Monitoração de variáveis de processos industriais através da
plataforma Android em tablets e smartphones.
Afonso Celso Turcato
[email protected]
SMAR Equipamentos Industriais LTDA
André Luiz Dutra Costa
[email protected]
Centro de Informática de Ribeirão Preto CIRP/USP
Resumo
O uso de dispositivos móveis está cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Dentre diversas
tecnologias disponíveis atualmente, a que mais de destaca é a plataforma Android que, além de
disponibilizar poderosos recursos computacionais, é gratuita, estando presente na maioria dos
smartphones e tablets existentes. Este trabalho propõe o desenvolvimento de um sistema de
monitoração de variáveis de processos, cuja execução possa ser feita local ou remotamente em
qualquer dispositivo que rode o sistema Android.
Palavras chaves: Supervisão, SCADA, Android, Tablets, Smartphones, Web Services.
1. INTRODUÇÃO
Por serem dispositivos de fácil utilização e de grande mobilidade, tablets e smartphones caíram no
gosto do consumidor e, nos últimos anos, vêm substituindo não somente celulares, câmeras digitais e
players de mídia, mas também equipamentos com maior poder de processamento como os
tradicionais Notebooks e Desktops nas mais diversas atividades do dia a dia.
Com a demanda crescente do mercado e com os atuais incentivos do governo na redução de
impostos, a tendência atual é que o preço destes equipamentos fique cada vez menor e que haja,
consequentemente, cada dia mais pessoas utilizando-os.
Versáteis, os tablets e smartphones se mostram úteis não somente para uso pessoal, social e para
entretenimento, mas também já são utilizados de diversas formas por vários setores do comércio.
Como exemplo, temos casos de restaurantes que já adotam tablets como cardápios eletrônicos, onde
o cliente pode até mesmo fazer o seu próprio pedido; escolas os utilizam como apostilas dinâmicas
com vasto conteúdo multimídia; lojas, mercados e bancos já têm seus próprios aplicativos na
tentativa de aumentar sua visibilidade e manter um contato próximo com o cliente. É um mundo novo,
onde estar conectado traz praticidade e aos poucos se torna necessidade.
A indústria não fica por fora e tem muito a aproveitar desta tecnologia. Suas características fazem dos
dispositivos móveis uma alternativa acessível para monitoração e manutenção de processos, apesar
de, até o momento, serem poucas as aplicações conhecidas.
Como exemplo de uma possível aplicação, este artigo apresenta um estudo de caso em que esta
ferramenta é usada na monitoração da temperatura do ar em diversos pontos de um edifício, com o
propósito de supervisão e diagnóstico remoto da eficiência de seu sistema de condicionamento de ar.
2. MOTIVAÇÃO
O desenvolvimento deste sistema foi motivado pela necessidade da monitoração da temperatura do
ar em alguns pontos de um prédio utilizado pelo departamento de engenharia de projetos de uma
empresa integradora de sistemas de automação. Estas temperaturas apresentavam variações ao
longo dos seus setores e o desempenho do sistema de condicionamento de ar era insatisfatório. Em
dias quentes, o sistema era incapaz de refrigerar todos os setores de forma adequada. Desta forma,
a principal finalidade do desenvolvimento desta aplicação foi o diagnóstico da distribuição do fluxo de
ar na instalação e verificação da performance do sistema de ar condicionado.
Para a implementação desta aplicação foram empregados equipamentos fabricados pela própria
empresa (que já eram utilizados em testes de projetos pela equipe de engenheiros) além de
frameworks gratuitos para o desenvolvimento da aplicação para os dispositivos móveis.
3. IMPLEMENTAÇÃO
O sistema é constituído por um Controlador Lógico Programável (CLP) que é responsável pela
obtenção das variáveis de processo e por transmissores de temperatura instalados em pontos
estratégicos. A topologia deste sistema pode ser vista na Figura 1. Os dados oriundos do CLP são
acessados por uma estação de supervisão (PC – Personal Computer) rodando um sistema SCADA
(Supervisory Control And Data Acquisition), que foi utilizado para exibição gráfica dos dados na forma
de gráficos de tendência. Para o acesso posterior e análise dos dados, também foi desenvolvida a
função de historiador no sistema SCADA.
