3 ASPECTOS DA DISCUSSÃO: A IDEOLOGIA E O MÉTODO. RONQUE, Guilherme Augusto. Introdução O presente trabalho tem o objetivo de problematizar as questões inerentes a influencia ideológica na produção historiográfica e também na sua compreensão. Para tal, será explanado o conceito de ideologia, sobre o que ela é e o que representa tendo como base Marilena Chauí e as argumentações de seu livro “O que é ideologia?”. Isto posto, será trabalhada a questão resultante da relação historiador, método e ideologia e a influencia desta relação no historiador e no trabalho historiográfico, tendo como pilar de estudos o livro “A História repensada” de Keith Jenkins e ainda as argumentações de Agnes Heller em seu livro “Uma teoria da História”. O tema “A ideologia e o método na produção e análise historiográfica” foi escolhido pela convicção na relevância do tema, pela convicção de que a uma grande questão resultante desta emblemática, tanto no que é tocante à análise, como à produção historiográfica. Marilena Chauí foi escolhida por ter desenvolvido trabalho especifico acerca do pilar do trabalho proposto, a ideologia. Keith Jenkins é analisado por ter sido sugerido pelo professor então orientador do trabalho e por abranger temas inerentes a problematização da pratica historiográfica. Agnes Heller foi escolhida para fazer parte do trabalho por assim como Keith Jenkins escrever sobre assuntos relacionados à teoria da História. O trabalho está distribuído da seguinte maneira; Inicialmente se tratara da problematização da influencia ideológica no trabalho historiográfico. A seguir o leitor encontrará comentários acerca da proposta relação entre historiador, método e ideologia. A ideologia. Para Keith Jenkins, autor do livro “A História repensada” que como explicitado na introdução se constituirá em uma espécie de “pedra fundamental” das argumentações e reflexões do presente trabalho, se ocorre um serio deslize em pensar que a adoção de um método rígido para a produção e análise historiográfica será capaz de delimitar as ações 4 interpretativas tocantes aos ocorridos passados por cada historiador. Na sua perspectiva, muito mais inerente que um determinado arcabouço metodológico para a devida consideração dos meios de compreensão do processo dos ocorridos históricos, se encontra a ideologia. “Para mim, o que em última análise determina a interpretação está para além do método e das provas – está na ideologia. Porque, embora a maioria dos historiadores concorde que um método rigoroso é importante, existe o problema de saber a qual método rigoroso eles se referem”. (Jenkins, 2001, p. 36). Por meio dos subsídios que podemos extrair das reflexões expostas por Jenkins, observamos que o autor nos apresenta duas questões aplicadas ao processo de produção e também de análise historiográfica. Assim são elas o método e a ideologia. O desenvolvimento da idéia do autor que faz alusão à relação do método com a ideologia será observado posteriormente. Desta forma inicialmente será procurado explanar a questão inerente à ideologia. As considerações realizadas acerca da influencia ideológica na produção e na compreensão historiográfica, não vem sendo causa de reflexão e análise apenas para Keith Jenkins. A filósofa Marilena Chauí, igualmente observou considerações pertinentes com respeito ao proposto tema. Em seu livro “O que é ideologia?”, Marilena Chauí propõem o inicio da discussão tocante à esfera da ideologia, tendo como base para estas reflexões a seguinte construção, que objetiva procurar ser uma forma de compreensão da ideologia, de seus fundamentos, sólidos ou não, e igualmente de suas conseqüências. Observamos; “A ideologia é um saber cheio de ¨lacunas¨ou de silêncios que ¨nunca¨ poderão ser preenchidos, porque, se o forem, a 5 ideologia se desfaz por dentro; ela tira sua coerência justamente do fato de só pensar e só dizer as coisas pela metade e nunca até o fim”. (Chauí, 1984, p. 23). Segundo as argumentações citadas do trabalho de Marilena Chauí, podemos verificar como forma de compreensão por parte da filósofa, a ideologia como um conjunto difundido de inverdades, estas expostas através de uma