CDU 903-033.6=98{282.28)
SíTIO CERÂMICO TUPIGUARANI
NA BACIA DO RIO VACACAí-MIRI,M,
VICTOR HUGO OLIVEIRA
RS
DA SllVA*
EDIO ERNI PRADE**
ANA INEZ KlEIN***
RESUMO
O sítio arqueológico
conhecida
como
Cabeceira
munidpio
de Santa
objeto
Maria.
Encontra-se
do mar. Climatologicamente,
ocupa
apreciável
recobre
à Depressão
data
apresentando
rio. Ocupa
pelo
Até o presente,
estudado,
revelou-se
encontramos,
tratamento
Tupiguarani.
A Tradição
relação
à cronologia,
melhor,
das peculiaridades
d'água,
podemos
Cabeceira
trabalho
do
foi
possfvel
coletados, embora
diferenciada.
*
**
***
de
uma
1500
observar
a localização
Rio Grande,
4:43-52,1992.
apresenta
dos
até
certa
Antropologia
o
à Tradição
como
caracterfs-
de sangas ou córregos.
o
Com
dos
encontre-se
ou
de curso
para
d.C.
uniformidade
Cultural
estudado,
próximo
aproximada
± 1700
mesmos
que
acordelado,
do material
datação
uma
do
da localização,
d.C.
uma vez
Das conclusões
são comuns
próximos
prospec-
e corante},
técnica
consegui da através
Coordenador
do lEPA e professor
História do CCSH da UFSM.
Bolsista CCSH da UFSM.
Estagiária do lEPA.
BIBlOS,
aberto,
da cerâmica,
estabelecer
Raimundo
a
do sítio
bibliográficas.
sistemáticas,
Tupiguarani.
Tupiguarani
de campo
A localização
(cerâmica
e as formas
Ceramista
em sltios
da
do Mesozóico,
e por fontes
superficiais
seguintes:
a queima
e, apesar
isto é, do Ouaterná-
Brasileiro.
recolhido
da Tradição
as
de superfície,
tica a vivência
Com
ser
salientamos
do nível
latifoliada
Fisiograficamen-
e início
mais recente,
coletas
material
formas
extensões.
de moradores
realizadas
cujo
acima
A mata
que faz parte da Região Sul, cuja
Meridional
depoimento
foram
ções e escavações,
de 100m
do Paleozóico
áreas de formação
a área do Planalto
foi facilitada
Central,
do final
na localidade
de Boca do Monte,
da região sob diferentes
te, a região pertence
porém
em torno
ainda hoje regulares
formação
geológica
situa-se
70 Distrito
é uma região subtropical.
área dentro
grande devastação,
deste trabalho
do Raimundo,
sítio
o nosso
materiais
ligeiramente
e História
Geral
I do Dep.
43
INTRODUÇÃO
Há muito tempo uma de nossas maiores preocupações era dotar o curso de
História da Universidade Federal de Santa Maria de um núcleo que se dedicasse
especificamente ao estudo e à pesquisa arqueológica, porém inúmeras dificuldades
tivemos de enfrentar. Entretanto, após muitos anos e desafios, o Laboratório de
Estudos e Pesquisas Arqueológicas - LEPA - tornou-se hoje uma realidade.
A atividade desenvolvida pelos alunos-estagiários do LEPA está possibilitando a criação de mecanismos de motivação para que outros discentes também se
sintam motivados à investigação arqueológica.
Estamos presentemente na fase de estudo dos sítios, que se caracteriza pela
adoção de técnicas padron izadas de coleta de materiais, prospecção, escavação,
localização, distribuição e cadastramento, cujo trabalho foi devidamente autorizado
pela lOa Delegacia Regional da SPHAN - Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, conforme Of. nO 195/84, de 11/09/84, da Fundação Nacional
Pró-Memória da Secretaria de Cultura do Ministério da Educação.
DESCRiÇÃO DA REGIÃO
Fisiograficamente a região pertence à Depressão Central, e esta por sua vez
faz parte da Região Sul, compreendendo os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, cuja formação geológica data do final do Paleozóico e início do
Mesozóico, porém, apresentando
áreas de formação mais recente, isto é, do
Quaternário. Ocupa a área do Planalto Meridional Brasileiro.
