Física . Módulo 8 . Volume 1
FÍSICA MODERNA
PARTE I
Ana Paula Andrade
Ilhéus . 2013
Universidade Estadual de
Santa Cruz
Reitora
Prof Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
a
Vice-reitor
Prof. Evandro Sena Freire
Pró-reitor de Graduação
Prof. Elias Lins Guimarães
Diretor do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas
Prof. Roberto Carlos Felício
Ministério da
Educação
Física | Módulo 8 | Volume 1 - Física Moderna
1ª edição | Novembro de 2013 | 225 exemplares
Copyright by EAD-UAB/UESC
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Obra desenvolvida para os cursos de Educação a
Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC (Ilhéus-BA)
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Projeto Gráfico e Diagramação
João Luiz Cardeal Craveiro
Capa
Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho
Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora
Ficha Catalográfica
A553
Andrade, Ana Paula
Física moderna: módulo 8, volume 1 – EAD / Ana Paula Andrade –
Ilhéus, BA: EDITUS, 2013.
135 p.: il.
ISBN: 978-85-7455-339-9
1. Física. 2. Relatividade especial (Física). 3. Teoria quântica.
4. Física – História. 5. Físicos. I. Título.
CDD 530
EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Prof Dr Maridalva de Souza Penteado
a
a
Coordenação Adjunta UAB – UESC
Profa Dra Marta Magda Dornelles
Coordenação do Curso de Licenciatura em Física (EaD)
Prof. Dr. Fernando R. Tamariz Luna
Elaboração de Conteúdo
Profa Dra Ana Paula Andrade
Instrucional Design
Prof Ma. Marileide dos Santos de Oliveira
Profa Dra Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
a
Revisão
Prof. Me. Roberto Santos de Carvalho
Coordenação Fluxo Editorial
Me. Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho
DISCIPLINA
FÍSICA MODERNA
Profa Dra Ana Paula Andrade
EMENTA
Introdução à relatividade especial, primórdios da teoria
quântica, modelos atômicos de Thomson, Rutherford e Bohr, as
séries espectroscópicas, bases da mecânica quântica, equação
de Schrödinger e aplicações elementares.
Carga horária: 90 horas
O AUTOR
Ana Paula Andrade
Bacharel em Física pela UFMG – 1995
Mestre em Ciências e Técnicas Nucleares pela UFMG - 1998
Doutora em Astrofísica pelo INPE – 2003
Professora Adjunta da UESC desde 2007
E-mail: <[email protected]>.
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
O termo física moderna refere-se ao conjunto de
teorias desenvolvidas no século XX, tendo por base a
teoria da relatividade e a teoria quântica. Aterminologia
“moderna” foi introduzida como forma de distinguir as novas
teorias das teorias antecessoras, referenciadas pelo termo
física clássica. Pode-se dizer que esta distinção é bastante
oportuna, uma vez que os conceitos da física moderna
trouxeram novas concepções a respeito da natureza,
da descrição da matéria e dos fenômenos observados,
desafiando o método determinístico da física clássica.
Como veremos neste módulo, a partir das propostas
apresentadas no início do século XX, alterações profundas
foram introduzidas no entendimento de conceitos como:
espaço,
tempo,
posição,
trajetória,
simultaneidade,
medida e causalidade. Ao contrário do que se acreditava
até então, tempo não é uma grandeza absoluta, matéria
não tem comportamento único e imutável, enquanto a
dinâmica de uma partícula subatômica é regida pelas leis
da probabilidade! Estas são apenas algumas das novas
concepções introduzidas pela física moderna e que fizeram
emergir um novo cenário científico no campo da física.
Apesar das concepções e interpretações inovadoras,
ambas as teorias, da relatividade e quântica, representam
uma generalização da física clássica, sendo esta tratada
como casos especiais, não invalidando, de forma alguma,
os conceitos já estudados. Enquanto a teoria da relatividade
estende o campo de investigação da física clássica para
a região de altas velocidades e altas energias, a física
quântica estende o campo de investigação para regiões
de pequenas dimensões. Inicialmente, pode-se pensar
que os fenômenos relativísticos ou quânticos sejam
estranhos ou mesmo bizarros, uma vez que estão muito
além da realidade detectada por nossos sentidos. De fato,
nossa percepção da natureza é bastante limitada, mas,
ainda assim, não devemos nos furtar a discutir teorias e
conceitos revelados por meio das evidências experimentais.
Este foi o maior desafio vivido pelos físicos do século XX,
grandes nomes como Albert Einstein, Max Planck e Erwin
Schrödinger, dentre outros que iremos discutir nas próximas
Unidades. Esperamos que você, estudante, possa abrir a
sua mente aos novos conceitos que serão apresentados
e, consequentemente, desfrutar desta nova janela de
conhecimento aberta pela física moderna.
Neste módulo, iremos apresentar e discutir as
importantes descobertas dos séculos XIX e XX, bem como as
bases da física moderna sob a ótica da relatividade restrita,
a quantização de energia e os postulados da mecânica
quântica, enfatizando conceitos e aplicações. Esperamos
assim que, ao final deste módulo, você possa compreender
os argumentos que embasam a física moderna, que, apesar
de imperceptíveis, permeiam a nossa vida cotidiana.
ORIENTAÇÃO DE ESTUDO
Este texto foi elaborado pensando em você, estudante
a distância, que está cursando o módulo de física moderna
e precisa se inteirar dos conceitos e aplicações deste tema.
No intuito de fornecer uma visão mais ampla sobre o
assunto, ao longo do texto principal, serão apresentados:
o desenvolvimento histórico do tema, os conceitos
envolvidos, os critérios de análise e o detalhamento dos
cálculos.
Ao final de cada seção, quando pertinente, serão
apresentados exercícios resolvidos e comentados. Não
deixe de estudá-los antes de passar para a seção seguinte!
Caixas de curiosidade e lembretes foram introduzidos
de modo a complementar os argumentos fornecidos no
texto principal e devem ser analisados na sequência em
que aparecem, fique atento! E não se esqueça de analisar
detalhadamente
as
figuras
apresentadas,
estas
são
essenciais para compreensão e clareza dos argumentos
de análise.
Ao final de cada unidade, você encontrará um resumo
contendo
os
principais
conceitos
apresentados,
que
poderá ser útil para uma breve revisão, bem como uma
lista de exercícios propostos como atividade para fixação
do conteúdo. Não deixe de resolvê-los!
Tenha um ótimo estudo!
SUMÁRIO
UNIDADE 1
A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL .......................19
1 Introdução........................................................................ 21
2 Referenciais Inerciais......................................................... 22
3 Os Postulados da Relatividade............................................. 30
4 Conceito de Simultaneidade................................................ 31
5 A Relatividade do Tempo.................................................... 36
6 A Relatividade do Comprimento........................................... 42
7 As Transformadas de Lorentz.............................................. 46
8 Transformações de Velocidade Relativística........................... 56
9 Massa, Momento e Energia Relativística................................ 58
10 Conservação de Energia Relativística.................................. 68
11 Teoria da Relatividade Geral.............................................. 73
Resumindo.......................................................................... 74
Atividades........................................................................... 77
Bibliografia Consultada.......................................................... 81
UNIDADE 2
QUANTIZAÇÃO DE ENERGIA, ONDAS E PARTÍCULAS........83
1 Introdução..................................................................... 85
2 Emissão Térmica............................................................. 85
3 Radiação de Cavidade..................................................... 87
4 Catástrofe do Ultravioleta................................................ 93
5 A Quantização de Energia................................................ 96
6 Planck e a Quantização de Energia...................................102
7 O Efeito Fotoelétrico.......................................................106
8 A Explicação de Einstein para Efeito Fotoelétrico................108
9 O Efeito Compton..........................................................113
10 A Natureza Corpuscular da Luz......................................118
11 A Natureza Ondulatória da Matéria.................................119
12 Dualidade Onda-Partícula..............................................124
13 O Princípio da Incerteza................................................126
Resumindo......................................................................131
Atividades.......................................................................133
Bibliografia Consultada......................................................135
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
1ª
unidade
A TEORIA DA
RELATIVIDADE ESPECIAL
Nesta unidade, serão apresentados e discutidos os conceitos
e as implicações da teoria da relatividade especial de Einstein, a
saber:
•
•
•
•
•
•
•
conceito de espaço e tempo relativos;
os postulados da relatividade;
contração de Lorentz;
dilatação do tempo;
transformações relativísticas;
massa de repouso;
energia relativística;
Ao final desta unidade, o(a) aluno(a) será capaz de:
• ampliar os conceitos clássicos de movimento relativo, sob a
perspectiva relativística;
• compreender os efeitos relativísticos;
• conhecer as implicações da teoria da relatividade.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
19
Unidade
1
A Teoria da Relatividade Especial
1 INTRODUÇÃO
Até o presente momento, em todas as etapas do curso,
o tratamento dado ao estudo do movimento dos corpos
resultou da teoria newtoniana, sendo esta o alicerce da
física clássica. Segundo Newton, se conhecermos as
massas das partículas e as forças que atuam entre elas,
é possível conhecer o estado dinâmico do sistema em
qualquer instante futuro, em termos de seu estado inicial,
uma vez que o sistema mecânico pode ser completamente
descrito por meio do sistema de referência usado para
especificar as coordenadas das partículas. Entretanto,
em nosso cotidiano, frequentemente nos deparamos
com situações em que certo sistema de coordenadas se
desloca por meio da translação, (isto é, não girando) em
relação a outro sistema. Neste caso, como transformar a
nossa descrição do sistema de referencial antigo para este
novo sistema? Como ficam as equações de movimento
do sistema ao fazermos esta transformação? Estas são
as questões básicas tratadas pela teoria da relatividade
especial, teoria formulada por Einstein (com apenas 26
anos de idade!) no ano de 1905.
Quando as transformações necessárias envolvem
aceleração entre os dois sistemas e os efeitos adicionais
da gravitação, o tratamento é descrito pela teoria da
relatividade geral, também elaborada por Einstein,
mas somente em 1917. Pode-se dizer que a primeira
formulação nada mais é do que um tratamento especial da
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
Imagem 1.1: Albert Einstein em 1882
Fonte: http://th.physik.uni-frankfurt.
de/~jr/gif/phys/einst_4.jpg
21
Física Moderna
segunda, sendo esta última uma teoria geral mais ampla
sobre a dinâmica do espaço e tempo. Neste módulo,
trataremos apenas do caso em que os sistemas se movem
com velocidade constante, ou seja, movimento uniforme
descrito pela teoria da relatividade especial, também
chamada de teoria da relatividade restrita.
2 REFERENCIAIS INERCIAIS
Em nossa vida diária, as experiências e sensações
que observamos restringem-se a movimentos com
velocidades extremamente pequenas, quando comparadas
à velocidade da luz. Mas, apesar das experiências restritas,
uma simples observação do movimento de um automóvel
em relação a outro pode nos ajudar a entender como o
conceito de movimento é relativo. Imagine você no
interior de um ônibus parado em um sinal de trânsito,
ao lado de outro ônibus. Pela janela, observa quando o
sinal verde é aceso e finalmente vai seguir destino. Você
observa as janelas do outro ônibus se deslocarem, mas,
ao contrário do que esperaria, a traseira do outro ônibus
é avistada e você continua a ver o cruzamento à frente.
Somente quando observa o cruzamento é que percebe
que o outro ônibus arrancou e que, justamente, o seu
ônibus continua parado no sinal. Então você começa a
saiba mais
O
referencial
termo
inercial
refere-se
a
qualquer
referencial
que
se mova com velocidade
constante
a
outro,
em
ou
relação
seja,
um
referencial não acelerado.
As leis de Newton para
o
movimento,
por
exemplo, são válidas para
referenciais inerciais.
22
se dar conta de que não estava se movendo, era o outro
ônibus que seguia viagem. Todos nós somos “enganados”
desta forma, qualquer um que observa o movimento de
outro corpo tem o direito de pensar que está se movendo
enquanto o outro permanece parado, ou vice-versa. Isso
acontece porque o conceito de movimento é relativo,
uma vez que as leis da natureza são as mesmas para todos
os corpos em movimento uniforme, isto é, todos aqueles
em um referencial inercial.
Vamos inicialmente analisar o que diz a teoria
clássica de movimento. Considere uma partícula de massa
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Figura 1.1 – Um sistema de referência x’,
constante
em relação a um referencial
sejam colineares.
v
Unidade
1

m , em movimento sob a influência da força F , tratada em
termos de dois sistemas de referência, sistema S e sistema
S ’ . Para a determinação das coordenadas da partícula,
y’, z’, t’ se transladando com velocidade
x, y, z , t. Supomos que os eixos x’ e x
precisamos definir dois sistemas de três eixos ortogonais
que se interceptam em um ponto rotulado O no sistema S
, e o ponto O’ no sistema S ’ , respectivamente, sendo que o
primeiro sistema, S , se move com velocidade v em relação
ao segundo sistema, S ’ , em um sentido que, por construção,
é o sentido positivo dos eixos colineares x’, x .
Vamos definir que os tempos t e t’ medidos nos
dois referenciais são ambos nulos no instante em que
o plano y’z’ coincide com o plano yz. Segundo a física
clássica, tratamento newtoniano, o movimento da partícula
nestes dois sistemas pode ser descrito pelo conjunto de
coordenadas ( x, y, z , t ) e ( x’, y’, z’, t’), sendo que as relações
entre elas podem ser descritas como:
x ' = x − vt , analogamente: x = x ' + vt
y = y'
z = z'
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
23
Física Moderna
você sabia?
Sim, o princípio da transformação
galileana
remonta
a
Galileu
Galilei!
Galileu já afirmava desde o século XVII
que as leis da mecânica deveriam ser
as mesmas em todos os referenciais
inerciais.
é,
por
desta
A
primeira
assim
dizer,
importante
lei
de
uma
hipótese.
Newton
derivação
Einstein
estendeu as ideias de Galileu e Newton
e incluiu todas as leis da física em sua
consideração, incluindo ainda as leis do
Eletromagnetismo.
Imagem 1.2: Galileu Galilei
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Galileo.arp.300pix.jpg
t = t'
(1.1)
Estas relações definem as transformações de coordenadas de
um sistema para outro e são conhecidas como transformação
galileana.
De acordo com este tratamento, se os zeros da escala
de tempo utilizados nos referenciais diferentes são, por
definição, iguais em algum instante e posição, então, segundo
a física clássica, as duas escalas de tempo permanecerão as
mesmas para todos os instantes e todas as posições, ou seja,
t = t '.
Sabemos que as equações de movimento de Newton
no referencial S é tal que:
24
Física
Fx = m
d 2x
dt 2
Fy = m
d2y
dt 2
Fz = m
d 2z
dt 2
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
(1.2)
Diferenciando duas vezes as equações de (1.1) em
relação a t e lembrando que t = t ' , tem-se:
d 2x d 2x '
= '2
dt 2
dt
2
d y d2y'
= '2
dt 2
dt
d 2z d 2z '
= '2
dt 2
dt
(1.3)
Assim, pode-se mostrar que a aceleração da massa
m medida no referencial S será a mesma que a aceleração
medida no referencial S ’, ou seja, a transformação de
um sistema de coordenadas para outro não modifica a
aceleração medida. Portanto as equações de Newton,
as quais definem o comportamento da partícula, não
mudam mediante as Transformações de Galileu. Em