concepção oriunda de idéias falsas, ou seja, símbolos e preconceitos, isto posto para neutralizar e dominar aqueles que historicamente pertencem á classe dos dominados, sem que eles percebam como estão sendo dominados. Para que este processo se legitime, a ideologia tem de se constituir em um emaranhado de ideais cheios de “silêncios” assim sendo, “nunca dizendo as coisas até o fim”. A filósofa, para melhor exemplificar as suas expressões, comenta uma frase que teria sido dita por um ex-presidente da república do Brasil, cujo nome não foi revelado. A citada frase expressaria que na visão deste então presidente, “O brasileiro é um povo feliz! Aqui não a guerras, terremotos, vulcões e nem acontecem grandes catástrofes!”.(Chauí, 1984, p. 10). Chauí comenta da seguinte forma a frase por ela citada de um proposto expresidente da república, cujo nome e data da citação não foram por ela explicitados; “Na verdade, a afirmação do expresidente é uma forma de ideologia, procurando esconder de outras formas de guerra, a luta de classes, ou outras formas de catástrofes, as catástrofes sociais: a fome, a miséria, o desemprego, o salário injusto; o analfabetismo, a exploração e outras”. (Chauí, 1984, p. 11). Pelas observações consideradas inerentes a tentativa de compreensão do que vem a ser ideologia por Marilena Chauí, a ideologia é igualmente ligada as concepções difundidas em sua própria contemporaneidade, pois; 6 “A ideologia é então um conjunto lógico, sistemático e corrente de idéias [...] valores, normas e regras que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que pensar, o que dever fazer e como dever fazer, o que sentir e como sentir. [...] Ela é um conjunto explicativos e pratico de caráter normativo, prescrito, regulador e controlador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional e convincente para as desigualdades sociais, políticas e culturais, jamais atribuindo a origem destas desigualdades á divisão de classes, á exploração e á dominação”. (Chauí, 1985, p. 25). Como observamos nas argumentações citadas de autoria de Marilena Chauí a ideologia é um conjunto de ideais legitimados pelas percepções do seu próprio período histórico, pois é um conjunto que arregimenta “funções” dentro da sua própria sociedade. Desta forma pode se ocorrer uma exigente e instigante problematização; Como o historiador, que é condicionado ao seu meio, este mesmo meio influenciado por uma determinada cultura, cultura esta que legitima sua concepção ideológica, pode agir com imparcialidade na compreensão dos povos longínquos? Como pode ele adentrar as mentes dos homens passados, influenciados por concepções culturais diferentes da sua? Em suma, como não ser etnocêntrico na análise e na produção historiográfica? Esta parece ser uma pergunta que ainda se faz desprovida de um termo final, de uma solução. Sob a escolha que deve ser feita, Keith Jenkins, observa; “Ao dizer que deve fazer uma escolha explicita de posição não quero deixar subentendido que você, se não quiser fazer 7 essa escolha, talvez produza uma história¨sem tomada de posição¨. Ou seja, não quero dar a entender que você terá algum tipo de liberdade para escolher ou não – pois isso seria irrefletidamente liberal. No discurso liberal, em algum lugar e de alguma maneira, sempre existe uma espécie de campo neutro onde parece mesmo que podemos escolher ou não. Este campo neutro não é considerado uma posição que a pessoa já ocupa. Em vez disso, é tido como um ponto de vista desapaixonado, de onde podemos relaxar e fazer objetivamente escolhas e juízos imparciais”. (Jenkins, 2001, p. 106). Tendo como base as considerações de Jenkins, podemos observar que a compreensão do autor remete a uma condição implícita do historiador com a parcialidade. Analisando que por ser influenciado, o historiador é assim desta forma parcial Jenkins argumenta; “[...] você pode escolher uma versão do passado e uma maneira de apropriar-se dele que tem efeitos, que faz você alinhar-se com certas interpretações [...] aqueles que afirmam saber história sempre realizam [...] um ato de interpretação”. (Jenkins, 2001, p. 107). Segundo os subsídios de Jenkins, a