Quanto ao relevo do Rio Grande do Sul, este participa da Serra Geral, com
seus últimos contrafortes nas terras meridionais.
Observando-se um mapa, ele mostra que a Depressão Central é um
corredor entre duas serras, aberto em ambas as extremidades, constituindo-se numa
grande calha que se estende de oeste para leste. Tal assertiva é confirmada por
Amyr Borges Fortes (1959:222). quando diz: "A transição do Norte para o Sul
sofre forte solução de continuidade pela presença da Depressão Central, grande
calha que se estende de oeste para leste". Mais adiante o mesmo autor registra
(p.224): "Segundo o trabalho dos professores Delgado Carvalho, Alfredo Rodolfo
Simch, Padre Balduino Rambo e outros, a Depressão Central atua como verdadeiro
divisor de terras. As elevações ao norte da Depressão são as mais acidentadas,
particularmente ao nordeste do Estado, onde se encontram as cotas mais elevadas.
Essas elevações são diferentes do tipo coxilha. Suas encostas são abruptas e seu
revestimento vegetal alcança, em muitos locais, o tipo florestal. São as terras
pertencentes à Serra Geral, formadas por rochas eruptivas, conglomerado de itararé,
xistos e carvões permianos; areais triásicos e derramamentos melafíricos campeiam
o conjunto".
De acordo com Rambo (1956:220-1) "No oeste, a abertura é muito larga,
convidando os exploradores do Rio Uruguai a procurarem um caminho ao oceano.
De fato o primeiro catequizador dos índios rio-grandenses, P. Roque Gonzáles de
Santa Cruz, veio por este lado. Subindo pelo Ibicuí, em 1626, fez um
44
BIBLOS, Rio Grande, 4:43-52,
1992.
reconhecimento geral do 'tape', firmando a sua conquista por várias reduções às
margens deste rio.
"A parte leste da Depressão Central, de per si, constitui uma excelente
entrada para os povoadores vindos de Santa Catarina".
Segundo Magnani (1959:74-5), "A Região Sul", em sua quase totalidade,
localiza-se abaixo do Trópico de Capricórnio, estendendo-se até 330 de latitude Sul.
Fatores como o relevo de planaltos elevados e a circulação atmosférica própria
dessas latitudes (ventos de Oeste), permitem-lhe uma classificação climática
subtropical, não havendo ainda quatro estações nitidamente distintas ". Assim o
clima, conforme o sistema W. Koeppen, é o Cfa - 11 - 2 b - clima subtropical ou
virginiano; áreas morfoclimáticas:
peneplanície sedimentar periférica (altitude
inferior a 400m); temperatura média anual superior a 18 °c (19,1).
Becker (1976:36) registra: "A mata latifoliada ocupa apreciável área
dentro da região. Sob diferentes formas e apesar da grande devastação, recobre até
hoje regulares extensões. Em muitas áreas, a mata latifoliada aparece intercalada
com a mata de araucária, ocupando os solos mais férteis assim como os vales,
revestindo as partes que não se prestam ao desenvolvimento da araucária".
No nosso Estado, segundo Fortes (1959:257), "A hidrografia é caracterizada pelos rios de regime pluvial, cuja distribuição é de duas grandes bacias: a do
Rio Uruguai e a do Sudeste; ambas possuem lagoas e lagunas.
A Bacia do Rio Uruguai tem no Estado 49.183km2, separando-se da Bacia
do Sudeste pela Serra Geral. Compreende assim todos os afluentes do Rio Uruguai,
entre os quais se destacam o Rio da Várzea, o Passo Fundo, o Ibicuí e outros".
HISTÓRICO DA REGIÃO
De acordo com o médico santa-mariense Dr. Romeu Beltrão, autor da obra
"Em face dos fatos e documentos
até aqui conhecidos, deve a segunda metade de 1797 ser o marco inicial da
cronologia santa-mariense,
restando fixarem-se o mês e o dia em que os
demarcadores acamparam no Rincão de Santa Maria, e a velha rua do Acampamento é o testemunho quase duas vezes secular da história da fundação da cidade".
