Revista cientifica da ONG Narrativa da Imaginação voltada à análise de experiências e
pesquisas sobre Role Playing Game
EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL
Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)
CONSELHO EXECUTIVO
Dr. Sergio Paulo Morais - UFU
Dr. Túlio Barbosa – UFU
Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad
de la Empresa (Uruguai)
Esp. Fernando Paulino de Oliveira - UFU
Fernando José Calazan Florêncio – UFU
Maria do Perpétuo Socorro Calixto
Marques - Unesp - Universidade Júlio de
Mesquita
Matheus Vieira Silva - Universidade Tuiuti
do Paraná
Michele Mogami - Universidad de La
Empresa (Uruguai)
Rafael Carneiro Vasques - Unesp
Araraquara
Rafael Duarte Oliveira Venancio - USP
CONSELHO CONSULTIVO
Alessandro Eleutério de Oliveira –
UFSCAR
Sonia Aparecida Silva Gonçalves – Uniube
Wagner Luiz Schmit - Universidade
Estadual de Londrina
Dilma Andrade de Paula - UFU
Edvaldo Souza Couto - UNICAMP
COLABORADORES EXTERNOS
Fabiano Rodrigo da Silva Santos – UNESP
Ana Letícia de Fiori – USP
Ana Letícia de Fiori – USP
Lucas Ferreira de Paula – UFU
Goshai Daian Loureiro - Fundação
Oswaldo Cruz
Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos – UFU
Luiz Falcão - Unicentro Belas Artes
Márcio Roberto do Prado – UNESP
Marialva Pinto Moog - Universidade do
Vale do Rio dos Sinos
R349
Revista mais dados: peculiaridades sobre o role
playing aqui, lá e além mar – Ano 2, v. 2 (2015) Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2015.
v. : il. ; 15 cm.
Anual.
ISSN: 2358-1301.
1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game (RPG) I.
Título
CDD 794
CDU 79
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP
Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167
REVISORA: Bruna Fontana Frappa
CAPA: Rafael Correia Rocha. Foto: Aquadice. Disponível em
<http://voyagevixens.com/wp-content/uploads/2013/04/aquadice.jpg> acesso em 11 de julho
de 2015.
PERIODICIDADE: Anual
INDEXADORES: Sumários.org e Latinex
DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.org.br/home/revista/
CORRESPONDÊNCIA
ONG Narrativa da Imaginação
Av: Estrela do sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 – Uberlândia/MG
E-mail: [email protected]
MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da Imaginação.
Número editado pela mesma em setembro de 2015.
ARTIGOS
AGÊNCIA HISTÓRICA E
IMERSÃO DIDÁTICA EM JOGO:
A ATIVIDADE
LUDOPEDAGÓGICA JOGO DE
INTERPRETAÇÃO DE
PERSONAGEM HISTÓRICA (JIPH).
PLATAFORMA INCORPORAIS:
EXPERIÊNCIA DIDÁTICA
LUDONARRATIVA PARA
PRODUÇÃO DE ILUSTRAÇÕES
EM CENÁRIO DE FANTASIA
ANTROPOFÁGICA
JOGO E COMUNICAÇÃO: O RPG
COMO MÍDIA
RPG UBERLÂNDIA:
JOGADORES, TRAJETÓRIAS E
PRÁTICAS SOCIAIS
(2001 a 2014)
AUTORIA
E-MAIL
Esp. Jorge dos Santos
Valpaços
[email protected]
09
Dra. Eliane Bettocchi
Dr. Carlos Klimick
[email protected]
erativas.nom.br
[email protected]
36
Matheus Capovilla
Romanetto
matheus.romanetto@hotmail.
com
51
Jaqueline Peixoto
Vieira da Silva
Ms. Rafael Correia
Rocha
vida.jaquelinepeixoto@gmail
.com
[email protected]
om
79
OS EFEITOS DO USO DE ROLE-PLAYING
ACADÊMICOS EM UM CURSO SERVICELEARNING DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
CONTATO
AUTORIA
Dra. Mary Lynn Crow
Dr. Larry P. Nelson
[email protected]
[email protected]
TRADUTOR(A)
Maykell J. S. Figueira
[email protected]
TRADUÇÃO
PÁGINA
PÁGINA
98
ENTREVISTA
¿QUE PASSA COM LOS
ROLLISTAS DE MONTEVIDÉU?
Entrevistador(a) Giovanni Tavaniello
CONTATO
[email protected]
Entrevistado(a)
Martin A.Perez
[email protected]
Tradução
Ms. Rafael Correia Rocha
[email protected]
TRADUÇÃO
RESENHA: PLAYING AT THE
WORLD
CONTATO
Phd. Mika Loponen
[email protected]
Ms. Jukka Särkijärvi
[email protected]
AUTORIA
TRADUTOR(A) Gislaine Caprioli
RESENHA
SIMPLES: sistema inicial para mestresprofessores lecionarem através de uma
estratégia motivadora.
PÁGINA
116
PÁGINA
126
[email protected]
AUTORIA
Jaqueline
Peixoto Vieira
da Silva
E-MAIL
PÁGINA
[email protected]
133
ENTREVISTA
NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO:
RPG E A EXPRESSÃO
AFIRMATIVA DA IDENTIDADE
CULTURAL BRASILEIRA.
Entrevistador(a) Arthur Barbosa de Oliveira
Entrevistado(a)
ENTREVISTA
Gabriel Contini Abilio
PROJETO: RPG NA ESCOLA.
Entrevistador(a) Ms. Rafael Correia Rocha
Entrevistado(a)
Ms.Ricardo Ribeiro do Amaral
ENTREVISTA
O RPG EM SÃO CARLOS E SÃO
JOSÉ DOS CAMPOS, INTERIOR DE
SP, DE 1993 A 2015.
Entrevistador(a) Paula Tessare Piccolo
Entrevistado(a)
Odair de Paula Junior , (Sam Slovic).
ENTREVISTA
COMO É O RPG NO JAPÃO?
Entrevistador(a) Ms. Rafael Correia Rocha
Entrevistado(a)
Ms. Wagner Luiz Schmit
CONTATO
[email protected]
[email protected]
m
CONTATO
[email protected]
[email protected]
CONTATO
[email protected]
[email protected]
CONTATO
[email protected]
[email protected]
PÁGINA
140
PÁGINA
150
PÁGINA
156
PÁGINA
161
ENTREVISTA ORA POIS, COMO É O RPG EM
PORTUGAL?
Entrevistador
Ms. Rafael Correia Rocha
Entrevistado
ROLE PLAYING GAMES –
PORTUGAL
CONTATO
[email protected]
JOGO
SÊ UM VIAJANTE EM UMA NOITE DE INVERNO
CATEGORIA
Larp
AUTORIA
Luiz Prado
PÁGINA
179
PÁGINA
212
VINCULAÇÃO NpLarp – Núcleo de Pequisa em Live Action Roleplay
E-MAIL
[email protected]
JOGO
GAROU GERIÁTRICO
CATEGORIA
RPG
AUTORIA
Ms. Rafael Correia Rocha
VINCULAÇÃO PIDGIN - Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Narrativos,
Linguagens Culturais e Práticas Psico-Sociais Educativas.
E-MAIL
[email protected]
PÁGINA
216
Apresentaçao
Nesta edição, atravessamos algumas fronteiras, a fim de compreender como o Role Playing
contraria os parâmetros da sociedade da tecnologia e isolamento, sem repudiá-la, e consegue
transpor, adaptar e organizar meios para existir.
Mesmo que os jogos com Role Playing sejam mais complexos subjetivamente, de acordo com
nosso olhar, que as estruturas de hardwares e softwares dispostas nos jogos eletrônicos, eles
têm necessidade de encontros presenciais e predisposições a lidar com o outro, se tornam
jogos de enfrentamento do sujeito consigo mesmo na esfera social. É possível dizer que é um
estilo de jogo humanamente instável, em que não necessariamente se busca o controle, mas o
experimento, a experiência participativa.
Percebemos que existe um portal que começa a se abrir, para compreender perguntas como
“por que jogamos?” com outras perguntas mais elaboradas como “o que estamos jogando? E
por quê?”.
Também é possível visualizar, pelo exercício produtivo, intenções que recordam muito a ideia
de Marx sobre heroísmo. O herói, não é o estudioso e tão pouco o popular, ou “escravo da
divisão de trabalho” escravo dos condicionamentos sociais, mas aquele que viveu
intensamente os interesses de seu tempo, sendo politicamente e socialmente ativo, tomando
consciência de suas ações conforme as executava por meio da reflexão.
Portanto, um movimento heroico manifesta-se entre os pesquisadores de Role Playing, e é
possível, pela observação dos jogos de uma sociedade, compreender como se relaciona com a
educação, cultura e explicita suas demandas, e por isso merece a devida atenção.
Rafael Correia Rocha
Editor Chefe
7
Artigos
Os artigos dessa edição permitiram uma variabilidade entre o aspecto educacional e cultural
que o Role Playing encontra no diálogo e expressão junto à academia e a comunidade. Um
ponto curioso a ressaltar quanto ao aspecto acadêmico é que dentro da esfera de estudo deste
objeto, valoriza-se muito a experiência como eixo norteador para compreender a plasticidade
de adaptação e estrutura de desenvolvimento dos jogos Narrativos.
No campo cultural, observamos outra tendência, a interação de empresas privadas
relacionando-se com o campo da pesquisa para produzir jogos coerentes voltados à narrativa,
que resgata questões culturais sem uma releitura, que desvincule a origem real do material
produzido.
8
AGÊNCIA HISTÓRICA E IMERSÃO DIDÁTICA EM JOGO: A ATIVIDADE
LUDOPEDAGÓGICA: JOGO DE INTERPRETAÇÃO DE PERSONAGEM
HISTÓRICA (JIPH)
Jorge dos Santos Valpaços1
RESUMO
Considerando a educação um processo incessante e não compartimentado, ativado
pelas ações dos educandos e educadores, discutiremos as imbricações entre a ludopedagogia e
alguns conceitos operatórios ao ensino de história em situações formais. O objeto de análise
será o Jogo de Interpretação de Personagem Histórica (JIPH), uma atividade avaliativa
processual em constante reformulação, aplicada bimestralmente em escolas da rede estadual
de ensino do Rio de Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de história, ludopedagogia, agência histórica
HISTORICAL AGENCY AND TEACHING IMMERSION IN GAME:
the ludic pedagogy activity Historical Character-Playing Game (HCPG)
ABSTRACT
Considering education a not-foreclosed endless process, activated by the actions of
students and educators, will discuss the overlaps between ludic pedagogy and some
operational concepts to history teaching in formal situations. The object of analysis will be the
Historical Character-Playing Game (HCPG), a processual evaluation activity in constant
redesign, applied bimonthly at public schools of Rio de Janeiro state
KEYWORDS: history teaching, ludic pedagogy, historical agency
1
Professor de História na rede estadual do Rio de Janeiro (Colégio Estadual Olga Benário Prestes). Licenciado
em
História
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ).
Especialista em História Antiga e Medieval (CEHAM - UERJ). Pós-graduando em Cultura Afrobrasileira e
Indígena (Universidade Católica de Petrópolis - UCP). Cursista da especialização Histórias e Culturas Indígenas
(Museu do Índio / Museu Nacional - UFRJ) .Membro do Grupo de Pesquisa Histórias Interativas: design poético
e didática ludonarrativa na concepção de imagens, processos e materiais didáticos http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3947057672582627
9
Ato 1: A trama
Olá. Meu nome é Jorge dos Santos Valpaços. Acredito que tenhas lido meu nome logo
abaixo do título do artigo, mas preciso me apresentar de maneira informal. Estendo minha
mão neste processo. Aguardo a tua. Espero apenas uma abertura, teu esforço de vir.
Precisamos fazer o canal comunicativo se estabelecer, caso contrário serão apenas torpes
signos neste veículo.
Tenho sorte, confesso. Tu já abriste o arquivo, chegaste a este arquivo. Equivale dizer
que se sentaste ao meu lado e desejas ouvir. Apenas por este ato, agradeço.
Sou um contador de histórias, historiador e professor de história. Não sei ao certo se é
possível distinguir as três "ocupações", já que há grande interpolação entre habilidades 2
necessárias às tarefas que são executadas. Digamos que as competências 3 que mobilizo para
atuar contando histórias sejam diferentes das que utilizo quando pesquiso, por exemplo.
O ser historiador e professor são consequências de processos educativos formais4, de
natureza acadêmica e profissional. Já ser contador de histórias é algo que todos somos, já que
o processo de hominização da espécie humana está intimamente relacionado com a
transmissão de conhecimento. Grupos sociais primitivos desenvolveram a plasticidade
mental, a linguagem e o pensamento abstrato através da transmissão de histórias em torno de
fogueiras, nas proximidades de eventos relevantes ou em sombras de árvores. Essas histórias
contadas transmitiam valores, divertiam, instruíam, orientavam atitudes: nos fizeram
humanos. Basta observar o gênero textual mais recorrente e enunciado por ti em um dia de
vida para verificar que somos narradores. É a narrativa que se apresenta como principal forma
de nos expressarmos (BETTOCCHI & KLIMICK, 2014, p. 77).
2
De acordo com Philippe Perrenoud: Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor,
ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas
que desejamos conhecer (INEP, 1999, p.7).
3
As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por
meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das
competências (INEP, 1999, p.7).
4
Considera-se a trajetória escolar-universitária como parte do processo educacional formal. Porém, concordo
com Maria da Glória Gohn (2006) e Rafael Yus (2002) ao sustentar que os processos educativos não se
restringem aos ambientes formais e que qualquer experiência social é potencialmente uma experiência educativa,
haja vista que mobiliza saberes.
10
A narrativa sempre me acompanhou de formas profundamente positivas. Gosto de ler,
assistir filmes, peças, de escrever, de jogar jogos analógicos narrativos (sobretudo os RPGs).
E é claro, gosto da história (uma palavra que cismo em não escrever com h maiúsculo por não
considerar necessário). Gosto da história não por ser supostamente exemplar. Não tenho
qualquer fetiche pelo passado. A história me encanta por ser um meio pelo qual tenho acesso
a narrativas sobre pessoas, sobre seres humanos. Pessoas de carne e osso que viveram,
tiveram suas escolhas, ações, erros e acertos. A relação empática com a existência de outrem
no tempo aciona processos interpretativos sobre minha própria experiência no presente, me
faz compreender as relações sociais em distintos níveis e me habilita a questionar discursos
autoritários, por exemplo.
A história, antes do "para quê", precisa do "como" para existir. E é a narrativa que
aproxima a história das histórias, sendo a primeira um recorte subjetivo do passado,
construído através da interpretação de um pesquisador sobre um processo histórico.
Mas houve certo processo para que a história ganhasse "essa cara". A história
disciplina, tal qual se ensina nas escolas, é um produto de um processo que podemos chamar
de "injunção moderna", iniciada com os processos que tradicionalmente chamamos de
Revolução Científica, na qual Giambatistta Vico estabelece os primeiros critérios para as
ciências humanas, uma atividade epistemológica que se afastava cada vez mais da história
mestra da vida, de grandes exemplos e relacionada a uma suposta circularidade temporal.
Esta injunção se desenvolve cada vez mais, chegando à tradicional compartimentação
de saberes em cátedras e disciplinas, um produto dos saberes enciclopédicos do iluminismo
que se condensa nas academias nacionais do século XIX. A história ganhou um "pra quê"
claro: sustentar a memória e enaltecer os estados nacionais.
Alto lá, mas... Onde estão as pessoas nesta história? A história não ganhou um "pra
quê" de uma hora para outra. Houve ações de seres humanos, intencionalidades, processos de
negociação, construções e apropriações de discursos por todos os agentes históricos
envolvidos que construíram o que chamamos de "educação moderna".
Esta educação moderna se cristalizou na escola, uma entidade coletiva, um produto de
ações de diferentes agentes alicerçada em uma pedagogia baseada na disciplina e reprodução,
cerceadora da criatividade e da promoção da autonomia.
11
Eu, um ser humano, agente da história e produtor de conhecimento como tu, como
alunos, como qualquer membro da comunidade escolar5, vivo em um momento em que a
escola está no centro das críticas sobre o panorama educacional.
Ken Robinson (2006), Rafael Yus (2006) e Edgar Morin (2003) são algumas vozes de
um grande coro que critica o ensino tradicional6. Robinson nos lembra que a escola
tradicional cerceia a criatividade ao compartimentar o conhecimento e buscar a padronização
e homogeneidade de ações e saberes (re)produzidos. Yus recorda que o processo ensinoaprendizagem é integral, não se dá apenas nas escolas, mas em qualquer ação social. Ou seja,
é possível aprender em uma conversa, ao jogar um jogo, ao assistir a um filme. Morin, por seu
turno, expõe a necessidade de se estimular a dúvida, a experimentação, o conhecimento
através de escolhas em uma "abertura para o conhecimento", culminando no conceito de
serendipidade7. A crise da educação escolar - ora, um dos meus espaços de atuação
profissional! - estava claramente desenhada e com propostas para a sua alteração: a educação
deveria se prestar a construir indivíduos autônomos, criativos, com pensamento complexo e
ávidos por um aprender incessante.
Ah... Mas esta história sobre a educação se encontra com a história sobre a história. A
"injunção moderna" cada vez mais afastava o aprender das ludonarrativas que basearam a
socialização humana. Se tu puderes estudar um tanto acerca de processos educativos de
sociedades antigas como a ateniense, atesta-se que não há distinções claras entre o momento
de "aprender" e o de "se divertir".
Mas cá estamos no presente. Tu me acompanhaste nessa narrativa um tanto estranha,
já que pouco se articula com o título e com o resumo do artigo (será que não se articula
5
Conjunto de todos os indivíduos envolvidos no processo educacional escolar, a despeito de sua presença ou não
em sala de aula e do papel desempenhado no processo.
6
Por meio da concepção tradicional de ensino, o educador é o centro de todo o processo educativo, todos os
esforços são centrados para desenvolver o intelecto do aprendiz por meio de disciplina e memorização de
conteúdos. O papel das instituições de ensino restringe-se à promoção moral e intelectual dos aprendentes, os
conteúdos são tratados como essencialmente transmitidos para os aprendentes, sem a consideração das
experiências prévias dos mesmos e a metodologia de ensino recorre à exposição verbal e utilização de
sequências de exercícios. (SAVIANI, 2006).
7
De acordo com Morin, a inteligência geral só é desenvolvida através do exercício da dúvida, da discussão e da
argumentação. A imprecisão e a abertura para o novo devem fazer parte do pensamento complexo, real objetivo
do aprender. Logo, não há compartimentações e qualquer instância de vida pode fornecer uma "pista" para a
compreensão do "todo". A serendipididade seria a arte de transformar detalhes, aparentemente insignificantes em
indícios que permitam reconstituir toda uma história (2003, pp. 22-23).
12
mesmo?). Pois então, respire fundo... Se eu faço parte da escola - o professor é um dos
agentes educacionais principais do processo educativo escolar - e tenho ciência da
perversidade escolar contemporânea, não propor uma nova prática educacional seria como
fazer parte desta escola que castra a imaginação e constrói poucos saberes escolares com
bases em conteúdos atitudinais e procedimentais8. E então?
Lembra-se que somos contadores de histórias? Tive contato há alguns anos com jogos
narrativos (quase todos RPGs) e eles sempre me despertaram grande motivação para me
expressar melhor, para construir novas amizades, para potencializar minhas atitudes, para
pesquisar mais sobre um tema, para desenvolver meu raciocínio lógico, etc. Notei que os
jogos narrativos tinham grande potencial pedagógico em espaços educativos formais e não
formais (GOHN, 2006; BROUSSARD, 2011).
Mas... Os jogos seriam uma solução para a educação? Claro que não. A ludopedagogia
é apenas uma das estratégias possíveis para alterar o panorama de crise educativa (dentro e
fora das escolas). Não é a melhor, a mais simples. É a que eu escolhi, por afinidade e um
pouco mais. Afinidade, pois já jogava jogos "de contar histórias". Um pouco mais, pois a
aplicação de uma estratégia educativa demanda uma incessante pesquisa, ou seja: o jogar não
é uma "solução" para a educação, mas uma estratégia educativa. Não se espera um sucesso
apenas com a aplicação de uma estratégia, e, para aplicá-la é necessário conhecimento,
pesquisa e aplicação das atividades. E mais, simplesmente falar que vai aplicar "jogos em sala
de aula" pouco pode acrescentar, já que há diferentes naturezas e objetivos dos jogos. No meu
caso, me furtei de utilizar jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos e jogos de cartas. Não tenho
conhecimento profundo sobre os outros jogos e busquei na narrativa o eixo central da
condução de práticas docentes no campo da história.
Este texto, então, tratará do percurso de construção de uma atividade ludopedagógica
por um jogador-contador de histórias que se fez professor de história. Será um percurso com
várias vozes, muitas que nem souberam como me auxiliaram.
8
Antoni Zabala (1998) considera quatro naturezas de conteúdos curriculares: os factuais (autoexplicativos), os
conceituais (relacionados aos conceitos operatórios e processos-chaves para a compreensão de um
conhecimento), os procedimentais (que tratam os procedimentos para a apreensão de informações e para a
construção de saberes) e atitudinais (relacionam-se a atitudes para a vivência coletiva, como a participação
cidadã democrática, respeito às diferenças culturais, dedicação ao cumprimento de uma tarefa, cooperação em
ações coletivas, etc.).
13
Durante os últimos anos estudei bastante, entrei em contato com muitos
desenvolvedores de jogos, jogadores mais experientes, psicólogos, pedagogos e historiadores.
A atividade construída - JIPH - se modificou muitas vezes até chegar ao formato que será
apresentado em anexo. Ela é um jogo, mas eu não sou um desenvolvedor de jogos. Ocorre que
não podemos usar jogos como simples ferramentas. Jogos são mais que "instrumentos para
aprender". Não restava alternativa senão estudar o desenvolvimento de jogos por algum
tempo para tornar a atividade minimamente coerente, e isto ficará claro durante o
desenvolvimento do texto.
Apresentada a base da trama, vamos aos desafios!
Ato 2: Os desafios
Acredito que já esteja claro que este texto tratará a construção de uma atividade
ludopedagógica. Apesar do Jogo de Interpretação de Personagem Histórica (JIPH) possuir
"jogo" em seu nome, o "jogo em sala de aula" era um desafio para mim. Desafio?
Como disse, a ludopedagogia em seu viés salvacionista é rasa e panfletária. Questionei
durante muito tempo artigos e comentários ultra positivos sobre jogos na educação. Porém,
felizmente encontrei pesquisas e relatos de aplicações didáticas interessantes e condizentes
aos objetivos de aprendizagem de história. Pouco a pouco comecei a utilizar rudimentos de
princípios de jogos para construir atividades lúdicas, mas ainda com elementos competitivos e
com processos avaliativos objetivos. O processo de construção de uma atividade
ludopedagógica depreendia conhecimento sobre a construção de material didático e de
fundamentos de desenvolvimento de jogos.
O ato de jogar jogos narrativos artesanais (também chamados de indies/independentes)
possibilitou o contato com elementos lúdicos distintos da lógica de RPGs mecanicistas 9. O
estudo acerca de tais jogos, o acompanhamento das discussões dos desenvolvedores de jogos
9
Existem vários modelos classificatórios a respeito de jogos narrativos de interpretação de papéis. Não há
consenso entre distintas classificações, mas a experiência de jogo é sempre apontada como elemento central para
a parametrização da tipologia de RPGs. Neste sentido, apresento a categoria “RPG mecanicista” a fim de definir
jogos de interpretação nos quais a mecânica de jogo, ou seja, os elementos explícitos do sistema, destacam-se à
experiência ludonarrativa, proporcionando mais instâncias de resoluções mecânicas de ações e consequências do
que instâncias de desenvolvimento do fluxo narrativo.
14
através de suas produções, vídeos e eventos me possibilitou acessar elementos fundamentais
para a construção de uma atividade lúdica, no caso, um jogo narrativo.
Voltemos ao desafio. Em meu "concurso pessoal de jogo pedagógico de história",
estes seriam as condições para sua criação: 1) o jogo deverá ser divertido; 2) a atividade será
aplicável em escolas públicas estaduais; 3) ele será jogado por alunos do ensino médio; 4) a
culminância da atividade será uma sessão durante os tempos de aula; 5) o jogo será atividade
avaliativa inserida na rotina da escola; 6) elementos do jogo deverão ser construídos
coletivamente, bem como o jogar será cooperativo.
O primeiro desafio pode parecer trivial, mas não é. O jogo precisa ser divertido.
Precisa ser, para além de uma atividade pedagógica, uma atividade lúdica. É necessário
construir um espaço-tempo alternativo, no qual os jogadores tenham uma atividade imersiva
com a finalidade nela mesma e que proporcione o prazer em sua prática, ou seja: um jogo
(BALZER, 2011). Essa meta é importante, pois o agir ludopedagogicamente não significa
“levar D&D para as salas de aula”. Isso seria apenas uma atividade lúdica. Como há
pressupostos pedagógicos envolvidos, é necessário algo a mais, mas sem que se perca a
natureza do jogo em tal atividade.
O segundo desafio, ou "meta de design" trata muitas questões práticas para um
professor de história da educação básica. Tu deves saber bem que muitas práticas
educacionais inovadoras estão próximas a uma realidade díspar a quase totalidade da rede
pública de ensino. Cansamos de ver projetos inovadores em escolas modelos. Não desmereço
os espaços de educação formal inovadores, com projetos político-pedagógicos inovadores ou
revolucionários. Mas acredito que seja possível agir nas margens. A grande maioria dos
alunos utiliza a rede pública, e as demandas destes alunos são diferentes de alunos de escolas
privadas. Mais que isto, os jogos precisam dialogar com os repertórios culturais dos discentes,
a fim de que haja uma atividade pedagógica significativa.
Se o espaço escolar tradicional condiciona a atividade ludopedagógica, os pontos 3, 4
e 5 podem ser tratados juntos. O jogo deveria ocorrer durante os tempos de aula de história,
sendo inseridos em avaliações “tradicionais” do ensino médio. Sei que os jogadores serão
jovens de 14-18 anos em média, que são oriundos do subúrbio do Rio de Janeiro e que poucos
tiveram contato prévio com jogos narrativos e RPGs. Sei também que ao invés de um “teste”,
esta atividade será aplicada, já que as provas não podem ser extintas nas escolas que atuo.
15
Então esta atividade, para além do jogo, será uma atividade de construção de conhecimento
escolar através de uma pesquisa, o que se alinha com elementos pedagógicos
socioconstrutivistas10. Apesar de tentador trabalhar com a ideia de levar jogos legais para a
sala de aula, trata-se de um processo de instrução formal, com objetivos de aprendizagem
bimestrais a serem cumpridos. Disse e repito aqui: sou um entusiasta de modelos alternativos,
mas algo poderia ser feito com tantos desafios a superar? Eu achava que sim. Bem, se eu não
acreditasse, quem acreditaria?
O último ponto ou a última “meta de design” se relaciona ao socioconstrutivismo. A
atividade ludopedagógica tinha de ser construída coletivamente, pelos alunos. E tinha de
haver uma clara interação entre eles durante o jogo. O objetivo deste desafio é propor a
interação social entre os jovens para a construção do saber escolar11 através de uma postura
ativa ante o conhecimento, sendo orientados por mim. Então, o jogo seria apenas uma
estrutura básica, sendo o cenário, as personagens e os conflitos construídos pelos alunos de
acordo com pesquisas orientadas.
Todas as cartas estavam na mesa. Todos os desafios claros. Mas eu não tinha criado
um jogo “do zero” em nenhum momento de minha vida. Como jogador de RPG e outros
jogos narrativos, fazia algumas adaptações, adequações. Construía cenários, conhecia algumas
mecânicas, somente. Contudo, durante os últimos anos, a contribuição de alguns princípios de
desenvolvimento de jogos que tive contato foi fundamental para a criação do JIPH.
Uma das soluções encontradas para a criação da atividade ludopedagógica foi recorrer
à metodologia de restrição de conceitos para o jogo. E para delimitar os conceitos pertinentes
a este jogo, fiz uso das três perguntas fundamentais inicialmente formuladas por Jared
Sorensen e, posteriormente, divulgadas por John Wick12 (9):
10
O socioconstrutivismo propõe o processo ensino-aprendizagem centrado na construção do conhecimento
baseado nas relações dos alunos com a realidade, valorizando e aprofundando o que o aprendente já sabe. O
conhecimento e a inteligência vão se desenvolvendo passo a passo, num processo de desenvolvimento e de
interação social que é tão importante quanto o próprio conhecimento. O docente tem papel relevante no
processo, como mediador, fornecedor de instrumentos para a aquisição de novos repertórios e proporcionador de
retornos (feedbacks) durante a aprendizagem (COLL, 2004, pp.107-127).
11
De acordo com Ana Maria Monteiro (2007), os saberes escolares possuem natureza diversa dos saberes
acadêmicos, sendo os primeiros não subordinados a uma simplificação da produção acadêmica.
12
Podemos considerar as “três perguntas” umas das metodologias para o desenvolvimento de jogos. Jared A.
Sorensen é um desenvolvedor de jogos bastante conhecido no cenário independente, bem como John Wick.
Ambos possuem sites específicos para o desenvolvimento de jogos narrativos e costumam debater elementos
para a construção de jogos, bem como para a prática lúdica. Destacam-se as discussões no fórum The Forge
16
1. Sobre o que é seu jogo?
O JIPH é uma atividade ludopedagógica em um espaço de educação formal que visa à
emulação da agência histórica de diferentes personagens construídos, possibilitando aos
aprendentes apreender as escolhas, conflitos, angústias e desejos possíveis de diferentes
grupos sociais na história da humanidade, em consonância com os objetivos de aprendizagem
bimestrais.
2. Como seu jogo garante que isso aconteça?
Através de uma metodologia de construção coletiva de personagens e conflitos, de
acordo com pesquisas estruturadas e feedbacks semanais antes da culminância da atividade: o
jogar o jogo. A construção das personagens e dos desafios mesclará a criatividade com a
pesquisa acerca do panorama social do período histórico no qual ela viveu. A imersão didática
será o meio para a compreensão dos dramas e conflitos sociais possíveis e para o
desenvolvimento da aprendizagem de conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais.
3. Que comportamentos seu jogo recompensa?
O estímulo ao trabalho em equipe em uma atividade cooperativa; a construção do
conhecimento histórico escolar através da ação dos aprendentes; a criatividade para a
construção de cenários/conflitos/personagens e para a solução de conflitos; a autonomia para
a organização em grupos e para a pesquisa fora do ambiente escolar; a visão da escola como
um ambiente lúdico e dos ambientes “fora da escola” como ambientes educacionais, de
acordo com a noção de educação holística de Yus (2006).
4. Como você faz isso divertido? (John Wick adicionou uma quarta questão)
Através do estímulo de cada grupo a construir autonomamente personagens e conflitos
para os demais grupos, transformando a avaliação em uma ludonarrativa compartilhada. A
mecânica para a resolução de conflitos é simples e, durante as aulas bimestrais, os alunos
experimentam o jogo ao construírem as personagens, pois elas passam a ser parte das
(http://www.indie-rpgs.com/) e no grupo Indie RPG (https://www.facebook.com/groups/indierpg/). Há tópicos
específicos sobre a relação RPG e Educação.
17
explicações e demais atividades em sala de aula antes da culminância do jogo. Ou seja, se
uma personagem “matrona romana” é criada para o jogo, ela será protagonista durante as
aulas sobre Roma Antiga, inserindo a pesquisa dos alunos na rotina do aprendizado escolar de
história. Ou seja, o bimestre torna-se imersivo ao passo que as pesquisas sobre as personagens
- presentes nos conteúdos bimestrais - se desenvolve. Simulações de conflito ocorrem durante
as aulas, aumentando a expectativa para a culminância do projeto: o jogo em sala de aula.
Deves ter observado que o JIPH foi construído de uma forma um tanto diversa dos
jogos narrativos independentes. Obviamente, pois os objetivos de aprendizagem de uma
atividade ludopedagógica formatam muitos elementos para o desenvolvimento da atividade.
Dois são os conceitos operatórios centrais para a construção do JIPH. Um advém da história e
outro da ludopedagogia. Trata-se da agência/ação histórica e da imersão didática.
A ação/agência histórica é um conceito fundamental para o estudo de história. Sua
centralidade para a apreensão de saberes históricos se destaca nos Parâmetros Curriculares
Nacionais publicados em 1999 e 2002. O estudo sobre as ações dos indivíduos no tempo se
articula com os objetivos de aprendizagem da disciplina história, já que:
A contribuição mais substantiva da aprendizagem da História é propiciar ao jovem
situar-se na sociedade contemporânea para melhor compreendê-la. Como
decorrência direta disso está a possibilidade efetiva do desenvolvimento da
capacidade de apreensão do tempo enquanto conjunto de vivências humanas, em seu
sentido completo. (PCN+, 2002, p.69)
A compreensão da agência de indivíduos, suas relações com o as estruturas sociais e
os processos de negociação e conflito possibilitam o surgimento de vozes outrora silenciadas,
redimensionam a compreensão do cotidiano em suas esferas privadas e políticas,
rearticulando a subjetividade ao fato de serem produto de determinado tempo histórico no
qual as conjunturas e as estruturas estão presentes.
Na articulação do singular e do geral recuperam-se formas diversas de registros e
ações humanas tanto nos espaços considerados tradicionalmente os de poder, como
o do Estado e das instituições oficiais, quanto nos espaços privados das fábricas e
oficinas, das casas e das ruas, das festas e das sublevações, das guerras entre as
nações e dos conflitos diários para sobrevivência, das mentalidades em suas
18
permanências de valores e crenças e das transformações advindas com a
modernidade da vida urbana em seu aparato tecnológico. (PCNEM, 1999, pp. 23)
Discorrendo sobre a historicidade e a multiplicidade de abordagens conceituais acerca
da agência histórica - emulação central da atividade ludopedagógica -, Peter Seixas indica os
riscos de superestimar a ação individual ou cair no imobilismo social, chegando à conclusão:
Finalmente, o conceito de ação histórica também abre questões sobre como os
alunos vivem as vidas deles, além das crenças e compreensões deles: quais tipos de
ação individual e coletiva eles fazem, com quais tipos de compreensão da
localização histórica da ação? Iniciar esta trajetória para pesquisa sobre pensamento
histórico começa a unir a pesquisa em educação histórica a questões de eficácia e
ação que ocuparam pesquisadores de educação cívica e estudos sociais de uma
maneira bem central; inversamente, isto poderia trazer novas camadas de riqueza
teórica para questões de tomada de decisão de cidadãos nestas áreas de pesquisa.
(...)
Mas mesmo fazendo o melhor que nós podemos para dirigirmos nesta estrada, a
história é cheia de surpresas: pessoas “sem poder” tomando conta e efetuando
mudanças imensas, pessoas poderosas paradas ao lado e não fazendo coisa alguma.
(SEIXAS, 2012, pp. 548-549)
O segundo conceito central para a construção do JIPH é a imersão didática. A imersão
em uma instância de realidade emulada, fundamental para a prática ludonarrativa, se articula
com instâncias mimético-poéticas. Ao invés de considerarmos a ambiência lúdica uma
situação alienante, podemos verificar dois movimentos ludodidáticos construídos ao
analisarmos a circularidade que se instaura entre a “a realidade emulada no jogo” e a práxis
social dos aprendentes. Analisando a relação entre a agência comunicacional e o mundo, de
acordo com Habermas13, Myriel Balzer estabelece uma comparação deste processo com as
práticas de jogo, potencializando a imersão como elemento central da prática ludopedagógica:
13
Jüngen Habermas, sociólogo e filósofo alemão associado ao grupo de produção intelectual conhecido como
Escola de Frankfurt, desenvolve suas pesquisas no campo ético, buscando a superação da concepção da razão
como mero instrumento cognitivo. Para tanto, em sociedades em que ética se desenvolva, a razão e a ação
comunicativa. Ou seja, a comunicação livre, racional e crítica deve ser não apenas possível, mas estimulada não
apenas como forma de expressão, mas como práxis democrática, conectando os agentes sociais ao mundo, por
meio de criações, reproduções e interpretações (HABERMAS, 1984).
19
Figura 1 - A relação circular entre o indivíduo e o ambiente14 de acordo com Habermas
(BALZER, 2011, p.38).
Figura 2 - A relação circular entre o jogador e o mundo de jogo15 (BALZER, 2011, p.39).
A consideração da imersão didática de jogos narrativos (especialmente os RPGs)
como central à prática educativa a respeito da agência histórica só se faz possível através da
sua análise como fenômeno de comunicação/expressão:
14
Mundo de vida → constitui a estrutura para a comunicação e funciona como um recurso para interpretação →
ação comunicativa → Agente → reproduz o mundo de vida e conecta novas situações a ele → Mundo de vida
(...)
15
Mundo de jogo → a estrutura para a comunicação entre os jogadores e funciona como um recurso para a
interpretação dentro do jogo → jogador-interpretador → dá validade ao mundo de jogo por referir-se a ele →
Mundo de jogo (...)
20
Devido às suas características de socialização interativa e narrativa hipertextual, o
RPG pode ser um fenômeno de comunicação onde o signo aparece como processo
interativo: o significado acontece quando significantes são relacionados por um
sujeito, num processo fluido e contínuo. (BETTOCHI, 2008, p.484).
Se a agência histórica e a imersão didática norteiam a construção do JIPH, é
necessário pensar em elementos que estruturem a criatividade e a sedendipidade. Neste
sentido, o design poético se apresenta como fundamental para a construção do JIPH,
estimulando o ato criativo e a pesquisa pelos discentes e docente durante o processo imersivo
da construção do mundo e das personagens, de forma que haja prefigurações, construção de
enredo e reconfigurações da visão do presente pelo aprendente através da experiência
ludopedagógica (BETTOCHI, 2008). Cabe destacar que a reconfiguração trata-se do processo
hermenêutico de aquisição-transformação-ação de repertório (agência histórica de indivíduos
do passado) que é inserido em um enredo construído coletivamente - ludonarrativa - durante a
experiência do jogar-aprender (BROUSSARD, 2011).
Tu deves ter notado que ambos conceitos se entrelaçariam para a solução dos desafios.
A resposta às 3 (ou 4) questões para a criação do jogo revelou tais conceitos, ou melhor,
demandou a pesquisa docente para a construção da atividade ludopedagógica, fazendo o
professor ser um pesquisador (BITTENCOURT, 1997). Contudo, será necessário analisar
com um pouco mais de cautela a solução para a criação de um jogo imersivo que não seja
apenas uma “ferramenta lúdica”: a transposição ludodidática.
Ato 3: A transposição ludodidática: o ensino de História entra em jogo
Um dos principais problemas da teoria ludopedagógica é a instrumentalização dos
jogos, um equívoco básico, haja vista que a finalidade de jogo é distinta das presentes em
processos de aprendizagem. Enquanto os jogos possuem uma finalidade em si (HUIZINGA,
2008), uma atividade ludopedagógica possui natureza didática.
Uma situação didática se traduz em uma situação de ensino/aprendizagem. Uma
situação que tenha sido projetada com fins de gerar uma aprendizagem é uma situação
didática. São os objetivos de aprendizagem que conduzem as situações de aprendizagem.
21
Vimos na última sessão que houve uma imbricação entre os conceitos de
desenvolvimento de jogo, de pesquisa, ensino de história e pedagogia para a construção do
JIPH. Este processo de pesquisa e construção de saber (a avaliação, a atividade
ludopedagógica é um dos saberes escolares que são construídos) é parte de uma transposição.
Tradicionalmente os professores operam com transposições didáticas, ou seja, transforma-se o
conhecimento científico em conhecimento escolar, para que possa ser ensinado pelos
professores e aprendido pelos alunos (ALMEIDA, 2011). Esta transposição não se trata de
uma “vulgarização”, mas de uma reconfiguração do conhecimento acadêmico para o ambiente
escolar, em virtude de suas especificidades. Como elementos teóricos do desenvolvimento de
jogos fazem parte da construção da atividade, não se trata apenas de uma transposição
puramente didática, mas agora ludodidática.
O objetivo da transposição didática é inserir na atividade elementos fundamentais à
prática lúdica - como a diversão da prática e a imersão - a fim de que a atividade supere a
simples recreação (ALMEIDA, 2002). O jogo passa a possibilitar didaticamente que o aluno
seja sujeito de sua formação. Trata-se de proporcionar a aprendizagem significativa do
indivíduo e a construção de saberes essenciais à sua trajetória de vida, dentro e fora das salas
de aula (LOPES, 2000).
Duas foram as contribuições centrais para o fomento da transposição ludodidática: os
aportes teórico-metodológicos do grupo de pesquisa Histórias Interativas16 e o Game Design
Toolkit17.
As produções teóricas, metodológicas e as aplicações em oficinas de processos e
materiais didáticos do grupo Histórias Interativas contribuíram imensamente para o
desenvolvimento do JIPH, haja vista que a dinâmica do jogo se estrutura sobre as Técnicas
para Narrativas Interativas (TNI). Estas são aplicadas como método didático a fim da
16
Grupo de pesquisas Histórias Interativas: design poético e didática ludonarrativa na concepção de imagens,
processos e materiais didáticos (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3947057672582627).
17
O trabalho do STEP (Massachusetts Institute of Technology - Scheller Teacher Education Program) foi
fundamental para a construção de ações ludopedagógicas. O grupo de pesquisa divulgou no final de 2014 o
GDTK, que é definido pelo STEP da seguinte maneira: “The Learning Games Network (LGN) and FableVision
have partnered to create the Game Design Tool Kit (GDTK), a free online resource designed to help teachers use
game design more extensively in their curriculum. Offered as a series of resources, the GDTK is available for
download
by
teachers
at
no
cost
as
a
comprehensive
handbook.”
(http://education.mit.edu/blogs/carole/2014/11/05). As 4 etapas do GDTK - explorar, descobrir, criar e
compartilhar - se assemelham em seu processo criativo de jogos com os elementos tratados nas “três questões”
anteriormente respondidas.
22
aquisição de conhecimentos e competências, entendidas como operações mentais que
articulam e mobilizam as habilidades e os conhecimentos, de acordo com o comportamento e
a atitude do sujeito em uma dada situação. Tal qual a proposta do JIPH, as TNI apontavam
para a necessidade da articulação de conhecimentos e competências dos aprendentes e
estimulavam a produção (de conflitos, desafios e das personagens), dando alicerce para a
construção de novos conhecimentos e competências, em um círculo virtuoso (BETTOCCHI;
KLIMICK; REZENTE, 2013, p.4). Os aportes do Projeto Incorporais, um dos projetos
centrais do grupo de pesquisas Histórias Interativas, mostram-se necessários à discussão de
como não apenas devemos inserir o jogo em instâncias educativas, mas em outros ambientes
educativos. Para além, estabelecem-se importantes discussões sobre as interfaces entre a
narrativa, práticas lúdicas e o ensino (KLIMICK, 2015).
Já o Game Design Toolkit não apenas se destina à construção de atividades lúdicas,
mas para a sua aplicação enquanto um projeto em sala de aula, dissolvendo o processo
avaliativo de forma processual. Segue a descrição dos propósitos do GDK:
As Ferramentas de Design de Jogos fornecem-lhe cartões e instruções de discussões
para apoiar a integração do nosso quadro teórico de desenvolvimento de jogos ao
seu planejamento curricular existente. É possível utilizar os cartões para criar
aulas em torno de atividades individuais ou como partes de um projeto semanal ou
semestral, instruções de discussões destinam-se a ajudá-lo a instruir os
estudantes em cada etapa da pesquisa, do design e do processo de
desenvolvimento da atividade.(p.1, tradução e grifos meus)
Mas quais seriam os objetivos de aprendizagem do JIPH? De acordo com Fernando
Seffner (2013), há alguns requisitos para aprendizagens significativas em História. O primeiro
refere-se à operação com conceitos e nomeações. O segundo critério para a construção de
aprendizagens significativas em História é o tempo necessário em um único tema
estabelecendo numerosas relações a partir dele, inclusive com auxílio de questões do mundo
contemporâneo. Outro critério é a diversidade de fontes de leitura e pesquisa para a
construção do saber escolar. Ainda para a construção de aprendizagens significativas está a
mobilização de habilidades e competências distintas, como a capacidade de fazer cálculos e
de resolver problemas; capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações.
Como conhecemos a complexidade da sociedade e o não compartimentamento de saberes, a
23
interdisciplinaridade também se apresenta como uma das chaves para a construção de tais
aprendizagens.
Deves ter observado que não se tratava de algo muito simples a fazer. Como
anteriormente afirmado, a construção de um jogo demanda pesquisa e uma proposta orientada
à aprendizagem de conteúdos, sobretudo processuais e atitudinais (especificamente
relacionados à pesquisa, à autonomia no processo e à interação com a classe). Os requisitos
apontados por Fernando Seffner seriam a última fronteira, o último desafio para a criação não
apenas de um jogo, mas de uma atividade ludopedagógica narrativa. Para além, de uma
atividade ludopedagógica narrativa com objetivo de proporcionar aprendizagens significativas
em história.
Ato 4: O design lacunar do JIPH, pondo o jogo à prova
Companheira ou companheiro, finalmente chegamos ao clímax do texto! Se já me
acompanhaste por mais de dez laudas e segues a ler, agradeço. Não se preocupe, o JIPH em
sua atual versão estará disponível na íntegra ao término do texto. São apenas 3 páginas, nada
além. O que vamos tratar aqui é se o JIPH consegue gerar aprendizagens significativas em
história.
O jogo prevê a mobilização de conceitos e nomeações precisas. Um “senador
romano”, um exemplo de personagem do jogo, já mobiliza inúmeras questões conceituais (o
que é o senado para a res publica romana?). O preenchimento da ficha de personagem, da
planilha de conflitos - atividades de pesquisa - e o ato de jogar em sala de aula demandam do
conhecimento de conteúdos factais e conceituais.
O JIPH é uma atividade bimestral, na qual a aquisição de repertório a respeito dos
conteúdos se dá não apenas de forma expositiva. Os alunos levam ao professor as pesquisas
que fizeram para construir suas personagens - não apenas grandes nomes, obviamente - e estas
pesquisas são questões geradoras para o desenvolvimento de debates, explanações e
exercícios em sala de aula. O tempo necessário para a aquisição do repertório relaciona-se não
apenas com o tempo para “explicar”, haja vista que as atividades de pesquisa e construção de
personagens continuam em sala de aula. Como é necessário pesquisar sobre as outras
personagens para a construção de conflitos, há uma interação intensa a respeito das diferentes
24
sociedades e dos processos históricos tratados durante o bimestre. Esta estratégia multiplica os
“ensinantes” do processo educativo, sendo o professor um mediador educacional. E a minha
ação é de traçar pontes com o mundo de hoje, estabelecer comparações entre as personagens,
emular situações de conflito. Cada grupo torna-se uma microrreferência a respeito de sua
personagem, sendo consultada pelos demais grupos durante o bimestre.
Haja vista que as personagens são construídas de acordo com a mescla da pesquisa
com a imaginação (imersão didática) sobre os modos de viver e agir em uma sociedade, a
multiplicidade de fontes de pesquisa é facilmente verificada, já que o professor indica fontes
para além do livro didático para a confecção da pesquisa. Durante a pesquisa para a
construção da personagem e do universo são mobilizadas diferentes habilidades e
competências, assim como no momento do jogo, haja vista que a resolução dos conflitos
demanda pensamento estratégico, avaliação, inventividade e conhecimento lógico-matemático
e probabilístico, em virtude da mecânica do jogo. Por várias vezes foi necessário recorrer a
outras áreas de conhecimento, como geografia, literatura e biologia para a construção de
personagens históricas, o que contempla a dimensão interdisciplinar para uma aprendizagem
significativa em história.
Resta pontuar que a interação social cooperativa e não competitiva que se desenvolve
durante o jogo - e os desdobramentos positivos no que tange o desenvolvimento da
inteligência emocional dos educandos - é algo positivo que se desenvolve no ambiente
escolar, notadamente conflituoso. A estrutura narrativa que deve ser mantida (ao término de
um conflito, outro se sucede com novas escolhas, consequências, etc.) faz com que cada
grupo se sinta continuador de outra história.
A condução do jogo visa a ser extremamente narrativa. Logo, a perda de pontos de
vitalidade por um senador que não conseguir salvar Roma de um incêndio não significa
ferimentos, necessariamente. Um grupo poderá considerar a vitalidade a sua influência dentro
da magistratura senatorial. O mesmo atributo - vitalidade - para uma sacerdotisa de Afrodite
poderá ser sua relação com a divindade, suas obrigações e objetivos, devidamente referidos na
ficha de personagem.
25
Ato 5: Falhas críticas!
Achavas que teria apenas situações positivas, relatos de sucesso na construção de um
jogo? A aplicação dele há anos e suas mudanças até o presente demonstram que muito “não
deu certo”. O primeiro ponto de falhas pode parecer banal… mas o jogo era “chato”. Isso
mesmo, o formato aberto, “lacunar”, com sentenças que os alunos podem preencher, com uma
história de cada um, com as angústias e etc. foi inserido há poucas versões.
Tratava-se de um jogo de RPG relativamente comum, com o professor como “mestre
de jogo” e com as fichas com espaços para “perícias e atributos”. A mecânica de jogo era
bastante “mecanicista” com graduações em determinadas perícias, o que emulava a múltipla
possibilidade para a resolução de um mesmo conflito, o que considero um grande erro de
design meu. Tendo contato com os “conhecimentos” do Incorporais RPG18 e com a mecânica
simples do sistema ascepção19, repensei a estrutura básica do jogo e como eu poderia fazer o
jogo ser divertido nas aulas. E assim, com testes antes do jogo, com conflitos gerados durante
explicações para cada grupo, os alunos foram, para além de entender a mecânica, se
divertindo com o processo: “Ora, eu sou uma filósofa em Alexandria!” disse uma aluna no
último ano, durante a criação da personagem. Notar que o aluno está gostando da experiência
é um bom termômetro. Ah, e eu também tenho de gostar, obviamente.
Marcello Giacomoni (2013) estabeleceu algumas características para a construção de
jogos para o ensino de história: a temática, os objetivos, a superfície, a dinâmica, as regras e o
leiaute. Nunca tive muitos problemas com a temática e com os objetivos de aprendizagem ao
aplicar jogos. Sempre estabeleci os conceitos que gostaria de trabalhar (feudalismo,
patriarcalismo, liberdade, anarquia, etc.) antes da disponibilização das personagens que
deveriam ser construídas pelos alunos-jogadores. Porém, por algumas vezes, tentei aplicar o
jogo sem a orientação sobre arquétipos de personagens a serem construídos no primeiro
bimestre. Ora, o aluno ficava perdido. No primeiro bimestre (tal qual em um primeiro contato
com RPG), o anfitrião-mestre-narrador-professor disponibiliza uma lista de personagens que
18
Sistema disponível em http://historias.interativas.nom.br/incorporaisrpg/
19
Sistema utilizado pelo RPG Terra Devastada de John Bogéa. Resenha do jogo com explanação da mecânica de
resolução de conflitos disponível em: http://www.rederpg.com.br/wp/2011/11/terra-devastada-resenha/
26
já orienta alguns elementos que devem ser trabalhados na construção das mesmas. Nos
bimestres seguintes (sobretudo os últimos), as personagens podem ser criadas do zero.
Quanto à superfície e dinâmica, confesso que houve grande dificuldade para a
continuidade da narrativa sem um alicerce. Passei a solicitar uma ficha de personagem e de
conflitos para cada grupo e anotar os elementos centrais da narrativa de cada grupo na lousa, a
fim de auxiliar os alunos a seguirem o fluxo narrativo. Obviamente, durante os bimestres, este
alicerce vai perdendo o sentido, já que os alunos vão “aprendendo a jogar”.
Sobre as regras, cheguei a simplicidade do uso de d6s (dados de 6 faces) para a
resolução de conflitos, sendo os sucessos e fracassos interpretados narrativamente, de acordo
com as aptidões acionadas para a resolução (a regra do JIPH está anexa, ao término do texto).
Por exemplo: se uma camponesa medieval tenta tratar uma doença de seus filhos, ao obter
sucesso utilizando a aptidão mental “conhecimento em herbalismo” e a aptidão social “bem
vinda junto aos demais camponeses do feudo”, o grupo constrói uma narrativa em que a
camponesa pede auxílio à vizinhança para colher uma certa erva e para efetuar um chá. Assim
houve a cura de seus filhos. Mas houve a necessidade de dar muitos, muitos exemplos até o
desenvolvimento desta narrativa, bem como para que o “encaixe” do próximo conflito a este
grupo continuasse o fluxo narrativo. Por exemplo: como a mãe camponesa passou o dia
tratando de seus filhos, a produtividade caiu e o senhor decidiu aumentar os impostos…
Grandes falhas ocorreram em escolas do ensino noturno, nas quais buscava o “mesmo
pique” dos jovens que estudavam na manhã ou tarde. E a falha obviamente foi minha. Muitos
eram trabalhadores e não dispunham de tempo para pesquisa em suas casas. Chegava em sala
de aula com vários livros e desenvolvia as fichas junto aos alunos ali, sem buscar nenhuma
comparação com o trabalhado feito na manhã ou tarde.
Cada problema, cada insucesso me faz repensar a estrutura do jogo. Há pontos que
invisto, outros mudo completamente. O JIPH não está fechado. E acredito que não estará. O
design poético lacunar e a estrutura ludonarrativa serão mantidos, mas isto não significa que a
atividade está fechada. Experiências serão criadas, novas possibilidades e reconfigurações do
jogo. A atividade de pesquisa lúdica não pode se “completar”, haja vista que a incompletude é
a metáfora da narrativa da vida - que se emula no jogo -, somos incompletos, pois.
27
Ato 6: (in)Conclusões
Peter Seixas (2012) nos convida a (não) concluir este texto com uma provocação:
O ensino de história procura, assim, evitar desesperança, evitar ‘coisas sem a menor
chance de acontecer’, e abre os olhos dos alunos para a possibilidade do inesperado.
A responsabilidade histórica dos professores de história agora se agiganta
intensamente: para ajudar as pessoas jovens a aprenderem a avaliar subjetivamente
materiais dos legados inconscientes do passado para um exame crítico. (p. 550)
É sobre esta provocação que o jogo trata. O percurso deste texto tratou o
desenvolvimento do jogo, as fontes que bebi, meus erros, meus acertos. Tenho outros jogos
que aplico em salas de aula e jogo jogos narrativos fora das salas de aula. Com amigos,
desconhecidos. Jogo bastante e não sei se desgostarei disto um dia. Sei apenas que descobri
que o divórcio entre jogar e aprender tem a ver com o divórcio entre disciplinas e entre
instâncias de pesquisa e de prática docente. Encontrei um meio de pensar em toda esta
quimera de questões através da ludopedagogia. Quanto tempo seguirei nesta seara? Enquanto
houver pontos de vitalidade.
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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas
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32
Anexo: JIPH (2015)
33
34
35
PLATAFORMA INCORPORAIS: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA
LUDONARRATIVA PARA PRODUÇÃO DE ILUSTRAÇÕES EM
CENÁRIO DE FANTASIA ANTROPOFÁGICA
Eliane Bettocchi20
Carlos Klimick 21
RESUMO
O artigo relata o desenvolvimento e os primeiros resultados de um experimento de criação de
ilustrações por meio de um método ludopedagógico realizado com estudantes de graduação
em Artes e Design. O método constitui-se de uma combinação entre o que denominamos
didática ludonarrativa e design poético, embasando a imersão em um cenário fantástico por
meio de aventura solo e role-playing game, a concepção de imagens derivadas desta imersão e
a avaliação destas imagens a partir dos critérios norteadores deste cenário fantástico:
pilhagem narrativa e antropofagia visual.
PALAVRAS CHAVE: Jogos narrativos, ilustração, didática
ABSTRACT
The article describes the development and the first results of a game based learning
experiment with Arts and Design undergraduate students. The method consists on a
combination of what we call ludonarrative didactic and poetic design and frames the game
20
Eliane Bettocchi (http://lattes.cnpq.br/5271545860382787)
Professora adjunta e coordenadora da Licenciatura em Artes - 2o. ciclo do Bacharelado Interdisciplinar em Artes
e Design do IAD-UFJF. Coordena grupo de pesquisa sobre imagens e narrativas visuais e seus potenciais
interativos, poéticos e educacionais, sub-projeto na área de Artes do PIBID-CAPES e o Laboratório
Interdisciplinar de Linguagens para licenciaturas da UFJF. Atuou por 19 anos como profissional de Design
Gráfico e Ilustração para jogos narrativos comerciais e educacionais. Pós-graduação lato sensu em Teoria da
Arte pela UERJ (1998), Mestrado (2002) e Doutorado (2008) em Design pela PUC-Rio.
21
Carlos Klimick (http://lattes.cnpq.br/5151586037029651)
Doutor em Letras pela PUC-Rio com pesquisa na Formação do Leitor. (2008) Mestre em Design pela PUC-Rio,
com pesquisa na elaboração de material didático para crianças surdas (2003). Professor universitário com
atuação na UERJ, PUC-Rio, Unicarioca, Universidade Estácio de Sá. Coordena linha de pesquisa sobre Design e
Didática do Grupo Histórias Interativas (CNPq). Tem 15 anos de experiência na área de Educação, com ênfase
em Design Didático e Roteirização Didático Digital. Autor dos RPGs brasileiros “Desafio dos Bandeirantes”,
“Era do Caos”, “Esferas” e do suplemento “Império” para Tagmar.
36
book and role-playing game immersion in a fantasy setting, the creation of concept arts
resulting from this immersion and the evaluation of these concept arts based on the setting
criteria: narrative plunder and visual anthropophagy.
KEYWORDS: Narrative games, concept art, didactic
Introdução
Neste artigo relatamos uma experiência didática ludonarrativa realizada com um grupo
de 12 estudantes de graduação em Artes e Design, 1 professora do IAD-UFJF e 1 professor
colaborador, todos membros do grupo de pesquisa Histórias Interativas, entre dezembro de
2012 e dezembro de 2013. Esta experiência objetivou sistematizar a aplicação educacional da
Plataforma Incorporais para o desenvolvimento e avaliação das competências criatividade,
ética e gestão na elaboração de ilustrações a partir da vivência de um jogo narrativo.
Competências são neste artigo entendidas como operações mentais que articulam e
mobilizam as habilidades e os conhecimentos, de acordo com o comportamento e a atitude do
sujeito em uma dada situação (PERRENOUD, 1999).
A Plataforma Incorporais combina as premissas metodológicas do Design Poético, um
método projetual que norteia a produção de material dos participantes entendendo poiésis não
só como um "fazer", mas uma "intenção", daí seu uso para as formas de expressão artísticas
contemporâneas, o dito "fazer poético", cuja principal finalidade é a de questionar e criticar; e
da Didática Ludonarrativa, um método para uso educacional de jogos narrativos
participativos, como a Aventura Solo e o Role-Playing Games (RPG).
O jogo foi ambientado em cenário fantástico de estrutura narrativa inspirada na obra
de JRR Tolkien e com estrutura visual inspirada no Art Nouveau, com misturas narrativas e
visuais que denominamos Pilhagem Antropofágica, em uma combinação das estratégias de
Pilhagem Narrativa e Antropofagia Visual. A Pilhagem Narrativa consiste em se apropriar de
referências de seu próprio repertório e de outras fontes para criar suas próprias personagens e
outros elementos narrativos. A Antropofagia Visual traz as propostas de contaminação do
colonizador pelo colonizado e a de tradições móveis de Mario de Andrade. Com base nessas
premissas conceituais, os estudantes precisavam combinar, às estruturas de base, seus
37
repertórios pessoais e referências de arte e literatura de origem brasileira e não anglosaxônica.
No experimento em questão cada estudante que “jogava” RPG com a sua personagem
era acompanhado por outro que anotava os eventos e podia aconselhá-lo, atuando como
“consciência”. Na sessão seguinte os papéis eram invertidos. Os estudantes participaram de
diversas sessões de TNI alternando os papéis de “jogador” e “consciência”, sendo orientados
para que anotassem os eventos vividos em “cadernos de personagem” que deveriam elaborar.
Depois, fizeram ilustrações conceituais de suas personagens e de elementos de
cenário, para, ao final da atividade, elaborarem artes finais convertidas em cartas de baralho.
Além disso, também foram elaboradas histórias envolvendo locais do cenário e suas
personagens. Desta primeira produção dos estudantes derivamos o material para a oficina
ministrada na Semana de Artes e Design do IAD – SEMAD, em novembro de 2013.
Os resultados obtidos pelos estudantes foram então avaliados coletivamente segundo
as premissas conceituais Pilhagem Narrativa e Antropofagia Visual considerando-se
recombinação inovadora (Criatividade), crítica (Ética) e consistente (Gestão) de repertórios
visuais e narrativos do participante por ele mobilizados e/ou apropriados.
O Método: Projeto Incorporais
Seguimos as etapas metodológicas do Projeto Incorporais, previamente publicado
(BETTOCCHI, KLIMICK & REZENDE, 2013), que consiste da união entre as Técnicas para
Narrativas Interativas (TNI) com o Design Poético.
A TNI é uma sistematização pedagógica da aplicação da lógica de funcionamento dos
Role-Playing Games (RPG) a finalidades educacionais (KLIMICK, 2007) tendo como
fundamentação epistemológica o construtivismo, alicerçado na pedagogia da autonomia de
Paulo Freire (1996) e na pedagogia da autonomia de Carmen Moreira Neves (2005).
O Design Poético (BETTOCCHI, 2008) é um método projetual que norteia a produção
de material dos participantes, baseando-se no processo mimético em três etapas postulado por
Paul Ricoeur (1983), em que na Mimese 1 (M1) temos a prefiguração dos elementos, na M2 a
configuração da narrativa e na M3 a refiguração do sujeito, e na semiologia de Roland
Barthes (1967, 1999). Entendemos a poiésis não só como um "fazer", mas uma "intenção", daí
38
seu uso para as formas de expressão artísticas contemporâneas, o dito "fazer poético", cuja
principal finalidade é a de questionar e criticar; e Design segundo o ponto de vista
humanístico de expressão de significados, destacando sua natureza especular tanto de anúncio
quanto de denúncia do contexto social (BOMFIM, 1999): uma configuração de objetos que
leva a uma refiguração do sujeito e de seu contexto.
O método do Projeto Incorporais tem as seguintes etapas: Conceituação,
Levantamento; Concepção; Justificativa. As etapas de Conceituação e de Levantamento são
consideradas etapas teóricas e ocorrem concomitantemente com a etapa prática de Concepção:
1. CONCEITUAÇÃO: etapa em que se identifica sobre o quê será e para quê/quem
servirá o projeto, realizando uma delimitação do tema (assunto, finalidade, receptores),
incluindo competências e conhecimentos a serem mobilizados e construídos.
2. LEVANTAMENTO: etapa em que se identificam quais serão as referências do
projeto por meio de pesquisa de similares, coleta de dados pertinentes ao tema e pesquisa de
premissas teórico-práticas, incluindo modelos pedagógicos para elaboração de situações
didáticas nas quais o objeto possa ser aplicado.
3. CONCEPÇÃO: etapa em que se identifica como realizar o trabalho por meio de
escolha dos elementos das linguagens que comporão o objeto a ser construído. Neste trabalho,
entendo como objeto qualquer artefato que resulte da aplicação da vontade do sujeito 22;
pesquisa e escolha de suportes de veiculação deste objeto; pesquisa e escolha de técnicas e
materiais artísticos e/ou não artísticos condizentes com os suportes escolhidos. Os suportes
usados no experimento eram suportes narrativos multilinguagem (blog, cadernos de jogo e
baralhos do cenário) que foram elaborados pelos participantes a partir da costura entre as suas
narrativas e produções visuais individuais. Deste modo, objetivamos que o método facilitasse
o processo de aprendizagem, a construção de competências e conhecimentos por meio de uma
produção “a partir” de um tema e suas transversalidades.
Nesta etapa, temos a alternância entre sessões presenciais semanais de TNI e de
Design Poético da seguinte maneira:
3.1. TNI: divisão dos participantes em dois grupos; um grupo vivencia a narrativa
lúdica (jogadores-atores) e o outro grupo registra os eventos (jogadores-consciência), sendo
22
Adaptado de: Bomfim, G.A. Relacionamento entre Teoria, Crítica e Design através de Modelo Processual.
Textro distribuído em sala durante a disciplina ART 2101 Teoria e Crítica do Design -2002.2
39
que cada "consciência" adota um "ator" e anota tudo que a personagem daquele jogador
vivenciou na sessão; ao final, entrega as notas para o jogador-ator para que este possa fazer o
registro no diário da sua personagem.
3.2. TNI seguinte: inverte-se a atuação dos grupos, ou seja, quem foi "consciência"
passa a ser "ator" em uma narrativa com enredo diverso da anterior.
3.3. Design poético: os dois grupos trabalham, por meio de exercícios projetuais
específicos, esboços e diários das suas personagens, trocando suas produções para análise
crítica. Importante destacar que os exercícios serão planejados a partir das dúvidas e
dificuldades dos participantes.
3.4 e 3.5. TNI: continuidade da narrativa lúdica e seus registros.
3.6 e 3.7. Design poético: continuidade da produção.
E assim por diante, até os participantes sentirem-se seguros para proceder à finalização
de seus esboços e materialização de seus suportes. Toda a vivência e produção foram
registradas por meio de diários de viagem e/ou cadernos de esboços manuscritos. Além das
sessões presenciais semanais, o experimento contou com o apoio de uma plataforma Moodle
de educação à distância, onde estavam disponíveis textos, imagens e hiperlinks de referências
bem como tarefas para registro da produção.
Nos termos de Paul Ricoeur (1983), antes da sessão de RPG, os elementos do cenário
apresentados aos jogadores, as personagens por eles criadas e o enredo básico trazido pelo
narrador, fizeram parte da M1. A narrativa criada oralmente com as interações da sessão
propriamente configurou a M2. Após a sessão de RPG, a sensação das vivências obtidas, as
memórias compartilhadas e as anotações realizadas foram o momento de M3. A partir daí os
participantes reviveram o processo mimético em nova etapa onde a M3 pós-sessão de RPG
tornou-se parte da M1, a partir da qual fizeram suas criações, que foram incorporadas aos
suportes (M2), refigurando-os (M3) e convidando outros a vivenciarem o mesmo processo.
Para que esse convite se faça perceptível, essa produção deve resultar em objetos que,
independentemente das linguagens e tecnologias, prevejam um modo de recepção
hipertextual, onde hiper (hyper) quer dizer expandido, ampliado, segundo Theodor Nelson,
considerado autor do termo no campo da Informática. Neste hipersuporte, os elementos de
cada linguagem (imagens, textos, sons…) e da tecnologia serão projetados, via Design
Poético, para atuarem como links que podem ou não ser abertos pelos receptores.
40
4. JUSTIFICATIVA: etapa em que se defende porque se fez o projeto deste modo,
descrevendo todas as etapas no relatório final individual, apresentando e discutindo os
resultados e elaborando o relatório final geral da pesquisa.
Premissas de avaliação da criatividade: pilhagem e antropofagia
As regras do RPG (o ato de jogar) para vivenciar e construir coletivamente uma
história (o ato de narrar) trabalham as seguintes competências:
- Criatividade: recombinação crítica de repertórios a partir das fantasias pré-existentes e/ou
das necessidades de aplicação para a solução dos desafios.
- Ética: reflexão crítica sobre o tema, responsabilidade através da relação de causalidade
narrativa (atos e suas consequências), cooperação e competição na hora certa, vislumbre ou
efetivação de transformações individuais e coletivas, noção de autoria e capacidade de
produção de conhecimento por meio da divulgação do material produzido.
- Gestão: capacidade de utilizar os métodos, seja para expressão criativa, por meio do
desenvolvimento e incorporação de seu material, seja permitindo-lhes criar histórias
interativas para desenvolver em outros jogadores as características citadas anteriormente e,
portanto, qualificá-los no seu uso como método didático e/ou projetual, liderança, trabalho em
equipe.
Para avaliar essas competências, tomamos como premissas um conceito originário da
literatura e um conceito originário das artes plásticas: pilhagem narrativa e antropofagia
visual, que apresentam-se abaixo:
Premissa Narrativa: Pilhagem
Roland Barthes (1977) observa que a literatura, por extensão as narrativas, tem os
poderes de mathesis (vários saberes se entrelaçando) e mimeses (representação do real),
destacando seu potencial na educação. As narrativas permitem o encontro lúdico de diversos
saberes em sua fruição, facilitando a concretização de um trabalho multidisciplinar ou
interdisciplinar. E é nessa leitura crítica que queremos tocar: uma leitura entendida como uma
leitura do mundo (YUNES, 2002) capaz de promover uma refiguração do sujeito leitor e de
41
seu contexto (RICOEUR, 1983), levando-o a produzir novos significados, ou seja, produzindo
"a partir de", e não apenas "sobre" (BARTHES, 1992).
A pilhagem pode ser entendida como um recurso narrativo contemporâneo de
apropriação de repertórios coletivos que são costurados a partir dos repertórios individuais.
Sendo os RPGs formas de construção e narração coletiva de histórias, nos seus suportes texto
e imagem existem não para serem consumidos acriticamente, mas para serem, como diria
Sonia Mota Rodrigues (1997), “pilhados” pelo sujeito a fim de serem reconstruídos de acordo
com suas experiências cotidianas, permitindo a concepção de novas imagens e novos textos e
a recriação da realidade.
Premissa Visual: Antropofagia.
Em palestra proferida no dia 16/12/12, durante o I FAC: Reperformance, na Casa de
Cultura/UFJF, o artista performático e professor Lucio Agra buscou demonstrar a necessidade
de se construir não uma definição, mas diferentes definições de performance dentro do ponto
de vista da nossa cultura latino-americana de mestiçagem.
Da fala de Lucio Agra, tomamos posse da proposta de contaminação do colonizador
pelo colonizado, juntamente com outras propostas, lançadas durante a discussão, como a de
tradições móveis, de Mario de Andrade, e a de experimentar de fato a antropofagia,
movimento tocado pelo tropicalismo, mas não de todo incorporado ao pensamento poético
brasileiro, apesar de muito presente em outros setores da cultura, sobretudo a música e a street
art23.
Em 1929, Oswald de Andrade escreve o Manifesto Antropófago no qual reelabora o
conceito eurocêntrico e negativo de antropofagia como metáfora de um processo crítico de
formação da cultura brasileira. “[...] Como antropófagos somos capazes de deglutir as formas
importadas para produzir algo genuinamente nacional, sem cair na antiga relação
modelo/cópia, que dominou uma parcela da arte do período colonial e a arte brasileira
acadêmica do século XIX e XX."24. E que ainda domina certos setores de produção visual,
23
http://novo.itaucultural.org.br/materiacontinuum/fevereiro-2012-saga-modernista-completa-90-anos/
em
07/02/2013
24
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=
74&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=8 em 07/02/2013
42
como das ilustrações para os meios de comunicação de massa, sobretudo os da indústria do
entretenimento.
Assim, acompanhando a pilhagem narrativa, propusemos a concepção antropofágica
do elo de ligação formal entre os suportes do cenário, sua organização compositiva e
estrutural, em cada um dos suportes, considerando suas especificidades técnicas e materiais e
sua capacidade de significar, de se relacionar com o conteúdo narrativo de modo hipertextual,
ou seja, capaz de abrir vários "links" de informação, permitindo a abertura deste processo de
significação.
O Cenário Terra Nova: Fantasia Antropofágica
O cenário de RPG Terra Nova busca construir uma relação metafórica/alegórica da
colonização geográfica de um continente, com sua colonização "simbólica", especificamente
no que diz respeito à ambientação concebida pelo linguista britânico J.R.R. Tolkien, a qual
veio a ser a fonte de inspiração para o cenário do primeiro RPG, Dungeons & Dragons, e para
tantos outros. Assim, a Terra Nova, o "novo continente", seria uma metáfora para o conceito
de "fantasia medieval" (uma colagem de diversas referências) que se desenvolveu no RPG, a
partir da Terra Média (Middle Earth), o "velho continente", que seria a representação das
origens deste conceito de "fantasia medieval". Para mais informações visite o endereço:
http://www.historias.interativas.nom.br/incorporais/pdfs/terranova-conceito.pdf
Desenvolvimento do experimento
O experimento com os estudantes seguiu as etapas do Método Incorporais, conforme
descrito a seguir. As primeiras vivências com o método e com o cenário aconteceram em uma
sala de aula de projetos do IAD entre dezembro de 2012 e março de 2013, com um grupo de
12 estudantes e dois professores, todos membros do grupo de pesquisa:
1. Conceituação: a partir da leitura do conceito do cenário, disponível aos participantes no
AVA do grupo de pesquisa, fizemos as seguintes atividades:
-
Montar PERSONAGENS e jogar aventuras de RPG ambientadas no cenário Terra
Nova.
43
-
Registrar, por meio de diários manuscritos ou virtuais, a história da personagem e
os eventos vividos por ela durante as aventuras.
-
Materializar a personagem e seu contexto por meio de concept arts registradas em
cadernos de esboços personalizados.
2. Levantamento: atividade em formato de fórum no AVA com links disponíveis para
pesquisa que consistiu de:
-
Com base na conceituação da sua personagem, pesquise Estilos Visuais que você
gostaria de "canibalizar" e mestiçar com a Arte Nova.
-
Faça também um levantamento iconográfico de locais e culturas que ache
interessantes para misturar ao histórico e contexto da sua personagem.
3. Concepção: alternância de sessões de TNI e Design Poético com atividades de postagem de
produção na forma de tarefas de envio de arquivo ou texto online e de apresentação presencial
dos cadernos de esboços, entre 11/01/13 e 22/03/2013.
Após esse primeiro contato, fizemos uma interrupção no cenário Terra Nova para
preparar o material a ser levado para a oficina ministrada no MASH 2013, em Maastricht,
Holanda, em julho de 2103, com outro cenário, denominado Witchcraft Tales
(http://historias.interativas.nom.br/witchcrafttales), concebido em inglês. De julho a outubro
de 2013 retomamos o cenário Terra Nova objetivando a preparação do material para a oficina
ministrada na SEMAD, já com base na mencionada reestruturação. Organizamos a produção
anterior (concept arts, textos e cadernos personalizados) de modo a dela extrair uma
identidade visual para os baralhos e para os cadernos, atividade que se deu na forma de um
fórum no AVA.
Finalizamos a produção com a elaboração de artes finais para cada personagem, que
passaram a figurar no baralho de coadjuvantes, além de serem postadas no blog Notícias da
Terra Nova.25 Montamos 14 cadernos, 2 para os mestres e 12 para jogadores, tamanho A5
(fechado) utilizando impressões um preto e branco sobre papel offset 75g, encadernados com
papelão e corvim creme, amarrados com barbante.
Os baralhos, pertencentes aos mestres, foram impressos em preto e branco (cartas de
personalidade) e em cores (cartas de coadjuvantes) sobre papel vergê palha 250g com verso
25
http://historias.interativas.nom.br/gazeta/?page_id=559
44
impresso em preto e branco. Os baralhos numerais foram reaproveitados do material da
oficina MASH. Este material foi aplicado na oficina descrita a seguir.
A oficina realizada na SEMAD em novembro de 2013, aconteceu no recém
inaugurado Laboratório Interdisciplinar de Linguagens (LILi). Ela foi realizada em 3 sessões
de 3 horas cada com um total de 24 vagas. O seu principal objetivo era colaborar no
desenvolvimento da competência “Criatividade” de seus participantes. A oficina contava com
uso da TNI no cenário Terra Nova e Design Poético. Ao final tivemos 5 participantes. A baixa
participação pode ter tido como causa o nível de comprometimento necessário para a oficina,
3 sessões de 3 horas, o que inviabilizava a participação em outras oficinas do evento. Três
dos 5 participantes inscritos na oficina enviaram material finalizado para postagem no blog e
um dos participantes faltou à segunda sessão.
A realização dos materiais para a oficina teve um impacto direto na mobilização e
desenvolvimento das competências de Criatividade, Ética e Gestão, dos estudantes do grupo
de pesquisas que os elaboraram.
Influência do método na produção e na aprendizagem, desde as primeiras vivências até
a oficina SEMAD
Avaliando a produção dos estudantes e por meio de entrevistas semiestruturadas
verificamos os seguintes resultados:
-
(A): sentiu necessidade de fazer pesquisa para refinar a personagem; o irmão (11
para 12 anos - sexto ano) pesquisou geografia e mitologia, inclusive conteúdo que
ele estava estudando na escola no momento para auxiliá-la na elaboração de um
mapa de Terra Nova.
-
(B) e (C): fez diferença para eles ter afetividade e prazer como motivadores para
pesquisar coisas que nunca teriam pesquisado.
-
(D) e (A): trabalharam questões pessoais e psicológicas na sua produção.
-
(D): a primeira versão da personagem foi burocrática; quando assumiu seus
desejos, a relação com a personagem ficou prazerosa e interessante; o método
facilitou desenhar a partir de referências, coisa que não gosta de fazer; achou bom
poder mudar e agregar coisas à personagem conforme foi jogando; gostaria que as
consciências participassem mais por meio da própria narrativa; auxílio ao jogador,
45
e não à personagem; sentiu falta de ver a produção dos colegas; achou que a
produção foi pouca por parte deles mesmos.
-
(E): pesquisar coisas contemporâneas e misturar com Fantasia foi prazeroso.
-
(F): criou a personagem com base no fato de ele ser jogador iniciante, transferindo
isso para a inexperiência da personagem; pesquisou o cenário e fez uma conexão
com a Bahia; escolheu como referência estilística a paleta de cores da ilustradora
Lisa Frank.
-
Carlos (professor colaborador): viu um aumento de produção quando houve meta
clara (prazo, obrigatoriedade etc) e não duvida que a equipe foi influenciada
positivamente.
-
Eliane (professora do IAD-UFJF): sugeriu a realização de um "teste
antropofágico" para analisar e avaliar a produção, realizado ao final do
experimento.
Teste Antropofágico: Análise dos Resultados
Concentramos a análise nas artes finais das cartas de coadjuvantes, produzidas pelos
membros do grupo de pesquisa e por uma participante da oficina e na produção dos outros
dois participantes da oficina que resultaram em textos escritos.
Premissas do cenário:
-
Antropofagia visual: recombinação de repertórios iconográficos e estilísticos do
cenário com repertórios iconográficos e estilísticos do/a participante, mobilizados
e/ou apropriados.26
-
Pilhagem Narrativa: recombinação de repertórios narrativos do cenário para com
repertórios narrativos do/a participante, mobilizados e/ou apropriados.
Perguntas respondidas coletivamente:
1.
Houve mobilização e/ou apropriação de estilos visuais que não apenas o
estilo de base (art noveau) disponível? Quais?
2.
O estilo visual da carta apresenta satisfatoriamente o conceito do cenário?
26
Repertórios mobilizados narrativos, iconográficos e estilísticos: são todos os repertórios dos participantes
anteriores à oficina; repertórios apropriados narrativos, iconográficos e estilísticos: apresentados e/ou adquiridos
no decorrer da e após a oficina.
46
3.
Houve mobilização e/ou apropriação de iconografia que não apenas a
iconografia tolkieniana disponível? Quais?
4.
A iconografia da carta descreve satisfatoriamente o conceito da personagem?
Os resultados são descritos pelo nome da personagem retratada na carta.
Personagem
Respostas
Verona
1. Não.
2. Sim: as cores dão sensação de fantasia não europeia.
3. Vivienne Westwood e João Pimenta (estilistas) e Steam Punk.
4. Linguagem corporal, arma, cores.
Iridês
1. Sim: Romero Britto, Abdias Nascimento.
2. Sim: cores; vestuário; tropicália.
3. Sim: folclore.
4. Sim.
Harry
1. Não.
2. Não.
3. Sim (ver referências).
4. Parcialmente; falta o aspecto "malandro".
Tiana
1. Sim: medieval/ gótico.
2. Sim: vestuário, mobília, estampa.
3. Sim: fisionomia, idem 1.
4. Sim: linguagem corporal.
Landaus
1. Nem art nouveau.
2. Não: muito Game of Thrones; pouco tropical.
3. Parcialmente.
4. Parcialmente: falta detalhamento, individualização.
Sheherazade
1. Sim.
2. Sim.
3: Sim; folclore árabe; folclore brasileiro.
4. Parcialmente; falta o aspecto mágico.
47
Athos
1. Sim: pré-colombiano.
2. Sim: vestuário, acessórios, estampas; indígena; semita.
3. Sim.
4. Parcialmente; o aspecto comerciante não está muito evidente.
Florenti
1. Sim: estilo pessoal; Disney.
2. Parcialmente; muito "Game of Thrones".
3. Sim.
4. Parcialmente; falta o aspecto mágico; vestuário não funcional.
Aruma
1. Sim, rupestre, indígena.
2. Sim.
3. Sim, idem 1.
4. Não, falta vestuário, equipamento; pode ser tanto mateiro quanto xamã.
Deleite
1. Sim, cordel, modernismo, arte africana.
2. Sim, chita.
3. Sim, idem 1, vestuário, estampa, fisionomia.
4. Não, faltam as armas e linguagem corporal.
Helea
1, 2 e 3. Sim.
4. Não, falta linguagem corporal e vestuário, mostra só a garçonete, não a
guerreira.
Asa
1. Sim, pré-colombiana.
2 e 3. Parcialmente, a iconografia pré-colombiana perde força diante do
restante.
4. Não, falta linguagem corporal e equipamento.
A nossa análise revelou que houve de fato um processo de pesquisa e combinação de
diferentes repertórios pelos alunos na elaboração dos materiais por eles apresentados nos
diferentes suportes narrativos. Após os resultados do teste, alguns dos estudantes refizeram
suas cartas.
Por meio de entrevistas não estruturadas verificamos que os estudantes consideraram a
atividade interessante e propulsora do desenvolvimento das competências em questão somada
à de produção de imagens significativas, sendo também esta a nossa percepção após a
48
avaliação do material por eles produzido. A atividade trouxe uma alternativa produtiva às
aulas expositivas e já está em andamento na disciplina Ilustração do primeiro ciclo do
Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design da UFJF e na disciplina Oficina de Projeto de
Material Didático da Licenciatura em Artes Visuais, do segundo ciclo.
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50
JOGO E COMUNICAÇÃO:
O RPG COMO MÍDIA
Matheus Capovilla Romanetto27
RESUMO:
Partindo de um contraste entre formulações teóricas clássicas a respeito do caráter
sócio antropológico do jogo, o artigo procura investigar alguns componentes da interação
lúdica que podem contribuir para diferenciá-la como forma específica de relação social,
especificamente no caso do RPG de mesa.
PALAVRAS CHAVE: RPG; Comunicação; Jogo; Linguagem; Ação.
ABSTRACT:
After discussing some classic formulations on the socio-anthropological character of
the game, the article investigates components of the interaction between players which might
contribute to differentiate it as a specific form of social relation, specifically in the case of
RPG board.
KEYWORDS: RPG; Communication; Game; Language; Action.
Introdução – Formulação de um problema
Huizinga aponta, em seu Homo ludens, que “as comunidades de jogadores tendem a
tornar-se permanentes, mesmo depois de acabado o jogo”28, formando clubes,
institucionalizando de algum modo sua vida comum. Ora, certamente vários dos jogadores e
pesquisadores do universo do Role-Playing Game, ou RPG, já tiveram ocasião de conhecer
grupos que confirmavam essa impressão. Se nos permitíssemos sustentar sobre esse tipo de
evidência anedótica à crença em Huizinga, teríamos ocasião de levantar o problema
sociológico mais sério de tentar compreender: de onde emana tal propensão? Quais aspectos
da atividade lúdica – supondo-se que é nela que se encontra o segredo do vínculo comunitário
27
Graduando em Ciências Sociais, com habilitação em Sociologia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP).
28
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva. 1971. p. 15.
51
– deveriam ser apontados como responsáveis pela durabilidade das relações entre seus
jogadores? Uma pesquisa que, partindo de tais premissas, pretendesse esgotar o assunto,
deveria dispor-se a reconstruir a história da formação desses grupos; buscaria, na interação
entre o sentido privado da participação de cada jogador, de um lado, e a estrutura do jogo, de
outro, o esquema de relações que faculta aos participantes de uma partida, a extensão de seus
laços para além do tempo e do espaço da brincadeira. Não sendo possível um esforço de
tamanha dimensão, creio que alguns traços de minha vivência, tanto como jogador quanto
como observador, reunidos no curso dos anos, e elaborados em torno de um conjunto de
referências teóricas clássicas, podem ajudar a apresentar um caminho para a solução daquele
enigma. Antes, porém, é necessário formulá-lo de maneira mais precisa.
A “comunidade de jogadores”, tal como a concebe Huizinga, é dotada de algumas
características peculiares. Segundo o historiador, é próprio da experiência de seus integrantes
que possuam certa “sensação de estar ‘separadamente juntos’, afastando-se do resto do mundo
e recusando as normas habituais” – fenômeno este que “conserva sua magia para além da
duração de cada jogo”29. Esses grupos são marcados ainda por uma “tendência a rodearem-se
de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces
ou de outros meios semelhantes”30. Tanto na esfera da experiência subjetiva do lúdico, quanto
na das manifestações simbólicas do vínculo que ele ajuda a criar, o tipo que Huizinga faz da
relação entre os jogadores tende simultaneamente a uma aproximação entre os indivíduos
inseridos na atividade, e ao seu afastamento em relação àqueles que não participam do jogo.
Essas duas qualidades parecem encontrar uma síntese adequada na noção de que o
jogo estimula a diferenciação de seus membros em relação às formas de cultura que os
rodeiam. O mais importante para nossos fins é notar que, segundo o autor, esse efeito do
elemento lúdico conserva-se mesmo quando os jogadores não se encontram no interior da
partida. Mais que isso: o “domínio lúdico” chega a ser elevado a modelo de todos os
“agrupamentos sociais permanentes”, e isso “sobretudo nas culturas arcaicas, com seus
costumes extremamente importantes, solenes e sagrados”31.
A súbita aparição dessa referência etnológica explicita a necessidade de remeter a
ideia de “diferenciação” ao conceito específico de “jogo” construído por Huizinga. Se as
29
Ibid., p. 15.
Ibid., p. 16.
31
Ibid., p. 15.
30
52
culturas ditas arcaicas logram apresentar-se como exemplo da constituição de uma
“comunidade de jogadores”, é porque a noção de “lúdico”, tal como formulada pelo
historiador, abrange um domínio muito maior do que aquele que geralmente denotamos por
“jogo”, no uso comum do termo português. A fórmula de Huizinga inclui manifestações
religiosas, como o ritual e o culto32, e também artísticas, como o teatro e a execução
musical33; flerta eventualmente – mas não necessariamente – com o humor e o riso34,
guardando, enfim, uma relação equívoca com o fenômeno da seriedade35. Tanto quanto o jogo
pode representar um momento de “relaxamento das tensões da vida quotidiana”36, é possível
que seja vivido num estado de completa apreensão. Ele é capaz de “absorver o jogador de
maneira intensa e total”37, pois envolve sempre a incerteza quanto aos resultados da partida –
principalmente quando ela toma a forma de uma competição entre os indivíduos. Nesses
casos, a honra dos jogadores entra em disputa, e o comportamento de cada um evidencia “o
desejo de ser melhor que os outros, de ser o primeiro e ser festejado por esse fato” 38. Aquilo
que, em última instância, deve culminar na formação de um sólido laço entre os jogadores, é
mediado, na performance da partida, por um profundo elemento agonístico, que Huizinga
interpreta como expressão da necessidade que sentem os homens de lutar.
A aparente contradição entre o caráter combativo da competição, de um lado, e a
conotação positiva da “diferenciação” a que tendem as comunidades de jogadores, de outro,
resolve-se em um aspecto importante dessa tendência belicosa. Para Huizinga, o componente
agonístico fica estritamente circunscrito à duração da atividade lúdica. O jogo apresenta-se
sempre como evento que “não tem contato com qualquer realidade exterior a si mesmo [...] e
contém seu fim em sua própria realização”39. Por isso, o sentido do conflito só se preserva no
processo da partida, extinguindo-se tão logo ela tenha fim; e a constituição do vínculo
comunitário, que sobrevive a esse término, deve ser antes entendida como consequência
colateral do que como finalidade do lúdico. Traduzindo a tese para o jargão sociológico
clássico, poder-se-ia dizer que a sedimentação das relações do grupo é função do jogo, mas
32
Cf. Ibid., p. 23.
Cf. Ibid., p. 8 e p. 44.
34
Cf. Ibid., p. 9.
35
Cf. Ibid., p. 8.
36
Ibid., p. 226.
37
Ibid., p. 16.
38
Ibid., p. 58.
39
Ibid., p. 226.
33
53
não o seu sentido imediato. Ele “naturalmente contribui para a prosperidade do grupo social,
mas de outro modo, e através de meios totalmente diferentes da aquisição de elementos de
subsistência”, ou da “satisfação imediata das necessidades biológicas”40. Não pode, portanto,
ser explicado por nenhum tipo de reducionismo biopsicológico, devendo ser considerado
como fenômeno da ordem da cultura, dotado de significação e sentido próprios.
O aspecto anti-utilitário do jogo, sua caracterização como atividade “desligada de todo
e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro”41 é, aliás, um dos
atributos que permitem a Huizinga englobar num só conceito dimensões tão diferentes da
cultura quanto as que mencionamos. O historiador crê que, ao lado de sua qualidade
desinteressada, o que têm em comum o jogo de tabuleiro, o ritual e o teatro, é uma série de
características facilmente enumeráveis. Em primeiro lugar, todos eles são empreendidos de
maneira voluntária42. Em segundo lugar, são praticados dentro de um tempo e de um espaço
próprios, “previamente delimitado(s), de maneira material ou imaginária, deliberativa ou
espontânea”43, que circunscrevem um domínio separado do cotidiano. O jogo “transfere os
participantes para um mundo diferente”44, e por isso mesmo “tem, por natureza, um ambiente
instável”45. A realidade ameaça constantemente violar a cooperação lúdica, desfazendo o
feitiço que a segrega da vida comum.
Uma terceira característica de todas as formas de jogo é que elas se organizam
“segundo uma certa ordem e certas regras”46 – o que as torna, para Huizinga, aparentadas ao
terreno da estética e da beleza. Algumas qualidades que já mencionei antes – a relação
equívoca com a seriedade, de um lado, e a própria tendência à formação de comunidades, de
outro – completam, finalmente, o quadro de atributos comuns a esses fenômenos. No que
concerne aos princípios que governam a ação interior a eles, pode-se reduzi-los a uma dupla
de fatores básicos. Em todo empreendimento lúdico, acontece “uma luta por alguma coisa ou
a representação de alguma coisa”, podendo haver uma mistura entre essas duas funções, de
modo que o jogo passe a “‘representar’ uma luta, ou, então, se torne uma luta para melhor
40
Ibid., p. 12.
Ibid., p. 16.
42
Cf. Ibid., p. 10.
43
Ibid., p. 13.
44
Ibid., p. 22.
45
Ibid., p. 24.
46
Ibid., p. 16. Grifo meu.
41
54
representação de alguma coisa”47. Nesses casos, confunde-se a ânsia humana de lutar com sua
faculdade de imaginar. “Representar”, para Huizinga, “significa mostrar, e isto pode consistir
simplesmente na exibição, perante um público, de uma característica natural” 48. Mas também
pode envolver a exposição de atos ou objetos que não estão realmente presentes no cenário –
e então eles efetivamente se tornam presentes por meio do jogo. “Mais do que uma realidade
falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é ‘imaginação’, no sentido original
do termo”49. Imaginação e conflito compõem o que poderia ser enfim descrito como aquilo
que faz do lúdico o que ele é: o divertimento, o aspecto que torna o jogo, em última instância,
uma atividade “irracional”50.
Formulado a partir dessas ideias, o problema de definir a natureza específica das
relações entre jogadores ficaria reduzido à tarefa de descobrir: Como é possível que a
atividade imaginativa (e eventualmente competitiva), circunscrita a seu interior como uma
finalidade em si mesma, seja capaz de vincular os jogadores entre si também nos intervalos
entre os jogos? Isto é: dever-se-ia pesquisar que mecanismos específicos facultariam aos
indivíduos sustentar uma nítida diferença em relação às demais pessoas, mesmo quando a
separação mágica entre cotidiano e jogo já se extinguiu. A solução dessa questão coincidiria,
na verdade, com a solução do problema da cultura em geral. Embora contrário à ideia de que
toda forma de atividade humana constitui um jogo, Huizinga não deixa de atribuir ao
elemento lúdico um papel determinante na formação das sociedades humanas. Presente já em
outras espécies biológicas, ele constitui como que a passagem da natureza à cultura, o
substrato inicial, a forma de relação primordial a partir da qual a civilização pôde se
desenvolver (ainda que, em tempos mais recentes, tenha se tornado crescentemente
independente dessa sua raiz)51. O jogo, lembra o autor em seu “Prefácio”, não é elemento na
cultura, mas elemento da cultura52. Ele subsume as propriedades essenciais que permitiram à
humanidade criar as instituições que a distinguem dos outros animais – ainda que o lúdico,
47
Ibid., p. 16-17.
Ibid., p. 17.
49
Ibid., p. 17.
50
Ibid., p. 6. Ver também, para o conceito de divertimento, a página 5.
51
Ibid., p. 229.
52
Cf. Ibid., p. I.
48
55
estando já presente entre eles, ateste também ali a presença do espírito, daquela parcela do
mundo que não se submete ao mecanicismo das leis naturais53.
Um bom ponto de partida para responder a questão assim elaborada talvez se
apresentasse na clássica etnografia de Geertz sobre a briga de galos balinesa. Ali, o jogo se
eleva à metonímia de toda a cultura local; apresenta, na forma enxuta de “uma ficção, um
modelo, uma metáfora”54, aquilo que há de mais essencial no temperamento nativo. Assim
como os jogos de Huizinga, a rinha balinesa possui uma misteriosa capacidade “absorvente”:
engaja os participantes na ação tanto mais quanto maior é o risco da competição entre os
galos55. Reaparece também a separação entre a atividade lúdica e o cotidiano: os
competidores estão sempre cientes de que sua interação se dá numa espécie de domínio de
“faz de conta”, de que nada do que acontece ali dentro altera efetivamente as relações entre
eles em qualquer outro momento56.
Tão logo se enunciam as teses de Geertz, entretanto, as divergências entre sua
concepção e a do historiador holandês tornam-se evidentes. Enquanto, para Huizinga, o
conceito de jogo absorve algumas das formas dos fenômenos culturais estéticos, a análise de
Geertz leva-o à conclusão de que o “jogo absorvente” é melhor compreendido se o
entendemos como uma “forma de arte”, uma “forma expressiva”57 – e isso o enquadra como
algo de natureza diferente, tanto do “rito”, quanto do “passatempo”58. Mesmo a rígida
separação entre o domínio do jogo e o domínio do cotidiano sofre aqui algum desgaste.
Conquanto seja percebida pelos jogadores como realidade separada da vida comum, a rinha
caracteriza-se menos por uma estrutura interna desprotegida diante da interferência de fatores
exógenos, e mais como uma forma de “reunião concentrada” – conceito de Goffman que
Geertz mobiliza para indicar um tipo de contato social “insuficientemente consistente para ser
chamado de grupo e insuficientemente desestruturado para ser chamado de multidão” 59. O
trânsito (da ação) entre o interior e o exterior do jogo tem uma liberdade maior. E, o que é
mais importante, também o trânsito simbólico entre esses espaços apresenta-se como fator
53
Cf. Ibid., p. 6.
GEERTZ, Clifford. “Capítulo 9: Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa”. In: A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. 2008.
55
Ibid., p. 204.
56
Cf. Ibid., p. 206.
57
Ibid., p. 206-7.
58
Ibid., p. 210.
59
Ibid., p. 193.
54
56
explicativo imprescindível. É apenas em referência a motivos oriundos dos conflitos reais
entre os balineses que a rinha encontra seu sentido cultural. Ela constitui, fundamentalmente,
“uma dramatização das preocupações de status”60 – isto é, uma ilustração dos traços
agonísticos que a própria estrutura social da Indonésia impõe às relações entre indivíduos.
Essa mediação entre o exterior e o interior ao lúdico é dada por uma “semântica social” 61, um
sistema simbólico que alimenta simultaneamente esses dois espaços, sem respeitar as
fronteiras que Huizinga imputava à brincadeira. Em consequência disso, se admitirmos a
visão de Geertz, redundamos na ironia de que, precisamente os fatores de sua análise que
poderiam nos auxiliar a entender a continuidade das relações entre jogadores na vida real,
acabam por arruinar a perspectiva de nos ater à problemática do lúdico em sua formulação
huizingiana.
Para o antropólogo americano, o que permite à rinha que opere como tradução das
relações sociais reais é, em primeiro lugar, a identificação dos donos dos galos com seus
animais62. Atividade praticada apenas pelos homens, o jogo absorvente encontra na figura do
galo um curioso representante do pênis, e através dele, de todo o orgulho masculino dos
jogadores, componente relevante na definição de seu status, ou prestígio social. Ao mesmo
tempo, a violência com que as aves se altercam simboliza, para os balineses, a animalidade
mais radicalmente oposta a tudo que identificam como tipicamente humano e civilizado63.
Postas essas relações ambivalentes, pode-se dizer que “[é] apenas na aparência que os galos
brigam ali – na verdade, são os homens que se defrontam”64. A partir desse miolo, a luta por
status irradia para todos os demais observadores da rinha, conforme sua relação (de
parentesco ou afinidade) com os donos dos galos. Constrói-se toda uma ética para presidir às
apostas referentes às brigas entre os animais, cuja base não se encontra em algum tipo de
“regra interior” ao jogo, e sim nas relações comuns entre os indivíduos. Assim, requer-se de
amigos e parentes que tomem o partido de seus respectivos colegas e consanguíneos;
similarmente, aqueles que se apresentam cotidianamente como rivais investem freneticamente
contra os galos de seus oponentes65. Apostar contra a ave de um oponente é apostar contra sua
60
Ibid., p. 202. O grifo é meu.
Ibid., p. 210.
62
Cf. Ibid., p. 188.
63
Cf. Ibid., p. 190.
64
Ibid., p. 188.
65
Cf. Ibid., p. 202-204.
61
57
masculinidade, seu orgulho, seu valor. O risco da aposta monetária fica potencializado pelo
combate social implícito ao confronto entre os animais, e apenas aí se encontra a explicação
para a força com que a rinha absorve a atenção dos participantes.
Apesar de todo esse simbolismo, a briga de galos não pode, para Geertz, ser entendida
como processo de regulação social. E isso porque, em seu caráter dramático, a rinha submetese ao que vale para qualquer outra “forma expressiva”: “só vive em seu próprio presente –
aquele que ela mesma cria”66. O trânsito simbólico entre vida cotidiana e jogo seria ainda
insuficiente para compreender qualquer forma de eficácia do lúdico sobre a conformação das
relações entre jogadores – pois, segundo o autor, essa eficácia não existe. No fim das contas, a
separação entre a rinha e o real triunfa: pois “não se modifica realmente o status de
ninguém”67. Daí que o jogo não possa ser interpretado em termos funcionais (relativamente à
manutenção do prestígio social), mas apenas como “comentário metassocial sobre todo o
tema de distribuir os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois organizar a
maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição”68.
A briga de galos aparece então como texto cultural, como reflexão da sociedade sobre
suas próprias bases. Os balineses descobrem em seus galos uma imagem das paixões que
secretamente governam suas relações, por sob a fria polidez civilizada de cada dia. A função
dos animais não é, portanto, “nem aliviar as paixões sociais nem exacerbá-las”, mas pura e
simplesmente “exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões a o dinheiro”69. A rinha,
finalmente, “não significa uma imitação da pontuação da vida social balinesa, nem uma
representação dela, nem mesmo uma expressão dela – é um exemplo dela, cuidadosamente
preparado” 70, e nada mais.
O que resgata o jogo de Geertz de sua aparente ineficácia social é a própria articulação
semântica por meio do qual ele se apresenta como forma de arte. Se os galos são tão
eloquentes em representar a violência latente da cultura balinesa, é porque, como toda forma
expressiva, atuam “desarrumando os contextos semânticos[,] de tal maneira que as
conveniências
impostas
convencionalmente
66
Ibid., p. 207.
Ibid., p. 206.
68
Ibid., p. 209. O grifo é meu.
69
Ibid., p. 206. O grifo é meu.
70
Ibid., p. 208. O grifo é meu.
67
58
a
certas
coisas
são
impostas
não
convencionalmente a outras, as quais são vistas, então, como as possuindo, realmente”71. A
rinha ilumina traços ocultos da convivência de Bali ao deslocá-los e apresentá-los como
atributos de novos referentes – não mais os homens, mas os animais. A partir de então, ocorre
como que uma “utilização da emoção para fins cognitivos”72. A excitação, o desespero, o
prazer sentidos pelos homens durante as brigas comunicam, no instante de sua vivência, a
semelhança entre a cena que presenciam e a constituição de sua sociedade, de seu próprio
arranjo subjetivo. Ora, ocorre que, “porque essa subjetividade não existe até que seja
organizada dessa forma, as formas de arte originam e regeneram a própria subjetividade que
elas se propõem exibir”73. Na recepção estética da pequena encenação animal de sua cultura,
os balineses reproduzem a forma de sensibilidade que os constitui como representantes
daquela sociedade.
A interpretação de Geertz traz algumas lições para uma reformulação de nossa questão
inicial. Em primeiro lugar, lembra-nos de que não chegaremos muito longe se, como
Huizinga, nos deixarmos seduzir pela conotação positiva que a sociologia clássica imputou ao
conceito de “comunidade”. Num jogo como o balinês, a belicosidade entre os indivíduos
existe, não apenas no escopo do imaginário, mas também no da “realidade” social
propriamente dita. Afinal, não se pode excluir a violência como fundamento de contatos
sociais duradouros. Ela pode produzir vínculos tão sólidos quanto a colaboração – ou,
formulado à moda de um velho enunciado psicanalítico: “os sentimentos hostis constituem
um vínculo emocional, tanto quanto os afetuosos, assim como a atitude desafiadora indica a
mesma dependência que a obediência, mas com o sinal trocado”74. A produção de laços
colaborativos entre jogadores deve ser entendida como um caso particular, dentre outros
possíveis, e que exigem igualmente uma explicação.
Uma segunda lição geertziana é que, não só o trânsito entre cotidiano e jogo é
possível, como às vezes constitui a condição para que a atuação dos jogadores tome a forma
que toma. É preciso investigar em que circunstâncias o jogo se desenrola conforme suas
necessidades interiores, mas também em quais outras ele sofre interferência de motivos
externos. Aqui, como no parágrafo anterior, assumo que a melhor alternativa é tentar explicar
71
Ibid., p. 209.
Ibid., p. 210.
73
Ibid., p. 211. O grifo é meu.
74
FREUD, Sigmund. “A transferência”. In: Conferências introdutórias à psicanálise (Obras completas,
volume 13). São Paulo: Companhia das Letras. 2014. p. 587.
72
59
cada caso de maneira simétrica e estrutural; isto é, que devemos chegar a bons resultados se
procurarmos conceber cada manifestação empírica do lúdico como um arranjo, dentre outros
possíveis, de um conjunto de elementos comuns, aos quais esperamos poder remeter a
totalidade dos casos.
Um curioso retrato dessas concepções encontra-se – desde que me permitam a
metáfora – em um antigo texto de Mauss, preocupado com assuntos muito diversos dos que
aqui nos interessam. Discorrendo sobre os fenômenos de civilização (isto é, de empréstimos
culturais, e de subsequente formação de comunidades culturais internacionais), já o
antropólogo apontava, de um lado, que a produção dessas comunidades pode dar-se mediante
“contatos prolongados, amigáveis ou belicosos” – “porque a guerra, por necessidade, é uma
grande emprestadora”75; de outro lado, que explicar os caminhos percorridos pelos elementos
típicos de cada civilização exige que nos atentemos, não só àquilo que efetivamente aconteceu
historicamente, mas também ao que não aconteceu. “O domínio do social”, diz Mauss, “é o
domínio da modalidade”76.
Toda conformação cultural representa uma possibilidade dentre outras, de modo que,
na consideração dos empréstimos entre sociedades, é preciso também levar em conta o “nãoempréstimo, a recusa do empréstimo mesmo útil”77. Acredito que, similarmente, a
problemática da natureza do vínculo entre os jogadores não estará bem formulada se,
concentrando-nos apenas nas “comunidades” organizadas de maneira colaborativa, deixarmos
de lado aquelas que incorporam, também na vida exterior ao jogo, seu elemento conflituoso;
ou se excluirmos as comunidades que não se formaram, os jogos que não tiveram sucesso em
cumprir com a “tendência” criativa que a tese de Homo ludens lhes atribui. Questionar-nos a
respeito dos componentes do lúdico que estimulam a produção de comunidades exige que nos
perguntemos, simultaneamente, sobre aqueles seus elementos que resistem a esse resultado.
Segundo me parece, apenas na compreensão das contradições possíveis entre esses fatores, e
das várias formas híbridas possíveis entre a pura colaboração e o puro conflito, será possível
encontrar uma resposta adequada ao enigma sugerido por Huizinga.
75
MAUSS, Marcel. “As civilizações – elementos e formas”. In: Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.
1999.
76
Ibid., p. 486.
77
Ibid., p. 487.
60
Não é por acaso que nomeio minha problemática com o sobrenome do historiador
holandês. A aparição desse autor em toda a primeira metade desta seção não tem apenas a
função de criticá-lo sob as prerrogativas da hermenêutica cultural. Se é verdade que Geertz
permite atualizar algumas das teses de Huizinga, é também verdade que uma análise inspirada
exclusivamente em suas conclusões tornaria impossível a formulação do problema que nos
propomos. Para o antropólogo americano, não apenas o jogo, mas toda “ a cultura de um povo
é um conjunto de textos”78. Sua técnica interpretativa acaba diluindo o lúdico como apenas
uma forma dentre outras de auto ilustração da cultura: com isso, a questão de investigar o que
há de específico na interação entre jogadores deixa o horizonte da pesquisa. Se continuo a
sustentá-la como uma pergunta pertinente, é porque creio que a empiria – aquilo que
anteriormente sinalizei como a “evidência anedótica” de minhas pesquisas e das de outros –
dá indícios de que pode haver aí algo de interessante a se descobrir. Feitas todas as correções
e petições de princípio, o problema com que nos deparamos deixa de ser uma busca sobre os
elementos do jogo que tenderiam à produção de relações humanas duráveis e diferenciadas, e
passa a ser algo de natureza mais ampla: – Há algo de específico nas relações entre
jogadores? Se houver, qual é essa especificidade? Que formas essas relações tomam, e em
que circunstâncias? Segundo quais mecanismos elas o fazem?
A continuação deste texto propõe-se, não como resposta para esses enigmas de grande
alcance, mas como contribuição parcial à sua futura resolução, a partir da experiência com um
tipo específico de jogo: o RPG de mesa, usualmente jogado a partir de um cenário e um
conjunto de regras fornecidas em livro, com o auxílio de fichas de personagem e instrumentos
de cálculo de probabilidades (dados, cartas, fórmulas matemáticas) que coordenam, ao todo
ou em parte, a ação dos jogadores, orientada à construção coletiva de uma ou mais narrativas.
Naturalmente, a variedade de regras e finalidades possíveis em cada jogo, redobrada pelo fato
de que os jogadores podem sempre selecionar as normas e propostas que mais lhes convêm,
exige uma atenção especial às configurações específicas que as partidas tomam, de caso a
caso. Minha expectativa é que as proposições seguintes, situadas em um plano de abstração
razoável, sejam capazes de ordenar de maneira proveitosa essa multiplicidade de
performances reais. O leitor notará que mesmo alguns dos RPGs que utilizo em minha
explicação escapam, de algum modo, ao modelo rapidamente esboçado nas últimas linhas.
78
GEERTZ, Clifford. Op. Cit., p. 212.
61
Confio também à crítica deste texto a possibilidade de verificar em que casos minha
elaboração se revela insuficiente, ou mesmo de estendê-la a situações para as quais não estava
prevista (os LARPs – Live Action Role-Playing Games –, quiçá também outros gêneros de
jogo).
Finalmente, no que concerne à própria diferença do conceito de jogo em Geertz,
Huizinga e outros autores, também não disponho de solução definitiva. As relações entre o
lúdico, o estético, o religioso, e diversas outras formas de manifestação cultural, constituem
uma polêmica viva em vários domínios da teoria social, e o parcimonioso material de que
disponho seria insuficiente para qualquer avanço de fôlego na controvérsia. Nem por isso
deixarei de apontar, muito brevemente, quando julgar pertinente, alguns contrapontos entre o
RPG e outros empreendimentos coletivos, que podem vir a ser de utilidade. Postas as
ressalvas, avancemos ao problema.
RPG como negociação
O ponto em que a formulação de Geertz exclui uma interpretação do jogo como
produtor de relações sociais é aquele em que se revela sua dependência da existência anterior
de contato entre os jogadores. Todo o simbolismo da rinha só encontra sua eficácia parcial
porque os participantes daquele evento mantêm, antes da briga como depois, contatos sociais
de outras naturezas. Olhado dessa perspectiva, o lúdico só consegue ser visto como algo que
reproduz uma índole cultural já existente. Ora, uma das características marcantes de algumas
formas de jogo – o RPG incluso – é justamente sua independência de contatos pessoais
prévios entre os indivíduos para que a partida consiga se organizar. Fiando-se nas regras ou
convenções acerca de como a ação deve suceder, completos desconhecidos são perfeitamente
capazes de levar adiante uma tarde satisfatória de entretenimentos. É possível constatar esse
caráter auto organizativo das regras em eventos de divulgação ou comercialização de jogos,
em que os visitantes partilham suas experiências em contexto de relativo anonimato. Às vezes
isso é possível até mesmo com jogos que nunca foram provados antes – isto é, com regras que
estão sendo aprendidas e aplicadas pela primeira vez. Outro caso é aquele em que um círculo
de jogadores recebe um iniciante, e ele é capaz, a despeito do anterior desconhecimento
62
daquelas pessoas ou da forma de atividade que empreende, de integrar-se mais ou menos bem
à ação.
Apontamentos como esses estimulam-nos a estratificar melhor a questão com que
estamos lidando. Quando nos perguntamos sobre a continuidade das relações entre jogadores
no tempo, é possível pensar em pelo menos três casos: (i) jogadores que se encontram
exclusivamente para fins de jogo; (ii) jogadores que já tinham algum tipo de vínculo anterior,
e integraram a atividade lúdica às suas demais formas de contato; (iii) jogadores que se
conheceram enquanto tais, e em seguida expandiram suas formas de interação para domínios
extra-lúdicos. É de se esperar que a multiplicidade de biografias possíveis frustre um
ordenamento tão regular dos fatos. Considero, apesar disso, que essa divisão ajuda a
especificar um caminho para trabalhar os temas que propus.
Em situações como a do primeiro caso, a tentativa de especificar os componentes
definidores da relação entre jogadores envolve perguntas como: “por que os indivíduos
voltam a se encontrar? É apenas pelo divertimento, ou há algo mais na interação que os
estimula ao retorno? Chega a ser relevante, de um ponto de vista de subjetivo, que estejam
jogando precisamente com aquelas pessoas, e não com quaisquer outras?”. – No segundo
caso, um conjunto de dúvidas iniciais envolveria os seguintes pontos: “a prática do jogo
implica uma mudança na forma como as relações se desdobravam anteriormente? Se sim, de
que maneiras isso acontece? Que lugar toma o jogo na vida daquele grupo, desde que sua
prática passa a ser cultivada?”. – O terceiro caso, segundo me parece, incorpora questões
muito similares às do segundo, com o detalhe de que agora seria importante precisar, dada a
ausência de um parâmetro inicial quanto às formas de relação entre aquelas pessoas, se é
possível efetivamente apontar uma ação do jogo sobre as demais empresas comuns do grupo,
ou se aquela “expansão” deve ser considerada como um processo independente, desvinculado
do tipo de contato estabelecido em contexto lúdico.
Infelizmente, não disponho de narrativas sobre a formação de grupos reais de
jogadores, nem em quantidade, nem em qualidade suficiente para uma consideração separada
de cada um desses casos possíveis. Por isso, minha estratégia para chegar ao menos a uma
solução parcial será uma tentativa de apontar se, formal e abstratamente, é possível enxergar
alguma forma de homologia ou comunicação entre o âmbito do jogo e outros terrenos de
63
interação entre os jogadores, que viabilize a “expansão” de determinados padrões de ação e
pensamento a domínios da experiência diferentes daqueles em que eles se originaram.
É conveniente, para uma formulação precisa do argumento, que retomemos a velha
distinção weberiana entre o sentido da ação e seus motivos79. Numa interpretação sumária,
pode-se dizer que a primeira categoria informa o pesquisador acerca das intenções
(conscientes ou não, unívocas ou não) que governam o comportamento do agente: ela
responde à questão: “para quê se fez isso?”. Já os motivos constituem o fundamento da
escolha daquelas intenções como algo pertinente ao sujeito; respondem à questão: “por que se
fez isso?”. Ora, se admitimos essa dicotomia, o RPG de mesa pode ser concebido na forma de
uma estrutura tripartite, isto é, como um conjunto de três princípios diferentes de ordenação e
interpretação da ação, sobrepostos uns aos outros. Cada um deles subscreve um tipo
específico de motivo, e ao mesmo tempo fornece um contexto específico, em função do qual é
possível significar o sentido pretendido dos atos.
Ao nível da narrativa – daquilo que é propriamente imaginado e construído
coletivamente pelas falas dos jogadores –, as relações entre indivíduos tomam a forma de
relações entre personagens80. O jogador usualmente dispõe de uma persona diferente de si
mesmo, de cujo caráter, melhor ou pior elaborado, espera-se sentir consequências no
andamento da partida. Este é o que eu gostaria de denominar o plano ficcional. Acima da
narrativa, do jogo propriamente dito, estão as relações reais entre indivíduos, sejam elas quais
forem – previamente inexistentes, afetuosas, hostis, profissionais, etc. Trata-se do plano real.
Finalmente, entre essas duas camadas, encontra-se o que pretendo denominar o plano
normativo. No interior dessa sub-estrutura, os participantes do jogo não aparecem, nem como
personagens, nem como selfs realmente atuantes, mas como jogadores abstratos, dialogando
entre si a fim de viabilizar a continuidade da interpretação.
Penso que o conceito da estrutura tripartite, conquanto formulado por mim, pode
guardar uma pretensão de validade do ponto de vista subjetivo dos jogadores. Existe um
esforço por manter uma separação nítida entre esses três estratos, que confirma a existência de
algum gênero de fronteira entre o jogo e seu entorno. Ele transparece nas ocasiões em que os
79
WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In: Economia e sociedade, volume 1. Brasília:
Editora UnB. p. 3-13.
80
Reúno, sob este conceito, tanto as encarnações fictícias de que os jogadores são portadores, quanto os
elementos do cenário, que em alguns jogos são controlados por um indivíduo específico: o mestre, ou narrador,
responsável por conduzir e direcionar a narrativa.
64
próprios jogadores sentem a necessidade de estipular um código que indique em qual camada
exatamente estão situados. Não raro, sinais como o de levantar uma das mãos, ou mais
diretamente anunciar que se está falando fora do cenário da ficção, são convencionados para
evitar confusões na continuidade dos discursos. A falta de uma sinalização clara do contexto
em que as mensagens devem ser interpretadas chega mesmo a ser prerrogativa para piadas: o
jogador que enuncia algo que, dito por seu personagem, poderia trazer problemas para ele, é
ameaçado jocosamente de “ser levado a sério” pelos demais. No todo, o desenvolvimento da
partida pode ser visto como uma constante flutuação – mais ou menos livre conforme o caso –
entre os três planos estruturais indicados.
De modo geral, esse trânsito entre camadas não apenas é possível, como também
necessário. Toda forma de jogo que intercale às decisões imediatas algum tipo de regra – por
exemplo, a rolagem de dados para decidir se uma ação foi eficaz – impõe, necessariamente,
que os intérpretes deixem a ação de seus personagens em suspenso, pelo menos até que os
resultados estejam definidos. A dependência, em vários RPGs, de que um narrador (ou
mestre) vá apresentando gradualmente o cenário em que se encontram os jogadores tende
também a proporcionar momentos de suspensão da imaginação – para tirar dúvidas, contestar
o que foi descrito, etc. Ademais, mesmo abstraindo-se desses fatores oriundos das regras do
jogo, parece realmente difícil que uma partida tenha curso absolutamente sem interrupções do
cenário fictício. Poder comentar, enquanto indivíduo “real”, o que está acontecendo no jogo, é
por vezes parte integral da possibilidade de divertir-se com aquela atividade; e, o que talvez
seja mais determinante, toda forma de desacordo sobre os rumos da história encontra, nas
camadas normativa e real, um espaço de mediação. Desse ponto de vista, o RPG aparece,
menos como a construção de uma história, e mais como um jogo de negociação.
Acredito que os conceitos apresentados até agora ganham uma concretude maior, se os
mobilizamos na tentativa de responder: o que determina o desenvolvimento da ação dos
jogadores no tempo? Aqui, uma pequena comparação pode mostrar-se útil. Quando uma
pergunta como essa é feita tendo por objeto, não os jogos, mas os rituais, descobrem-se alguns
contrastes interessantes. Sem pretensão de empreender uma revisão extensa, parece-me justo
afirmar que, em várias de suas análises mais conhecidas, a antropologia encarou o ritual como
algo reconhecível pela repetição (previsível) de determinadas condutas. Há, em primeiro
lugar, uma regularidade da ação, na medida em que a estrutura do rito prescreve maneiras de
65
se comportar a seus participantes. Em segundo lugar, descobre-se uma regularidade de
significação, pois a prática é ao mesmo tempo revestida e coordenada por determinado
simbolismo. Finalmente, em alguns casos, torna-se possível falar de uma regularidade
histórica do ritual – na medida em que ele ocorra sempre em momentos preestabelecidos do
calendário social81. A inferência de uma estrutura (social e simbólica) do rito revela, então,
que as posições de cada indivíduo ali presente mostram-se funcionalmente adequadas à
concretização da sequência de atos previstos. Ora, no RPG de mesa, um esquema como esse
não é aplicável sem modificações. Deixando de lado a questão de saber em que momentos, e
com que regularidade temporal, os jogadores voltam a se encontrar, é possível dizer de
antemão que não existe algo como uma regularidade da ação. Pelo contrário: a narrativa é,
desde o início, imprevisível. Cada partida leva a um resultado diferente, irreprodutível em
quaisquer outras circunstâncias. A incerteza é vigente. Quanto ao esquema de signos que
participam da coordenação da interpretação, tampouco pode-se afirmar com segurança, a
priori, que seja conhecido regularmente por todos os jogadores. Mesmo no que concerne ao
cenário proposto para o jogo, pode haver diferenças consideráveis no conhecimento de cada
integrante da partida; e ela só tende a aumentar, quando levamos em conta que essencialmente
qualquer componente do capital cultural dos indivíduos pode encontrar uso durante a
narrativa, conforme as circunstâncias. O desenvolvimento da narrativa não pode, pois, ser
compreendido a partir de uma norma dada anteriormente, mas como algo que, não sendo
completamente livre, tampouco deixa-se subsumir a um conjunto limitado de eventos
possíveis.
Lévi-Strauss parece haver intuído algo dessas diferenças, quando, em uma pequena
passagem d’O pensamento selvagem, afirma:
Todo jogo se define pelo conjunto de suas regras, que tornam possível um número
praticamente ilimitado de partidas; mas o rito, que também se ‘joga’, parece-se mais
com uma partida privilegiada, retida entre todas as possíveis, pois apenas ela resulta
em um certo tipo de equilíbrio entre os dois campos 82.
81
Ver, por exemplo: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins
Fontes. 1996. Também: ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo. 1992. Finalmente:
LEACH, Edmund. “Once a Knight is quite enough”. Mana 6(1):31-56. 2000.
82
LÉVI-STRAUSS, Claude. “1. A ciência do concreto”. In: O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus
Editora. 1989. p. 46.
66
O antropólogo aponta, algumas linhas adiante, que há uma diferença crucial entre
essas duas formas de empreendimento cultural. O jogo, para ele, é disjuntivo: parte de uma
simetria inicial (regras iguais para todos os times) e produz desigualdade (vencedores e
perdedores). Já o rito caracteriza-se por ser conjuntivo: parte de uma assimetria inicial (como
aquela entre o sagrado e o profano, por exemplo) e faz com que todos passem para a categoria
dos “vencedores”, para o lado positivo da dicotomia. Sem nos deter em avaliar até que ponto
esses conceitos são aplicáveis universalmente, o importante é notar que também a concepção
lévi-straussiana de jogo contrasta com o tipo de atividade que estamos analisando. No RPG de
mesa, via de regra, não há ganhadores nem perdedores. É claro que alguns destinos são
tipicamente considerados ingratos pelos jogadores: ninguém quer ver seu personagem morrer.
Mas, de modo geral, o RPG escapa a uma classificação simples, quanto à sua natureza
cooperativa ou competitiva.
Elementos dessas duas categorias de jogo podem participar em proporções variáveis
de cada sessão, conforme a índole da mesa e do sistema utilizado. Isso é possível porque, por
um lado, certa medida de “cooperação” é necessária para que a história consiga encontrar uma
direção definida. Se os jogadores insistem em tomar atitudes demasiado idiossincráticas, uma
partida em que todos se encontram inseridos no mesmo cenário tem grandes chances de sair
frustrada. Por outro lado, é parte integrante, se não dos planos normativo e real, pelo menos
do componente ficcional do jogo, que personagens diferentes podem (às vezes devem) entrar
em conflito no interior da história. Alguns jogos, como Paranoia83 e Toon84, trazem
explicitamente a proposta de que a discórdia deve ser um elemento central da interação. O
equilíbrio entre essas formas mais ou menos intensas de competição, e a mínima medida
necessária de colaboração para que o curso dos eventos consiga tomar forma, constitui a
qualidade mais marcante do desenvolvimento de uma partida, seja qual for o sistema em uso.
É precisamente nesse confronto entre harmonia e discordância que o RPG mobiliza o
elemento da negociação. Estando o destino do jogo sempre aberto, e sem que haja, em geral,
uma noção clara sobre os conceitos de vitória e derrota, a partida exige que outros fatores
participem como limitantes do curso da narrativa – isto é, das decisões tomadas pelos
jogadores. É possível compreender essas decisões como motivadas por pelo menos três
princípios normativos: (i) a obediência às regras adotadas; (ii) a fidelidade ao caráter dos
83
84
COSTIKYAN, Greg; ROLSTON, Ken. Paranoia. São Paulo: Devir. 1995.
COSTIKYAN, Greg; SPECTOR, Warren. Toon. São Paulo: Devir. 1996.
67
personagens, conforme interpretados pelos jogadores; (iii) o consenso do grupo sobre o que é
pertinente ou verossímil fazer em cada situação. Cada um desses elementos situa-se em um
dos planos estruturais que delimitei: o primeiro encontra-se no estrato normativo, o segundo,
no estrato ficcional, e o terceiro, no estrato real. Todos eles podem virar objeto de discussão
no curso de uma partida, mas é especialmente o último que confere ao RPG o seu caráter
“diplomático”.
Embora nem sempre haja um acordo explícito sobre o que pode ou não ser feito
durante a partida, acaba-se estipulando um acordo tácito que seleciona o que é considerado
aceitável. Pode-se perceber, por exemplo, que determinadas formas de “desvio” ou de
surpresa constituem pontos de tensão da trama, sendo passíveis de interpretações diversas 85.
Às vezes, esses desvios são percebidos como grandes desenlaces, como algo que acresce ao
mistério ou à empolgação da história. N’outros casos, provocam desconforto, sendo isso tanto
mais explícito quanto mais os indivíduos demonstram reprovação em relação a um agente
específico. Certas formas de agir ou se expressar são discriminadas como típicas daquilo que
Huizinga denomina os “desmancha-prazeres”86. Nesses casos, os jogadores costumam
mobilizar toda uma pedagogia, para tentar evitar que os comportamentos desagradáveis de
seus companheiros se repitam. Pode mesmo acontecer de o indivíduo inadequado ser expulso
da mesa, tornando impossível a continuação de sua interferência sobre o jogo.
Já que as próprias condutas dos personagens são, em alguma medida, um produto
daquele pacto silencioso, a questão de compreender o que determina o desenvolvimento do
jogo pode ser reformulada como a tentativa de descobrir: o que define os parâmetros de
verossimilhança e pertinência da ação? Aqui, estamos diante de um interessante problema de
sociologia da cultura. Usualmente, os elementos constituintes da história são retirados de duas
fontes básicas: (i) a proposta de cenário oferecida pelo livro e pelas regras do sistema; (ii) a
introdução, mais ou menos consciente, mais ou menos central, de referências a outros códigos
simbólicos, cuja inteligibilidade pode estar restrita a alguns poucos jogadores, ou aberta a
todos. Uma discussão detalhada do que faculta aos indivíduos a construção conjunta dos
85
Um aspecto interessante da pesquisa sobre RPG é a maneira como, pela própria constituição de suas regras,
alguns sistemas parecem facilitar a visualização de aspectos do jogo que, em outros livros, apresentam-se de
maneira menos explícita. Em Microscope, os jogadores são estimulados a decidir formalmente, no começo da
partida, quais elementos devem constar em sua narrativa, e quais não podem ser inseridos. Cf.: ROBBINS, Ben.
Microscope. Lame Mage Productions. 2011.
86
HUIZINGA, Johan. Op. Cit., p. 15.
68
conteúdos do jogo a partir desses referenciais excederia os limites deste artigo; mas alguns
apontamentos superficiais não deixam de ter utilidade para o argumento.
Sendo uma atividade intrinsecamente dependente da capacidade de imaginação de
seus integrantes, o RPG é às vezes apresentado como um terreno de libertação da criatividade,
espaço de formação cultural e de desenvolvimento das relações interpessoais. Não pretendo
negar a veracidade de nenhum desses apontamentos; mas penso que, sozinhos, eles não
fornecem uma visão completa do jogo. Com frequência, a observação detecta, na maneira
como as histórias são construídas, não o fruto do improviso criador, mas a presença
praticamente inalterada de determinados tipos ou estereótipos culturais. Isso se aplica tanto
aos motes formais da estrutura narrativa (cenas de combate, introduções de elementos
misteriosos, desenlaces), quanto aos seus conteúdos interiores (funções de personagens, sua
descrição, seu ethos; caracterizações de cenários, etc.).
Esse tipo de chavão, segundo me parece, fornece uma espécie de denominador comum
(consciente ou não) a partir do qual os jogadores podem pensar coletivamente o
desenvolvimento da história, sem que necessitem transformar seu encontro em uma
metadiscussão sobre a lógica do que estão fazendo. Na partida ideal, os momentos de dissenso
entre os personagens ficam subordinados às expectativas coletivas sobre o que constitui um
conflito pertinente; e é apenas em termos da distância entre expectativa (culturalmente
determinada) e atuação real que se pode medir quão inovadora está sendo realmente uma
sessão87.
Os melhores exemplos de que disponho para exemplificar o que digo constam da
observação de partidas de um sistema específico: As Extraordinárias Aventuras do Barão
Munchausen88. Neste jogo, cada indivíduo representa um aristocrata do século XVIII, que
deve improvisar, sozinho, histórias que seus companheiros lhe pedem. Segregando os
jogadores em performances curtas e independentes, o Barão Munchausen elimina muitos dos
elementos de negociação que vim apontando como constituintes do RPG, pois já não se trata
de tomar decisões coletivas no interior de um mesmo enredo. Concentrando as decisões nas
87
Também aqui, a diluição da figura do mestre, que no plano normativo diferencia-se dos demais jogadores,
como um “personagem” dentre outros, obscurece alguns tipos específicos de dificuldade. Os narradores que
preparam previamente suas histórias frequentemente veem-se forçados a tentar defender o curso planejado da
narrativa contra os desvios de seus jogadores. Nessas condições, é preciso levar em conta que a função de mestre
pode dar às preferências desse indivíduo uma probabilidade maior de prevalecerem sobre as outras, mesmo que à
custa da insatisfação dos demais jogadores.
88
WALLIS, James et. al. As extraordinárias aventuras do Barão Munchausen. São Paulo: Devir. 2000.
69
mãos de uma só persona, o sistema acaba por enfatizar a dependência que tem o material
improvisado do repertório cultural de seu autor. Como o objetivo das histórias é que sejam
cômicas, e de algum modo absurdas, frequentemente os jogadores optam por impressionar
seus companheiros com alusões a domínios culturais rechaçados por todos. Assim, de maneira
quase caricatural, numa partida que observei entre estudantes de biologia, a chave do humor
repetidas vezes estava em elaborar um personagem que defendesse firmemente ideias
criacionistas. Assumindo posturas tanto mais fanáticas quanto mais se distanciassem daquelas
crenças na vida real, os indivíduos ironizavam conjuntamente a religião.
De maneira análoga, cheguei a ver um físico que valeu-se do mesmo mecanismo para
elaborar sua história – mas que teve como alvo, ao invés do criacionismo, a filosofia
metafísica do século XVIII. Já tive oportunidade de constatar comportamentos parecidos
relacionados a movimentos sociais, como o feminismo e o ativismo negro, e também a
diferenças étnicas. Em Mago: A Ascensão89, o jogador interpreta um feiticeiro, usualmente
vinculado a uma comunidade que partilha crenças similares à dele. O livro fornece uma série
de arquétipos em que a construção do personagem pode ser modelada, baseados em
componentes de crenças mágicas extraídas da historiografia real. Há um arquétipo inspirado
nas culturas ameríndias, e não é infrequente que os jogadores projetem sobre seus
personagens – embora, neste jogo, sem a obrigação da ironia – os trejeitos que supõem típicos
dos indígenas. Naturalmente, o mesmo pode acontecer com qualquer outro tipo culturalmente
fixado – seja ele referente a uma profissão, a uma sociedade, a um indivíduo, e assim por
diante.
Diante de situações como essas, é forçoso concluir que o RPG é melhor compreendido
se o entendemos como um terreno em que criação e conservadorismo coexistem num
equilíbrio tenso. É verdade que cada partida abre espaço para a criatividade; mas também é
que há poucos lugares melhores para a reprodução cega das visões de mundo de um grupo –
quaisquer que sejam suas índoles. Dependendo de como é jogado, o RPG pode prestar-se a
todo gênero de violência ou discriminação. O elemento do riso e do humor, que Huizinga
corretamente acreditava dissociável dos jogos em geral, pode assumir na partida de mesa uma
função central, e oferece alguns dos melhores momentos para sondar o teor ideológico dos
que estão presentes. Ora, no fundo, aquilo de que todos riem não é senão o conteúdo oposto e
89
BRUCATO, Phil et. al. Mago: a ascensão. São Paulo: Devir. 2001.
70
simétrico do que torna necessária a negociação no jogo. Ambos são expressões dos conflitos e
concordâncias possíveis entre os paradigmas culturais que informam a ação dos jogadores.
A dependência que tem a narrativa, para que possa ser desenvolvida, de estabelecer
diálogo entre as visões de mundo dos indivíduos ali presentes, inscreve na própria estrutura
do RPG a necessidade de diálogo entre elementos simbólicos “internos” e “externos” ao plano
ficcional. Por mais que se atenham à pura interpretação e obediência às regras, é enquanto
indivíduos reais, ideologicamente posicionados, que os jogadores estipulam o que pode ou
não pode ser feito no decorrer da partida. Sua negociação é, em última instância, negociação
entre visões de mundo diferentes.
Assim como no caso das rinhas de Geertz, a vida simbólica exterior ao jogo torna-se
essencial para compreender a lógica de seu funcionamento. Mas, aqui, uma diferença crucial
faz-se presente. Já não são galos que representam os confrontos entre os homens e mulheres,
mas os próprios homens e mulheres, mascarados como suas personas. Na curiosa relação que
personagens e indivíduos estabelecem entre si, vai-se desvendando o que talvez constitua uma
especificidade do RPG: a intensa interferência que a imaginação pode exercer sobre o real em
seu interior90.
O RPG como mídia
Havendo esboçado a maneira como o RPG permite a penetração de conteúdos
simbólicos “reais” no plano ficcional, podemos retomar o problema das relações entre os
jogadores, e inquirir definitivamente: que destino tem suas ações, em meio às expectativas
ideológicas que eles projetam sobre seu jogo?
Creio ser possível afirmar que, embora situados em planos estruturais diferentes, os
três princípios de conduta que selecionei – a atenção às regras, a atenção ao caráter do
personagem, a atenção às expectativas sobre a narrativa – têm em comum o fato de que
exercem uma regulação negativa da conduta. Dizem, de maneira geral, não o que deve ser
feito, mas o que não pode ser feito. Precisamente por isso o RPG continua aberto às
novidades a cada nova partida. E é também por conta desse aspecto que é possível uma
segunda forma de interação entre as três camadas da estrutura tripartite. Mais do que o
transporte de signos de um plano a outro, é possível que ações cujo sentido se manifesta uma
90
Seria interessante pesquisar as relações entre a representação que os indivíduos fazem de si mesmos, e os
personagens que constroem.
71
camada tenham suas origens – isto é, seus motivos – em um dos dois outros estratos. A este
fenômeno, darei o nome de comunicação (entre planos).
Um exemplo bastante claro de comunicação entre planos pode ser visualizado nos
casos em que há um “desmancha-prazeres” no grupo. As estratégias mobilizadas para tentar
restituir o jogador inoportuno a um comportamento aceitável podem ser as mais diversas.
Pode ser que, dentro do plano da ficção, os personagens atuem de maneira a inviabilizar
determinados rumos da história, fazendo-se de desentendidos, ignorando, ou mesmo
repreendendo os atos de outras personas. Pode ser que, num momento de suspensão da
história, o narrador ou outras pessoas intercedam, avisando ao jogador, sob a prerrogativa da
atenção às regras, que algo foi ou está sendo impertinente. Pode mesmo acontecer de essa
intervenção dar-se no espectro das relações reais entre os indivíduos, caso em que eles se
repreenderão, ou pedirão cordialmente que o objeto de incômodo seja evitado.
A situação mais extrema possível – aquela em que o “desmancha-prazeres” é julgado
tão intolerável que o grupo (ou o narrador) decide expulsá-lo – é bastante ilustrativa dessas
estratégias. Um jogador pode ser eliminado da partida a partir da coação pessoal, “real”,
exercida contra ele; pode ser pressionado a retirar-se sob a prerrogativa de que não está
respeitando as normas do jogo; ou pode, como que pela intervenção de um deus ex machina,
encontrar um destino subitamente infeliz no interior da ficção. Mais de uma vez tive ocasião
de presenciar narradores que, sentindo-se profundamente irritados com seus jogadores, não
tiveram nem o cuidado de dissimular a tragédia como algo casual: romperam a barreira da
verossimilhança, com a explícita finalidade de eliminar aquelas pessoas da partida, por meio
da introdução de um súbito evento mortal no seio da história, ou de um isolamento forçado do
“desmancha-prazeres” em relação aos demais personagens. Nas ocasiões em que os demais
jogadores também se sentiam incomodados, não houve objeções à atitude do mestre; mas, em
uma delas, ele foi forçado a desfazer o que planejara, pois os jogadores acharam que sua
atitude foi injusta.
Em todas essas situações, o motivo da ação dos jogadores é o mesmo: um indivíduo
está violando os parâmetros que tornam uma narrativa aceitável para o grupo. Esses
parâmetros, informados pelos paradigmas culturais dos indivíduos e pelas regras do sistema
em uso, cristalizam-se no plano normativo; mas a execução da atitude relativa ao desmanchaprazeres pode dar-se em qualquer um dos três planos, porque em todos eles existem condições
72
para expressar o incômodo de maneira inteligível. O personagem que não reage ao outro e o
indivíduo que repreende seu colega comunicam o mesmo conteúdo com um conjunto de
significantes diferentes, porque adequados a estruturas diferentes. A forma da mensagem é o
que varia, conforme o plano escolhido para veiculá-la. Esta regra mantém-se constante,
qualquer que seja o ponto de partida da ação (a fonte de seus motivos), e qualquer que seja
seu ponto de chegada (a camada em que se manifesta seu sentido).
Com esta fórmula, chegamos a uma imagem definitiva sobre o mecanismo de que
dispõe o RPG para atuar como produtor de relações sociais. Por conta da capacidade de
veicular intenções oriundas de um plano estrutural em termos de outro, o jogo abre a
possibilidade de que o real atue sobre o fictício, e o fictício atue sobre o real. Estou disposto a
defender, em contraposição à situação de Geertz, que a interpretação em mesa pode ser dada
como eficaz para a consolidação de determinadas formas de relação os jogadores na realidade
extra-lúdica. Eis como entendo que isso acontece: Se conteúdos oriundos de um plano podem
penetrar os outros, é porque a comunicação (entre os indivíduos) dá-se essencialmente do
mesmo modo em cada um deles. O principal (e às vezes exclusivo) instrumento na construção
da narrativa é a fala. Pode ser que a linguagem corporal, a gesticulação, toda forma de
interpretação e atuação acresçam à comunicação verbal outras formas de expressão; mas o
núcleo irremovível que opera o desenvolvimento do jogo é sempre o diálogo entre as partes.
O segredo está, então, em que, no plano ficcional, e às vezes também no normativo,
falar e agir são fenômenos equivalentes. Na vida cotidiana, é verdade que algumas intenções
podem consumar-se na mera comunicação de um conteúdo a outra pessoa – no ato de dizer
algo. Mas variadas metas exigem formas diferentes de atividade para que possam dar-se como
realizadas, e outras tantas, como que numa posição intermediária, utilizam da fala como meio
para atingir o que se deseja, e não como seu próprio fim. Já a narrativa do RPG estabelece
uma coincidência entre esses dois momentos. No plano da ficção, enunciar a execução de um
ato implica executá-lo; afirmar a intenção de comunicar algo a alguém pode equivaler a já têlo comunicado; e a resposta que se dá no improviso de uma atuação vale tanto quanto uma
frase dita espontaneamente no plano real. Poder-se-ia dizer, resgatando livremente um
conceito da filosofia da linguagem, que nessa camada todo enunciado é perlocucionário – faz
valer aquilo que diz, unicamente por havê-lo dito.
73
Como um contraponto a essa eficácia imediata do que se diz, está a curiosa faculdade
que têm os jogadores de decidir, em retrospectiva, se podem “desfazer” uma ação indesejada.
Conforme o temperamento dos indivíduos e a pertinência do pedido, essas correções do curso
da história podem ser feitas e refeitas continuamente. Muitas vezes, elas levam em conta a
ideia de que o trânsito entre camadas estruturais é suscetível de produzir enganos, de que não
se agiu de má-fé, enfim. Esse gênero de desfeita é sintomático de um mecanismo subjacente a
todo o jogo. Para compreendê-lo, precisamos finalmente notar que, além das tipologias
culturais e das regras do cenário, as relações pessoais entre os jogadores podem ser um
elemento determinante na definição das ações pertinentes na narrativa.
Assim como os balineses de Geertz se identificavam a seus galos, delegando a eles a
função de comunicar a belicosidade subjacente dos status em disputa, é possível que, de
tempos em tempos, os jogadores de RPG utilizem de seus personagens para comunicar ações
que só encontram sua razão de ser no plano real. Aqui, o caráter perlocucionário da fala em
contexto ficcional revela todo o seu potencial. Ações que, na vida real, seriam consideradas
impertinentes, ou demasiado arriscadas para serem postas em prática, encontram no jogo uma
possibilidade de serem expressas de maneira controlada. O casal de amigos apaixonados,
tímido demais no convívio cotidiano para tomar a iniciativa de uma aproximação, encontra na
atuação o momento para agir de maneira mais displicentemente erótica, ou mesmo
cordialmente belicosa, desenvolvendo, na imaginação conjunta, aquilo que o senso comum
não deixava que acontecesse. Dali em diante, conforme as reações de seus personagens, quiçá
ganhem segurança de fazer o necessário para dar início a uma relação real.
Similarmente, o casal brigado utiliza do jogo para admoestar seu companheiro,
ironizá-lo, cometer troças as mais diversas. O conflito latente do cotidiano processa-se sob o
signo da casualidade despretensiosa, do mero desdobramento da historieta coletiva. O
momento lúdico, limitando a ação em função da estrutura narrativa pretendida, abre, por outro
lado, a possibilidade de realizar atos que o dia-a-dia obriga a permanecerem inconclusos. Já
que, no RPG, basta falar para que as coisas aconteçam, é muito mais fácil realizá-las; e
precisamente porque se sabe que, no fundo, trata-se apenas de “faz de conta”, é que a ação
logra tornar-se realmente eficaz. Caso a tomada de uma atitude “arriscada” em jogo dê sinais
de que aquilo vai terminar em problemas, pode-se a qualquer momento dissimular a intenção
74
do que se comunica, afirmando que, afinal, era apenas brincadeira. A realidade cotidiana
encontra, sob o pretexto da ficção, uma oportunidade para violar suas barreiras.
O mesmo mecanismo pode ser empregado para reafirmar conteúdos já explícitos nas
relações pré-existentes entre jogadores. A dupla inseparável de colegas assume uma postura
conscientemente colaborativa, quando constrói a relação entre seus personagens. O grupo de
jogadores diverte-se perseguindo sistematicamente, em contexto ficcional, aqueles que já no
dia-a-dia lhes servem de bode expiatório. Tudo no jogo conspira contra seus personagens: as
piores dificuldades são deixadas em suas mãos, os riscos mais altos confiados a seus
desígnios, as cenas jocosas põe-no no centro das atenções. A “verossimilhança” deixa de
obedecer meramente aos grandes esquemas culturais de que os jogadores são portadores, para
passar a imitar as relações reais tais como já estão dadas. Também nesse aspecto, o RPG pode
ser tanto criativo quanto conservador. Ora o jogo vive a fantasia do real; ora reduz-se a copiálo como se fosse fantasia.
Do ponto de vista das ações oriundas do plano real, o RPG pode ser interpretado como
mídia auxiliar das relações entre os jogadores. Na relação entre as expectativas que se tem
para o desenvolvimento da narrativa, e os elementos mobilizados para atendê-las, o jogo
funciona como meio de comunicação para as intenções em que se baseiam as relações extralúdicas, expandindo o número de mensagens possíveis de serem emitidas sem a criação de um
conflito aberto entre as partes. Na medida em que essas mensagens assumem um duplo
sentido – um interior à ficção, e outro interior à realidade –, elas viabilizam, mesmo que de
maneira apenas indireta, a conquista de posições que não estavam previstas anteriormente nos
contatos entre os indivíduos. Para as relações que já existiam, o jogo torna disponível uma
nova linguagem com que exprimi-las – fato que, não garantindo por si só a diferenciação do
grupo pretendida por Huizinga, pode constituir uma condição sua. Conforme uma antiga
intuição de Weber:
[...] a orientação pelas normas da linguagem comum constitui, [...] em primeiro lugar,
apenas um meio para o entendimento entre ambas as partes e não o conteúdo do
sentido das relações sociais. Somente a existência de contrastes conscientes em
relação a terceiros pode criar, nos participantes da mesma linguagem, um sentimento
75
de comunidade e relações associativas cujo fundamento de existência, de maneira
consciente, é a linguagem comum91.
Essa participação do real na configuração da ficção, que volta em seguida a repercutir
no real, é tanto maior quanto maior a permeabilidade da camada intermediária, normativa, aos
conteúdos dos dois outros planos. Um crescimento do rigor com que as regras são aplicadas
coage cada vez mais os jogadores a se aterem à narrativa como algo que tem uma lógica
própria, independente dos influxos pessoais que suas relações exteriores poderiam estimular.
A flutuação da ação passa a concentrar-se em torno das esferas normativa e ficcional,
dificultando o estabelecimento de vínculos interpessoais que não estejam relacionados à pura
construção da história enquanto objeto autônomo. Toda tendência à “esteticização” do RPG –
sua aproximação do teatro ou do cinema – é reflexo desse tipo de relação, mais próxima da
racionalidade profissional de uma companhia artística do que da organicidade comunitária
que Huizinga visualizava nos clubes de jogadores. A partir daí, certamente é possível a
continuidade de encontros para debater e cultivar o jogo; mas a expansão dos laços
interpessoais não encontra, na execução da narrativa por si só, ponto em que se apoiar.
Com isso, chegamos a uma primeira hipótese a respeito dos elementos do jogo que
resistem à consolidação de laços em interações extra-lúdicas. Quanto maior a racionalização
das normas da partida em torno dos critérios estético-culturais dos jogadores, menor a
probabilidade de que eles se sirvam do jogo como instrumento de comunicação de seus
interesses pessoais. Menor, portanto, a chance de que partilhem mais do que o interesse no
próprio jogo.
Conclusão
Com estas considerações, espero haver contribuído minimamente para a questão de
entender o que qualifica especificamente a forma de relação entre os jogadores. O método que
empreguei – formalizar a maneira como se dão as relações para fins de jogo, e tentar
encontrar, a partir disso, pontos de contato entre as intenções interiores e exteriores à
atividade lúdica – talvez encontre aplicabilidade na investigação de outras formas de
passatempo, além do RPG de mesa. Mesmo para este objeto, entretanto, a investigação não
91
WEBER, Max. Op. Cit., p. 26.
76
pode dar-se por completa. A solução que apresentei continua presa à condição de que exista
um conjunto anterior de contatos estabelecidos entre os jogadores. Simbolizando as relações
entre indivíduos como relações entre personagens, o RPG permite reafirmar os vínculos já
existentes entre eles, mas também alavanca o desenvolvimento de novas formas de contato –
sejam elas amigáveis ou não. Minha conclusão difere da de Geertz apenas por vislumbrar,
além da possibilidade do “comentário metassocial”, a chance de que o jogo enseje mudanças
efetivas nas relações extra-lúdicas. O que fica faltando é especificar se, e em que medida,
pode haver um fluxo na direção oposta: um conjunto de ações que, sendo motivadas pelo
plano da ficção, acabam repercutindo na estrutura real dos contatos pessoais. Acredito que a
empiria dá indícios desse tipo de situação também. Um caso ilustrativo é o do ressentimento
entre jogadores que, tendo seus personagens traídos por colegas de mesa, não conseguem
desprender-se da má impressão que têm dos outros, mesmo após o fim da partida. Para além
desse gênero de conflito superficial, o interessante seria investigar se podemos pensar o RPG
como espaço de formação de vínculos reais a partir de vínculos entre personagens; e, neste
caso, como se daria o processo de transposição da comunicação fictícia para a comunicação
real. Por ora, entretanto, é impossível para mim avançar mais no assunto.
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WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In: Economia e sociedade, volume
1. Brasília: Editora UnB. 2012.
78
RPG: JOGADORES, TRAJETÓRIAS E PRÁTICAS SOCIAIS
(UBERLÂNDIA, 2001 a 2014)
Rafael Correia Rocha92
Jaqueline Peixoto Vieira da Silva93
RESUMO
Neste trabalho investigamos, à luz do conceito de Ação, de Hannah Arendt, como se
estabelece a disposição dos jogadores de RPG nos espaços urbanos de Uberlândia, suas
trajetórias e práticas, assim como, estes tomam forma em manifestações populares (eventos
culturais e projetos sociais) para manter seus costumes por meio de práticas sociais, em um
recorte temporal de 2001 a 2014. Observamos as experiências relatadas e bibliografias
levantadas a fim de compreender como os jogadores vivem, que espaços ocupam, por que os
ocupam e como se articulam para manterem ativo o jogo na cidade, diante de um ambiente de
restrições, resistências e preconceitos.
PALAVRAS CHAVE: RPG. Movimentos sociais. Ação política.
ABSTRACT
This investigate work in the light of Action concept of Hannah Arendt, as it establishes the
willingness of RPG players in urban areas of Uberlândia, their trajectories and practices, as
well as these take shape in popular demonstrations (cultural events and social projects) to
maintain their customs through social practices, in a time frame of 2001 to 2014. We noted
the reported experiences and bibliographies raised in order to understand how players
experience, which occupy spaces, why they occupy and how articulate themselves to keep
active game in town, in front of an environment restrictions, resistances and prejudices.
KEY WORDS: RPG. Social movements. Political action.
92
Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa - MERCOSUL Educacional, Uruguai. Professor
pesquisador; realiza pesquisa sobre jogos, educação e movimentos sociais no projeto FAPEMIG - Cidade de
Uberlândia: História Local, Ensino-aprendizagem e jogos narrativos, coordenado pelo Professor Dr. Sergio
Paulo Morais, do Instituto de História UFU. Currículo Lattes:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209565D0>
93
Graduada em História/Mestranda em História/Graduanda em Pedagogia – pela Universidade Federal de
Uberlândia/UFU. Currículo Lattes: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4238309P8>
79
INTRODUÇÃO
Neste texto, vamos analisar a trajetória dos jogadores de RPG (Role Playing Game –
Jogo de Representação de Papéis), em Uberlândia-MG, entre 2001 a 2014, à luz do conceito
de ação de Hannah Arendt, na obra A Condição Humana. Arendt inicia o capítulo I
explicando A Vita Activa e a Condição Humana: “Com a expressão vita activa, pretendo
designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação.”94 Sobre isso, vamos
nos atentar principalmente a definição da ação:
A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a
mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade,
ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos
os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta
pluralidade é especificamente a condição – não apenas a conditio sine qua non, mas
a conditio per quam – de toda vida política. 95
Já no capítulo V, a autora se concentra nos aspectos da ação e abre o texto com uma
referência de Dante:
Pois em toda ação a intenção principal do agente, quer ele aja por
necessidade natural ou vontade própria, é revelar sua própria imagem. Assim é que
todo agente, na medida em que ache, sente prazer em agir; como tudo o que existe
deseja sua própria existência, e como, na ação, a existência do agente é, de certo
modo, intensificada, resulta necessariamente o prazer. [...] Assim, ninguém age sem
que (agindo) manifeste o seu eu latente.96
Hannah Arendt afirma que “é com palavras e atos que nos inserimos no mundo
humano”97. É assim que marcamos nossas igualdades e diferenças – a pluralidade humana nos
seres singulares. As ações humanas são ações políticas situadas na organização social ampla
ou na marginalidade. Os sujeitos realizam ações de maneira que a marginalização possa ser
um estado temporário e móvel.
94
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005. p. 15.
95
Ibid., 15.
96
Ibid., p. 188.
97
Ibid., 189.
80
A partir do conceito de Ação em Arendt, vamos analisar como os jogadores de RPG se
organizaram na cidade, estabelecendo pequenos padrões, para formarem um princípio de
identidade. Suas ações tinham o objetivo de atingir condições para a realização da prática do
jogo, que era marginalizado, chegando a ser mal compreendido por outras esferas da
comunidade.
RPG: O QUE É?
Na movimentação das práticas dos RPGistas (jogadores de RPG), podemos dialogar
inicialmente com Huizinga, a fim de perceber os aspectos do jogar na sociedade humana para
além da recreação, lazer ou ócio.
As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início,
inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse
primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de poder comunicar,
ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas, defini-las e
constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio do
espírito. Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa
faculdade de designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre
a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma
metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o
homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza.98
Por esse movimento de criação e expressão, se dá neste jogo produtor de narrativas
singulares algumas noções conceituais pela sua mecânica, que o define, em um hibridismo, de
acordo com Arent, entre vita activa e vita contemplativa, por atuar no campo do discurso e da
ação, ou nas palavras de Rodrigues (2004) “um jogo de produzir ficção”. O RPG se destaca
justamente por esse exercício e ao mesmo tempo, a geração de reflexões continuadas sobre as
mesmas narrativas por múltiplos ângulos. Dentro da narrativa, os sujeitos criam e recriam
histórias utilizando suas experiências e imaginação realista ou fantástica. E desenvolvem, a
partir do pensamento, possibilidades de ações variadas no campo cultural, social e político.
98
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 6.
81
Historicamente, é originado dos Estados Unidos por Gary Gygax e David Anerson
aproximadamente em 1974, oriundo de jogos de estratégia (jogos de tabuleiro), populares
entre o século XIX e início do século XX. Sua estrutura cooperativa, mas sem excluir
competições, tendo duração indeterminada. Assim, penso que a prática deste jogo proporciona
uma postura própria aos sujeitos que o praticam, que se aproxima da ideia de Carse sobre
“jogadores infinitos”
99
, pois seu foco esta na organização das experiências no compor,
promover e recompor grupos de jogo no intuito de participar de uma multiplicidade de
experiências variadas. De acordo com o pensamento de Carse, a composição do “jogar RPG”
ocorre na dualidade entre o jogo finito (competitivo) e o jogo infinito (interativo), de maneira
que “o objetivo do jogo finito é vencer, e do jogo infinito é continuar o jogo”
100
, desta forma
o RPG apresenta-se mutável e evolutivo em suas práticas, pois “as regras se modificam
quando os jogadores de um jogo infinito concordam que este jogo está ameaçado” 101.
Por esta característica, o jogador de RPG se mescla a diferentes experiências, passando
por modificações no seu jogar para fim de existir e se manter socialmente ativo em seus
múltiplos aspectos. E neste exercício constante de existir e de manter seus costumes, os
jogadores continuam a se organizar, alternando em uma contínua jornada de novas
experiências, junto à composição e reformulação de novos grupos. Sobre estas experiências
intercambiadas pela prática narrativa, observamos o que nos diz Walter Benjamin:
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os
narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se
distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. Entre
estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do
narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes esses dois grupos.
"Quem viaja tem muito que contar", diz o povo, e com isso imagina o narrador como
alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou
honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições.
Se quisermos concretizar esses dois grupos através dos seus representantes arcaicos,
podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo
99
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 2003.
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 2003,
p. 11.
101
Ibid., p. 23.
100
82
marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo
modo suas respectivas famílias de narradores.102
Assim o RPG promove um exercício efetivo junto à experiência do jogar, na qual sua
prática se caracteriza “entre a experiência interna e o controle externo”103 de maneira que “o
jogo naturalmente contribui para a prosperidade do grupo social, mas de outro modo e através
de meios totalmente diferentes da aquisição de elementos de subsistência”104.
Percebemos que o RPG interage (e é de sua natureza fazê-lo) com outras mídias como:
livros, desenhos e filmes, assim como outros jogos, e em sua prática é possível perceber que o
jogador vai além das regras e do evidente, promovendo uma trajetória de composição dos
sujeitos, junto a sua realidade e configura sua postura diante da sociedade.
As narrativas no RPG podem ser realistas ou fantásticas. Os jogos podem apresentar
qualquer tema, de acordo com o interesse de quem joga. Os temas dos jogos também podem
ser transdisciplinares, ou seja, vários temas interligados e em diálogo. O que favorece muito o
desenvolvimento da criatividade, o interesse por informações e conhecimentos, e habilidade
de adaptação para a solução de problemas.
RPG-UBERLÂNDIA-BRASIL ENTRE 2001 – 2005:
Esta investigação dar-se-á de fora para dentro da cidade. Em 2001, ocorre o “Caso
Aline” que relata o assassinato brutal de Aline Silveira, de 19 anos, que foi esfaqueada e
colocada em posição de crucificação, nua diante de uma lápide. Isto afetou nacionalmente a
visão da população brasileira quando acusou o RPG como culpado desta atrocidade,
entretanto Fiori apresenta questões profundas sobre o processo desta investigação.
Os autos do “caso Aline” foram devolvidos ao delegado no dia 30 de janeiro de
2002, pois o promotor Edvaldo Costa Pereira solicitou novas diligências (CPP, Art.
16), argumentando que outras possibilidades explicativas para o crime precisavam
ser verificadas e que a tese do RPG precisava ser comprovada. No dia 06 de
fevereiro, Cassiano e Maicon haviam fornecido material genético (fl 736) para ser
102
BENJAMIN, W. O narrador. In:___Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da
cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1994.
103
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração, interpretação e significado
nas memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro , v. 1, n. 2, p. 59-72. 1996.
Disponível em: < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-3.pdf > Acesso em: 12/11/14
104
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
83
comparado com material colhido na cena do crime, um exame que poderia fazer, aos
olhos do promotor, respostas definitivas. Estes exames não foram realizados. É
possível perceber nos autos das idas e vindas entre o Ministério Público e a Polícia
Cívil através das desavenças que se formaram entre o delegado e o promotor de
justiça. Há numerosas páginas de requerimentos, assinados pelo promotor Edvaldo
entre fevereiro de 2002 e dezembro de 2003, dirigidos ao juiz e ao delegado,
solicitando mais zelo as investigações. 105
Mesmo com esta contradição, as mídias televisivas e impressas já haviam vendido o
termo “jogo satânico” ou “jogo da morte”. Porém, o promotor do caso, concluiu em 07 de
fevereiro de 2002 a inexistência de provas diante da acusação.106
A partir deste choque, multiplicaram-se as notícias relacionando o jogo a assassinatos,
abordando que materiais de RPG seriam provas incriminadoras, como descreve na Folha de
São Paulo de 14/05/2005 “O delegado Alexandre Linconl Lucente Capella, da Delegacia de
Crimes Contra a Vida, disse que a polícia chegou aos suspeitos após encontrar diversos livros
e materiais de RPG no quarto do estudante”.107 Desta maneira, iniciou um condicionamento
popular do senso comum que danificou a imagem do RPG socialmente.
Após este posicionamento da mídia, a repercussão afetou a esfera religiosa, que de
acordo com o Pastor Walter Pacheco da Silveira, que afirmou no sermão virtual Os caminhos
da juventude, disponível no site Sermões & Ilustrações: Coletânea Walter Pacheco, que
“raramente um satanista vai admitir que o é. Falta-lhe coragem. Escondem-se atrás da
bruxaria, do RPG, aliás, os jogadores de RPG são um capítulo a parte nesta história”.108
Com essa força oposta e imposta de condenação popular, o cerco se fechou em âmbito
nacional, ao ponto que em Guarapari-ES, cidade onde residia a estudante assassinada, se criou
uma legislação especial que proibiu o comércio de livros de RPG e correlacionados. Segundo
o Art. 1° da lei 2506, de setembro de 2005:
Fica proibida a exposição e comercialização, em bancas de jornais e revista e demais
estabelecimentos congêneres, de CDs, DVDs, Livros e demais publicações
105
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri e arenas narrativas do “caso Aline”.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. p. 44.
106
Ibid., p. 45.
107
Folha de São Paulo, 14/05/2005.
108
Disponível em: < http://www.pastorwalterpacheco.com.br/habacuque4.html> Acesso em: 10/11/2014.
84
referentes a “Jogos de Interpretação de Personagens”, conhecidos como RPG –
Role-Playing Game.109
Esta postura inconstitucional quanto ao direito de expressão e acesso a cultura, recebe
críticas de Fiori que explicita a insustentabilidade destes fatos110. Por esta falta de reflexão e
apelo massivo ao senso comum, o judiciário e mídias iniciaram um processo de “caça as
bruxas” junto aos jogadores de RPG.
Em Uberlândia no período entre 2001 e 2005 estavam presentes e também foram
construídas no processo, varias lojas de RPG como a Terra de Gaia, Grimorum, Dragonland
e a Caverna do Dragão entre outras menores, mas sem registro. Todas foram fechadas pelo
parecer jurídico da Vara do menor da cidade, que o definiu como perigoso, alegando, sem
provas, “que já haveriam casos de morte na cidade”111. Nesta época, para manter suas
práticas, os jogadores plastificavam seus livros para evitar perseguição da própria
comunidade. Entre 2001 a 2004, politicamente a cidade mantinha-se no conservadorismo com
o posicionamento do prefeito Zaire Rezende (Partido do Movimento Democrático Brasileiro)
que não dispunha de abertura para debates neste âmbito.
RPG-UBERLÂNDIA-BRASILENTRE 2006 – 2010:
Em 2006, o judiciário federal se posicionou oficialmente com a portaria nº 1.100 do
Ministério da Justiça em relação ao acesso de menores ao RPG e espaços de jogos, e que,
segundo o Art. 3º “o Ministério da Justiça realizará diretamente a classificação indicativa das
seguintes diversões públicas: I - cinema, vídeo, dvd e congêneres; II – jogos eletrônicos e de
interpretação (RPG).”112 Mas mesmo com esta portaria o parecer jurídico não se alterou,
109
PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPARI-ES. Lei Nº 2506, de 2005. Dispõem sobre a proibição de
comercialização em bancas de jornais e revistas e em estabelecimentos congêneres de jogos de RPG – Role
Playing Game e dá outras providências. Câmara Municipal de Guarapari-ES, Guarapari, 14 de setembro de
2005.
Disponível em: <http://www.legislacaoonline.com.br/guarapari/images/leis/html/L25062005.html> Acesso em:
11/12/2014.
110
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri e arenas narrativas do “caso Aline”.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
111
ACERVO NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO, 2014.
112
BRASIL. Portaria n° 1.100, de 14 de julho de 2006. Regulamenta o exercício da Classificação Indicativa de
diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, dvd, jogos eletrônicos, jogos de
interpretação (RPG) e congêneres. Publicado no DOU nº 138, quinta-feira, 20 de julho de 2006.
85
mesmos sem saber avaliar, os agentes eram instruídos a vetar o RPG, mesmo os que estavam
classificados devidamente pelo ministério da justiça, dentro do município a classificação
alterava-se para 18 anos.
Assim, ocorreu uma restrição generalizada ao jogo que antes estava presente nas
escolas, bibliotecas e universidades; salvo alguns espaços escondidos, como reuniões no
bloco 3Q, na Universidade Federal de Uberlândia, nos finais de semana (ponto informal
utilizado até a atualidade). O bloco foi escolhido por manter as condições básicas de espaço,
silêncio, cadeiras e mesas, necessárias para a prática do jogo e por ficar relativamente vazio
nos finais de semana, no período da tarde.
Então, sem espaços formais ativos de encontros, os jogadores de RPG começaram uma
migração para o meio virtual, criando o grupo de debate RPG UBERLÂNDIA, incialmente na
rede social Orkut, e posteriormente no Facebook, entre 2001 e 2010, como pontos de
discussão, organização e divulgação restritos. Este campo de debate mantém-se atualmente
com 355 membros.113 A estrutura política manteve-se a mesma de 2005 a 2012, na gestão do
prefeito Odelmo Leão Carneiro (Partido Progressita) que se posicionava em uma estrutura
distante de movimentos culturais emergentes, de maneira que o diálogo com os jogadores
mantinha-se em um campo vertical de aprovação.
RPG-UBERLÂNDIA ENTRE 2011 – 2014:
Identificamos as trajetórias e práticas sociais dos RPGistas, no período o qual a cidade
sofreu pressões sociais e mudanças governamentais de maneira a promover uma
reorganização na promoção de eventos temáticos, entre outras estruturas de associação.
A partir disto, foi fomentado dentro da comunidade RPG Uberlândia em 2011, no
Parque do Sabiá, o 1º Encontro RPG Uberlândia, derivado desse movimento virtual, reunindo
um total de 100 participantes, contando com a participação de jogadores de cidades vizinhas
como Uberaba, Araguari, Tupaciguara e Patos de Minas, inclusive uma parte da população
que se dispôs a visitar para conhecer o jogo. Mas uma parcela da população ainda repudiava o
113
Acervo Narrativa da Imaginação, 2014.
86
RPG, como cita, L.F: “tinha um senhor que ficava xingando a gente, falando que era coisa do
Diabo e que isso matava, que era perigoso”114
Também em 2011, foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia dentro das
dependências do Instituto de História, o curso de formação em metodologia Role Playing, que
promovia ações de elementos do RPG na escola, trabalho vindouro de pesquisa de mestrado
em educação115. Para fim de validação e reconhecimento do método este foi apresentado ao
secretário de educação e presidente do conselho municipal de educação Dr. Afrânio de Freitas
Azevedo (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que de maneira bem aberta,
mostrou ao mesmo tempo interesse e desconhecimento sobre o que era RPG, e enviou a
proposta para o CEMEPE (Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais – Julieta
Diniz), setor criado para avaliação e formação de práticas docentes. Mesmo após uma
avaliação positiva e emissão de uma declaração pública, a Vara do Menor ainda não
reconhecia a prática, o que abre um questionamento ao judiciário, sobre até que ponto a
autonomia de comarca avança diante do poder municipal, e também, como o poder judiciário
se organiza diante das ações populares sociais?
Posteriormente, em 2012, com a renovação partidária da cidade para o mandato de
Gilmar Machado (Partido dos Trabalhadores), houve a proposta de uma relação mais próxima
com os jogadores de RPG e correlacionados, afetando a estrutura da cidade. Todavia a
percepção sobre o jogo era distinta e o RPG começou a ser observado como uma
manifestação cultural.
Pelo intercambiar de experiências, se promoveu a comoção dos jogadores para o
desenvolvimento da segunda edição, em 2012, no Colégio Exitus (que se localizava no prédio
da antiga fábrica da Erlan – espaço escolar amplo), onde jogadores de outras modalidades e
jogos se fizeram presentes, assim como expositores e comerciantes especializados, totalizando
cerca de 250 pessoas. Nesses dois eventos ficou uma constante pressão social contra sua
execução devido à jurisprudência da Vara do Menor de Uberlândia, que ainda considera o
114
(L.F é jogador de RPG a 15 anos e professor de Geografia, que aceitou ceder entrevista ao acervo da ONG
Narrativa da Imaginação).
115
Trabalho de Rafael Correia Rocha, que cursou Mestrado na Universidade de La empresa (UY) de 2010 a
2013, colendo dados por meio de cursos de formação docente em parceria com a Universidade Federal de
Uberlândia.
87
jogo perigoso para jovens. Em diálogo com as agentes da Vara, as mesmas ainda afirmam que
o jogo leva a morte 116.
Essa transfiguração afetou o Encontro RPG Uberlândia (2001 e 2012), que se adaptou
a vários estilos de jogos sendo apresentado à comunidade como Festival Cultural de Jogos
em 2013, com uma abordagem para diferentes tipos de jogadores e apresentação da cultura de
jogos para a comunidade. Em sua primeira edição mobilizou cerca de 1000 pessoas,
agregando à sua estrutura o Xadrez, Vídeo Game e Sword Play (esgrima com espadas de
espuma), havendo cobertura da TV integração e lançamento no portal G1 (informação e
reportagem), e promoveu a visita de jogadores de Campinas e São Paulo.
A fim de manter a periodicidade destes jogos, visto o resultado do evento, o coletivo
Narrativa da Imaginação propôs pequenos encontros semanais formatando o projeto Jogado
na Mesa (2013), no qual compreendemos que a mobilização pelo jogar se encontra na prática
social entre a experiência e a cultura, pois, durante este projeto, nenhum jogo foi levado a
Oficina Cultural, apenas foi aberta a porta de uma sala com mesas e cadeiras e foi avisada a
comunidade que o espaço estava aberto ao RPG. Assim, a própria comunidade tomou conta
do espaço, o modificou dando-lhe sentido, pois a mesma aparentava estar carente não só do
espaço em si, mas do encontro entre jogadores. Após um ano de projeto ocorreu a ocupação
de dois salões, uma sala e parte do espaço externo da Oficina Cultural. Provável que isso
tenha ocorrido devido à compreensão dos jogadores sobre o jogo como sua cultura, de
maneira que “a cultura, por outro lado, é um jogo infinito (...) A cultura não tem fronteiras.
Qualquer pessoa pode participar da cultura”.117
Assim, acreditamos que um dos campos mais impactantes deste recorte, esteja na
relação do poder público com a comunidade, observando parâmetros político-sociais obtidos
com o projeto Jogado na Mesa como primeiro espaço público de encontro permanente, com o
registro de 227 jogadores em um período de 15 meses, explicitando a densidade aproximada
por bairro118.
116
Trabalho de Rafael Correia Rocha, que cursou Mestrado na Universidade de La empresa (UY) de 2010 a
2013, colendo dados por meio de cursos de formação docente em parceria com a Universidade Federal de
Uberlândia.
117
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 2003.
118
A ONG Narrativa da Imaginação promove vários eventos sobre jogos na cidade de Uberlândia-MG, e
também é uma instituição representativa importante para a reunião e organização dos jogadores.
88
Partindo destes dados, foi possível identificar por um mapeamento prévio que a
densidade dos jogadores não se apresenta vinculada exclusivamente a um aspecto espacial,
mas às suas motivações, visto o deslocamento de jogadores de 63 bairros. Dentre eles,
quantificadamente, em uma amostra inicial no Jardim Patrícia (5), Santa Mônica (26), Nossa
Senhora das Graças (6), Martins (9), Centro (10), Granada (3), Brasil (5), Oswaldo Rezende
(5), Jardim Inconfidência (4), São Jorge (6), Tubalina (10), Cazeca (6), Ipanema (3), Jardim
Karaíba (5), Jardim Brasília (5), Tabajaras (5), Canaã (5), Luizote (11), Marta Helena (5),
Mansour (7), Umuarama (6), Vigilato Pereira (9) e mais 68 jogadores distribuídos entre o
Bom Jesus, Santiago, Jardim Finotti, Umuarama, Taiaman, Jardim Europa, Jardim Europa,
Jardim Regina, Cidade Jardim, Lagoinha, Custodio, Planalto, Roosevelt, Segismundo,
Jaraguá, Jardim Botânico, Laranjeiras, Pacaembu, Aurora, Andorinhas, Canaã, Morumbi,
Copacabana, São Cristóvão, Guarani, Dom Almir, Tibery, Talismã, Jardim Indaiá, Jardim das
Palmeiras, Tocantins, Saraiva, Jardim Finotti, Lídice, S. Pereira, Patrimônio, Shopping Park,
Fundinho, Carajás, Jardim Maracanã e Ouro Verde. Assim como jogadores vindouros de
cinco cidades próximas (Araguari, Uberaba, Patos de Minas, Tupaciguara e Alfenas) para
utilizar do espaço da Oficina Cultual, prédio tombado como patrimônio público, e
administrado pela Secretaria de Cultura, localizado na região central da cidade, sendo espaço
cultural de referência no município para atividades como oficinas, palestras e recitais.
O caráter etário entre 19 e 29 anos se apresentou predominante, o que dá enfâse ao
público universitário e classe trabalhadora, de maneira que o RPG, claramente não pode ser
classificado como exclusivamente infantil ou infanto-juvenil.
Tornou-se claro que o jogador de RPG não joga necessariamente apenas RPG, pois os
RPGistas interagem em múltiplos diálogos com outros jogos e jogadores, como o LARP (live
action role playing – representação ao vivo) que é pouco presente no município, em contra
partida de board games (jogos de tabuleiro) e card games (jogos de cartas) que tem um maior
número de jogadores, todavia sem engajamento organizado.
Devido a isto, ocorre uma associação equivocada entre esses jogos. Também devido a
esta proximidade, os jogadores acabam por se agrupar nestes outros seguimentos
correlacionados a fim de manter o RPG vivo, presente e notório. Ao mesmo tempo que os
RPGistas estavam continuamente buscando resgatar seus costumes por meio da experiência
do encontro, uma forma de materializar, mesmo que informalmente, um discurso.
89
Em janeiro de 2014, pela mobilização de jogadores com eventos mais voltados para o
campo acadêmico, o coletivo foi oficializado como ONG de educação e cultura, a fim de gerir
uma representatividade com seriedade diante do poder público às demandas da população de
jogadores, trabalhando jogos no campo da educação e cultura. No 2° Festival Cultural de