outras palavras, a componente da força F que atua sobre
m na direção dos eixos x e x’ é a mesma, qualquer que
seja o referencial observado:
Imagem 1.3: Isaac Newton
Fonte:http://www.bbc.co.uk/
science/space/universe/
scientists/isaac_newton
Fx = Fx '
Fy = Fy '
Fz = Fz '
(1.4)
Como as equações são equivalentes, em quaisquer
dos dois referenciais inerciais, pode-se dizer que os
comportamentos de todos os sistemas mecânicos serão
idênticos em todos os referenciais inerciais, embora
estes se movam com velocidade constante em relação
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
25
Física Moderna
uns aos outros. Este resultado é válido e comprovado
por um grande número de evidências experimentais,
entretanto não pode ser estendido para outras teorias. As
equações de Maxwell, por exemplo, aquelas que descrevem
o comportamento de sistemas eletromagnéticos, não são
invariantes frente às transformações de Galileu. Ou seja, as
equações de Maxwell mudam de forma matemática quando
você sabia?
O britânico James Clerck Maxwell (18311879) foi um dos mais importantes físicos
de todos os tempos. Maxwell foi o grande
responsável pela unificação dos fenômenos
de eletricidade, magnetismo e óptica. Em
seu trabalho, conseguiu organizar uma
série de experimentos eletromagnéticos
em
quatro
equações
diferenciais,
conhecidas como as equações de Maxwell.
Estas representam a formulação básica das
leis do eletromagnetismo, introduzindo a
descrição da realidade física em termos do
conceito de campos.
Imagem 1.4: James Clerck Maxwell
Fonte: http://www.browsebiography.com/bio-james_clerk_maxwell.html
submetidas às transformações galileanas, ao contrário das
equações de Newton. Por exemplo, quando utilizadas para
obter uma previsão da velocidade de propagação das ondas
eletromagnéticas (a luz), obtém-se um valor diferente da
velocidade.
O fato de a luz se deslocar com velocidade finita,
mas muito alta, foi verificado pela primeira vez em 1676,
pelo astrônomo dinamarquês Ole Christensen Romer.
Entretanto, foi apenas em 1865 que o físico inglês James Clerk
Maxwell previu a existência de ondas eletromagnéticas cuja
velocidade de propagação era de 3 x108 metros por segundo.
Entretanto a velocidade obtida por Maxwell aparecia nas
equações de maneira absoluta, ou seja, não era relacionada
a qualquer referencial específico. E mais, os mecanismos de
propagação destas ondas também não eram bem definidos.
A teoria eletromagnética de Maxwell simplesmente previa
26
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
a existência de campos eletromagnéticos se propagando
no espaço na forma de uma onda, mas a comprovação
experimental da existência de tais ondas só foi obtida,
em 1886, pelo físico alemão Heinrich Hertz. Hertz foi o
primeiro a gerar ondas de rádio no laboratório, mas ainda
restavam dúvidas quanto ao mecanismo de propagação
destas ondas. Assim como as ondas na superfície da água e
as ondas sonoras se propagam através de um meio mecânico,
respectivamente, a água e o ar, os físicos da época acreditavam
que as ondas eletromagnéticas também deveriam se propagar
por algum determinado meio. Entretanto este meio deveria
ser sem massa, uma vez que a luz é capaz de se propagar no
vácuo, mas, ainda assim, deveria ter propriedades elásticas
de modo a transmitir as vibrações associadas ao movimento
ondulatório. Acreditava-se então na existência de um meio
você sabia?
Quando entramos em um quarto escuro e acendemos uma
luminária, a impressão que temos é que a luz chega instantaneamente
em todos os lugares, chão, teto, parede. Mas não é bem assim! De fato, é
necessário certo tempo para que a luz emitida pela lâmpada se propague
no ambiente e atinja os anteparos. De fato, este tempo é muito pequeno,
e o atraso é imperceptível aos nossos olhos, mas a propagação, apesar
de muito rápida, não é instantânea! Medidas precisas indicam que a
velocidade da luz no vácuo,
c
, é 299.792.458 m/s, sendo pouquíssimo
menor no ar, devido à resistência do meio.
mecânico de propagação, denominado éter, cuja única função
era sustentar a propagação das ondas eletromagnéticas.
Desta forma, o vácuo existente deveria ser “preenchido”
por uma substância com propriedades elásticas intrínsecas,
exclusivas para a propagação da luz.
Mas a existência do éter foi bastante contestada
na época. Muitos físicos não acreditavam na existência de
um meio com características tão próprias para se adequar
à teoria, mas aceitavam a ideia da existência do mesmo
como meio de propagação. No entanto, em um sistema de
referência que se move com velocidade constante em relação
ao éter, as equações de Maxwell mudavam de forma quando
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
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Física Moderna
submetidas às transformações galileanas para calculá-las
no referencial em movimento. O resultado obtido era um
valor de velocidade diferente da velocidade c estimada.
Mas e se a fonte de luz estivesse se movendo? Poderíamos
esperar uma composição de velocidades, tal qual um barco
se movendo em direção às ondas? Se a luz fosse uma onda
se movendo por um meio que permeasse todo o espaço,
então, com o movimento de rotação da Terra, deveríamos
esperar velocidades distintas em direções distintas?
A fim de responder a esta questão, Albert
Michelson e Edward Morley realizaram, em 1887, uma
importante experiência para a investigação da velocidade da
luz. Eles mostraram que a velocidade da luz tem o mesmo
valor, c , quando medida em direções perpendiculares
em um sistema de referência que se supõe estar em
movimento através do referencial do éter, contrariamente
ao que era esperado. A experiência foi planejada com a
intenção de estudar o movimento da Terra em relação
ao éter. A proposta era medir a velocidade
da luz em duas direções perpendiculares,
a partir de um sistema de referência fixo
à Terra. Para tanto, eles construíram um
aparelho tipo um interferômetro com
sensibilidade suficiente para detectar a
Imagem 1.5: Albert Michelson
(esquerda) e Edward Morley (direita)
Fonte: http://www.epola.co.uk/
epola_org/michelson.html
28
pequena diferença de velocidade da luz
associada ao movimento da Terra em
relação ao éter. Para grande surpresa
dos pesquisadores, as velocidades perpendiculares
eram iguais! E eles estavam corretos, muitos outros
experimentos se sucederam na tentativa de aperfeiçoar as
medidas, mas nenhuma diferença foi observada. Apesar
das considerações teóricas, a experiência de MichelsonMorley mostrou que a velocidade da luz independe do
movimento do observador e do movimento da fonte, ou
seja, a propagação da luz é isotrópica, e não há um sistema
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
especial de referência, ou referencial do éter.
Einstein foi o primeiro a mostrar, em 1905, que o
conceito de éter era desnecessário. Segundo ele, a luz se
propaga no vácuo, que é realmente vazio, e com velocidade
constante, c. Portanto a velocidade da luz é a mesma
para todos os observadores inerciais, não importando a
direção ou o movimento da fonte nem do observador. Esta
constatação foi apresentada por Einsten na forma de um
postulado. Einstein, assim como outros físicos de renome
(H. Poincaré e H. A. Lorentz), compreendeu que a natureza
da luz não confirmava as leis de transformação das variáveis
eletromagnéticas em relação à transformação de Galileu. A
genialidade de Einstein ficou evidente diante da interpretação
para o significado físico e as consequências deste novo
você sabia?
Apesar
das
evidências
contrárias,
muitos físicos da época, incluindo-se o
próprio Michelson (que mais tarde se
tornou o primeiro americano a receber
o prêmio Nobel de Física), acreditavam
ferrenhamente na existência do éter
e tentaram formular explicações ou
teorias para justificar o resultado obtido
pelo experimento. Dentre as diversas
justificativas destacam-se a “hipótese
do arrastamento do éter” e a “teoria da
emissão”. A primeira delas supunha que
o referencial do éter seria localmente
fixo a todos os corpos de massa finita
e, assim, o éter se arrastaria com o
movimento. Entretanto, esta hipótese
Imagem 1.6: Albert Einstein em 1893
Fonte: http://www.alberteinsteinsite.
com/einsteinyoung.html
vai
de
estelares
encontro
que
às
mostram
observações
o
efeito
cinemático de variação na posição de
estrelas distantes, associadas ao movimento da Terra em torno do Sol,
e, assim, não pode ser válida. Na hipótese de arraste do éter, este efeito
denominado “aberração da luz” não existiria se o referencial do éter fosse
arrastado com a Terra. Na teoria da emissão, as equações de Maxwell são
modificadas de modo a associar a velocidade da luz à velocidade da fonte.
Porém esta teoria estaria em conflito com a observação da luz oriunda
de estrelas binárias. Estas correspondem a um par de estrelas que giram
rapidamente em torno do centro de massa do sistema, sendo que uma
se afasta da Terra enquanto a outra se move em direção à Terra. Neste
caso, a velocidade da luz observada de uma estrela deveria ser distinta
da velocidade da luz observada para a estrela companheira. No entanto, o
movimento observado das estrelas binárias é precisamente explicado pela
teoria newtoniana, quando a velocidade da luz emitida é considerada com
módulo independente do seu movimento.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
29
Física Moderna
conceito que culminaram na teoria da relatividade. Esta,
Princípio da Relatividade:
As leis da física são as mesmas em todos os
sistemas de referência inerciais, apesar de estes
sistemas se moverem uns em relação aos outros.
Não existe referencial inercial privilegiado. Todos
os referenciais inerciais são completamente
equivalentes para todos os fenômenos.
por sua vez, é embasada por dois princípios importantes
que estendem os conceitos clássicos de espaço e tempo,
abandonando o paradigma newtoniano de tempo absoluto,
e introduzindo o conceito da relatividade.
3 OS POSTULADOS DA RELATIVIDADE
O princípio da relatividade, considerado o postulado
fundamental da teoria da relatividade, não afirma que os
Postulado da Velocidade:
A velocidade da luz no vácuo tem sempre o
mesmo valor c em todas as direções e em todos
os sistemas inerciais.
valores das grandezas são idênticos em todos os referencias
inerciais! As grandezas geralmente são diferentes para
diferentes observadores (isto é, diferentes sistemas de
referência), mas as leis da física que relacionam estas
grandezas são as mesmas em diferentes referenciais inerciais.
O postulado da relatividade pode ainda ser
interpretado como a existência de uma velocidade limite
na natureza, c, que assume sempre o mesmo valor em
todas as direções e diferentes referenciais inerciais. Esta é a
velocidade de propagação da luz. Portanto a velocidade da
luz independe da direção ou velocidade da fonte emissora.
Com estes postulados, Einstein incluiu as leis do
30
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
Eletromagnetismo e da Ótica no princípio de relatividade
de Galileu, o qual considerava a equivalência de referenciais
apenas para leis da mecânica. Entretanto, estes postulados
exigiam que Einstein modificasse ou as equações de Maxwell
ou as transformações de Galileu, visto que ambas eram
incompatíveis com as medidas de velocidade da luz. Em seu
trabalho, Einstein optou por modificar as transformações de
Galileu, o que culminou na introdução de novos conceitos
de simultaneidade dos eventos no espaço e tempo.
4 CONCEITO DE SIMULTANEIDADE
A mais notável consequência da teoria da relatividade
foi a maneira como ela revolucionou os conceitos de espaço e
tempo. Se antes, de acordo com a teoria newtoniana, o efeito
gravitacional era instantâneo, ou seja, se deslocássemos
uma determinada massa de lugar (por exemplo, o nosso
Sol), imediatamente os efeitos deste deslocamento seriam
sentidos por uma massa vizinha (por exemplo, a Terra).
Mas, se não é possível emitir sinais com velocidade infinita,
nem mesmo sinais com velocidades superiores a c, então
os conceitos clássicos de espaço e tempo precisavam ser
modificados. Para entender o que estava errado, vamos
analisar a transformação de Galileu para a coordenada de
tempo (1,1):
t =t'
Esta equação estabelece que as escalas de tempo no
sistema S e S’ são as mesmas para todos os lugares e todos
os instantes de tempo. Em outras palavras, pode-se dizer
que existia uma escala de tempo universal para todos os
referenciais, ou seja, perante a física clássica, o conceito de
tempo, até então era absoluto! Portanto dois observadores
deveriam sempre concordar quanto aos intervalos de tempo
medidos entre dois eventos. Já na teoria relativística surgem
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
31
Física Moderna
novas e importantes implicações oriundas da constatação de
que a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores
em referenciais inerciais. Vejamos, a seguir, como as novas
concepções de espaço e tempo emergiram naturalmente da
nova teoria.
Suponha que você seja um passageiro destinado a
pegar o ônibus das 8 horas na praça principal da sua cidade.
Você já se perguntou o que isto significa? Pois bem, este
compromisso representa um evento no espaço-tempo: você
estar em determinado local, no exato momento em que os
ponteiros do seu relógio coincidirem com a marcação das
Portanto, a definição de um evento é algo que ocorre
de tal modo que um observador pode associá-lo a três
coordenadas espaciais e uma coordenada temporal.
8 horas! Mais especificamente, o evento “estar na praça às
8 horas” implica de você estar nas coordenadas espaciais
definidas para a posição “praça” no momento em que a
coordenada temporal, indicada pelos ponteiros do seu
relógio, marcar 8 horas.
Mas, cadê o ônibus? Vejamos, se o relógio da empresa
de transporte estiver sincronizado com o seu (e o trânsito
estiver livre!), o ônibus também deverá estar na praça às
exatas 8 horas. Assim, podemos dizer que você chegar à praça
no momento em que os ponteiros do seu relógio indicarem
8 horas e o ônibus também chegar neste exato momento são
eventos simultâneos. Mas e se o seu relógio estiver atrasado?
Provavelmente você irá perder o ônibus e irá reclamar da
empresa de transporte por não oferecer o serviço. Mas
por certo que a determinação de eventos simultâneos que
acorrem exatamente na mesma posição não é difícil, basta
que você ajuste o seu relógio com o relógio da empresa
de transporte e se apresse para estar na praça no horário
32
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
marcado! Mas, quando dois eventos ocorrem em posições
distantes, as dificuldades aparecem. Este é o problema
básico na determinação de escalas de tempo, a dificuldade
de sincronização dos indicadores de tempo, os relógios.
Esta dificuldade não se limita ao bom funcionamento dos
relógios, mas sim na dificuldade de transmissão dos sinais. Se
você estiver na praça, basta perguntar as horas no balcão da
empresa e ajustar o seu relógio; mas se você estiver em outra
posição, vai depender de algum meio de transporte do sinal
de resposta, por exemplo, o sinal do telefone celular. Caso
fosse possível enviar sinais com velocidade infinita, você
receberia a resposta (via telefone celular) instantaneamente
e a tarefa de sincronização seria fácil. No entanto, nenhum
sinal pode viajar a velocidade superior a c e, portanto, o sinal
que você recebe via celular (cujo meio de transmissão são
ondas eletromagnéticas na frequência de microondas) está
sempre atrasado!
Por certo que o atraso inerente à propagação das
ondas eletromagnéticas de uma localidade a outra dentro da
sua cidade é totalmente desprezível (e você nunca poderá
usar esta desculpa por perder o ônibus!); mas quando
consideramos grandes separações espaciais, o tempo de
propagação do sinal não pode ser desprezado. Este foi o
erro cometido por Galileu, e também repetido por Newton,
considerar implicitamente a capacidade de sincronização
do tempo. De acordo com a teoria newtoniana, o sinal
gravitacional emitido pelo Sol seria instantaneamente
recebido na Terra, mas hoje sabemos que este sinal demora
cerca de 8 minutos para chegar a nós. Portanto a luz que
você observa da sua janela agora foi emitida pelo Sol
aproximadamente 8 minutos atrás! Mas então, qual é a
definição de “agora”?“Agora” representa o tempo que eu
recebo o sinal aqui na Terra ou o tempo no qual o sinal foi
emitido pelo Sol? Dois observadores, um na Terra e outro
no Sol, dificilmente irão concordar quanto às coordenadas
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
33
Física Moderna
temporais de um evento. E não se trata apenas de uma
particularidade das radiações eletromagnéticas, qualquer
“sinal” que se propague à velocidade finita implicará nessas
diferenças de coordenadas, visto que o tempo necessário
para que o sinal chegue até o observador também será finito.
A questão essencial é a limitação das velocidades (que por
definição corresponde à distância dividida pelo tempo) e as
implicações decorrentes para o conceito de espaço e tempo.
Na teoria de Newton, se um sinal é emitido de uma
posição para outra, os respectivos observadores deverão
concordar com o tempo gasto na trajetória do sinal, uma vez
que o tempo era considerado absoluto, mas os diferentes
observadores iriam discordar quanto à posição dos eventos.
Por consequência, a velocidade estimada para o sinal emitido
corresponderia à distância observada por cada um dividida
pelo tempo observado. Neste caso, as grandezas estimadas
para a velocidade do sinal recebido seriam diferentes. Já
na teoria da relatividade, esta condição não é aceita e o
contexto é exatamente oposto: ambos observadores deverão
concordar quanto à velocidade do sinal. Podem discordar da
posição e do tempo percorrido, mas a velocidade do sinal
será sempre a mesma!
Em resumo, um determinado evento pode ser
observado por um número irrestrito de observadores, cada
qual em seu próprio sistema de referência. Entretanto,
observadores situados em diferentes sistemas registrarão
grandezas diferentes para as coordenadas do espaço-tempo.
Lembre-se que um evento é um fato isolado que não é próprio
de nenhum referencial, ou seja, não “pertence” a nenhum
referencial inercial. Os eventos simplesmente ocorrem
e qualquer observador pode associá-los a um sistema de
coordenadas próprias. Portanto não existe a necessidade de
concordância das coordenadas, visto que nenhum referencial
é privilegiado. Em suma, a simultaneidade é relativa!
Esta nova concepção de simultaneidade no tempo,
34
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
ao contrário das considerações newtonianas, estabelece
que o tempo não é uma grandeza isolada, com significado
absoluto e independente da localização espacial, mas sim
que espaço e tempo se combinam para formar um elemento
composto denominado espaço-tempo. Assim, é intuitivo
Um evento ocorrendo em um tempo t1 e posição x1
é simultâneo a um evento ocorrendo em tempo t2 e
posição x2 se os sinais emitidos em t1 de x1 e em
t2 de x2 chegarem simultaneamente ao ponto médio
entre x1 e x2 , medido geograficamente.
pensar nas quatro coordenadas de um evento (três espaciais
e uma temporal) como coordenadas de um espaço único
quadridimensional chamado espaço-tempo. Esta constatação
levou Einstein a definir um novo conceito de simultaneidade
para eventos separados:
Portanto dois eventos separados localmente serão
considerados simultâneos para um observador situado no
Figura 1.2 – Ilustração da definição de simultaneidade dada por Eisntein.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
35
Física Moderna
ponto médio entre as duas posições, se, e somente se, os
sinais emitidos por ambos chegarem simultaneamente a ele.
Vide Figura 1.2. A definição de simultaneidade de Einstein
mistura diretamente as coordenadas espaciais e temporais
dos eventos, ao contrário do conceito clássico.
Uma consequência direta deste novo conceito de
simultaneidade é que dois eventos que são considerados
simultâneos em um sistema de referencial inercial não serão
simultâneos em outro referencial que se move em relação ao
primeiro. Em outras palavras, quando existe um movimento
relativo entre dois observadores, geralmente, eles não
concordam acerca da simultaneidade de dois eventos que
estejam observando. Se um observador disser que os dois
eventos são simultâneos, o outro dirá que não são e viceversa! Não é possível julgar qual deles está certo ou errado,
pois a simultaneidade não é um conceito absoluto, mas sim
um conceito relativo, visto que é dependente do movimento
do observador. Por certo que, em nossas experiências diárias,
a diferença entre os eventos é tão pequena, uma vez que as
velocidades dos observadores são baixas quando comparadas
com a da luz, que os observadores acabam concordando
quanto ao conceito de simultaneidade. Mas não podemos
deixar de considerar a diferença resultante quando a
velocidade relativa entre os observadores é comparável a c.
5 A RELATIVIDADE DO TEMPO
Vamos considerar uma experiência imaginária para
analisar os efeitos da relatividade em uma sucessão de
eventos detectados por dois observadores, enquanto um
se move em relação ao outro. Imagine um casal de amigos,
Ana e Paulo, os quais ajustaram seus respectivos relógios
rigorosamente sincronizados. Ana está viajando em um trem
que se move a velocidade v, indo ao encontro de Paulo. Este
36
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
aguarda ansiosamente por ela na plataforma da estação. Ao
se aproximar da plataforma, Ana liga sua ponteira laser e
emite um sinal luminoso direcionado para o teto do trem,
onde há um espelho refletor. Assim, podemos definir dois
eventos sucessivos:
Evento 1: Ana emite o sinal de laser.
Evento 2: a luz refletida no espelho do teto do trem retorna
à posição de Ana.
O intervalo de tempo decorrido entre estes dois
eventos observados por Ana pode ser estimado como:
∆t ' =
2D
,
c
(1.5)
Sendo D a distância entre a fonte de laser e o espelho
no teto do trem. Para Ana, ambos os eventos acontecem no
mesmo local e, assim, ela pode medir o intervalo de tempo
com o seu relógio de pulso. Ela então marca, inicialmente, o
tempo no instante em que o laser é emitido e, posteriormente,
o tempo em que a luz retorna à fonte. Esta medida de tempo
estimada em dois momentos distintos, com um único
relógio em repouso em relação ao observador, denominase intervalo de tempo próprio. Em nosso exemplo, este é o
valor de ∆t ', mas é usual denominá-lo por ∆t0 . Mas e qual é
a percepção de Paulo parado na plataforma da estação?
Paulo observa a passagem do trem onde Ana está
Figura 1.3 – Ana mede o
intervalo de tempo que a
luz leva para ir e voltar,
usando um único relógio C,
obtendo um tempo próprio
∆t0 . Paulo, examinando
a
passagem
do
trem,
precisa de dois relógios
sincronizados, C1 e C2, para
medir o intervalo de tempo
∆t.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
37
Física Moderna
viajando. Para ele, a distância percorrida pelo laser emitido
por Ana é um pouco maior que a distância observada por
Ana, vide Figura 1.3.
Em seu percurso de ida e volta ao teto, a luz observada
por Paulo percorre a distância 2L , sendo que o tempo
estimado por ele para a trajetória total é:
∆t =
2L
,
c
(1.6)
onde:
2
1