Figura 1 - Topologia
No total, sete pontos de medição de temperatura foram espalhados ao longo do sistema de
condicionamento de ar e no ambiente de trabalho para a aquisição dos dados, além do status de
funcionamento dos dois compressores pertencentes ao aparelho de ar condicionado. A descrição dos
pontos e os tags adotados estão listados abaixo:
• TT01 - Temperatura do ar na saída do aparelho de ar condicionado;
• TT02 - Temperatura do ar na tubulação de retorno para o aparelho de ar condicionado;
• TT03 - Temperatura do ar na entrada do aparelho de ar condicionado;
• TT04 - Temperatura do forro, onde passam as tubulações para distribuição do ar;
• TT05 - Temperatura ambiente externa;
• TT06 - Temperatura ambiente interna 1 (lado Sul);
• TT07 - Temperatura ambiente interna 2 (lado Norte);
• ST01 - Status de operação Compressor 1, ligado/desligado;
• ST02 - Status de operação Compressor 2, ligado/desligado.
Após serem definidos os pontos a serem aferidos, foi feita a escolha da tecnologia para a aquisição
destas informações. Dentre as diversas tecnologias disponíveis, a Foundation Fieldbus foi escolhida
devido à disponibilidade imediata de equipamentos com essa tecnologia.
Foram utilizados sete transmissores de temperatura modelo SMAR TT302 para aquisição das
temperaturas e um módulo de I/O remoto modelo SMAR DC302 para obtenção dos status dos
compressores.
A Foundation Fieldbus (FF) é uma arquitetura aberta mantida pela Fieldbus Foundation que
disponibiliza protocolos para sistemas de instrumentação e controle, tendo como principal diferencial
o fato que cada equipamento da rede tem sua própria “inteligência” e se comunica bidireccionalmente
com outros equipamentos da rede [FIELDBUS FOUNDATION].
No Foundation Fieldbus, os devices de campo podem assumir funções complexas de controle e desta
forma, a estratégia de controle pode ser distribuída entre cada integrante da malha de controle,
diminuindo e em alguns casos eliminando a dependência de um controlador principal centralizado.
Para a rede de campo (rede formada pelos instrumentos), o FF define o barramento H1 que trabalha
a 31,25 kbit/s e que foi projetado para operar em condições adversas, como por exemplo, o chão de
fábrica em indústrias e usinas. Trata-se de um barramento que utiliza dois condutores, suporta
diversas topologias e é também capaz de alimentar os instrumentos de campo.
Figura 2 – Arquitetura Foundation Fieldbus
Nesta aplicação, onde a rede era de pequeno porte e havia poucos pontos de monitoração, os fatores
decisivos para a escolha do Foundation Fieldbus foram também a facilidade de instalação dos
instrumentos e a menor necessidade de hardware – módulos de I/O – quando comparado ao
tradicional sinal 4-20 mA.
A escolha do controlador foi feita de forma a atender a necessidade de uma rede Foundation
Fieldbus. Assim, foi adotado o controlador SMAR DF63 que possui quatro canais para redes H1, duas
portas Ethernet e capacidade de atuar como gateway Modbus/TCP [SMAR EQUIPAMENTOS
INDUSTRIAIS].
Após a seleção do controlador e dos equipamentos de campo a serem utilizados, foi preciso definir a
forma com que as informações coletadas seriam exibidas e gravadas para análise. Estas tarefas
foram feitas por um sistema SCADA comunicando-se via protocolo Modbus/TCP com o controlador. A
exibição dos valores lidos foi feita utilizando recursos do tipo gráfico de tendências e os valores
obtidos foram historiados (gravados em banco de dados) para posterior visualização e análise. A tela
principal do sistema pode ser vista na Figura 3.
Os sistemas SCADA, também comumente conhecidos como sistemas supervisórios, têm a função de
disponibilizar as informações de um determinado processo de forma amigável para um operador ou
supervisor, possibilitando visualização e controle da planta. Estes sistemas normalmente possuem
recursos de gerenciamento de alarmes e históricos já integrados [OFFICE OF THE MANAGER
NATIONAL COMMUNICATIONS SYSTEM].
A representação do processo é feita de forma gráfica e cada elemento relevante de supervisão e
controle do processo possui um símbolo equivalente na tela do sinótico. Tais elementos podem ser
animados/dinâmicos, facilitando a visualização das variáveis de processo.
A ferramenta de históricos é capaz de armazenar grandes quantidades de dados e permitir a sua
posterior recuperação, possibilitando a análise do comportamento dinâmico dos processos e
avaliação da sua eficiência.
Alguns sistemas supervisórios permitem, ainda, o acesso a bancos de dados externos e o
desenvolvimento de funções avançadas utilizando linguagens de programação de alto nível tal como
o Visual Basic, tornando possível sua total integração com Sistemas Integrados de Gestão
Empresarial (SIGE / ERP) e o desenvolvimento de funções de usuário customizadas que não sejam
nativas do próprio sistema SCADA.