Os demarcadores, um dos quais foi Gomes Freire de Andrade, de que fala
o Dr. Beltrão, são os membros da Comissão Demarcadora de Limites na América
Meridional, criada pelo Tratado de Santo IIdefonso, de 1777.
Registra ainda o Dr. Beltrão na obra acima citada (p.7) a existência de um
mapa de autoria do Cel. Miguel Ãngelo Blasco e do engenheiro e astrônomo João
Bento Pvton, no qual "estão marcadas as estradas ou caminhos gerais da época (1756).
como a que vinha do sul, passando por Caiboaté, Pau Fincado, Porteirinha, Durasnal
de S. João (atual Estância Velha), para atingir S. Martinho pela Picada da Boca do
~onte, Ãgua Negra, passo do Ibicuí e Perau ou Subida da Serra, o Monte Grande dos
jesuítas e dos espanhóis, estrada essa percorrida pela expedição de Gomes Freire e
6ndonaegUi, em sua marcha para as Missões. Esta estrada encontrava, à altura do
Mur~snal de, S. João, a que vinha de Rio Pardo, então Tranqueira ou Forte de Jesus,
ana e Jose, passando por Cachoeira de hoje, cruzando o rio Jacuí à altura da estação
Cronologia Histórica de Santa Maria (1979:4):
BIBLOS, Rio Grande, 4:43-52,
1992.
45
ferroviária do mesmo nome, onde existiam fortificações, e passando por Restinga Seca,
Arroio do Sol (e não do Só, como é conhecida hoje essa vila), Tronqueiras, Passo do
Sarandi, no atual Campo de Instruções do Exército, passando por Ferreiros, hoje
Arroio da Ferreira e Passo da Taquara".
Aqui cabe alguns esclarecimentos:
10 - José Saldanha é que cita o mapa de Blasco e Pyton, levantado
durante a expedição de Gomes Freire e Andonaegui, de cuja citação se serve Romeu
Beltrão. A Obra de Saldanha é Diário Resumido e Histórico, in Anais da Biblioteca
Nacional, vol. LI, M.E.S., Serviço Gráfico, R. Janeiro, 1938".
20_ Pau Fincado, conforme Rambo (1956:104-5): "A Coxilha Grande
começa à raiz da Serra Geral, estendendo-se para o sul sob os nomes de Coxilha
Grande do Pau Fincado e outros; nada mais é senão o divisor de águas, de pouca
altura, entre o Ibicuí e o Jacuí; mais para o sul, esta função é preenchida pela borda
ocidental da Serra Sudeste".
30 - Porteirinha e atual São José da Porteirinha são localidades pertencentes atualmente ao 70 Distrito de Boca do Monte; este, por sua vez, é do
município de Santa Maria.
40 - Segundo ainda Beltrão, na citada obra, (p. 10) "A topografia do
município de Santa Maria era bem favorável à maneira de viver dos índios e por
toda a parte, mas especialmente nas regiões da Boca do Monte, Cana barro, Santo
Antão, Campinas, São Martinho, Sarandi, Ramada e toda a encosta da serra são
encontrados vestígios das suas aldeias, representados pelos utensílios de barro e
pedra que usavam. Tenho visto panelas de barro cozido, cacos de panelas, machados
de pedra, espécies de pilões de pedra, pontas de seta, etc., em tal quantidade que
faz admitir terem sido numerosos os índios que habitavam o solo santa-mariense. O
Prof. José Proença Brochado, pesquisando para o Museu Etnográfico de S.
Leopoldo, localizou um cemitério indígena na região de Sarandi".
Observe-se que Sarandi ou Passo do Sarandi dista aproximadamente 4,5km
do sítio "Cabeceira do Raimundo", que ora é objeto de nosso trabalho.
50 - Ferreiros, hoje Arroio da Ferreira, recebeu aquele nome inicial,
porque, na ocasião em que os exércitos de Gomes Freire e Andonaegui, na Guerra
Guaranítica de 1756, permaneceram acampados junto ao passo, onde os ferreiros da
expedição tiveram ali as suas forjas.