Jogos envolveu professores e alunos de escolas públicas, com apresentação de trabalhos sobre
jogos, oficinas de robótica e de game design, chegando a um público de 1.400 pessoas.
Durante maio de 2014, o secretário de cultura, Gilberto Neves (Partido dos
trabalhadores), visitou o espaço da Oficina Cultural, e encontrou o movimento atípico dos
jogadores, com cerca de 80 pessoas. O secretário, por meio da coordenação da ONG foi
apresentado ao projeto e a própria comunidade de jogadores. Neste momento ele se
posicionou diante da abertura de espaços e representatividade social dos jogadores. Após esse
momento a Secretaria de Cultura publicou uma ementa, ainda que com dúvidas, no diário
oficial de 18/12/2013, na página 63, tópico 4.22: “Criar oportunidade para que nos
equipamentos culturais geridos pela Secretaria Municipal de Cultura aconteçam oficinas de
atividade e jogos Rolling Play Game (RPG) concebidos como cultura dos jogos para jovens”.
Essas dúvidas são vindouras do desconhecimento sobre os mecanismos e
características do RPG, que por serem muito subjetivas confundem o poder público, ao olhar
o jogo muitas vezes como um mero jogar de dados (Rolling Play) ao invés da representação
de personagens (Role Playing), o compreendem como manifestação da cultura, embora ainda
não tenham noção clara de sua dimensão.
Essa ação se desprende como um reflexo da política brasileira que começa a
compreender o impacto sócio-político dos jogos, tendo em vista situações esporádicas como a
abertura de editais para a contratação de narradores de RPG para bibliotecas públicas, como
ocorrido em São Paulo em 2010, onde descreve-se:
6.2 As propostas para atividades de RPG poderão ser variadas – Oficinas de
introdução aos jogos de mesa tradicionais, oficinas de criação de personagens,
oficina para criação de um Live-Action, oficina para formação de Mestres, LiveActions com cenários focados na História Universal e História do Brasil. As
propostas devem objetivar o exercício da experimentação e/ou a reflexão acerca dos
seus conteúdos que preferencialmente devem ter relação com a programação e
acervos das unidades de CSMB. 6.3 As propostas de atividades de RPG poderão ser
tanto de introdução quanto de aprofundamento dos fundamentos das áreas de
90
atuação estabelecidas no item 7.2., proporcionando gratuitamente ao usuário das
bibliotecas qualificar-se, atualizar-se, enriquecer sua experiência de vida e formação
nas diversas linguagens artísticas, participar de atividades de lazer, fruição e
socialização. 6.4 Os projetos poderão ter duração variada, com carga horária
máxima total de 12 (doze) horas para as oficinas e de 6 (seis) horas para o LiveAction.119
Em Uberlândia, essa percepção sócio-política mudou drasticamente em 2014, quando
o Secretário de Cultura, abriu precedentes para que jogadores, narradores e editores de RPG,
pudessem concorrer à cadeira de Literatura no Conselho Municipal de Cultura.
Compreendendo que, pela existência de livros de RPG, este se enquadraria como literatura. O
próprio agrupamento e mobilização dos jogadores, influenciados pela representatividade da
ONG Narrativa da Imaginação, promoveu a eleição de um conselheiro e um membro do
setorial de literatura RPGistas. Compreendendo o RPG como uma intercultura, permeando a
literatura, artes plásticas, cênicas e música.
Mesmo com o Festival, ainda existia uma lacuna, a ausência de lojas especializadas
após o encarecimento dos produtos e a pressão da vara do menor, não havendo nenhum
posicionamento social para o surgimento de uma representação comercial oficial.
Entretanto, após o projeto Jogado na Mesa e os demais eventos, houve a mobilização
para uma pratica periódica de jogos; a movimentação social dos jogadores fomentou a criação
da loja Goblin´s Gift Shop, de iniciativa particular, que estabeleceu horários noturnos para a
entrada de jovens maiores de idade e menores acompanhados pelos responsáveis. A loja foi
constituída com a locação de uma casa de quatro cômodos, havendo um banheiro e uma
grande garagem, onde ocorre a maioria dos jogos, tendo funcionamento de quarta a domingo.
Entendemos que o potencial econômico em torno dos jogos é bastante promissor e que
é possível ampliá-lo na cidade. Ainda observamos, por um lado, um mercado conservador, e
por outro, jovens desejando novidades, tentando realizar suas conexões sociais e ampliar os
aspectos da cultura de jogos. O fomento mercadológico reafirma os costumes dos jogadores.
Segundo Sahlins, as pessoas de determinada cultura também representam suas
interpretações do passado no presente em que vivem, em um processo de resgate, de maneira
que “essas interpretações do passado podem comportar certa compreensão e vivência de sua
119
EDITAL DE CREDENCIAMENTO. Nº 01/SMC/CSMB/2010, p. 03.
91
história atravessada ou não por determinados mitos daquela cultura e suas concepções de
tempo e de espaço”.120
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Concluímos esse processo histórico refletindo com o direcionamento de Hannah
Arendt, que contribui para analisarmos estas experiências dos jogadores de RPG:
preconceitos, ações políticas, disputa pelos espaços na cidade, luta por liberdade de expressão,
desenvolvimento de cultura e alteridade.
Percebemos que as ações dos jogadores foram, em alguns momentos, mais estratégicas
para atingir objetivos e, em outros momentos, foram ações espontâneas relacionadas às
individualidades dos sujeitos que queriam apenas jogar. O jogo é diversão, entretenimento e
distração, mas também é uma manifestação cultural, promove criação e construção de novas
relações sociais. Os jogadores ampliam suas ações nas relações políticas. Podem não
dimensionar os resultados que vão atingir, mas sabem que ao agir politicamente promovem
movimentos sociais expressivos, pois suas ações são visualizadas e percebidas na cidade,
obrigando outros seguimentos (administração municipal, órgão jurídico) a vê-los e aceitá-los.
O RPG é um jogo que estimula a ação. Os jogadores são obrigados a refletir sobre a
situação expressa no jogo e criar suas representações. E fora do jogo esses mesmos sujeitos
também são obrigados a agir para estabelecerem as condições para continuarem jogando: a
busca pelo espaço físico, a busca pelo (re)conhecimento sobre quem são, a divulgação dos
seus livros, das suas ideias e cultura. Os jogadores são sujeitos dessa sociedade em que estão
inseridos: vão à escola, trabalham, têm famílias, seguem regras sociais de comportamento e
ordens jurídicas. Eles não são um grupo a parte vivendo outra realidade. E na busca pela
liberdade o autor Celso Lafer esclarece:
A liberdade, no campo da política, é um problema central, para não dizer
um axioma, a partir do qual agimos. Entretanto, no campo do pensamento o
pressuposto a partir do qual raciocinamos é exatamente oposto: nada vem do nada
(nihil sine causa). De fato, num exame teórico sobre uma determinada ação, ela
parece normalmente resultar, conjunta ou separadamente, ou da causalidade da
motivação íntima dos seus protagonistas ou do princípio geral de causalidade que
120
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1990.
92
regula o mundo externo dentro do qual se inserem estes protagonistas. Esta
dicotomia, diz Hannah Arendt, é aparente e só surge quando se identifica política e
pensamento, obscurecendo-se desta maneira o fenômeno da liberdade. O campo do
pensamento é o do diálogo do eu consigo mesmo, que promova as grandes perguntas
metafísicas e onde o livre arbítrio se insere como centro da razão prática de Kant. O
campo da política é o do diálogo no plural que surge no espaço da palavra e da ação
– o mundo público – cuja existência permite o aparecimento da liberdade. De fato, a
consciência da presença ou da ausência da liberdade ocorre na interação com os
outros e não no diálogo metafísico do eu consigo mesmo. Por isso, para Hannah
Arendt, a assim chamada liberdade interior é derivativa, pois pressupõe, ou uma
retração forçada de um mundo público encolhido onde a liberdade é negada – que
são os tempos obscuros por ela tão bem salientados numa coletânea de ensaios
significativamente intitulados Men in Dark Time (1968) – ou uma retração
deliberada da vita activa para a reclusão, sem dúvida digna, da vita contemplativa.
Política e liberdade, portanto, são coincidentes, porém, só se articulam quando existe
mundo público.121
Segundo as percepções obtidas e de acordo com as concepções de Hannah Arendt,
podemos acreditar em um debate sobre o discurso em contrapartida da ação, pois a autora
compreende que “nenhuma outra atividade humana precisa tanto do discurso quanto a
ação”.122
Neste ponto, devido a peculiaridades deste grupo social, o discurso e a ação se
fundem, de maneira que suas práticas se tornam a manifestação de seu discurso, que não é
compreensível em uma articulação coesa de ideias, mas de necessidades, acreditamos neste
arranjo, pois “as atividades mentais, invisíveis e ocupadas com o invisível, tornam-se
manifestas através da palavra”123, desta forma, esta prática teria diversas formas de
manifestação, partindo de sua narrativa-jogo.
Nesta ação aglutinada em que acreditamos existir um movimento convergente de
apropriação de espaços urbanos como uma prática expressiva para fim de manifestar essa
consciência afetiva e moral que toma a forma de um “discurso da necessidade” segundo a
121
LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 62 e
63.
122
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005, p. 192
123
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Ed. Relume-Dumará,
2000, p. 76
93
organização dos sujeitos-jogadores, repaginando as pressões passadas e modelando o
presente, de acordo com demandas emergentes, pois “na ação e no discurso os homens
mostram quem são, revelam ativamente suas identidade pessoais e singulares e assim
apresentam-se ao mundo humano”.124
Essa relocação de papéis e espaços no cenário de Uberlândia foi promovida pelo
incômodo e necessidade de sobrevivência cultural das peculiaridades do jogar, pois esse jogar
dá o significado aos sujeitos, pela própria plasticidade natural do RPG, em sua prática
gregária de diferentes histórias e jogos, saindo da linearidade determinada para um campo de
possibilidades onde consequentemente surge um “desvio, no entanto, é a própria essência da
cultura. Essa ação social, partindo de um jogo de subjetividades permite reafirmar o
pensamento de Hannah Arent, quando concebe que “qualquer pensamento que se construa
entre dois mundos, já implica que esses dois mundos estejam inseparavelmente ligados entre
si”125
Aquele que apenas segue o roteiro, meramente repetindo o passado, é uma pessoa
culturalmente empobrecida”126 diante destes olhares, podemos crer que devido à composição
e recomposição de práticas, o RPG se torna rico como uma cultura emergente e expansiva. A
própria literatura direta ou indireta ligada ao RPG, permite a seguinte consideração:
“pensamentos assemelham-se, seres pensantes tem o ímpeto de falar, seres falantes tem o
ímpeto de pensar”127
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005.
124
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005, p. 192
125
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Ed. Relume-Dumará,
2000, p. 11
126
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 2003.
127
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Ed. Relume-Dumará,
2000, p. 77.
94
ARENDT, Hannah. Compreensão e política e outros ensaios, 1930-1954. Lisboa: Relógio
D’Água, 2001.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Ed.
Relume-Dumará, 2000.
BENJAMIN, W. O narrador. In:___Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e
história da cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRASIL. Portaria n° 1.100, de 14 de julho de 2006. Regulamenta o exercício da Classificação
Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema,
vídeo, dvd, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres. Publicado no DOU
nº 138, quinta-feira, 20 de julho de 2006.
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio de Janeiro:
Nova Era, 2003.
Disponível em: < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-3.pdf >
Acesso em: 12/11/14
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 2002.
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri e arenas narrativas do
“caso Aline”. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofa, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
95
LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2003.
PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPARI-ES. Lei Nº 2506, de 2005. Dispõem sobre a
proibição de comercialização em bancas de jornais e revistas e em estabelecimentos
congêneres de jogos de RPG – Role Playing Game e dá outras providências. Câmara
Municipal de Guarapari-ES, Guarapari, 14 de setembro de 2005.
Disponível em:
<http://www.legislacaoonline.com.br/guarapari/images/leis/html/L25062005.html> Acesso
em: 11/12/2014.
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração, interpretação e significado nas
memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro , v. 1, n. 2, p. 59-72. 1996.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1990.
96
Traduçoes
Neste momento, além de continuarmos o processo de tradução dos artigos publicados na
International Jornal of Role-Playing, começamos a dar alguns passos à frente, pensando em
como abrir o leque cromático das produções estrangeiras ponderadamente.
Entre as possibilidades analisadas ressaltamos dois pontos consistentes quanto às traduções.
Entrevistas, que permitem a exposição e análise da realidade regional, junto ao
comportamento dos jogadores e suas principais influências. E as resenhas, que apresentam a
gama de literatura estrangeira ainda não acessível no Brasil e que podem nortear futuras
bibliografias.
97
OS EFEITOS DO USO DE ROLE-PLAYING ACADÊMICOS EM UM
CURSO
SERVICE-LEARNING128
DE
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES129
Mary Lynn Crow130 - [email protected]
Larry P. Nelson131 - [email protected]
Tradutor: Maykell J. S. Figueira132
RESUMO
O Role-playing acadêmico é uma das estratégias instrucionais de aprendizagem ativa
mais efetivas atualmente, usadas em nível universitário nas universidades norte-americanas na
preparação de futuros educadores. Este estudo, que usa vários tipos de metodologias de forma
mista, é uma investigação sobre o uso do role-play em um curso de graduação planejado para
preparar estudantes para se tornarem treinadores físicos em escolas públicas e professores de
Educação Física. As cinco vinhetas originais encenadas foram escritas especificamente para
preparar os estudantes para lidarem com situações que eles possivelmente encontrarão em
suas futuras profissões. O modelo role-play usado na pesquisa foi originalmente criado pelos
Shaftel nos anos 60, mas diversas variações criativas idealizadas por pesquisadores recentes
foram adicionadas a este modelo para este estudo, fazendo com que esta seja uma versão
adaptada. Os dados coletados incluíram respostas a dois questionários diferentes, informações
advindas de um grupo focal e observações feitas por dois pesquisadores. Tais pesquisadores
128
Um curso service-learning, segundo a Wikipedia, é “uma abordagem educacional que tenta balancear a
instrução formal com a oportunidade de prestar algum tipo de serviço à comunidade, a fim de fornecer uma
experiência de aprendizado progressiva e pragmática. Programas de formação com viés de. service-Learning
devem conectar, de maneira apropriada, a experiência tradicional de sala de aula com as lições da vida real que
surgem por meio do serviço em comunidade.” Por falta de um termo em Língua Portuguesa que descrevesse o
viés educacional de service-learning desenvolvido nos EUA, o tradutor preferiu manter o termo original,
usando-o em itálico para diferenciá-lo do restante do texto.
129
International Journal of Role-Playing, 5 Pre-Layout Online Version
130
The University of Texas at Arlington
131
The University of Texas at Arlington
132
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Universidade Estadual Júlio de
Mesquita Filho (UNESP), Campus Bauru. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências.
98
concluíram que os estudantes não apenas exibiram habilidades nas técnicas usadas para
resolver os problemas encontrados nas vinhetas, mas também que tais estudantes ganharam
confiança conforme participaram dos role-plays, os quais ocorreram durante um período de 4
semanas. Os próprios estudantes relataram que aprender com seus pares, experimentar suas
ideias em um ambiente seguro, serem incentivados a planejar um resultado esperado
antecipadamente e ouvir o feedback de outras pessoas foram suas experiências mais valiosas.
Eles também relataram enfaticamente que preferem o role-play em comparação aos métodos
tradicionais de aulas universitárias.
PALAVRAS-CHAVE: Role-Play, formação de professores, Service-Learning.
1. INTRODUÇÃO
O Role-playing acadêmico é uma das estratégias instrucionais de aprendizagem ativa
mais efetivas atualmente usadas em nível universitário nas universidades norte-americanas na
preparação de futuros educadores. (1) Se o foco da formação é o aprendizado de um novo
conjunto de habilidades, interpretar tais habilidades em um ambiente realista de sala de aula,
porém seguro, permite que os estudantes implementem-nas corretamente em um cenário
estruturado e com mentoria. Também permite que os estudantes ganhem confiança para
executá-las apropriadamente no mundo real.
Os investigadores usaram uma estratégia de role-playings acadêmicos clássicos em um
curso planejado para preparar estudantes para se tornarem futuros treinadores físicos e
professores de Educação Física. Este curso, em especial, também foi planejado como um
curso de service-learning no qual os estudantes atuaram como professores voluntários em
programas extraclasse em escolas da região treinando times esportivos e auxiliando em
eventos e atividades de conteúdos específicos. As vinhetas de role-playing que foram
encenadas foram planejadas especificamente para preparar os estudantes para lidarem, de
forma bem sucedida, com situações que podem vir a aparecer tanto em suas atividades de
service-learning como em suas futuras profissões em período integral como educadores
físicos.
O propósito deste estudo foi determinar os efeitos do uso de estratégias de roleplaying com um grupo de estudantes-professores. O sucesso ou insucesso seria determinado
99
de acordo com três fatores: as atitudes dos estudantes frente à sua participação na estratégia,
sua capacidade de interpretar as habilidades exigidas e o grau de confiança que eles
expressaram em relação ao uso de tais habilidades no futuro, comparado com o aprendizado
do mesmo conteúdo por meio de aulas expositivas. As pesguntas de pesquisa específicas
foram: O uso da versão adaptada do modelo de role-play de Shaftel irá resultar em (1) um
aumento nas interações dos estudantes em sala de aula com seus colegas e com os instrutores?
(2) um aumento nas respostas positivas dos estudantes em relação ao conteúdo do curso? (3)
um aumento na confiança dos estudantes com vistas na sua futura participação em atividades
de service-learning, assim como nas atividade de ensino com seus estudantes?
O role-playing acadêmico (não o mesmo que role-playing game) pode ser definido
como o envolvimento de participantes e expectadores em uma situação com um problema real
junto ao desejo de solução e compreensão que tal envolvimento engendra (Joyce, Weil e
Calhoun, 2009). O processo de role-playing fornece uma amostra viva do comportamento
humano que serve como um veículo para que os estudantes (1) explorem seus sentimentos;
(2) adquiram ideias sobre suas atitudes, valores e percepções; (3) desenvolvam suas
habilidades e atitudes de resolução de problemas e (4) explorem assuntos específicos de
variadas formas (Joyce e Weil, 1980).
De acordo com Henriksen (2004), role-play é “...um meio no qual um pessoa, através
da imersão em um personagem e no mundo deste personagem, tem a oportunidade de
participar e interagir com os conteúdos desse mundo e com seus participantes” (p.108).
Seaton, Dell’Angelo, Spencer e Youngblood (2007) sugerem o uso do role-play para ajudar
no desenvolvimento do auto-conhecimento, da auto-regulação e do auto-monitoramento. Em
um estudo finlandês sobre os role-playing games, Merilainen (2012) descreve o
desenvolvimento social e mental autonarrado por role-players (jogadores).
Habilidades específicas que podem ser adquiridas por meio da prática do role-play
incluem: modificar a prática de um indivíduo à luz de comentários, permitir que o mesmo
torne-se um bom ouvinte, mostrar sensibilidade em relação à sugestões sociais, administrar
emoções em relacionamentos e exercitar a assertividade, a liderança e a persuasão (Elias et.
al., 1997). Karwowski e Soszynski (2008) usaram o role-play com sucesso para treinar
estudantes de graduação em Pedagogia em sua criatividade, mas eles também acreditam que o
role-play pode desenvolver uma capacidade de criticismo construtivo. Sileo, Prater, Lukner,
100
Rhine e Rude (1998) sugerem que o role-play, assim como as práticas de service-learning,
são estratégias apropriadas para facilitar o envolvimento e a aprendizagem de professores em
formação.
De acordo com Randel, Morris, Wetzel e Whitehill (1992), não deveria se esperar que
os estudantes aprendessem a lidar com a complexidade a menos que eles tivessem a
oportunidade para tal, e os autores desse estudo acreditam que o role-playing fornece uma
oportunidade de abordar tal complexidade. Em um estudo planejado para comparar aulas
expositivas com o role-playing no treinamento do uso de reforço positivo, Adams, Tallon e
Rimell (1980) observaram que a performance de pessoal treinado por aulas expositivas era
estável ou decaía após uma melhora inicial, enquanto que a performance de pessoal treinado
por role-playing continuava a melhorar. Moore (2005) lembra que os professores
frequentemente usam o role-playing para facilitar o envolvimento e a interação dos
aprendizes no processo de tomada de decisões.
Scinicki e McKeachie (2011) veem como vantagem mestra do role-playing o fato de
que os estudantes são participantes ativos ao invés de observadores passivos e, portanto,
devem tomar decisões, resolver problemas e reagir aos resultados de suas próprias decisões.
Dell’Olio e Donk (2007) acreditam que o role-playing auxilia os estudantes a fazerem
escolhas responsáveis e autônomas, pois fornece-lhes um espaço de debate para explorar
múltiplas formas de ação e reação em uma dada situação. Hall, Quinn e Gollnick (2008)
afirmam que a experiência adquirida por meio do role-play pode tomar lugar de experiências
em primeira mão que possivelmente seriam impossíveis de adquirir de outra forma, e
explicam que futuros professores-educadores frequentemente citam tais experiências como as
mais formativas e as que mais influenciaram em parte de seu período de formação. Randel et
al. (1992) observou que os estudantes relataram mais interesse no role-playing em
comparação a métodos tradicionais de ensino.
Uma preocupação, entretanto, em relação ao uso do role-play é levantada por Shepard
(2002) que descreve a ansiedade geralmente vivida por estudantes que nunca haviam passado
por uma experiência de role-play antes, particularmente pelo fato de eles terem que encenar
em frente a seus colegas de classe. Henriksen (2004) também expressa preocupações de que
os estudantes podem não apenas estar ansiosos, mas que podem também pensar que o roleplay está associado a uma imagem infantil. De sua parte, os professores são atraídos à prática
101
de role-play, principalmente se sua orientação teórica for de bases construtivistas, permitindo
que seus estudantes aprendam ao fazer conexões entre seus próprios saberes e experiências.
2. CONSTRUTIVISMO E A NATUREZA DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Como definido neste estudo, a natureza do processo de aprendizagem é a de um
processo intencional por parte do aprendiz, de construção de significado advindo de
informações e experiências pessoais. O role-playing acadêmico é um exemplo do uso do
construtivismo e da aprendizagem centrada no estudante, no qual os estudantes são
habilitados a criar seus próprios significados ao participar de situações realistas de cxv
vivência. De acordo com Lainema (2009), o construtivismo tem ganhado popularidade
novamente nos últimos anos, apesar de, certamente, não ser algo novo. Todavia, mesmo hoje,
é difícil defini-lo de forma não ambígua. Baseado nas ideias de Dewey (1910), Piaget (1970,
1972), Vygotsky (1978), o construtivismo pode ser definido em uma variedade de formas
com diferentes áreas em foco.
Kauchak e Eggen (2007) definem-o como uma “visão eclética da aprendizagem que
dá ênfase a quatro componentes: (1) os aprendizes constroem seus próprios entendimentos, ao
invés de os receberem de alguém ou simplesmente captarem o que é transmitido; (2) um novo
aprendizado depende de compreensões e conhecimentos anteriores; (3) a aprendizagem é
ampliada por meio da interação social e (4) tarefas de aprendizagem autêntica promovem a
aprendizagem significativa” (p.9). Ormrod (2000) diz que apesar de que possivelmente não há
uma teoria construtivista única, a grande maioria de seus seguidores compartilham as mesmas
cinco crenças: ambientes de aprendizagem desafiadores e complexos; negociação social e
compartilhamento de responsabilidades como parte da aprendizagem; múltiplas formas de
representação do conteúdo; a compreensão de que o conhecimento é construído e a instrução
centrada no estudante.
Lainema (2009) concorda com a descrição do construtivismo feita por alguns mais
como um conjunto de princípios do que como uma teoria coerente, e de que todos os
defensores do construtivismo não necessariamente compartilham da mesma visão destes
princípios. Marlowe e Page (2005) colocam o construtivismo em contraste com a abordagem
expositiva mais tradicional em quatro aspectos: o construtivismo diz respeito à construção do
102
conhecimento, e não ao recebimento do mesmo; a aprendizagem construtivista diz respeito à
compreensão e aplicação, e não à reevocação; a aprendizagem construtivista é ativa, e não
passiva. A grande maioria dos construtivistas concorda que o construtivismo enfoca no que os
estudantes fazem e experienciam e, portanto, os estudantes são encorajados a assumirem o
controle e a se tornarem progressivamente mais responsáveis por seu próprio aprendizado.
Baseados então na teoria construtivista, prosseguimos definindo a aprendizagem como
a representação intencional, significativa e coerente do conhecimento. Tal representação
ocorre melhor quando os estudantes são direcionados por um objetivo e é bem sucedida
quando eles conseguem conectar novas informações com conhecimentos já existentes de
maneiras significativas. Ela pode ser ampliada quando os aprendizes têm a oportunidade de
interagir e colaborar com outros (American Psychological Association, 1997). O role-play,
como uma estratégia instrucional, aproveita-se destas práticas - conectando novas
experiências com experiências e conhecimentos prévios, e fazendo isso na companhia de
outras pessoas. De acordo com Gunter, Estes e Schwab (2002), a única coisa que realmente
afeta os aprendizes é o significado que estes constroem por conta própria.
Lainema (2009) define a aprendizagem como um processo ativo de construção, ao
invés de comunicação, do conhecimento. Ela se desenvolve melhor quando os aprendizes
experimentam um insight, que é definido por Bigge e Shermis (2004) como uma aquisição de
percepção ou uma maior compreensão de uma situação. Todas essas condições são reforçadas
quando os estudantes se sentem psicologicamente seguros (Rogers, 1969). Em geral, a
aprendizagem deveria envolver propósitos e esforços em direção a um objetivo. Ao planejar
currículos, a fim de que esse tipo de experiência seja proporcionada aos estudantes, os
professores deveriam pensar em estratégias ativas e centradas nos estudantes que começariam,
idealmente, com problemas relevantes que os estudantes estão motivados a resolver e aplicar
em suas próprias vidas. Em nossa opinião, o role-playing satifaz esses critérios. Em nosso uso
do role-playing na preparação de estudantes para se tornarem professores/treinadores efetivos,
definimos nosso papel como facilitadores e líderes de discussões.
103
3. METODOLOGIA
3.1. Participantes do Estudo
Os participantes selecionados para o estudo foram estudantes dos anos finais de
Educação Física de um centro universitário norte-americano de ensino e pesquisa bem grande
e diverso, situado em área urbana, que estavam matriculados em um curso de métodos de
ensino sustentado por um componente de service-learning em uma escola de ensino médio
(por exemplo, treinar um time de futebol em horário extraclasse).
O curso foi especificamente planejado para preparar professores em formação para
tornarem-se professores de Educação Física e treinadores nas escolas públicas. Os alunos que
assistiram o curso no outono de 2010 e na primavera de 2011 estavam num grupo de controle
(N=50) e os outros estudantes que fizeram o curso no outono de 2011 e primavera de 2012
participaram da intervenção de role-play (N=52).
Um subconjunto de 24 dos 52 estudantes (13 homens e 11 mulheres) participaram das
atividades específicas de role-play e responderam a ambos os questionários aplicados neste
estudo. Os dois pesquisadores eram professores na mesma universidade (College of Education
and Health Professions - Escola de Educação e Profissões da Saúde), um deles do
Departamento de Currículos e Treinamento e o outro do Departamento de Cinesiologia. Um
comitê interno de revisores para pesquisa aprovaram os protocolos para este estudo.
3.2 Atividades de Role-Play (A Intervenção)
O modelo de role-playing usado no estudo é elaborado por George e Fannie Shaftel e
consiste de nove passos: (1) aquecer o grupo, (2) selecionar os participantes, (3) estabelecer o
palco, (4) preparar os observadores, (5) atuar, (6) discutir e avaliar, (7) atuar novamente, (8)
discutir e avaliar e (9) compartilhar experiências e generalizar (Shaftel e Shaftel, 1967). O
objetivo do modelo Shaftel, e das diversas variações feitas pelos investigadores, foi o de
ensinar atitudes e habilidades de resolução de problemas, tal como a habilidade de identificar
um problema, de planejar uma forma de solucioná-lo junto com as técnicas alternativas e
experimentar as consequências de diferentes maneiras de lidar com situações problemáticas.
Não foram adicionados elementos de jogos ou de recompensas ao role-playing usado neste
estudo.
104
Uma vantagem educacional única do modelo Shaftel é o seu quarto estágio: preparar
os observadores. Ao escolher estudantes que não estão de fato interpretando um dos papeis
para observar especificamente um dos jogadores, todos os membros da turma tornam-se
diretamente envolvidos no processo. Então, durante o sexto estágio - discutir e avaliar - é
pedido aos estudantes não-participantes que relatem sua reação ao papel que foi interpretado:
se foi realista, foi bem sucedido, quais valores foram adotados pelos jogadores, há alguma
outra forma na qual o papel poderia ser interpretado para atingir a mesma conclusão ou uma
diferente conclusão? Em grandes aulas universitárias, é mais provável que os estudantes
tornem-se e permaneçam engajados no role-play se lhes é dada uma tarefa específica e direta
de observar e criticar um jogador em particular, ao invés de simplesmente estarem presentes
na sala enquanto outros estudante estão atuando.
Em ambientes terapêuticos, quando o roleplay é usado, os participantes são
encorajados a se focarem em sentimentos, e esse tipo de roleplaying conhecido como
psicodrama ou sociodrama é, portanto, planejado para permitir que sentimentos sejam
expressos junto com insights sobre o comportamento da própria pessoa que interpreta e
também das outras pessoas. Por outro lado, em ambientes educacionais, o modelo Shaftel dá
ênfase ao conteúdo intelectual, tanto quanto ao conteúdo emocional e a análise e discussão
que seguem a reatuação são tão importantes quanto o próprio roleplay (Joyce e Weil, 1980).
Nos role-plays no presente estudo, os estudantes foram encorajados a fazer ambos:
reconhecer seus sentimentos e a discutir o conteúdo cognitivo do curso sendo aproveitados
pela vinheta. Além disso, foi pedido a eles que procurassem por suposições subjacentes às
verbalizações e aos comportamentos das pessoas. Conforme o pós-role-play foi encaminhado,
foi também pedido aos estudantes que identificassem valores que estavam sendo expressos. O
modelo Shaftel é planejado para tirar a ênfase do papel tradicional do professor, permitindo
que o professor ouça e aprenda com o grupo. Quando o aprendiz tem a oportunidade de
interagir e colaborar com outros em tarefas instrucionais, o aprendizado é ampliado
(American Psychological Association, 1997).
Um objetivo final do modelo Shaftel e desta pesquisa foi, portanto, permitir aos
estudantes a oportunidade de trazer à sua compreensão consciente seus próprios valores e
testá-los frente às visões dos outros. Na formação docente, isto é de significativa importância
conforme os instrutores tentam mover seus estudantes para onde eles possam tanto validar
105
valores presentes como revisá-los, enquanto eles aprendem por meio de pontos de vista e
sistemas alheios.
Uma vinheta original, ou cenário escrito, foi exibido aos estudantes em um
retroprojetor e os mesmos foram instruídos a determinar qual seria o “resultado esperado” ou
solução para o problema proposto. Então, eles eram instruídos a planejar técnicas ou diálogos
que eles usariam para efetivar seu “resultado esperado”. Enquanto os estudantes escreviam
seus planejamentos, uma mesa e algumas cadeiras foram colocadas na frente da sala de aula.
Nesse momento, os estudantes se voluntariaram (e em alguns casos eram selecionados) para
interpretar partes da vinheta. Depois que o role-play foi concluído, os pesquisadores e os
outros membros da sala deram seus comentários e expressaram suas reações. Alguns roleplays adicionais foram então conduzidos usando a mesma vinheta para dar a outros estudantes
a oportunidade de tentar suas próprias implementações de ideias e estilos de interação.
Variações ou adaptações que foram feitas no modelo Shaftel para este estudo
incluíram o fato dos estudantes planejarem antecipadamente e escreverem como eles iriam
interpretar seus papeis, focando na designação de um “resultado esperado”. Uma segunda
variação permitiu que os estudantes encenassem como treinadores/professores de educação
física para escolher uma “mão direita” para sentar atrás dele/dela durante o role-play a fim de
servir como um auxiliar (para fazer sugestões úteis vindas de fora) para o caso de ele/ela
chegar a um impasse com a pessoa que estava encenando o com algum outro personagem na
vinheta. Uma variação final muito popular chamou todos os estudantes em pares para fazer
role-plays sentados em seus lugares (a fim de experimentar ideias e planos), antes de se
voluntariarem para encenarem na frente da sala de aula. Cada uma dessas variações foi usada
com algumas das vinhetas, mas não com todas as vinhetas.
3.3 As Vinhetas usadas para Role-Plays
De acordo com Schick (2008), é mais provável que os participantes de um role-play
esforçem-se plenamente e estejam motivados a realizar as tarefas - e por consequência
adquirir as habilidades que estão sendo trabalhadas - quando o roleplay é sobre algo que eles
consideram pessoalmente significativo. As cinco vinhetas originais usadas nas dramatizações
foram compostas por conteúdos considerados pessoalmente significativos para esse grupo de
alunos. Alguns dos problemas expostos a seguir são aqueles que os estudantes podem
106
eventualmente encontrar, tanto em sua atividade de service-learning como em sua atividades
como professores/treinadores iniciantes: estudantes de escolas públicas geralmente não estão
motivados a participar; existem estudantes agressivos que podem estar machucando outros
estudantes; assédio sexual em direção ao professor/treinador; estudantes que desafiam a
autoridade do professor/treinador; e o estabelecimento de uma relação de trabalho com um
treinador veterano que não está interessado no programa de Educação Física da escola.
Em todas as vinhetas, exceto a que possui a participação do treinador veterano, todos
os personagens foram interpretados por membros da sala de aula. Na vinheta sobre o treinador
veterano, um dos pesquisadores atuou como se fosse ele. Quando o pesquisador estava
atuando, os estudantes adoraram a chance de levar a melhor sobre seu professor. Uma das
respostas mais interessantes que apareceu depois que cada uma das seções de discussão pósrole-play foram completadas foi a de que os estudantes poderiam se voluntariar para
interpretar outras situações similares que eles gostariam de encenar.
Após o role-play sobre assédio sexual por um aluno em direção a uma
treinadora/professora, por exemplo, os estudantes sugeriram que eles interpretassem o assédio
sexual de uma aluna sobre um treinador/professor e também o assédio sexual entre sexos
iguais com ambos os gêneros. Assim como os professores em formação descreveram no
trabalho de Sobel e Taylor (2005), nossos estudantes também solicitaram cenários mais
próximos do mundo real para solucionar.
Esta foi a vinheta usada para simular o comportamento de um estudante muito
agressivo:
O quinto período vai se desenrolando e, dessa vez, os calouros e veteranos adentram
ao ginásio para uma aula chamada de ‘esportes de times’. Eles te falam que eles tem
jogado usando uma bandeira para marcar as unidades de distância no futebol
americano e alguns estudantes vão até o vestiário para pegar os equipamentos
necessários. Um veterano chamado Dominick divide os times e administra a aula
com muita eficácia, deixando muito pouco tempo e oportunidade para que você
maneje ou controle qualquer coisa que seja. O jogo começa e Dominick exibe um
comportamento extremamente agressivo em relação ao time oponente - atingindo os
estudantes bem forte, tropeçando neles e empurrando-os ao chão violentamente. Ele
também é abusivo em relação aos colegas de seu próprio time, gritando com eles
quando cometem alguns erros e culpando-os por qualquer coisa que dê errado no
time deles. É obvio que os alunos têm medo dele e farão qualquer coisa para tentar
107
ficar fora do caminho dele. Você chama Dominick para conversar em seu escritório.
Qual é o seu próximo movimento?”
3.4 Fontes de Dados: Quantitativos
Duas fontes de dados quantitativos foram usadas para análise neste estudo. A primeira
utilizou um questionário na forma de escala Likert com 14 itens, desenvolvido por um comitê
da reitoria em relação à eficácia e à interação em sala de aula em disciplinas universitárias.
Esse instrumento foi aplicado três vezes, em intervalos regulares, a professores em formação
ao longo dos semestres de controle e de role-play. Baseado em critérios de relevância para
este estudo, apenas seis das 14 questões originais foram mantidas para análise. Como os
dados foram coletados com os participantes no decorrer do ano letivo anterior àquele no qual
as intervenções de role-play foram conduzidas, um design quase-experimental de grupos nãoequivalentes foi aplicado a este conjunto de dados usando uma análise de amostras pareadas
do tipo T-test.
Esse teste compara as médias de duas variáveis, computa a diferença entre as duas
variáveis para cada caso e faz testes para ver se as diferenças médias são significativamente
diferentes ao nível de p < 0,05. O segundo conjunto de dados quantitativos foi coletado a
partir de um questionário somativo e descritivo tratando especificamente da utilidade das
atividades de role-play na disciplina e comparando-as aos métodos de aulas expositivas
tradicionais. Esse questionário foi aplicado apenas a professores em formação que
participaram das atividades de role-play durante o mesmo semestre da intervenção (isto é,
grupo de intervenção do semestre da primavera de 2012 [N = 24]).
3.5 Fontes de Dados: Qualitativos
Usando uma abordagem naturalista (Lincoln e Guba, 1985), os dados qualitativos
foram coletados na forma de um questionário sobre o role-play, um grupo focal de estudantes
e reflexões individuais escritas pelos instrutores. Tais dados foram gravados, transcritos e
analisados, anotando todas as unidades de significados salientes e recorrentes que foram
reportadas. Esses temas não apenas ajudaram a explicar e clarear as informações
quantitativas, mas também serviram para atender a algumas das limitações quantitativas e
fornecer uma descrição mais completa e aprofundada dos fenômenos observado no estudo.
108
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Questionário sobre a eficácia da disciplina
Os resultados do questionário sobre eficácia da disciplina mostraram escores
significativamente mais altos em dois dos seis itens, entre os professores em formação inicial
que participaram das atividades de role-play (Figura 1). O primeiro item, “Os instrutores
pediram aos estudantes da sala que participassem de uma discussão de um tópico em
questão?” exibe como o uso do role-play em uma disciplina pode incentivar o instrutor a
engajar os estudantes com o conteúdo em questão e criar um ambiente de ensino e
aprendizagem mais centrado no estudante. O segundo item, “Os estudantes fizeram ou
responderam perguntas do instrutor ou de seus colegas de classe?” demonstra e confirma o
que outros encontraram na literatura sobre o nível necessário de engajamento dos
participantes em atividades de role-play e o efeito que isso pode ter nos participantes.
4.2 Questionário sobre o role-play
As respostas às cinco questões descritivas no questionário somativo de role-play
foram respondidas como a seguir:
Q1) Você já participou previamente de atividades role-play alguma vez?
Não: 17
Sim: 7
Nota: Todos os 7 estudantes que disseram não ter participado previamente em
atividades de role-play afirmaram que vivenciaram o role-play durante seus cursos
universitários, exceto por uma estudante que disse ter participado de um role-play em um
curso de teatro, mas no ensino médio.
Q2) Descreva sua reação ao uso do role-play como preparação para seu service-learning,
assim como para seu primeiro trabalho docente:
Muito útil: 24
Inútil: 0
109
Q3) Comparando o role-play com o método de aulas tradicionais da universidade, qual deles
você prefere?
Prefere o método de aulas tradicionais: 0
Prefere cenários de role-play: 22
Gosta dos dois igualmente: 2
Q4) Descreva seu nível de engajamento na aprendizagem durante o role-play, comparado com
o método de aulas tradicionais:
Mais engajado durante o role-play: 21
Mentalmente engajado, mas não me candidatei para atuar na frente da sala: 3
Nota: Um desses três estudantes explicou: “Tinha vezes em que eu poderia ter participado,
mas eu optei por não participar. Na minha opinião, eu estava engajado com respostas às
reações de meus colegas durante suas interpretações individuais.” Pareceu óbvio para os
pesquisadores que esses três estudantes não entenderam muito bem o uso do termo
“engajado” que foi usado no questionário sobre role-play.
Q5) Em relação a sua habilidade de pensamento crítico, compare os dois estilos:
Mais engajado em pensamento crítico durante o role-play: 23
Mais engajado em pensamento crítico durante as aulas tradicionais: 1
Nota: A explicação do estudante do segundo grupo foi: “Porque todo mundo estava pensando
ao mesmo tempo, eu não precisei pensar.” No entanto, mais adiante no questionário, ele
escreveu: “Eu sou um aprendiz de mãos na massa e os cenários de role-play realmente me
colocam na situação, ao invés de só ler em um livro sobre eles.”
Outros comentários específicos sobre os questionários incluíram:
“O role-play te coloca mais perto das questões reais, ao invés de apenas ouvir alguém dizendo
a você como reagir. Era sempre excitante ver como as diferentes pessoas responderiam. Eu
aguardava ansioso pra ver todas as diferentes técnicas. Eu sinto que o role-play te força a
responder rapidamente enquanto você também pensa criticamente, oposto ao que acontece nas
aulas tradicionais nas quais as pessoas só podem encenar como se estivessem prestando
atenção.”
110
“Eu tive que prestar atenção porque eu não tinha as situações escritas em um livro depois.”
“Estar apto a refletir sobre esses role-plays e sobre as anotações que eu fiz me ajudaram a
lidar com aquela situação de uma melhor forma do que se eu não tivesse tido experiências
anteriores.”
“Eles me ajudam a descobrir o ‘objetivo’, porque pode ser que nós não soubéssemos o
objetivo antes. Eu devo focar no objetivo e não permitir que minhas emoções interfiram no
objetivo.” (Nota: O comentário feito por este estudante se refere às instruções para escrever o
objetivo pretendido antes de começar o role-play.)
“O role-play me dá uma melhor ideia das situações do ‘mundo real’ e ele tem colocado mais
ferramentas na minha bagagem.”
“Só quando você se vê em uma situação-problema é que você aprende sobre os sentimentos,
obstáculos, etc. como se você estivesse realmente no ‘mundo real’. Realmente não me ajuda
pessoalmente quando me dizem como lidar com certa situação. É mais fácil aprender
FAZENDO.”
“O maior benefício foi que eu estava apto a ouvir a como os outros responderiam a situações
específicas. Conforme eu assistia os outros participarem, eu me senti apto a me colocar dentro
da situação e a pensar mais criticamente sobre minhas respostas.”
No geral, suas respostas aos questionários revelaram que aprender com seus pares,
experimentar ideias em um ambiente seguro, ser forçado a planejar um resultado esperado
antecipadamente e ouvir o feedback dos outros foram suas experiências mais valiosas.
111
4.3 O grupo focal
As discussões que emergiram do grupo focal incluíram temas relevantes em situações
que tinham chance de aparecer ao trabalhar-se em um ambiente de ensino fundamental de
uma escola pública (por exemplo, o planejamento para o sucesso, construção de confiança,
comunicação efetiva e utilidade de processos). Todos os comentários foram, de uma ou outra
forma, reflexões sobre a autenticidade do treinamento para a vida em escolas, apesar de que
não era um treinamento no futuro ambiente de trabalho literalmente.
A procura de um estilo ou estratégia para lidar com os desafios e as realidades da
profissão foi explícita, como observou-se uma e outra vez que esta estratégia de aprendizagem
foi eficaz em trazer os pontos fortes e fracos quando se trata de lidar com situações comuns
educadores se deparam com todos os dias. Como resultado, a experiência de role-play
forneceu uma realização inicial básica sobre como futuros professores possivelmente
respondem no trabalho, permitindo profundas reflexões e auto-análises de como lidar com
situações semelhantes que estão logo “ao virar da esquina” em seus projetos de service
learning e/ou residência de ensino do estudante.
112
A outra parte do grupo focal refletiu sobre alguns dos benefícios de passar por uma
espécie de exercício de aprendizagem autêntico e orientado sem estar vinculado a uma
situação "real" com consequências diretas. Raramente, é dada aos professores novatos uma
oportunidade que permita um julgamento que encoraja que os erros sejam feitos sem
quaisquer consequências reais para os estudantes. Isso inclui a acessibilidade que o role-play
permite ao ter um tempo limite, considerar vários ângulos e soluções, e repensar a forma de
abordar uma situação particular. Estes exercícios permitiram tempo e espaço extra para
perguntas, novas ideias, elaborações e redirecionamento de uma experiência a fim de ganhar
profundidade e entendimento das formas adequadas (e impróprias) de abordar ou lidar com
interações de ensino e situações de aprendizagem. Isso é extremamente importante, pois
sabemos que a escolha de uma palavra por um professor, a linguagem corporal, e disposição
pessoal representa tudo de significativo ao lidar com os alunos.
Também foi discutido se esta plataforma torna possível aprender com várias pessoas
com diferentes experiências (e não apenas o professor), e para ganhar uma perspectiva multidimensional sobre como lidar com o problema de forma eficaz e em diferentes contextos. Por
fim, houve consenso entre os participantes que a estratégia de role-play ajudou préprofissionais a melhor prever desafios e tirar o tempo necessário (ou fazer tempo) para se
preparar para situações precárias que provavelmente ocorrerão em algum momento de sua
carreira.
Com efeito, as atividades de role-play permitiram a professores habilitados estarem à
procura de conflito ou de divergência, a serem proativos ao invés de reativos, e a saber a
melhor forma de tirar proveito de uma oportunidade quando apresentados a ela.
4.4 Observações dos pesquisadores
Dando boa parte do crédito às investigações sobre a formação de professores ao longo
das últimas décadas, a literatura tem repetidamente apontado a formação experiencial como
um meio eficaz para a preparação de futuros professores para o seu trabalho na educação
(Café, 2010; Domangue & Carson, 2008; Wasserman, 2009). Este trabalho concentrou-se
principalmente na aplicação de conhecimentos teóricos e conteúdos junto às disposições,
experiências e práticas de campo (por exemplo, o service learning), além da mera leitura e da
análise do material do curso em geral. Embora este impulso tenha aprimorado a metodologia
113
de formação de professores por incluir a experiência prática e a reflexão guiada com
orientação experiente, o service learning em si ainda tem suas limitações. Acima de tudo, o
service learning está afetando os alunos em tempo real e você não consegue repetir as ações.
Não é possível simplesmente dizer “tempo esgotado” e reexaminar como lidar com
uma situação ou ter um momento para analisar todas as variáveis que entram em fração de
segundo a tomada de decisões ao trabalhar com grandes grupos de alunos; o ensino dá-se em
tempo real. Ao adicionar um terceiro componente como o role-play para este trio de formação
de professores, formadores de professores têm outra ferramenta para se preparar para
situações propensas ao avaliar, analisar e redirecionar uma experiência preparatória antes da
experiência de service learning efetiva. Para determinar se a aprendizagem ocorreu ou deixou
de ocorrer, estamos de acordo com Jonnassen, Peck, & Wilson (1999) em que a avaliação
deste tipo de atividade é orientada a processos, e uma das formas mais válidas de avaliação é,
portanto, avaliá-la enquanto a atividade estiver ocorrendo.
5. Conclusão
Todo professor de ensino fundamental sabe que o trabalho com alunos adolescentes
nem sempre é uma tarefa fácil. Todos os dias há um novo desafio que os educadores têm de
enfrentar, e isso leva tempo e experiência para aprender a lidar com situações de forma
adequada com essa população. Ganhar experiência sobre o mundo real em um ambiente
universitário é muitas vezes difícil, pois o acesso a escolas e alunos também nunca é fácil ou
conveniente. Usando técnicas de dramatização/encenação para orientar futuros educadores
para esses encontros provavelmente difíceis é uma maneira eficaz para construir uma
plataforma para a exploração de questões, fornecer orientação prática, e inspirar a reflexão
sobre as melhores práticas. Este estudo demonstrou que o role-play acadêmico em um curso
de formação de professores com um componente de service-learning pode melhorar a
interação entre instrutores e alunos e também entre alunos e alunos no curso, fortalecendo,
portanto, o reforço da aprendizagem dinâmica ativa em uma sala de aula da universidade.
No que diz respeito às questões específicas abordadas nesta pesquisa, conclui-se que a
utilização da versão adaptada do modelo de role-play de Shaftel fez (1) aumentar a interação
em sala de aula dos alunos com seus pares e com seus instrutores; (2) fez aumentar as
respostas positivas dos alunos em relação ao conteúdo dos cursos, especialmente em
114
comparação com o mesmo conteúdo ensinado sem o uso do role-play; e (3) fez aumentar a
confiança dos alunos na sua capacidade de ter sucesso na atividade de service learning, bem
como no ensino de seus futuros estudante. Futuras pesquisas, no entanto, devem analisar se e
em que medida variáveis de base do estudante, como idade, sexo, nível de ansiedade de
desempenho, e experiências acadêmicas e/ou não acadêmicas com o role-play fazem alguma
diferença nas reações e respostas dos alunos.
Ao utilizar uma versão adaptada do modelo Shaftel de role-plays, os resultados podem
ter sido diferente caso o modelo original de Shaftel de nove etapas tivesse sido utilizado.
Também seria interessante determinar se os alunos teriam reagido da mesma forma caso
estivessem apenas estudando para se tornar futuros professores/ treinadores sem se preparar
para fazer um projeto de ensino-serviço que afetaria suas notas do curso. Como este estudo
não controlou tais variáveis, e por causa do pequeno N, criar uma generalização em relação ao
uso de role-play com todos os alunos em formação estudando para se tornarem treinadores e
professores de educação física, enquanto matriculados em cursos de service learning, é algo
que deve ser feito com cautela.
Nota: Para preparar futuros professores para seu semestre de prática de ensino/residência
exigido pela maioria dos estados nos Estados Unidos, os formadores de professores
geralmente pedem para seus estudantes encenarem o papel de um professor em um formato de
microaula, na qual eles dão uma aula simulada para alguns estudantes.
115
¿Como ocurre el Rol en Montevidéu?
Como é o RPG em Montevideo
Entrevistador: Giovanni Tavaniello
Membro da Associação de RPG “El Bastion”
[email protected]
Entrevistado: Martin A.Perez
Membro
co-fundador
do
grupo
Cavaleiros
de
Montevideo, sendo um dos jogadores pioneiros na
capital.
[email protected]
Tradução: Bruna Fontana Frappa
Universidade Federal de Uberlândia
116
Giovanni: ¿Martin, hace cuanto es que juegas rol y cómo comenzaste?
Giovanni: Martin, quanto tempo faz que joga RPG e como começou?
Martin: Empecé a jugar en el 97.... ya tenía idea de que eran los juegos de rol, porque de
chico viví con mi familia en EE.UU., y mis hermanos mayores habían jugado, y yo heredé
libros de ellos... pero no fue hasta el 97 que no me contacté con gente que ya jugaba rol aca
en
Uruguay.
Yo me había hecho socio de una BBS (una red informática local, por modem telefónico,
aunque ya habia uso limitado de internet), donde había varios jugadores de rol, me hice
amigo de ellos, y empecé a jugar. Julio del 97, vacaciones de julio, para ser exacto, y
jugando AD&D 2nd Ed.
Martin: Comecei a jogar em 97.... já tinha idéia do que eram os jogos de RPG, porque
quando criança vivi com minha família nos E.U.A e meus irmãos mais velhos haviam
jogado, e eu herdei os livros deles... mas não foi somente em 97 que tive contato com gente
que jogava RPG aqui no Uruguay.
Eu tinha me feito sócio de uma BBS (rede informática local, por modem telefónico, mesmo
havendo uso limitado de internet), onde havia varios jogadores de RPG, fiz amizade com eles
e comecei a jogar. Julho de 97, férias de julho, para ser exato, e jogando AD&D 2nd Ed
Giovanni: ¡Eso fue hace un buen tiempo! ¿Antes de eso habías sentido que se jugará rol
antes acá? ¿O de alguna agrupación?
Giovanni: Isso foi há um bom tempo! Antes disso sabia que já se jogava RPG aqui? Ou de
algum grupo?
Martin: No, antes de eso no, por eso no había empezado a jugar con nadie (aunque se me
podría haber ocurrido empezar yo con mis amigos, no?); luego, ya en contacto con otros
jugadores, supe de gente que jugaba aca de antes. Esta gente jugaba hace unos años (94 mas
o menos), y conocian gente que jugaba de un par de años antes, sobre todo gente que habia
117
traido cosas de EE.UU. o Brasil... y yo luego escuche que a fines de los 70133 hubo un mítico
(porque nadie te puede dar un nombre de persona) grupo de rol en la Facultad de
Ingeniería, que se supone es el primero aca.
Martin: Não, antes disso não, por isso não tinha começado a jogar com ninguém (embora eu
pudesse ter pensado em começar com meus amigos, não?); logo, já em contato com outros
jogadores, eu soube de gente que jogava aqui antes. Essas pessoas jogavam há alguns anos
(94 mais ou menos) e conheciam gente que jogava há dois anos antes, especialmente as
pessoas que tinham trazido coisas dos E.U.A. e Brasil... e então eu ouvi que no final dos anos
70134 houve um mítico (porque ninguém pode dar um nome pessoal) grupo de RPG na
Faculdade de Engenharia, que se supõe ter sido o primeiro daqui.
Giovanni: Tengo entendido que fuiste uno de los fundadores de un grupo igual de “mítico”
para varios jugadores de la actualidad conocido como Caballeros de Montevideo. ¿Como
fue que se formó?
Giovanni: Entendi que você foi um dos fundadores de um grupo igual ao "mítico", para
vários jogadores de hoje, conhecido como Cavaleiros de Montevidéu. Como foi que se
formou?
Martin: No se si aplica lo de mítico (sobre todo porque hay pruebas en la prensa de nuestra
existencia); pero bueno. Mirá, Caballeros tiene su origen, sin ese nombre, cuando yo fui uno
de los fundadores de Montevideo Comics a fines del 2001, y se hizo la primera convención
en 2002. Como era el único de los tres fundadores (los otros dos eran Carlos Boquete, y
Matías Castro, este último sigue estando en la organización) que jugaba rol, me encargué de
organizar la parte de rol del evento... de hecho, no hubiese habido juegos de rol si no fuera
por mi participación (no para sacarme cartel, ojo).
133
En la decada del 70’ Uruguay estaba bajo Dictadura; no pudiendo haber reuniones sin aprobacìon policial.
134
Na década de 70, o Uruguai estava sob regime ditatorial; não podendo haver reuniões sem a aprovação da
polícia.
118
Martin: Não sei se pode ser chamado de mítico (sobretudo por haver provas de nossa
existência na imprensa); mas bem. Veja, Cavaleiros originou-se, sem esse nome, quando eu
era um dos fundadores do Montevideo Comics, no final de 2001, e se fez a primeira
convenção em 2002. Como era o único dos três fundadores que jogava RPG (os outros dois
eram Carlos Boquete e Matías Castro, este último segue na organização), me encarreguei de
organizar a parte de RPG do evento... Na verdade, não teria havido role-playing games, não
fosse a minha participação (não digo para me sobressair, veja bem).
Luego de la convención, que fue por abril o mayo de 2002; se me ocurrió que, como hacían
grupos en Argentina, podíamos hacer un evento solo de rol y recaudar alimentos no
perecederos para donar. Con Enrique "Endriago" Castillo y Andrés "Metal King" Montañez
(dos miembros de mi grupo de rol personal, con el que jugamos entre amigos) hicimos la
propuesta al INAU (Instituto del Niño y Adolescente del Uruguay), para hacer un evento en
octubre, bajo el nombre de CDM. El INJU (Instituto Nacional de la Juventud) aceptó, y de
hecho nos pidieron que antes de ese evento participaremos en INJULIO (Juego de palabras
entre INJU y Julio), las actividades recreativas que hacían en las vacaciones.
Logo após a convenção, que foi em torno de abril ou maio de 2002; me ocorreu que, como se
faziam grupos na Argentina, poderíamos fazer um evento só de RPG e arrecadar alimentos
não-perecíveis para doar. Com Enrique "Endriago" Castillo e Andrés "Metal King 'Montañez
(dois membros do meu grupo de RPG pessoal, onde jogamos entre amigos), fizemos a
proposta ao INAU (Instituto da Criança e do Adolescente do Uruguai), para fazer um evento
em outubro, sob o nome de CDM. O INJU (Instituto Nacional da Juventude) concordou, e de
pronto nos pediram que antes desse evento, participássemos no INJULIO (trocadilho INJU e
julho), atividades recreativas que realizavam nas férias.
Tanto INJULIO, como la primera jornada de Caballeros fueron un éxito, y al año siguiente,
seguimos organizando la sección de rol de MC, pero ahora con el nombre. Durante 10 años,
hicimos nuestro evento central en primavera, juntando alimentos, y otros eventos en marzo
juntando útiles o libros, y en diciembre/enero juntando juguetes. Durante el apogeo (*),
119
llegamos a hacer la jornada de primavera de dos días, e incluso tuvimos bandas tocando.
Llegamos a juntar mas de una tonelada de alimentos, y cientos de libros y juguetes.
Tanto INJULIO, como a primeira jornada de Cavaleiros foram um sucesso no ano seguinte,
continuamos organizando a sessão de RPG de MC, mas agora com o nome. Por 10 anos,
fizemos o nosso evento central na primavera, coletando alimentos, e outros eventos em
março reunindo objetos úteis ou livros, e em dezembro / janeiro coletando brinquedos.
Durante o apogeu, chegamos a fazer a jornada de primavera de dois dias, e inclusive tivemos
bandas tocando. Chegamos a juntar mais de uma tonelada de alimentos, e centenas de livros e
brinquedos.
Yo quedé por fuera de MC en el 2006, pero Endriago siguió ocupándose de la parte de rol...
el nombre Caballeros no se usa mas, pero sigue siendo lo mismo, en esencia.
Los eventos propios los dejamos de organizar por falta de tiempo personal, y porque con la
popularización de internet y otros lugares para jugar (Botch, aunque luego cerraría), la
gente no precisaba tanto de los eventos para conocer el hobby o para encontrar grupos. Por
eso dije que hubo un (*) apogeo.
Eu fiquei por fora do MC em 2006, mas Endriago seguiuocupando-se da parte de RPG... O
nome Cavaleiros não se usa mais, porém segue sendo o mesmo, em essência. Deixamos de
organizar nossos eventos próprios pela falta de tempo pessoal, e porque com a popularização
da internet e de outros lugares para jogar (Botch, mesmo que fecharia logo), as pessoas não
precisavam tanto dos eventos para saber o hobby ou para encontrar grupos. Por isso eu disse
que houve um apogeu.
Ah, fuimos los primeros en dar premios a roleros, los Zeppelin (Premios que se daban en las
jornadas organizadas por CDM a Jugadores y Masters), de los cuales usted tiene uno al
menos! Y si bien hubo un boliche rolero antes (Tierra Media), fuimos los primeros en hacer
eventos públicos de rol.
120
Ah, fomos os primeiros a dar prêmios para rpgistas, os Zeppelin (prêmios que de davam nas
jornadas organizadas pelo CDM para jogadores e Mestres), dos quais você tem pelo menos
um! Se bem que houve uma jornada de RPG antes (Terra Média), fomos os primeiros a fazer
eventos públicos de RPG.
Giovanni: Sin embargo hoy en día hay dos grupos que centralizan y hacen jornadas de
juego en Montevideo y otros fuera de la capital (Como el departamento de Maldonado).
¿Pensas que estos son como los hijos (como que descendieron de la misma idea) de CDM o
que forman parte de una evolución natural en el hobby?
Giovanni: Porém, hoje em dia existem dois grupos que centralizam e fazem jornadas de
jogo em Montevidéu e outros fora da capital (como o Departamento de Maldonado). Você
pensa que eles são como os filhos (como se descendessem da mesma ideia) do CDM ou
formam parte de uma evolução natural no do hobby?
Martin: Sería muy egocéntrico de mi parte clamar que alguien es "hijo" de CDM (pero
tengo conocimiento directo de gente que dirige y juega hoy luego de haber jugado por
primera vez en un evento nuestro); y además, La Tropa de Mordor (que tampoco está activa
hoy día) organizó un evento que tuvo lugar entre INJULIO y la primera jornada nuestra
(pero después del primer Montevideo Comics); así que había una idea similar en varias
personas al mismo tiempo.
Martin: Seria muito egoísta da minha parte afirmar que alguém é "filho" de CDM (mas ter
conhecimento direto de pessoas que dirigem e jogam hoje depois de jogar pela primeira vez
em um evento nosso); ademais, A Tropa de Mordor ( que também não é ativa hoje em dia)
organizou um evento que teve lugar entre o INJULIO e nossa primeira jornada (mas após a
primeira Montevideo Comics); assim houve uma ideia semelhante de várias pessoas ao
mesmo tempo.
Y si, incluso en aquella epoca, 2002-2003, había un grupo en La Paz, Canelones, Igdrasil,
que se había formado directamente inspirado por Caballeros... pero creo que todos los
121
grupos o iniciativas nacen de una necesidad común de buscar mas gente para jugar, mas
gente para compartir el hobby.
E sim, inclusive naquela época, 2002-2003 havia um grupo em La Paz, Canelones, Igdrasil,
que havia se formado diretamente inspirado pelos Cavaleiros, mas creio que todos os grupos
ou iniciativas nascem de uma necessidade comum de buscar mais pessoas para jogar, mais
pessoas para compartilhar o hobby.
Salvo la gente de 2d4Orcos, no tengo conocimiento de eventos puramente de rol (sí
convenciones frikis CON rol) acá ahora, pero puede ser que haya. Es bueno siempre acercar
gente al hobby, o darle la oportunidad a la gente que juega con un grupo a un juego X de
jugar con otra gente y probar otros juegos. Yo que sé, con que una persona (y por suerte,
conozco varios) juegue rol porque lo conoció en un evento que ayude a organizar... yo me
siento muy, muy feliz.
Exceto as pessoas de 2d4Orcos, não tenho conhecimento de eventos puramente de RPG
(sim, convenções frikis com RPG) aqui agora, mas pode ser que tenha. É sempre bom trazer
pessoas para o hobby, ou dar a oportunidade às pessoas que jogam com um grupo um jogo
X, de jogar com outras pessoas e experimentar outros jogos. Eu que sei, se uma pessoa (e
por sorte, conheço vários) joga RPG porque o conheceu em um evento que ajudei a
organizar ... Eu me sinto muito, muito feliz.
Giovanni: ¿Que jugas en la actualidad Martin y cuáles piensas que son los Juegos mas
jugados actualmente en Uruguay?
Giovanni: O que joga atualmente, Martin, e quais jogos acha que são os mais jogados hoje
em dia no Uruguai?
Martin: Juego muchísimo menos de lo que me gustaría... actualmente estoy dirigiendo
Marvel Superheroes (pero usando el sistema de Star Wars RPG d6 modificado por mi), y
ocasionalmente jugando Séptimo Mar. Hasta hace poco, jugué Savage Worlds (Day After
122
Ragnarok, para ser más exactos), una larga y gran campaña de Séptimo Mar, y mucho Star
Wars; y hace mas tiempo, Mage: The Ascension y Pathfinder. Me gustaría volver a jugar
Star Wars, Shadowrun, y Mage de manera regular, pero a todos se les complican los
horarios.
Martin: Eu jogo muitíssimo menos do que o que eu gostaria ... Atualmente estou dirigindo
o Marvel Superheroes (mas usando o sistema de Star Wars RPG d6 modificado por mim), e
ocasionalmente, jogando Sétimo Mar. Até pouco tempo atrás joguei Savage Worlds (Day
After Ragnarok , para ser exato), uma longa e ampla campanha de Sétimo Mar, e muito Star
Wars; e faz mais, Mage: The Ascension y Pathfinder. Eu gostaria de voltar a jogar Star
Wars, Shadowrun, Mage de maneira regular, mas para todos se complicam os horários.
Que se juega más aca ahora? No tengo idea. Se que hay gente jugando nWoD (Vampiro y
Werewolf, sobre todo), Warhammer 40k, Shadowrun, y D&D, más bien 3.5, pero algo de
5ta. Pero no sé las proporciones, la verdad, porque solo se basa en conversaciones
puntuales con algunos amigos o conocidos. Despues, tambien sin numeros, basta ver
laprogramaciónn de las noches de las Taberas Orcas para ver que se juega DE TODO en
la vuelta.
O que mais se joga aqui agora? Eu não faço ideia. Eu sei que tem gente jogando nWoD
(Vampiro y Werewolf, principalmente), Warhammer 40k, Shadowrun, e D&D, mais 3.5, algo
de 5ª edição. No entanto não sei as proporções, realmente, porque isso só se baseia em
conversas pontuais com alguns amigos ou conhecidos. E também sem números, basta ver a
programação das noites das Taberas Orcas para ver que se joga de tudo em volta.
Giovanni: ¿Estas enterado de algún estudio que se haya realizado sobre las influenzas
positivas de jugar Rol acá en Uruguay?
Giovanni: Está inteirado de algum estudo que tenha se realizado sobre as influências
positivas de jugar RPG, aqui no Uruguai?
123
Martin: Hmm... sobre influencias positivas exactamente no; pero fui entrevistado por tres o
cuatro estudiantes, alguno de comunicacion, y alguno de sociología, más unos diez o doce
medios de prensa, y en todos se habló de ese tópico, además de todo lo demás rodeando el
hobby. Yo cada vez que alguien me pregunta, habló sobre los beneficios que tiene para la
imaginación, la socialización, etc.
Martin: Hmm... sobre influências positivas exatamente não; mas fui entrevistado por três ou
quatro alunos, alguns de comunicação, e alguns de sociologia, e mais cerca de dez ou doze
meios de mídia, e em todos se falou sobre esse tópico, além de tudo mais que rodeia o hobby.
Eu, cada vez que alguém pergunta, falo sobre os benefícios que tem para a imaginação, a
socialização, etc.
Giovanni: ¿Como crees que las instituciones públicas o el gobierno ve este Hobby?
Giovanni: Como crê que as instituições públicas ou o governo veem este Hobby?
Martin: Como conjunto, las instituciones públicas y el gobierno no tienen ni idea que este
hobby existe. Individuos puntuales que han trabajado en algunas reparticiones (como el
INJU, INAU, etc) saben algo por los contactos que han tenido conmigo o con otros
organizadores de eventos, pero al no haber una industria o producción local (salvo algún
esfuerzo aislado), el gobierno no tiene idea del hobby... al igual que no lo tiene el público en
general.
Martin: Como conjunto, las instituciones públicas y el gobierno no tienen ni idea que este
hobby existe. Individuos puntuales que han trabajado en algunas reparticiones (como el
INJU, INAU, etc) saben algo por los contactos que han tenido conmigo o con otros
organizadores de eventos, pero al no haber una industria o producción local (salvo algún
esfuerzo aislado), el gobierno no tiene idea del hobby... al igual que no lo tiene el públicoo en
general.
124
Martin: Como um todo, as instituições públicas e o governo não tem nem ideia de que este
hobby existe. Indivíduos específicos que tenham trabalhado em alguns departamentos (como
INJU, INAU, etc.) sabem algo
pelos contatos que tiveram comigo ou com outros
organizadores de eventos, mas na ausência de uma indústria ou produção local (salvo algum
esforço isolado), o governo não tem ideia do hobby... Como também não tem o público em
geral.
Giovanni: ¿Por último, cuál crees que es el futuro para este hobby en Uruguay?
Giovanni: Finalmente, qual crê que seja o futuro para este hobby no Uruguai?
Martin: ¿Futuro? No creo que tenga más futuro que el de que siga jugando gente; en ese
sentido, el hobby siempre va a existir. El mercado va a seguir siendo muy chico, no va a
haber una venta formal y sostenida de manuales, y mucho menos producción masiva...
porque si bien se pueden hacer juegos aca (y hay algunos), nunca van a tener el potencial de
exportación que tienen los videojuegos... porque el mercado en todo el mundo es muy chico, y
es dificil llegarle con algo así a un jugador de rol de EE.UU.; al contrario que si se puede
lograr con videojuegos (sobre todo los casuales).
Martin: Futuro? Não creio que tenha mais futuro do que as pessoas seguirem jogando; nesse
sentido, o hobby sempre vai existir. O mercado vai continuar muito pequeno, não haverá uma
venda formal e sustentada de manuais, muito menos produção em massa... Porque mesmo que
possam se fazer jogos aqui (e há alguns), nunca vai haver o potencial de exportação que têm
os videogames... porque o mercado em todo o mundo é muito pequeno, e é difícil de chegar
com algo assim a um jogador de RPG dos Estados Unidos.; ao contrário, se você pode chegar
com videogames (sobretudo os casuais).
Giovanni: ¡Muchas gracias por tu tiempo!
Giovanni: Muito obrigado pelo seu tempo!
125
RESENHA:
PLAYING AT THE WORLD
Tradutora: Gislaine Caprioli135
Mika Loponen
Doutorando
Universidade de Helsinki
+358 50 403 3305
[email protected]
Jukka Särkijärvi
Mestrando
Universidade de Tampere
+358 50 512 0685
[email protected]
RESUMO
Playing at the World, de Jon Peterson, é uma história ambiciosa dos primeiros
desenvolvimentos do Dungeons & Dragons, sem dúvida, o primeiro e mais popular
RPG.
PALAVRAS-CHAVE:
Dungeons
& Dragons,
RPG
de mesa, história da
representação.
1. INTRODUÇÃO
Playing at the World, de Jon Peterson (1), é a história mais detalhada que já foi
escrita sobre o período de nascimento e as origens de Dungeons & Dragons. O livro
procura mapear as influências de uma miríade de projeto de jogos e de ficção de
fantasia que levaram à sua criação através de uma pesquisa enorme da história,
referências intertextuais e um ponto de vista de transmídia. Seu tamanho é ambicioso e
135
Bacharel em Tradução pela Universidade Sagrado Coração de Bauru-SP
126
Peterson foi capaz de utilizar um grande número de fontes primárias, tais como fanzines
com números de circulação minúsculos. Só por ter sido capaz de reunir a maioria dessas
fontes, o trabalho pode ser considerado uma conquista cultural em si só: estritamente
pelo número de fontes primárias, o trabalho de Peterson já é uma tarefa monumental. Se
não fosse por alguns problemas, o trabalho seria um clássico instantâneo e indispensável
para qualquer um que faz pesquisa sobre as fases de nascimento da representação
moderna ou apenas se interessa pelo assunto.
Com 698 páginas (contando com um índice abrangente e uma lista de
referências respeitável), Playing at the World tenta incluir todos os aspectos das fases
do nascimento do D&D. No entanto, tal ambição é prejudicada pela incapacidade do
livro em distinguir fatos de maior e menor importância. Eles são frequentemente
misturados com listas extensas de fontes e explicações, dando grande importância para
detalhes aparentemente pequenos e escondendo fatos de maior peso entre aqueles de
menor significado. Da mesma forma, como discutiremos abaixo, o texto sofre de um
viés de fato seletivo e partes dele devem ser lidas com um pé atrás. A credibilidade do
livro sofre em pontos em que determinadas fontes parecem ter sido privilegiadas sobre
outras para construir uma narrativa específica.
2. A PRÉ-HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO
A ambição do livro é evidente desde o primeiro capítulo, o qual nos fornece uma
apresentação incrivelmente vívida sobre o começo dos jogos de guerra e dos
antecessores do D&D moderno na forma de jogos de guerra com fantasia e do jogo
Chainmail. Infelizmente, o capítulo sofre sempre que Peterson discute o nascimento do
cenário medieval. Os problemas são ainda mais visíveis no segundo capítulo, sobre o
gênero de fantasia medieval: as escolhas mostram omissões e subjetividade que podem,
devido à quantidade de referências, serem consideradas como fatos para um leitor
desavisado (mais detalhes abaixo).
Felizmente, o livro fica melhor a partir do terceiro capítulo, sobre a criação do
conjunto de regras. Para rastrear as fontes que originaram o D&D, o livro volta ao
passado distante atrás das origens, começando com os primeiros jogos de tabuleiro
conhecidos, avançando para o desenvolvimento do jogo de guerra Kriegsspiel, e então,
acompanhando o desenvolvimento nos mínimos detalhes de jogos de guerra do final do
século XVIII, até o surgimento do jogo Chainmail e, finalmente, o D&D. É dada
127
atenção às inovações específicas que surgiram durante esse período, quando simulações
de treinamento militar geraram os primeiros jogos de guerra comerciais, com um lado
particularmente prolongado dedicado à probabilidade como uma disciplina matemática.
No quarto capítulo, o livro salta novamente para o passado para discutir como a
interpretação de personagens nasceu, desta vez começando com o psicodrama de Jakob
Moreno e, em seguida, cobrindo uma variedade de atividades com elementos de
representação durante a metade do século XX. É muito interessante uma discussão
sobre como o início da fandom de ficção científica produziu exemplos de narrativa
colaborativa e representação, originando a Society for Creative Anachronism136 em
1963. Também somos informados sobre as descrições mais completas da série influente
de David Wesely137 de sessões do jogo Braunstein impresso.
No capítulo final, tendo acompanhado os diferentes caminhos de inspiração que
levaram ao nascimento do D&D, o livro abrange os anos de 1974 até 1977 e mais ou
menos tudo o que aconteceu em torno do jogo durante essa época. Através de fanzines,
revistas e algumas cartas particulares, Peterson documenta a recepção e disseminação
do jogo, as primeiras Gen Cons138 depois do lançamento e um maior desenvolvimento
do jogo, como o surgimento da classe “ladino”. Essa também foi a época em que a
indústria de RPG começou a tomar forma e nasceram os primeiros concorrentes para a
empresa Tactical Studies Rules.
Embora os primeiros anos do D&D sejam bem conhecidos e em grande parte
uma questão de registro histórico, Peterson conseguiu desenterrar um tesouro de
informações anteriormente desconhecidas. Também foi discutida a saída de Dave
Arneson do D&D, embora Peterson sabiamente tenha aderido à comunicação
apartidária e evitado o sensacionalismo facilmente instigado pelo tópico.
136
Nota da tradutora: A Society for Creative Anachronism é uma organização internacional dedicada à
pesquisar e recriar as artes e habilidades da Europa antes do século XVII. O “Mundo Conhecido” deles é
composto por 19 reinos, com mais de 30.000 membros que residem em países ao redor do mundo. Os
membros se vestem com roupas da Idade Média e do Renascimento e participam de eventos com torneios,
cortes reais, banquetes, danças, aulas e workshops, e muito mais. Informação disponível no site oficial:
<http://www.sca.org/>. Acesso em 30 mar. 2015.
137
No documento original indica Dave Wesely, mas, de acordo com as minhas fontes, o nome correto é
David:
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-foi-o-primeiro-jogo-de-rpg
http://finslab.com/enciclopedia/letra-d/david-wesely.php
http://en.wikipedia.org/wiki/David_Wesely
http://redboxeditora.com.br/noticias/entendendo-melhor-a-historia-do-dd/
http://antided.blogspot.com.br/2013/09/a-historia-do-rpg.html
138
Nota da tradura: A Gen Con é a convenção de jogos mais original, antiga e com mais visitantes do
mundo, com centenas de empresas de jogos, autores e artistas premiados e participantes fantasiados.
Informação disponível no site oficial do evento: <http://www.gencon.com/>. Acesso em 30 mar. 2015.
128
3. AMBICIOSO, PORÉM PROBLEMÁTICO.
A abordagem de Peterson distingue sua obra de outros inúmeros estudos
simplesmente por focar em detalhes: o grande número de fontes originais citado no livro
é surpreendente. Variando de descrições detalhadas dos processos criativos por trás dos
jogos de guerra populares na década de 1950, tais como o jogo Tactics para analisar os
anúncios de jogos na revista de jogos militares The General 139 na década de 1960, a
parte sobre o início da história é um jubileu para os entusiastas detalhistas dos primeiros
jogos. Incluindo raridades como os primeiros anúncios de jogos de guerra de Gary
Gygax, inventor do D&D, e a planta baixa original da 1°Gen Con desenhada à mão, a
quantidade de fatos é deslumbrante. Infelizmente, é também aqui que o problema de
supersaturação começa. Peterson tende a se desviar sem hesitação, apresentando fatos
secundários e detalhes com entusiasmo e depois voltando ao caminho, dando mais
detalhes – que são ainda mais diferentes do tópico – sem nunca parar para avaliar a
importância das informações apresentadas e deixando os leitores com uma enorme
quantidade de questões insignificantes e não relacionadas.
O problema é agravado pelo fato de que as informações fornecidas não são
muito confiáveis. Por exemplo, a afirmação “Para os fins deste estudo, o primeiro
romance comercial notável veio de Robert Louis Stevenson (1850-1894).”
(PETERSON, 2012, p. 85). A declaração é bastante irônica: de fato, “para os fins deste
estudo”, pode-se dizer que Stevenson escreveu o “primeiro romance comercial notável”,
mas no mundo real, enquanto A Ilha do Tesouro (1883) e O Médico e o Monstro
(1886), de Stevenson, são importantes e notáveis, Os Três Mosqueteiros (1844) e O
Conde de Monte Cristo (1845-1946), de Alexandre Dumas, foram sucessos notáveis no
campo quase meio século antes, por exemplo. Ambos foram traduzidos para o inglês em
1846. Omissões como essas podem ser consideradas simples erros, mas ainda há uma
desconfiança persistente, quando Stevenson é incluído de outra maneira como o
candidato perfeito para exibir a proximidade de jogos e ficção literária: “Robert Louis
Stevenson, autor de O Médico e o Monstro (1886), foi um pioneiro de jogos de guerra
por direito próprio.” (PETERSON, 2012, p. 16) e “Como Stevenson escreveu as seções
139
No original está apenas General, mas eu pesquisei e localizei a revista como The General, por isso
mudei aqui. Fontes:
http://www.vftt.co.uk/ah_mags.asp?ProdID=PDF_Gen
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_General_(revista)
129
finais do famoso romance [...] em sua luta contínua contra a tuberculose, participou de
jogos de guerra no sótão de seu chalé.” (PETERSON, 2012, p. 86).
Muito admiravelmente, os papéis da pulp fiction de Robert E. Howard, bem
como a definição da série Dying Earth, de Jack Vance, são enfatizados. No entanto, um
exemplo óbvio da atitude indiferente do livro sobre fontes é a recomendação de Dark
Valley Destiny (1983), livro fortemente criticado e extremamente problemático de L.
Sprague de Camp, como uma biografia de Robert E. Howard e a dispensa de todos os
outros como culpados por “excesso hagiográfico” (PETERSON, 2012, p. 94). Apesar de
não ser o foco principal do livro, a recomendação mostra uma subjetividade
problemática na seleção do material de origem.
Em outros casos semelhantes, o leitor fica perplexo e pasmo: Será que o leitor
precisa verificar todos os fatos sem ser capaz de confiar em qualquer uma das
informações fornecidas? O texto dá a impressão de que todas as ideias e informações
foram incluídas sem verificação, especialmente se elas encaixam-se na ideia de
encontrar pontes entre jogos e outras artes. Tais erros, embora pequenos, têm o efeito de
fazer o leitor duvidar do material que não é facilmente verificável. Embora muitas das
zines usadas para compilar o livro são de vários arquivos de universidade, muitas delas
são de coleções particulares.
4. CONCLUSÕES
Playing at the World é, sem dúvida, o projeto mais ambicioso produzido sobre
as origens de Dungeons & Dragons. Apesar dos problemas discutidos anteriormente,
ele pode ser considerado uma conquista cultural, tanto no seu escopo quanto em sua
atenção aos detalhes. Para um estudioso de jogos ou um acadêmico de transmídia, o
livro pode ser uma coleção valiosa de informações, desde que o leitor lembre-se de
verificar todas as alegações e observar quando parecer haver uma falha na informação
emoldurada por paredes de texto sobre outros detalhes.
Playing at the World é mais forte quando disseca evoluções específicas dentro
do jogo que conduziu ao D&D. Nessas seções, até mesmo as digressões são agradáveis,
tais como a listagem de todas as ficções populares que tinham feitiços mágicos de sono
ou de raios e a parte central do texto, incluindo o terceiro e quarto capítulos inteiros
sobre mecânica de regras e papéis e imersão são prazerosos de ler, certamente
proporcionarão aos leitores uma abundância de fatos e detalhes interessantes. São nessas
130
seções que Peterson parece estar mais livre e mais confortável e o texto fica natural e
fluido. Não supera os problemas do livro, mas justifica a sua posição como o tratamento
mais exaustivo da história do D&D.
5. REFERÊNCIAS
(1) PETERSON, J. Playing at the World. San Diego: Unreason Press, 2012.
131
Resenha
Pela primeira vez começamos a explorar resenhas sobre livros de RPG e sobre RPG
na Revista, estendendo o convite a romances, manuais e diversos jogos narrativos
que permitam uma leitura simplificada.
O intuito dessa sessão, é apresentar de forma fácil e objetiva, produções
relacionadas a temática servindo de referencia para orientar pesquisadores junto ao
seu levantamento bibliográfico.
Percebo também como um caminho para resgatar o conhecimento para a
comunidade cientifica de livros e jogos raros, que tem muito a contribuir diante das
discussões atuais devido a seu relato histórico e compartilhado.
132
SIMPLES: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora140
Jaqueline Peixoto Vieira da Silva141
Simples é uma obra do autor Marcos Tanaka Riyis142, que orienta como aplicar
uma dinâmica de RPG – Role-Playing Games no processo de ensino e aprendizagem
educacional. Muitos professores não conhecem o RPG, outros não sabem como aplicálo a Educação, então, a função deste livro é apresentá-lo de maneira simples, como
estratégia de ensino lúdico, motivador, cooperativo e facilitador.
O RPG é amplo, dinâmico e infinito. Permite que os participantes promovam
criação, reflexão e interação entre si e com a narrativa proposta. O autor alerta que “são
quase inexistentes os RPGs comerciais que se dedicam ao uso em sala de aula”143. Por
isso, quando um professor decide usar o RPG em aula, muitas vezes, ele precisa adaptar
a técnica e a estratégia do jogo ao seu trabalho didático. Esta é uma ação importante no
desafio de romper com aulas tradicionais e passivas que muitas vezes somente
promovem uma transmissão de informações. É o desafio de mudança de paradigmas,
pois o trabalho educacional precisa ser embasado no desenvolvimento do conhecimento.
O estudante precisa perceber intimamente os significados do conhecimento que ele está
desenvolvendo enquanto sujeito ativo e orgânico, tendo o professor como mediador
desse processo. Assim,
[...] o professor será o “Mestre do Jogo” para um grupo de alunos,
em um cenário descrito/criado/adaptado por ele para garantir que o aspecto
de conteúdo seja adequadamente tratado na aventura. Levando-se em conta
que são infinitas as possibilidades de cenário (e ainda mais numerosas as
possibilidades de se colocar o conteúdo programático em uma aventura), o
140
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004.
141
Graduada em História; Mestranda em História; Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia / UFU.
142
Marcos Tanaka Riyis é mestre em Engenharia Civil e Ambiental pela FEB/UNESP (2012), na área de
Geotecnia Ambiental; graduado em Engenharia Ambiental pela UNESP/Sorocaba (2008) e em
Licenciatura em Educação Física pela Universidade de São Paulo (1994).
143
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004. p. 10.
133
professor pode ter, nos Role-Playing Games, um poderoso aliado na sua
tarefa de educar.144
Riyis explica que o professor deve preparar a aventura de acordo com o
conteúdo que quer abordar, por exemplo, se for uma aventura sobre o período medieval,
na Europa, é preciso contextualizar o espaço geográfico e o tempo histórico. Apresentar
a estrutura social da nobreza, do clero e das famílias camponesas: quem eram, como
viviam, como interagiam socialmente, seus pensamentos e comportamentos. Pode-se
preparar o ambiente com um cenário teatral, partindo do RPG tradicional para o Live
Action. As vantagens do Live Action são: proporcionar maior ludicidade, maior
movimentação, visualmente mais atraente, maior possibilidade de desenvolvimento da
expressão corporal e aspectos cooperativos mais claros. Sempre com a orientação do
professor, que se posiciona como um diretor teatral.
É importante que todos, professores e estudantes, se reconheçam como
jogadores e tenham claro a sua missão. Realizar a missão estabelecida é uma regra que
deve ser seguida. Respeitar as regras possibilita uma interação de jogo e a quebra da
autoridade imposta unilateralmente. Assim, tanto o professor quanto o estudante
tornam-se jogadores no processo para o ensino e aprendizagem, onde a principal função
do professor é ensinar e estabelecer o aprendizado como mediador deste processo. Ao
estudante cabe participar, refletir, ser criativo, questionar, estar atento às informações e
orientações, realizar conexões entre as informações.
Todo o jogo deve ter um objetivo principal: proporcionar o aprendizado
expansivo e consciente. O professor precisa estar preparado para tal, por isso a boa
formação acadêmica e a preparação das atividades de aula são fundamentais. Antes de
iniciar esta atividade de aula com o uso do RPG é preciso conhecer e vivenciar a
experiência do jogar. Isto dará mais segurança e destreza para a realização do trabalho.
Simples oferece o primeiro contato para conhecer o RPG aplicado à educação.
Sobre o jogo, Riyis explica:
Basicamente é um jogo onde cada jogador deve representar um personagem,
de acordo com suas características. Um dos jogadores, denominado Mestre, é
o responsável pela descrição do ambiente, pelo resultado das ações dos
personagens dos jogadores e pela interpretação dos NPCs (sigla em inglês
144
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004. p. 10 e 11.
134
para designar personagens não-jogadores). Os jogadores, após descrição do
ambiente pelo mestre, descrevem oralmente as ações dos seus personagens,
de maneira coerente com suas características. As ações, então, têm o
resultado determinado pelo Mestre, sempre baseado em regras préestabelecidas pelo sistema (nesse caso, o sistema é o Simples). O ambiente,
ou cenário para a aventura (que é como é denominada uma “partida” de
RPG), tem infinitas possibilidades: desde a era Pré-Histórica quanto futurista,
passando pela Idade Média, Revolução Francesa, Década de 20, Cenários de
Ficção Científica, Fantásticos, Baseados em Obras Literárias ou em Filmes
(Matrix, O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Canudos e muitos outros), pois o
jogo prevê que em qualquer ambiente é possível se desenrolar uma aventura
de RPG.145
O livro apresenta alguns exemplos de aventuras de RPG com diversos temas
trabalhados na educação: sobre meio ambiente, orientação espacial, literatura, saúde,
cálculo, ciências. Podemos usar todas as áreas do conhecimento: História, Geografia,
Biologia, Matemática, Física, Química, Línguas, Literatura, Sociologia, Filosofia,
Astronomia. É importante que o professor seja criativo ao montar a aventura, mostre a
aplicabilidade do conhecimento, incorpore o conhecimento à vivência dos estudantes,
permita a construção e a reflexão com pensamentos permeados por “erros e acertos”.
Riyis resume a atividade assim:
1) O professor prepara o cenário, a aventura e os personagens (o professor
pode, ao invés de preparar ele mesmo os personagens, deixar os alunos
fazerem isso, o que já é uma atividade muito interessante, de enorme
potencial pedagógico).
2) O professor distribui os personagens entre os alunos, seja um para cada
aluno, seja agrupando-os, ou ainda designando as tarefas para cada membro
do grupo. Aconselhamos o professor a designar os grupos, pelo menos no
início, para que o processo ensino-aprendizagem ocorra da melhor maneira.
3) O professor explica o andamento e as regras do jogo para os alunos.
4) O professor, “vestindo a roupa” de Mestre do Jogo, introduz, então, os
alunos ao mundo preparado por ele, chamando-os a participar da história e
mais ainda, a contá-la em conjunto.
5) Durante a aventura, o professor introduz elementos do conteúdo que
pretende desenvolver, mas na forma de situação-problema inserida no
contexto da história-jogo.
145
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004. p. 21.
135
6) O desfecho da aventura é feito de modo a dar um gosto de “quero mais”,
ao mesmo tempo em que permite ao professor utilizar os conceitos
desenvolvidos em uma situação de aprendizagem. 146
O autor também orienta: aos professores que tiverem dificuldades em elaborar
uma aventura pedagógica, podem consultar as aventuras prontas e adaptá-las ao
conteúdo. Uma opção são os livros-jogos. Existem os livros-jogos comerciais, algumas
revistas especializadas em jogos de RPG e alguns materiais disponíveis na internet.
Vale a pena pesquisar! Como podemos observar, Simples, é um livro para os iniciantes
em RPG que querem aplicá-lo à Educação. Esta proposta é bastante possível e requer
principalmente disposição, pesquisa e criatividade do professor para realizá-lo.
Uma aventura de RPG para fim educacional não precisa ser desenvolvida
inteiramente em uma única aula. É necessário um processo de ensino e aprendizagem
até chegar ao jogo propriamente. O conteúdo teórico do componente curricular precisa
ser apresentado, explicado, comentado, podendo se utilizar de diversos recursos, tais
como vídeos, imagens, músicas, textos. Antes do jogo também é necessário uma
preparação com explicações sobre esta atividade e as regras que serão seguidas.
Quando se inicia propriamente o jogo, os estudantes já estão envolvidos e
interagindo para esse fim. À medida que o jogo se desenrola muitas questões vão se
tornando mais claras, de modo que o estudante vivencia a prática de ser sujeito social
ativo inserido na narrativa da história do jogo. Esta dinâmica é bastante nova para
muitos professores e estudantes. Muitos ainda não vivenciaram uma forma de ensino e
aprendizagem assim.
Simples é um livro de leitura fácil, com linguagem clara e motivador do uso do
RPG na Educação. A partir da leitura, os professores obtêm ideias para a sua prática em
sala de aula. O autor relata várias experiências desenvolvidas por ele, principalmente
sobre o ensino da educação ambiental, que é uma de suas áreas de formação. Vejamos
um exemplo:
146
Ibid., p. 22 e 23.
136
Jogo Ambiental
Esse jogo foi feito e aplicado em 3 salas de 25 crianças e
adolescentes cada uma. Em uma sala, a idade variava entre 12-13 anos. Nas
outras duas, de 13 a 16 anos. (...)
As salas eram divididas em 5 grupos de 5 pessoas (...). Cada grupo
representava um personagem, portanto, deveriam descrever as ações desse
personagem, de acordo com as características, habilidades, poderes e defeitos
dele. Eu era o mestre do jogo e, como tal, descrevia o ambiente, interpretava
os personagens não-jogadores, solicitava os testes e dava os resultados das
ações praticadas pelos personagens dos alunos. Cada jogo durou em torno de
2 horas e meia, e o tema principal era Meio Ambiente.
A missão dos personagens era destruir um inimigo da natureza
lançando mão de armas e artefatos que deveriam buscar pelo caminho. Nesse
caminho, encontravam com vários moradores da floresta, verdadeiros ou
fictícios, e, de acordo com a interação dos personagens com esses
personagens não-jogadores, as coisas caminhavam bem, ou nem tanto.
Durante o jogo, vários temas ambientais foram tratados, como Efeito Estufa,
Desequilíbrio Ecológicos, Desmatamento, Agricultura, e muitos outros. 147
Simples é um esquema criado para aplicar o RPG no trabalho pedagógico para
fins educacionais e apresenta as regras a serem seguidas. O autor também orienta que a
regra principal é usar o bom senso. O professor deve usar o bom senso ao estabelecer e
aplicar as regras do jogo. Uma aventura é montada pelo professor (mestre) para os
estudantes (jogadores) atuarem com os seus personagens. O mestre orienta os jogadores
a criarem os seus próprios personagens de acordo com a aventura apresentada e
estabelece regras. Os personagens podem ser realistas ou fantásticos; terem poderes ou
não; com características físicas, psicológicas, sociais. Os personagens são criados de
acordo com o conteúdo a ser estudado na aula-jogo. E sobre a construção dos
personagens, Riyis faz uma recomendação:
Recomendo que, nas primeiras sessões, o professor leve os
personagens prontos para os alunos e, só depois que eles já tiverem
experimentado a atividade, eles podem construir os próprios personagens, e
até escreverem sobre as características ou a história dele, ou desenharem sua
aparência, ou outras coisas, dependendo do objetivo do professor. 148
147
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004. p. 45 e 46.
148
Ibid., p. 29.
137
Durante a atuação dos personagens na narrativa, o mestre pode aplicar desafios
como regra para definir algumas ações. Para os desafios podemos usar o dado (um dado
comum de seis lados, que pode ser comprado em lojas especializadas). Funciona da
seguinte maneira: o jogador lança o dado e de acordo com o resultado ele pode ou não
realizar uma ação. Por exemplo: o jogador irá atravessar um rio para realizar uma
missão de combate ao corte indiscriminado da mata nativa; ele lança um dado, se o
valor for acima de 3 ele pode seguir, se não, ele deve permanecer no mesmo local e a
sua missão ficará comprometida. Essa dinâmica torna o jogo instigante e obriga o
jogador a redefinir a sua estratégia até obter nova oportunidade de jogada com o dado.
O dado também pode ser utilizado nos testes, “fazemos os testes quando não é possível
afirmar com certeza o que aconteceu ou quando queremos que o fator sorte determine
como se resolve determinada ação.” 149
Essas são as regras básicas para aplicar o RPG na sala de aula.
Lembrando que a regra número 1 é a Regra do Bom Senso, a número 2, a
Regra dos Objetivos, ou seja, o resultado da ação é determinado pelo objetivo
do professor naquele momento. Finalmente, temos a Regra de Ouro do RPG:
decisão do Mestre não se discute, cumpre-se.150
O objetivo principal desse livro é dar orientações a quem não conhece a
mecânica do RPG ou para quem o conhece bastante e está envolvido ao sistema que
prefere. Simples, apresenta um sistema que pode ser modificado e adaptado as
necessidades do professor para atingir o objetivo de ensino e aprendizagem dos
conteúdos curriculares.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem
através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004.
149
Ibid., p. 27.
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de uma
estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004. p. 31.
150
138
ENTREVISTAS
As entrevistas deste ano foram pautadas na curiosidade (e igualmente na falência do
Projeto 42, que previa coletar via História Oral, as peculiaridades do RPG nas cinco
regiões do Brasil) sobre o comportamento e organização dos RPGistas (ou rolistas) de
acordo com os parâmetros regionais e culturais estabelecidos.
Também foi a tentativa de explorar novas mídias para o exercício de entrevistas com
maior riqueza de detalhes, assim foi possível utilizar o Hangout, aplicativo relacionado
do Gmail e o Facebook, como ponto mais frequente de encontro entre jogadores que
debatem suas demandas locais.
Acredito que sem a exploração destes novos canais, encontrar e lidar com as práticas
deste jogo torna-se incoerente, pois é comum ao RPG absorver aspectos culturais e
socialmente ativos, a fim de representá-los em jogo. Como editor, realizei algumas
destas entrevistas, a fim de abrir a discussão sobre essas possibilidades desse tipo
interação, sem fugir do aspecto cientifico, mas ao mesmo tempo aceitando algumas
entrevistas mais populares, para visualizar e contextualizar o jogo em outras realidades.
A seguir, existe um apanhado heterogêneo que viaja do Japão até Brasil (do sudeste ao
nordeste) em um caráter exploratório a fim de perceber e refletir como as práticas
relacionadas ao jogar, coexistem simbolicamente com a experiência social dos
jogadores.
Houve também um relato muito interessante sobre RPG e Educação, no Recife,
complemente fora do Eixo Sul-Sudeste, que no cenário do RPG nacional aparente é
predominante. Assim como um recorte sobre cidades do interior de São Paulo, que
pouco são enquadradas no cenário nacional, por terem vivenciado entre 1990-2010 com
um restrito acesso aos jogos em relação as capitais e que tiveram que constituir sua
identidade-jogadora.
139
NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO: RPG E A EXPRESSÃO
AFIRMATIVA DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA.
Entrevistador: Arthur Barbosa de Oliveira151
Entrevistado: Gabriel Contini Abilio152
1. Fale sobre seu trabalho.
Minha monografia aborda, conforme já introduzido, a hipótese de
conseguir descobrir, na linguagem de cenários de RPG, elementos que atuem
como um reforço para a identidade cultural. Nesse trabalho abordei
especificamente a identidade cultural brasileira, sendo esse reforço associado
com uma experiência de aprendizado e contextualização histórica, apresentado
na proposta de narrativa do livro básico de “Desafio dos Bandeirantes” (1992).
2. Como foi produzir um trabalho sobre um tema tão pessoal?
Não considerei esse trabalho como pessoal em qualquer momento. Sou
daqueles que considera o trabalho acadêmico como “produzir ciência” e tentei
ser tão metódico quanto possível. Mas havia algo de motivador em tentar
compreender melhor esses aspectos da nossa “narrativa histórica”, que o jogo
pode explorar como um elemento de contextualização e revisão do contexto
social do presente. Nesse ponto, foi belíssimo.
3. Qual a porcentagem de conteúdo do seu trabalho de que você já tinha
conhecimento antes mesmo de iniciar a pesquisa?
151
152
Graduando em Letras da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
Graduado pela Universidade Federal do Tocantins
140
Eu tinha certa familiaridade com o trabalho de Durand e Jung, sempre
tive grande interesse pela história brasileira (minha próxima graduação) e já a
muito estava pesquisando sobre a narrativa do RPG. Aprendi muito durante as
pesquisas, principalmente buscando compreender melhor como conectar esses
trabalhos tão distintos.
4. A UFT incentivou sua pesquisa? Alguém, fora a orientadora, já se
interessou pelo seu trabalho?
Minha universidade ainda não conhecia o RPG do “ângulo de vista
acadêmico”. Creio que os poucos que conheciam achavam que não era algo
digno de pesquisa.
Tive mais suporte dos meus amigos, jogadores também, e um apoio especial de
Carlos Klimick Pereira, um dos autores de Desafio dos Bandeirantes, que foi um
verdadeiro “segundo orientador”, com tantas entrevistas que eu fiz com ele.
5. Qual é a importância de uma afirmação de identidade cultural?
Stuart Hall, em A identidade cultural na pós-modernidade, só existe a
necessidade da afirmação de uma identidade cultural quando os elementos que a
caracterizam ficam “ameaçados”. Isso acontece mais frequentemente no mundo
contemporâneo, dado o processo de globalização e as rápidas trocas culturais.
Hall mostra que há vários dispositivos de afirmação dessa identidade
cultural, normalmente envolvendo a utilização da narrativa como ferramenta
para desenvolver no receptor um sentimento de pertencimento e continuidade.
Esse processo teria forte relação com a compreensão histórica.
Todavia, Hall coloca que a ideia de uma identidade nacional unificada e
homogênea, que suprime identidade menores, encontra-se em decadência, sendo
uma nação moderna, um “híbrido cultural”, de múltiplas identidades. Isso é algo
muito próximo do que Maffesoli coloca, de que atualmente vivemos em
“tribos”, com identidade de pequenos coletivos.
Estas podem sim, a sua forma particular, possuírem suas próprias versões
desse sentimento de pertencimento e continuidade, compreendendo e revendo
sua posição social e atuando até para melhorar essa situação.
141
6. Como foi seu primeiro contato com o RPG? Quando percebeu que esse jogo
poderia ser aproveitado na academia?
Jogo há 9 anos e algumas vezes já tentei usá-lo como objeto de estudo,
até mesmo no ensino médio, quando tentei transformá-lo no meu projeto da
feira de ciências.
Mas só na faculdade descobri que existiam mais pesquisadores do ramo.
7. O que é a “cultura brasileira”?
Segundo Melander Filho (2009, p. 2), na interpretação de E. Tylor,
cultura é a expressão da totalidade da vida social do homem, em sua dimensão
coletiva, sendo essa adquirida, na sua maior parte, do convívio social e das
experiências que o indivíduo obtém ao longo da vida, sendo essa característica,
em sua maior parte, desconectada de qualquer hereditariedade biológica.
DaMatta (1997) coloca que uma cultura só é analisada com um
referencial. Assim, a cultura brasileira é o conjunto dos elementos de nossa
dimensão coletiva que nos caracteriza como “brasileiros”, em contraste com
franceses, canadenses ou australianos.
8. Você acredita na educação aliada ao RPG? Você acredita que o bom mestre
de RPG deve buscar sempre mais conhecimento para enriquecer as
histórias co-criadas?
O RPG é um fantástico instrumento de aprendizado. Não estou em meu
ambiente falando de educação, mas sabemos, conforme Freire (1996) que
educação depende de comunicação. E o RPG é uma ferramenta de comunicação
que naturalmente instiga ao ouvinte a buscar continuamente mais sobre o tema
exposto, na possibilidade de obter melhores resultados dentro do cenário da
crônica.
O mestre em si é um caso a parte, uma vez que este já precisa
antecipadamente compreender os elementos de seu cenário para então poder
permitir a outros viajar por eles. Sem esse domínio o jogo fica chato ou os
142
jogadores se “aproveitam dessas brechas”, o que faz da necessidade de
aprendizado constante, como ferramenta de compreensão do cenário, parte de
um sistema de autorregulação da crônica.
9. Você acha que os RPGs são ou podem ser competitivos? Justifique.
Quando o mestre propunha o desafio, ele esperava que você quisesse
vencê-lo, fosse uma caçada, uma estratégia de combate ou uma cena
interpretativa.
Segundo Huizinga (2001), seres humanos são jogadores competitivos. Isso é
fato, mas não significa que no RPG os jogadores lutem necessariamente entre si,
ou que o mestre perca quando os jogadores desvendam um mistério. A
competição é inerente ao jogo, a noção de “vencedor e perdedor” é subjetiva.
10. O que você pensa sobre o sistema de “premiação” em pontos de experiência
do RPG? Não soa um pouco behaviorista? Pode gerar conflitos?
O sistema de pontos de experiência é um recurso de evolução dos
jogadores como uma bonificação. Isso pode gerar um certo grau de
competitividade e até ser usado como elemento de penalidade – quem nunca
tirou XP de um jogador que cometeu um out game que atire a primeira pedra –,
o que reflete um certo behaviorismo sim.
Mas, de forma geral, o XP foi criado como elemento de evolução do
personagem,
representando
a
desenvoltura
e
desenvolvimento
do
personagem/jogador, pois “conforme os jogadores aprendem mais sobre o jogo,
a campanha e interpretação, isso deverá se refletir em seus pontos”
(RODRIGUES. 2004, p. 78).
11. Quais áreas da academia você crê que participam ou podem participar dos
estudos que abrangem o RPG?
O ramo é mais pesquisado pelas áreas humanas, mas enquanto acreditase que a academia existe também como instituição de aprendizado, todas as
143
áreas podem se utilizar do RPG como técnica de ensino ou simulacro
profissional.
12. Quais as possibilidades que seu trabalho encontrou para o RPG? Você crê
que os educadores possam utilizar-se dessa ferramenta? Faz alguma
ressalva?
Não sou exatamente da área da pedagogia. Meu principal interesse era
apenas comprovar uma hipótese, sem muito interesse em “como seria usada”.
Encontrei grandes aplicações no estudo da história, uma vez que a história já é
naturalmente uma narrativa, que sei que já são exploradas por muitos
pesquisadores e educadores.
13. Você acredita que o jovem do século XXI que frequenta o âmbito virtual,
consome a mídia POP geral, ainda é seduzido pela estética do RPG dos anos
90? Acredita que os RPGs possam passar por adaptações?
Quem fala comunica algo a alguém. Qualquer mensagem tem um
público-alvo, sendo esse o parâmetro para a aceitabilidade da comunicação.
Vivemos em um híbrido cultural. Sempre acharemos quem goste de
praticamente tudo, ainda mais em um mundo globalizado. Mas ao pensar em
grandes grupos acaba-se por readaptar cenários antigos, imbricando estéticas
mais contemporâneas, visando o público-alvo. Cinema, teatro, livros... Por que
não os cenários de RPG?
14. Qual a maior dificuldade em apresentar o RPG para a sociedade
tradicional?
Prefiro não opinar nesse assunto.
15. Como você enxerga o imaginário coletivo de um jovem brasileiro? Seria o
mesmo em todo o Brasil?
144
O imaginário individual é diferente de pessoa para pessoa. Quando
pensamos em imaginário coletivo brasileiro, pensamos em alguns elementos
que, em geral, encontram-se no museu do imaginário da grande parte dos
brasileiros, não sendo obrigatório pertencer a todos os elementos do grupo ou a
qualquer deles para ser brasileiro.
Quanto mais afastados (geográfica, socialmente, etc.) os indivíduos, mais
distantes seus imaginários, pois suas dimensões cotidianas possuirão maior
distância. Isso não significa que não haja um imaginário coletivo, todavia este
não será homogêneo e uniforme, demonstrando em tal diversidade várias
versões de brasilidade que comporão nossa híbrida identidade coletiva.
16. O que é identidade para os teóricos? Você concorda?
Há vários conceitos. Alguns muito discrepantes. Para Backzo “designar a
identidade coletiva corresponde, do mesmo passo, a delimitar o seu 'território' e
as suas relações com o meio ambiente e, designadamente, com os 'outros'; e
corresponde ainda a formar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e
aliados, etc”. (BACKZO. 1985. pp. 309)
Eu parto de uma linha mais comunicativa, em que narrativa então afeta a
humanidade em geral. Isso porque “mesmo que inconsciente, existe um
permanente monólogo interior narrando a vida, reinventando-a, projetando-a”.
Esse monólogo misturar-se-ia com a convivência social e sofre influência de
outras narrativas, construindo constantemente a vida como uma narrativa
(RODRIGUES, p. 29). Nessa situação, Durand (1996) irá afirmar que os
elementos são imaginados, sendo representações uma imagem absorvida pelas
experiências a cerca do mundo concreto, bem como reflexões sobre este,
tornando-nos “seres do imaginário”. Da mesma forma, Hall (2005) colocará que,
quando compreendemos haver interconexões entre nossos monólogos e os de
outrem, encontramos uma identidade coletiva, que pode chegar a uma identidade
nacional, com os elementos representados de maneira similar por uma nação.
17. Você acredita que os brasileiros um dia vão perder a brasilidade do
imaginário? Esse evento poderia acontecer com outras etnias?
145
De acordo com Hall (2005), a identidade coletiva vem se fragmentando e
sofrendo grandes transformações em todas as grandes nações. Todavia, não
parece possível que a identidade em si desapareça, mas que essa se transforme
continuamente, não só no Brasil como em qualquer lugar que participe desse
processo de globalização.
18. Como você se interessou pelo titulo “Desafio dos Bandeirantes”?
Encontrei-o pela internet e me pareceu uma proposta interessante. De
primeira vista eu não o considerava tão sério e profundo, mas percebi que
possuía uma forte vertente de discussão social e histórica envolvida ao jogo.
19. Descreva um pouco sobre o Desafio dos Bandeirantes.
Diferente do que eu achava da primeira vez que o vi, não é um Dungeons
and Dragons Tupiniquim. É um RPG com muitos elementos de campanha de
desbravamento, voltado mais para a aventura, ambientado na Terra de Santa
Cruz (Brasil colonial, 1650). O cenário mostra um país marcado por racismo,
misticismo e o forte desejo de civilizar e colonizar essa terra jovem e misteriosa.
Por um lado, os brancos possuem toda a riqueza e possibilidade de
ascensão, por outro, mestiços, negros e indígenas lutam contra o estigma da
escravidão e da segregação, vivendo a margem do mundo civilizado. Assim, é
na bandeira (grupo expedicionário) que todos são iguais. Quando o perigo da
selva e do desconhecido assola e o sobrenatural se mostra real, percebe-se que
há, dentro dessa multiplicidade de identidades possíveis para personagens, uma
parcela de pertencimento de cada um sendo demonstrada a sua forma, sem que
com isso o quadro refletido seja apenas “aceito”.
20. O tema abordado na historia é muito recente. Qual faixa etária você
acredita conseguir compreender a dimensão da proposta desse titulo?
Eu não o proporia para menores de 16 anos. É um tema que pode ser
estudado muito antes, mas é preciso certa maturidade para lidar com temas como
escravidão e segregação social e racial.
146
21. Como você vê a aceitabilidade desse título em ambientes diferentes da
sociedade? Classes sociais diferentes, ambientes políticos, religiosos.
Acredita que possa haver rejeição de algum grupo?
Prefiro me abster de comentários sobre esse assunto.
22. Como você vê a descrição do indígena e do negro? Qual o nível de
complexidade que foi utilizado para descrevê-los? Você vê alguma falha no
livro?
Ambos foram muito bem trabalhados, cada um a sua forma, não sendo
suprimidos como alguma coisa homogeneizada.
Aos índios é dada a opção de escolher sua tribo (que pode influenciar fortemente
a interpretação) e atribui-se certa estética silvicula, associando-o aos mistérios
das matas.
Os negros ficam mais marcados pela escravatura e pela luta pela
liberdade. Senti falta da quebra de coletividade, pois não são apresentadas
opções de “tribos” de origem destes, mas acredito que a intenção era demonstrar
que uma identidade coletiva mais forte se formou naquele momento, devido à
situação. Também existe certa estética mágica associada a estes, sendo a etnia
com maior possibilidade de escolher profissões mágicas.
23. Você acha que a temática combativa de alguns RPGs pode suprimir a
interpretação? Justifique.
O RPG permite ao jogador a opção de simulacro da realidade, vivendo o
que não pode viver em seu cotidiano. Em Desafio dos Bandeirantes encontrei no
combate e na aventura o maior elemento de afirmação possível da identidade
cultural.
24. Como o fantástico e maravilhoso está inserido no livro de regras?
147
O jogo permite uma série de profissões mágicas, tais como jesuíta,
sacerdote de religiões africanas, pajé, bruxo, etc., que influenciam o jogo a não
se prender a uma proposta “mundana”.
Em muito o estilo da proposta influencia o jogo à campanha do
desbravamento ou resgate, seguindo contra seres mágicos, negociando com
entidades, combatendo malfeitores, o que o leva ao “maravilhoso do ponto de
vista bélico”, de Rodrigues (2004), como um conto de cavalaria nas terras da
santa cruz.
25. Você acredita existir alguma faixa etária que não consiga interagir com o
mundo de RPG?
É um pouco complicado para crianças compreenderem os RPGs
tradicionais (D&D, Gurps, Storyteller, etc.), mas isso não significa que trabalhos
educativos não possam ser utilizados, com base no RPG, com crianças que já
possuam a capacidade de comunicação desenvolvida.
26. Considerações finais?
Apenas agradeço o espaço dado pela entrevista e pela Mais Dados.
Referências:
BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et All.
Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. 6ª edi. EDITORA
ROCCO LTDA. Rio de Janeiro. 1997.
DURAND, Gilbert. Champs de l’imaginaire. Textes réunis para Danièle
Chauvin. Grenoble: Ellug, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 3ª edição. São Paulo. Ed EDA. 1996.
148
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª ed. São Paulo:
DP&A Editora, 2005.
HUIZINGA, J. HOMO LUDENS. Jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
MELANDER FILHO, Eduardo. A Cultura Segundo Edward B. Tylor e Franz
Boas. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 2009.
149
PROJETO: RPG NA ESCOLA
Entrevistador: Rafael Correia Rocha153
Entrevistado: Ricardo Ribeiro do Amaral154
1 - O que é o RPG na escola? Disserte sua história.
O RPG na Escola é um projeto que visa promover o uso do Role Playing Game
na educação, a partir da difusão de experiências práticas, artigos científicos e
informações úteis que possam colaborar com o educador que nunca utilizou esse
instrumento, mas tem curiosidade em experimentá-lo.
Ele foi inspirado a partir de minhas próprias dificuldades ao iniciar esse processo
de auto formação sobre o RPG. O livro escrito há 02 anos atrás (RPG na Escola:
aventuras pedagógicas) foi mais uma contribuição para aquele educador leigo, que
nunca jogou o RPG em sua vida mas ouviu falar sobre esse recurso, gostaria de utilizálo, mas não sabe como.
O projeto se materializa a partir do site www.RPGnaescola.com.br. É por lá que
divulgamos todo o nosso conhecimento adquirido desde que iniciamos essa caminhada
RPGística, em meados de 2004. O site, no entanto, é mais recente. Ele foi criado há
mais de 5 anos.
2 - Quando e como o RPG te encontrou?
Eu sempre digo que sou um ponto fora da curva. Nunca em minha adolescência
joguei RPG, nem mesmo sabia de sua existência. Somente no início dos anos 2000,
recém formado em Física e na minha busca por algum recurso que pudesse motivar
meus alunos na sala de aula, foi que tive o primeiro contato com o RPG.
Não lembro em que site eu o descobri, mas tratava de uma exemplificação do
uso do RPG para as aulas de Geografia. Mostrava uma situação em que os estudantes
precisavam se localizar geograficamente no mapa-mundi depois de se perderem no
153
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Mestre me ensino de Ciencias pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutorando e, Educação
Matematica e Tecnologia (UFPE). Coordenador do projeto RPG na escola.
154
150
tempo e no espaço, enquanto voltavam para casa no ônibus escolar. Achei aquilo o
máximo! E comecei a me perguntar: porque não utilizar o RPG na Física?
Depois de mais algumas buscas, encontrei uma série de artigos do Wagner
Schmit que tratava do ensino de Física com o roleplaying game. Aquilo foi como um
tesouro descoberto! Fiz a lição de casa e adquiri os livros da Sônia Rodrigues, do
Klimick e do Riyis (referências em qualquer trabalho sobre RPG e Educação).
Então criei uma aventura para testar com alguns alunos convidados. Mas eu
tinha um problema. Só sabia a teoria, nunca havia jogado uma aventura de RPG! Eu
precisava experimentar. Fuçando o Orkut, descobri um grupo aqui em Recife que
organizava, na época, encontros mensais de RPG em uma das unidades de uma grande
rede de lanchonetes. Apareci por lá e finalmente pude jogar algumas sessões,
descobrindo que era exatamente como eu imaginava.
A partir disso, fiz minha primeira experiência com 6 alunos convidados num
horário extraclasse. A experiência foi tão expressiva que, desde então, sempre uso o
RPG em minhas turmas. Hoje posso me considerar um RPGista, mas ainda falta uma
experiência no meu currículo: nunca participei de uma aventura clássica de D&D, como
jogador, apenas como mestre. Preciso corrigir isso!
3 - Quem faz parte do grupo? E como fazer parte do grupo?
Não existe um grupo. Tenho dois colaboradores, ambos RPGistas e ex-alunos,
que me ajudam com sugestões de pauta, organização do site, criação de logomarca, etc.
são o Tomás Almeida, estudante de Informática e o Rodrigo Silva, estudante de
Cinema, ambos pela UFPE. Aproveito para agradecer a grande ajuda que eles me dão
desde o início até hoje.
4 - Como os professores e alunos reagem ao processo?
Graças a Deus, nunca tive qualquer dificuldade com o RPG junto a alunos ou
professores. Já cheguei a fazer algumas oficinas práticas com colegas de outras
disciplinas e foram momentos deliciosos e de muita troca de experiências. Com os
alunos, nem se fala. Sempre fui muito bem recebido quando propus as atividades com o
RPG. Como as aventuras são curtas (no máximo 6 horas aulas), eles sempre pedem para
repetirmos a experiência com outras aventuras.
151
5 - Quantas escolas já foram atendidas? Fale sobre o resultado?
Como o projeto é basicamente virtual, não posso precisar o quanto de
professores já se beneficiaram dele. Mas já ultrapassamos os 20.000 acessos este ano,
incluindo vários acessos de outros países, em sua maioria europeus.
Localmente, há dois anos, desenvolvo um projeto de extensão com oficinas de
RPG para alunos de escolas públicas do grande Recife, dentro da própria UFPE. Pelo
projeto, dirigido pela Coordenadoria de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE), um
bolsista do curso de Física e RPGista atende grupos de cerca de 20 a 30 alunos para uma
experiência de 4 horas com o RPG e a Física. A universidade fornece um ônibus para
pegar esses estudantes na escola, trazê-los para a universidade, e depois os leva de volta
para seus colégios.
O resultado tem sido bastante esclarecedor sobre o que esses jovens esperam da
escola. Neste último ano, atendemos cerca de 400 estudantes. Estamos escrevendo um
artigo sobre essa experiência.
6 - E o material escrito, poderia dissertar sobre ele?
Você fala sobre as aventuras produzidas? Bem, isso foi um longo processo! A
primeira aventura que escrevi e utilizei levou mais de 10 encontros para chegar ao fim.
A segunda aventura, 8 encontros. Percebi que, para utilizá-las no horário da aula,
precisavam de uma duração menor, pois esse quantitativo poderia atrapalhar, de alguma
forma, o planejamento das demais atividades do professor. Então comecei a pensar em
aventuras curtas, que durassem entre 4 a 6 horas de aula.
O processo é sempre o mesmo: primeiro penso em que conteúdos ou conceitos
quero desenvolver na aventura. Depois elaboro situações-problema que envolvam esses
conceitos para, só então, inseri-las dentro de um contexto que as comporte. Estou,
atualmente, com ideias para 2 aventuras inéditas: uma envolvendo radioatividade, num
cenário medieval, e a outra utilizando conceitos de pressão e densidade num cenário
apocalíptico atual. Falta-me tempo para sentar e escrever sobre elas.
Um detalhe que acho fundamental é que toda e qualquer aventura pedagógica
que trabalhe com Ciências precisa ser embasada na Ciência. Dessa forma, por exemplo,
nunca aparecerão dragões, criaturas mitológicas ou magias em minhas aventuras.
152
Quando muito, podemos considerar algo relacionado à alquimia ou animais
geneticamente modificados, seja em laboratório ou por meio à exposição a doses altas
de radiação.
7 - O RPG na escola produz materiais, faz oficinas, trabalha em contra turno?
Os materiais produzidos especialmente para o projeto são publicados
“mensalmente” no site, na seção Aplicando o RPG na Escola. As aspas aí é porque nem
sempre consigo atualizar o site no período proposto. Além disso, todo artigo que
produzo, depois de publicado oficialmente, seja em revistas científicas ou anais de
congressos, fica disponível na seção de Downloads Artigos Acadêmicos.
Embora não seja algo constante, estou sempre disponível para ministrar oficinas,
minicursos ou palestras sobre esse tema. Já recebi vários convites, atendendo a alguns.
O problema, nesse caso, é que a maioria desses convites chegam do sul ou sudeste.
Como resido em Recife, os custos com passagens e hospedagem acaba dificultando
minha participação nesses eventos.
8 - Fale sobre sua metodologia de ensino.
Eu sempre fui um defensor do RPG na sala de aula. Entretanto, também defendo
que apenas o RPG não é suficiente enquanto recurso pedagógico, pelo menos da forma
como trabalhamos por aqui. No dia em que toda a escola se envolver num projeto
pedagógico com o RPG como carro chefe, podemos discutir outras possibilidades. Mas
isso, hoje, é utópico.
Dito isso, eu sempre reservo algumas aulas no meu planejamento anual para uma
ou duas aventuras de RPG. Isso mesmo: uma ou duas aventuras no período de um ano!
Isso dá algo em torno de 12 horas-aula em uma disciplina de 120 horas. Utilizo-o muito
mais para motivar os estudantes com determinado conteúdo e promover uma
socialização maior com a turma.
A depender do número de alunos, eu posso mestrar a aventura para grupos de
personagens, ou preparar alunos-narradores para que mestrem aos seus pares. Qualquer
das duas opções traz vantagens e desvantagens. Se na primeira, eu consigo ter um
controle maior sobre os acontecimentos da narrativa, eventualmente perdemos muito
tempo nas decisões dos grupos e, via de regra, extrapolamos o tempo limite para a
153
finalização da atividade. Na segunda opção, conseguimos fechar a aventura dentro do
tempo previsto, mas como os narradores não tem uma capacitação pedagógica, é
comum perder-se alguma oportunidade de explorar certas nuances que aparecem na
narrativa e que poderiam aumentar o nível de experiência dos estudantes com os
conceitos abordados.
Um outro detalhe importante é que, caso não seja fundamental para a atividade,
as fichas de personagens são entregues praticamente prontas para os jogadores,
precisando apenas escolher detalhes como nome, idade e algo que eventualmente eles
possam transportar.
Ao final da aventura, sempre abrimos espaço para um debate e discussão dos elementos
principais da história e suas relações com os conceitos estudados. A depender da
aventura utilizada, os alunos preparam seminários para apresentar aos colegas
associando os conceitos científicos explorados na aventura de RPG.
9 - Há quanto tempo trabalha com RPG?
Como disse, minha primeira experiência didática foi com um grupo selecionado
de alunos. Isso foi no início de 2005. Continuei, desde então, trabalhando com RPG
para alunos interessados no contra-turno das aulas, até 2009. Somente a partir de 2010,
inseri o jogo com toda a turma e no horário das aulas. Foi um grande desafio! Mas vale
cada esforço.
10 - Poderia falar sobre a realidade de sua cidade, em relação à educação e a RPG?
A região nordeste ainda está muito longe de fazer histórias com RPG,
literalmente! Um indicador disso é a quantidade de livros que distribuí na região. Não
chega a 10% do total entregue. O grande mercado foi, sem dúvidas, São Paulo, Rio
Grande do Sul e Minas Gerais.
Sei de alguns raros colegas (posso contar com os dedos de uma mão) que usam o
RPG em suas aulas, todos eles da área de História. Mas nenhum deles publica suas
experiências. Na verdade, que eu me lembre, até hoje vi publicações apenas de um
professor de Matemática de Fortaleza, com o qual tenho contato.
Já tentamos fazer uma capacitação gratuita com professores da rede estadual
daqui. Abrimos um mini curso com 20 vagas. Todas foram preenchidas. Mas no dia do
154
evento, apenas 3 colegas compareceram efetivamente. Ainda falta estímulo para que o
professor, sufocado de aulas, tenha interesse em ampliar o seu leque de opções
metodológicas. E, convenhamos, preparar uma atividade de RPG não é lá tão fácil nem
trivial!
155
O RPG EM SÃO CARLOS E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, INTERIOR
DE SP, DE 1993 A 2015.
Entrevistadora: Paula Tessare Piccolo155
Entrevistado: Odair de Paula Junior156, (Sam Slovic).
O entrevistado é um RPGista de longa data, dono de uma das maiores coleções
de livros de RPG de sua cidade, São José dos Campos, no Vale do Paraíba, SP. Ele é
engenheiro de produção pela UFSCar, sediada em São Carlos, outra cidade em que
conheceu bem a cultura do RPG.
Além disso, Odair é professor de História e de Matemática e, claro, já usou,
tanto RPG quanto jogos de tabuleiro (boardgames) em seus planos de aula. Ele atua
como especialista de jogos no Grupo Jedai, empresa de criação e adaptação de jogos
para uso em sala de aula.
Por que o apelido Sam Slovic?
1.
Quando entrei na UFSCar, em 1997, fui morar em uma república de RPGistas,
onde todos tinham apelido, então, eu também precisava ter um. Começamos uma
campanha de Gurps Star Wars e meu personagem tinha esse nome: Sam Slovic. Todo
mundo começou a me chamar de Sam, e aí, ficou.
Em que cidades você já participou ativamente de grupos e campanhas de
2.
RPG?
Já participei de vários grupos. Jogo desde 1994, mas não fazia parte de um
grupo. Jogava, esporadicamente, com meus amigos, no máximo uma vez por mês. Meu
primeiro grupo mesmo, jogando uma campanha, foi com o pessoal da República.
Depois, vieram muitos outros, tanto em São Carlos quanto em São José dos Campos.
Também participei de um em Caraguatatuba, mas não durou nem até o fim das férias de
verão daquele ano.
155
Mestranda em Educação pela UNITAU
156
Graduando em História pela Claretinano
156
3.
Quais os RPGs que já jogou? Como definiria sua experiência com RPG (seu
“currículo”)?
Não sei dizer. São muitos, mas muitos mesmo. Desde a clássica D&D 1ª. edição
até coisas obscuras como Zero, Opera e Pendragon. Sou eclético, já joguei e narrei
muita coisa. Minha coleção já passou dos 200 livros, sem contar os digitais. Fui
coordenador, por 4 anos, do grupo Live-Action em São Carlos, não filiado ao Brazil by
Night, o que nos deu muita liberdade para criar boas histórias, tanto que vinha gente de
outras cidades, como Araraquara e até Pirassununga para participar. Chegamos a ter
mais de 50 jogadores participando.
Também fui criador da primeira e maior comunidade de RPG no Vale do
Paraíba, no “falecido” Orkut. Muitos grupos se formaram ali. Foi uma época bem
divertida. Fiz vários amigos. Narrei, por muitos anos, no Encontro Internacional de São
Paulo, inclusive para alunos da rede pública paulistana. Sou um dos co-autores do Guia
de Classes de Prestígio, lançado em 2005, pela Conclave.
Meu RPG favorito atualmente é Mutantes & Malfeitores, adoro super-herois.
Mas minha ambientação favorita sempre foi Mago: Cruzada dos Feiticeiros, com uma
menção honrosa para Castelo Falkenstein, Wraith e Paranoia. Hoje, estou narrando uma
campanha de D&D: Tormenta.
4.
Concorda com a seguinte citação: “o boardgame dialoga com o RPG por ser
seu antecessor, segundo Gary Gygax”?
O antecessor do RPG é o wargame. Mas sim, tanto RPG como boardgame
dialogam por ter muita coisa em comum. O fato de ser uma atividade social,
normalmente em volta de uma mesa, algo que cria amizades. Mas, infelizmente, ainda
com um estigma de coisa estranha, ligada a nerds.
4.
Como começou o RPG em São Carlos e São José dos Campos?
Acredito que, como em todo o Brasil, com garotos recém-chegados dos EUA
com um livro de D&D embaixo do braço e com muita imaginação.
A primeira vez que ouvi falar de RPG, ainda em São José dos Campos, foi em
157
1993, em um programa da TV Cultura chamado X-Tudo. Era uma reportagem
mostrando a nova mania entre a garotada de São Paulo. Pouco tempo depois, já em
1994, um amigo me contou sobre um jogo estranho, que o irmão mais velho de um
amigo dele jogava. Ele não tinha entendido direito como se jogava, mas parecia um
video-game. Tudo era muito estranho e nebuloso, mas com as poucas coisas que
entendemos, criamos regras caseiras para tentar jogar o que eles jogavam. Era muito
focado em combate, quase nada da parte de roleplay. Era um wargame sem miniaturas,
bem tosco, como o D&D 4ª. Edição. Então, dá para dizer que já se jogava RPG em São
José no início da década de 1990.
Já em São Carlos... Meu grupo conhecia vários membros da velha guarda de lá,
como o Urso, Aquiles, Velho e o Léo Andrade, que antes de ir para São Carlos, já tinha
um grupo em Catanduva. Sei que antes deles, havia outros. E como é uma cidade com
duas universidades, não me espantaria que o RPG lá fosse tão antigo quanto em São
Paulo ou no Rio de Janeiro.
6.
Em SJC, tem grupos de Live? Lojas de RPG?
Não estava na cidade na época de Ouro dos Lives. Conheci depois o pessoal que
organizava, mas, agora, não existe mais. Por volta de 2006, tentei organizar um Live
aqui, com meu grupo de D&D. Jogamos uma sessão, mas não foi para frente.
A maior, e acho que primeira loja de RPG na cidade foi a Tales of the Vale. Era
um point de RPG e Magic, mas no fim, só sobrou o Magic. Fechou há mais de quatro
anos. Outras lojas abriam e fechavam rapidamente, não sobrou nenhuma.
7.
Quais as características do RPG em São Carlos e em São José dos Campos?
Vê diferenças?
Em São Carlos os grupos eram mais unidos. Havia uma maior convivência entre
os grupos. Acho que por causa da maioria ser de universitários, os grupos se mesclavam
mais. Em um você narrava Vampiro, em outro você jogava Shadowrun e em um terceiro
você narrava outra coisa. Você não fazia parte de um único grupo. Já em São José, os
grupos são mais fechados.
8.
E os grupos, com que frequência e em que locais se reúnem? Como se
158
conhecem?
Em São José, quando eu voltei de São Carlos, tive dificuldade para formar um
grupo, e, principalmente, de achar um lugar para jogar. Em São Carlos, havia muitos
lugares dentro das universidades, em que todos se reuniam para jogar RPG. Era difícil
andar pela Federal ou USP sem esbarrar em alguém jogando ou lendo sobre RPG. Já em
São José, o pessoal costuma jogar em suas residências. Mas eu procurei um espaço
público, um parque da cidade, onde joguei por três anos com o grupo que juntei pela
minha comunidade do Orkut.
Meu grupo atual se reúne a cada 15 dias. Jogamos na minha casa, pois é mais
fácil os jogadores irem até onde os livros estão do que levá-los. São muitos! Esse grupo
meio que caiu de paraquedas. O Jean, que participa dos meus grupos de boardgames,
disse, um dia, que um pessoal que trabalha com ele estava querendo muito conhecer o
RPG, depois de ouvir um podcast do Jovem Nerd. Como estava há quase dois anos sem
narrar, decidi “adotá-los”. Outros grupos, conheci pelo Orkut. Outros, descobrindo sem
querer que alguns amigos também jogavam.
9.
Há eventos para divulgar o RPG em São José dos Campos, cidade em que
reside?
Não. O RPG em São José dos Campos está em um estado vegetativo. Poucas
pessoas ainda tentam fazer algo pelo o RPG na cidade, como o Axle Leax e seu grupo
do Facebook e o Henrique Barsaglini, com sua Playful – uma luderia mais especializada
em boardgames, mas com espaço para o RPG.
10.
Acredita que o RPG esteja perdendo espaço para o boardgame?
Sim. O RPG demanda tempo e comprometimento. O boardgame é mais
descompromissado. Em um grupo de RPG, se dois faltarem à sessão, é grande a chance
de não ter jogo. Difícil você chamar outra pessoa só para aquele dia.
Já com o boardgame, se alguém faltou, não tem tanto problema. E é mais fácil
de apresentar o hobby. Todo mundo já jogou alguma vez na vida War ou Detetive,
então, o pessoal fica mais receptivo ao mundo dos “Jogos Modernos”. Com o RPG é
complicado. O preconceito é muito forte. Para muitos é algo alienígena.
159
11. Quer deixar um recado para os novos RPGistas?
Lembrem-se sempre de que a imaginação é sua arma mais poderosa. Não
desistam, mesmo quando acharem que você tem algo a ver com Reeducação Postural
Global!
160
COMO É O RPG NO JAPÃO?
Entrevistador: Ms.Rafael Correia Rocha157
Entrevistado: Ms.Wagner Luiz Schimit158
1. [Mais Dados] Wagner, primeiro muito obrigado por você disponibilizar seu
tempo pra gente poder fazer essa entrevista, entrevista internacional. Eu
vou começar, mas antes de fazer as perguntas eu gostaria que você
explicasse um pouco da sua jornada e como que ocorreu o seu encontro com
o RPG, como o RPG te encontrou e como isso afetou a sua trajetória de
vida.
[Wagner] Bom é um prazer estar aqui. Essa pergunta é interessante porque o
RPG impactou totalmente a minha vida. Eu acho que eu sou umas das poucas pessoas
que eu conheço que realmente vive por conta de RPG. O meu mestrado1 foi em cima de
RPG, eu ganhei bolsa, então eu trabalhava e estudava o RPG exclusivamente, durante
um ano do mestrado. Agora no doutorado eu estou ganhando novamente bolsa para
estudar o RPG. Então esse encontro foi totalmente determinante para o que eu faço
atualmente, apesar de ultimamente eu não estar jogando muito. Depois eu conto um
pouco disso.
Meu encontro com o RPG foi bem novo, eu estava, eu acho que na quinta série
igual um amigo meu. Eu tinha alguns amigos e um deles um dia chegou e disse “cara,
eu descobri um negócio muito louco. Um jogo que você pode fazer o que você quiser”,
na época eu tinha um nintendinho da CCE2 e eu perguntei “de que videogame que é?” e
ele falou “não, não é videogame cara, é um jogo que você simplesmente fala o que você
faz e você pode fazer qualquer coisa. O cara pegou a cabeça de uma aranha gigante,
tirou a cabeça da aranha e enfiou nos inimigos pra matar eles com o veneno da aranha”.
Imagina pra um molequinho assim nos seus dez, onze anos, esse “é super legal meu
Deus” e ai eu comecei a frequentar a Forbidden Planet. A falida Forbidden Planet que,
157
158
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Mestre em educação pela Universidade Estadual de Londrina e Doutorando na Universidade de
Tsukuba (Japão)
161
não era no Ibirapuera, ficava em São Paulo perto do Shopping Matarazzo. Foi ali que
começou a minha jornada com o RPG.
2. [MD] Beleza. Agora que a gente já têm os parâmetros, vamos seguir um
pouco mais nas perguntas. Como tinha comentado com você, quando a
gente encontra o RPG não necessariamente a gente encontra o LARP. Mas
no seu caso como é que foi? Como é que foi o seu contato com o LARP?
Você viu num encontro, foi um amigo que te chamou também? E como que
está sendo...
[W] Bom é... Acho que cortou o final da pergunta. Como...?
3. [MD] Como é a sua percepção do Role Playing dentro do Larp em relação
ao role play no RPG?
Nossa! É complicado! Nossa, perguntas diferentes e complicadas, vamos lá. A
primeira pergunta na verdade é bem simples. Eu comecei a jogar RPG em São Paulo,
até então só RPG de mesa. Aqui é importante eu fazer uma definição do que eu chamo
de RPG tá? Quando eu falo RPG eu incluo LARP, e eu incluo RPG de mesa, eu incluo
RPG de computador, pra mim é tudo RPG. Pra mim o RPG não é o RPG de mesa. Tem
alguns debates na internet sobre isso, então pra mim o LARP é um tipo de RPG. Mas
ele não é a mesma coisa que o RPG de mesa. Essa diferença é importante porque
quando eu digo RPG eu digo RPG no geral e quando eu vou me referir ao RPG de mesa
eu falo RPG de mesa. Inclusive isso se tornou ainda mais forte aqui no Japão, porque no
Japão o RPG de mesa é chamado RPG de mesa, TRPG de table, ou talk RPG. Enquanto
que LARP, LARP simplesmente não é muito conhecido. Enfim, voltando à pergunta, eu
já conhecia o RPG então, foi através do RPG de mesa e joguei alguns anos em São
Paulo e me mudei para Londrina no Paraná. E quando eu me mudei pra Londrina,
estava tendo na época um grande evento de quadrinhos e de RPG. Foi o evento
inclusive que eu tive a oportunidade de jogar com o Carlos Klimick.
E... Nesse evento eles estavam organizando alguns jogos, que na época a gente
chamava de Lives, como muita gente ainda chama no Brasil de Lives, que foi quando eu
conheci o LARP. Então eles falaram assim “vai ter live de vampiro” e eu “o que é
isso?” aí eles explicaram que “você se veste, age e tal” e eu pirei na batatinha, eu queria
162
muito participar disso, falei “nossa, isso deve ser muito diferente” e me inscrevi no
evento. Só que o live ele não seria no evento, ele acosteceu posteriormente. Aí eu fiz o
personagem, fui até a casa de um dos jogadores pra fazer o personagem, isso em si já foi
uma aventura já. E participei do meu primeiro live de vampiros. Foi engraçado que,
assim, eu era menor de idade né. Aí acabou o live e todo mundo foi pro bar e eu voltei
pra casa (risos).
Pra mim, esse primeiro live foi bem marcante, porque já na época a gente usava
bastante ficha claro, era um live do projeto By Night3. E era o Londrina By Night, a
primeira versão do Londrina By Night. E as pessoas usavam a ficha, mas grande parte
do jogo era conversas, eram interações ou quando existia alguma coisa sobrenatural o
mestre descrevia o que estava acontecendo. Então eu senti, vindo de São Paulo, eu
jogava com os meus amigos em São Paulo e senti uma carga muito maior de role play
no LARP do que no RPG de mesa. Uma liberdade maior de Role-Play no LARP que no
RPG de mesa. Isso iria mudar porque eu conheci um outro grupo, inclusive um dos
integrantes eu conheci nesse LARP de Vampiro. Nós montamos um outro grupo e com
esse grupo nós fizemos várias mesas quase experimentais, porque a gente só fugia um
pouco do que estava no livro. Mas o nosso foco era totalmente o Role-Play.
Então a coisa se inverteu. Eu senti muito mais liberdade no Role-Play na mesa do
que no LARP com esse grupo específico. Geralmente eu sinto liberdade de role play no
LARP. Só com esse grupo específico a gente teve uma campanha de mago ascensão que
durou três anos que ela teve um impacto muito grande assim na minha vida. Coisas que
eu pensei, a gente tinha debates quase filosóficos. Era uma coisa bem legal, a gente
tinha que descrever muito bem como que se faziam as magias, como que se faziam as
ações, como que se explorava o sobrenatural, uma coisa meio xamânica às vezes. Então,
essa mesa, esse grupo foi uma exceção à regra. E eu tive alguns narradores de RPG de
mesa com que eu tive mais liberdade com o role play até chegar no Knutpunkt4. Ai
quando chega no Knutpunkt a coisa se inverte de novo, aí eu volto a ater mais liberdade
no Larp que no RPG de mesa. Só que o problema é que no Knutpunkt ele é
extremamente pontual porque eu só jogava os Larps nórdicos quando eu ia lá pros
países nórdicos, e como eu fui duas vezes então... (risos) isso foi uma experiência
digamos limitada.
4. [MD] OK. Vamos passar para a próxima pergunta. Dentro da academia,
como era o seu processo de pesquisa e quais eram os seus principais
163
impasses e dificuldades? O que é que te angustiava? Quais eram as
perguntas que te norteavam no seu projeto de pesquisa? Quais eram as suas
dúvidas? Eu estou falando isso pensando como pesquisador. Como que as
suas dúvidas foram evoluindo? Você partiu de qual ou de quais?
Bom... Esse projeto de pesquisa é interessante porque ele também se deve a
algumas experiências pessoais. Eu no colegial já pensava em ser pesquisador, não sabia
de que área, não sabia do que, mas eu pensava em ser o que o pessoal chama de ser
cientista. E ai uma professora no terceiro ano do colegial, né, no terceiro ano do ensino
médio, convidou o nosso grupo de D&D, que na época a gente jogava na escola, nos
intervalos, apesar de algumas conclusões que houveram, alguns embates que a gente
teve por ser uma coisa diferente. No final ela colocou a gente pra ensinar as outras
turmas do terceiro ano do ensino médio a jogar RPG porque dizia ela que tinha ouvido
falar que o RPG promovia a leitura.
E eu fiquei com isso na cabeça: como assim o RPG promove a leitura? E
comecei a parar pra pensar nisso. Realmente os meus amigos que jogam RPG seja na
época, seja o Larp, seja o RPG de mesa, eles leem mais. E ela me mostrou um material
que ela falou que foi um material indicado pelo MEC, era uma serie de livros de
português que eles vinham com uns encartes de aventura solo, e que você poderia
transformar essas aventuras solo em aventuras de RPG. E eu fiquei assim, tipo, tem essa
parte educativa do RPG. Acabei entrando na psicologia na universidade e ai desde o
primeiro ano, eu lembro que tinha um jogador de RPG na minha sala, a gente estava
tentando explorar como exatamente o RPG promove o aprendizado. Essa é uma questão
que pra mim ela já está parcialmente respondida, ela não está completamente
respondida. Eu acho que ainda faltam algumas pesquisas pra aprofundar isso, mas a
gente já tem suficiente know how pra responder com alguma tranquilidade.
Então eu queria responder isso, logo no começo eu queria fazer isso, mas não fiz
no mestrado... Explorar essas questões. Porque meu orientador falou “olha, você quer
falar de RPG e você quer falar do impacto do RPG no aprendizado e no
desenvolvimento, OK, mas o que é que já foi feito em relação a isso?” Não se tinha
ainda um levantamento do que se tinha sido feito. E eu me propus a fazer isso e falhei
miseravelmente (risos). Não consegui por uma série de questões. Boa parte do material
que eu levantei, cheguei a levantar a bibliografia, mas não tinha acesso ao material ou
porque os autores não me mandavam ou porque o material estava em revistas impressas
164
de difícil acesso. Não tinha o material em PDF. Essa distribuição de material em PDF
na internet estava começado na época, isso era 2006. 2005-2006. Então eu fiz o que eu
pude. Isso resultou na minha dissertação de mestrado em que eu tento definir o que é o
RPG. Hoje em dia tem definições bem melhores, ainda bem. Só que um problema é que
essas definições elas ainda estão somente em inglês, os artigos que trabalham essas
definições. E o problema mudou. Agora no Japão eu quero trabalhar essas questões, eu
quero trabalhar as questões de desenvolvimento e aprendizado com o RPG, então muda
um pouco a pergunta.
5. [MD] Beleza. O Importante é que a pergunta muda conforme o pesquisador
muda. Vamos ver, ai tem uma que... vamos pra uma outra pergunta. Na
verdade, como você tinha comentado sobre o seu contato com o RPG e a
professora, eu acho que isso já atende, mas tem uma questão: o que você
sugere pras pessoas que entram na universidade e querem começar uma
pesquisa sobre Role-Play? Não necessáriamente o RPG, mas o role-play no
campo amplo?
Não tentem inventar a roda. Eu acho que esse é um dos maiores problemas que a
gente enfrenta. A maioria dos pesquisadores novos eles tem, acho que por falta de um
levantamento bibliográfico mais consistente, a impressão de que o trabalho deles
ninguém fez. E eu tive que começar a minha pesquisa de doutorado umas 2 ou 3 vezes
aqui no Japão porque eu vi que justamente o que eu trabalho, o que eu queria fazer ao
levantar a bibliografia, alguém já tinha feito. Não tem problema nenhum você enquanto
professor, educador, você fazer algo que alguém já fez, na verdade não, essa é a própria
definição do trabalho: você vai lá aplicar algo que já é conhecido, estabelecido. Agora
para um pesquisador é interessante que tenha algum aspecto de novidade no seu
trabalho. Então não, infelizmente desculpa dizer isso pra galera, mas não. O seu TCC
sobre RPG e história não é novo, não é algo diferente. O seu mestrado sobre RPG e
literatura, não é algo novo.
Eu sugiro fortemente um levantamento bibliográfico bom antes de começar a
fazer a pesquisa, então você está com uma ideia? Ótimo. Faça um levantamento
bibliográfico do que já foi feito. Pega uma ou duas teses mais recentes e a bibliografia
dessas teses, dessas dissertações, vê o que o pessoal está discutindo. E, aqui eu vou
tocar num ponto meio controverso, mas eu acho que um grande problema da academia
165
brasileira é ignorar a produção acadêmica internacional. Já teve uma época, até 2008
mais ou menos, 2007, que a produção acadêmica internacional estava pau a pau com a
nossa produção acadêmica, que estava muito bem, tínhamos grandes produções. Na área
de RPG e educação nós tínhamos uma produção muito sólida. Só que agora a produção
internacional, vamos dizer assim, passou a gente. Você está tendo uma produção muito
grande de qualidade nos Estados Unidos, na Europa, principalmente os nórdicos, o
pessoal lá que a gente fala do Knuntpunkt que todo ano tá produzindo um livro, e esses
livros tem sim artigos acadêmicos.
Então muita gente fala assim “ah, não é do Brasil, não preciso saber disso”. Não,
precisa sim, porque muitas das discussões que eu vejo hoje em dia, que o pessoal tenta
fazer, essas discussões já foram feitas lá fora. Então porque ficar patinando no que já foi
feito se a gente pode avançar por áreas novas, principalmente... E explorar temas
básicos que a gente não tem ainda, por exemplo, não se tem ainda um trabalho de
historicidade do RPG e do Larp no Brasil. Todo mundo quer falar de RPG e educação,
legal. Legal. Mas isso a gente já tem, é batido. Já tem material suficiente pros
professores trabalharem. Mas nós não temos uma historicidade do RPG. Nós ainda não
debatemos, sempre caímos no problema de definição de RPG, que foi aquele que no
começo do debate eu levantei. Falei olha: o que é o RPG pra mim? Isso eu ainda tenho o
que fazer aqui no Brasil, lá fora eu não precisa mais tanto, já se tem algumas definições
mais ou menos coerentes e estabelecidas de RPG.
Então é... pros mais novos eu recomendo isso. Faça, faça a lição de casa: vá lá
no google acadêmico e levanta o que já foi feito, dê uma olhada nas revistas, tem
algumas revistas especializadas em jogos como a gaming and simulation5, tem revistas
especializadas em RPG como a “Mais Dados” e a International Journal of role
play6,então né... precisa.
6. [MD] Vamos para a próxima pergunta, inclusive Wagner, você está num
processo premonitório. Você responde a pergunta antes de eu perguntar.
(Risos). Eu ia perguntar justamente como percebe hoje a pesquisa sobre
RPG no Brasil?
[W] Eu diria que eu percebo ela como diluída. A gente não tá tendo, eu não sei
por que, mas começou-se um processo e organização das pesquisas e dos trabalhos de
RPG, principalmente envolta dos simpósios de RPG e educação, e querendo ou não eu
166
tenho algumas criticas ao simpósio, mas mesmo assim, esse simpósio foi extremamente
importante pra dar visibilidade do RPG pro público em geral. Pra fomentar o encontro
de pesquisadores e educadores né? E isso hoje em dia se perdeu.
Você tem hoje em dia alguns espaços na internet como o grupo do facebook7
organizado pelo Rafael Carneiro. RPG... É, estudos sobre RPG. RPG em debate era uma
outra linha. É mais focado em educação, mas o pessoal debate estudos sobre RPG no
geral. Tem alguns debates também num outro grupo de facebook que é o ”Indie Larp”8
e no “Larp Brasil”9 tem um pessoal que está debatendo, inclusive muitos...é curioso isso
né? O Estudo sobre RPG que era um espaço para ser de mais debate... Eu tenho
acompanhado mais debates na Indie RPG do que na própria Estudos de RPG, que é
onde estão os acadêmicos. Então o pessoal que produz RPGs né, está debatendo mais.
Isso me lembra inclusive uma frase do Vygotsky em que ele fala da necessidade
de uma teoria geral, estava partindo não dos psicólogos acadêmicos, mas estava
partindo justamente dos técnicos e psicotécnicos, do pessoal que estava trabalhando
com psicologia. E está acontecendo o mesmo com o RPG, o pessoal que trabalha com
jogos e com design, tá amadurecendo. Nós estamos tendo uma comunidade de produção
de jogos muito interessante no Brasil. E essa maturidade está criando eventos também.
Os últimos eventos de discussão de Larp foram justamente no Lab jogos. Pelo o que o
Luiz Falcão me contou não são eventos acadêmicos, são eventos de produção de jogos.
Então acho que falta um espaço de discussão acadêmica. Um evento. Precisamos de um
evento. Juntar o pessoal, assistir umas palestras, sair de noite pra tomar uma cerveja e
conversar. Foi assim que eu conheci muita gente, e é assim que funciona lá no
Knutpunkt. A gente não tem uma comunidade de acadêmicos, nós temos acadêmicos
dispersos fazendo seus trabalhos. (Esse período pode editar como um comercial de
qualquer marca porque eu fui colocar o notebook de novo na tomada.)
7. [MD]
Wagner,
agora,
quais
são
as
suas
maiores
angústias
e
questionamentos sobre o RPG na atualidade? Todas as concepções que você
tem sobre as diferentes manifestações de RPG no mundo, o que que te
angustia mais? O que é que te move e te motiva?
[W] Acho que são coisas diferentes, o que me move e quais são as minhas
angústias. O que me motiva é justamente o meu gosto por RPG. Eu gosto muito de
jogar RPG. E justamente por gostar muito de RPG eu quero entender melhor esse jogo,
167
eu quero me aprofundar mais nesse jogo. Eu entendo que esse jogo é uma das maneiras
de explorar o que é ser humano, né, então eu posso explorar diversas facetas de
personalidade, de vivência, enfim, muitas coisas com o RPG e isso me motiva a
pesquisar sobre isso. O que me angustia é que tanto no Brasil, quanto nos trabalhos que
eu estou vendo no exterior parece que certos temas importantes a gente não tem
aprofundado.
Então por exemplo: Ok, o RPG tem seu lado bom, a gente cansa de falar do uso
RPG de mesa, do Larp pra educação, etc, etc, etc... Mas e os impactos negativos dos
jogos? Você tem poucos trabalhos sobre isso. Tem um trabalho muito interessante da
Sarah Lynne Bowman10 em que ela vai falar um pouco dessas questões dos impactos
negativos: brigas, dissidências, e coisas assim que acontecem dentro da comunidade de
jogos de RPG. E eu vejo muito os organizadores e isso é uma das coisas que me
angustia. Eu vejo, por exemplo, você tem... Pessoal do knutpunkt eles têm uma
preocupação com o bem estar do jogador muito grande. Então assim, eles vão fazer um
jogo pesadíssimo sobre o alcoolismo, sobre abuso sexual, sobre nazismo ou coisas mais
lights, coisas como por exemplo, o Harry Potter.
Mas independente de qual jogo seja, existe uma preocupação muito grande com
o bem estar físico e psicológico do jogador. Então eles focam muito no Debriefing, na
discussão pós jogo. Pra trabalhar essas questões. E eu vejo que assim, nos livros de
RPG, nos de RPG de mesa, os organizadores do By Nights, organizadores de outros
Larps, muitos deles não tem esse cuidado. “ah é um jogo sem consequências” e eu já, eu
conheci inclusive pessoalmente, várias pessoas que deixaram de jogar por situações
constrangedoras ou por se sentirem mal, problemas de relacionamento dentro da
comunidade de jogadores. Essa é uma das coisas que me angustia. É uma coisa que falta
incluir nos jogos algumas questões básicas, por exemplo acho que se tivesse um
debriefing, uma discussão pós-jogo, quando tem esses momentos de tensão eu acho que
já ajudaria muito a aliviar possíveis problemas acarretados pelo RPG em suas diversas
formas.
8. [MD] OK. Agora vem uma pergunta que eu estava guardando. Qual foi o
estudo mais bizarro que você já encontrou sobre Role-play e ao mesmo
tempo qual foi o estudo mais significativo, na sua opinião?
168
[W] Nossa, o estudo mais bizarro? Teve um estudo... Eu lembro que ele não era
bizarro, mas era, eu não... Sinceramente eu não entendi. Não entendi. Chama, era uma
dissertação de mestrado chamada Fenomenologia do RPG, e eu não entendi o que a
pessoa queria, sinceramente. Eu conheço alguns fenomenólogos, conheço um pouco de
fenomenologia, mas o trabalho estava muito confuso. Na minha opinião ele estava mal
escrito. Não me fez sentido. Tanto que eu virava pro meu orientador e falava “eu tenho
que ler isso mesmo?” e ele respondia “olha você se propôs a fazer um estudo da arte e
do RPG e agora você tem que encarar tudo o que aparece. Seja bom, seja ruim, seja o
que for, vai que vai”. E era, eu lembro muito pouco, eu acho que ele tentava descrever
era a seção de jogo de RPG mas, eu lembro de ter visto uns outros trabalhos bem
diferentes assim, principalmente trabalhos relacionados à Vampiro Máscara que você
tem e vai investigar essas questões do vampiro e etc. mas eu acho que de bizarro não
tem tanto. Não tem muito.
Agora o trabalho mais significativo? Existem alguns trabalhos que me
impactaram bastante, por exemplo, a aventura da leitura e escrita, entre os mestres de
RPG da Pavão. Esse foi, apesar dela trabalhar com Bakhtin e não trabalhar com
Vygotsky, um trabalho onde a forma como ela expôs o problema e etc, me levou a
formular muitas hipóteses e então de repente a forma como os jogadores de RPG lidam
com a literatura era algo diferente, talvez isso implique em funções psicológicas e etc
etc etc. Me tocou bastante. A dissertação da Jane Braga, se não me engano o nome dela,
que o nome é parecidíssimo com o nome da dissertação da Pavão também. Eu acho que
vou confundir os dois inclusive. De cabeça aqui eu vou confundir, mas a Braga tem
sempre que tomar cuidado porque ela tem a dissertação e tem o artigo. O artigo eu acho
que ele não me contribuiu tanto e fica mais na questão dos pilares do conhecimento da
Unesco. Acho que não tem tanto impacto para nós educadores, mas, no entanto, as
descrições das vivências dela como pesquisadora, a dissertação dela traz um debate
muito importante que é essa questão: “pesquisador de RPG tem que jogar RPG?” é uma
questão importante. E ela coloca, olha, dá pra perceber na dissertação dela que houve
uma mudança inclusive na escrita, antes e depois dela jogar. Então a relação dela com o
objeto de pesquisa muda. Claro.
Vai ter muita gente como o Frans Mäyrä que vai defender arduamente que quem
vai pesquisar RPG tem que jogar RPG. Ele diz isso num dos livros do Knutpunkt. Acho
que é no Beyond Role and Play11 e nós temos pesquisadores brasileiros, não vou
lembrar o nome agora, mas nós temos pesquisadores brasileiros que vão falar “não, eu
169
não preciso jogar, é o meu objeto de pesquisa” inclusive é melhor que eu não jogue pra
ter até uma tal da neutralidade. E ai a gente entra nos debates mais epistemológicos. Pra
mim, por exemplo, não existe essa questão de neutralidade. Eu trabalho dentro da
perspectiva do materialismo sócio-histórico, então, neutralidade pra mim é conto pra boi
dormir.
Então você tem trabalhos muito impactantes, internacionalmente, eu não vou
lembrar agora o nome do artigo, mas há dois artigos que saíram com sobre definição de
RPG no International Jornal of Role-Play, no primeiro volume e no segundo volume,
que têm um debate muito interessante sobre a definição de RPG que acabou me levando
à questão da definição de RPG como um jogo de linguagem no sentido do Wittgenstein,
então achei muito interessante isso. E também no Brasil me impactou bastante a questão
da dissertação do Rafael Carneiro Vasquez e do Fairchild. São duas dissertações que me
impactam bastante. E elas vão gerar o meu artigo, onde eu contribuo melhor, que é a
pedagogia tecnicista e o discurso da escolarização do RPG. Eu acho que nesse artigo eu
faço algumas contribuições que são interessantes pro debate de RPG e educação.
9. [MD] Muito bom. Agora vem outra pergunta angustiante: Como que é o
RPG no Japão? O pessoal tira a miniatura de dragão e põe a miniatura de
robô gigante? (Risos) Como é que é? O tabuleiro é holográfico? Não sei...
Como você lidou com essa realidade?
[W] Então. O RPG do Japão é um dos meus objetos da pesquisa agora, mas está
difícil por causa da barreira linguística que é bem forte. Bem forte. Olha, em termos de
jogo, vamos falar do RPG de mesa, porque assim, o RPG de videogame é bem
conhecido. É o Final Fantazy, é o Crono Tiger, Pokemon... Todos esses jogos de RPG...
A gente sabe que o JRPG ele é bem popular, no Brasil inclusive a série Dragon Quest,
então não preciso me ater muito ao RPG de computador. Larp é fácil de falar também
porque antes tinham dois grupos de Larp e atualmente que eu saiba, eu tenho caçado,
mas não tenho encontro mais nada. Tem um grupo de Larp em Saitama, na cidade de
Iruma tem um grupo12 de boffer Larp13. Então eles jogam num cenário de um JRPG que
é o Sword World. No Brasil, pra quem assiste anime e assistiu um anime chamado
Record of Lodoss War, é no mesmo cenário.
Eles se encontram uma vez por mês pra jogar, só que eles não jogam no parque
ou num lugar aberto, é em sala então eles vão montando a dungeon com painéis. Então é
170
um jogo de exploração de dungeon, dentro de salas e eles vão mudando painéis pra
montar a dungeon assim. É bem interessante. É bem legal! E de RPG de mesa, bom, eu
tenho alguns aqui, deixa eu ver, existem algumas coisas interessantes. A primeira coisa
interessante é que eles tem um negócio chamado Replay. Então tem aqui, da pra ver que
é um livro, e um livro até que grandinho e dá pra ver que tem o... né tem alguns livros
grandes que tem 200 300 paginas e o que que é esse replay? É algo que eu só encontrei
aqui no Japão: são transcrições, literalmente são transcrições de jogos de mesa. Então
você tem, eu não sei se vai dar pra ver, mas você tem da pra ver aqui tem GM que é o
game máster: Jogador 1 diz tal coisa, jogador 2 diz tal coisa, tirou tanto no dado, então é
literalmente uma transcrição de jogos de mesa. Isso é muito popular aqui.
O RPG mais jogado aqui é, como eu disse, o Sword World esse daqui já é outro
mundo, não é o mesmo mundo do Record of Lodoss War, basicamente um mundo que
mistura fantasia e ficção cientifica. Uma referência boa seria Final Fantasy, lembra
muito Final Fantasy em termos de cenário. Então você tem Final Fantasy 7, então você
tem magia, você tem elfo, você tem anão, mas você tem armas, você tem veículos, tem
energia etc. O que me surpreendeu muito é que você tem uma produção local muito
grande no RPG Japonês. Então, vários desses jogos, deixa eu ver se pego um aqui.
Então por exemplo, esse daqui é um RPG que eu comprei numa feira de jogos aqui. É
um Family. Famirizu. Os personagens interpretam o pai de família, a mãe da família, os
filhos... no cotidiano da família esta é a proposta dele. Então você te um cena
independente, de produção independente muito grande, mas ela fica circunscrita ao
Japão por causa da barreira de linguagem. Então sim, eles têm robôs gigantes, e tem
inclusive pra quem quiser fazer um RPG...
Pra quem quiser saber, tem dois RPGs feitos por japoneses, pra japoneses que
foram traduzidos para o inglês. O primeiro é esse aqui “Tenra Bansho Zero” que é
também meio samurai, mas também tem tecnologia, mas tem mecha e coisas diferentes,
e o Maid RPG que é um RPG das tais das Maids. Tem muita gente que conhece aqui no
Japão os Maids Cafes né que é bem popular, e tem RPGs de mesa que ai tem em inglês
também pra quem quiser ver como é o RPG japonês de mesa. O Larp, só vindo pro
Japão pra conhecer, mas não difere muito de um Boffer Larp, Larp normal. Por entanto,
vamos ver, porque esse pessoal tá começando a ter contato com outros grupos de RPG
no exterior.
171
10. [MD] Vamos lá. Agora, como são as pesquisas de RPG no Japão? Aqui no
Brasil a gente tem essa mania de puxar a sardinha pra educação, mas no
Japão eles seguem o mesmo caminho ou eles estão pesquisando outros
aspectos? Cultura, sociedade, linguagem? Como que é o ponto chave de
discussão?
[W] Então, essa foi a minha maior surpresa no Japão, porque assim, eu não leio
japonês. Vou deixar isso bem claro. Então eu não tenho acesso direto à literatura
japonesa. Isso é um problema, é um problema bem sério da minha pesquisa do
doutorado, porque tem uma série de problemas. E ai com a ajuda de alguns alunos de
graduação nós fomos atrás da bibliografia e, a minha descoberta foi que a gente quase
não tem bibliografia de RPG no Japão, de RPG de mesa, ou RPG Larp. Você tem uma
bibliografia de RPG eletrônico. Uso de videogame na educação, ou... Eu não investiguei
muito porque o meu interesse não era RPG eletrônico então eu não sei muito sobre a
literatura de RPG eletrônico no Japão, mas nós encontramos um artigo sobre o uso de
RPG na educação e esse foi o nosso melhor artigo sobre RPG de mesa. Nenhum artigo
sobre Larp. E eu acho que no total se nós encontramos uns 10 artigos sobre RPG de
mesa. Foi muito. Assustador.
E é mais assustador porque é assim, tem uma associação aqui, a Japanese
Association of Gaming and Simulation. E eu estou tentando entrar em contato com eles
faz uns seis meses pra descobrir se tem algum outro pesquisador de RPG no Japão. Até
agora não obtive resposta. No Knutpunkt de 2010 ou 2011, não estou lembrado agora se
é 2010 ou 2011, depois a gente procura certinho a referência, mas o Ole Kamm que é
um alemão, ele tem um artigo “why japaneses do not play Larp?”14 (Porque os
japoneses não jogam Larp.) E eu to quase escrevendo um “porque os japoneses quase
não conhecem o RPG de mesa”
[MD] Eu nem vou perguntar se existe encontro de RPG de mesa ai no
Japão.
[W] Existem e são grandes. Sim! Não faz sentido!
[MD] Olha o que você ta falando! Explique isso por favor!
172
[W] Porque é assim: se você parar japoneses na rua ou na universidade aqui...
Pelo menos a gente fez uma pesquisa aqui com uma sala, então é uma pesquisa que tem
problemas metodológicos bem sérios né? Mas com uma sala de graduação de mais ou
menos uns 80 alunos, mais ou menos 10% deles sabiam o que era RPG de mesa e
desses, dois jogavam. Então de 80 tem dois que jogam. Na universidade tem um clube
de RPG de mesa e de board game. Eles jogam constantemente e eles produzem material.
Deixa eu ver o que tenho aqui escondido deles, hum... eu não vou achar aqui rápido,
mas eles produzem uma espécie de Fanzine com comentários de board game, de
RolePlay que eu já expliquei, com cenários de RPG e coisas assim. Então os jogadores
de RPG aqui diferentemente dos do Brasil eles se organizam no que eles chamam de
Sakurus ou Circles.
São espécies de clubes que funcionam ou na escola após o horário escolar, ou na
universidade, ou no caso desse grupo de Larp em Saitama eles são um grupo fora da
universidade e fora de qualquer espaço educativo. São um grupo independente mas eles
tem uma certa legitimidade politica. Eles são reconhecidos pela cidade como um circle
como um sakuru. Então você vai nas lojas de RPG de Akihabara e você v ela varias
propagandas de encontros de RPG, de encontros locais, pequenos encontros. Você tem a
Game Market que tem várias e várias e várias pessoas vendendo os materiais
produzidos. Metade do que eu tenho aqui é material produzido por produtores indie, né,
independentes. Então você tem uma produção, você tem eventos, você tem um público,
mas isso é meio de nicho. Quem sabe sabe, e quem não sabe...
[MD] Nunca saberá!
[W]...não sabe! E para as pessoas ficarem sabendo é muito assim... o amigo
convidar pra ir no clube, ou a pessoa vê a propaganda pra ir no clube, mas é uma coisa
pequena assim, é uma coisa de panelinha. E eles não têm uma preocupação de divulgar
também. Ao menos eu não sinto essa necessidade de divulgação do RPG. Então você
tem lojas de RPG... O que tem muito, muito, muito, que eu descobri é RPG de mesa
pela internet e replace pela inernet numa espécie de Youtube japonês chamado Nico
Nico Douga. Então é...
[MD] Eles filmam a seção e colocam na internet é isso?
[W] Não é mais maluco!
173
[MD] (Facepalm)
[W] Porque é assim, você tem os livros de transcrição, esse aqui por exemplo, é
um livro de transcrição de D&D, o Mystara Então o que eles fazem? Eles jogam a
sessão, gravam a sessão com a voz da sessão, transcrevem. Depois de transcrito eles
jogam isso num vídeo em que os personagens e o mestre são substituídos por avatares
animados. E isso parece que faz sucesso.
[MD] Tem como mandar um link disso?
[W] Uma coisa que ajudou, parece que muita gente falou que ajudou a
popularizar o RPG foi por causa do Cthulhu.
11. [MD] Wagner, tenta mandar um link15 dessa bizarrice, por favor?
[W] Depois eu tento procurar. Então, esse é um livro de RPG de Call of Cthulhu,
tá aqui né, Cthulhu Mythos. A ideia é bem interessante, eles pegaram uma cidade real,
colocaram lugares com fotos da cidade aqui no livro, e colocaram mitos, relacionados
ao Cthulhu Mythos pra cidade. Agora a grande questão é, porque que o Cthulhu
começou a se tornar popular entre jogadores de RPG e trouxe pessoas para jogar RPG?
Por causa de um anime! Tem um anime no qual o personagem principal é o
Nyarlathotep. Só que o Nyarlathotep é uma garota colegial.
[MD] Ahh, normal. É normal.
[W] Então é assim, é uma garota colegial com tentáculos. Né, mas enfim.
[MD] Qual o nome desse anime por favor?
[W] Eu não lembro, de cabeça agora eu não vou lembrar
[MD] Meu Deus, eu acho que foram muitas informações da estrutura
cultural do RPG que você apresentou. Eu vou seguir pras últimas
perguntas.
[W] OK
174
12. [MD] Sobre a experiência que você teve no Knutpunkt, você acredita que o
Brasil tem estrutura ou em um capo de possibilidades, propor um evento
como Knutpunkt? Porque eu estava percebendo o seguinte: o Brasil tem
tantas dimensões diferentes que você vai encontrar uma estrutura de RPG
em Minas Gerais, uma estrutura de RPG na Bahia, uma estrutura de
RPG... Fica parecendo que são vários países dialogando de maneiras
diferentes. Você acha que é possível nós criarmos uma proposta de
Knutpunkt. Assim, pelos parâmetros, no Brasil o que a gente está fazendo
sobre Larp e o que está sendo apresentado sobre Larp.
[W] Acho que tem uma questão muito importante... Eu acho que o Luiz falcão, o
Luiz Prado, o Goshai esse pessoal... O pessoal da confraria das ideias, tem feitos
trabalhos importantes principalmente nesse sentido porque é... O Knutpunkt é uma
referência hoje em dia, mas eles não se tornaram da noite pro dia, não é que assim o
pessoal se juntou e falou vamos agora ficar cabeção, vamos fazer um grande debate
profundo, acadêmico, filosófico e artístico sobre o Larp entre os países nórdicos. Não,
não foi isso. Você pega o primeiro livro, o “the Book” ele é um fanzinão. É um grande
fanzine com um monte de piadas internas, de um grupo pequeno, enfim, houve um
amadurecimento da comunidade de Knutpunkt.
E eu acredito que falta um evento no Brasil, ou vários eventos no caso, pra dar
mais dinamismo nessa comunidade brasileira. Nós temos uma comunidade. Ela está
começando a discutir só que essa discussão ainda está mais no virtual. Está lá no Larp
Brasil, lá no Indie RPG. A gente tem aqui alguns eventos tipo Lab Jogos, mas eu não
posso falar muito porque não participo aqui e seria interessante conversar com o Luiz
Falcão pra saber qual a opinião dele sobre esses eventos. Mas eu acho que o Basil não
tem nada a dever pro pessoal lá de fora.
Acho que num artigo que o Luiz Falcão escreveu sobre “New Tastes in brazilian
16
Larp” né, (Os Novos Sabores no Larp Brasileiro), isso fica claro, olha, a gente tem sim
Larps Brasileiros, uma comunidade brasileira. Nós não só pegamos coisas de fora e
fazemos do nosso jeito. Então sim. O pessoal... o pessoal acha que o Knutpunkt é um
negócio muito gigante e não é, vão 200 pessoas, é um evento pequeno. Se você parar
pra pensar são 200 pessoas perto de uma GenCon da vida por exemplo. Então é um
evento pequenos e as pessoas vão pra jogar e pra testar. Só que esse evento que as
175
pessoas vão lá pra jogar e você tem na hora do café, você tem... as pessoas estão
debatendo a todo momento.
Então vai lá tomar um café, vai comer, vai pra festa, as pessoas estão debatendo.
E ai isso com o tempo... mas os livros, eu acho que os livros foram uma parte
importante porque os livros proporcionaram um amadurecimento muito grande da
comunidade. Então eu acredito sim que o Brasil tem como ter uma comunidade tão
madura quanto, mas eu tenho a impressão que assim, quando eu tentei montar um
projeto de livro no estilo Knutpunkt eu percebi muito, “ah se você for publicar um livro
eu quero publicar um artigo” e o que tem de diferente no Knutpunkt é “vamos fazer um
livro”, então o pessoal já se propõe quem que vai ser o editor, quem que vai ser revisor,
quem que vai... Sabe?
Então você tem uma comunidade que apesar de pequena, ela está produzindo. E
é isso que eu acho que nós temos ainda pouco, pessoas que dizem “vamos fazer?”. E o
pessoal está esperando. Que nem os acadêmicos estão esperando até hoje que a Devir
faça outro simpósio de RPG e educação. Isso não vai acontecer. Desculpa, isso não vai
acontecer. Vai ter que algum, filiado à uma universidade arregaçar as manga e falar “eu
vou fazer um evento acadêmico de RPG”. É isso.
13. [MD] Ok. Algo importante da gente debater. Agora prepare-se para a
última pergunta: eu gostaria que você explicasse um pouco sobre realmente
o que é a sua tese, o que você tá pesquisando mas antes, pra quem não
conhece bem a relação da sua trajetória no mestrado, (da qual a sua
dissertação foi muito boa pra mim no meu campo de pesquisa), eu queria
que você explicasse o que foi que você pesquisou no mestrado; Como isso te
direcionou pra onde você está hoje e o que que você está pesquisando hoje.
[W] No meu mestrado eu tive um projeto bem ambicioso e esse projeto não foi
concluído, eu dei com os burros n’água. Que era fazer o estado da Arte do RPG no
Brasil. Falhei miseravelmente nisso, mas foi um bom aprendizado. Porque eu queria
analisar o impacto do RPG no desenvolvimento psicológico e antes disso o meu
orientador falou: “não, não tem ainda um levantamento bibliográfico do que já foi feito.
Faça isso.” Dai surgiu essa ideia do estado da arte. Isso me deu muito embasamento
porque eu fui ler a dissertação do Klimick a dissertação da Pavão, a dissertação da
Braga, li várias teses, varias dissertações, vários artigos. Então isso me possibilitou a
176
fazer uma série de debates, uma série de críticas, inclusive, algumas críticas, hoje em
dia eu percebo que peguei um pouco pesado, mas assim ainda são críticas minhas
importantes.
Eu acredito que muito dessa dissertação ela já está passada pra mim. Então por
exemplo, da definição de RPG, agora já tem, eu já dei uma avançada nesse sentido,
inclusive tem uma parte que com Vygotsky, a minha interpretação da teoria
vygotskiniana mudou. Mas tem partes da minha dissertação que eu acredito que ainda
são boas. Então, a parte que eu falo do tecnicismo do RPG, (negando a anterior) do
tecnicismo da educação no RPG ainda é uma contribuição importante. Querendo ou
não, apesar de tudo eu fiz (uma lista de referencias que tá lá no final pro pessoal ter
acesso ao material apesar de ter ai)... nossa, já vai fazer 7 anos já. Precisa dar uma
atualizada nessa lista, mas ela ainda é uma referência nesse sentido. E ai no doutorado
eu busquei mais esse projeto do impacto do RPG nas funções psicológicas. Ia fazer isso
aqui em escolas aqui no Japão e dei de cara com a barreira linguística.
A barreira linguística não me permitiu ir pra esse campo infelizmente. Então eu
decidi agora trabalhar as questões das transições, das transitoriedades com RPG e com
jogos. Não só com RPG, mas outros jogos. O que eu estou chamando aqui de transição
e transitoriedades? A transição da infância pra adolescência e a própria adolescência que
é uma faze de transição pra fase adulta. E as transições entre a cultura japonesa e a
cultura brasileira. Então essas transições sobre o ponto de vista do sujeito. O que
acontece com o sujeito? O que está acontecendo com essas crianças e jovens brasileiros
no Japão, ou desses jovens brasileiros que estudaram no Japão e estão voltando pro
Brasil. Então eu vou voltar pro Brasil eu pretendo fazer um pouco de campo no Brasil
também. E a minha forma de diálogo e de trabalho com esses jovens né, porque como
eu disse antes, eu não entendo que exista uma neutralidade, então vou fazer um trabalho
de revisão também. Essas intervenções junto aos jovens pra fazer questionamentos e
promover o desenvolvimento de uma auto reflexão, eles vão ser refeitos a partir do
RPG. Lembrando que RPG pra mim é tanto o RPG de mesa, quanto o Larp e ai eu vou
incluir alguns board games e ai eu vou incluir alguns jogos de improvisação daqueles
“improv” de teatro, teatro de improvisação. Então vou usar essa série de ferramentas
lúdicas pra fazer esse trabalho com as transições. Não sei se ficou muito claro o que eu
estou fazendo agora.
177
[MD] Ficou um pouco claro pra mim, o importante é que fique claro pra
você.
[W] Pra mim tá indo! Tá indo!
[MD] Não sei quanto tempo que deu a nossa entrevista, acho que uma hora.
Muitissimo obrigado. Agora a gente vai fazer o desafio de transcrever. Aguardo
você, a gente recebe artigo até primeiro de abril, e 15 de setembro nós estamos
lançando a edição 2015 porque agora no final de 2016 a Mais Dados recebe Nota
Qualis e a gente consegue ter um impacto maior pra debater dentro da academia.
[W] Isso é legal. Isso é muito interessante. Muito interessante. Vamos publicar!
[MD] Vamos publicar! Eu estou propondo isso pra todo mundo, vamos
publicar. Vamos publicar porque a ideia é como se diz no marketing: quem não é
visto não é lembrado. Se a gente não mostrar uma forma de organização, vai ser
bem difícil e ai volta naquilo que você disse do reinventar a roda. Porque quem
começa a pesquisar RPG na academia vem com “ah não tem fonte, ninguém
escreve sobre isso” e acaba achando que tem que reinventar a roda mesmo.
[W] É esse ai eu acho que é o problema mesmo. É o problema mais sério que a
gente enfrenta no Brasil: a constante reinvenção da roda.
[MD] E comentando com um professor da graduação que trabalha nisso,
acabei fazendo a mesma observação que você fez. Muito obrigado mais uma vez.
REFERÊNCIAS:
Entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=6ys2Mxo9Fjg&list=TL8_qjwKviFpQ
1- http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/dissertacoes/2008/20
08%20-%20SCHMIT,%20Wagner%20Luiz.pdf
2- O nome do console era Top Game
3- http://www.owbn.net/
178
4- http://en.wikipedia.org/wiki/Knutepunkt
5- Na verdade Simulation & Gaming http://sag.sagepub.com/
6- http://ijrp.subcultures.nl/
7- https://www.facebook.com/groups/428921160458729/
8- https://www.facebook.com/groups/indieRPG/
9- https://www.facebook.com/groups/118658425001980/
10- http://www.ijrp.subcultures.nl/wp-content/issue4/IJRPissue4bowman.pdf
11- http://www.ropecon.fi/brap/
12- Grupo Laymun
13- http://laymun.minim.ne.jp/
14- http://www.academia.edu/3462882/Why_Japan_does_not_Larp
15- https://www.youtube.com/watch?v=MLnRXQsv0OU
16- http://nordicLarp.org/wiki/The_Cutting_Edge_of_Nordic_Larp
ORA POIS, COMO É O RPG EM PORTUGAL?
Entrevistador: Ms. Rafael Correia Rocha159
Entrevistados: ROLE PLAYING GAMES - PORTUGAL160
159
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Comunidade rede social virtual: https://www.facebook.com/groups/rpgportugal/?ref=ts&fref=ts) dos
quais Jorge Palinhos, Sergio Mascarenhas, Luís Piteira, Rui Anselmo, Claudia Silva, Hugo Barbosa,
Fabiano Ferramosca, David Foley, Danny Rangel, Jose Hartvig de Freitas, João Mariano, Pedro Lisboa,
Nuno Sérgio Muralha, Pedro Felício, João Meixedo, Luis Figueira, Giovanni Magno, Isaac Frnds, Bruno
Filipe, Pedro Franco e Helder Araújo sederam entrevista.
160
179
.