L =  v∆t  + D 2
2

(1.7)
Mas, de acordo com (1.5),
D=
1
c∆t ',
2
então:
2
1
 1

L =  v∆t  +  c∆t ' 
2
 2

2
(1.8)
Substituindo o valor de L dado pela equação (1.8) na
equação (1.6),
tem-se que:
38
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
v
1−  
c
2
,
1
∆t '
Unidade
∆t =
(1.9)
Como v é sempre menor que c, de acordo com
a equação (1.9), o intervalo de tempo medido por Paulo
será sempre maior que o intervalo de tempo medido por
Ana, ou seja, o intervalo de tempo próprio.
Em síntese:
Ana e Paulo possuem relógios com funcionamento
Imagem 1.7: Albert Einstein em 1904
Fonte: http://de.listofimages.com/
albert-einstein-1904-in-bern/
idêntico e sincronizado. Ambos medem o intervalo
de tempo entre dois eventos sucessivos. Ana está num
referencial em repouso em relação aos eventos, visto que
ambos ocorrem no trem em movimento onde ela está
inserida, de modo que ela pode usar um único relógio
para medir o intervalo de tempo. Para Paulo, os eventos
ocorrem em pontos distintos no seu referencial e ele
necessita de dois relógios idênticos e sincronizados para
estimar o intervalo de tempo entre os eventos, sendo
que cada um deles fica localizado no ponto onde ocorre
o respectivo evento. Paulo verifica que, independente da
velocidade do trem, o intervalo de tempo que ele estima
para os eventos é sempre maior que o intervalo de tempo
estimado por Ana. Este efeito relativístico é denominado
efeito de dilatação do tempo. Nenhuma medição de
qualquer observador, nem Paulo nem Ana, está errada,
este é simplesmente um efeito da própria natureza, cada
referencial tem o seu tempo. Apenas o referencial em
repouso em relação aos eventos é dito referencial de
tempo próprio, mas ambas as medidas estão corretas!
Importante notar que, para Paulo, os dois eventos
ocorrem em locais distintos da plataforma e, para a medida
de ∆t , são necessários dois relógios distintos, C1 e C 2 ,
localizados nos dois pontos diferentes do seu sistema de
referência. Neste caso, intervalo de tempo estimado por
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
39
Física Moderna
Paulo não é intervalo de tempo próprio, dado à necessidade
de posicionamento de dois relógios.
Importante salientar que o efeito da dilatação do
tempo não se aplica somente ao compasso dos relógios, mas
igualmente a todos os fenômenos naturais que dependem
do tempo, incluindo tempo de vida! Assim sendo, uma das
considerações a respeito deste tema nos leva ao contexto
conhecido como: Paradoxo dos gêmeos.
Considere dois irmãos gêmeos. Um deles parte em
uma nave espacial para viajar pelo Cosmos e depois retorna
à Terra, onde o outro irmão o está aguardando. Em relação
ao irmão que ficou, o viajante teve sua percepção do tempo
mais lenta, assim como o seu corpo físico, ou seja, as
batidas do coração, a respiração e o desgaste celular também
seguiram ritmos diferentes, mais lentos. Embora o viajante
estivesse com seu relógio de pulso e não tenha notado
nenhuma alteração em seu tempo próprio, o irmão que
ficou vai aparentar mais idade no momento do reencontro!
Poderia estar até mesmo morto, sendo representado apenas
por sua neta!
Mas você deve estar se perguntando: porque o
viajante não considerou a dilatação do tempo em relação
ao irmão que ficou? Se ele fizesse esta correção, chegaria à
conclusão de que está mais velho do que o irmão! Mas como
o viajante pode estar fisicamente mais jovem, se a idade
cronológica indica que ele está mais velho? Este contexto
é conhecido como Paradoxo dos gêmeos. Mas como pode
um ser mais jovem do que o outro? Qual deles realmente
envelheceu mais do que o outro? Ou será que ambos têm a
mesma idade?
As conclusões aparentemente contraditórias surgem
porque os tempos estão sendo estimados em diferentes
referenciais inerciais. De fato, não há nenhum paradoxo, o
irmão viajante será efetivamente mais jovem quando retornar
a casa! O viajante não deve “corrigir” seu tempo levando em
40
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
conta o efeito da dilatação, pois, em seu percurso de viagem,
ele sofreu acelerações, deixando de estar em um referencial
inercial e, portanto, a simetria de tempo entre os irmãos é
quebrada. Apenas o irmão na Terra esteve em um referencial
inercial todo o tempo. E, assim, o paradoxo é resolvido, não
há nenhuma contradição! O paradoxo só existe para quem
EXERCÍCIO RESOLVIDO
considera o tempo absoluto. Na teoria da relatividade
não há tempo absoluto, ou seja, cada indivíduo tem
sua própria medida de tempo, sendo esta dependente
de onde você está e como está se movendo.
Calcule a velocidade relativa de um relógio
necessária para que um observador estacionário
verifique que a taxa do seu relógio se reduz à metade
da taxa do relógio idêntico que se move em relação a
ele.
Solução:
A pessoa que se move juntamente com o
relógio registra um intervalo de tempo próprio ∆t 0 ,
uma vez que o relógio está em repouso em relação a
ela. A pessoa que observa o relógio móvel registra um
tempo dilatado ∆t para este relógio. De acordo com o
enunciado do problema, temos que ∆t = 2∆t 0 . Então,
tem-se:
γ =2=
1
1− β 2
Elevando ao quadrado:
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
41
Física Moderna
(
)
4 1− β 2 = 1
Portanto:
β = 3 4 = 0,866
Assim, o relógio deverá deslocar-se com uma
velocidade relativa igual a 87% da velocidade da luz para que
o fator de dilatação do tempo seja igual a 2. Esta velocidade
corresponde a circular o equador da Terra 6,7 vezes em um
segundo.
6 A RELATIVIDADE DO COMPRIMENTO
A dificuldade em estabelecer a simultaneidade dos
eventos no espaço-tempo implica em outra dificuldade
inerente aos referenciais em movimento. A propósito, você
já tentou medir o comprimento de um peixe nadando no
interior de um aquário? Pode imaginar a dificuldade inerente
a esta medida?
Inicialmente, vamos considerar o mesmo exemplo
da seção anterior, Ana viajando de trem, Paulo aguardando
sua chegada na plataforma, enquanto Ana emite um sinal de
laser para o teto do trem. Imagine se Paulo resolve estimar
a distância percorrida pelo trem entre os momentos de
emissão do sinal de laser até o retorno do sinal refletido
no espelho. Imagine que Paulo coloca uma trena sobre a
plataforma, cujas extremidades coincidem com a posição
dos relógios C1 e C2 . Chamaremos de L o comprimento da
trena medida no referencial de Paulo, o referencial no qual a
trena está em repouso. Então, qual será o comprimento da
trena estimado por Ana de dentro do trem?
No referencial de Ana, isto é, o do trem, a trena
42
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
está se movendo em uma direção paralela a seu próprio
comprimento. Como a velocidade de Ana em relação a Paulo
é v, a velocidade de Paulo, e também da trena, em relação
a Ana tem que ser exatamente – v. Caso contrário, haveria
uma assimetria inerente aos dois referenciais e isto não é
permitido na teoria da relatividade. Sendo t 0 o intervalo de
tempo medido por Ana entre os extremos da régua em C1 e
C2 , então o comprimento da régua estimado por Ana será
dependente deste intervalo de tempo t ', ou seja:
L ' = vt '
(1.10)
Também é possível estabelecer uma equação relacionando
as grandezas correspondentes medidas por Paulo. Para ele:
L = vt
(1.11)
Combinando ambas as equações e eliminando v, tem-se:
L' =
L
t'
t
(1.12)
Mas, de acordo com a dilatação do tempo:
t'
v2
= 1− 2
t
c
(1.13)
Portanto, substituindo a equação (1.13) em (1.12), tem-se:
L ' = L 1−
v2
c2
(1.14)
Este resultado implica que a medida realizada
2
2
por Ana será sempre menor por um fator 1 − v / c ,
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
43
Física Moderna
Imagem 1.8: Albert Einstein em
1912
Fonte:http://th.physik.uni-frankfurt.
de/~jr/physpiceinstein.html
quando estimada em um referencial que se move em
direção paralela ao seu próprio comprimento, do que o
comprimento medido em um referencial em repouso,
referencial da plataforma, isto é, o mesmo de Paulo. O
comprimento da trena medido no referencial no qual
ela está em repouso é chamado comprimento próprio.
Em nosso exemplo, o comprimento próprio da trena
corresponde à medida L, mas é usual denominá-lo de L0 .
O efeito resultante das medidas discrepantes
realizadas do referencial em movimento é chamado
efeito de contração do comprimento, mas também é
conhecido como contração de Lorentz. Este é mais
um efeito decorrente da dificuldade em definir eventos
simultâneos e, sendo assim, é intuitivo pensar que a
medida de comprimento também deve ser relativa. Uma
vez que Ana não tem como assegurar a simultaneidade
dos eventos de passagem do trem pela trena, visto que o
trem está em movimento, a medida estimada por ela será
sempre discrepante em relação ao comprimento próprio
da trena.
Vamos agora voltar ao problema da medição do
comprimento de um peixe que nada livremente em um
aquário. Você já sabe como estimar? Então vejamos:
seja L0 o comprimento próprio do peixe, isto é, o
comprimento medido por um observador em repouso
em relação ao peixe. Se o peixe se move paralelamente
a você, então o comprimento L que você medirá, se a
velocidade do peixe for v, é dado pela equação (1.14):
L = L0 1 −
v2
c2
Assim, o comprimento de um objeto que se
44
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
1
saiba mais
Unidade
Mas você deve estar se perguntando, o peixe realmente encolhe? Os
átomos e moléculas do peixe realmente se “comprimem”? Por certo
que não, caso contrário o peixe não sobreviveria! A contração do
comprimento é um efeito resultante do processo de medida em um
referencial que se move. O correto é você pensar que a medida é
afetada pelo movimento, mas não o objeto!
EXERCÍCIO RESOLVIDO
move em relação a você será sempre menor do que
o comprimento próprio do referido objeto. Este é
um efeito real da teoria da relatividade. Assim como a
dilatação do tempo, a contração do comprimento é um
efeito mensurável.
Duas espaçonaves, cada uma com o comprimento
próprio L0 = 230m, passam uma pela outra, conforme
indicado pela Figura 1A. Sônia, localizada no ponto A de
uma espaçonave, mede um intervalo de tempo de 3, 75µ s
Figura 1A – Sônia mede o comprimento da espaçonave de Sam quando as duas naves se
cruzam.
para a passagem da outra nave. Qual é o parâmetro de
velocidade relativa entre as duas espaçonaves? Considere
AB como a coincidência do ponto A com o ponto B e
AC a coincidência de A com C .
Solução:
O intervalo de tempo entre os eventos AB e AC ,
medidos por Sônia, usando um relógio situado no ponto
A, é um intervalo de tempo próprio ∆t0 = 3, 75µ s. O
comprimento L que Sônia mede da outra espaçonave é
próprio, sendo dado por:
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
45
Física Moderna
L = v∆t0 = β c∆t0
Contudo, Sônia sabe que o comprimento próprio
da outra espaçonave vale L0 = 230m, sendo:
L
L = 0 = L0 1 − β 2
γ
Igualando as duas expressões anteriores, tem-se:
β c∆t0 = L0 1 − β 2
Elevando ao quadrado e explicitando β :
β=
L0
( c∆t0 )
2
+ L20
β=
230m
( 3, 00 x10 m / s ) ( 3,57 x10 s ) + ( 230m )
2
8
−6
2
2
= 0, 210
Portanto as duas espaçonaves afastam-se com uma
velocidade relativa de 21% à velocidade da luz.
7 AS TRANSFORMADAS DE LORENTZ
Nas últimas seções, discutimos os efeitos decorrentes
da teoria relativística para descrição de eventos sucessivos
realizados por observadores em diferentes referenciais
inerciais, os efeitos da dilatação do tempo e o efeito de
contração do comprimento. Nesta seção, vamos finalmente
obter as equações de transformações de coordenadas
46
Física
EAD
Unidade
de um sistema para outro, sob a ótica relativística.
Conforme discussão anterior, seção 1.2, você deve se
recordar de que a transformação clássica, considerada
por Galileu e Newton, é incompatível com o conceito
de velocidade constante da luz. No entanto, em nossa
experiência diária, limitada a casos em que as velocidades
envolvidas são muito baixas quando comparadas a c, as
transformações galileanas, equações (1.1), correspondem
satisfatoriamente à realidade observada. Apenas
para velocidades comparáveis à velocidade da luz as
transformações galileanas discordam das evidências
experimentais. Assim sendo, podemos esperar que
o tratamento relativístico se reduza ao tratamento
clássico quando v  c. Vejamos agora como obter as
transformações relativísticas.
Considere uma terceira experiência imaginária,
envolvendo os observadores O e O’, sendo que o
observador O’ se movendo relativamente a O, com
velocidade de módulo v, no sentido positivo do eixo dos
x e x’, tal qual representamos na Figura 1.1(seção 1.2).
Os planos xy e x’ y’ são sempre coincidentes e as origens
dos seus sistemas de coordenadas coincidem no instante
t = t ' = 0. Neste instante, O’ produz um sinal luminoso
em sua origem, o qual produz uma frente de onda
luminosa que se expande, a partir do ponto de emissão,
com velocidade c em todas as direções. Assim, no sistema
S ’, a frente de onda em um tempo t’ será uma esfera,
centrada na origem, de raio r ' = ct ' . As coordenadas de
um ponto qualquer pertencente à frente de onda neste
instante deverão satisfazer à equação de uma esfera:
1
A Teoria da Relatividade Especial
Imagem 1.9: Hendrik Antoon Lorentz
Fonte: http://www.nobelprize.
org/nobel_prizes/physics/
laureates/1902/lorentz-bio.html
x '2 + y '2 + z '2 = c 2t '2
(1.15)
Analogamente, no sistema S , as coordenadas da
frente de onda serão:
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
47
Física Moderna
x 2 + y 2 + z 2 = c 2t 2
(1.16)
E como encontrar a relação entre estes dois sistemas
de coordenadas? De acordo com as discussões anteriores, já
sabemos que as grandezas relativas ao tempo e à posição, ao
longo do eixo de deslocamento entre os sistemas, deverão
ser discrepantes. Então, vamos considerar que a forma a
seguir seja válida para as equações de transformação:
x ' = γ ( x − vt )
y' = y
z' = z
t ' = γ (t + δ ) ,
(1.17)
sendo γ uma grandeza adimensional e ä uma grandeza com
dimensões de tempo. Nossa tarefa então será determinar as
expressões de γ e δ . Por simples analogia com o tratamento
clássico, já sabemos que, quando v → 0, devemos ter:
c
γ → 1 e δ → 0. E assim as equações (1.17) se reduziriam às
transformadas galileanas no limite clássico.
Substituindo as transformações descrita sem (1.17)
na expressão de (1.15), o resultado esperado seria obter uma
expressão similar a (1.11), visto que nosso objetivo é obter
as relações de transformação de um sistema de coordenadas
para o outro. Procedendo assim, vamos tentar encontrar as
relações para γ e δ que satisfazem a igualdade. Portanto a
equação (1.10) se reduz a:
γ 2 ( x − vt ) 2 + y 2 + z 2 = c 2γ 2 (t + δ ) 2
(1.18)
48
Perfazendo a expansão dos binômios, tem-se:
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
γ 2 ( x 2 − 2vxt + v 2t 2 ) + y 2 + z 2 = c 2γ 2 (t 2 + 2δ t + δ 2 )
(1.19)
Para que a igualdade acima seja válida e a equação se
reduza à forma de (1.11), os termos em t devem se anular, de
modo que:
2δ tc 2γ 2 = −2vxtγ 2
ou seja:
δ =−
vx
c2
(1.20)
Conforme análise inicial, δ tem dimensões de tempo
e, quando v → 0, δ → 0. Agora podemos substituir a
c
expressão de δ 2 em (1.18):
γ 2 ( x 2 + v 2t 2 ) + y 2 + z 2 = c 2γ 2 (t 2 +
v2 x2
)
c4
(1.21)
Rearranjando os termos, tem-se:
x 2γ 2 −
v2 x2 2
γ + y 2 + z 2 = c 2γ 2 t 2 − γ 2 v 2 t 2
c2
2
2
E agora reagrupando em termos de x e t :
 v2 
 v2 
x 2γ 2  1 − 2  + y 2 + z 2 = c 2 t 2γ 2  1 − 2  .
 c 
 c 
(1.22)
UESC
Comparando esta última equação com a forma da
Módulo 8 I
Volume 1
49
Física Moderna
equação (1.17), é possível perceber que:

γ 2 1 −

logo, tem-se:
v2 
 = 1,
c2 
1
γ=
 v2 
1 − 2 
 c 
.
(1.23)
Nota-se que o parâmetro γ é adimensional e que
γ → 1, quando v c → 0. O parâmetro γ é denominado
fator de Lorentz e é comumente expresso como:
γ=
(
1
1− β 2
)
,
(1.24)
sendo:
β ≡ vc.
Assim, chegamos às transformações de coordenadas
válidas para qualquer velocidade, incluindo a velocidade
da luz, deduzidas a partir dos postulados da teoria da
relatividade:
x ' = γ ( x − vt ) ,
(
t ' = γ t − vx
c2
).
(1.25)
Analogamente, partindo das equações de (1.25), é
possível obter as transformações inversas simplesmente
rearranjando as variáveis:
50
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
)
1
(
(
t = γ t '− vx '
c2
Unidade
x = γ x ' − vt ' ,
).
(1.26)
Estas equações, (1.25) e (1.26), definem as
transformações de variáveis de espaço-tempo da relatividade
e são chamadas de transformadas de Lorentz. Note que
estas se reduzem às transformadas galileanas, quando a
velocidade v é desprezível em relação à velocidade da luz,
c. Observando as equações em (1.25) e (1.26), notamos
que, se de fato a velocidade da luz fosse infinita, os efeitos
saiba mais
A esta altura, você deve estar se perguntando porque as
transformações de variáveis da teoria da relatividade receberam
o nome de transformadas de Lorentz e não transformadas de
Einstein? A justificativa do nome se deve a uma homenagem
prestada ao grande físico holandês, Hendrick Lorentz, que obteve
esta formulação matemática pela primeira vez, alguns anos antes
da publicação dos trabalhos de Einstein. Porém Lorentz tentou
relacioná-las com o conceito de éter, na tentativa de consolidar
as bases da teoria clássica dos elétrons. Apesar da formulação
matemática desenvolvida por Lorentz, a interpretação conceitual
da relatividade e a mudança de paradigma de tempo absoluto
para espaço-tempo relativo somente foi introduzida nos trabalhos
de Einstein. Uma prova incontestável de que a interpretação
física constitui o cerne das mudanças introduzidas pela teoria da
relatividade.
relativísticos seriam desprezíveis e a física clássica nunca
falharia. No entanto, para velocidades v, maiores que c , s
transformadas de Lorentz não têm significado físico, uma
vez que o valor de γ será uma grandeza complexa. Desta
forma, podemos concluir quão importante é o papel da
velocidade limite c, para a descrição dos fenômenos físicos.
A equação (1.9) (seção 1.5), que expressa o efeito da
dilatação do tempo relativístico, também é frequentemente
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
51
Física Moderna
representada em termos do fator de Lorentz:
∆t = γ∆t0 .
(1.27)
E mais, o efeito de contração do comprimento
pode ser expresso em termos do fator de Lorentz, sendo:
L=
Imagem 1.10: Albert Einstein em 1921
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Albert_Einstein
L0
γ
.
(1.28)
Se dois eventos ocorrem num mesmo local de um
referencial inercial, o intervalo de tempo entre os
dois eventos, ∆t0 , medido por um único relógio
em repouso, denomina-se intervalo de tempo
próprio. Todos os outros observadores inerciais
fora deste sistema medirão um intervalo de tempo
maior do que ∆t0 .
O comprimento L0 de uma barra, medindo no
sistema inercial de referência no qual a sua barra
está em repouso, denomina-se seu comprimento
próprio. Todos os outros observadores inerciais
fora deste sistema medirão um comprimento
menor do que L0 na direção do movimento.
você sabia?
Você por acaso conhece algum “maluco” capaz de esperar na plataforma
da estação de trem, munido de uma trena gigante, relógios idênticos
e sincronizados, medindo distância entre eventos que ocorrem dentro
dos trens? Imagino que não... Mas não se desespere, os exemplos
descritos nesta unidade são exemplos clássicos dos cursos de
relatividade, os quais tentam criar situações hipotéticas para explicar
os efeitos da teoria, mas, de fato, não correspondem às situações
corriqueiras do nosso cotidiano. Os efeitos da teoria da relatividade
são sensivelmente detectados e analisados no estudo do Cosmos,
onde as distâncias envolvidas são astronômicas e a única informação
proveniente dos eventos é a luz emitida por eles. Neste contexto,
a dificuldade em estimar medidas, estabelecer escalas de tempos e
inferir as coordenadas próprias de cada evento tornam imprescindíveis
as considerações relativísticas discutidas neste módulo.
52
Física
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Os efeitos da dilatação do tempo e a contração
do comprimento podem ser resumidamente enunciados
como se segue:
Num referencial inercial S , uma única lâmpada
vermelha acende-se 5,35µ s depois que surge um
flash azul. A distância entre as duas lâmpadas é igual a
∆x = 2, 45km, sendo que o flash vermelho ocorre num
ponto x mais afastado do que o flash azul. Um sistema
inercial S ’ move-se no sentido positivo de x com um
parâmetro de velocidade β = 0,855. Qual é a distância
entre os dois eventos e o intervalo de tempo entre eles
medido no sistema S ’?
Solução: de acordo com as transformadas de
Lorentz, substituindo v = β c, temos:
∆x ' = γ ( ∆x − β c∆t ) ,
e
∆x 

∆t ' = γ  ∆t − β
.
c 

Sabemos que:
∆x = xV − x A = 2, 45km = 2450m,
e
UESC
∆t = tV − t A = 5,35µ s = 5,35 x10−6 s.
Módulo 8 I
Volume 1
53
Física Moderna
Porém,
γ=
1
1− β
2
=
1
1 − (0,855) 2
= 1,928
Substituindo na expressão de ∆x ' :
∆x ' = (1,928)  2450m − ( 0,855 ) x(3, 00 x108 m / s )(5,35 x10−6 s ) 
∆x ' = −3,147 x10−6 s ≈ −3,15µ s
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Conclui-se que, no referencial S’, a lâmpada
vermelha também está mais afastada do que a lâmpada
azul; contudo a distância entre as duas lâmpadas é 2, 08km
e não 2, 45km. O sinal negativo do último resultado nos
informa que, contrariamente ao que ocorre no referencial
S, no referencial S’ o flash vermelho ocorre antes do
azul. Além disso, a diferença de tempo entre os dois
sinais é de 3,15µs e não 5,35µs.
Um avião, viajando com velocidade u, vai do Rio
de Janeiro até São Paulo. Em relação a um referencial
inercial S fixo no solo, o avião levanta voo no Rio e
aterriza em São Paulo; estes dois eventos são separados
por uma distância ∆x e por um intervalo de tempo ∆t.
Suponha que um observador inercial S ’ meça estes dois
eventos. Verifique se é possível que estes eventos sejam
registrados em S ’ numa sequência oposta, ou seja, o
observador S ’ pode ver o avião aterrizar em São Paulo
antes de levantar voo no Rio de Janeiro?
54
Física
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
Solução:
Vamos considerar a transformada de Lorentz:
∆t ' = γ (∆t − β ∆x )
c
As quantidades ∆x (a distância entre o Rio e São
Paulo) e ∆t (o tempo de voo) são quantidades positivas.
Vamos calcular o valor de β para que ∆t ', na relação
anterior, tenha um valor negativo. Para isso, devemos ter
a condição:
β
∆x
> ∆t
c
Porém, ∆x ∆t é justamente a velocidade u do avião
no sistema S . Portanto a condição anterior exige que:
c
β>
u
Entretanto um avião não pode ter velocidade
superior à velocidade da luz, ou seja, c u > 1, de modo
que a exigência anterior se reduz a: β > 1. Mas esta
condição não pode ser alcançada, novamente porque
não é possível alcançar velocidades maiores que c.
Portanto um avião não pode aterrizar antes de levantar
voo, mesmo na relatividade restrita! Estes dois eventos
não são independentes, pois estão relacionados por
uma sequência de causa e efeito e, portanto, em todos
os referenciais inerciais, eles ocorrerão nesta mesma
sequência. Concluí-se, portanto, que, mesmo na teoria
da relatividade, é impossível inverter a sequência de
eventos relacionados por causalidade. Se o evento A
é a causa do evento B, então todos os observadores,
independentemente de suas velocidades, concordarão
( )
que A ocorra sempre antes de B. Assim, em nenhum
sistema de referência você poderia nascer antes dos seus
pais!
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
55
Física Moderna
8 TRANSFORMAÇÕES DE VELOCIDADE
RELATIVÍSTICA
Vamos agora mostrar como a velocidade de uma
partícula vista por um observador no sistema inercial S
relaciona-se com a velocidade da mesma partícula vista
por outro observador inercial no sistema S ’. Podemos
representar a velocidade da partícula no sistema S como:
ux =
dx
,
dt
uy =
dy
,
dt
uz =
dz
dt
Analogamente para o sistema S ’ :
u 'x =
dx '
,
dt
u 'y =
dy '
,
dt
u 'z =
dz '
dt
De acordo com as transformadas de Lorentz,
sabemos que:
dx ' =
1
2
1− v
(dx − vdt )
c2
dy ' = dy
dz ' = dz
dt ' =
1
1− v
2
c2
dx 

 dt − v 2 
c 

(1.29)
Substituindo as expressões para dx ' e dt ' em (1.29),
temos:
56
Física
EAD
dx '
u 'x =
=
dt
2
1− v
1
1− v
(dx − vdt )
c
2
c2
2
dx 

 dt − v 2 
c 

dx
−v
u −v
= dt
= x
v dx
vu
1− 2
1 − 2x
c dt
c
u 'y =
dy '
=
dt '
dz '
u 'z =
=
dt '
dy
=
1 
dx 
1
dt − v 2 
2 
2
c 
v 
1− v
1− 2
c
c
Unidade
1
1
A Teoria da Relatividade Especial
( )
2
dy
1− v 2
c
dt
uy
=
2
vu x
 v dx 
1− 2
1 − 2

c
c dt 

2
( )
2
dz
1− v 2
dz
c
dt
uz
=
=
2
vu
1 
dx 
 v dx 
1
x
1− 2
 dt − v 2 
1 − 2

2
c
c 
c
dt
v2 

1− v 2 
1− 2
c
c
(1.30)
Portanto as expressões acima descrevem, para
cada componente, a transformação de velocidades
relativísticas. Observe que, quando v c tende a zero,
as equações acima recaem nas mesmas equações da
transformada clássica, sendo:
u 'x = u x − v
u 'y = uy
Imagem 1.11: Albert Einstein em
1933
Fonte:http://th.physik.uni-frankfurt.
de/~jr/physpiceinstein.html
u 'z = u z
Quando utilizada a notação vetorial, as equações
acima podem ser expressas simplesmente como:
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
57
Física Moderna
 
u −v

u'=
 
v ⋅u
1− 2
c
(1.31)
A relação acima é conhecida como a Lei da Velocidade
Relativística.
9 MASSA, MOMENTO E ENERGIA
RELATIVÍSTICA
Face às novas transformações de velocidade, você
deve estar curioso a respeito da validade das leis da mecânica
clássica, como conservação de momento e energia. Por certo
que a aplicação da teoria relativística precisa considerar
também estas questões. A modificação introduzida
por Einstein nas equações de transformação implica na
introdução de novos fatores de compensação nas equações
da mecânica. Neste contexto, fez-se necessário desenvolver
uma nova mecânica, convenientemente chamada de
mecânica relativística.
Inicialmente, vamos tratar do momento linear. Para o
caso de uma partícula de massa m se movendo com velocidade
constante v no sentido positivo de x , o momento linear
definido pela mecânica clássica é estimado como:
p = mv = m
∆x
,
∆t
(1.32)
sendo ∆x a distância percorrida durante o tempo ∆t. Diante
da restrição de velocidades imposta pelo limite c na teoria
relativística, deveríamos esperar que o momento máximo
que uma partícula pode atingir seria então: mc. Mas como
interpretar fisicamente um limite finito para o momento de
uma partícula?
58
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
De modo a preservar a definição clássica de momento,
Einstein resolveu considerar uma alteração na massa das
partículas, definindo-a como função da velocidade v, ou seja:
m = m (v )
(1.33)
Por certo que, no limite clássico, v  1, devemos
c
ter: m ( v ) = m0 , sendo m0 a massa da partícula medida
classicamente, ou seja, em repouso. Esta ponderação é
necessária para assegurar a validade da mecânica clássica, uma
vez que esta corresponde perfeitamente bem às observações
em baixas velocidades.
Resta agora determinar a função m(v). Para isso,
partindo da definição clássica, podemos considerar que o
momento de uma partícula, vista por um observador no
referencial da própria partícula, ou seja, que se move junto a
ela, e que, portanto, é capaz de medir um intervalo de tempo
próprio da partícula, é dado por:
p = m0
∆x
∆t0
A expressão acima também pode ser descrita em
função do parâmetro de Lorentz:
p = m0
∆x
∆x ∆t
∆x
= m0
= m0
γ
∆t0
∆t ∆t0
∆t
Mas ∆x = v, a velocidade da partícula e, portanto,
∆t
tem-se:
p = γ m0 v
(1.34)
Esta é a definição de momento relativístico, que
também pode ser apresentado na forma clássica, apenas
considerando a
massa como função da velocidade,
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
59
Física Moderna
m = m ( v ) , tipo:


p = m (v )v
Então, a função m é definida como massa relativística,
sendo:
m(v) = γ m0 =
1
2
1− v
m0
c2
(1.35)
Portanto a massa relativística de uma partícula é
função da massa de repouso da mesma, modificada pelo fator
de Lorentz. Assim, a massa relativística de uma partícula
cresce rapidamente à medida que a velocidade cresce,
tendendo ao infinito quando a velocidade da partícula, v,
tende à velocidade da luz, c. Desta forma, ao contrário da
definição clássica, não existe limite para o momento de uma
partícula relativística. A única restrição que permanece é o
limite de velocidade c .Verifique que para baixas velocidades,
v  1, tem-se: m ( v ) = m . Condição em conformidade
0
c
com as descrições da mecânica clássica e as observações
cotidianas.
Mas e a energia cinética da partícula? Como defini-la
na concepção relativística?
Vamos considerar a partícula descrita acima, massa
de repouso m0 , inicialmente parada em x = 0. Para que seu
movimento se inicie, é necessário que uma força seja aplicada
à partícula. Vamos então considerar uma força de módulo
F , no sentido positivo do eixo x, suficiente para colocar
a partícula em movimento. Para estimar a energia cinética
da partícula, precisamos calcular o trabalho realizado, que
chamaremos de K , por esta força enquanto a partícula
se move até o ponto x = x f , sendo t f o tempo no qual a
partícula atinge x f . Assim sendo, de acordo com a definição
de trabalho, tem-se:
60
Física
EAD
xf
0
0
xf
dx
dt = ∫ Fvdt
dt
0
Unidade
xf
K = ∫ Fdx = ∫ F
1
A Teoria da Relatividade Especial
(1.36)
Para resolver a integral acima, precisamos encontrar
uma expressão para a força F . De acordo com a mecânica
newtoniana, esta força pode ser expressa em termos da

variação do momento da partícula, ou seja, F = dp .
dt
Supondo que esta definição de força continue válida para o
tratamento relativístico, vamos apenas substituir a expressão
do momento para momento relativístico e perfazer a integral
acima. Portanto:
tf
tf
dp
K = ∫v dt = ∫vdp
dt
0
0
Para resolver esta integral, precisamos empregar a
tática de integração por partes, sendo:
[vp ]0
tf
tf
tf
0
0
= ∫ pdv + ∫vdp
Assim, podemos expressar K como:
vf
K = [ vp ]0f − ∫ pdv
t
0
Substituindo
relativístico, tem-se:
a
expressão
para
o
momento
vf


vf


1
1
K = v
m0 v  − ∫
m0 vdv
2
2
0
 1− v 2

1− v 2
c
c

0
Reorganizando os termos em v e passando m0 para
fora da integral, tem-se:
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
61
Física Moderna

 m0 v 2
K =
2
 1− v 2
c

vf

vf

vdv
 − m0 ∫
2
0

1− v 2
c
0
(1.37)
Resolvendo a integral anterior, obtém-se:
vf
 v2

2
2


c
K = m0 c 2 
+ 1− v 2 
2
c
 1− v 2

c

0
nota complementar
A integral da expressão (1.37) pode ser resolvida sem dificuldade por meio
de uma substituição de variáveis:
vf
∫
0
vdv
1− v
= c2 ∫
2
c2
v2
= a,
c2
enquanto:
2
vdv = da. Assim:
c2
1
1
da
1
v2
−
= c 2 ∫ (1 − a ) 2 da = c 2 (1 − a ) 2 = c 2 1 − 2
2
c
2 1− a
Trabalhando um pouco mais a expressão de K :
Imagem 1.12: Albert Einstein em
1945
Fonte: http://th.physik.uni-frankfurt.
de/~jr/physpiceinstein.html
 v2
v2
 2 + 1 − c2
K = m0c2  c
2
 1− v 2
c

vf




1
2
 = m0c 
2

 1− v 2
c
 0

vf




0
É possível simplificar ainda mais e, omitindo o
índice f , tem-se:
K=
m0 c 2
1− v
− m0 c 2
2
c2
(1.38)
Esta última corresponde, então, à expressão para a
energia cinética relativística para a partícula de massa de
repouso m0 que se move com velocidade v. Mas também
62
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
é possível expressá-la em termos do fator de Lorentz, como:
K = m0 c 2 (γ − 1)
(1.39)
Agora nos resta testar o valor de K no limite
v  1. Aparentemente, neste contexto, o valor de K → 0.
c
Entretanto, uma análise mais cuidadosa deste limite pode
ser feita por meio da expansão em série de Taylor para o
termo da raiz quadrada, sendo:
 v 2  − 1 2 
 1 v2 
K = m0 c 1 − 2  − 1 ≈ m0 c 2 1 +
− 1
2 c2 
 c 




2
E, por fim:
m0 c 2 v 2 m0 v 2
K≈
=
2 c2
2
Assim, assegura-se que a expressão relativística de K
se reduz à formulação clássica em baixas velocidades.
nota complementar
Você se lembra da expansão em série de Taylor? Esta é uma ferramenta
matemática muito útil quando precisamos estimar o valor aproximado
de uma função próximo a determinado ponto, sendo definida como:
f ( x0 + ε ) ≅ f 0 + f ' ( x0 ) ε + f '' ( x0 ) ε 2 +…
Uma vez que o termo
v2
c 2 tende a zero no limite clássico, a expansão
em série de Taylor para o termo sob a raiz quadrada da expressão em
K discutida acima pode ser feita, em boa aproximação, considerando
apenas os termos lineares em å, ou seja, os dois primeiros termos da
expansão. Assim:
f ( x0 + ε ) ≅ f 0 + f ' ( x0 ) ε
 v2 
1 − 2 
 c 
−1
2
 v2 
1 − 2 
 c 
UESC
 − 1 1 − 3  v2
≈ (1) 2 − (1) 2  − 2
2
 c

−1
2



 1 v2 
v2
1
≈ 1 +
≈
+
2
c2
 2c 
Módulo 8 I
Volume 1
63
Física Moderna
Vamos analisar um pouco mais a expressão de K ,
dada por (1.38). Nota-se que a energia cinética relativística
de uma partícula é expressa como a soma de dois termos,
sendo um dependente da velocidade, v , e outro termo
constante. Sendo K a energia cinética, é natural deduzir que
os demais termos também representem valores de energia
associados à velocidade da partícula. Assim, podemos
generalizar a expressão como:
K ( v ) = E ( v ) − E (0)
sendo:
E (v) =
m0 c 2
1− v
= mc 2
2
c2
(1.40)
lembrando que m é a massa relativística definida
anteriormente. Já o termo E (0) pode ser interpretado como
E (v) quando v = 0, isto é:
E ( 0 ) = m0 c 2
(1.41)
Esta energia, E (0) , foi nomeada por Einstein como energia
de repouso da partícula de massa m0 . Invertendo a expressão
de K (1.38) como se segue:
E ( v ) = K ( v ) + m0 c 2 ,
(1.42)
fica mais fácil interpretar o significado da equação E = m0 c 2
(1.41). Esta, portanto, define a energia relativística total
de uma partícula, sendo equivalente à soma das energias
cinética e de repouso da partícula com massa m0 . Esta é
uma das mais famosas equações da teoria da relatividade.
Embora o processo de dedução desta equação seja baseado
em suposições que, embora razoáveis, não apresentam
embasamento conceitual, as previsões da teoria relativística
64
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
já foram extensivamente testadas, nos mais diversos sistemas,
por meio de experiências apropriadas, tendo sido muito
bem sucedidas. Nem mesmo o incremento considerado
com a energia de repouso de uma partícula é capaz de
ferir as considerações da física clássica para o princípio de
conservação de energia.
Por outro lado, o conceito de energia relativística
total é bastante útil na descrição dos processos em que há
variação da massa de repouso de um sistema. É possível
mostrar que esta variação é sempre acompanhada por uma
variação da energia cinética de modo que a energia final
sempre se conserva. Assim, a energia relativística total,
descrita pela expressão (1.42), tem uma implicação profunda
para o entendimento da relação entre matéria e energia. De
acordo com a previsão de Einstein, massa e energia podem
ser convertidas entre si. Massa também é uma forma de
energia! Este, por exemplo, é o princípio básico por trás dos
processos nucleares, como decaimento radioativo, fissão e
fusão nucleares.
você sabia?
Embasadas pelas previsões de Einstein e também pela descoberta do
nêutron em 1932, pelo físico inglês James Chadwick, as pesquisas
nucleares avançaram sob a perspectiva de construção de uma nova
arma:
a
bomba
nuclear, um artefato
com alto poder de
destruição,
capaz
de alcançar milhões
de
megatons,
isto
é, toneladas de TNT.
No
entanto,
explosão
se
de
a
uma
bomba nuclear pode
ser considerada um
Imagem 1.13: Explosão de uma bomba atômica resultado de um
processo de fissão nuclear.
Fonte: http://www.brasilescola.com/quimica/quimica-nuclear.htm
triste
exemplo
de
aplicação da teoria
da
relatividade,
o processo controlado, tal qual ocorre nos reatores nucleares, pode
representar uma aplicação justa e benéfica para toda humanidade.
Atualmente, boa parte da energia elétrica consumida em vários países
provém do núcleo atômico!
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
65
Física Moderna
Na mecânica clássica, uma relação bastante útil
considera a energia cinética de uma partícula em função do
seu momento linear. Na mecânica relativística também é
possível estimar esta relação entre K e p, mas, de antemão,
podemos esperar o surgimento de termos adicionais
dependentes da energia de repouso, vejamos: o ponto de
partida é a relação clássica:
K=
1 2 1
p2
mv = pv =
2
2
2m
Invertendo esta última, tem-se: p 2 = 2 Km.
Procedendo da mesma maneira, é possível eliminar
a variável v da equação do momento e correlacioná-la com
a energia total da partícula, vejamos como. Sabemos que a
expressão do momento relativístico é dada por:
p = γ m0 v =
m0 v
v2
1− 2
c
portanto:
m02 v 2 m02 v 2 c 2
p =
=
v2 c2 − v2
1− 2
c
2
Assim:
c 2 p 2 − p 2 v 2 = m02 v 2 c 2
Rearranjando os termos:
c 2 p 2 = p 2 v 2 + m02 v 2 c 2
c 2 p 2 = v 2 (m02 c 2 + p 2 )
66
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
cp
Unidade
v=
1
Explicitando v :
m02 c 2 + p 2
Agora, vamos substituir a expressão de v na equação
da energia total relativística, (1.40), elevada ao quadrado
para eliminar a raiz quadrada:
m02 c 4
m02 c 4
E =
=
v2
c2 p2
1− 2 1− 2 2 2
c
c (m0 c + p 2 )
2
Simplificando os termos:
E2 =
m02 c 4
m02 c 4 (m02 c 2 + p 2 )
=
m02 c 2 + p 2 − p 2
m02 c 2
(m02 c 2 + p 2 )
Cortando os termos do numerador e denominador,
tem-se:
E 2 = c 2 (m02 c 2 + p 2 )
E, finalmente, encontramos uma expressão que
correlaciona a energia total relativística e o momento da
partícula:
E 2 = c 2 p 2 + m02 c 4
(1.43)
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
67
Física Moderna
10 CONSERVAÇÃO DE ENERGIA
RELATIVÍSTICA
A esta altura, você deve estar se perguntando: como
é possível compatibilizar a energia de repouso com a lei de
conservação de energia da física clássica? Na verdade, não
há nenhuma contradição, vejamos: como as experiências
no mundo clássico envolvem sempre sistemas nos quais
a energia de repouso é constante (massa constante), as
energias de repouso podem ser adicionadas em ambos os
lados das equações de balanço, sem destruir a validade da lei
de conservação.
Pode-se ainda generalizar a energia total para um
sistema de partículas como:
(
)
E = ∑Ei = ∑ γ i m0 c 2 = ∑m0 c 2 + ∑K i
(1.44)
E pode ser enunciada como:
Quando medida em um dado sistema de referência, para
um sistema isolado, a energia relativística total E de
um sistema de partículas permanece sempre constante,
independentemente das interações ocorridas entre as
partículas do sistema.
E o que acontece quando a massa do sistema varia?
É permitido na natureza variar a massa de repouso de uma
partícula? Sim, é este o contexto de muitas reações nucleares.
Para estes processos, os testes experimentais demonstram
que a variação na energia de repouso é compensada
exatamente por uma variação na energia cinética, de
modo que a energia relativística total do sistema sempre
se conserva! Assim, nos processos de decaimento nuclear,
a energia total do sistema depois da interação permanece
igual à energia total do sistema antes da transformação.
68
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
1
você sabia?
Em 1939, Albert Einstein,
temendo a ascensão do
governo nazista, escreveu
uma carta ao presidente
dos
Estados
Unidos,
Franklin Roosevelt, encorajando as pesquisas nucleares com fins bélicos.
Na sequência, nasceu o
Projeto Manhattan com o
propósito
de
construção
de uma bomba atômica.
Após um exaustivo período de investigação e testes, em 1945, depois da
rendição dos alemães, os
Estados Unidos lançaram
sobre as cidades japonesas de Hyroshima e Nagasaki duas bombas nucleares, causando a rendição
do governo japonês e o
consequente fim da Segunda
Guerra
Mundial.
Apesar do risco iminente
de construção da bomba
pelos alemães, é sabido
que Albert Einstein, dentre outros cientistas que
participaram
do
Projeto
Manhattan, lamentou profundamente o apoio dado
a esta causa.
69
Unidade
Este é exatamente o caso típico de explosão de uma
bomba atômica, na qual a energia de repouso (massa de
repouso) das partículas é convertida em energia cinética
das partículas que participam da reação.
Assim sendo, uma vez que a energia relativística
total de um sistema de partículas também pode ser escrita
na forma: E = ∑mc 2 , sendo m a massa relativística, logo
a Lei de Conservação de Energia pode ser expressa como
a Lei de Conservação da Massa Relativística, mas não
necessariamente ocorre conservação da massa de repouso.
Portanto embora a massa de repouso de um sistema possa
variar, a massa relativística permanece sempre constante.
As considerações acima constituem a base da
famosa relação de Einstein: E = mc 2 , a qual afirma que
a energia de repouso pode ser convertida livremente em
outras formas de energia.
Assim como a lei de conservação de energia, é
possível mostrar que também as equações de Maxwell
também são consistentes com a
mecânica
relativística, isto é,
não apresentam
contradições internas. Embora
Imagem 1.14: Albert Einstein em 1953
Fonte:http://www.guardian.co.uk/science/2008/may/12/
a demonstração
peopleinscience.religion
fuja do escopo deste curso, é importante ressaltar quão
completa e consistente é a teoria da relatividade. Uma
teoria que permeia todas as áreas da física e que já passou
por extensivos testes experimentais e diferentes validações sem nenhuma discordância, constituindo-se, portanto, num modelo completo de teoria.
Física Moderna
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Um
elétron possui uma energia cinética
K = 2, 53MeV . Pergunta-se: a ) qual é a sua energia cinética
total?
E = m0 c 2 + K
Solução:
A energia de repouso de um elétron é dada por:
(
)
m0 c 2 = 9,11x10−31 kg (3 x108 m / s ) 2 = 8,199 x10−14 J = 0,511MeV
Assim,
E = 0, 511MeV + 2, 53MeV = 3, 04 MeV
b) qual é o momento linear p ?
Solução:
A equação do momento linear é: E = ( pc) 2 + (mc 2 ) 2 .
Substituindo os valores, tem-se:
(3, 04 MeV ) 2 = ( pc) 2 + (0,511MeV ) 2
Assim:
pc = (3, 04 MeV ) 2 − (0,511MeV ) 2 = 3, 00 MeV
É costume representar, na física das partículas
elementares, o momento linear p em termos de unidades
de energia dividida por c. Então:
p=
70
Física
3, 00Mev
c
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
c) Calcule a massa relativística do elétron.
Solução:
E = γ m0 c 2 = mc 2
Assim:
m=
m=
E m0 E
=
c 2 m0 c 2
3, 04 MeV
m0 = 5,95m0
0,511MeV
Portanto a massa relativística do elétron é 5,95
vezes sua massa de repouso. Este valor corresponde
exatamente ao Fator de Lorentz.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Um próton é acelerado até alcançar uma
velocidade de 1, 08TeV no acelerador do Fermilab.
Calcule: a ) o parâmetro de velocidade β .
Solução:
Considerando a equação de energia relativística
sob a forma:
K = γ mc 2 − mc 2
Explicitando o valor de γ , temos:
γ=
UESC
K + mc 2
K
=
+1
2
mc
mc 2
Módulo 8 I
Volume 1
71
Física Moderna
γ=
1, 08 x1012 eV
+ 1 = 1151, 0 + 1 = 1152
938,3 x106 eV
Este fato de Lorentz, γ = 1152, é muito maior do
que 1 , indicando que a teoria da relatividade é realmente
importante para este problema, uma vez que a energia
cinética do próton que se move (com 1, 08 x1012 eV ) é
mais de 1000 vezes maior do que sua energia de repouso
(938,3 x106 eV ).
Conhecido o valor de ã, podemos concluir que o
fator β deverá ser muito próximo de 1 e, portanto, em
vez de resolver a equação em termos de β , é preferível
resolvê-la em termos de 1 − β , a diferença entre seu valor
e a unidade. Assim, tem-se:
1
1
1
γ=
=
≈
,
2
1− β
(1 − β )(1 + β ) 2 (1 − β )
considerando a aproximação: 1 + β ≈ 2 . Elevando ao
quadrado e invertendo a equação:
1
1
1− β = 2 =
= 3, 77 x10−7
2
2γ
2 (1152 )
Finalmente, encontramos o valor de β :
β = 1 − 3, 77 x10−7 = 0,999999623
Sugestão:
Se você duvida da aplicabilidade da teoria da
relatividade, tente resolver este problema segundo a
2
física clássica, K = m v . Você, provavelmente, encontrará
2
uma velocidade igual a 48 vezes a velocidade da luz!
72
Física
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
b) Calcule a diferença entre a velocidade da luz e a
velocidade deste próton.
Solução:
 v
∆v = c − v = c 1 −  = c(1 − β )
 c
Usando os valores já calculados, temos:
(
)
∆v = c (1 − β ) = 3, 00 x108 m / s (3, 77 x10−7 )
∆v = 113m / s
11 TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL
Conforme dito no início desta unidade, a teoria da
relatividade é subdividida em duas partes: a teoria especial,
formulada em 1905, e a teoria geral, formulada em 1916. A
primeira, amplamente discutida nesta unidade, lida com os
efeitos do movimento uniforme sobre o espaço e o tempo,
tendo como princípio a velocidade limite da luz. A segunda
inclui os efeitos adicionais da aceleração da gravidade e
propõe que a gravitação não é apenas uma força, mas,
sim, um efeito da curvatura do espaço-tempo em função
da presença de matéria. Neste caso, pode-se dizer que a
existência de matéria altera a geometria do espaço-tempo
e, consequentemente, partículas presentes neste “espaçotempo curvo” terão suas trajetórias alteradas. Ao invés
dos movimentos retilíneos com velocidade constante, a
nova trajetória será definida pelas geodésicas espaciais com
movimentos acelerados.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
73
Física Moderna
Imagem 1.15: Capa da revista Time
em dezembro de 1999: “Albert
Einstein personalidade do século”
Embora a teoria da relatividade geral tenha
implicações profundas no estudo do Universo, a
investigação detalhada deste assunto ficará fora do
alcance deste módulo. No entanto, cabe ressaltar que a
teoria apresentada por Albert Einstein abriu uma nova
era no campo da cosmologia, permitindo a investigação
detalhada da própria estrutura geométrica do Universo,
por meio das equações da relatividade geral, servindo,
assim, como principal ferramenta descritiva da natureza.
Fonte:http://www.time.com/time/magazine/
article/0,9171,993017,00.html
RESUMINDO
• Um referencial inercial corresponde a qualquer
referencial que se move com velocidade
constante em relação a outro, ou seja, um
referencial não acelerado.
• O Princípio da Relatividade: as leis da física são
as mesmas em todos os referenciais inerciais.
Não existe referencial inercial privilegiado!
• O Postulado da Velocidade: a velocidade da luz
no vácuo tem sempre o mesmo valor c em todas
as direções e em todos os sistemas inerciais.
• Um evento é algo que ocorre de tal modo que um
observador pode associá-lo a três coordenadas
espaciais e uma coordenada temporal.
• Conceito de simultaneidade: a simultaneidade
não é um evento absoluto, mas sim relativo,
pois depende do movimento do observador.
Este efeito é consequência direta da velocidade
finita c .
74
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
1
• O intervalo de tempo próprio, ∆t0 , corresponde
a uma medida de tempo estimada em dois
momentos distintos com um único relógio em
repouso em relação ao observador.
• Definições: β = v / c é o parâmetro de velocidade
e γ = 1/ 1 − β 2 é o fator de Lorentz.
• O efeito da dilatação do tempo:
∆t =
∆t0
v
1−  
c
2
=
∆t0
1− β 2
= γ∆t0 ,
• Comprimento próprio, L0 , corresponde ao
comprimento real de um objeto, medido num
sistema de referência inercial, no qual o objeto
está em repouso.
• A contração do comprimento: para um observador
que se desloque em velocidade v em relação ao
sistema inercial original, o comprimento medido
por ele será:
L = L0 1 −
L
v2
= L0 1 − β 2 = 0
2
c
γ
• Transformações de Lorentz correspondem às
equações que relacionam as coordenadas de um
único evento visto por observadores em sistemas
distintos. Se considerarmos dois sistemas, S e
S ’, com uma velocidade v no sentido positivo
de x, tem-se: x ' = γ ( x − vt ) e t ' = γ t − vx 2 .
c
)
(
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
75
Física Moderna
• Transformações de velocidades: a velocidade
de uma partícula vista por um observador no
sistema inercial S relaciona-se com a velocidade
da mesma partícula vista por outro observador
 