Figura 3 – Tela do sistema SCADA
Figura 4 – Exemplo de representação de tanques em um sistema SCADA
Existem inúmeros drivers para diversos protocolos que um sistema supervisório utiliza para a
comunicação com os equipamentos. Comunicação esta utilizada para a coleta dos dados, sendo que,
alguns destes protocolos são proprietários, enquanto outros são abertos e normalizados.
Um dos protocolos de grande destaque é o protocolo Modbus, que foi criado pela empresa Modicon
em 1979 e que devido à sua simplicidade e robustez tornou-se um padrão no que se diz respeito à
automação, sendo utilizado em grande escala atualmente. Em 2004, o Modbus teve seus direitos
transferidos à Modbus Organization, tornando-se um protocolo aberto e livre de taxas de
licenciamento. Trata-se de um protocolo orientado a caractere – se enquadra no nível de aplicação no
modelo OSI (Open Systems Interconnection) – que pode ser utilizado sobre diversos meios físicos,
sendo os mais comuns o RS-232, o RS-485 e recentemente vem sendo implementado sobre a pilha
de protocolos TCP/IP, podendo trafegar em equipamentos Ethernet, formando o chamado
Modbus/TCP [MODBUS ORGANIZATION].
4. ACESSO REMOTO
A configuração apresentada até o momento - integração entre transmissores, CLP e Sistema
Supervisório - é capaz de atender eficientemente as funções que se espera de um sistema de
controle e supervisão. Esta é uma configuração clássica que é utilizada em usinas e indústrias no
mundo todo.
Até a poucos anos, cada área de operação era isolada do restante da planta e apenas contava com
acesso local. Atualmente, com a finalidade de melhorar a comunicação entre as diversas áreas fabris
e administrativas e centralizar o controle e supervisão, as empresas optam por utilizar uma
configuração que concentra a operação e supervisão em um Centro de Operações Integradas – o
COI – sendo que, as aplicações, com acesso remoto ou acesso externo aos dados de processo via
internet, vêm se tornando cada dia mais comuns. Todavia, a interligação da rede de automação à
internet é algo que deve ser realizado com cautela, devido à exposição que esta interligação traz dos
equipamentos da planta, sendo que, muitos especialistas em sistemas de automação condenam este
tipo de prática.
Na aplicação aqui desenvolvida, pelo fato de o CLP escolhido ser capaz atuar como gateway
Modbus/TCP, a obtenção dos dados através da internet poderia ser feita configurando o roteador
(vide Figura 1) para encaminhar ao CLP todos os pacotes recebidos pela Internet na porta TCP 502
(porta padrão utilizada pelo Modbus). Esta configuração é necessária devido ao NAT (Network
Addres Translation) implementado no roteador em questão.
O NAT foi criado como uma das soluções para o esgotamento da quantidade de números IPv4
disponíveis na Internet. Tem função de ligar a rede interna (LAN – Local Area Network) à externa
(WAN – Wide Area Network) e assim, todos os computadores da LAN acessam a internet através do
mesmo endereço IP, que é o IP WAN do roteador. O encaminhamento da porta é necessário devido
às características da implementação do NAT, que utiliza as portas da camada de transporte para
identificar estações da rede interna [TANENBAUM, A. S.].
Após ter sido feito o encaminhamento de porta, o acesso ao CLP ficaria disponível via Internet e seria
possível a monitoração das variáveis utilizando um mestre Modbus/TCP rodando no dispositivo
portátil, em uma comunicação direta com o CLP. Para dispositivos que rodam o sistema Android, é
possível encontrar diversos aplicativos gratuitos na loja de aplicativos do Google Play Store
[GOOGLE], que se dedicam a essa função. Assim, para o estabelecimento da comunicação, é
necessário conhecer apenas o IP do lado WAN do roteador e o endereço de memória dos pontos que
se deseja monitorar.
Pode-se notar que com certa simplicidade e poucas configurações adicionais na infraestrutura de
rede de uma aplicação existente, é possível externar seus dados via internet. Porém, o método aqui
apresentado é falho ao expor equipamentos a ataques externos via Internet. O Modbus/TCP, por sua
vez, não prevê nenhum tipo de autenticação ou segurança, assim qualquer pessoa, mal intencionada
ou não, munida do IP do roteador poderia facilmente acessar o CLP, podendo vir a manipular
indevidamente o processo. Este tipo de configuração não é recomendada para fins práticos
principalmente se o CLP envolver o controle de processos que possam colocar em risco bens
materiais e principalmente vidas humanas.