Pergunta 01: como o RPG surgiu em Portugal ou qual a história do RPG
em Portugal?
Jogador Sonhador: Penso que é uma história bastante localizada em cada cidade.
Sobre Lisboa, quem melhor poderá falar será o Sergio. Sobre o Porto, será o Fabiano ou
o Jorge.
Jorge Palinhos: Os RPGs em Portugal têm um nome: SocTip. A Sociedade
Tipográfica S.A. lançou em 1989 a versão introdutória, em português, do Dungeons &
Dragons e, creio, foi a porta de entrada para os poucos jogadores de RPG portugueses,
numa altura em que a internet não existia. (Seria curioso falar com a empresa e perceber
o que lhes deu para publicarem o jogo em português.) É possível que algumas pessoas
tenham tido contacto com os RPGs no estrangeiro e os tenham trazido para Portugal. É,
no entanto, difícil de dizer. Todavia, o que é certo é que por via desse jogo alguns
grupos começaram a constituir-se e a jogar D&D, de forma independente. E, quando a
internet surgiu em Portugal, em meados da década de 90, tudo ficou muito mais fácil.
Sergio Mascarenhas: O que o Jorge Palinhos diz é totalmente errado. Os RPGs já eram
conhecidos em Portugal muitos anos antes da SocTip, e não foi preciso ir ao
estrangeiro. Não há nada que diga quando e quem foi o primeiro roleplayer português,
mas é provável que o contacto com os RPGs date ainda dos anos 70. O grande fator de
divulgação foi a venda entre nós de uma revista francesa, a Jeux & Stratégies, que
incluiu vários dossiers sobre RPGs. Chegaram a nós a partir de 1981-1982. Foi aí que
eu, por exemplo, tomei conhecimento dos mesmos.
180
A compra dos jogos é outra coisa. Havia basicamente três alternativas:
importação direta (possível, mas muito caro); ir ao estrangeiro (foi assim que comprei o
RuneQuest II em 1983); cravar um amigo ou familiar que fosse ao estrangeiro para
comprar.
E depois havia sempre a circulação 'cinzenta', quer dizer, fotocópias. Um exemplar que
chegava cá, desdobrava-se rapidamente em uns quantos mais. A verdade é que por
meados dos anos 80 havia uma cena ativa de jogadores de RPG em Lisboa, com clubes
organizados. E mais gente a jogar em círculos de amigos. Eram dezenas de pessoas,
diria até algumas centenas. Mas não tenho números exatos.
A SocTip e a versão portuguesa do Basic D&D é fruto desta cena, não a criou.
Se não me engano, a base da edição centrou-se no clube do Saldanha. E já antes do
BD&D tinha sido publicado um RPG rudimentar escrito aqui em Portugal num
suplemento de um jornal de grande circulação. Diga-se em abono da verdade que a
verdade é que a edição portuguesa do BD&D foi um semi fracasso. Quanto às razões de
ficar aquém das expetativas, só quem esteve por detrás da edição é que se poderá
pronunciar (ele(s) existe(m) e estão por aí).
O que tramou a coisa foi o Magic. O jogo surgiu precisamente no momento em
que havia condições económicas para os RPGs darem um salto. Aqui mais até do que
noutros países, o Magic foi como o Átila, onde pisou não cresceu mais erva, comeu
tudo. Mas esta é outra história.
Jogador Sonhador: Jorge Fabiano Claudia Lembram-se de alguma coisa por cá que se
passasse antes de 89?
Luís Piteira: Por acaso gostava de saber a história do RPG aqui por bandas de Évora.
Tanto quanto sei só há um grupo que joga, pelo menos neste momento. E agora
apareciam largas centenas de pessoas que o fazem por aqui... Bem posso sonhar lol
Jorge Palinhos: Várias afirmações do Sérgio Mascarenhas levantam-me dúvidas.
1) A Jeux et Stratégie só começou a dar relevo aos RPGs a partir de 1984,
nomeadamente com a publicação do Mega, o primeiro RPGs francês. Antes disso, essa
tarefa cabia à Casus Belli, uma revista muito mais pequena e de menor visibilidade, que,
tal como a J&S, só surgiu em inícios dos anos 80, pelo que não vejo o seu impacto na
promoção dos supostos RPGs em Portugal nos anos 70.
181
2) Como disse, não tenho dúvidas em que idas ao estrangeiro pudessem
fomentar surgimentos de alguns grupos em Portugal. Mas duvido que fossem tão
numerosos como o Sérgio parece sugerir. Afinal, não havia programa Erasmus, não
havia Low Costs, e as viagens à França, Reino Unido e EUA restringiam-se a uma
pequena elite ou a ligações familiares.
3) Estou muito curioso por saber que RPG rudimentar era esse. É possível saber
em que jornal foi publicado e em que ano?
4) Comprar o Runequest II em 1983 é um pequeno feito, visto que o Runequest
só teria edições europeias a partir de 1987. E isso reforça a minha ideia de que só muito
pouca gente poderia jogar RPGs em Portugal nessa altura.
5) Não há grande relação entre os CCGs e o BD&D português, visto que o
segundo é de 1989, e o Magic só apareceu em 93/94, altura em que a edição portuguesa
já tinha desaparecido das lojas. E parece-me que os CRPGs tiveram muito mais efeito
no declínio dos RPGS de mesa do que os CCGs. Por outro lado, também houve gente
que entrou nos RPGs através dos CCGs e dos CRPGs. É o meu caso e, suspeito, o de
muita gente deste grupo.
Claudia Silva: Eu só entrei nos RPGs por volta de 96/97, e posso dizer que a "segunda
onda" dos RPGs (coisas que não D&D, nomeadamente World of Darkness) pelo menos
no Norte\arredores, se deveu sobretudo ao Magic -- com Magic vieram outros jogos de
cartas, outros jogos de cartas trouxeram VTES, e daí foi um salto para Vampire. Na
realidade, são muito poucas as pessoas que conheço que tenham entrado nesta primeira
onda do "D&D" e outros que tais. Sempre tive a impressão que a cultura "geek"
apareceu nos finais dos 90s e foi isso que trouxe um acesso mais "em massa" aos RPGs.
E concordo com o Jorge, estou espantada que o Sergio não se referiu a Casus
Belli, que no Porto era constantemente mencionada por toda a gente que tivesse algo a
ver com RPG, e era até possível encomendar via Bertrand. Em 97, eu conhecia várias
pessoas que tinham colecções com dezenas de números (o Fabiano, por exemplo, e o
Flávio, logo deveriam andar a coleccionar já há uns anos).
Se eu tivesse que adivinhar, diria que os RPGs foram também expostos pela
ascensão da cultura Geek em Portugal (fins dos 90s/inicios 2000), com outras
propriedades relacionadas directamente com RPGs, como Baldur's Gate, que foi um
jogo de computador estupidamente popular. Na altura, trabalhava na Devir Porto na
secção de RPGs\Outros jogos, e tive imensos jogadores que queriam descobrir mais
182
sobre RPGs porque tinham jogado Baldur's Gate 1, 2 e Neverwinter Nights, e ouviram
que era inspirado num RPG.
Rui Anselmo: Creio que o José Luis Porfírio e o Jose Hartvig de Freitas podem dar o
seu contributo a esta conversa.
Sergio Mascarenhas: Jorge, quanto aos outros pontos. Não me lembro de qual foi o
jornal. Já dei volta ao miolo e não me recordo. O pessoal ligado aos RPGs na época que
conheço também não se recorda. Tenho comigo apenas um par de jogos de guerra
publicados num jornal nos anos 80. Os jornais tiveram paciência para publicar coisas
para jogadores, mas foi pouca.
Quanto ao RQ2 em 1983... Ouve, porque não perguntas em lugar de atirares o
barro errado à parede errada? Quem disse que eu comprei a edição europeia? Comprei a
caixa americana, como é evidente. E comprei a caixa do Pavis. E não comprei a loja
toda porque não tinha dinheiro nem transporte.
O caso curioso é o seguinte: no meu círculo ninguém se interessou pelos jogos,
portanto eu tinha um hobby solitário. Um dia em 1985, na Bertrand da Baixa, estou a
ver revistas (precisamente a J&S) e há um par de caramelos ao meu lado igualmente a
ler revistas. E dou-me conta de que estão a falar de RPGs. E dou-me conta de que estão
a falar... de RuneQuest! Um dos caramelos jogava RQ!Meti conversa e foi assim que
encontrei o meu primeiro grupo. Um ano depois tínhamos um clube em Santo Amaro
que movimentava umas 30 pessoas, entre regulares e ocasionais. Havia também o clube
do Saldanha que movimentava muito mais gente. Acho que começas a perceber que
considero o que escreves errado, não informado e absurdo...
Jogador Sonhador: Jorge e Claudia acho que houve alguma polinização cruzada entre
os jogos tabletop e de computador até à altura dos MMOs em que muita gente preferiu
consumir todo o seu tempo à frente de um tela em vez de se expõr a jogar cara-a-cara.
Conheço pelo menos uma pessoa que jogava quer uma coisa quer outra e que
expressamente escolheu o RPG por computador.
Rui Anselmo: Jorge, o Correio da Manhã editou um RPG de fantasia vagamente
baseado no Conan, se a memória não me falha, mais ou menos na mesma altura que
183
o Sergio refere; o RQ2 é de 1979, se não estou em erro, por isso é possível que o Sergio
o tenha comprado em França em 1983.
Sergio Mascarenhas: Quanto ao impacto do Magic, mais uma vez convém ler com
cuidado. Eu não disse que o Magic teve impacto no BD&D português, disse que tinha
tido impacto na cena RPG em geral.
Ao contrário do que pensas (mais uma vez, estiveste lá?), os CRPGs não tiveram
grande impacto, por duas razões simples. Os computadores eram caros e não eram para
todos; os jogos eram primitivos. Mesmo assim, houve tentativas de lançar MORGS por
correio entre nós. Lembro-me de um jogo em que me inscrevi, jogo animado por
pessoal do Clube do Saldanha, baseado em Greyhawk. Esse jogo tinha centenas de
jogadores inscritos espalhados pelo país.
O Magic foi diferente. Quase toda a gente que jogava RPGs experimentou e
muita gente mudou. A facilidade de jogar, a qualidade dos materiais, a competição, o
jogo organizado, tudo era atraente. O impacto sentiu-se em todo o lado, não foi só cá.
Qualquer pessoa que conhece minimamente a história dos RPGs te dirá que o Magic foi
um terramoto, uma peste negra. Entre nós, com um meio pequeno e pouco organizado,
o impacto foi apenas maior.Quanto aos anos 90, afastei-me do hobby e não conheço
bem a cena, outra gente que fale dela.
Só uma nota final quanto à caixa vermelha em português. Do meu ponto de
vista, o que está por detrás do seu insucesso é basicamente o seguinte: A editora não
sabia o que fazer com aquilo. Não era o seu negócio, não sabiam como o distribuir. Se o
mercado eram os jogadores confirmados, não tinha qualquer hipótese. Estes jogavam
coisas mais avançadas, não iam voltar à caixa vermelha. Compraram para apoiar, não
para jogar.
Se no mercado eram novos jogadores, não souberam como chegar a estes. Não
quer dizer que não tenha tido sucesso em alguns casos (gente que descobriu os RPGs
com a caixa), mas isso foi a exceção, não foi a regra. Não teve sequência. A caixa
vermelha não vale por si, precisa de ter continuidade. Essa continuidade não ocorreu.
Claudia Silva: Engraçado, Sergio, porque esse "terramoto" de que falas, nos anos 90,
como disse, pelo menos, aqui no norte, foi o que trouxe muita gente para o RPG. Ser
"fácil" não apelava. Apelava fazeres a tua personagem, teres liberdade.
184
Suponho que isto é uma situação Gamist vs. Simulationists\Narrativists. É
normal que alguém que jogasse, sobretudo, pelo prazer de estratégia e mecânicas
preferisse Magic, mas para quem tinha um maior gosto pela História\Interpretação de
Personagem, Magic tinha muito pouco a oferecer -- logo, estas pessoas atiram-se aos
RPGs de cabeça ao saber da sua existência, e ou largaram os jogos de cartas (como eu)
de imediato, ou nunca sequer consideraram jogar a sério (note-se que em ambos os
grupos haviam pessoas que jogavam de forma "social" para fazer uns joguitos com
amigos, o que como o Jogador disse, indica que jogos parecem ser um fenómeno
sobretudo de polinização cruzada em Portugal.).
Nos grupos em que me mexia, isso sim, notei que não havia grande amor por
D&D, por isso WOD era o mais jogado, nos fins dos 90s (supeito, porque quem poderia
gostar mais desse sistema estava a jogar Magic?). Só houve um renascer deste interesse
em D&D quando D&D 3.0 saiu.
Rui Anselmo: Foi a época da White Wolf, do punk-gótico e do pseudo-intelectualismo.
Claudia Silva: Nunca notei "pseudo-intelectualismo" ou gótico (punk ou não), entre os
jogadores com quem joguei, pelo menos, não pelo norte. Ou estás a falar dos RPGs em
si, Rui?
Rui Anselmo: Isso.
Sergio Mascarenhas: Cláudia, isso é perfeitamente compreensível. O que aconteceu no
com o aparecimento do Magic é que de repente tens à disposição um jogo em que não
tens de fazer uma ginástica enorme para arranjar materiais (vende-se por todo o lado,
não tens de mandar vir do estrangeiro), para arranjar jogadores, etc. É claro que faz todo
o sentido que ao fim de algum tempo tenha ocorrido o percurso inverso.
Outro problema no início dos anos 90 foi um problema geracional. A cena dos
anos 80 foi uma cena duma geração que viu a sua vida mudar nos anos 90, ou seja,
quando estabilizou, arranjou emprego, casou, teve filhos... O habitual.
E depois houve o aparecimento do Vampire. Ainda me lembro disso no início
dos 90. De repente aparece pessoal à tua volta a querer jogar aquilo. Além do Vampire,
houve outros jogos a aparecer. O resultado foi uma fragmentação de uma base pequena.
É possível que o Magic tenha sido apenas o golpe de misericórdia, mas a verdade é que
185
houve o fim duma geração. Felizmente, entretanto estava a preparar-se o aparecimento
de outra.
Claudia Silva: Sergio, e foi o que, segundo o que me pareceu, o abrir do mundo dos
RPGs ao elemento feminino - quando eu comecei a jogar, conhecia outra rapariga que
jogava comigo (a Inês Rocha, era que aprendeu comigo, ensinadas pelo Fabiano -somos amigas da faculdade, e já nos conhecíamos quando descobrimos os RPGs, graças
a estarmos a jogar VTES um dia no bar da faculdade), mais nenhuma - era tudo rapazes
e mais rapazes. A partir daí, no entanto, foi um crescer exponencial. Por volta dos 2000
e tais, o nosso grupo de jogadores "frequentes" tinha 7 raparigas e 3\4 rapazes.
E para quem acha que estou a imaginar coisas (um grupo de jogadores de RPG
com mais gajas que gajos?!), olhem nós, num jantar de aniversário\meninas do RPG!
(Faltam duas porque uma está a tirar a foto, e a outra não tinha ido, por alguma razão).
Fabiano Ferramosca: O primeiro grupo que sei que jogou no Porto foi um grupo da
Católica; quando ouvi falar deles em 1991 ou 1992 eles estavam já no fim (dá-me ideia
que devia ser um grupo de amigos que devia estar a acabar o curso). Portanto este grupo
deveria remontar aos finais dos anos 80 (não quer dizer que não houvesse nada ainda
mais anterior). Na altura os grupos eram muito informais e era perfeitamente possível
um grupo aparecer, durar uns anos e desparecer sem nunca ninguém ouvir falar deles.
Sergio Mascarenhas: Cláudia, sim, esse é um aspeto a mencionar. Nos meus grupos
dos anos 80 as raparigas eram raras, quase sempre namoradas de rapazes que jogavam.
Aqui, houve mudanças demográficas importantes e parece-me que o Vampire também
teve o seu papel. Hoje na nossa cena do GRL ainda há mais pilas, mas diria que não é
algo de significativo. Mas agora que falamos disso, há um aspeto interessante que é o
seguinte: quase todos os MJs são homens. Não me estou a lembrar de nenhuma MJ,
sobretudo de uma MJ que mestre jogos de forma consistente. Como é evidente, estou a
falar de jogo organizado. Como são as coisas aí pelo norte?
Hugo Barbosa: Lembro-me que o saudoso Diário Popular publicou, algures em 1985
Os Druidas do Eclipse que foi um conjunto de regras português do jornalista que, tendo
ido ao estrangeiro, queria divulgar em Portugal o que seriam RPGs. Lembro-me do ano
porque tentei recriar o A View to a Kill com esse sistema (longa história). Foi o MEU
186
primeiro contacto. Por isso, os RPGs já por cá andariam em meados dos anos 80 como
diz o Sergio.
Claudia Silva: Sergio, mesmo na época dourada (início dos 2000), quem mestrava era
maioritariamente gajo, mas havia várias raparigas atrás, com campanhas de longa
duração -- a Inês Martins mestrou várias campanhas de Vampire, e uma de Senhor dos
Aneis (onde o Jogador era o único homem, com 3 jogadoras, e uma GM) que duraram
pelo menos um ano (e ela tem estado a mestar uma de L5R que dura pelo menos há um
par de anos), e a Sónia também andava a dar uma de ST. Eu, como Menina dos RPGs
da Arena Porto, foi nessa altura que mestrei a minha crónica de D&D 3.0 que durou
cerca de um ano, para um grupo de miúdos bastante novos (com pais que eram bastante
compreensivos, já que lhes davam dinheiro para comprar muitos dos livros de 3.0 que lá
tínhamos à venda), para além de estar na minha fase "experimental", logo andava a
mestrar coisas estranhas por que me estava a apaixonar (como Changeling, WitchCraft,
etc.). Já que ninguém mais o faria (e é por isso que até hoje, apesar que ter Changeling
como um dos meus jogos preferidos, nunca joguei uma única sessão). Logo, sem
dúvida, a mestrar há sempre mais pilas, mas pelo menos nos círculos em que me mexo,
há ainda uma certa presença de raparigas. Pode ser porque há sempre mais jogadores
que jogadoras, e devido a percentagens, não necessariamente porque raparigas gostam
menos de mestrar.
Fabiano Ferramosca: Em relação à caixa vermelha, lembro-me que a primeira vez que
ouvi falar dela foi num dos livros da Europa América, que fazia publicidade a ela.
Passado pouco tempo encontrei-a à venda em Aveiro numa loja de brinquedos; eu
andava no liceu, portanto foi entre 1989 e 1991 (embora eu sempre tivesse tido a
sensação que tivesse sido muito antes, o tempo prega-nos estas partidas à memória; ela
custava uma pequena fortuna (mais de 2000$ escudos). Passado pouco tempo ela não
estava na loja, portanto deveria haver um grupo em Aveiro a jogar.
David Foley: Também posso testemunhar ao efeito de Magic TCG na primeira onda de
roleplayers, O Magic destruiu o meu grupo original em Irlanda, de onde venho, no
início dos anos 90's, quase todas as pessoas pararam de jogar RPGs e em vez jogaram
MTCG. Foi terrível, comeu-os todos, ninguém escapou, só sobreviveu porque migrou
ao País de Gales... AO PAÍS DE GALES!
187
João Mariano: (David, isso quer dizer que talvez haja uma sociedade perfeita de
jogadores de RPG na ilha de Man?) ;D
João Mariano: (Claudia, eu mestro para tu jogares, então. Ou achas que vale a pena
esperar pelo C20?)
David Foley: João Oxalá, estudei biologia e é verdade que, por vezes, organismos, em
perigo de extinção, podem prosperar em ilhas distantes
Claudia Silva: Vale a pena esperar pelo C20, João. Changeling nunca teve uma edição
Revised, apesar de que introduziu muitas das mecânicas que depois foram
"emprestadas" para Revised de Vampire\Werewolf\Mage (sendo o WoD 2.5 em termos
de mecânicas). O C20 era exactamente o que eu estava à espera e o que o jogo precisa
(tirando algumas regras mais estupidas que V20 introduziu como as novas\velhas regras
de acções multiplas).
Hugo Barbosa: Fabiano Ferramosca, tiveste sorte. Em Lisboa era 4 contos a caixa. E os
livros onde vi a caixa anunciada foi nos livros traduzidos da TSR Seja o Herói da
História tipo Aventuras Fantásticas. Na altura ainda as demonstrações eram na SocTip.
Foi no ano de 1989. E a primeira vez que joguei um RPG fora do meu grupo e em
eventos oficiais.
Fabiano Ferramosca: Eu não disse que custava 2 contos, disse que custava mais de 2
contos que era o meu limite disponível (provavelmente era um preço mais parecido com
o valor que disseste), e foi outra pessoa que a comprou. Só tive acesso à caixa nos anos
90 já.
Sergio Mascarenhas: De facto, passou-me que um dos grandes obstáculos ao sucesso
da caixa vermelha foi o preço. 20€ de então (câmbio de quatro milenas) valem hoje uns
80€. Numa época em que os potenciais interessados tinham muito menos dinheiro
disponível. Só podia mesmo dar bosta.
Jorge Palinhos: Hugo Barbosa, podes indicar que demonstrações eram essas?
188
Rui Anselmo: Eram demonstrações feitas pela/na SocTip. Ainda joguei uma vez D&D, como toda a gente.
Jorge Palinhos: Rui, quantas pessoas participariam nessas demonstrações? E lembraste do ano em que foi publicado esse "RPG do Conan" no Correio da Manhã?
Rui Anselmo: Desapareceu o meu comentário: "eram entre 5 a 8 pessoas por mesa, e
foram feitas várias demonstrações; não me recordo do ano exacto em que foi publicado
esse RPG".
Jorge Palinhos: Obrigado, Rui.
Danny Rangel: Eu posso, como qualquer um aqui, falar da minha historia individual, a
minha experiência. Eu comecei a jogar em 2000 e com Vampire. Alguém na minha terra
- Santa Maria da Feira - tinha um livro de Vampire The Masquerade e tivemos uma
pequena campanha de 4 sessões, uma one shot que nos deixou a pensar em RPGs. Na
altura todos jogavamos Magic e não nos teríamos conhecido de outra forma, por isso no
nosso caso se não fosse Magic não teríamos RPGs nas nossas vidas. Na altura viciei uns
amigos de Vampire na escola e jogávamos nos intervalos, literalmente, isto no 11º ano.
A comunidade de Magic estava no seu topo e éramos uns 10 a jogar. Vampire tinha uma
mesa regular e eventualmente em 2001 passamos para D&D. Compramos os livros na
Arena Porto naquela altura porque um de nós estudava no Porto, e tínhamos uma sessão
regular. A dada altura nos verões tínhamos 2 mesas regulares a jogar uma ao lado da
outra num cidade pequena como Santa Maria da Feira. Jogávamos nas mesas de pedra
da floresta nas encostas do castelo de Santa Maria da feira, durante as feiras medievais .
No nosso caso foi o Magic que nos trouxe para o mundo de RPG. E o que
terminou a minha parte que durou anos e anos, foi a maior parte deles deixarem de jogar
Magic, estranhamente. Lembro-me em 1999-2000 ir à arena porto no cristal e ver a
Claudia, o Rico e outros a jogar Vampire, e achava aquilo bastante cool. D&D para mim
veio pelas páginas de anúncio que apareciam nas bandas desenhadas da globo, os
quadradinhos da Marvel e DC, que publicitavam Bds, e pelos livros que via quando ia
aos regionais de Magic na Arena Porto. O nosso maior entrave era o preço das coisas,
porque informação não era difícil de encontrar. Em 2002 entrei em Coimbra, na
189
faculdade, e em 2003 tinha uma sessão de Vampire Activa, enquanto tinha a minha
mesa de D&D em Santa Maria da Feira aos fins de semana.
Danny Rangel: O Vitor Teixeira lembra-se das sessões de Vampire na escola
Jose Hartvig de Freitas: Entretanto, organizou-se o CJS - Clube de Jogos de
Simulação, provavelmente mais ou menos em paralelo à Torre. Inicialmente era local de
entrega das jogadas do jogo por correspondência idade das Trevas, do GAP (Grande
Afonso Proença!). Isso durou uns dois anos, e não era possível juntar tanta gente que
gostava de jogos de simulação sem que isso originasse um clube. Foram vários os que
participaram nesses tempos iniciais. O Vítor Luis Fernandes, que dirigia o clube, o Dr.
Calçada (pai e filho, tinham talvez a maior de todas as colecções de wargames do país),
o Luís Miguel Sequeira, e muitos mais cujos nomes já não recordo. O CJS era
inicialmente muito virado para wargame, mas desde o início houve bastantes jogadores
de RPG. Os domingos eram quase completamente dominados por grupos de RPG que
ficavam lá a jogar o dia inteiro. Isto, se não me engano, foi o período de 1985-89.
Jose Hartvig de Freitas: Mas eu desde finais de 86 andava em correspondência com a
TSR para editar/reservar os direitos do D&D cá, e à procura de um investidor. Esse
acabou por ser a SocTip, que em 89 editou o D&D, para além de que foi também o ano
em que se criou o Clube de Jogos da SocTip, e se iniciou a importação de livros da
TSR. Como coincidiu com o lançamento da segunda edição de AD&D, houve um boom
tremendo do RPG nessa altura. Eu saí da SocTip passado um ano e meio por causa de
divergências várias, e fundei a Imperium Jogos, que editou em 91 ou 92 o Battletech e
continuou a funcionar até inícios de 94. Nessa altura, por vários motivos, quer eu, quer
o meu sócio na altura, desistimos (até por causa de alguns problemas fiscais a ver com a
maneira como eram taxados os livros de RPG) e fechamos a Imperium, vendendo o
grosso do stock de livros em português à... Devir, no Brasil. Foi assim que se iniciou a
ligação à Devir, e que mais tarde, quando a Devir Brasil decidiu abrir uma empresa cá
para tratar da distribuição da versão portuguesa de Magic, eu passei a ser sócio e
director da empresa cá.
Jose Hartvig de Freitas: Houve outras empresas ligadas ao RPG. O CJS acabou por
sair do Saldanha e ir para a zona do forno do tijolo, provavelmente cerca de ... 92? 93?
190
Não me lembro bem, nessa altura a Imperium tinha ido para Campo de Ourique e eu já
não aparecia muito no CJS. Houve um senhor, cujo nome não me lembro e já faleceu,
que durante uns anos (93 ou 94 até... 96? 97?) importava TSR e vendia nas Lojas York,
em Lisboa, na António Augusto Aguiar. O Lobo Branco, que começou em Campo de
Ourique lá para 95, como clube de Games Workshop, e onde havia também consolas e
PCs em rede, e que depois se mudou lá para Santa Justa, já em 96 ou 97, e já
principalmente como clube de Magic.
Mas eu nessa altura já não jogava muito RPG. Dito isto: muita gente olhou para
o período 9095 como alguma era de Ouro do RPG cá, e acha que o RPG desapareceu
depois, com a chegada de Magic. Não tenho essa noção, e baseio-me em números muito
factuais e simples: quando se lançou o AD&D 2nd Ed., lembro-me de ter ficado
surpreendido com as vendas do Players Handbook, que vendeu na altura uns 300
exemplares em cerca de 3-4 meses, o que era muito. Mas quando saiu em 2000 o D&D
3rd Ed., e era eu responsável comercial na Devir (que era distribuidora oficial da
TSR/WotC), vendemos 900 livros no PRIMEIRO mês! E nessa altura, só de fazer meiadúzia de telefonemas para alguns clientes e grupos (que importavam directo), dei-me
conta que tinham entrado outros 150 importados por outras empresas. Ou seja, as
vendas foram MUITO superiores.
Como termo de comparação, o D&D Básico - a caixinha vermelha - vendeu
mais ou menos 2000 exemplares naquele ano e meio de comercialização activa da
SocTip, e entre restos de stock que a SocTip vendeu mais tarde aos tais da Loja York, e
mais tarde ainda, à Devir, devem ter-se vendido mais uns 800.
Nos tempos áureos, o CJS chegou a ter uns 150 membros activos, pessoas que se
deslocavam lá regularmente, uma vez por mês ou mais, para comprar jogos ou jogar. A
Torre do Necromante nunca teve mais de uns 30 membros activos. As demonstrações
na SocTip eram quase diárias, e devem ter ensinado a jogar a centenas de jogadores,
literalmente passavam por lá umas 20-30 pessoas por semana, e isto durante um ano e
tal.
Inês Rocha Silva: De facto, comecei a jogar em 96/97 com a Claudia, Fabiano,
Palinhos, Corujo. Depois fui para a Bélgica, onde já havia uma grande comunidade de
jogadores e lojas. Cheguei a ir trazendo coisas para a malta. Eventualmente, perdi o
gosto, talvez porque aos poucos, as amizades foram mudando. No entanto, no ano
191
passado retomei, e arrastei várias pessoas à minha volta que nem sabiam o que isso era!
Ainda bem que agora já não é preciso andar a comprar os livros e nem é preciso viajar.
Jogador Sonhador: Jose Hartvig de Freitas Obrigado pela informação detalhada!
Posso perguntar qual foi o balanço feito da decisão de se traduzir a caixinha vermelha
para Português?
Danny Rangel: alguém devia escrever um livro com tudo isto.
Jogador Sonhador: Danny, eu e o Jorge estamos a falar do assunto. Podemos começar
por fazer um copy-paste para um ficheiro aqui no grupo. Eu estava a pensar criar um
grupo só para juntarmos documentos e testemunhos. Talvez com o intuito de se montar
um vídeo, por exemplo.
Jose Hartvig de Freitas: Não houve bem balanço. As coisas na SocTip mudaram
muito, as vendas não eram nada de especiais (embora não fossem más, e o alto preço
que tinha sido colocado na caixa compensou), mas depois de uma zanga entre mim e a
administração, e depois de eu anunciar que me ia embora, foi tomada a decisão de
fechar o departamento. Na altura, a SocTip tinha montado um departamento editorial de
que os jogos também dependiam, um projecto que foi encerrado passado um par de
anos. No fundo, a SocTip desistiu de actividades não relacionadas com o seu negócio de
base, que era a impressão.
O preço da caixa era de 4,950$, ou seja, em euros uns 25€.
Jogador Sonhador: Jose Hartvig de Freitas, falo da hipótese de se traduzir mais
alguma coisa durante a década de 90 ou depois de 2000.
Hugo Barbosa: Só fui uma vez à SocTip. Na vez seguinte, disseram-me que tinha sido
tudo mudado para o CJS. E nesses anos, de facto, via muitos a jogarem. E a coisa
passava cá para fora, ou seja, as pessoas conheciam-se lá, mas depois formavam grupos
para fora do CJS. Comprei lá MERP, Call of Cthulhu, AD&D 2, amigos meus
compraram a sua quota parte. Mais do que vender, é esse espírito de comunidade que
tem que voltar ou já cá anda graças aos esforços de gente como o João Mariano, Sergio
Mascarenhas, Henrique Bruno Soares e Jogador Sonhador e tem que ser mantido.
192
Jose Hartvig de Freitas: Jogador Sonhador, nessa altura já não seria a caixa vermelha
que a TSR passou à reforma. A Devir editou imenso RPG, editou o D&D 3a edição em
português (no Brasil) e em espanhol. Mas dadas as excelentes vendas do inglês cá, e o
facto de editar isso cá ser um certo risco, na verdade nunca se colocou bem o problema.
Chegamos a falar disso em 2002 ou 2003, para fazer uma coimpressão, mas nunca se
avançou muito nisso.
Jogador Sonhador: Quem quiser colaborar para juntarmos uma história do RPG em
Portugal, mande uma mensagem para eu vos juntar ao chat com o Jorge e o Danny.
João Mariano: Jogador Sonhador e restantes: no que diz respeito a essa colaboração
interessaria particularizar o historial de cada cada região ou cidade? Por exemplo, eu
tentar descrever a "história" dos RPGs em Setúbal e Almeirim?
João Mariano: Verdade. E quero agradecer a ti e à Imperium pela tradução e edição
nacional do Battletech que foi o meu primeiro jogo de mesa tipo hobby e que me
proporcionou um verão inteiro de leituras obsessivas e jogatanas posteriores. E claro,
pela iniciativa de publicar a Caixa Vermelha da Soctip que foi o primeiro RPG que
comprei e que mestrei. Obrigado por tudo.
Jogador Sonhador: João Mariano para já, vamos separar este tópico em décadas
(70/80, 90, 2000) sem distinguir entre regiões, acho eu. Depende da quantidade de
informação que conseguirmos reunir.
Rui Anselmo: Caro Jose Hartvig de Freitas, obrigado pela tua participação. Creio que
ajudou bastante ter alguém a intervir que tivesse presente números de vendas e de
pessoas ao longo dos tempos. Saberás porventura a quem contactar por causa de um
certo RPG editado algures nos anos 90 (creio) no Correio da Manhã?
Jose Hartvig de Freitas: Tanto quanto me lembre, esses Druidas da Alvorada é dos
anos 80, saiu no Correio da Manhã, quase de certeza e não sei quem escreveu. Sei que o
Luis Miguel Sequeira publicou uma série de artigos na Capital em 92 ou 93, que
incluíam uma aventura completa de fantasia, com as suas regras. O Segredo de
193
Aldwal»
-Uma Aventura num Jogo de Personagem, na série "Os Jogos de Personagem". Ando a
matar a cabeça a tentar lembrar-me de quem escreveu os Druidas.
Pedro Lisboa: Jogador Sonhador Apesar de só ter aterrado agora na conversa (24 horas
parecem uma eternidade no facebook...), avisado pelo Sergio Mascarenhas, tenho muito
interesse em acompanhar o tema da história dos RPG por cá - aliás, escrever qualquer
coisa acerca do assunto é um desígnio que ando a remoer há anos!
Hugo Barbosa: Então sou eu que estou a fazer uma confusão enorme: estou com a
ideia de que a coisa se chamava Druidas do Eclipse e que foi publicado no Diário
Popular. Seria duas séries do mesmo jornalista ou estou a confundir tudo. Até porque o
meu pai não comprava o Correio da Manhã e aquilo saía aos Sábados. Era quase de
certeza o Diário Popular. Não digo que não houvesse algo semelhante no Correio da
Manhã. Alguém se recorda para além de mim?
Nuno Sérgio Muralha: Há muitos, muitos anos, era eu uma criança... Eu terei
começado a jogar RPG nos idos de 85 mais ou menos, e de acordo com as minhas
contas, a memória (fruto da idade) Já não é o que era. Um grupo de amigos, introduzido
no meio por amigos de amigos, tomara de assalto uma agremiação, um cineclube, que
tinha instalações e despesas pagas pelos sócios, mas actividade zero. Na altura das
eleições, criou-se uma lista, votamos basicamente nós, e tomámos quase de assalto o
sítio, tipo hangout, E pelo menos uma das noites da semana era tipo religião.
Jogávamos nessa altura basicamente Runequest, CoC e Bushido. Entretanto
numa ida a Paris terei trazido para um dos membros do grupo aquilo que terá sido
provavelmente a primeira cópia de Cyberpunk 2013 cá. E juntámos cyberpunk ao rol de
jogos. Uns quantos boardgames também com o decorrer dos tempos, Bloodbowl, por
exemplo. E assim foi durante uma série de anos. Sabia da existência de vários outros
núcleos de jogadores, tínhamos no nosso grupo duas pessoas que vinham da Torre do
Necromante, entretanto soubemos do CJES, mas pessoalmente apenas lá fui um par de
vezes.
Como sou de Campo de Ourique, foi quando o Lobo Branco passou de Santa
Justa para Campo de Ourique, que comecei a alargar o meu leque social a nível de RPG
e outros jogos para fora do meu grupo inicial, e foi a partir daí que conheci alguns de
194
vocês que por aqui pululam. Depois do fecho do Lobo Branco, onde "vivi", e como o
meu grupo inicial de Campo de Ourique se tinha desagregado, por contingências da
vida, passei a jogar, com um grupo de jogadores com um "core" mais ou menos fixo" da
Pontinha, onde tive durante uns anos um negócio. Estamos mais ou menos
interrompidos há um par de anos,, não vamos para novos, e nem sempre é fácil manter
uma rotina destas, mas estamos a pensar voltar em breve ao activo. Lembro também
com saudade a Alternativa, sobretudo a fase da Rua da Caridade.
Sergio Mascarenhas: Só umas correções sobre a Torre do Necromante, pois estive
ligado ao aparecimento da mesma. Como disse algures acima, em 1985 encontrei por
acaso outro jogador de RQ2, o Alfredo Ferreira que vivia em S. Amaro de Alcântara,
muito perto da antiga FIL. Convidou-me e fui jogar a casa dele (num sábado, salvo
erro). Éramos quatro, eu, ele, o Paulo Canongia que o José mencionou e um amigo do
Alfredo, igualmente de S. Amaro. O Alfredo era membro do Clube de S. Amaro, uma
agremiação local, e teve a ideia de se fundar um clube de RPGs tendo como base o
Clube de S. Amaro. A verdade é que convenceu a direção do clube a aceitar-nos lá.
Acho que a ideia do nome também foi dele: Torre do Necromante. Isto foi aí por 85.
A coisa pegou, mas nunca teve muita gente, umas trinta pessoas. O Manuel e a
Olga a que o José se refere apenas apareceram depois. Em 86-87 chegámos a ter um
boletim (Bola de Cristal) de que sairam três números. Coisa muito rudimentar.
A Torre desapareceu ao fim de uns anos pela seguinte razão: os membros do
Clube de S. Amaro eram pessoal da mine e da bola. Começaram a achar muito estranho
aquele grupo de desconhecidos vindos sabe-se lá de onde que ficavam por ali até altas
horas e que não conviviam com eles. Começaram a levantar-se vozes contra e a direção
do Clube acabou por nos pôr a andar.
Quanto a publicações em jornais, além do já referido RPG, publicaram-se
também alguns jogos de guerra. Infelizmente não tenho o Druidas (de qualquer coisa),
mas tenho um jogo de guerra medieval, Torre Alta, publicado em 1981 no Espaço T
Magazine, obra de António Calçada; e um Guerra Nas Estrelas de Luís Calçada,
publicado no Semanário em 1984. Aliás, se a memória não me falha foi o Luís Calçada
o autor do tal Druidas (de hora incerta).
Rui Anselmo: Sobre isto, creio que também seria interessante contar com a
participação na conversa do Rui Cordeiro e do João Meixedo.
195
Hugo Barbosa: Se calhar se o clube se chamasse Taberna do Necromante a coisa
pegasse.
João Cartaxo: Conversa bastante interessante! Pouco posso acrescentar ao que já aqui
foi dito, para além da visão de alguém do interior do país. Tomei conhecimento da caixa
vermelha de D&D em 1988 através de um anúncio numa revista de natal de uma
entidade bancária (não me recordo qual) e aquilo alimentou o meu interesse, embora
não percebesse bem como funcionava. Esse anúncio referia a SocTip e julgo eu a Tabak
(?) nas Amoreiras.
O que é certo á que sendo de Abrantes, a idas a Lisboa eram muito escassas e as
tentativas de compra do jogo esbarravam sempre em "esgotado"... Acabei por desistir.
No final de 1991 me deparei com a referida caixa vermelha numa livraria em Faro e
comecei a jogar em 1992 em Abrantes e mais tarde em Faro, com muita gente diferente.
Entretanto, através de amigos que tinham entrado na universidade em Lisboa
descobrimos o CJS e mais tarde as Lojas York. Nesta altura adquirirmos a Rules
Cyclopedia e muito material de Mystara enquanto um grupo de RPG em Abrantes.
Nunca jogámos outro RPG que não fosse D&D.
Jogador Sonhador: Quanto ao D&D, nunca chegaram cá os livrinhos de 1974, pois
não?
Sergio Mascarenhas: Hugo, a Torre meteu taberna... Depois das sessões de jogo era
habitual irmos para um restaurante em Alcântara (Cuidado com o Degrau) beber um
copo e conversar. Acontece que os maiores clientes desse restaurante eram os
responsáveis pelas OGMA que iam lá todos os dias com convidados. A certa altura
houve um escândalo de corrupção nas OGMA e os tais clientes desapareceram do
restaurante. Que não aguentou o golpe e fechou. A Torre ficou sem taberna.
Jogador Sonhador: Para a década de 2000, era bom termos o Ricardo Madeira para
falar do turno da noite e do RPG Portugal.
Rui Anselmo: Sim. E sobre o GNS.
196
Claudia Silva: E o Vampire PT
João Mariano: Podemos tentar puxá-lo aqui para a conversa, mas acho que ele não está
neste grupo.
Jogador Sonhador: Claudia Sim, isso é o turno da noite.
Jogador Sonhador: João já esteve e saiu, pelo que o ritual de invocação não funciona.
Pedro Felício: Jose Hartvig de Freitas, referiste um casal que supostamente são
médicos em Évora nos dias que correm, serias capaz de investigar melhor? Sou DM do
que, a meu ver até agora, é o único grupo de RPGs activo em Évora bem como
dinamizador do Grupo de Boardgamers de Évora.
Claudia Silva: Jogador, o Vampire PT existia muito antes do Turno da Noite. Lembro
me que foi mais para os fins do fórum que o Caine fez um trato com o Rick para fazer o
hosting no Turno da Noite.
Rui Anselmo: "O Caine fez um trato com o Rick".
Claudia Silva: (O Caine era o Admin do Vampire PT, nunca soube o nome verdadeiro
dele).
Rui Anselmo: Não faz mal. A história está bem assim.
Pedro Felício: lol parece-me que o Rui Anselmo sabe quem é o fraticida
Rui Anselmo: Não sei não. Eu fujo disso como o diabo da cruz.
João Meixedo: O Rui Anselmo puxou-me à discussão neste grupo que desconhecia e é
sempre um prazer rever alguma da história desses tempos e algumas das pessoas
também. O primeiro contacto que tive com RPG e boardgames foi numa loja numas
galerias comerciais ao lado do Apollo 70 na avenida Júlio Dinis. Não me lembro o
197
nome da loja, nem quem a explorava, mas foi lá que o meu cunhado na altura comprou
um Runequest senão me falha a memória.
Alguns anos depois, um amigo meu que cedo se desligou dos jogos, levou-me ao
Lobo Branco em Santa Justa, e foi aí que o bicho se entranhou. Primeiro com os
boardgames da Games Workshop e Fasa e depois com os RPGs. Foi também no Lobo
Branco, tanto em Santa Justa, quanto em Campo de Ourique que conheci o já
mencionado Rui Cordeiro e seu sócio João Maia, o Jose de Freitas, Paulo Canongia,
Luis Figueira, Rui Anselmo, entre muitos outros.
Foi lá também que conheci o Paulo Rocha, que haveria de ser meu sócio na
Alternativa Ilimitada, com qual passamos vários anos a comercializar RPGs,
boardgames, cardgames, etc. Ajudei a introduzir muita gente ao mercado dos jogos de
vários tipos, com demonstrações que fazíamos em escolas e espaços comerciais, e
disponibilizando espaço de jogo, cenários, etc nas nossas lojas, mas ficou-se por aí o
nosso contributo. Desconheço que no aspecto da divulgação, alguém tenha tido um
impacto tão grande quanto o do Jose de Freitas, na tradução e edição de tantos jogos
diferentes na nossa língua, pelo menos naquele período. Ainda traduzimos para
Português algumas coisas da Games Workshop, mas não lhes compensava a impressão
em quantidade porque o Português de Portugal arranhava as orelhas do outro lado do
Atlântico e o nosso mercado era muito pequeno.
Concordo com aqueles que afirmam que os Cardgames mataram alguns dos
outros jogos. O esforço financeiro permanente e a dedicação constante a que quase
obrigam, roubam tempo e dinheiro a outro tipo de jogos. Quem conosco se iniciava num
qualquer boardgame ou RPG, quase sempre experimentava "n" outros jogos, mas
sempre sentimos grande dificuldade em fazer quem se iniciava nos cardgames se
interessar por outras coisas, e vimos muitos jogadores abandonar os outros jogos para se
dedicarem exclusivamente aos cardgames. Isto como é óbvio, são generalizações e não
o exemplo de toda a gente.
Nos RPG's joguei AD&D, muito Shadowrun, Werewolf, Vampire, Mage, Eon, e
pazadas de Call of Chtulhu, joguei mais alguns que já nem me lembro os nomes.
Entretanto a vida apanhou-me e despejou-me em cima as responsabilidades da
parentalidade e o tempo para os RPG foi-se, mas as saudades ficaram. Peço desde já
desculpa pelo testamento.
198
Jose Hartvig de Freitas: Aha, Pedro Felício, lembrei-me agora. Eles chama-se Manuel
e Olga Carvalho, são ambos médicos em Évora. Ainda há uns 3-4 anos falei com o
Manuel, mas entretanto, mudei de número de telemóvel, e perdi o telefone antigo e já
não tenho o contacto dele. Deve ser fácil de localizar, entretanto. Sergio Mascarenhas,
os António e Luís Calçada eram os tais Engenheiros Calçadas Pai e Filho que referi. O
Luís era o filho, o pai já faleceu.
O Pai tinha começado a jogar wargames da Avalon Hill ainda durante os anos
60, se não me engano, e os dois chegaram a alugar um pequeno apartamento na zona de
Benfica só para guardar wargames e para jogar - diz-se que uma vez tiveram o Drang
Nach Osten montado durante uns oito meses e que aparentemente conseguiram acabar o
jogo (para quem não sabe, este foi um dos grandes "monster games" da era de ouro dos
wargames de hexágonos, publicado pela GDW, fazia parte da série Europa que tentou
cobrir a Europa toda da Segunda Guerra Mundial).
Foram sócios iniciais do CJS, e acho que pelo menos o Luis Calçada jogava
Idade das Trevas. Luis Figueira, não queres acrescentar nada a isto? Estavas lá quase
desde o início do RPG: jogaste na SocTip, certo? E lembras-te do Brian, o inglês que
jogava na Torre do Necromante e era amigo do Alfredo e da Ju, e do Canongia? Ele é
que me vendeu a caixa original do D&D e os suplementos que ainda aí tenho.
Luis Figueira: Lembro-me bem do pessoal O Alfredo agora é bixo do mato para os
lados de Palmela. Não tenho muito a acrescentar ao grande guru.
Jose Hartvig de Freitas: Luis, não tens o contacto dos Carvalhos de Évora, pois não?
Luis Figueira: Infelizmente não.
Jose Hartvig de Freitas: Creio que o Manuel é agora Director do Hospital Espírito
Santo de Évora, além de ser cirurgião, a Olga é cardióloga, não sei em qual hospital.
Pedro Felício: Obrigado Jose Hartvig de Freitas confirmei que o Dr Manuel Carvalho é
o big boss do Hospital de Évora, presidente e director clinico, duvido que tenha tempo
para jogar RPGs nos dias que correm para já não falar que contactá-lo seria uma tarefa
bastante dificil
199
Rui Anselmo: Basta partir algum osso.
Pedro Felício: Se os vários médicos espanhóis/cubanos nas urgencias jogarem RPG
então we are game
Rui Anselmo: Não acredito que tenho que ser eu a pensar nestas coisas.
Nuno Sérgio Muralha: O Brian era o Brian Pierpoint, e muita gente começou a jogar
RPG com fotocópias dos rulebooks dele. Nunca mestrava sem dois sixpacks de cerveja
ao lado....
Jose Hartvig de Freitas: Não sei qual é o teu problema com dois sixpacks para DMs...
Se bem que eles vissem (e BEM!!) no tamanho da cintura do Brian...
Luis Figueira: O Brian no Rei dos Frangos não deixava um osso Grande homem em
todos os sentidos.
Sergio Mascarenhas: O Brian, o Manuel e a Olga eram regulares da Torre do
Necromante. A Torre chegou a ter uma direção e eu fui o primeiro presidente (já que
tinha sido o autor dos estatutos...), mas à época era perfeitamente incapaz de presidir a
fosse o que fosse (agora que talvez já seja capaz, não tenho pachorra para o ser, digase). Resultado, nas segundas eleições a presidência passou para o Manuel que estava
muito mais preparado para o cargo, talvez por isso tenha acabado a presidir ao hospital.
Mas, como disse antes, fomos despejados pouco tempo depois.
Jose Hartvig de Freitas: Tem piada, não me lembro nada de ti, Sergio, mas devo ter-te
visto, porque eu ainda frequentei a Torre um ano e tal, no grupo do Manuel.
Sergio Mascarenhas: Também não me lembro de ti, diga-se a verdade, José. Mas há
gente de quem me lembro e não me lembro do nome, a minha memória é muito falível.
Além disso, na fase final da Torre eu já não aparecia muito por lá, portanto é natural que
nos tenhamos cruzado sem ficarmos nas respetivas retinas.
200