u −v

inercial no sistema S ’ da forma: u ' =
 
v ⋅u
1− 2
c
• Uma vez válidas as leis de conservação de energia
e momento, as expressões para p, K e E de uma
partícula em dinâmica relativística são:
m0 v
γ m0 v =
K = m0 c 2 ( γ − 1)
E (v) =
(momento relativístico)
v2
1− 2
c
m0 c 2
1− v
(energia cinética relativística )
total
= mc 2 (energia
(energia
totalrelativística)
raltivística )
2
c2
• Definições: m0 é a massa de repouso de uma
partícula e γ m0 é a sua massa relativística.
• A energia total relativística se relaciona com o
momento da partícula por meio da expressão:
E 2 = c 2 p 2 + m02 c 4
76
Física
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
ATIVIDADES
1. Que fração da velocidade da luz corresponde a
cada uma das seguintes velocidades, isto é, qual
é o parâmetro de velocidade β : (a) velocidade
característica do deslocamento dos continentes
(2, 54 cm / ano); (b) a velocidade de flutuação
de elétronstransportados por uma corrente num
condutor (0, 5 mm / s ), (c) velocidade limite
das autoestradas (90km / h), (d) a velocidade
média quadrática de uma molécula de hidrogênio
à temperatura ambiente, (e) a velocidade de
escape de um projétil da superfície da Terra, (f) a
velocidade da Terra na sua órbita em torno do Sol,
(g) a velocidade típica de recessão de um quasar
distante (3, 0 x104 km / s ).
2. Determine a velocidade de uma partícula que leva
dois anos a mais do que a luz para percorrer a
distância de 6,0 anos-luz.
3. Qual deve ser o parâmetro de velocidade β ,
se o fator de Lorentz γ for: (a )1, 01 , (b)10, 0 ,
(c)100 e (d )1.000 ?
4. A vida média de múons encerrados numa caixa
de chumbo, fixo num laboratório, é 2, 2 µ s . A
vida média dos múons de alta velocidade, numa
explosão de raios cósmicos, observada da Terra, é
16 µ s . Determine a velocidade destes múons de
raios cósmicos.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
77
Física Moderna
5. Uma barra mantém-se paralela ao eixo x de um
referencial S , movendo-se ao longo deste eixo com
velocidade 0, 63c. O seu comprimento de repouso é
1, 70 m. Qual será seu comprimento medido em S ?
6. O comprimento de uma astronave é calculado para
ser exatamente a metade do seu comprimento de
repouso. a ) Qual é a velocidade da astronave em
relação ao observador do sistema no qual foi calculado
o seu comprimento? b) Por qual fator os relógios da
astronave movimentam-se em ritmo mais lento em
relação aos relógios do sistema deste observador?
7. Uma nave espacial, com um comprimento de repouso
de 130 m, passa por uma estação de observação com
a velocidade de 0, 74c. (a ) Qual é o comprimento
da nave medido pela estação? (b) Qual é o intervalo
de tempo registrado pelo monitor da estação entre a
passagem da parte dianteira e a da parte traseira da nave?
8. Um avião, cujo comprimento de repouso é de 40, 0m,
desloca-se, em relação à Terra, com uma velocidade
constante de 630 m / s. (a ) Em que fração do seu
comprimento de repouso parecerá encurtado para um
observador na Terra? (b) Quanto tempo demorará, de
acordo com um observador na Terra, para que o relógio
no avião se atrase de 1, 00 µ s ? (Suponha que somente
a relatividade restrita seja aplicável.)
9. Um observador S determina as seguintes coordenadas
78
Física
EAD
A Teoria da Relatividade Especial
1
de tempo e espaço para um evento: x =100 km e
Unidade
t = 200 µ s. Quais são as coordenadas deste evento
num referencial S ' que se move no sentido positivo
do eixo x com a velocidade de 0,95c ? Suponha
x = x ' para t = t ' = 0.
10.Um sistema inercial S ' se desloca com uma
velocidade de 0, 60c em relação ao referencial S.
Dois eventos são registrados. No referencial S , o
evento 1 ocorre na origem em t = 0 e o evento 2
ocorre no eixo dos x em x = 3, 0 km e t = 4, 0 µ s.
Quais são os instantes de ocorrência registrados
pelo observador S’ para estes mesmos eventos?
Explique a diferença na ordem do tempo.
11.Para circular em torno da Terra, numa órbita
baixa, um satélite deve ter uma velocidade de
aproximadamente 27.353 km/h. Suponha que
dois desses satélites orbitem a Terra em sentidos
opostos. (a ) Qual é a velocidade relativa com que
um passa pelo outro, de acordo com a equação de
transformação da velocidade de Galileu? (b) Que
erro foi cometido em (a ) por não ter sido usada
a equação (correta) de transformação relativística?
12.Um elétron desloca-se a uma velocidade tal que
poderia circunavegar a Terra, pelo Equador, em um
segundo. (a ) Qual é a sua velocidade em termos
da velocidade da luz? (b) Qual é a sua energia
cinética K ? (c) Qual é o erro percentual cometido
se a energia cinética K for calculada pela fórmula
clássica?
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
79
Física Moderna
13.Qual é o trabalho necessário para aumentar a
velocidade de um elétron de (a )0,18c até 0,19c e
(b)0, 98c até a 0,99c ? Observe que o aumento de
velocidade igual a 0, 01c é o mesmo nos dois casos.
14. (a ) De acordo com a física clássica, que diferença
de potencial aceleraria um elétron até a velocidade
da luz? (b) Com esta diferença de potencial, que
velocidade realmente atingiria?
15.Uma partícula de massa m tem um momento linear
igual a mc. Quais são (a ) o seu fator de Lorentz,
(b) a sua velocidade e (c) a sua energia cinética?
16.Imagine as seguintes partículas, todas elas em
movimento no vácuo: um fóton de 2, 0 eV , um
elétron de 0, 40 MeV e um próton de 10 MeV . (a )
Qual delas se move mais rapidamente? (b) Qual
delas se move mais lentamente? (c) Qual delas
tem o maior momento linear? (d ) Qual delas tem
o menor momento linear? Lembre-se: um fóton é
uma partícula de luz, com massa nula!
80
Física
EAD
1
A Teoria da Relatividade Especial
Unidade
Bibliografia Consultada
EISBERG, Robert; RESNICK Robert. Física
Quântica, Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e
Partículas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus,
1988.
FEYNMAN Richard. Física em Seis Lições. Rio de
Janeiro: Editora Ediouro, 1999.
GLEISER, Marcelo. A dança do Universo, dos
Mitos de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Editora
Companhia de Bolso, 1997.
HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; MERRILL,
John. Fundamentos de Física. vol. 4. 3. ed. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1991.
LOPES, José Leite. A Estrutura Quântica da Matéria,
do átomo pré-socrático às partículas elementares.3.
ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
TAYLOR, Edwin; WHEELER, John Archibald.
Spacetime Physics, Introduction to Special
Relativity. 2nd edition, New York: Freeman and
Company, 1991.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
81
Suas anotações
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2ª
unidade
QUANTIZAÇÃO DE
ENERGIA, ONDAS E
PARTÍCULAS
Nesta unidade, serão discutidos os conceitos:
•
•
•
•
•
•
radiação de corpo negro;
quantização de energia;
efeito fotoelétrico;
dualidade onda partícula;
os postulados de De Broglie;
o Princípio da Incerteza.
Ao final desta etapa, o aluno será capaz de entender:
• as bases da mecânica quântica;
• a correlação entre matéria e energia;
• os postulados e princípios básicos que regem os fenômenos em
pequenas escalas.
Quantização de energia, ondas e partículas
1 INTRODUÇÃO
Unidade
2
Na unidade anterior, vimos como a Teoria da
Relatividade, por meio de questionamentos elementares
como a velocidade limite da luz, alargou a nossa visão de:
espaço, tempo, simultaneidade, matéria e energia. Por mais
surpreendente que possa parecer, vimos que um objeto
em movimento sofre contração de seu comprimento na
mesma direção em que se move; vimos que um relógio
em movimento funciona mais lentamente que outro em
repouso; vimos que o conceito de simultaneidade é relativo;
e que massa e energia podem ser convertidas entre si.
Nesta unidade, novos conceitos serão apresentados,
invocando o mundo das pequenas dimensões, o
comportamento da luz e a interação entre matéria e radiação.
Assim como a Relatividade conta com uma constante de forte
significado, a velocidade da luz, c, a física quântica também
conta com uma constante fundamental, chamada constante
de Planck, h, característica do mundo quântico. Por meio
do estudo da radiação térmica, seremos levados ao conceito
de quantização de energia e alcançaremos a compreensão
do papel da constante de Planck no mundo físico. Por fim,
veremos como o comportamento da matéria em pequenas
escalas se diferencia do comportamento descrito pela física
clássica.
2 EMISSÃO TÉRMICA
No final do século XIX, o espectro eletromagnético
previsto pela teoria de Maxwell já era bem conhecido, graças
ao trabalho de diversos físicos alemães. Logo no início do
século, Joseph Fraunhoffer descobriu que o espectro de
emissão solar exibia uma série de linhas escuras superpostas
às cores do arco-íris (estas foram descobertas por Newton!).
UESC
Módulo 8
4 I
Volume 1
5
85
Física Moderna
você sabia?
Você deve estar se perguntando:
seres
será
humanos
que
os
emitem
radiação térmica? Sim, todos nós emitimos! De fato,
qualquer corpo aquecido à
temperatura maior do que
o zero absoluto emite ondas eletromagnéticas. No
nosso caso, seres humanos com temperatura corporal de aproximadamente
37°C ,
as
frequências
de
máxima emissão ocorrem
na faixa de infravermelho.
Este é o princípio por trás
das câmeras de visão noturna, ou seja, câmeras de
infravermelho. Estas dispensam a iluminação dos
corpos na faixa do visível,
uma vez que é permitida a
detecção da própria radiação térmica.
Imagem 2.1: Imagem térmica do
corpo humano obtida via câmera
com sensor de radiação na faixa
do infravermelho. Áreas mais frias
são aquelas em azul, passando
pelo verde, amarelo, laranja,
até o vermelho, correspondendo
estas as áreas mais quentes.
Fonte: http://biologicalexceptions.
blogspot.com.br/2011/10/whycant-we-just-go-with-flow-highcost.html
86
Outros dois alemães, Gustav Kirchhoff e Robert Bunsen,
anunciaram, por volta de 1860, a descoberta de que todos
os elementos químicos têm a capacidade de emitir e
absorver luz em comprimentos de onda específicos. Em
1886, foi a vez de Heinrich Hertz descobrir as ondas de
rádio e, mais tarde, em 1895, os raios X foram descobertos
por Wilhelm Röntgen. Assim, ao final do século XIX,
o espectro eletromagnético adquiria maior completeza
e os cientistas da época começavam a questionar os
mecanismos de emissão espectroscópica. Àquela época,
os cientistas não entendiam nem mesmo como se dava a
emissão de radiação por objetos aquecidos, tal qual uma
barra de ferro em brasa.
A radiação emitida por um corpo devido à sua
temperatura é chamada radiação térmica. Todo corpo
emite este tipo de radiação para o meio que o cerca, e
dele absorve. Sim, o processo de emissão e absorção é
incessante e simultâneo, faz parte do mecanismo de
interação com o meio e é o principal responsável pelo
processo de termalização. Por exemplo, se um corpo
estiver mais quente do que o meio, ele deverá se resfriar
gradativamente, visto que sua taxa de emissão será maior
do que a taxa de absorção. O equilíbrio térmico será
atingido quando as taxas de emissão e absorção forem
iguais.
A matéria em estado condensado (sólido ou
líquido) emite um espectro contínuo de radiação,
isto é, cobre certa faixa do espectro eletromagnético
com intensidade contínua. Neste caso, o espectro
emitido independe do material ou da forma do objeto,
é característico apenas da temperatura. Vejamos um
exemplo: imagine colocar uma barra de ferro imersa no
fogo. Inicialmente, a barra apresenta coloração típica,
marrom escuro, mas, à medida que ela vai se aquecendo,
sua cor e brilho começam a mudar. Com o aumento da
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
temperatura, a quantidade de radiação emitida aumenta
e os efeitos são visíveis: a parte aquecida adquire uma
coloração avermelhada, tornando-se incandescente. Em
temperatura ainda mais alta, a luz emitida seria brancoazulada. Neste caso, a cor da luz emitida, isto é, a
frequência da luz emitida, é proporcional à temperatura.
Segundo a física clássica, o fenômeno de emissão
térmica por uma barra de ferro incandescente poderia
ser explicado por meio da combinação de teorias da
termodinâmica e do eletromagnetismo, visto que o
processo envolve cargas elétricas, as quais podem vibrar
em resposta à energia absorvida, emitindo luz com
frequências mais altas, à medida que a temperatura
aumenta. Acontece que, na prática, existe certo grau de
dependência do material para o espectro emitido. No caso
específico do ferro, o material se derrete antes de atingir o
tom azulado. Apesar do infortúnio, os físicos dedicados
ao estudo da radiação emitida se questionavam se poderia
haver um irradiador ideal, isto é, um dispositivo capaz
de emitir radiação com espectro dependente apenas da
temperatura. Esses seriam, portanto, irradiadores de
espectro térmico de caráter universal.
3 RADIAÇÃO DE CAVIDADE
Na ânsia por estudar a emissão térmica,
Gustav Kirchhoff (o mesmo que descobriu a emissão
espectroscópica) propôs, por volta de 1860, a construção
de um dispositivo de cavidade interna, similar a um forno,
mas com características particulares: nenhuma radiação
poderia ser emitida pelas paredes externas do dispositivo
que seriam mantidas a temperatura constante, T . Neste
caso, com o aquecimento da cavidade do dispositivo, o
calor absorvido pelas paredes internas do mesmo induziria
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
87
Física Moderna
o movimento dos átomos, os quais começariam a vibrar e
colidir entre si, emitindo radiação eletromagnética para o
interior da cavidade. Esta mesma radiação seria reabsorvida
internamente, favorecendo o equilíbrio entre absorção
e emissão. Assim, a radiação incidente será refletida por
repetidas vezes no interior da cavidade.
O dispositivo idealizado por Kirchhoff foi
denominado corpo negro, visto que toda a radiação emitida
no interior da cavidade seria absorvida pelas paredes
internas do próprio corpo. Neste caso, o espectro emitido
deveria ser um espectro contínuo, uma vez que as linhas de
emissão e absorção do material se cancelariam mutuamente
(condição de equilíbrio), fazendo com que a emissão não
dependesse do material nem da geometria da cavidade,
mas apenas da temperatura interna. Um pequeno orifício
na parede do dispositivo foi aberto a fim de permitir a
passagem da radiação para o meio externo, de modo que esta
pudesse ser analisada. A Figura 2.1 ilustra um dispositivo
deste tipo. Assegurando-se de que a área do orifício é muito
pequena comparada com a superfície interna da cavidade,
uma quantidade desprezível de radiação será extraída para
investigação do espectro característico da temperatura T
das paredes do dispositivo. Esta temperatura, por sua vez,
tem o mesmo caráter que a radiação emitida pela superfície
de um irradiador ideal, tipo corpo negro, a temperatura T .
Figura 2.1 – Ilustração de um irradiador ideal: um forno aquecido a uma temperatura
T , do qual a radiação escapa através de um pequeno orifício em uma das paredes.
88
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Portanto segundo Kirchhoff:
Um corpo negro corresponde a um dispositivo
irradiador ideal, cujo espectro da radiação emitida
é conhecido como espectro de corpo negro, sendo a
temperatura do corpo o único fator determinante para
a quantidade de energia emitida em cada frequência.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
2
Imagem 2.2: Gustav Kirchhoff
Fonte: http://www-history.mcs.standrews.ac.uk/PictDisplay/Kirchhoff.
html
Unidade
Independente dos detalhes de sua constituição,
verifica-se que todos os corpos negros à mesma
temperatura emitem radiação térmica com o mesmo
espectro. As propriedades universais da radiação de
cavidade, ou radiação de corpo negro, fazem com que
estes dispositivos sejam de interesse teórico particular,
uma vez que o espectro emitido é útil para a compreensão
do processo de emissão da radiação, da mesma forma que
o conceito de “gás ideal” é útil para a compreensão dos
fenômenos termodinâmicos.
Mas como analisar o espectro de corpo negro?
Vamos começar discutindo a distribuição espectral da
radiação de corpo negro. Esta é especificada pela quantidade
RT (ν ), chamada radiância espectral, definida de forma
que RT (ν )dν seja igual à energia emitida por unidade
de tempo em radiação de frequência compreendida no
intervalo compreendido entre ν e ν + dν , por unidade
de área de uma superfície a temperatura T . As primeiras
medidas precisas dessa grandeza foram obtidas em 1899,
por Lummer e Pringsheim, utilizando um instrumento
similar ao espectrômetro de prisma.
A dependência observada experimentalmente de
RT (ν ) em ν e T é mostrada na Figura 2.2, a que mostra
a radiância espectral de um corpo negro em função da
frequência da radiação, para diferentes temperaturas.
Observe que a frequência na qual a radiância máxima
ocorre (linha pontilhada) aumenta linearmente com
a temperatura, e a potência total emitida por metro
89
Física Moderna
quadrado (área sob a curva) aumenta muito rapidamente
com a temperatura. Em particular, para T = 1000 K , observase que a potência é máxima para ν ~1,1x1014 Hz , uma vez
que a potência irradiada é máxima para esta frequência.
Há muito pouca potência irradiada abaixo de 0,5 x1014 Hz ,
chegando à potência nula para ν igual a zero. Para valores
acima de ν ~1,1x1014 Hz , a potência irradiada cai lenta, mas
continuamente à medida que ν cresce, e cai novamente
a zero, quando ν se aproxima de valores infinitamente
grandes.
Figura 2.2 – Radiância espectral de um corpo negro em função da frequência
da radiação mostrada para temperaturas de 1000 K , 1500K e 2000 K . A linha
pontilhada indica a freqüência na qual a radiância máxima ocorre. Note que este
valor aumenta linearmente com a temperatura, enquanto a potência total emitida
(área sob a curva) aumenta muito rapidamente com a temperatura.
Fonte: Eisberg & Rensick,1998
A integral da radiância espectral RT (ν ) sobre todas
as frequências ν corresponde à energia total emitida por
unidade de tempo, por unidade de área, por um corpo negro
a temperatura T , e é denominada radiância RT , sendo:
∞
RT = ∫RT (ν ) dν
0
(2.1)
Conforme discussão acima, RT (ν ) cresce rapidamente
com o aumento da temperatura. Este fato foi enunciado pela
primeira vez em 1879, sob a forma de uma relação empírica,
sendo conhecido como lei de Stefan, sendo:
90
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
RT = σ T 4 ,
(2.2)
onde σ é a chamada constante de Stefan-Boltzmann e vale:
σ = 5, 67 x10−8W / m 2 K 4
2
O deslocamento do espectro para regiões de maiores
frequências à medida que a temperatura aumenta é conhecido
como lei do deslocamento de Wien:
Unidade
ν max ∝ T ,
(2.3)
sendo ν max a frequência ν , na qual RT (ν ) tem seu valor
máximo para uma dada temperatura. À medida que T
cresce, ν max se desloca para frequências mais altas.
Todos os resultados apresentados acima estão de
acordo com as experiências realizadas. É notório que o
aumento de temperatura ocasiona quantidade maior de
radiação térmica emitida e a frequência de maior intensidade
se desloca para valores maiores, conforme previsto pelas
leis de Stefan e Wien. Entretanto, nossa investigação não
está completa, falta estimar a distribuição por frequência
da radiância espectral, RT (ν ). Ainda não apresentamos
esta relação por um motivo muito especial: resulta daí uma
das maiores discrepâncias entre a teoria clássica e os dados
experimentais, a qual ficou conhecida como catástrofe do
ultravioleta. Este será o nosso próximo assunto.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Suponha que temos dois pequenos corpos opacos
separados por uma grande distância, sustentados por
fios num grande recipiente onde se fez vácuo, e cujas
paredes são opacas e mantidas a temperatura constante.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
91
Física Moderna
Neste caso, os corpos e as paredes podem trocar energia
apenas através de radiação. Sendo e a taxa de emissão
de energia radiante por um corpo e a a taxa de absorção
de energia radiante, mostre que, no equilíbrio, é valida a
relação:
e1 e2
=
=1
a1 a2
Esta relação é conhecida como a lei de Kirchhoff
para a radiação.
Solução: O estado de equilíbrio é tal que a
temperatura é constante em todo o sistema fechado, e
nesse estado a taxa de emissão é necessariamente igual à
taxa de absorção para cada corpo. Assim, tem-se:
e1 = a1
e2 = a2
Portanto é válido dizer que:
e1
=1
a1
e:
e2
=1
a2
Ou seja:
e1
e
=1= 2
a1
a2
Em resumo, se um corpo, por exemplo, o corpo
2, for um corpo negro, então a2 > a1 , porque um corpo
negro é melhor absorvedor do que um que não é corpo
92
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
negro. Logo, segue-se que e2 deve ser maior que e1. Então,
o fato observado de que bons absorvedores também são
bons emissores é previsto pela lei de Kirchhoff.
4 CATÁSTROFE DO ULTRAVIOLETA
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
Unidade
2
Vamos então estimar a distribuição por frequência
da radiância espectral, RT (ν ). Consideremos uma cavidade
com paredes metálicas aquecidas uniformemente a
uma temperatura T . Então, as paredes emitem radiação
eletromagnética na faixa térmica de frequências. Sabemos
que esta emissão ocorre em função do movimento acelerado
dos elétrons constantes nas paredes metálicas, devido à
agitação térmica. No entanto, não é necessário estudar
a emissão dos elétrons, mas sim o comportamento das
ondas eletromagnéticas no interior da cavidade. Este foi o
procedimento adotado pelos físicos ingleses Lord Rayleigh
e Sir James Jeans, no ano de 1900, para estimar a radiação
emitida por um corpo negro.
Segundo a teoria eletromagnética, a radiação dentro
da cavidade deve existir na forma de ondas estacionárias
com nós sobre as superfícies metálicas do corpo. Utilizando
argumentos geométricos, Rayleigh e Jeans fizeram uma
estimativa do número de ondas estacionárias, cujas
frequências estão no intervalo compreendido entre ν e
ν + dν , a fim de determinar como este número depende
de ν . Segundo a física clássica, mais precisamente a teoria
cinética dos gases, a energia total média dessas ondas, quando
o sistema está em equilíbrio térmico, depende apenas da
temperatura T . Assim, o número de ondas estacionárias
no intervalo de frequência, multiplicado pela energia média
das ondas e dividido pelo volume da cavidade seria uma
93
Física Moderna
boa estimativa para a energia média da radiação contida na
cavidade no intervalo de frequência ν e ν + dν . Esta seria,
então, a densidade de energia, ρT (ν ), grandeza proporcional
à desejada radiância espectral, RT (ν ) :
ρT (ν ) ∝ RT (ν )
O resultado encontrado para a quantidade de ondas
estacionárias, N (ν ), permitida para cada frequência ν é:
N (ν ) dν =
8π 2
ν dν a 3 ,
