendo adulto, ao passo que as outras três são crianças, um
menino e duas meninas. A feição do homem é séria, seus braços são queimados pelo sol e o chapéu
não nos permite ver os olhos do personagem. Sujo e com as roupas apresentando rasgos, é um típico
trabalhador do canavial, levado para outro cenário: a casa. A calçada, na qual está sentado, apresenta
desgastes do tempo. Além disso, a parede da casa também explicita os desgastes. Ao redor deste
sujeito, as três crianças estão paradas e observam o fotógrafo. Na penumbra, quase não podem ser
vistas.
A terceira fotografia nos apresenta um homem preso em meio ao canavial. Seus olhos estão inchados,
um reflexo das poucas horas de sono, ou mesmo dos problemas acarretados pela queima da cana. Ele
direciona o olhar para a parte inferior das plantas, parte não presente na fotografia, mas podemos
perceber a sua atenção ao que faz: cortar a cana. Ainda como reflexo das queimadas, as mãos do
homem estão tomadas por fuligem. O corpo dele brilha, em função do calor naquele local: cerca de 40º.
O personagem parece cansado e triste, um prisioneiro da situação. As roupas deixam ver sua magreza.
Na última imagem podemos observar um jovem montado em um cavalo. Todo o chão está coberto por
palhas de cana. Este é o local no qual os caminhoneiros recolhem o produto do trabalho dos homens e
o transportam ao engenho. Podemos fazer esta observação em função da presença do caminhão no
segundo plano da fotografia. O carro tem um caminho já traçado, dividindo o canavial em duas porções:
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de um lado, as sobras da cana, do outro, algumas plantas intocadas. Naquele local também podemos
distinguir a presença de ao menos cinco pessoas: uma em cima do caminhão e outras quatro ao lado. O
jovem, motivo central da fotografia, usa roupas rasgadas e um chapéu para proteção contra o sol, bem
como tem um semblante de desconforto com a fotografia.
Cada um dos personagens utiliza uma mesma arma contra o canavial: a foice. É justamente esse termo
que dá nome ao próximo intertítulo. Observamos que a palavra ‘foice’ tem a mesma representação
sonora de ‘foi-se’. Aqueles sujeitos estão presos a uma vida na qual o caminho é sempre o mesmo: ir
para o canavial durante a madrugada e voltar de lá no final da tarde. Despende-se a vida ali.
O canavial é queimado com o intuito de tornar aquela tarefa menos perigosa. Em meio a todas as
dificuldades do ambiente e do contexto, o que sufoca e faz o homem chorar é a fumaça. O homem, por
ser forte e corajoso, não admite a si mesmo reclamar daquele estilo de vida. Mas o corpo fala mais alto,
forçando-o a chorar em meio à fumaça. O fogo e a fumaça, ao mesmo tempo em que salvam de alguns
perigos, permite que o homem demonstre seu sofrimento sem o peso do remorso.
Após a chegada ao canavial, Gregório encontra um lugar para depositar sua farofa com bacalhau e
pega a foice. Ele faz referência à relação que se estabelece entre a arma e seu braço: são extensões.
Assim como os sentimentos do homem em relação à cana, na qual ora ela é a inimiga e ora amiga, o
mesmo acontece com a arma. Ao pegar o instrumento, Gregório “[...] olhou a lâmina da foice: inimiga da
cana, amiga da gente. Inimiga também, pensou, sentindo no corpo muitos cortes e, em cada um, uma
cana espremida para estancar o sangue” (Andrade, 1970, p. 37).
Figura 3 - Esquema da relação Personagem-Cana-Foice
Inimigo / Amigo
Inimigo / Amigo
Inimigo
Fonte: os autores.
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A Figura 3 resume o quadro de relação entre os três principais elementos presentes no canavial: o
homem, a cana e a foice. A cana se faz inimiga no momento do trabalho, quando machuca o homem,
quando o faz virar uma mina de suor, quando não o recompensa na medida certa de seu esforço. Em
contrapartida, é amiga por proporcionar o pouco alimento ao qual tem acesso, e ao estancar o sangue
dos cortes realizados pela foice.
Quanto à arma, a foice é amiga do homem ao proporcionar uma parcela de vingança contra a cana,
retirando-a do canavial e levando-a para as máquinas, a fim de torná-la bagaço. Porém, o cansaço e a
velocidade com a qual têm de trabalhar faz com que a navalha da foice escorregue, machuque o
homem. Neste momento, ela se torna inimiga do personagem. Por fim, foice e cana travam uma luta
entre si, sendo esta unidirecional. Aqui temos apenas uma relação de inimizade entre as duas. É uma
relação de protagonismo do personagem e dos antagonismos que enfrenta em sua jornada.
A narrativa se aproxima do epílogo: Gregório faz cinco cortes em cada cana, limpando-a e deixando-a
no tamanho exato para ser carregada até o caminhão. Esta “é a hora de fazer a única conta que
aprendeu na vida, conta que faz há 46 anos: três cortes pra limpar e dois pra picar” (Andrade, 1970, p.
38). Serão 15 mil cortes naquele dia, para cortar uma tonelada e meia de cana, seu objetivo.
Mergulhando no significado da jornada do trabalhador do canavial, o texto agrega três novas
informações: 1) o homem é analfabeto, não sabendo realizar outros processos matemáticos; 2)
Gregório trabalha no canavial desde os oito anos de idade, aproximadamente; e 3) para alcançar a
quantidade de canas cortadas suficientes para o sustento da família é preciso que o personagem
realize, ao dia, 15 mil cortes.