Pergunta 02: Como o Larp é organizado em Portugal? Tem temas
específicos?
Jogador Sonhador: Quem tem organizado LARP consistentemente é o Giovanni.
Giovanni Magno: Olá Rafael! Se precisa de alguma informação, pode escrever-me!
Check também o nosso website: www.olisippoobscura.com
Giovanni Magno: Sorry, I thought it was a request to ask to join to our LARP!
If you don't specify what you want (like "I want a discussion here"), it is difficult to
understand the purpose ... And sorry for the English, but I am still learning português
and this is the fastest way to answer you. So, how LARP is organized in Portugal: well,
Olisippo Obscura (created by me and my girlfriend, both of us Italians) organizes
monthly (sometimes twice a month) LARP events based on an ongoing Vampire the
Masquerade Chronicle (we play usually Camarilla, but in the last months we tried also
Sabbat with a special event at LisboaCon).Tonight we have had our first Cthulhu LARP
session and we are working on a Post-Apocaliptic session.There is another LARP
reality, LARP LX/Torre dos Jogos, but it is more a business company and at the moment
is mainly about Post-Apocalyptic LARP.
Giovanni Magno: Desculpe, eu pensei que era um pedido para se juntar à nossa LARP!
Se você não especificar o que você quer (como "eu quero uma discussão aqui"), é difícil
entender o propósito... E desculpe pelo Inglês, mas eu ainda estou aprendendo
português e este é o caminho mais rápido para responder-lhe. Então, como o LARP é
organizado em Portugal: bem, Olisippo Obscura (criado por mim e minha namorada,
ambos italianos) organiza mensalmente (às vezes duas vezes por mês) eventos LARP
com base em um Vampire the Masquerade Chronicle em curso (nós normalmente
jogamos Camarilla, mas nos últimos meses também tentamos Sabbat com um evento
especial no LisboaCon). Hoje à noite nós tivemos nossa primeira sessão de Cthulhu
LARP e estamos trabalhando em uma sessão de Pós-Apocaliptic. Há uma outra
realidade LARP, LARP LX / Torre dos Jogos, mas é mais uma empresa de negócios, e
no momento é principalmente sobre Post-Apocalyptic LARP.161
161
Tradução: Bruna Fontana Frappa – Universidade Federal de Uberlândia.
201
João Mariano: Pelo que sei a organização de LARP em Portugal tem sido até ao
momento muito rara e/ou insular. É normalmente algo que de que se fala que devia
haver mais, mas não se sabem quem poderia organizar. Algo que em Lisboa mudou
muito com o trabalho da Alice, do Giovanni e do resto do pessoal da Olissipo Obscura,
ou pelo menos numa vertente não-comercial. Já se deram lugar a alguns LARPs menos
tradicionais tais como a sessão de Ouça No Volume Máximo que organizámos no verão
do ano passado num dos nossos Encontros de Roleplayers de Lisboa.