c3
(2.4)
onde a é a medida da aresta da cavidade. Resta agora estimar
o cálculo da energia total média associada a cada onda estacionária.
De acordo com a física clássica, a energia de uma onda
pode assumir qualquer valor, de zero a infinito, sendo este
valor proporcional ao quadrado do módulo de sua amplitude.
Entretanto, para um sistema contendo grande número de
entes físicos do mesmo tipo, em equilíbrio térmico entre
si, a uma temperatura T , a física clássica faz previsões bem
definidas acerca dos valores médios das energias destes entes.
A previsão vem da teoria cinética clássica e é chamada lei
da equipartição de energia. Esta lei, ou princípio, estabelece
que, para um sistema de moléculas de um gás em equilíbrio
térmico a uma temperatura T , a energia cinética média de
uma molécula por grau de liberdade é dada por kT , sendo
2
k uma constante denominada constante de Boltzman, e
vale: k = 1,38 x10−23 J / K . Esta previsão da física clássica se
aplica perfeitamente ao contexto, se considerarmos que os
entes são as ondas estacionárias que têm apenas um grau de
liberdade, no caso a amplitude do campo elétrico. Entretanto,
por se tratar de ondas estacionárias com oscilação senoidal,
a energia total de cada onda é igual a duas vezes o valor
94
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
atribuído à energia cinética média. Assim, de acordo com
a equipartição clássica, cada onda estacionária na cavidade
tem uma energia total média dada por:
ε = kT
ρT (ν ) dν =
Unidade
2
(2.5)
Importante notar que esta estimativa prevê que a
energia total média independe da frequência de cada onda.
Agora,
nos resta multiplicar a energia total média estimada
em (2.5) pelo número de ondas estacionárias na cavidade,
expressão (2.4). Assim, obtém-se, finalmente, a fórmula de
Rayleigh-Jeans para a radiação de corpo negro:
8πν 2 kT
dν
c3
(2.6)
Esta expressão, a princípio, define como deve ser o
espectro de radiação de corpo negro em função da frequência
emitida. É possível notar que, em baixas frequências, a
emissão é mais fraca, entretanto, à medida que a frequência
cresce, a previsão teórica vai a infinito. Entretanto, os valores
experimentais indicam que a radiação emitida é sempre
finita e tende a zero, para frequências muito altas, conforme
observamos na Figura 2.2. Portanto o espectro previsto pela
física clássica era completamente diferente daquele medido
em laboratório. A previsão teórica sequer passa pelo máximo
da curva experimental! Diante das evidências, era gritante a
necessidade de reformulação da teoria, a fim de explicar os
espectros obtidos experimentalmente. A constatação desta
falha grosseira da teoria clássica na previsão dos espectros
de corpo negro ficou conhecida como a catástrofe do
ultravioleta termo sugestivo que enfatiza a não validade da
teoria clássica nesta região do espectro eletromagnético.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
95
Física Moderna
5 A QUANTIZAÇÃO DE ENERGIA
Imagem 2.3: Max Planck
Fonte: http://www.spaceandmotion.
com/Physics-Max-Planck.htm
A catástrofe do ultravioleta culminou em um dos
maiores dilemas científicos vivenciados pelos físicos no
século XX. Após várias tentativas frustradas no intuito
de conciliar a teoria clássica e as medidas experimentais,
no dia 19 de outubro de 1900, o físico alemão Max Planck
anunciou à sociedade Berlinense de física que havia
encontrado uma solução para contornar o problema
dos espectros de corpo negro. Entretanto a solução
apresentada por Planck acabou por provocar uma revisão
profunda de conceitos clássicos, desta vez os conceitos
relacionados com a continuidade dos processos da
natureza.
Ao tentar solucionar a discrepância entre a teoria
e a experiência, Planck percebeu que era necessário
introduzir “um corte” na distribuição de energia para altas
frequências, ou seja, era necessário satisfazer a condição:
ε →0
ν →∞
você sabia?
A função de distribuição
de Boltzmann está diretamente
relacionada
à
função de distribuição de
velocidades de Maxwell e
nos diz como as moléculas em um gás, a pressão e temperatura constantes, se distribuem de
acordo com suas velocidades. Assim, a função
de distribuição de Bolt-
(2.7)
E, assim, Planck foi levado a considerar a hipótese
de violação da lei de equipartição de energia, um dos
pilares da teoria cinética. Planck então se voltou à
investigação da origem da lei de equipartição, chegando
até a lei de distribuição de Boltzmann:
zmann estima a energia
−ε
de uma molécula num
e kT
P (ε ) =
kT
sistema de moléculas em
equilíbrio térmico.
(2.8)
Esta formulação expressa a probabilidade,
P ( ε ) d ε , de encontrar um dado ente de um sistema
com energia no intervalo entre ε e ε + d ε , quando o
número de estados de energia para o ente nesse intervalo
independe de ε . Assim, de acordo com a teoria clássica,
96
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
a energia das ondas estacionárias oscilando em movimento
harmônico simples em equilíbrio térmico, no interior de
uma cavidade de corpo negro, deveria ser governada por
(2.8).
Para estimar a energia média dos entes no sistema
que estamos considerando, é necessário calcular:
ε=
∫
∞
ε P (ε ) d ε
−∞
∞
∫ P (ε ) d ε
0
Unidade
2
(2.9)
O integrando no numerador da expressão acima
representa a energia ε , ponderada pela probabilidade
que o ente tem de ser encontrado com esta energia. Já o
denominador representa a probabilidade de encontrar o
ente com qualquer energia e, portanto, deve ter unitário.
Assim, obtém-se justamente a lei de equipartição de energia,
ε = kT .
A grande contribuição de Planck surgiu quando ele percebeu
que poderia obter o corte necessário na distribuição, indicado
em (2.7), caso modificasse o cálculo que leva de P (ε ) a ε ,
tratando a energia ε como se ela fosse uma variável discreta
ao invés de uma variável contínua. Assim, a suposição de
Planck era que a energia ε só poderia assumir certos valores
discretos, ao invés de qualquer valor!
Planck considerou, ainda, que os valores discretos
de energia fossem uniformemente distribuídos, sendo o
conjunto de valores permitidos do tipo:
ε = 0, ε , 2∆ε , 3∆ε , 4∆ε …
E mais, Planck descobriu que era possível obter
ε ≅ kT quando a diferença entre energias sucessivas ∆ε
fosse pequena, e ε ~ 0 quando ∆ε fosse grande. Assim, era
preciso obter: ∆ε pequeno para baixas frequências e ∆ε
grande para altas frequências, ou seja, ∆ε deveria ser uma
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
97
Física Moderna
função crescente em ν . Sendo assim:
∆ε ∝ ν
(2.10)
Considerando, a princípio, uma relação mais simples
possível entre ∆ε e ν , Planck propôs:
∆ε = hν ,
(2.11)
Sendo h uma constante de proporcionalidade, cujo
valor foi obtido em função do melhor ajuste entre os
espectros obtidos experimentalmente. A constante h foi
batizada como constante de Planck, em homenagem ao seu
proponente, e tem valor estimado em:
h = 6, 63 x10−34 J .s
A formulação obtida por Planck para a energia média
das ondas estacionárias, ε , é obtida por meio da substituição
da expressão (2.11) na integral (2.9), sendo:
∫
ε=
∞
ε P (ε ) d ε
−∞
∞
∫ P (ε ) d ε
hν
= ε (ν ) =
e
0
hν
kT
−1
(2.12)
E, seguindo a definição em (2.6), o espectro de corpo
negro de Planck resulte em:
ρT (ν ) dν =
98
Física
8πν 2
c3
hν
e
hν
kT
−1
dν
(2.13)
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Em função do comprimento de onda, tem-se:
ρT ( λ ) d λ =
8π hc
λ
5
dλ
e
hc
λ kT
−1
(2.14)
Unidade
2
Importante salientar que Planck não alterou
a distribuição de Boltzmann, ele apenas considerou
valores discretos de energia para as ondas estacionárias
eletromagnéticas, oscilando senoidalmente com o
tempo. Procedendo assim, ele obteve uma expressão
para a radiância de corpo negro perfeitamente ajustada
às medidas obtidas em todos os comprimentos de onda,
conforme mostra a Figura 2.3. A densidade de energia
estimada por Planck para a radiação de corpo negro a
diferentes temperaturas em função do comprimento de
onda é ilustrada na Figura 2.4.
Figura 2.3 – Previsão de Planck para a densidade de energia (linha sólida) comparada aos
resultados experimentais (círculos0 para a densidade de energia de um corpo negro a
−34
temperatura de 1599° K . Estes dados levaram a um valor de 6,57 x10 J .s
Fonte: Eisberg & Resnick, 1998
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
99
Física Moderna
você sabia?
A mais forte das comprovações experimentais a respeito da radiação de corpo
negro foi obtida em 1965
com a descoberta da Radiação Cósmica de Fundo.
Esta radiação permeia todo
o universo, que é também
denominada
corpo
radiação
negro
de
universal,
apresenta espectro de corpo negro quase perfeito
com máximo de emissão
na região de microondas,
e é considerada um dos pilares do modelo de universo em expansão. Segundo
este modelo, a radiação de
fundo é remanescente dos
primórdios
do
universo,
Figura 2.4 – A densidade de energia de Planck da radiação de corpo negro a várias
temperaturas em função do comprimento de onda. Observe que o comprimento de onda
no qual a curva atinge seu máximo decresce à medida que a temperatura cresce.
Fonte: Eisberg & Resnick, 1998.
estaria se propagando pelo
espaço e se resfriando, à
medida que o universo se
expande, mantendo inalterada a forma do espectro.
Atualmente, em órbita da
Terra encontra-se um satélite europeu, batizado com
nome Planck, cuja finalidade é estudar a distribuição
espacial desta radiação e
inferir parâmetros observáveis
para
investigação
de modelos cosmológicos
como
Bang.
o
modelo
do
Big
Faltava ainda analisar duas questões: a lei Stefan e a
lei de deslocamento de Wien a partir da fórmula de Planck!
A lei de Stefan pode ser obtida integrando-se a lei de
Planck sobre todo o espectro de frequência. Perfazendo a
integral, obtém-se que a radiância estimada é proporcional
à quarta potência da temperatura, em conformidade com
a lei, sendo a constante de proporcionalidade, igual a:
σ=
2π k 4
= 5, 67 x10−8W / m 2 K 4
15c 2 h3
Já a lei de deslocamento de
Wien é obtida por meio da condição:
d ρ (λ )
= 0, resultando em:
dλ
λmaxT =
Imagem 2.4: Ilustração do satélite Planck atualmente em órbita.
Fonte: http://planck.caltech.edu/
100
0, 2014hc
.
k
As constantes ao lado direito da
equação acima representam a constante
de proporcionalidade de Wien, cujo
valor estimado é: 2,898 x10−3 m.K . Assim,
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
podemos reduzir a expressão acima a:
λmaxT = 2,898 x10−3 m.K
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Supondo que as superfícies estelares se comportam
Unidade
2
como corpos negros, é possível obter uma boa estimativa
de suas temperaturas. Sabendo que o valor medido de
λmax para o nosso Sol é λmax = 5100,侌
, enquanto que para a
Estrela do Norte (Estrela Polar) é de λmax = 3500 侌
,, ache:
a ) a temperatura de superfície dessas estrelas.
Solução: Invertendo a lei de deslocamento de
Wien, tem-se:
T=
2,898 x10−3 m.K
λmax
Substituindo os valores de λmax , temos:
TSol
2,898 x10−3 m.K
=
= 5, 68 x103 K ≅ 5700 K
−10
5100 x10 m
TNorte =
2,898 x10−3 m.K
= 8, 28 x103 K ≅ 8300 K
3500 x10−10 m
b) usando a lei de Stephan e a temperatura calculada
no item a, determine a potência máxima irradiada por
1cm 2 de superfície estelar.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
101
Física Moderna
Solução:
Para o Sol, o valor de RT será:
RT = σ T 4 =
5, 67 x10−8W
4
( 5700 K ) = 5,90 x107 W / m2 ≅ 6.000W / cm2
2
4
m K
Para a Estrela do Norte:
RT = σ T 4 =
5, 67 x10−8W
4
(8300 K ) = 2, 71x108W / m2 ≅ 27.000W / cm2
m2 K 4
6 PLANCK E A QUANTIZAÇÃO DE ENERGIA
A formulação de Planck para a radiação de corpo
negro representa o marco de nascimento da física quântica.
Entretanto, apesar do esforço de Planck, seu trabalho não
estava completo, faltava encontrar um significado físico por
trás da nova formulação. Por certo que esta foi a tarefa mais
difícil!
Apesar da boa concordância entre a teoria e os dados
experimentais, a ideia de que a energia da radiação só poderia obter valores discretos não estava muito bem ajustada à
física da época, pois não havia uma base conceitual que justificasse tal fenômeno. Como conciliar o conceito de radiação
eletromagnética, impecavelmente descrita pelas equações
de Maxwell, e o conceito de descontinuidade de energia? E
mais, como descrever os fenômenos ondulatórios típicos,
como interferência e difração, na condição de energia discreta? Estes eram os maiores questionamentos no início do
século XX (antes da publicação dos trabalhos da teoria da
relatividade de Einstein!).
Na tentativa de explicar a física por trás do seu tra-
102
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
Unidade
2
balho, inicialmente Planck propôs que os átomos (responsáveis pela emissão das ondas eletromagnéticas) não liberam
radiação de modo contínuo, mas o fazem em múltiplos discretos, como pequenos “pacotes” de uma quantidade fundamental de energia. Estes “pacotes”, Planck chamou de quantum, palavra que em latim significa uma “porção”. Assim,
Planck abandonava a ideia tradicional e bastante arraigada
nos físicos da época de que a energia de um oscilador harmônico varia continuamente. Entretanto, o próprio Planck
não se convencia com a hipótese quântica! Ao perceber a
mudança radical de concepção que estava propondo, Planck
quis recuar e passou a questionar o seu próprio trabalho.
Planck não estava seguro quanto à introdução da constante
h e seu importante papel na teoria e passou a amenizar sua
ideia revolucionária, dizendo que no vácuo a radiação é bem
descrita pelas equações de Maxwell e, portanto, se propaga em ondas. Assim, a descontinuidade se daria somente na
zona de interação entre matéria e radiação. Planck chegou a
comentar sobre o seu trabalho, referenciando-o como “ato
de desespero” na tentativa de explicar o espectro de corpo
negro e passou anos seguidos tentando, sem sucesso, conciliar a ideia de energia discreta e os conceitos da física clássica.
As inquietações de Planck se acalmaram um pouco
em 1905, quando Albert Einstein, convencido da teoria de
Planck, propôs estender o conceito de quantização de energia
para toda classe de fenômenos de radiação eletromagnética.
E Einstein estava certo! Descobertas posteriores no campo
subatômico mostraram que o conceito de quantização de
energia é universal, sendo válida não somente para átomos,
mas também para todas as espécies de sistemas, sejam
núcleos, moléculas ou elétrons nos sólidos. Apesar da
descrença de muitos físicos famosos, com o passar dos anos,
a física quântica se consolidou enquanto teoria soberana e
absoluta na descrição do mundo microscópico.
103
Física Moderna
Em 1917, passados exatamente 17 anos, Einstein
apresentou uma derivação extremamente simples do
espectro de corpo negro, fazendo com que as suposições
de Planck se tornassem mais claras. Segundo Planck, a
energia da radiação na cavidade é quantizada, isto é, esta
radiação aparece sob a forma de fótons, de energia E = hν .
Mas, segundo Einstein, a explicação mais precisa do
processo é: a energia dos átomos que formam a cavidade
é quantizada, ou seja:
Os átomos que formam as paredes da cavidade só podem
existir em estados definidos de energia; estados com
energias intermediárias não são possíveis.
A relutância dos físicos da época em aceitar o
fenômeno da quantização de energia, incluindo-se o
próprio Planck, não é injustificada. As concepções da
física clássica são inteiramente baseadas em processos
contínuos, seguindo a nossa percepção do mundo
cotidiano. Assim como nos fenômenos relativísticos,
novamente somos traídos pelos nossos sentidos, pois
não conseguimos perceber este caráter “granular” dos
fenômenos. No entanto, o mundo microscópico parece
contestar o nosso bom senso.
De acordo com a teoria clássica, era intuitivo
aceitar que uma grandeza como a energia
pudesse assumir qualquer valor, ainda
que fosse infinitamente pequeno, mas
sempre em processo contínuo. De
acordo com a teoria quântica, o mínimo
permitido tem, agora, um valor finito,
definido pela constante h , sendo esta
a dimensão característica do mundo
−34
J .s. Assim sendo, a
Imagem 2.5: Max Planck e Albert Einstein em 1929, por ocasião quântico, h ~ 10
de entrega da Medalha Max Planck, recompensa oferecida pela
sociedade alemã de física.
quantização de energia representa uma
Fonte: http://th.physik.uni-frankfurt.de/~jr/physpiceingroup.html
104
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
limitação imposta pela própria natureza para definir a
menor unidade possível de energia, que, por menor que seja,
é sempre finita! Por sua grande influência na descrição dos
fenômenos quânticos, a constante de Planck, assim como
a velocidade da luz, representa uma das mais importantes
constantes fundamentais da natureza, tendo sua presença
assegurada no desenvolvimento de toda a teoria quântica.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Unidade
2
A Luz amarela de uma lâmpada de vapor de
sódio tem um comprimento de onda de 589 nm. Qual é
a energia dos fótons correspondentes?
Solução: substituindo c = λν na equação de
energia de Planck, tem-se:
E = hν =
hc
λ
( 4,14 x10
=
−15
)(
eV .s 3, 00 x108 m / s
−9
589 x10 m
) = 2,11eV
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Durante o processo de decaimento radioativo,
certo núcleo emite um raio gama cuja energia do fóton
é 1, 31 MeV . Responda:
a) a que comprimento de onda corresponde este
fóton?
Solução:
Novamente, trabalhando substituindo a relação
c = λν na equação de energia de Planck, tem-se:
λ=
UESC
c
ν
=
hc
hν
=
(
)(
)
4,14 x10−15 eV .s 3, 00 x108 m / s
hc
=
= 9, 20 x10−13 m
E
1,35 x106 eV
Módulo 8 I
Volume 1
105
Física Moderna
b) qual é o momento linear deste fóton?
Solução:
Empregando novamente a relação c = λν , tem-se:
p=
h
λ
=
hν
λν
=
E
,
c
na qual E é a energia do fóton. Por substituição direta,
encontramos:
p=
(
)
−13
E (1,35MeV ) 1, 60 x10 J / MeV
=
= 7, 20 x10−22 kg .m / s
8
c
3, 00 x10 m / s
A expressão do momento linear é também
expressa em função da velocidade da luz, ou seja:
p=
E
= 1,35MeV / c
c
A vantagem desta expressão é que, dada a energia
de um fóton, você conhece imediatamente o seu
momento e vice-versa.
7 O EFEITO FOTOELÉTRICO
Em 1886, enquanto realizava seus experimentos
para confirmar a existência das ondas eletromagnéticas,
Heinrich Hertz observou que uma descarga elétrica entre
dois eletrodos ocorre mais facilmente quando se faz incidir
sobre eles uma luz com comprimento de onda específico
na região do ultravioleta. Entretanto este curioso fenômeno
não podia ser explicado pelo eletromagnetismo de Maxwell
106
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
e, àquela época, por nenhuma outra teoria. Anos mais tarde,
precisamente em 1905, este tema foi abordado em um dos
artigos publicados por Albert Einstein, e recebeu o nome de
efeito fotoelétrico. Segundo Einstein, a emissão de elétrons
de uma superfície, devida à incidência de luz sobre essa
superfície, ocorre por conta da energia da luz incidente.
O efeito observado é como se a luz expulsasse os elétrons
da superfície metálica. Contudo a física clássica não podia
explicar este efeito que, segundo Einstein, é decorrente da
quantização de energia. De fato, a explicação é imediata se
compararmos como uma colisão entre um quantum de luz
incidente e um elétron dentro do metal.
A Figura 2.5 mostra o esquema do aparelho usado
para estudar o efeito fotoelétrico. Uma luz monocromática
de frequência ν atinge a placa metálica P e libera elétrons,
chamados fotoelétrons. Uma diferença de potencial
adequada V entre P e a placa coletora C acelera esses
elétrons, que são detectados como uma corrente fotoelétrica
no amperímetro A .
Figura 2.5 – Esquema do aparelho
utilizado para estudar o efeito
fotoelétrico. A luz incidente atinge
a placa P, ejetando fotoelétrons que
são capturados pela placa C. Os
fotoelétrons movem-se no circuito
no sentido oposto ao da corrente
convencional.
Fonte: Halliday & Resnick, 1991
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
107
Física Moderna
Se o sinal V é invertido, a corrente fotoelétrica não
cai imediatamente a zero, o que sugere que os elétrons são
emitidos de A com alguma energia cinética. Alguns alcançarão
o coletor C , apesar de o campo elétrico opor-se ao seu
movimento. Entretanto, se essa diferença de potencial tornase suficientemente grande, um valor V0 chamado potencial de
corte ou potencial limite é atingido, a corrente fotoelétrica cai
a zero. Assim, pode-se dizer que esta é a diferença de potencial
necessária para parar os elétrons mais rápidos. Então, esta
diferença de potencial V0 , multiplicada pela carga do elétron,
mede a energia cinética K max do mais rápido fotoelétron emitido.
Ou seja:
K max = eV0
(2.15)
Uma das constatações experimentais é que a energia
cinética dos elétrons mais energéticos independe da intensidade
da luz, depende apenas da frequência ν . Existe um limiar de
frequência, ν 0 , chamada frequência de corte, abaixo do qual
o efeito fotoelétrico deixa de ocorrer. Estas informações
foram obtidas pelo físico americano Robert Millikan em 1914,
cujo trabalho lhe rendeu o prêmio Nobel de física em 1923.
Entretanto, em 1921, Einstein já havia recebido o prêmio pela
explicação do fenômeno, em 1905. Já o termo fóton só foi
introduzido em 1926, pelo físico americano Gilbert Lewis, o qual
o definiu como “átomos de luz”. Einstein usava a denominação
de quantum de luz.
8 A EXPLICAÇÃO DE EINSTEIN PARA O EFEITO
FOTOELÉTRICO
A explicação para o efeito fotoelétrico é considerada
por muitos historiadores como um verdadeiro ato de coragem
108
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
intelectual de Albert Einstein. Numa época em que os físicos
estavam bastante satisfeitos com a teoria Ondulatória da luz,
as ideias do quantum de Einstein não foram recebidas com
bons olhos. Ainda assim, Einstein colocou em questão a teoria
clássica da luz, propôs uma nova teoria, e ainda citou o efeito
fotoelétrico como uma aplicação que poderia testar a teoria
correta! Entre os grandes críticos de Einstein, estava Max
Planck! Ao recomendar Einstein para membro da academia
da Academia Real de Ciências da Prússia, em 1913, Planck
escreveu: “que ele tenha algumas vezes errado o alvo em suas
especulações, como, por exemplo, em sua teoria do quantum
de luz, não pode ser realmente usado contra ele”. Planck era
um dos grandes defensores da teoria ondulatória, ele realmente
acreditava que a energia eletromagnética, uma vez irradiada, se
espalhava pelo espaço na forma de ondas.
Apesar das posições contrárias, três aspectos
importantes a respeito do efeito fotoelétrico chamaram a
atenção dos físicos da época, uma vez que não poderiam ser
explicados pela teoria ondulatória clássica da luz, são eles:
1- A teoria ondulatória requer
que a amplitude do

