SOBRE LEITURA
Percepção do dito e do não-dito
2ª série/Ensino Médio
Profª.: Maria Anna
Inferência
Inferência: um dos fatores de coerência, é a operação
pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o receptor de
um texto estabelece uma relação entre dois elementos: um
explícito e outro implícito. Se assim não fosse, nossos textos
teriam de ser excessivamente longos para poder explicitar tudo o
que queremos comunicar. Todo texto assemelha-se a um iceberg.
Um dos aspectos mais intrigantes da leitura de um texto é
a verificação de que ele pode dizer o que parece não estar
dizendo: além das informações explicitamente enunciadas, existem
outras que ficam implícitas: subtendidas ou pressupostas.
Que são pressupostos? São aquelas ideias não expressas de
maneira explícita, mas que o leitor pode perceber a partir de certas
palavras ou expressões contidas na frase.
Os subentendidos são as insinuações escondidas por trás de uma
afirmação. Quando uma pessoa com um cigarro na mão pergunta:
Você tem fogo?, acharia muito estranho se você dissesse: Tenho e
não lhe acendesse o cigarro. Na verdade, por trás da pergunta
subentende-se Acenda-me o cigarro, por favor.
O subentendido difere do pressuposto num aspecto importante: o
pressuposto é um dado posto como indiscutível para o falante e para
o ouvinte, não é para ser contestado; o subentendido é de
responsabilidade do ouvinte, pois o falante ao subentender, escondese por trás do sentido literal das palavras e pode dizer que não
estava querendo dizer o que o ouvinte compreendeu.
O subentendido, muitas vezes, serve para o falante proteger-se
diante de uma informação que quer transmitir para o ouvinte sem
se comprometer com ela.
Fonte: FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para
entender o Texto. 3 ed. São Paulo: Editora Ática, 1991.
Exercícios
1- Leia com atenção a tira a seguir:
a) Para que a tira seja realmente compreendida, há uma informação
escondida por trás do nome da tartaruga. O fato de Mafalda
chamar a tartaruga de “Burocracia” implica uma informação
fundamental relacionada a
esse modo de administração dos
negócios e serviços públicos. Qual é essa informação?
b) No contexto, o que se pode compreender dos quadrinhos de 2 a 5?
2- Leia com atenção a tira a seguir:
a) Nessa segunda tira, o que impediu Miguelito de entender o
porquê de a tartaruga se chamar burocracia?
b) Que informações explícitas na tira poderiam ajudar Miguelito a
relacionar o nome ao animal?
3- Enumere as informações implícitas indispensáveis para que se
possa ler verdadeiramente a charge a seguir.
4- Sublinhe nas frases abaixo os indicadores linguísticos de
pressupostos.
a) “Pedro deixou de fumar”
b) Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.
c) O caso do contrabando tornou-se público.
5- Explique o que pressupõe a oração adjetiva na frase a seguir.
Os candidatos a prefeito, que só querem defender seus interesses,
não pensam no povo.
Continuando a reflexão...
A VAGUIDÃO ESPECÍFICA
- Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
- Junto com as outras?
- Não ponha junto com as outras não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha
no lugar do outro dia.
- Sim senhora. Olha, o homem está aí.
- Aquele de quando choveu?
- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
- Que é que você disse a ele?
- Eu disse pra ele continuar.
- Ele já começou?
- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
- É bom?
- Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
- Você trouxe tudo pra mim?
- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar
até a véspera.
- Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e
ele reclama como na outra noite.
FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. 3.ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974.
INFERÊNCIAS
Horizontes de expectativas: conjunto representado pelos
códigos vigentes e a soma de todas as experiências sociais
acumuladas pelo receptor no decorrer da vida (suas leituras
passadas vão formando sua experiência de leitura, com a
criação de um repertório de referências que lhe servem como
base sobre a qual ele reconstrói sua leitura quando se depara
com uma obra nova).
Para entender a charge, é importante saber que ela retrata
Einstein.
Leitura com foco na interação autor-texto-leitor
Os
sujeitos
são
vistos
como
atores/construtores
sociais,
sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos
no texto, considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos
interlocutores. Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma gama de
implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se
tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes
da interação.
O texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que
pré-exista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa
altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza com base
em elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua
forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto
de saberes no interior do evento comunicativo.
Escrita e leitura: contexto de produção e contexto de uso
Depois de escrito, o texto tem uma existência independente do
autor. Entre a produção do texto escrito e sua leitura, pode passar
muito tempo, as circunstâncias da escrita (contexto de produção)
podem ser absolutamente diferentes das circunstâncias de leitura
(contexto de uso), fato esse que interfere na produção de sentido.
“O que são as palavras dormindo num livro? O que são
esses símbolos mortos?
Nada, absolutamente. O que é um livro se não o abrimos?
Simplesmente um cubo de papel e couro, com folhas;
mas se o lemos acontece algo especial, creio que muda a cada
vez.”
(Jorge Luís Borges)
“Não restam dúvidas de que é isto a leitura: reescrever o
texto da obra dentro do texto de nossas vidas.”
(Roland Barthes)
“A leitura, ressurreição de Lázaro, levanta a lápide das palavras.”
(George Perros)
INTERTEXTUALIDADE
Inter = entre
Entre textos
Relação entre textos
São muitos os caminhos da leitura; são muitos os
diálogos entre os textos. Como os homens, eles não
vivem sozinhos: uns influenciam outros, ou podem
opor-se a outros, apoiar, criticar, alimentar(-se de)
outros... Criam, assim, uma trama de infinitos fios,
que podemos percorrer com nossas leituras.
Quando os textos se cruzam por qualquer motivo,
ocorre o que chamamos intertextualidade.
Nenhum texto se produz no vazio ou se origina do
nada, ao contrário, alimenta-se de modo claro ou
subentendido de outros textos.
A
intertextualidade
pode
ocorrer
intencionalmente ou não, tanto na
forma, quanto no conteúdo, ou na
forma e no conteúdo.
Exemplo: “Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá”(Gonçalves Dias)
“ Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar” (Oswald de Andrade)
Pode-se observar que o segundo
poema
copia
o
primeiro
intencionalmente, tanto na forma
(versos), quanto no conteúdo(pátria).
Intertextualidade também intencional da obra de Botero.
BOM CONSELHO
Chico Buarque
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Conclusão:
Quando um determinado autor recorre a outros
textos para compor os próprios, certamente tem um
motivo muito claro – a construção de significados
específicos (crítica, reflexão, releitura, entre outras
coisas).
Percorrer o caminho inverso, ou seja, buscar esse
motivo e reconstruir o processo de produção leva a
desvendar tais significados, pois um texto completa
outro, lança luz sobre o outro.
Esse conhecimento, porém, não se dá por acaso
nem por obra da intuição, mas com um trabalho
bastante específico: o exercício da leitura.
TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar
Uma parte de mim é todo mundo
Uma parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem
outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte será arte?
Download

Oditoeonaodito