Pergunta 03: Quais são os hábitos, organização e peculiaridades dos
jogadores de RPG em Portugal?
Jogador Sonhador: Em comparação aos jogadores de RPG de outros países?
Claudia Silva: A maior "particularidade", acho eu, é que tem uma certa tendência a
serem insulares. Amigos jogam com amigos, e lá abrem-se a um ou novo jogador (que
depois, geralmente se torna amigo). É incomum, pelo menos no Porto\para cima, grupos
que só se juntam para jogar (se bem com as redes sociais isso tem vindo a mudar um
pouco). Por isso, há dezenas de grupos que não sabem uns dos outros porque jogam
privadamente, e nunca procuram jogadores novos.
Jogador Sonhador: Claudia No Porto já vamos em 60 encontros de pessoas que só se
juntam para jogar
Claudia Silva: Jogador, sendo, na maior parte das vezes, pessoas que se conhecem já,
com alguns estranhos pelo meio -- e que demonstrações de jogos (para espalhar o hobby
e\ou experimentar novos jogos) não é exactamente o "normal". Está a mudar, sim, mas
ainda não tens a situação como nos estados unidos, ou inglaterra onde vês pessoas a
postar nas lojas locais "Quero fazer uma crónica de X,Y e Z, procuro jogadores."
Jogador Sonhador: Claudia Sim, acho que se contam pelos dedos de uma mão os
roleplayers minimamente activos que não sejam conservadores ou insulares.
202
Pedro Felício: Em termos de organização a concentração de grupos de RPG concentrase mais nas principais cidades portuguesas como Lisboa e Porto. As restantes cidades
devem entre 1 a 3 grupos no máximo
Nuno Sérgio Muralha: Claudia... Mas é natural que os grupos de RPG sejam insulares
como tu lhes chamas. Isso só tem vantagens na minha opinião. Favorece as campanhas
de longa duração, os settings próprios, as adaptações das regras ao grupo e as house
rules, e a continuidade. mas isso é só a minha opinião.
Jogador Sonhador: Nuno Se insular fosse só vantagens, o Dave Arneson ficava lá com
a sua campanha em Blackmoor e D&D nunca teria existido. Aliás, não sei a partir de
que ponto na história dos RPGs a insularidade poderá alguma vez ser vista como boa.
Isaac Frnds: Eu subscrevo o que o Nuno Sérgio Muralha disse. O RPG Insular é só
vantagens.
Pedro Lisboa: Tenho a sensação que o RPG é um meio de expressão e de socialização
tão versátil que não existe propriamente um modelo ideal de organização de grupos. As
experiências de jogo público e privado são muito diferentes, mas consigo ver vantagens
(e potenciais desvantagens) em ambas. É importante que existam espaços de partilha,
mas também acho inteiramente lícita a opção de não os utilizar.
Jogador Sonhador: Nuno Isaac Pedro, também não devemos estar a pensar na mesma
ideia de insular, caso contrário não estaríamos aqui os quatro a conversar usando a
pergunta, penso que estão a entender a coisa mais numa de organização do que de
hábitos/peculiaridades que distinguem os roleplayers portugueses dos brasileiros, por
exemplo.
Isaac Frnds: Eu gosto do RPG de forma insular. Agora conhecer outros jogadores,
discutir abordagens ao jogo, ver outras perspectivas? Óptimo. Jogar de forma
organizada como D&D 5th Ed., por exemplo, promove (ou seja outro jogo qualquer)?
Não obrigado. Gosto de jogar sempre com o mesmo grupo, entre amigos e com uma
excelente sinergia entre toda a gente.
203
Claudia Silva: Nuno, e Isaac, não, não é só "vantagens". Tem imensas desvantagens
também: 1) significa que os jogadores estão limitados aos gostos do grupo, e coitados
deles se querem jogar Vampire quando o resto do grupo (ou o GM) só quer D&D
(queixa que o Bruno tem...Ver mais.
João Mariano: Estou com o Pedro Lisboa. Quanto ao pessoal que favorece o RPG
insular: prazer em quase não vos conhecer!, eh eh.
Jogador Sonhador: Pois Isaac, se gostas de conhecer outros jogadores, discutir
abordagens ao jogo e ver outras perspectivas, não és insular.
Isaac Frnds: Gosto da tua organização Claudia Silva:
1-) Se o grupo está junto é porque quiseram jogar os mesmos jogos. Além disso,
common sense can go a long way para resolver este problema.
2-) Discordo, porque amigos falam sempre com amigos de amigos, etc. só não cresce
porque a maioria das pessoas olha para isto como uma parvoíce. Mas sim, há um
número limite de pessoas que se pode acomodar, aliás, eu pessoalmente detesto mais do
que três jogadores, há excesso de momentos parados e os jogadores dispersam.
3-) Não acho assim tão dramático, jogo com o mesmo grupo há 12 anos, estamos todos
nos 30-35, empregos, namoradas, esposas, filhos, etc. e continua a haver grupo, jogos,
até o membro que se mudou para o Algarve continua a participar.
4-) Again, common sense and little maturity go a long way.
5-) Mas o que se disse dos grupos insulares é que são precisamente amigos, não se
perdem assim do nada. E quanto a ser jogador novo, tu mesma disseste que quando
acolhem jogador novo acaba por se tornar também um amigo e a insularidade
permanece. As tuas palavras que eu pessoalmente subscrevo. Prazer João Mariano.
Isaac Frnds: Jogador Sonhador, não nesses aspectos. Agora para jogar tenho sérias
dificuldades em integrar-me num grupo por mais do que uma ou duas sessões. Já joguei
com outros grupos precisamente para absorver novas experiências, mas não mais que
isso.
João Mariano: Bem, eu a ti já te conheço Isaac, se bem que podia ser com mais
profundidade, realmente. Daí o "quase".
204
Isaac Frnds: Foi só para te dar resposta lol, mas sim, eu gosto de ir aos eventos quando
posso para toca de experiências e conhecer gente. Mas seria incapaz de jogar como, por
exemplo, faz a Arena Porto que tem mesas de jogo organizado todas as Quartas e
Domingos (que eu saiba). Não é o meu ambiente, não é a forma como eu gosto de
abordar o RPG. Não seria capaz de me integrar. No entanto só tenho bem a dizer e fui
muito bem recebido quando quis experimentar D&D 5th
Nuno Sérgio Muralha: Claudia e Jogador. Posso ter percebido mal a ideia de
insularidade, mas penso que não. As opiniões cada um tem a sua. Eu não sou fechado na
insularidade e não tenho nada contra experiências com Players e jogos diferentes, mas
as minha maior vivência de RPG (e já são 30 anos quase como player), e as minhas
melhores e mais gratificantes experiências, são com grupos fixos. Um dops meus
grupos tem um setting de Lisbon by Night para Vampire (tudo na ideia, muito pouco no
papel) e esse tipo de cenas só se consegue com grupos de core fixo. Once again that's
my 10 cents.
Claudia Silva: Isaac, obrigada, tenho uma mente super baralhada por isso tenho que ser
organizada para o meu cérebro não fazer reboot:
1) Grupos insulares muitas vezes não estão juntos porque querem, mas porque não tem
mais ninguém (sendo amigos e focados uns nos outros. Exemplo concreto: eu, o
Jogador e a Inês Martins jogamos durante muitos anos juntos, mas chegou ao ponto que
tínhamos gostos tão divergentes que havia sempre alguém a fazer "frete" e a jogar algo
que não gostava porque a) não queria abdicar do grupo, b) não queria encontrar um
grupo novo e c) não queria ficar sem RPG.
2) Podem sempre falar com amigos de amigos, mas o número nunca flutua
particularmente, e para um entrar, outro tem que sair.
3) Tiveste muita sorte. Eu vi grupo atrás de grupo implodir e desaparecer por todas as
razões e mais alguma. Fiz parte de pelo menos 5 grupos de RPGs que já não existem.
Para mim isto é super dramático -- sobretudo porque o meu "ultimo" grupo (o Jogador e
205
a Inês) implodiu também, por diferenças de gostos, e não jogo nada a "sério" à mais de
um ano.
4) Isto é um hobby, não um emprego. Maior parte das pessoas não está para se "chatear"
e o acto de maturidade é "olha, que se lixe, eles que fiquem no canto deles."
5) Pois, mas e o que acontece quando amigos se separam por uma multitude de razões,
ou simplesmente deixam de ter tempo\pachorra\presença para RPG? Adquirir um amigo
não é como comprar um livro -- ir à loja e trazer para casa. Demora, a confiança tem
que ser desenvolvida. É um processo lento e isso em nada ajuda o hobby em geral.
Claudia Silva: Nuno, contra isso nada. Eu também sou bicho do mato total, e não me
sinto à vontade com estranhos -- e as minhas melhores experiências sempre foram com
amigos.
Mas tenho perfeita noção que a minha insularidade funciona contra mim, e neste
momento estou sem grupo de jogo e não jogo RPG a montes por causa dessa minha
bichisse do mato. Não há um grupo (que não seja de Pathfinder ou D&D) que eu possa
dizer "Olá, vi que jogam X, Y e Z, posso juntar-me?". Em vez disso, tenho cerca de 500
livros de RPG (e uns 200 ou 300 dados) parados num canto.
Isaac Frnds: Claudia, já somos dois, na volta é por isso que usamos o mesmo sistema.
Eu percebo o que queres dizer, mas então é da minha experiência pessoal que tenho a
perspectiva completamente diferente. E a questão dos interesses, acho que nunca se pôs
como fracturante. Sempre discutimos o que queríamos jogar, jogámos sempre coisas
muito diferentes e sempre houve algum que reunia completo consenso. Olha, continuaste a queixar que estás parada há mais de um ano, não queres Mestrar Ars Magic uma
vez por mês ou assim...? (Entrada a pés juntos parte 2)
Pedro Felício: E que mal tem PF e D&D ?
Nuno Sérgio Muralha: Claudia. Eu não sei a tua idade (nem tão pouco estou a
perguntar), mas acredito que sejas mais nova que eu. Espera até teres 50 anos, altas
responsabilidades profissionais, filhos adolescentes, etc., para veres o difícil que é
conseguires juntar o teu grupo para fazeres uma campanha consistente, ou até mesmo
206
uma wild session for that matter. E tendo as melhores experiências com grupos fixos,
adoraria deslocar-me aos encontros mensais, onde pulula gente que conheço, e até
alguns com quem já joguei. Infelizmente trabalho aos Sábados. Life's a bitch and i do
miss RPG.
Claudia Silva: Isaac, já vou mestrar M20 quando sair. E mestrar é facil. Toda a gente
aparece quando alguém se oferece para mestrar. Eu queria era JOGAR mesmo.
Pedro Felício: Eu conto pelos dedos das mãos às vezes que não mestrei num jogo de
RPG e continuo em força
Isaac Frnds: Claudia já tens mesa cheia para M20? Pois, eu comecei agora a mestrar a
sério e aí vem mais um aspecto, sinto-me à vontade para Mestrar para o meu grupo. São
amigos e não me importo fazer figura de otário, frente a desconhecidos é diferente... se
não se divertem ou se a experiência corre mal won't be forgiven, porque é só mais um
tipo, vou mas é arranjar alguém de jeito.
Bruno Filipe: Chama-se um reality check, Claudia Silva. Também conhecido como
"Deixa de ser bicho-de-buraco!"
Nuno Sérgio Muralha: E percebo-te. A frustação de querer também jogar e não
mestrar. Eu tive sempre a sorte de ter gente para mestrar. Joguei sempre mais do que
mestrei. Acho que a única coisa que mestrei consistentemente foi Cyberpunk e CoC.
Claudia Silva: Não, tenho uma mesa flutuante (really, isto vai ser uma experiência a
ver se consigo fazer um RPG estilo sandbox), por isso tenho a Inês, o Bruno (quando
ele conseguir vir de Braga) e o Jogador -- mas há dias em que uns vem e outros não. Por
quê? Queres ser meu amigo, Isaac?
Isaac Frnds: No meu grupo (cerca de 4 ou 5 foi sempre variando ao longo dos anos)
todos foram ST e PC, eu fui o único que só agora foi ST. Sim Claudia, deixas-me ser
teu amigo outra vez e jogar contigo? Nunca joguei Mage, acho que faço qualquer
sacrifício para experimentar isso nem que seja sair da ilha. Isto dependendo do
calendário da Big Boss.
207
P.S. - Não é nada Bruno Filipe, eu vou aprender os segredos todos da Claudia Silva
depois mestro para a minha ilha em Lx MUAHAHAHAHA
João Mariano: "As pessoas não são ilhas e os grupos de RPG também não! Adopta um
estranho na tua mesa de jogo ou aparece nos eventos públicos." ;D
Pedro Franco: Uma boa maneira de combater a insularidade que se fala é o online
playing. Já fiz, gostei e funciona. Mas pessoalmente prefiro a versão de corpo presente.
Pedro Felício: Com esta conversa de insularidade porque é que me vem a Bonnie
Tyller à cabeça? Estou velho é por isso
Isaac Frnds: Bonnie Tyler é sempre bom vir, mas por quê?
Bruno Filipe: Arrisco-me a dizer que o único caramelo aqui que pode falar de
insularidade sou eu...
João Mariano: O Helder Araújo discorda de ti.
João Mariano: Bem, pelo que sei o Hélder viveu uns anos nos Açores.
Bruno Filipe: Ah bom! Nesse caso sim, somos 2.
Helder Araújo: RPG em S. Miguel... Era EU! Desculpem a presunção! Oxalá estivesse
errado!
Bruno Filipe: Bolas, na Terceira temos 3 grupos... E em S. Miguel nenhum? Não
acredito!
Isaac Frnds: Terceira > S. Miguel. Shots fired.
Helder Araújo: Terceirenses sempre foram mais abertos a experiências diferentes (no
pun intended).
208
Bruno Filipe: It’s true.... E qual é o prato tradicional que recomendamos aos
Continentais? Blicas fritas com molho de naião.
Helder Araújo: E caímos sempre!
Isaac Frnds: Bruno Filipe come tu, eu sou um gajo mais de Alcatra