campo elétrico oscilante E da onda luminosa cresça
se a intensidade da luz for
 aumentada. Já que a força
aplicada ao elétron é: eE , isto sugere que a energia
cinética dos fotoelétrons também deveria crescer ao
aumentar a intensidade do feixe. Entretanto, no efeito
fotoelétrico, observa-se que a energia cinética dos
fotoelétrons é independente da intensidade da luz.
Ao duplicar a intensidade da luz, duplica o número
de quantum e, consequentemente, duplica a corrente
fotoelétrica, mas a energia cinética dos fotoelétrons
não se altera.
2- De acordo com a teoria ondulatória, o efeito
fotoelétrico deveria ocorrer para qualquer frequência
da luz, desde que esta fosse intensa o suficiente para
fornecer a energia necessária para a ejeção dos elétrons.
No entanto, observa-se que há um limiar de frequência,
ν 0 , característico. Para frequências menores, o efeito não
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
109
Física Moderna
ocorre, independentemente da intensidade da luz. No
entanto, um fóton com frequência ν 0 tem exatamente
a energia necessária para ejetar o fotoelétron e nenhum
excesso aparece como energia cinética.
3- De acordo com a teoria clássica, se a luz incidente
fosse suficientemente fraca, deveria haver um intervalo
de tempo mensurável entre o instante em que a luz
começa a incidir sobre a superfície e o instante de
ejeção do fotoelétron. Durante este intervalo, o elétron
estaria absorvendo energia do feixe, até acumular o
suficiente para escapar. No entanto, nenhum retardo
foi detectado nas medidas experimentais. Assim,
considerando os fótons como partículas, a explicação
quântica garante a transferência de energia instantânea
dos fótons aos elétrons.
Einstein concentrou sua explicação para o efeito
fotoelétrico na maneira corpuscular com que a luz é emitida e
absorvida.
Einstein supôs que certo pacote de energia, o fóton, está
inicialmente localizado em um pequeno volume do espaço, e
que permanece localizado à medida que se afasta da fonte com
velocidade c. Ele supôs que a energia E do pacote, ou fóton, está
relacionada com sua frequência ν pela equação:
E = hν
(2.16)
Supôs também que no processo fotoelétrico, um fóton é
completamente absorvido por um elétron no fotocatodo (superfície
metálica). Quando um elétron é ejetado, sua energia cinética é:
K = hν − w,
(2.17)
sendo a energia do fóton incidente e é o trabalho necessário
para remover o elétron do metal. Este trabalho é necessário para
superar os campos atrativos dos átomos na superfície e as perdas
de energia cinética devida às colisões internas do elétron. Portanto
a energia cinética máxima dos fotoelétrons será:
K max = hν − w0 ,
(2.18)
onde w0 é a energia característica do metal, chamada função
trabalho, definida como a energia mínima necessária para um
elétron atravessar a superfície do metal e escapar às forças
atrativas que normalmente ligam o elétron ao metal.
110
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
Note que os fótons são absorvidos no processo
fotoelétrico. Desta forma, os elétrons precisam estar ligados
a átomos, ou sólidos, uma vez que um elétron livre não pode
absorver um fóton e conservar simultaneamente a energia e
o momento relativístico totais. Portanto é necessário ter
elétrons inicialmente ligados para que as forças de ligação
transmitam momento para o átomo ou sólido. Estes, devido à
sua grande massa, podem absorver a quantidade de momento
correspondente, sem adquirir quantidade significativa de
energia.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Uma folha de potássio está a uma distância r = 3, 5m
de uma fonte de luz, cuja potência P = 1, 5W . Supondo que
a luz incidente seja uma onda, calcule quanto tempo seria
necessário para que a folha armazenasse energia suficiente
( 1,8 eV ) para um fotoelétron. Suponha que o elétron
absorva sua energia de uma área circular de chapa, cujo
raio é de 5,3 x10−11 m. Este valor de raio é denominado raio
de Bohr, sendo aproximadamente igual ao raio médio de
um átomo médio.
Solução:
A área A do alvo é dada por:
(
A = π r 2 = ( 3,14 ) 5,3 x10−11 m
)
2
= 8,8 x10−21 m 2
Se a fonte de luz irradiar uniformemente em todas
as direções, a iluminação I na chapa será:
I=
UESC
P
1,5W
=
= 9, 7 x10−3W / m 2
2
2
4π r
( 4π )( 3,5m )
Módulo 8 I
Volume 1
111
Física Moderna
A taxa de energia, R, que incide sobre o alvo é,
então:
(
)(
)
R = IA = 9, 7 x10−3W / m 2 8,8 x10−21 m 2 = 8,5 x10−23W
Se toda a energia incidente for absorvida, o tempo
necessário para que a energia se acumule o suficiente para
ejetar o elétron será:
1,8eV

  1, 6 x10−19 J   1min 
t =

 = 56 min

−23
 8,5 x10 J / s   1eV
  60s 
No entanto não foi detectado nenhum retardamento
em quaisquer circunstâncias.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Qual a taxa segundo a qual os fótons atingem a placa
do metal no exercício anterior? Suponha um comprimento
de onda de 589nm (luz amarela do sódio) e uma área de
1cm 2 .
Solução:
Usando os resultados do problema anterior, podemos
expressar a iluminação na placa como:
 9, 7 x10−3W   1eV
I =

−19
m2

  1, 6 x10 J

16
2
 = 6,1x10 eV / m .s

Mas já sabemos que a energia de cada fóton é de
2,1eV (vide exercício resolvido na seção 2.6). Assim, a
taxa segundo a qual os fótons atingem a placa é:
 1 fóton  −4 2
R = 6,1x1016 eV / m 2 .s 
10 m = 2,9 x1012 fótons / s

 2,1eV 
112
(
)
Física
(
)
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Repare que, mesmo para este nível baixo de iluminação
(~ 1µW / cm 2 ), a taxa de fótons é muito grande, cerca
de 108 fótons atingindo a placa por segundo. É por este
motivo que a granulosidade da luz não é percebida na vida
cotidiana.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Calcule a função trabalho para o sódio, sabendo que o
Unidade
2
limiar de frequências para este material é: ν 0 = 4,39 x1014 / s.
Solução:
Substituindo o valor de ν 0 na expressão (2.18), temse:
 4,39 x1014 
w0 = hν 0 = 6, 63 x10−34 J .s 

s


(
)
1eV

w0 = 2,92 x10−19 J 
−19
 1, 60 x10 J
(
)

 = 1,82 eV

Portanto a energia mínima necessária para arrancar
um elétron do sódio é de 1,82 eV .
9 O EFEITO COMPTON
Outro importante experimento a evidenciar a natureza
corpuscular da radiação eletromagnética foi realizado em 1923,
pelo físico americano Arthur Compton. Compton fez com que
um feixe de raios X, com comprimento de onda λ , incidisse
sobre um alvo de grafite, conforme esquema ilustrado na Figura
2.6. Foi então medida a intensidade dos raios X espalhados
como função do seu comprimento de onda, para vários ângulos
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
113
Física Moderna
de espalhamento. Embora o feixe incidente consistisse de
um único comprimento de onda λ , os raios X espalhados
têm máximos de intensidade em dois comprimentos de
onda: um deles o próprio comprimento λ e o outro λ ',
um pouco maior que λ , sendo λ=λ' +∆λ. Este efeito
foi denominado, efeito de deslocamento Compton, ou
simplesmente, deslocamento Compton, e varia conforme
o ângulo de espalhamento dos raios X observados.
Imagem 2.6: Arthur Compton
Fonte:http://www.nobelprize.
org/nobel_prizes/physics/
laureates/1927/compton-bio.html
Figura 2.6 – Representação esquemática da experiência de Compton.
Raios X monocromáticos de comprimento de onda λ incidem
sobre um alvo de grafite. A distribuição da intensidade em função
do comprimento de onda é emitida para os raios X espalhados em
qualquer ângulo θ . Os comprimentos de onda espalhados são
medidos observando-se a reflexão de Bragg em um cristal. Suas
intensidades são medidas por um detector como, por exemplo, uma
câmara de ionização.
A presença do comprimento de onda λ ' não pode
ser compreendida se os raios X incidentes forem encarados
como uma onda eletromagnética clássica. Neste caso, a
onda de frequência faria com que os elétrons do material
oscilassem na mesma frequência, como cargas oscilando
numa antena transmissora, e, consequentemente,
irradiariam sempre com o mesmo comprimento de onda.
No entanto, as observações indicam dois comprimentos
de onda distintos.
114
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Compton interpretou seus resultados experimentais
da mesma forma que Einstein o fez para o efeito fotoelétrico,
considerando a natureza corpuscular da luz. Entretanto, ao
invés de serem absorvidos, os fótons incidentes com energia
E = hν colidem com os elétrons livres do alvo, da mesma
forma que colidem duas bolas de bilhar! Uma vez que o fóton
incidente transfere parte de sua energia para o elétron com o
qual colide, o fóton espalhado deve ter uma energia E’ menor,
'
ou seja, a frequência de emissão deve ser mais baixa: ν ´= E / h.
'
Assim, o comprimento de onda espalhado será: λ = c / λ. Neste
Unidade
2
contexto, os fótons são tratados como simples partículas, ao
contrário do tratamento ondulatório clássico. A diferença
básica entre o espalhamento Compton e o efeito fotoelétrico
é que, no efeito Compton, os fótons são espalhados; enquanto
no efeito fotoelétrico, os fótons são absorvidos.
Mas a esta altura, você deve estar se perguntando: como um fóton
pode transferir apenas parte da sua energia se, conceitualmente, o
quantum de luz implica em indivisibilidade? No caso, o processo de
espalhamento é descrito como a absorção de um fóton incidente e a
subsequente emissão de outro fóton, em outra direção. Entretanto,
do ponto de vista da conservação do momento e da energia, o
processo é similar a um espalhamento! E por que a colisão se
dá com elétrons livres e não com os átomos? Foi observado que
a frequência da radiação espalhada era independente do material
constituinte do alvo. Assim, o espalhamento não deve envolver
átomos inteiros, mas apenas os elétrons livres do material.
Baseado na ideia de que um fóton é uma partícula com
energia E e momento p, a relação relativística entre estas
grandezas, conforme visto na unidade anterior, é dada pela
equação (1.43):
E 2 = c 2 p 2 + m02 c 4
Entretanto, fótons não têm massa de repouso, ou seja, m0=0.
Assim sendo:
p=
E hν
=
c
c
(2.19)
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
115
Física Moderna
Em termos do comprimento de onda:
p=
h
λ
(2.20)
Por meio do tratamento relativístico para a colisão entre
um fóton e um elétron, e o critério de conservação de energia,
é possível encontrar a variação de comprimento de onda dos
fótons espalhados no efeito Compton, sendo:
Ä
∆λ = λ1 − λ0 =
h
(1 − cosφ ) ,
me c
(2.21)
Onde: λ0 é comprimento de onda do fóton incidente, λ1 é
comprimento de onda do fóton espalhado, me é a massa de repouso do elétron, e φ representa o ângulo de espalhamento
do fóton. A constante h / me c é chamada de comprimento de
onda Compton do elétron. Assim, a expressão (2.21) se reduz
a:
Ä
∆λ = λ1 − λ0 = λC (1 − cosφ ) ,
para:
λC ≡ h m c = 2, 43x10−12 m = 0, 0243侌
e
(2.22)
Agora, resta apenas explicar o que acontece com aqueles
comprimentos de onda que não se alteram durante o processo
de espalhamento. Pois bem, este pico resulta do espalhamento
de elétrons ligados aos átomos do material alvo. Assim, o
processo de colisão se dá com o átomo inteiro, cuja massa é
muito maior que a massa do elétron. Para melhor entender esta
consideração, substitua na equação (2.22) a massa de repouso
do elétron pela massa de repouso do átomo (cerca de 22.000
116
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
vezes maior). Neste caso, a diferença entre os comprimentos
de onda, incidente e espalhado, será incomensuravelmente
pequena, ou seja, desprezível, ∆λ ~ 0. Neste caso, o espalhamento
é chamado espalhamento Thomson, em homenagem ao físico
britânico que primeiro observou este fenômeno.
2
Em síntese, no processo de espalhamento dos fótons: alguns são
espalhados por elétrons livres e têm seu comprimento de onda
modificado, este é o chamado espalhamento Compton. Entretanto
outros são espalhados em todas as direções por elétrons ligados,
mas não têm seu comprimento de onda alterado, é o chamado
espalhamento Thompson.
Unidade
você sabia?
Além do efeito fotoelétrico e dos espalhamentos Compton e Thomson, há
outro processo pelo qual os fótons interagem com a matéria, é o chamado
processo de produção de pares. Neste caso, um fóton de alta energia
perde toda sua energia
hν
em uma colisão com o núcleo, criando um par
de partículas: elétron e pósitron, com certa energia cinética. A presença
do núcleo pesado é necessária para assegurar a conservação de energia
e momento do sistema. Também ocorre o processo inverso, chamado
aniquilação de pares. Neste caso, o par elétron-pósitron se une e se aniquila,
emitindo dois fótons que se movem com o mesmo momento e sentidos
opostos.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Raios X de comprimento de onda 22 pm são espalhados
por um alvo de carbono, formando a radiação espalhada um
ângulo de 85° com o feixe incidente. Responda: a ) qual é
o deslocamento Compton?
Solução:
De acordo com a equação (2.21), temos:
(
(
)
6, 63 x10−34 J .s (1 − cos85° )
h
∆λ =
Ä
(1 − cosφ ) =
me c
 3, 00 x108 m 
9,11x10−31 kg 