Devemos aqui inserir um interessante relato do célebre viajante e
naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em viagem científica pelo Rio Grande
do Sul, no ano de 1821, que diz (p. 168): " ... os campos por mim percorridos
desde o Ibicuí e os que se estendem até às margens do riacho dos Ferreiros faziam
parte da zona neutra, onde nem os portugueses nem os espanhóis podiam se
estabelecer. Os portugueses aproveitaram-se da condescendência dos comandantes
das duas nações, de modo que quando Portugal tomou conta das Missões já ali
encontrou vários lusitanos estabelecidos".
METODOLOGIA
Utilizamos a metodologia,
46
assim como as considerações
teórico-interpreta-
BIBLOS, Rio Grande, 4:43-52,1992.
tivas, que .s.ão apresentadas por Meggers e Evans (1957 e 1961 J. bem como no
trabalho de campo para a caracterização de sítios cerâmicas conforme o "Guia para
Prospecção Arqueológica no Brasil" (Evans e Meggers, 1965).
Considerada a grande quantidade de amostras cerâmicas obtidas, aplicamos
neste estudo a técn ica de seriação proposta por Ford (1962) e por Meggers e Evans
(1970).
DESCRiÇÃO
DO SíTIO
O sítio arqueológico está situado na localidade conhecida como "Cabeceira
0
do Raimundo", no 7 Distrito de Boca do Monte, pertencente ao município de
Santa Maria, sendo seu atual proprietário a senhora Iva Teixeira Galvão.
Entendemos como sítio arqueológico a menor unidade espacial onde se
encontram vestígios da cultura passada, incluindo o solo, o clima, a vegetação e os
recursos naturais que relacionaram-se com a vida de um determinado grupo
humano.
O trevo rodoviário de saída de Santa Maria para as cidades de Rosário do
Sul e São Pedro do Sul constituiu-se no ponto referencial escolh ido para situar com
precisão o sítio arqueológico que é objeto de nosso trabalho. A partir desse trevo
segue-se pela estrada pavimentada BR-287, que liga Santa Maria a São Pedro do Sul,
percorrendo-se 12,4km. Neste ponto, encontrar-se-á à esquerda uma estrada de
chão que vai a São José da Porteirinha. Nesta última, a 500m da BR-287,
encontrar-se-á à esquerda outra estrada também de chão, chamada de Picada dos
Bastos; contando-se daí mais 4,3km, notar-se-á outra estrada, agora à direita. A
900m desta, seguindo-se ainda pela mesma que vai para São José da Porteirinha,
situa-se um armazém (bodegão), próximo a uma bifurcação, na qual segue-se pela
esquerda. A 600m encontra-se outra estrada, à esquerda e, dali a mais 3,1 krn, a
residência da senhora Iva Teixeira Galvão, em cuja propriedade foi localizado o sítio
onde foram identificadas duas concentrações que levaram as letras "A" e "B". O
sítio dista da sede do município de Santa Maria cerca de 21,8km, na direção
leste-oeste. Situa-se aproximadamente a 300m das nascentes do chamado Arroio do
Raimundo, daí o nome do sítio, "Cabeceira do Raimundo", cuja sigla é RS, porque
o mesmo foi encontrado no município de Santa Maria, Estado do Rio Grande do
Sul; VM - 5 quer dizer Bacia do Rio Vacacaí-Mirim, e o número 5, por tratar-se do
quinto sítio aí investigado.
HISTÓRICO
E TÉCNICA
DA PESQUISA
Nesse sítio, no dia 22/06/1985, foi iniciada a primeira coleta superficial
sistemática, com grande quantidade de fragmentos de cerâmica, corante e nenhum
artefato lítico. Nessa ocasião é que foi possível localizar as duas concentrações,
sendo a "A" caracterizada pela existência de uma mancha preta, denunciada por
essa coloração do terreno, cuja forma mais ou menos ovalada possui 210m2• A
espessura máxima dos sedimentos-camada de ocupação foi 28cm, parecendo indicar
BIBlOS, Rio Grande, 4:43-52,1992.
47
B
Bi'JI':':3C
CA
Ci~"cias
uma ocupação temporária,
isto é, sítio-acampamento.