Pergunta 04: Como se relaciona o RPG no campo acadêmico? Atuam como
linguagem, cultura ou ferramenta educacional?
Sergio Mascarenhas: Há casos isolados de fãs que o usam no domínio acadêmico, mas
nada de sistemático. Por outro lado, no meio da formação profissional muita gente sabe
o que é o roleplay como ferramenta pedagógica.
Claudia Silva: Curiosamente, pelo menos na minha experiência de Ensino do Inglês e
Alemão, muita gente sabe o que é Roleplaying como ferramenta educacional, mas não
imaginam que existe também uma versão lúdica.
João Mariano: Apesar de que a aplicação do Roleplaying como atividade pedagógica
passa mais pela leitura dramática do que por um exercício de interpretação e
contextualização de informação. Existem alguns académicos que trabalharam o RPG em
pedagogia, e também tendo como com base em trabalhos brasileiros, mas são mesmo
muito poucos. Não queria generalizar muito, mas acho que nesse campo o RPG é
tomado mais como uma ferramenta educacional.

Pergunta 05: Existem associações e organizações formais de RPG? Existem
eventos? Como são?
Jogador
Sonhador:
Conheço
uma
associação
de
wargames
(https://www.facebook.com/AJSPortugal), mas para RPGs ou boardgames acho que não
existe. Dentro do organized play da Paizo e da Wizards of the Coast, existem eventos
regulares de Pathfinder e D&D. Sem depender de lojas ou editoras, há também eventos
organizados regularmente de modo mais ou menos informal em Almada, Aveiro, Lisboa
e Porto. Em média, penso que estes eventos costumam contar com cerca de quatro
209
mesas. Normalmente, são abertas a qualquer pessoa que queira aparecer sem ter que
pagar nada. Acontecem durante a tarde e têm como prioridade jogar RPG, podendo
ocasionalmente incluir demonstrações, workshops, playtests ou mesas redondas.
Presentemente não têm qualquer vertente comercial a não ser possíveis sorteios de
material de RPG, já que não existem editoras nacionais (a Devir Ibéria não comercializa
em Portugal os RPGs que a Devir Brasil edita).
Anualmente, existem encontros nacionais de boardgames nos quais os RPGs também
costumam estar presentes e aí já é possível reunir em média umas vinte mesas ao longo
de um fim-de-semana. Organização sem fins lucrativos.