Gregório afirma ser analfabeto, mas diz que esta condição não faz dele uma pessoa ignorante, que não
saiba o quanto deve receber. O homem resume a situação em uma frase: “[...] sei escrever na memória”
(Andrade, 1970, p. 38). Na semana anterior, não teve o que receber por já ter retirado tudo em vales,
mas naquela semana tem dinheiro a receber e é com ele que vai presentear a mulher e levar comida
para a família.
6. O contexto social
Como toda narrativa, seus significados remetem a um mundo externo ao texto, embora percebido nas
entrelinhas ou por meio de figuras de linguagem. O narrador usa, por exemplo, uma metáfora para
comparar o canavial a uma prisão. E para isso, reproduz uma fala do personagem:
De repente, Gregório para e olha à sua volta: a cana cercava por todo lado. Abrira uma clareira
no meio do canavial queimado e as canas pareciam barras de ferro:
- A gente aqui vive pior que na detenção. Lá, vivem se divertindo: têm banho de sol,
cinema, remédio. E aqui? (Andrade, 1970, p. 38).
VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC
“POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN:
ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA”
27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina
A metáfora remete ao contexto político da época: tempo de ditadura militar, marcada pela forte
repressão e muitas prisões. O narrador faz, nesta parte do texto, uma comparação com a vida do
personagem, que se sente vivendo numa prisão pior do que as reais, onde os inimigos do regime
estavam passando por maus momentos. Para o personagem, havia diversão e banho de sol “lá na
detenção”. Assim, a narrativa traz a referência ao mundo externo, distante da vida no canavial, e à
época em que se desenrola a história de Gregório, um dos períodos mais duros do regime militar, com
prisões diárias de opositores políticos.
Percebe-se que o brasileiro do canavial não tinha informação alguma sobre o que acontecia no país,
sobre o que acontecia de fato nas prisões, como torturas e mortes. Para ele, a tortura é o forte sol que
chega a 40º e pode também matá-lo. O corpo reclama e, mesmo com toda a dificuldade, o personagem
chega ao alto do morro, vence a sua batalha diária, derrota o canavial, consegue seu objetivo inicial. O
homem arqueja, está ‘morto’, porém de cansaço. Ao final da batalha, ambos estão mortos, cada um a
sua maneira. O homem que morre um pouco a cada dia, no canavial, é um herói desconhecido para o
país e para os donos do poder.
7. Considerações finais
Como em toda narrativa, o relato textual remete a condições sociais, históricas e econômicas que fazem
parte do contexto mais amplo. A história de Gregório foi contada pela revista Realidade em 1970,
quando o Brasil vivia mergulhado no regime militar com sua dura repressão. Mas o relato optou por
mostrar outro lado da nação. A reportagem deu voz a brasileiros que viviam esquecidos pelo que foi
chamado de ‘milagre econômico’: trabalhadores explorados, sem representação sindical, sem
organização social, mergulhados na dura tarefa da colheita de cana, boias frias muitos deles, garantindo
um sustento parco e contribuindo mesmo assim para o crescimento econômico do país, num momento
em que a cana começava a ser explorada como fonte de energia combustível.
Foi em meio à euforia do ‘milagre econômico’ que grandes projetos foram empreendidos no país,
usados intensivamente como propaganda e legitimação do regime. A economia brasileira vinha
crescendo desde o fim da segunda guerra, mas, entre 1963 e 1967, o crescimento caiu pela metade, “o
que gerou um acirrado debate sobre a natureza das reformas econômicas necessárias para retomar as
taxas históricas de expansão da economia” (Earp & Prado, 2007, p. 209). Antes de presenciar o
fenômeno do crescimento econômico, a situação política brasileira já estava conturbada. Crescia a
repressão ao movimento oposicionista, e, com a criação do Ato Institucional n° 5, o novo presidente,
general Emílio Garrastazu Médici, manteve Delfim Neto no Ministério da Fazenda com o objetivo de
superar o subdesenvolvimento de forma a reduzir a distância que separava o Brasil dos países
desenvolvidos. Com isso o milagre aconteceu de forma inesperada.
No entanto, se as taxas de crescimento do PIB brasileiro eram auspiciosas, no front da distribuição de
renda o cenário parecia bem menos promissor, visto que a desigualdade teria crescido
sistematicamente durante a década. Tais resultados seriam produto das políticas econômicas dos
governos militares, que tanto na estratégia anti-inflacionária, mas também nas reformas estruturais,
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tinha montado um sistema que não beneficiava os setores mais vulneráveis, e, ao contrário, tendia a
concentrar renda, como denunciava na ocasião o economista Celso Furtado.
O milagre não chegou, com certeza, aos canaviais brasileiros, onde homens como Gregório
sobreviviam com dificuldade. Este artigo se propôs a destacar como a revista Realidade assumiu a
decisão editorial de mostrar estes sobreviventes e suas duras condições de vida num contraponto à
euforia em torno de índices econômicos durante a fase mais implacável da ditadura brasileira. Foi uma
decisão que procurou mostrar o país real, o Brasil de homens como Gregório, esmagados pela rotina
diária dos canaviais. Um país que ainda não mudou muito.
8. Referências Bibliográficas
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Quando o canavial esmaga o homem: Um estudo sobre o