No entanto, como o acesso às informações através da internet era desejado, foi necessário encontrar
um modo alternativo seguro para acessar os dados do sistema de supervisão. Para isso, foi
elaborado um sistema de comunicação utilizando Web Services, acessando as informações do CLP
indiretamente.
O termo Web Service refere-se a um serviço executado em um servidor remoto que disponibiliza
funções e métodos para outras aplicações em computadores e dispositivos interconectados através
da internet. Por utilizarem o formato XML para transferência dos dados, os Web Services podem
disponibilizar seus serviços para diversas plataformas diferentes. O acesso é feito via HTTP e
existem diversos mecanismos que podem ser implementados em quesitos de segurança.
Na aplicação aqui apresentada, a implementação do Web Service se deu da seguinte forma:
• O software SCADA rodando na estação de supervisão faz a leitura dos dados desejados do campo
via Modbus e por meio de um script atualiza periodicamente um arquivo de texto na estação de
supervisão;
• O servidor que executa o Web Service disponibiliza um método que, quando chamado pelo cliente,
acessa o arquivo de texto e envia os dados contidos no mesmo para o requisitante.
Note que desta forma o acesso não é feito diretamente ao CLP e as informações do processo são
obtidas da estação de supervisão. O cliente do Web Service só pode executar as ações pré-definidas
pelos métodos disponibilizados pelo servidor, o que torna este método de acesso via Web Service um
modo de acesso mais seguro.
Após a implementação desta estrutura de comunicação, para que o acesso fosse possível, através
dos dispositivos portáteis, foi necessário o desenvolvido do aplicativo para Android.
O aplicativo desenvolvido acessa periodicamente o Web Service, solicita os dados através do método
criado e os exibe na tela. Esta é a tela mostrada na Figura 5. Todos os dados do processo são
exibidos em tempo real, e é possível monitorar as temperaturas onde quer que se esteja através da
internet.
Figura 5 – Aplicativo para Android
5. CONCLUSÃO
A implementação aqui apresentada como exemplo exibe apenas uma das diversas funções que os
dispositivos portáteis podem exercer no contexto da automação e instrumentação industrial. Além do
uso para supervisão, gerenciamento e controle de processos, estes aparelhos também apresentam
forte potencial como ferramentas de configuração e diagnóstico de falhas de equipamentos de
campo.
Ainda há muito a ser desenvolvido e explorado para que possamos aproveitar todo o potencial destes
equipamentos.
Empresas que desenvolvem soluções para automação industrial precisam investir mais no
desenvolvimento destas aplicações “móveis” dando mais ênfase aos dispositivos portáteis, sendo que
muitos especialistas profetizam que em breve tais dispositivos serão maioria, reduzindo a quantidade,
encarecendo e podendo até mesmo eliminar o uso dos tradicionais desktops tão usados no meio da
Automação.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FIELDBUS FOUNDATION. FOUNDATION System Technology. Disponível em: <http://www.fieldbus.org>.
Acesso em: 11 de mai. 2013.
SMAR EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS. Foundation Fieldbus - General Manual – English. Disponível em:
<http://www.smar.com.br>. Acesso em: 15 de mai. 2013.
OFFICE OF THE MANAGER NATIONAL COMMUNICATIONS SYSTEM. Supervisory Control And Data
Acquisition (Scada) Systems, 2004.
MODBUS ORGANIZATION. Modbus Specifications
<http://www.modbus.org>. Acesso em: 17/05/2013.
and
Implementation
Guides.
Disponível
TANENBAUM, A. S. Redes de Computadores, 4ª Ed., Editora Campus (Elsevier), 2003.
GOOGLE. Google Play Store. Disponível em: <https://play.google.com>. Acesso em: 07 de mai. 2013.
em:
Dados dos autores
Eng. Esp. Afonso Celso Turcato,
graduação em Engenharia Elétrica - Ênfase em Sistemas de Energia e Automação pela EESC-USP e
especialização em Redes de Computadores pela Universidade Federal de São Carlos. Mestrando em
Engenharia Elétrica na EESC-USP. Atualmente é Engenheiro de Aplicações da Smar Equipamentos
Industriais Ltda. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Eletrônica
Industrial, Sistemas de Automação, Controles Eletrônicos e Redes Industriais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6301414150789957
Tecg. André Luiz Dutra Costa,
Possui graduação em Tecnologia em Automação Industrial pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo. Atualmente é técnico para assuntos administrativos do Centro de
Informática de Ribeirão Preto, na Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de
Engenharia Elétrica, com ênfase em Automação Eletrônica de Processos Elétricos e Industriais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9105023522267581
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