Mancha preta, conforme
Eble (1973:42):
"é a denominação
vulgar para
sítios abertos que são evidenciados
principalmente
por uma área escurecida
de
maior incidência
de cinzas, carvão e solo queimado.
Essa área se sobressai em
relação ao solo circundante.
Por ocasião dos períodos de capina ou de aração, tais
manchas são consideravelmente
visíveis à distância. Material cerâmico,
bem como
corante e lítico são encontrados
nesses sítios".
Posteriormente,
no dia 7 de setembro do mesmo ano, foram tiradas duas
fotos em preto e branco, às 14h50min,
nas orientações
sul para norte e leste para
oeste.
Uma vez delimitada
a área, processou-se
em seguida
o levantamento
topográfico
de todo o sítio, alcançando
uma área de 9.346m2•
Concluído
esse
trabalho, observamos que na concentração
"A" o terreno é atualmente
constituído
de gramíneas.
Com relação à concentração
"B", existem também
gramíneas em
grande quantidade
e, por falta de tempo, não nos foi possível realizar prospecção ou
escavação.
Em ambas
concentrações
o tipo de solo é arenoso
e utilizado
intensamente
para fins agrícolas (plantação
de canal. mostrando-nos que o sítio está
perturbado
até uma profundidade
de 15cm, aproximadamente.
Assim sendo, e em virtude da existência de grande quantidade
de material
coletado
sistematicamente
na concentração
"A", resolvemos
realizar uma escavação, mediante níveis artificiais,
buscando a coleta de amostras arqueológicas,
com o
objetivo de verificarmos
a sua potencial idade cultural. Por isso efetuamos
um corte
na concentração
"A", no qual utilizamos
a técnica de quadrícula
de 2x2m. Toda a
terra foi peneirada e o material, uma vez recolhido, foi colocado em sacos de pano e
de plástico
devidamente
etiquetados,
posteriormente,
no laboratório,
lavado,
numerado
e classificado
de acordo com os níveis artificiais
de 10 em 10cm, até
alcançar-se a camada estéril. Considerou-se
também a tipologia, cujo material hoje
pertence ao acervo do Laboratório
de Estudos e Pesquisas Arqueológicas
(LEPA).
DESCRiÇÃO
DO MATERIAL
ARQUEOLÓGICO
1) CERÂMICA
O nosso estudo compreendeu
a análise de 1.121 fragmentos
de cerâmica,
dos quais 55 são bordas e os restantes
1.066 são partes do bojo e bases, todos da
Tradição Tupiguarani.
Tradição
é definida
como "Grupo
de elementos
ou técnicas
que se
distribuem
com persistência
temporal",
de acordo com o Seminário
de Ensino e
Pesquisas
em Sítios
Cerâmicos.
Terminologia
arqueológica
brasileira
para a
cerâmica. Manuais de Arqueologia
(1966:20).
Quanto ao termo Tupiguarani,
escrito sem hífen, foi definido no Segundo
Seminário do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas
(PRONAPA).
realizado em Belém, Pará, em 1968. Foi assim adotado para distinguir a tradição ceramista
da família lingüística, cuja denominação
se escreve separada - Tupi-Guarani.
Faz-se
mister citar aqui Mentz Ribeiro (1981 :8-9), que diz: "Esta cerâmica da Tradição
Tupiguarani,
nos primeiros contatos com o europeu, foi encontrada
exclusivamente
48
RIRLOS, Rio Grande, 4:43-52,1992.
entre
grupos de família
lingüística
Tupi-Guaran].
Agora,
a recíproca
não é
verdadeira,
isto é, nem todos que falavam o Tupi-Guarant
eram portadores
desta
cerâmica.
Ela continuou
sendo produzida
e utilizada
em tempos
históricos
por
alguns destes grupos, naturalmente
com variações locais e regionais.
Os grupos
indígenas
historicamente
conhecidos,
possuidores
desta tradição, eram portadores
de uma cultura tipo Amazônica
ou de Floresta Tropical.
Eram horticultores
de
coivara, isto é, praticavam
a roça, plantando
milho, mandioca,
tubérculos
e raizes,
tabaco e algodão, e seu ambiente
ótimo era a selva tropical ou subtropical
úmida.