Pergunta 07: Como o RPG é conceituado em Portugal? Existe alguma
estigma social quanto aos jogadores?
Sergio Mascarenhas: Fora do meio dos fãs, ninguém sabe o que é. Para a maior parte
das pessoas, RPG é cRPG. No entanto os mais novos têm uma noção vaga de um jogo
chamado D&D...
Claudia Silva: Nunca houve o estigma, exactamente porque ninguém sabe o que é, mas
quando mencionado (pelos meus pais, por exemplo) era metido na classe de "Magics" e
"Pokemon" e, se tiver sorte, Boardgames.
Claudia Silva: Há também algo que pode ajudar a esta falta de estigma: um grande
número dos jogadores de RPG de hoje em dia estão numa idade 20/30s (ou mais) -- não
é comum que adolescentes\crianças joguem -- dá a impressão que o pessoal descobre
RPGs durante a faculdade, e mete-se a jogar a sério quando acabam o curso. Logo
parece dar uma certa "maturidade" e "respeitabilidade" ao hobby, do que se a maioria
fosse putos de 14 e 15 anos (que foi a idade em que quase todos os meus amigos de
RPGs estrangeiros começaram a jogar).
210
Jogos
Desde a edição anterior, imaginei que a publicação de jogos fosse mais ampla, devido à
informalidade e ao mesmo tempo o destaque e breve registro de criação, mas poucos
interessados publicaram, em maioria Larps. Entretanto a proposta da revista esta em
abarcar também os jogos de cartas tabuleiro e RPG. Pela primeira vez vamos
experimentar publicar um RPG de paródia, para apresentar que é possível propor um
jogo divertido e ao mesmo tempo abrir uma discussão crítica e acadêmica séria.
Compreendendo que a experiência não esta tão distante da teoria, uma se alimenta da
outra.
Mas... Os Larps continuam mantendo a liderança, isso é um fato curioso, por mais que
existem muito jogadores de RPG, os Larpeiros têm uma predisposição mais intensa em
publicar, penso que estes, em primeiro momento, tem por necessidade escrever para que
seus jogos sejam bem compreendidos e melhor jogados, enquanto o RPG já te atem a
um livro referência, não havendo a necessidade de criar um novo livro. Em alguns casos
compreendem-se releituras ou propostas inovadoras.
O Larp como visualiza-se como arte e performance, sendo um movimento mais
engajado quanto a ação produtora. Em segundo momento imagino que o RPG exista
com frequência dentro das universidades, no campo da pesquisa e extensão, mas pouco
dialogado em relação à pesquisa aplicada. Com isso pretende chamar atenção para uma
questão, a relação dos livros de RPG de fim educacional, assim como os livros sobre
RPG publicados no Brasil.
211
SÊ UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO
Por Luiz Prado
NpLarp
Núcleo de Pesquisa em Live Action Roleplay
RESUMO: Sê um viajante numa noite de inverno é um Larp no qual os participantes
representam viajantes que se encontram numa hospedaria e compartilham suas histórias
de vida. O jogo utiliza criação improvisada e colaborativa de personagens e é inspirado
por experiências pessoais do autor e por Knulp, obra de Herman Hesse.
PALAVRAS-CHAVE:
Larp,
live
action
roleplay,
jogos
de
representação,
improvisação, viagem.
ABSTRACT: Sê um viajante numa noite de inverno is a Larp in which participants
represent travelers who are in a hostel and share their life stories. The game uses
improvised and collaborative creation of characters and is inspired by the author's
personal experiences and the Herman Hesse’s work Knulp.
KEYWORDS: Larp, live action roleplay, improvisation, travel, freeform
212
Três desconhecidos compartilham uma mesa, à luz de uma vela e uma bebida
forte numa hospedaria qualquer. Todos viajam há certo tempo e continuarão na estrada
após esta noite. Enquanto as horas avançam, conversam para esquecer do frio e
aguardar o sono.
Esta é a proposta de Sê um viajante numa noite de inverno. Neste jogo, você
representará um desses personagens ao lado de outras duas pessoas, procurando falar,
agir, pensar e sentir como se fosse ele. Não há roteiro ou falas pré-determinadas aqui: a
ação acontece de improviso e os rumos da história serão estabelecidos por vocês
mesmos. É meio um teatro de improviso, mas sem plateia. A intenção é viver uma
experiência imersiva e criar colaborativamente uma história.
Para realizar o jogo, você precisarão dos seguintes elementos:

Um lugar reservado

Uma mesa

Três cadeiras

Uma vela comum

Fósforos ou isqueiro

Três copos, taças ou canecas

Uma bebida quente

Uma folha de papel em branco, dobrada em três partes e deixada sobre a mesa

Alguns objetos pessoais por perto (em seus bolsos ou mochilas)

Luzes apagadas
Seu personagem em Sê um viajante numa noite de inverno é uma versão alternativa
de si próprio. Imagine que você, certo dia, decidiu abandonar tudo e sair numa longa
viagem. Pense nas motivações que o levaram a tomar essa decisão e como isso torna seu
novo eu diferente ou parecido com você mesmo.
Defina algo importante que você teve de deixar para trás quando decidiu viajar. Um
casamento fracassado, o emprego dos sonhos, a cidade que sempre amou. Pode ser um
elemento real da sua vida cotidiana ou uma completa ficção. Fique à vontade para criar.
Pense também num acontecimento extraordinário ocorrido durante sua viagem. Uma
experiência de expansão de consciência, uma noite inesquecível ao lado de estranhos,
um encontro com o demônio no meio da encruzilhada. Você pode escolher desde temas
corriqueiros até histórias fabulosas.
213
Com esse esboço de quem é seu novo eu, acenda a vela: você irá representá-lo por
toda a duração da chama. Alimente a biografia e defina as características do personagem
no improviso, durante o jogo. Converse sobre seu passado, acontecimentos da viagem,
planos e sonhos ou mesmo assuntos triviais.
Não tenha medo de estar fazendo as coisas errado: ninguém espera que você seja um
ator profissional. Siga sua intuição e coloque em jogo as ideias interessantes que
surgirem. Se você acha sensacional que seu personagem tenha encontrado a
reencarnação de Cristo numa fila de restaurante, vá em frente e diga isso aos demais.
A partir do momento em que a vela tiver queimado mais ou menos até a metade, três
ações podem ser realizadas, cada uma por uma pessoa, em qualquer ordem. Elas
oferecem novos elementos às narrativas dos personagens, podendo confirmar suas
histórias ou fazê-las terem reviravoltas surpreendentes.
1) Alguém pega o papel dobrado sobre a mesa, se dirige para outro personagem e diz
algo como "Recebi esta carta por engano. Acabei lendo-a e acredito que seja para você.
Fala sobre o nascimento de seu filho". Em seguida, entrega a folha em branco para a
pessoa escolhida.
2) Alguém retira dos bolsos ou da mochila um objeto qualquer, se volta para outro
personagem e fala algo como "Encontrei esse anel caído no corredor dos quartos.
Considerando o que nos contou agora pouco, acho que seja seu". Em seguida, oferece o
objeto para a pessoa escolhida.
3) Alguém se levanta, pronuncia algo como "Com licença, mas preciso tomar um pouco
de ar, volto em breve" e se retira da mesa por alguns instantes. Ao retornar, encara outro
personagem e diz algo como "Peço desculpas mas, em virtude do relato que nos
apresentou, não resisti à tentação de dar uma espiada em seu quarto. Fiquei muito
espantado em ter encontrado todo aquele dinheiro lá dentro".
Quando a vela queimar por inteiro e a luz da chama se apagar, os personagens se
despedem e a representação termina. Levantem-se, espreguicem-se e tomem um gole
d’água. A seguir, conversem sobre a experiência.
214
Este roteiro foi escrito ao som de Nina Simone: Little Girl Blue, The Amazing
Nina Simone e Forbbiden Fruit, no verão de 2015. Sê um viajante numa noite de
inverno é inspirado por experiências pessoais do autor e em Knulp, de Herman Hesse.
Título baseado em Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino.
Referência Bibliográfica
HESSE, H. Knulp. 3° Edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. 1973. 130p.
215
GAROU GERIÁTRICO
Por Rafael Rocha
PIDGIN
Núcleo
de
Pesquisa
e
Desenvolvimento de Jogos
Narrativos,
Práticas
Linguagens
e
Psico-Sociais
Educacionais.
Resumo:
Este jogo é um RPG paródia sobre o jogo “Lobisomem: o apocalipse” próprio para 4 a 6
jogadores, voltado a percepções, conflitos e contrariedades observados com a chegada
da terceira idade, a fim de realizar uma reflexão sobre a saúde e condições do idoso com
um tom cômico, a fim de compreender as perdas e os ganhos relacionados com a idade,
utilizando o ficcional como ponto para essa realidade semi inevitável.
Palavras-chave: RPG, Geriatria, Paródia, Humor
Abstract:
This game is a RPG parody of the game "Werewolf: The Apocalypse" suitable for 4 to 6
players, focused on perceptions, conflicts and setbacks observed with the arrival of old
age, in order to carry out a reflection on the health and conditions the elderly with a
comic look in order to understand losses and gains relating to age, using as fictional
point for this almost inevitable reality.
Keywords: RPG, Geriatrics, Parody, Humour.
216
Introdução
“No tempo que Gaia era minina, e os garours corria livre pelos matagar. Eu vi o futuro,
em vultos... Ouvi a verdade, em ruídos... E pra mim era sabido desde então! Que nada
era como antes, sô.”
Dentes caídos, homi azuizado, andador quieto, 79 anos, posto 6¹/² 162
Em um asilo não muito longe do caern da sabedoria, estão aqueles que fizerem a
história Garou acontecer! Hoje estes heróis têm seu merecido descanso... Bom, é difícil
perder velhos hábitos.
Objetivo do jogo: Fujam do asilo, retornem à tribo e mostrem aos jovens como vocês
podem ser úteis a sociedade!
Lembrando da sua ficha
Tipo: Homi; Bicho e Misturado.
As mudança: Lobo; Lobo grande; “A coisa”, Homi grande e Homi.
As lua: Brabo; Ajuizado; Atoua; Benzedor e Malandro.
Os bando: Fio da mãe; Coisa preta; Unha rubra; Muié braba; Bicho do mato; Portador
da vela interior; Dentes prateados; Chupador de tutano; Ambulante da cidade; Andador
quieto e Fiote do Fenris.
As coisa sabida: Corpulência (físicos); Jeitosice
(sociais) e Sabiduria de vida
(Mentais)
Habilidades de época:
Resmungar
Bom, assim como a criança que chora, os velhos resmungam, sim eles são carentes e
querem atenção bom talvez não, e bom eles também não devem lembrar disso.
*Amador: 55 anos, reclama quando toma chá frio.
**Regular: 65 anos, reclama das juntas.
*** Bom: 75 anos, Você não sabe se reclama quando fala ou fala quando reclama.
162
No meu tempo tinha posto meio (Esse argumento pode ser usado a qualquer hora do jogo).
217
****Muito bom: 85 anos, os enfermeiros tomam remédio controlado pra te atender.
*****Bom demais da conta, sô: 95 anos, pessoas têm pesadelos com suas
reclamações logo depois do primeiro encontro. Especialização: pequenos
xingamentos, murmúrios, observações sagazes, estender a verdade ate a mentira.
Viver as cegas
Com o passar dos anos, a vista não é como antes, então nossas orelhas crescem e ficam
de abano e ossos narizes viram trombas monstruosas , assim podemos viver as cegas.
*Amador: Você vê vultos
**Regular: Você vê luzes
***Bom: Você difere homem de mulher
****Muito bom: Você consegue ir à padaria e voltar
*****Bom demais da conta, sô: olhos de morcego, pode andar por uma pista de
obstáculos e... Enxergar os obstáculos.
Especialização: rua, casa, órgão publico, jardim, campo aberto, floresta.
Velocidade da experiência
Essa rara habilidade permite a um ancião, quando ninguém estiver prestando
atenção nele, deslocar-se com tremenda rapidez (gostaria de explicar como eles
fazem isso, gostaria mesmo, porque não sei realmente como fazem, mas que fazem,
fazem.)
*Amador: Seu bisneto de 7 meses é um pário duro.
**Regular: Cinco voltas no pátio em 2 horas.
***Bom: Velhinho esperto.
****Muito Bom: Avô do dono da academia.
***** Bom demais da conta, sô: Mas ele estava aqui agora pouco?
Especialização: longas distâncias, curtas distâncias, andar furtivo, piso frio, piso
recém encerado, piso taco, asfalto ou grama.
Duelo de bengalas
Com o tempo foi aprendido a transcender as lâminas das Kalves, agora qualquer
pedaço de pau que recorde uma espada é uma arma letal em suas mãos. E nas horas
vagas serve de bengala.
218
*Amador: Você pode melhorar.
**Regular: Treina com as arvores.
***Bom: Impressiona as velhinhas.
****Muito bom: É temido pelas canelas dos vizinhos.
***** Bom demais da conta, sô: Vovô! Vovô! É verdade que Você já empalou um
vampiro com sua bengala?
Especialização: canela, cabeça, pontos vitais, lugares estratégicos ou acrobático.
Escarrar
Devido a um pacto ancestral do tempo dos ancestrais, o qual não me lembro bem,
existe a dádiva do catarro, que também não recordo com total certeza, mas que pode
ser útil com as adversidades da vida.
*Amador: Você molha seu dedão do pé esquerdo.
**Regular: Acerta a escarradeira a 1 metro.
***Bom: Acerta a escarradeira de outros velhinhos.
****Muito bom: Acerta abelhas desprevenidas.
***** Bom demais da conta, sô: Pode ser preso um dia, se sobreviver, por porte de
arma.
Especialização: cusparada de longa distância, catarro direcionado, catarro verde,
catarro escuro, meleca escorregadia, catarro grudento, substância estranha, suspeita
de doença contagiosa.
Contar estórias mirabolantes
Ao vivenciar muitas aventuras e ouvir as antigas tradições, aprendeu a antiga e
sagrada arte da narrativa, sua voz trás da alegria à tristeza as novas gerações
(querendo elas ou não)
*Amador: Babar e contar, é só começar.
**Regular: Têm alguns fãs, críticos ou pessoas com insônia.
***Bom: Algumas estórias suas já foram publicadas no jardim da infância.
****Muito bom: Domina o terror assim como a arte de fazer dormir.
***** Bom demais da conta, sô: Vovô Gump e as mil e uma estórias.
Especialização: dormir, assustar, entreter, ensinar, persuadir ou confundir.
219
Fúria ancestral
O instinto selvagem não perde sua força com a idade, porém o corpo já não corresponde
perfeitamente... Sabe como é. Quando um Garou de certa idade resolve utilizar do poder
da fúria, não sabe se eu corpo vai aguentar os movimentos e nem como vai reagir, por
isso, joga-se 1d10, o número que sair é o número de ações do Garou nesta rodada. Caso
o resultado desta jogada de dados for menor que seu valor de vigor, o personagem terá
câimbras, quando terminar suas ações. Mas se o valor do dado for superior ao valor de
vigor do personagem este entrará em hiper-ventilação, após um número de ações
equivalente a seu valor de vigor.
Totens antigos
Nenê trovão
Dom: choque
Depois de 1 turno acumulando energia estática com antigos movimentos ancestrais
(normalmente suando uma manta felpuda) o Garou pode dar um choque de 1 de dano
não letal ao tocar o alvo.
Dogma: Carregar sempre uma manta felpuda
Velho da bengala
Este totem concede +2 dados em briga e -2 na dificuldade de resmungar.
Dogma: sempre resmungar com quem vai contra as tradições
Velha do cachimbo
Concede o dom: sopro dos antigos
Sopro dos antigos: O Garou, fumando seu cachimbo, sopra uma fumaça estranha que
faz o alvo lacrimejar, assim como impede sua respiração fazendo tossir por 1 turno por
sucesso em um teste de vigor + rituais, dificuldade 7.
Dogma: Sempre ter um cachimbo e acendê-lo pelo menos 1 vez ao dia.
Nego d´água
Este totem concede +1 dado em ações de encontrão, empurrão e natação.
Dogma: sempre empurrar os outros.
220
O ancião da aldeia perdida
Concede -2 na dificuldade de agir em grupo ou acordar cedo (sono leve).
Dogma: sempre agir de maneira inusitada em relação ao perigo, guiado por sua
experiência.
Doutor Parkson
Concede o dom: Toque do parkson
Toque do parkson: Realizando movimentos descoordenados com sua mão, por alguns
momentos, quando o Garou toca o alvo, este fica tremendo, perdendo assim o controle
de seu corpo, por uma rodada. Teste: destreza + rituais. Dificuldade 8.
Dogma: manter-se sempre em movimento.
A velha a fiar
Concede -1 da dificuldade de lembrar alguma coisa, principalmente músicas e anedotas.
Dogma: conhecer algum trabalho manual, e cantar “a velha a fiar” pelo menos uma vez
por dia.
Falando sobre Esprítos
Os Garous de avançada idade costumam não frequentar a umbra, mas se comunicam
com os espíritos com mais facilidade, pois sentem-se a beira da película. Porem, só se
comunicam com Esprítos do seu tempo e seu cotidiano, portanto é comum encontrar
esprítos do medicamento, do chá, do catarro, da lembrança, do café, da paciência, da
tolerância, do pito ou paiero ou cachimbo, da porteira (que sempre é acompanhado pelo
espríto de um menino), moda de viola, samba raiz, entre outros.
Entre eles, o mais poderoso Espríto é o “no meio tempo que era bão”, costuma
coordenar os outros esprítos, e seu encantamento principal distorce a realidade tornando
o ambiente Vintage. Claro que também existem os corrompidos como o espríto da
Asma, da Bronquite, da Frieira, Gemedeira, Quebradeira, Formigamento, dentre eles o
mais perigoso é o espríto “Trem ruin”, pois seu encanto é fundamentalmente entrópico,
e faz tudo acontecer de ruim.
Entendendo os Dons Geriátricos:
No decorrer dos anos o Garou aprende muitos dons, na velhice acumula tantos que não
lembra direito qual é qual. Podendo confundi-los. Por exemplo, Dentes Caídos quer um
221
dom ofensivo pra causar dano, ele joga uma quantidade de dados equivalente ao seu
valor de posto e dependendo do seu resultado o narrador lhe descreverá o que pode
lembrar de determinado dom. Não é raro confundir Toque da mãe com toque da queda,
simplesmente por lembrar que existia a palavra “toque” na história.163
Posto
O posto é definido como o valor de inteligência + 5, sendo que cada nível de posto
garante ao jogador + 1 ponto de habilidades.
Fetiches de época
Todos os fetiches são de nível 1, estão na categoria de gnose 3 e dificuldade 5. Claro
que existem muito mais que estes que serão descritos, mas eu não me lembro onde os
deixei...
Bengala da velocidade
Bengala de carvalho com entalhos simples + 1 dados de destreza e esportes
Bengala da atrocidade pagã
Bengala de mogno com a cabeça de um lobo esculpido -3 da dificuldade de acertar
objetos e pontos frágeis.
Dentadura da fúria
Uma dentadura de prata que causa +2 pontos de dano na mordida.
Esferas de Naftalina
Pequenas esferas que param o tempo de um objeto sólido por 2 turnos. Após duas horas
em um ambiente fechado, como um armário, baú ou quarto de despensa.
Óculos do saber
O usuário consegue ver por trás de objetos sólidos, que ele consiga enxergar
corretamente, ou seja, tem que ficar a uma distância de 5 cm do objeto.
163
Caso o personagem durma, o mestre pode exigir uma nova rolagem de dados.
222
Comprimidos da saúde
Adiciona +2 níveis de vitalidade por 4 horas. Mas precisa ser colocado debaixo da
língua e esperar dissolver por uma hora.
Cobertor do oprimido
Deixa o usuário invisível até que ele durma. A cada rodada o jogador necessita passar
em um teste de vigor dificuldade 7 para não dormir. É um cobertor muito confortável.
Cadeira da velocidade
Uma velha cadeira de rodas que permite ampliar a velocidade de corrida. Duas vezes na
corrida. Três vezes em decidas ou cinco vezes se empurrado para uma descida
Ouvido de ferro
Aparelho dos ambulantes da cidade, concede -1 da dificuldade de ouvir.
Espingarda espiritual
Com balas feitas da gnose do usuário. Converte um ponto de gnose em 2 pontos de dano
agravado.
Qualidades e sequelas
Neste ponto o jogador e o narrador tem liberdade de interpretação, mas principalmente
de pesquisa sobre quais males atingem a terceira idade, em múltiplos aspectos.
Sentindos perdidos (-2 a -5)
- A perda da visão(-5), audição(-4), olfato e paladar (-3), ocorrem com frequência com
o decorrer do templo e seus impactos são até onde sabemos é “irreversível”
Carente -3
- Você esta sozinho há muito tempo, e sua natureza Garou, faz constamente procurar
uma matilha, um alfa, ou um enfermeiro paciente. Identifique durante o jogo um sujeito
a ser foco de uma afeição e persista em mantê-lo sempre próximo, mesmo que ele(a)
não queira.
223
Hipocondríaco (-3)
O mundo é cruel e cheio de doenças da Wyrm, mas você esta precavido, tem
conhecimento avançado sobre medicamentos e sabe seus efeitos. Para cada teste de
“Sabiduria da vida” você acreditará que está com uma nova doença e buscará seu
remédio. Em compensação, recebe -2 nos testes de primeiros socorros para medicar
alguém, e +1 em testes de percepção (visão) devido a seu treino para ler bulas.
Manco ou maneta (-3)
Como grande guerreiro ferido em combate, mantem suas feridas, tem penalidade de +2
nos testes que envolvem destreza.
Intrometido (-2)
É importante se manter informado, sempre se intrometa em todos os assuntos,
conversas, bate papos, canais de tv, programas de radio, festivais, feiras, tudo!
Absolutamente tudo é importante para você!
Doença fatal de futuro horrível controlado pelo mestre (-10)
O diagnostico é: Dói e você morre em algum momento, sinto muito.
Enfermeiro particular (-3/+3)
Remédio controlado (-3)
Você tem uma doença que necessita de medicação constante, caso não tome seu
remédio de 6 em 6 horas, sofrerá penalidade em todos os seus testes de -1 a cada 6
horas.
Visão distorcida (-3)
Estranho, o que meu sobrinho esta fazendo vestido de enfermeiro? Nossa, o líder da
Matilha veio me ver... Engana-se, são apenas seus olhos. Besteira, tenho certeza que são
eles.
Audição distorcida (-3)
Vô, o senhor esta tão calado? Ficou louco, claro que não estou pedado!
Pelanca (-2)
224
Os músculos se vão, e nada fica no lugar deles além de banha, e a banha estila a pele e
bom, recebe um redutor de -1 em todos os teste de Jeitosice.
Sono incontrolável (-1)
Toda rodada faça um teste dificuldade 2 para ver se seu personagem não dorme, na
próxima rodada adicione mais um na dificuldade do teste e o repita. Após dormir, faça o
mesmo teste para acordar.
Incontinência urinária (-4)
Em momentos de perigo, de um ataque de vampiros a um comercial da novela das 8,
faça um teste de vigor, caso não obtenha nenhum sucesso... Troque a frauda.
Memória distorcida (-4)
Eu lembro quando cavalgava Unicórnios no Ibirapuera. Sidnei isso nunca aconteceu.
Claro que aconteceu Bartolomeu, lembro como se fosse ontem, você estava lá, recorda
daquele hipopótamo. Sidnei, isso era um desenho que você assistiu ontem. Claro que
não, que bobagem minha memória é ótima.
Sentidos restantes (+1)
Não recebe penalidade para o sentido escolhido (naturalmente todo Garou geriátrico
recebe +2 na penalidade)
Barriga grande (-4)
Perde um nível de Vitalidade.
Gazes (-1 a -3)
Faça um teste de vigor sempre que for surpreendido. Podendo variar entre um combate
em casos simples até um inesperado toque de telefone sendo mais grave.
Metabolismo alterado (-3)
A regeneração do Garou começa a ter picos, toda vez que surgir uma situação que afete
a fisiologia do Garou, o jogador deve rolar seus dados de vigor dificuldade 8, a
quantidade de sucessos é equivalente à quantidade de níveis de vitalidade curados
naquela hora.
225
Tarado (-2)
Instinto é instinto. Do rebolar de uma senhora de andador ao balançar de rabo de uma
Dálmata, tudo te atrai, e você fará de TUDO para satisfazer seus desejos reprodutivos.
Com dentes (+1)
Mantém o dano normal da mordida.
Friorento (-1)
Sente frio o tempo todo e em qualquer lugar, busque sempre se aquecer, senão pegará
um resfriado. O narrador pode pedir testes de vigor, caso não esteja devidamente
aquecido, dificuldade 7, caso não obtenha nenhum sucesso, considere-se gripado,
recebendo penalidade de -1 em todos os testes.
Má circulação (-2)
Você simplesmente não suporta ficar de pé muito tempo, suas pernas doem muito, e fica
desesperado procurando um lugar para se sentar. A personagem pode ficar em pé uma
quantidade de rodadas equivalente a seu valor de vigor, após esse período sofrerá um
nível de vitalidade por rodada, até se sentar. Após conseguir repouso por um turno,
recuperara a vitalidade. (se não houver nenhum outro sintoma ou efeito colateral de
remédio utilizado).
Velhas feridas que doem a noite ou quando faz frio (– 2)
Sabe aquela cicatriz de batalha que você se orgulhava tanto de mostrar? Dói muito
quando faz frio e a noite recebendo penalidade de +2 em testes de corpulência.
Cabeça dura (-1)
Você está certo, SEMPRE CERTO, e sabe disso!
Pele finissississima (-5)
Você se corta com tudo, o tempo todo, toda ação que envolva tocar em algo, faça um
teste de vigor, caso falhe tome um nível de vitalidade como dano.
Referência bibliográfica
226
HAGEN, M.R. HATCH. R. BRIDGES. Lobisomem: o apocalipse. 3° Ed.Tradução:
Maria do Carmo Zanini. São Paulo: Devir Livraria. 2000, 303p.
227
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A revista Mais Dados é uma publicação virtual e gratuita vinculada a ONG
Narrativa da Imaginação com edição anual, mantendo o seguinte cronograma:

Início do recebimento de trabalhos: 11/11 (Dia internacional da ciência e da paz)

Fim do recebimento de trabalhos: 22/04 (Dia internacional da mãe terra)

Publicação: dia 05/09 (Dia Mundial dos professores)
NORMATIVAS PARA PUBLICAÇÃO
1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para publicação.
2. Os
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3. Artigos devem conter no mínimo 25.000 caracteres (sem espaço), resumo, palavraschave, abstract e keywords e deve ser salvo em arquivo Word. Devendo conter e-mail
de contato, titulação e filiação do autor.
4. A formatação de entrevistas, jogos, resenhas e traduções será discutida diretamente com
o editor chefe pelo e-mail informado.
Qualquer dúvida entre em contato com a equipe editorial.
NOTAS DE ORIENTAÇÃO SOBRE FORMATAÇÃO
4.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em português e inglês ou
espanhol, com extensão entre 5 e 10 linhas, acompanhados por 3 a 5 palavras-chave nos
dois idiomas.
4.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes parâmetros: título em
caixa alta, centralizado, em negrito, fonte Times tamanho 14; subtítulo centralizado, em
negrito, fonte Times 12, com primeira letra maiúscula e o restante em caixa baixa; nome
do autor, alinhado à margem direita, em negrito e em fonte Times tamanho 12; seguido
de RESUMO, PALAVRAS CHAVE, ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte
228
Times tamanho 12. Em nota de pé de página, deverão exercer, a instituição em que
trabalha e a titulação acadêmica.
4.3. O texto deve ser formatado em:
1. a) fonte: Times, tamanho 12;
1. b) espaçamento entre linhas: 1,5;
1. c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita;
1. d) Alinhamento: justificado
1. e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento de 0 ponto, antes e
depois.
4.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com mais de três linhas.
Devem aparecer abaixo do texto, em fonte Times tamanho 10, sem aspas, com recuo de
4 cm da margem esquerda, sem recuo da margem direita, que permanece alinhada ao
resto do texto, e com menção ao trabalho consultado em nota de rodapé.
4.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem absolutamente
indispensáveis, deverão ser apresentada no corpo do texto, acompanhadas da respectiva
legenda (de acordo com a respectiva legenda) na sua forma definitiva.
4.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto por algarismo arábico
em ordem crescente e listadas no rodapé da página, em fonte Times tamanho 10, com
alinhamento justificado e espaçamento entre linhas simples;
4.7. A publicação de jogos deve conter, como elementos obrigatórios: título e referência
bibliográfica/ludográfica, os demais são variáveis de acordo com o tipo de jogo.
Seguem abaixo, sugestões do editor:
229
230
ORIENTAÇÕES SOBRE CITAÇÕES
4.1. Livro:
SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação:
Editora, data.
Ex.:
PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo:
Salesiana, 2004.
4.2. texto em coletânea:
SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome
(Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação: Editora, data. p. inicialfinal.
Ex.:
KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias:
cultura e o sujeito de história. In: ALMEIDA, Paulo Roberto
de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL,
Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias.
São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 116-138.
4.3. artigo em periódico:
SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito,
Local de publicação, volume, número, página inicial-página final, mês e ano da
publicação.
Ex.:
SOBRENOME, Nome. Titulo. Titulo do periódico em negrito. Local de publicação,
volume, número, página inicial- página final, mês e ano da publicação.
EX: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e a escrita do
sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40, p. 55-80, jan.-jun. 2009.
4.4. Trabalho acadêmico:
SOBRENOME, Nome. Título em negrito: subtítulo. Ano de Depósito. Folhas.
Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de conclusão de curso (Nome do Curso)–
Unidade onde foi defendida, Universidade, Local, ano de defesa.
231
Ex.:
FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história
que marcam a cidade. 2009. 209 f. Tese (Doutorado em História Social)–Instituto de
História, Universidade Federal 4.5. Artigo e/ou matéria de jornal: SOBRENOME,
Nome. Título. Título do jornal, Local, data. Caderno, p.
Ex.:
HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus
da USP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1993.
Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de
Souza Queiroz.
4.5. Imagens em movimento:
TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora,
Data. Especificação do suporte em unidades físicas. Notas complementares.
Ex.:
BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo Filmes, 1988. 1 filme (96
min)
4.6. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais, gravuras e outros):
SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas (especificações do suporte,
indicação de cor, dimensões).
Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico, acrescentam-se os dados
da publicação (local, editora, data) ou endereço eletrônico.
Ex.:
COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8 cm. NORMANDIA: Lago
Caracaranã. Normandia: Desenho Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal, color., 11cm x
15cm.
RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras,
xirograv., p&b., 61cm x 92cm. Coleção Particular.
4.8. documento eletrônico:
Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as informações sobre o
endereço eletrônico, apresentado entre os sinais < >, precedidos da expressão
“Disponível em:” e a data de acesso ao documento, precedida da expressão
232
“Acesso em:”.
Ex.:
AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes.
Disponível em: <http://www.ufba.br/autonomia-andifes.html
>. Acesso em: 30 abr. 1989.
4.9. Jogo
Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano.
Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997
5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo completo para
correspondência e telefone de contato.
6. A simples remessa dos originais implica em autorização para publicação, que fica
condicionada a provação de pelo menos dois pareceristas do conselho executivo. Todos
os trabalhos serão previamente apreciados pelo Conselho Executivo da Revista e
enviados, para análise, aos pareceristas indicados por ele.
Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não serão devolvidos. A
Revista compromete-se a informar os autores sobre a publicação ou não de seus artigos.
Resumo da Submissão:
Editor: Analisa á relevância do trabalho e envia para dois pareceristas:
CONSELHO CONSULTIVO (Parecer sobre os trabalhos):
1 e 2 aprovam sem modificação: aprovado
1 aprova e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um tempo
1 e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um tempo
1 aprova e 2 reprova: envia para um terceiro avaliador
1 e 2 reprovam: reprovado
233
234
235
REGIMENTO INTERNO DA REVISTA MAIS DADOS
DESENVOLVIDA PELA ONG NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO
Art. 1º – A Revista Mais Dados é uma publicação virtual e periódica – em princípio,
anual – destinada exclusivamente à divulgação de temas relacionados com Role
Playing.
Art. 2º – A Revista Mais Dados será dirigida por um Conselho Editorial, composto de
três membros: a) Dois professores do quadro docente da Universidade Federal de
Uberlândia, sendo eleitos pela direção da ONG; b) Um Editor Chefe responsável,
escolhido pela ONG que exercerá as funções de secretariado, junto ao conselho
executivo.
Art. 3º – Subordinadas e votadas pelo Conselho Editorial coexistirá duas Conselhos
menores:
a) Conselho consultivo – composta por notáveis pesquisadores, nacionais e
internacionais, articulistas da Revista Mais Dados, a critério do Conselho Editorial.
b) Conselho executivo – Composta por um membro do conselho Editorial, mais dois
mestres ou doutorandos, selecionados pelo mesmo conselho.
Parágrafo Primeiro – O mandato dos membros dos três colegiados será de quatro anos,
coincidentes, admitida a recondução.
Parágrafo Segundo – O Conselho Editorial e a Conselho consultivo escolherão um de
seus membros, professor, para exercer a respectiva Presidência, com mandato de quatro
anos, admitida a recondução.
Parágrafo Terceiro – Todas as decisões serão tomadas por maioria de votos dos
membros presentes, ou, excepcionalmente, por correio eletrônico.
Art. 4º – Ao Conselho Editorial compete:
a) Incluir, manter ou excluir os membros do conselho consultivo e executivo;
b) Deliberar sobre os casos omissos ou não resolvidos pelo Conselho consultivo;
c) Decidir sobre recursos impetrados contra deliberações do Conselho consultivo;
Art. 5º – Ao Conselho consultivo compete:
a)
Deliberar sobre as normas de publicação da Revista;
236
b)
Selecionar matérias para publicação;
c)
Nomear pareceristas em casos de publicações que ensejem dúvida ou polêmica;
Art. 6º – À Conselho Executivo compete:
1. a) Formatação, execução e organização da estrutura da revista;
2. b) Ilustrações, capa, e design da revista;
3. c) Organização do site, arquivar documentação, informar pareceristas e autores junto ao
conselho editorial.
Art. 7º – Os trabalhos encaminhados à Revista serão distribuídos igualmente entre os
membros do conselho consultivo para apreciação. Em caso de necessidade, poderão ser
submetidos ao Conselho Editorial ou utilizados consultores ad hoc. Compete ao
Conselho consultivo a análise sobre os trabalhos a publicar.
Art. 8º – Os autores de artigos deverão ser sempre professores, ex-professores,
professores visitantes, professores convidados e alunos de graduação ou pós-graduação.
Art. 9º – Todos os artigos deverão ter unitermos (palavras-chave), resumo em inglês
(abstract). Deverão também ser apresentados em forma de arquivo.doc.
Art. 10º – A bibliografia final, as citações e as notas de rodapé deverão ser apresentadas
segundo as normas técnicas da ABNT, em vigor na data da publicação.
Art. 11º – Não serão publicados:
a) os trabalhos com mais de 40 (quarenta) páginas;
b) os já publicados em periódicos de grande circulação no meio jurídico;
c) sentenças, votos, acórdãos e pareceres.
Parágrafo Único – Serão admitidos, em cada publicação, até dois trabalhos em língua
estrangeira. Esse limite poderá ser ultrapassado, em casos excepcionais, a critério do
Conselho consultivo.
Art. 12º – Não deverão ser publicados mais de um artigo do mesmo autor, no mesmo
número da Revista. Devendo haver um espaçamento de duas edições de publicação,
promovendo a diversidade de autores e títulos.
237
Art. 13º – Os casos omissos serão resolvidos pela Conselho consultivo e, em última
instância, pelo Conselho Editorial.
Art. 14º – Este Regulamento entra em vigor nesta data.
Uberlândia, 25 de Novembro de 2013.
Rafael Correia Rocha (Editor Chefe)
Sergio Paulo de Morais (Membro)
Tulio Barbosa (Membro)
Revista MAIS DADOS
Endereço:
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Narrativa da Imaginação
Revista MAIS DADOS
Av. Estrela do Sul, 1946 – Bairro: Martins
CEP.: 38400-399 – Uberlândia – MG
(34) 3239-4068; Fax: (34) 3239-4396
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