s


)
∆λ = 2, 21x10−12 m = 2, 21 pm
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
117
Física Moderna
b) então, que porcentagem da energia inicial é pedida pelo
raio X incidente?
Solução:
A perda percentual de energia é estimada por:
f =
E − E ' hν − hν ' ( c / λ ) − ( c / λ ') λ − λ '
Δλ
=
=
=
=
λ + Δλ
E
hν
λ
(c / λ )
Substituindo os valores de λ e ∆λ, tem-se:
f =
2, 21 pm
= 0, 091 = 9,1%
22 pm + 2,12 pm
Este resultado mostra que quanto menor for o
comprimento de onda incidente (ou seja, quanto mais
energético for o fóton incidente) maior será a perda
percentual de energia. Quanto maior a energia de um
fóton, maior a probabilidade de ocorrer Efeito Compton.
10 A NATUREZA CORPUSCULAR DA LUZ
Nas seções anteriores, discutimos os efeitos de
interação da radiação com a matéria, os quais só podem ser
explicadass com base no comportamento corpuscular da luz.
Por certo que a necessidade de invocar o fóton, enquanto
partícula de luz, para interpretar os fenômenos de interação
entre radiação e matéria é bastante justa, mas, ainda assim, se
faz necessária a teoria ondulatória da radiação para explicar os
fenômenos típicos de difração e interferência. Assim, nota-se
que a radiação não é um fenômeno puramente ondulatório e
nem meramente um feixe de partículas. Se, por ora, a radiação
se comporta como partícula, em outros momentos se comporta
como onda. Por mais estranho que possa parecer, e por mais
contestação que possa ter havido, os físicos do século XX
118
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
tiveram que reconhecer o caráter dual da radiação, uma espécie
de “dupla personalidade” da luz!
Mas você já deve ter percebido que os físicos adoram e
estão sempre procurando simetrias! Por exemplo, segundo a
teoria de Maxwell, um campo elétrico variável induz um campo
magnético. Este, por sua vez é capaz de induzir um campo
elétrico, são, portanto, simétricos. Outro exemplo típico:
partículas e antipartículas, novamente simetria! Então, se a
radiação eletromagnética pode se comportar como partícula,
será que as partículas podem se comportar como ondas? Esta
curiosidade foi despertada inicialmente no físico francês Louis
De Broglie, em 1924, e desencadeou uma série de investigações
sobre o caráter ondulatório da matéria. Na seção seguinte,
discutiremos em detalhes esta ideia.
11 A NATUREZA ONDULATÓRIA DA MATÉRIA
Louis de Broglie foi o primeiro a acreditar que o
comportamento dual da radiação também se aplicava à matéria.
Assim como o fóton tem uma onda associada a seu movimento,
também a partícula de matéria deveria ter uma onda associada.
De Broglie acreditava ferrenhamente numa grande simetria
na natureza e propôs que os aspectos ondulatórios da matéria
fossem relacionados com seus aspectos corpusculares,
exatamente da mesma forma quantitativa como os aspectos
corpusculares são relacionados à radiação. Portanto, segundo
de Broglie, uma partícula com momento p e energia total E
deve ter uma onda de frequência ν associada a seu movimento
por meio das relações:
E = hν
(2.23)
p=
h
λ
(2.24)
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
119
Física Moderna
Assim, as grandezas energia e momento estão
ligadas por meio da constante de Planck h, aos parâmetros
da onda: frequência ν e comprimento de onda λ
. Portanto o comprimento de onda estimado para uma
onda de matéria com momento linear p é:
λ=
Imagem 2.7: Louis-Victor Pierre
Raymond de Broglie
Fonte: http://www.nobelprize.
org/nobel_prizes/physics/
laureates/1929/broglie.html
120
h
p
(2.25)
Sendo este denominado comprimento de onda de
De Broglie.
O primeiro teste experimental proposto para
analisar a natureza ondulatória da matéria, segundo as
ideias de De Broglie, partiu de Elasser, em 1926, baseado
nos parâmetros ondulatórios clássicos, ou seja, fazendo
um feixe de elétrons de energia apropriada incidir sobre
um sólido cristalino. Assim, os átomos do cristal atuariam
como um arranjo tridimensional de fendas para a difração
da onda, exatamente como na difração de raios X. Este
experimento foi realizado por Davisson e Germer nos
Estados Unidos e por Thomson na escócia. A Figura
2.7 apresenta a esquematização destes experimentos
realizados. O resultado observado por ambos os
experimentos era incontestável, o feixe de elétrons
detectado era fortemente espalhado e apresentava um
pico de intensidade típico de interferência construtiva
de ondas espalhadas pelo arranjo periódico dos átomos
cristalinos. Fenômeno análogo à “reflexão de Bragg”
observada para o espalhamento de raios X pelos planos
atômicos de um cristal. George Thomson dividiu o
Prêmio Nobel de Física, em 1937, com C. Davisson por
suas experiências com a difração do elétron.
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
você sabia?
Curioso
que
George
P.
Thomson era filho de J.J.
Thomson,
que
ganhara
o prêmio Nobel em 1906
pela descoberta do elétron
e pela medida da relação
entre sua carga e massa.
Assim, Thomson, o pai,
recebeu o Nobel por ter
mostrado que o elétron era
uma partícula, e Thomson,
o filho, por ter mostrado,
Importante salientar que o padrão de interferência
observado nos experimentos é característico da
interferência de uma onda associada a um único elétron,
a qual foi espalhada em várias regiões do cristal. Portanto
não se trata da interferência entre ondas associadas a
elétrons distintos! Esta condição é assegurada usando-se
um feixe de elétrons com uma intensidade tão baixa que
os elétrons atravessam o aparelho um a um. Ainda assim,
verifica-se que o padrão de espalhamento permanece o
mesmo.
Diante das evidências experimentais com ótima
concordância, tanto qualitativa quanto quantitativamente,
as previsões de De Broglie foram confirmadas,
fornecendo indícios convincentes de que as partículas
materiais se movem de acordo com as leis do movimento
ondulatório. Os experimentos que se sucederam neste
campo de investigação indicam que não apenas os
elétrons, mas todos os objetos materiais, carregados
ou não, apresentam características ondulatórias em seu
movimento.
Importante salientar que tanto a matéria quanto
a radiação apresentam natureza dual, ondulatório
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
também
Na
é
Unidade
uma
onda!
2
em 1937, que o elétron
seguinte,
discutiremos em maiores
detalhes os trabalhos de
J.J. Thomson, o pai.
Imagem 2.8: George Paget Thomson
Fonte: http://www.nobelprize.
org/nobel_prizes/physics/
laureates/1937/
121
Unidade
Figura 2.7 – Os experimentos de Davisson e Germer: elétrons do
filamento são acelerados por uma diferença de potencial variável.
depois do espalhamento pelo cristal, eles são coletados pelo detector
em D.
Física Moderna
você sabia?
Você sabe qual é o seu
comprimento de onda típico? Pois bem, assim como
toda partícula, uma onda
deve estar associada ao
seu
movimento.
estimá-la.
Vamos
Imagine
caminhando
pela
você
rua
a
uma velocidade de 1m/s.
Considerando
um
peso
médio de 60kg, o comprimento de onda de De Broglie para o seu movimento,
segundo
a
equação
(2.25), será ~10-35m. Pequeno, não é? Mas é isso
mesmo,
uma
dimensão
muito além de qualquer
possibilidade de observação ou medida, mesmo
com a mais moderna das
e corpuscular, tanto em grandes quanto pequenos
comprimentos de onda. No entanto, os aspectos
corpusculares se manifestam quando estudamos os
efeitos de absorção e emissão, e os aspectos ondulatórios
quando estudamos o movimento através de um sistema.
Apesar das comprovações, os aspectos ondulatórios
são mais difíceis de observar quando os comprimentos
de onda ficam menores. Esta é mais uma evidência do
papel fundamental da constante de Planck . Se h fosse
nula, então também seria nulo. Assim, as partículas
materiais teriam comprimento de onda imensurável e
os efeitos ondulatórios nunca seriam observados. No
entanto, apesar de muito pequeno, o valor de h não é
nulo! E é exatamente pelo fato de h ser muito pequeno
que a existência das ondas materiais não é observada em
nosso cotidiano. Para partículas macroscópicas usuais,
a massa é tal que o momento das partículas grandes o
suficiente para que o comprimento de onda de De
Broglie seja muito pequeno, ficando além dos limites de
detecção experimental, e a mecânica clássica predomina.
Já no mundo microscópico, a massa típica das partículas
é tão pequena que os respectivos momentos são
pequenos, mesmo a altas velocidades, resultando em
comprimentos de De Broglie suficientemente grandes
para as observações.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
a) Calcule o comprimento de onda de De
Broglie de uma bola de futebol se movendo com
velocidade v=10m/s.
Solução:
Supondo a massa da bola m=1,0 kg, de acordo
com a equação
122
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
λ=
h
6, 6 x10−34 J .s
=
= 6, 6 x10−35 m = 6, 6 x10−25 Α
p (1 0 kg )(10m / s )
(2.25):
b)Calcule o comprimento de onda de De
Broglie para um elétron cuja energia cinética é de
100eV.
2
Solução:
λ=
h
h
6, 6 x10−34 J .s
=
=
p
2mK
2 9,1x10−31 kg (100eV ) 1, 6 x10−19 J / eV
(
λ=
)
(
Unidade
Neste caso, precisamos considerar p em função
da energia cinética K:
)
6, 6 x10−34 J .s
−10
=
1
,
2
x
10
m
=
1
,
2
Α
5, 4 x10−24 kg .m / s
Repare a diferença entre os comprimentos
de onda de De Broglie. Esta é a razão pela qual
os fenômenos ondulatórios não são perceptíveis
no mundo clássico. Não é possível observar o
comportamento ondulatório, uma vez que não existe
qualquer abertura ou obstáculo para testar os efeitos
de difração ou interferência. Os núcleos atômicos,
comumente usados para tais medidas, são da ordem
~10-15m
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
123
Física Moderna
12 DUALIDADE ONDA-PARTÍCULA
Na física clássica, a energia é transportada na forma
de ondas ou partículas. A partir de observações meticulosas
e experimentação rigorosa, as teorias se desenvolveram
embasadas nos modelos de propagação ondulatória, para certa
classe de fenômenos, e o modelo mecanicista do movimento
corpuscular. Ambos os modelos foram extensivamente
aplicados com sucesso para explicação dos mais variados
fenômenos, como: propagação do som, teoria cinética dos
gases, mecânica celeste, dentre muitos. No entanto, o sucesso
alcançado condicionou a física clássica a esperar que todos os
entes tivessem comportamento único, ou partícula, ou onda.
Mas as descobertas do século XX mostraram que a natureza
não é assim tão previsível. Na física quântica, os dois modelos,
ondulatório e corpuscular, são necessários para descrever
completamente qualquer ente físico, embora não nas mesmas
circunstâncias. É a isso que se refere a expressão dualidade
onda-partícula.
Diante das evidências experimentais, os físicos do
século XX foram compelidos a aceitar ambos os modelos de
comportamento para o mesmo ente. Entretanto é importante
notar que os dois modelos não se manifestam simultaneamente,
ou o ente é detectado na forma de onda, de modo que se
observam os fenômenos de interferência; ou, então, o ente é
observado na forma de partícula, por meio da sua localização.
Em qualquer das situações, apenas um modelo pode ser
aplicado. Esta constatação levou o físico dinamarquês Niels
Bohr a elaborar o princípio da complementaridade:
Os modelos, corpuscular e ondulatório, são complementares. Se
uma medida prova o caráter ondulatório da radiação ou da matéria,
então é impossível provar o caráter corpuscular na mesma medida
e vice-versa. Ambas as versões são possíveis, embora mutuamente
incompatíveis. A escolha de qual modelo usar é determinada em
função da natureza da medida.
124
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
Unidade
2
Assim, onda e partícula são duas formas complementares
de existência, que se manifestam apenas após serem observadas.
Antes do experimento, o ente não é onda nem partícula. Se
o experimento testar as propriedades ondulatórias, então o
ente se manifestará como onda; caso o experimento teste
suas propriedades corpusculares, então o ente se manifestará
como partícula. Desta forma, radiação e matéria não são apenas
partículas ou ondas, mas ambas e a maneira como elas irão
se comportar depende de como nós iremos investigar suas
propriedades!
A
interpretação
acima
do
princípio
da
complementaridade fez emergir um novo questionamento
no cenário científico: mas a realidade física observada pode
ser resultado da escolha do observador? Parecia faltar um elo
para a ligação dos dois comportamentos, um modelo mais geral
capaz de descrever o comportamento da natureza em ambos os
contextos.
A ligação entre os modelos, corpuscular e ondulatório, é
feita por meio de uma interpretação probabilística da dualidade
onda-partícula. Desta vez, o responsável pelo argumento de
unificação das teorias ondulatória e corpuscular foi o físico
alemão, naturalizado britânico, Max Born. Born considerou
uma função associada à onda de De Broglie, denominada
função de onda, cujo comportamento descreve a probabilidade
de encontrar uma partícula em uma unidade de volume em
um dado ponto e instante de tempo. Desta forma, não mais
se especifica a localização exata de uma partícula, mas sim a
probabilidade da partícula ser encontrada em um dado ponto
em um dado instante, por meio da função de onda. Assim, a
física moderna substituiu o caráter determinístico da mecânica
clássica pela interpretação probabilística dos fenômenos
físicos. Apesar da estranheza inicial, o avanço no estudo das
propriedades do mundo microscópico só poderia mesmo ser
alcançado por meio de propostas radicais. No intervalo de dois
anos, os físicos viram surgir e se consolidar uma das mais bem
125
Física Moderna
sucedidas teorias físicas de todos os tempos, a teoria quântica.
13 O PRINCÍPIO DA INCERTEZA
O uso de considerações probabilísticas não é estranho
à física clássica. A termodinâmica, por exemplo, se valeu de
muitos conceitos da teoria estatística para suas formulações.
Entretanto o caráter determinístico da mecânica newtoniana é
bastante marcante. Na física clássica está implícita a ideia de que
qualquer grandeza associada ao movimento de uma partícula
pode ser medida e descrita com precisão. Por exemplo, medir
simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula sem
perturbar seu movimento é uma tarefa relativamente simples. Na
mecânica clássica, uma vez determinadas as condições iniciais
de uma partícula, como posição e velocidade, e conhecidas as
forças que atuam sobre o sistema, as equações de movimento
se encarregam de determinar de maneira exata a posição e o
momento em tempos futuros. No entanto, esta receita utilizada
com bastante sucesso na física clássica precisou ser revista
pela física moderna. O mundo subatômico, descrito segundo
a interpretação probabilística, mostrou-se menos permissivo e
questionou o caráter determinístico da ciência moderna.
A discussão a respeito da determinação das grandezas no
mundo subatômico começou por meio do questionamento:
como determinar medidas? O processo de medir ou observar
um sistema implica na interação direta com o sistema. Em
linhas gerais, ao observar um objeto, precisamos, no mínimo,
incidir a luz sob o mesmo. Em escala macroscópica, devido à
massa do sistema, o efeito dessa interação pode ser ignorada,
mas não em escala microscópica. De acordo com a física
quântica, o ato de medir interfere na partícula e modifica o
seu movimento. De acordo com as leis da ótica, para observar
um fenômeno com separação espacial d , é necessário utilizar
uma radiação eletromagnética com comprimento de onda λ
inferior à escala d . Ou seja, para observar um elétron no átomo
de hidrogênio, dimensão da ordem de 10−10 m , é necessário
126
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
Unidade
2
incidir sobre o mesmo uma radiação eletromagnética com
comprimento de onda λ ≤ 10−10 m , ou seja, um fóton com
energia E = ( hc / λ ) ≥ 1, 24 x104 eV . Mas esta energia é da ordem
da energia de ionização do átomo de hidrogênio e, portanto,
irradiar o sistema com uma radiação eletromagnética com
energia desta ordem perturbará completamente o sistema! E
quanto mais precisão espacial for necessária, menor deverá ser
o comprimento de onda e, consequentemente, maior deverá ser
a energia da radiação e maior será a perturbação decorrente.
Portanto maior será a incerteza do processo de medida. Esta
constatação corresponde a um exemplo particular do princípio
Uma experiência não pode determinar simultaneamente o valor
exato de uma componente de momento, por exemplo, p x , de uma
partícula e também o valor exato da coordenada correspondente
X. Em vez disso, a precisão da medida está inerentemente limitada
pelo processo de medida em si, de forma tal que:
∆px ∆x ≥
sendo:
∆px a
incerteza em
mesmo instante e
≡h
2π
px , ∆x

,
2
a incerteza na posição
x
no
.
da incerteza, o qual afirma:
O que o princípio diz, na realidade, é que:
mesmo que tenhamos instrumentos precisos, nunca
poderemos
obter
resultados
melhores
do
que
∆ px ∆x ≥  / 2. Observe que há um envolvimento entre o
produto das incertezas, de forma que, quanto mais precisa for a
medida em px , menos preciso deverá ser a determinação de x,
e vice-versa. Assim, a restrição não é para medidas isoladas, mas
sim para medidas simultâneas. Deste modo, se não podemos
determinar x e p simultaneamente, então, não podemos
especificar as condições iniciais do movimento de forma exata
e, portanto, não podemos precisar o comportamento futuro do
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
127
Física Moderna
sistema.
A segunda parte do princípio da incerteza versa sobre
as medidas simultâneas da energia E e tempo t necessário à
Uma experiência não pode determinar simultaneamente o
valor exato de uma medida da energia E de uma partícula,
durante um intervalo de tempo ∆t , sendo este o intervalo
de tempo característico da rapidez com que as mudanças
ocorrem nos sistema. Neste caso:
∆E ∆t ≥
sendo:

,
2
∆E a incerteza na medida de energia.
medida. Em resumo:
Assim, o princípio da incerteza relaciona o produto
das incertezas entre x e px , e entre E e ∆t , com o valor da
constante de Planck e mostra que a diminuição de uma incerteza
implica no crescimento da incerteza de outra grandeza. O
ato de observar um sistema o perturba de tal forma que não
é completamente previsível. A observação altera o movimento
do sistema, fazendo com que ele não possa ser perfeitamente
conhecido. Não se trata de uma limitação instrumental, mas sim
uma limitação do processo de medir. Trata-se de uma limitação
intrínseca da natureza!
Note que, novamente, a constante de Planck é usada
para distinguir o mundo clássico do quântico. Por certo que, no
mundo clássico, as medidas nunca alcançam a precisão definida
por . Assim, por h ser de fato muito pequeno, o princípio
da incerteza fica de fora das percepções do mundo clássico.
Ao contrário do determinismo do mundo clássico, no mundo
quântico, o que se pode estimar é apenas a probabilidade de
encontrar uma ou outra medida.
128
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Pode-se mostrar que um elétron de 12eV tem uma
velocidade igual a 2, 05 x106 m / s. Suponha que você tenha
medido esta velocidade com uma incerteza de 1, 5%.
Com que precisão você poderá medir simultaneamente o
momento linear deste elétron?
(
p = mv = 9,11x10−31 kg
)( 2, 05 x10 m / s ) = 1,87 x10
6
2
Solução: o momento linear do elétron é dado por:
−24
kg .m / s
Unidade
A incerteza no momento é de 1,5% disto, ou seja:
2,8 x10−26 kg .m / s. A incerteza na posição pode ser
determinada da seguinte forma:
∆x ~
h
6, 63 x10−34 J .s
=
= 2, 4 x10−8 m = 24nm
∆p 2,80 x10−26 kg .m / s
Este valor corresponde aproximadamente a 200
diâmetros atômicos. Dada a medida do momento linear do
elétron, simplesmente não há qualquer modo para fixar a
sua posição com maior precisão do que esta.
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Exercício Resolvido: uma bola de golfe tem
uma massa igual a 45g e uma velocidade que pode ser
determinada com uma precisão de 1, 5%, igual a 35m / s .
Qual é o limite imposto pelo Princípio da Incerteza sobre a
sua habilidade de medir a posição da bola de golfe?
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
129
Física Moderna
Solução: este exercício é semelhante ao
anterior, com exceção do fato de que a bola de golfe
tem uma massa muito maior e é muito mais lenta do
que o elétron considerado naquele caso. O mesmo
cálculo fornecerá neste caso:
∆x ≅ 3 x10−32 m
Este valor é aproximadamente 1017 vezes
menor do que o diâmetro de um núcleo atômico
típico! Assim, conclui-se que, quando se trata de
objetos macroscópicos, o Princípio da Incerteza
estabelece limites que não interferem na precisão da
medida.
Imagem 2.9: Werner Heisenberg
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Princ%C3%ADpio_da_incerteza_de_
Heisenberg
130
O Princípio da Incerteza foi formulado em 1925,
pelo físico alemão Werner Heisenberg, e é considerado
um princípio fundamental da mecânica quântica. Se por
um lado ele impõe restrições às medidas, por outro ele
sugere uma relação causal entre o observador e o sistema
observado, ou seja: toda vez que realizamos uma medida,
interferimos no sistema de modo a induzir algum efeito.
No entanto, em seus pronunciamentos, Heisenberg
argumentou precisamente: “se soubermos o presente
exatamente, podemos prever o futuro, entretanto nós
não podemos, por uma questão de princípio, conhecer o
presente em todos os seus detalhes”. A partir do enunciado de Heisenberg, muitos
físicos se debruçaram sobre o problema na tentativa de
encontrar medidas simultâneas com grande precisão e,
assim, falsear o Princípio da Incerteza. No entanto, os
esforços foram inúteis! Após décadas de tentativas, ele se
mantém válido de modo a sustentar a mecânica quântica.
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
RESUMINDO
• Espectro de corpo negro: radiação emitida por uma
cavidade aquecida a temperatura constante, sendo
a temperatura o único fator determinante para a
quantidade de energia emitida em cada frequência.
Unidade
2
• A energia total emitida por unidade de tempo por
unidade de área, por um corpo negro a temperatura
T , é denominada radiância RT e pode ser obtida pela
Lei de Stefan: RT = σ T 4 .
• A lei de deslocamento de Wien relaciona o comprimento
de onda máximo emitido por um corpo negro com
sua temperatura, sendo: λmaxT = 2,898 x10−3 m.K .
• Na tentativa de desvendar a catástrofe do ultravioleta,
Planck concluiu que a luz é composta de pacotes
concentrados de energia, denominados fótons, e
estes possuem energia quantizada: E = hν .
• Apesar de pequena, h = 6, 63 x10−34 J .s, a constante de
Planck é não nula e apresenta uma papel determinante
da física quântica.
• Efeito fotoelétrico: elétrons são ejetados de uma
superfície metálica pela incidência de luz. Einstein
concentrou sua explicação para o efeito fotoelétrico
na maneira corpuscular com que a luz é emitida e
absorvida.
• A equação de Einstein para o efeito fotoelétrico:
K = hν − w, onde w é o trabalho necessário para
remover o elétron do metal.
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
131
Física Moderna
• Efeito Compton: fótons de raios X são
espalhados por elétrons livres e sofrem uma
variação no comprimento de onda, da forma: ∆
h
Äλ = λ1 − λ0 =
(1 − cosφ ) . O tratamento deste
me c
deslocamento espectral também sugere a natureza
corpuscular da radiação eletromagnética.
• Espalhamento Thomson: fótons são espalhados em
todas as direções por elétrons ligados, mas não têm
seu comprimento de onda alterado. Neste caso, o
processo de colisão se dá com o átomo inteiro, cuja
massa é muito maior que a massa do elétron.
• Assim como a radiação apresenta propriedades
corpusculares, partículas também apresentam
propriedades ondulatórias. O comprimento de
onda de De Broglie associado a uma partícula com
momento p é: λ = h / p.
• Princípio da Complementaridade: o modelo
corpuscular e ondulatório são complementares, se
uma medida prova o caráter ondulatório da radiação
ou da matéria, então é impossível provar o caráter
corpuscular na mesma medida e vice-versa.
• Princípio da Incerteza: indica que as medidas
quânticas são inerentemente imprecisas. O produto
das incertezas entre x e px , e entre E e ∆t , está
diretamente relacionado ao valor da constante de
Planck: ∆px ∆x ≥  e ∆E ∆t ≥  .
2
2
132
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
ATIVIDADES
1. Em uma explosão termonuclear, a temperatura no
centro da explosão é momentaneamente 107 K . Ache o
comprimento de onda para o qual a radiação emitida é
máxima.
2. A uma dada temperatura, λmax = 650nm para uma
cavidade de corpo negro. Qual será λmax , se a taxa de
emissão de radiação espectral for duplicada?
Unidade
2
3. A energia solar que atinge a parte superior da atmosfera
da Terra é 1,36 x103W / m 2 , a chamada constante solar.
(a ) Supondo que a Terra se comporte como um corpo
negro de temperatura uniforme, use a equação de Stefan
- Boltzmann para estimar a temperatura de equilíbrio da
Terra. (b) Se o diâmetro do Sol é da ordem de 1, 6 x109 m
e a distância da Terra ao Sol é de aproximadamente
1,3 x1011 m e supondo que o Sol irradie como um corpo
negro, use a equação de Stefan - Boltzmann para estimar
a temperatura na sua superfície.
4. Faça uma estimativa para encontrar o comprimento de
onda em que corpo humano emite sua radiação térmica
máxima.
5. Certo fóton de raio-X tem o comprimento de onda
de 35, 0 pm. Calcular: (a ) energia do fóton; (b) a sua
frequência; (c) o seu momento linear.
6. A luz amarela de uma lâmpada de sódio, usada na iluminação de estradas, tem o comprimento de onda de
585 nm. Qual a energia de um fóton emitido por uma
dessas lâmpadas?
7. Quais são: (a ) a frequência; (b) o comprimento de
onda e (c) o momento de um fóton, cuja energia é igual
à energia de repouso do elétron?
UESC
Módulo 8 I
Volume 1
133
Física Moderna
8. A energia necessária para remover um elétron do
sódio metálico é 2, 28 eV . a ) Uma luz vermelha, com
λ = 680 nm, provocará efeito fotoelétrico no sódio?
(b) Qual o comprimento de onda do limiar fotoelétrico
do sódio e a que cor corresponde esse limiar?
9. Se a função trabalho de um metal for 1,8 eV , responda:
a ) qual o potencial de corte para a luz de comprimento
de onda 400 nm ? (b) qual a velocidade máxima dos
fotoelétrons emitidos da superfície do metal?
10.Fótons com o comprimento de onda de 2, 4 pm
incidem sobre um alvo que contém elétrons livres. (a )
determine o comprimento de onda para um fóton que
é espalhado num ângulo de 30° em relação à direção de
incidência. (b) Faça o mesmo cálculo quando o ângulo
de espalhamento for 120°.
11.Um fóton de raio-X, com 0, 01 nm, faz uma colisão
frontal com um elétron (θ = 180°) Determine: (a )
a variação do comprimento de onda do fóton; (b)
a variação da energia do fóton; (c) a energia cinética
adquirida pelo elétron; (d ) a velocidade do elétron.
12.Com a relação clássica entre o momento e a energia
cinética, mostre que o comprimento de onda de Broglie
de um elétron pode ser escrito como: a ) λ = 1, 226nm ,
K
onde K é a energia cinética em elétron-volts. b)
λ=
1,50
,
V
onde λ está em manômetros e V é o potencial
acelerador em volts.
13.Imagine um jogo de bola num universo cuja constante de
Planck fosse 0, 60 J .s. Qual seria a incerteza na posição
de uma bola de 0,50kg que estivesse em movimento a
20 m / s, com uma incerteza de 1, 0 m / s ? Por que seria
difícil apanhar essa bola?
134
Física
EAD
Quantização de energia, ondas e partículas
14.Um microscópio de fótons é usado para localizar um
elétron num átomo, num intervalo de distância de 10 pm.
Qual é a incerteza mínima na medição do momento do
elétron localizado desta forma?
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
EISBERG, Robert; RESNICK Robert. Física Quântica,
Unidade
2
Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas. 6.
ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1988.
FEYNMAN Richard. Física em Seis Lições. Rio de
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GLEISER, Marcelo. A dança do Universo, dos Mitos
de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Editora Companhia
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LOPES, José Leite. A Estrutura Quântica da Matéria,
do átomo pré-socrático às partículas elementares. 3.
ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
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Volume 1
135
Suas anotações
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