Viviam em aldeias compostas
de casas grandes comunais,
utilizavam
a rede para
dormir e navegavam em canoas de casca ou tronco de árvore".
A técnica de confecção
da cerâmica foi a do acordelado
(que consiste em
superpor roletes de pasta de comprimento
variável, em sentido circular até construir
a parede do vaso), observando-se
com nitidez, na maioria dos fragmentos,
os
negativos e positivos do rolete com os quais eram fabricadas as peças ou vasilhames.
A cerâmica encontrada
no sítio "Cabeceira
do Raimundo"
tinha as mais
diversas finalidades ou funções, como por exemplo a busca e a guarda de água para
o preparo
de bebidas
fermentadas
de milho e mandioca,
bem como para o
armazenamento
e o cozimento
de alimentos.
Depois de velhos e inúteis,
os
vasilhames
maiores eram usados ainda para o enterramento
dos mortos.
Esta
cerâmica era artesanal e produzida
pelas mulheres, que utilizavam
barro, ao qual,
por ser excessivamente
plástico, acrescentavam
areia, grânulos (quartzo)
ou cacos
bem triturados, dando assim maior consistência.
Para o estudo
e classificação
dos fraqmentos
cerâmicos
empregamos
métodos e bibliografia concernentes,
ou seja, "Terminologia
arqueológica
brasileira
para a cerâmica"
(1966 e 1969) e Meggers & Evans (1970) cujas obras foram
fundamentais
para o nosso trabalho.
Dos 1.121 fragmentos
estudados
(ver quadro),
chegamos
à seguinte
análise: toda a cerâmica foi confeccionada
pela técnica do acordelado,
observando.
se os positivos e os negativos dos roletes com que foram produzidos
os vasilhames
ou peças; os roletes partiam desde a base.
.~
MATERIAL
CERÂMICa
Corrugado-ungul.
Corrugado
Ungulado
Simples
Ponteado
Inclassificável
TRADiÇÃO TUPIGUARANI
LOGO
56
57
345
58
59
60
94
95
96
Total
'(.
67,62
77
63
41
75
111
42
04
04
758
'-
01
01
02
01
02
01
12
12
02
1,07
02
04
03
-
05
--
28
2,50
19,71
101
22
34
17
19
15
_.
-
13
-.
221
02
.-
-
-
--
23
-
02
08
0,18
07
09
07
09
07
-.
70
6,24
11
01
22
1,97
02
0,18
06
0,53
1121
100,00
Pintado "A"
02
01
04
--
Pintado "B"
--
--
03
01
--
-
01
01
05
..
-
-
..
489
--
115
-
-
113
72
101
143
82
06
Pintado "K"
Total
'.
BIBLOS. Rio Grande, 4:43.52,1992.
49
Textura - observamos com freqüência bolhas de ar e fendas no rolete,
sendo a fratura mais ou menos regular. A cor do núcleo apresenta as seguintes
características: preta, cinza e parda com diferentes tonalidades.
Antiplástico - predomina o arenoso, detectável pelo tato; a areia está
irregularmente distribuída na pasta. Em alguns casos (20'/.) encontramos também ó
argiloso.
Queima - incompleta, com a maior parte em ambas as faces.
Superfície - os fragmentos apresentam bom alisamento - 55"/.; regular
alisamento - 30"/.; mau alisamento - 15"/., aproximadamente.
Raros são os casos
em que aparecem as estrias do alisamento.
As cores predominantes são as seguintes: marrom escuro em ambas as
faces, marrom claro em ambas as faces, alaranjado em ambas as faces e amarelo
escuro em ambas as faces.
Tipo de decoração Corrugado-ungulado: associação de ungulações e corrugações.
Corrugado: execução com as pontas dos dedos, através de pressões,
mais ou menos regulares, espaçadas, unindo os roletes.
Ungulado: incisões produzidas pelas unhas sobre a superfície externa.
Ponteado: incisão de instrumento formando pequenas cavidades.
Simples: sem decoração.
Pintado "A": vermelho sobre branco na face externa.
Pintado "8": vermel ho sobre branco na face interna.
Pintado "K": branco sobre vermelho na face externa.
Dureza - entre 3,5 a 4,0 (escala de Mohs).
Formas - a abertura dos vasilhames varia entre 10 e 45cm, predominando
a faixa entre 16 e 32cm. Quanto às formas, as mais comuns são as meio esféricas.
As bordas quanto à forma são: direta - 60"/.; extrovertida - 24,44"/.; introvertida2,22"/.; introvertida com reforço externo - 2,22"/' e inclassificável - 11, 12"/., em
virtude de suas reduzidas dimensões. Os lábios apresentam-se arredondados 42,5"/.; aplanados - 25"/.; apontados - 15"/.; aplanados ungulados - 1O"/.;
digitungulados - 5"/.; arredondados com reforço externo - 2,5"/. . No que diz
respeito às bases, em número de cinco (5), todas são arredondadas e levemente
cônicas.
2) MAT~RIA CORANTE
Como matéria corante foram encontrados
pequenos fragmentos de
hematita (óxido de ferro), que fornece o vermelho e outras tonalidades. A forma é
irregular com vestígios de utilização, onde são nítidos os sinais de unha.
CONCLUSÕES
O sítio "Cabeceira do Raimundo" é constituído pela Tradição Tupiguaraculturais, tais como a técnica do acorde lado, o
tratamento de superfície, a queima e a forma das vasilhas e, de acordo com Mentz
Ribeiro (1986:56) "A técnica do acordelado, o tratamento de superfície, a queima
ni, em virtude das características
e as formas são comuns a toda Tradição Tupiguarani do sul do Brasil, incluindo
parte de São Paulo, nordeste e litoral fluvial argentino e Uruguai".
Quanto à cronologia, esta foi obtida graças às peculiaridades da cerâmica
bem como à 'localização do sítio, ou seja, próximo de curso d'água e também por
tratar-se de um sítio de campo aberto; por isso, podemos estabelecer uma datação
aproximada de 1500 d.C. até ± 1700 d.C.
Os vestígios do sítio-acampamento permitem ainda hoje a sua delimitação,
quer seja pela concentração de fragmentos, quer pela colaboração do solo (mancha
preta).
O fato de o sítio localizar-se afastado das margens dos grandes cursos
d'água sugere a pouca dependência imediata do transporte fluvial.
Tratando-se de um sítio-acampamento de campo aberto, a horticultura
deveria ter alguma importância na dieta alimentar.
Enterravam seus mortos no solo através de urnas de cerâmica enterramento secundário.
Chamou-nos a atenção a ausência de material que comumente é associado
à tradição ceramista Tupiguarani, como por exemplo, lâminas de machado polido,
afiadores em canaleta e cachimbos de cerâmica. Não encontramos também nenhum
material que indicasse um processo de aculturação.
Finalmente, este trabalho possibilitou-nos o surgimento de muitas interrogações, como o estudo tecnotipológico
mais aprofundado, com o objetivo de
resolver os problemas de estagnação, regressão ou evolução da vida dos grupos de
indígenas pré-históricos de nossa região. Tais indagações consideramos normais, pois
é inerente à pesquisa arqueológica, cuja atividade dificilmente se esgotará. Por isso,
novas pesquisas deverão ser realizadas na tentativa de se buscar respostas, bem
corno o salvamento do material arqueológico, uma vez que tais esforços irão
contribuir para a reconstituição de nossa História.
AGRADECIMENTO
ESPECIAL
Queremos deixar registrado nesta oportunidade o nosso agradecimento
especial ao morador do interior, cuja colaboração jamais nos foi negada. Graças à
sua compreensão e muitas vezes sua cooperação, tornou-se possível alcançar os
nossos objetivos. A maioria não só possibilitou-nos o trabalho de campo em suas
propriedades, como também abandonava seus afazeres para nos auxiliar e mesmo
prestar-nos informações sobre ocorrências da cultura material indígena ou doação
de material arqueológico.
Desejamos também agradecer aos alunos estagiários do Laboratório de
Estudos e Pesquisas Arqueológicas - LEPA, que participaram na maioria das
ocasiões, tanto na pesquisa de campo como no trabalho de laboratório e de
gabinete. Sua dedicação e desempenho contribuíram para que levássemos a bom
termo este trabalho.
Ao amigo e colega Pedro Augusto Mentz Ribeiro e sua esposa Catarina,
que contribuíram
com suas valiosas sugestões e tornaram-se incansáveis na
orientação e incentivo para a realização deste trabalho. Para ambos, o nosso muito
obrigado.
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BIBLOS, Rio Grande, 4:43-52,1992.
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BIBLOS, Rio Grande, 4:43-52,1992.
UFPR-SC/SA
BlaUÜTECÀ
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CDU ~2
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FRANCISCO DAS NEVES ALVES*
IN MEMORIAN
(PROF. HUGO ALBERTO PEREIRA NEVES - 1943 - 1990)
Existem pessoas que nascem exatamente "talhadas" para executar uma
determinada função social, cumprindo-a não apenas pelo compulsório motivo da
sobrevivência, mas sim atuando como se ela, naturalmente, fizesse parte de sua
existência. Nesse caso enquadram-se muitos daqueles que resolveram se dedicar à
vida de educador, e dentre esses, como típico exemplo, destacou-se a figura do Prof.
Hugo Alberto Pereira Neves.
Mesmo possuindo o título de Bacharel em Ciências Jurídicas, foi no
Magistério que encontrou sua real vocação e, sempre sustentando seus próprios
estudos, licenciou-se em Estudos Sociais e, posteriormente, em História. Trabalhou
assim, resgatando o papel das Ciências Humanas em quase todas as séries das escolas
rio-grandinas, tanto na rede pública quanto na particular, sendo já nesse momento
reconhecido o seu valor perante a comunidade.
Foi na Universidade do Rio Grande, porém, que o Prof. Hugo atingiu o
ápice de seu trabalho. Durante muito tempo, devido ao pequeno número de
professores, esse trabalho foi tremendamente árduo, com altíssima carga horária,
tendo ele ministrado com eficiência praticamente todas as disciplinas existentes no
Curso de História, lidando assim com as mais variadas matérias tanto em História
Geral como do Brasil. Para manter-se atualizado formou uma valiosa biblioteca,
motivo de um de seus maiores orgulhos.
Na Universidade, também trilhou brilhantemente pelos caminhos da
pesquisa histórica, desenvolvendo uma série de projetos, além de diversas outras
pesquisas apresentadas em congressos e artigos; procurou ainda promover novas
oportunidades para os estagiários de História, através de diversos projetos de ensino.
Em janeiro de 1980, deu importante passo em sua carreira, obtendo o
título de Mestre na Universidade Federal do Paraná, com a dissertação "A
Importância do Porto do Rio Grande na Economia do Rio Grande do Sul (1890 1930)", tendo a História Econômica como área de concentração.
Através de seu ccmpetente profissionalismo, tornou-se membro extremamente reconhecido em nossa comunidade e, com a constante participação em
encontros estaduais e nacionais, levou junto dele a representação do município do
Rio Grande. Dificilmente se encontrarão pessoas que, como ele, tenham conhecido
a história, os hábitos, as instituições e, principalmente, a gente desta cidade.
No ano de 1990, começou a realizar um de seus maiores sonhos - o
Doutorado - na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com o
*Prof. do Dep. de Biblioteconomia e História.
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BIBlOS,
Rio Grande, 4:43-52,1992.
BIBlOS, Rio Grande, 4:53-54.1992.
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tema "O Porto do Rio Grande e o Comércio Sul-Rio-Grandense durante o Período
Imperial (1822-1889)", o que infelizmente não conseguiu concretizar.
Nesse malfadado ano de 1990, perdia-se esta pessoa, que sempre, para
todos que o cercavam, confundia-se com a palavra "amizade", deixando insuperável
vazio entre sua família e seus amigos, além de grande número de planos que ficaram
sem ser concluídos.
Agora resta-nos pensar que, se existe este lugar chamado céu, é Ia que ele
está, colocando apelidos, como sempre foi seu costume, agora em anjos, arcanjos ou
santos e torcendo por cada um de nós, que tanto estamos carecendo de sua
presença.
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BIBLOS, Rio Grande, 4: 53-&4,1992.
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