ideologia condiciona o historiador em suas percepções de forma que este não é imparcial. Tendo conhecimento de que é produto do meio, cabe ao historiador, na visão expressada por Jenkins, se posicionar dentro da sua produção e interpretação histórica sabendo que este seu mesmo posicionamento é apenas 8 uma tentativa de se chegar a uma proposta verdade, ou mesmo que ainda sendo esta tentativa uma verdade, sendo colocada como apenas “uma verdade”, e não “a verdade”. O Método Após a argumentação sugerida concernente a ideologia, e a sua influencia no trabalho do historiador, surge uma outra questão; Não teria o método o poder de sanar os problemas predispostos pela ideologia? Não poderiam diferentes historiadores, obviamente então influenciados por diferentes concepções, dentro de um mesmo arcabouço metodológico, por meio de diretrizes consensuais, chegar a resultados de análise ou produção historiográfica ao menos próximos? Para analisar a esta questão, utilizar-me-ei das observações apresentadas no trabalho de Keith Jenkins, oriundos de suas considerações em seu livro “A História repensada” e igualmente vou recorrer aos subsídios predispostos por Agnes Heller extraídos do livro “Uma teoria da História”. Na compreensão da historiadora Agnes Heller, no que é implícito a questão relacionada ao método na historiografia, não podemos dentro de qualquer análise neste caso, separar a compreensão de método com a questão inerente a teoria. “As teorias implicam métodos específicos, e todas teorias tem seu próprio método. A seleção entre confissões relevantes e irrelevantes é realizado de maneira simultânea pela teoria e pelo método. Com maior exatidão, em tal caso, método e teoria não podem ser separados de modo algum. Se o teórico fracassar na elaboração de princípio de seleção firme e definitivo, então a teoria há de resultar incoerente e mutilada”. (Heller, 1993, p. 177.). 9 Na expressão de compreensão da historiadora Agnes Heller, teoria e método não exercem função na pratica de produção ou de compreensão histórica quando separados. Baseando-se em sua citação, observamos que na compreensão da autora a escolha ou a “seleção” feita pelo historiador no que é concernente a suas fontes ou mesmo “confissões relevantes ou irrelevantes” é influenciado pelo seu método em exercício, método este ou teoria está que serve como um “principio de seleção firme” aonde então a elucubração intelectual do autor é colocada em processo de hermenêutica. Assim sendo, em principio, esta ação está destituída de postura ideológica e antes está presa ao arcabouço metodológico utilizado pelo historiador, legitimado pela natureza das provas apresentadas. Para Keith Jenkins, toda a ação metodológica de qualquer historiador, sendo produzindo ou analisando, é condicionada aos seus posicionamentos ideológicos. Na sua compreensão “O passado é sempre condicionado por nossas próprias visões, nosso próprio presente”. (Jenkins, 2001, p. 33). Ou ainda “[...] mude o olhar, desloque a perspectiva e surgiram novas interpretações”. (Jenkins, 2001, p. 35). Assim, compreendendo que somos influenciados pelo o nosso meio, ou seja, por uma ideologia, toda a interpretação que é feita com respeito aos ocorridos no passado é prejudicada, pois “[...] não existe nenhum texto fundamentalmente ¨correto¨ do qual as outras interpretações sejam apenas variações [...] meras variações”. (Jenkins, 2001, p. 32). Desta forma, Jenkins analisa as ¨variações¨ sendo o fator dentro da esfera teórica pelo qual se pode identificar a presença da ideológica. Comentando o mesmo tema, Agnes Heller argumenta que “Aquilo que perguntamos ás testemunhas e o modo como o fazemos são igualmente determinados pelas teorias”. (Heller, 1993, p. 177) Assim, percebemos que no desenvolvimento de Agnes Heller, o fator que direciona os princípios utilizados como parâmetros para a produção e igualmente para a interpretação historiográfica esta relacionado ao método ou então a teoria que se legitima como a convencionada pelo autor. Desenvolvendo ainda a questão inerente ao método, a relação deste no trabalho historiográfico, a historiadora Agnes Heller, organiza em seu livro “Uma teoria da História”, uma relação de estágios pelos quais a compreensão do ¨oceano do passado¨ deveria passar; “A reconstrução de eventos históricos parece desenrolar-se através dos seguintes estágios: a recepção de mensagens 10 (informação), a interpretação delas (depoimentos das testemunhas) e atribuição de significado aos diferentes depoimentos pela conexão deles com uma teoria”. (Heller, 1993, p. 175). Embora atribua grande importância ao método, a historiadora Agnes Heller, também expressa em seu trabalho reflexões inerentes à ideologia no trabalho do historiador. Assim em sua concepção “[...] a visão de mundo antecede á recepção da mensagem, [...] A visão de mundo constitui a própria ¨disponibilidade para a mensagem¨”. (Heller, 1993, p. 175). Assim, nas argumentações sugeridas pela historiadora, a “visão do mundo”, seja isto, a ideologia do historiador, ira influenciá-lo no que é tocante ao contexto da ¨disponibilidade da mensagem¨, pois esta é induzida ou escolhida pela visão de mundo do historiador. Ainda sugerindo reflexões acerca da questão inerente a ¨visão de mundo¨ do historiador, Agnes Heller observa; “visão de mundo é como um holofote a vasculhar pontos obscuros do passado”. (Heller, 1993, p. 176). Como verificamos, na compreensão de Agnes Heller, as percepções individuais do historiador, podem funcionar como um ¨holofote¨, seja assim uma espécie de ampliador de visão do historiador ou a própria elucubração intelectual do historiador a tentar juntar os cacos do passado, as gotas do grande oceano que é o passado, tentando observar a coerência destes. Ainda dentro da busca pela compreensão da historiadora Agnes Heller implícitas a ideologia, ou a ¨visão de mundo¨ de cada historiador, a referida historiadora argumenta; “ [...] a prioridade da visão de mundo pode nos atrapalhar na adequada condução da investigação sobre a confiabilidade das testemunhas” ( Heller, 1993, p. 176). Concernente a este fato, ou seja, a influencia ideológica, e a possível deturpação da adequada ¨condução da investigação¨ Heller expõem reflexões inseridas ao papel do método, onde observamos; “Na pior das hipóteses, também será preciso provar a confiabilidade das testemunhas por outro aspecto. Uma segurança ¨cientifica¨ absoluta só poderá ser alcançada 11 pagando-se o preço de não vivenciar ao máximo nossa consciência histórica”. (Heller, 1993, p. 176). Por meio dos subsídios extraídos das observações de Agnes Heller, analisamos que na compreensão que a autora esta explicitando acerca da relação entre método, ideologia e historiador, o preço de não ¨vivenciar ao máximo nossa consciência histórica¨ remete a presença do método, da teoria dentro do trabalho historiográfico, sendo ele de produção ou interpretação, assim então minimizando os efeitos da interpretação pessoal do historiador. Heller exemplifica; “Todo historiador pretende recusar a teoria dos outros. Tentam contestar os fatos daqueles contra os quais competem ou provar que sua explicação é a melhor, ou ainda ambos os propósitos. Entretanto, se o jogo terminasse empatado, deveriam recorrer [...] aos próprios valores e continuar a disputa, não mais sobre teorias, mas agora, sobre o conjunto de valores sobre os quais se erige uma dada teoria e descobrir se os valores eram verdadeiros”. (Heller, 1993, p. 180). Assim, todas as teorias ou métodos tem diferentes componentes inter-relacionados, todavia, nem todos os componentes estão presentes em todas as teorias. Se dentro da concepção da esfera do arcabouço ou do método houver um possível ¨empate¨, entre duas ou mais teorias, o critério adotado para se solucionar a questão, na compreensão de Heller, indicaria a ¨avaliação do conjunto de valores”, seja isto, a avaliação das influencias ideológicas de cada historiador. Assim sendo, observamos que as considerações pertinentes à relação método, ideologia e historiador sofrem interpretações diferentes por parte de Keith Jenkins e de 12 Agnes Heller. Para Jenkins, o historiador, na produção ou na interpretação historiográfica, sofre influencia ideológica em seu trabalho em todos os seus processos. Para Agnes Heller, a ideologia, ou a ¨visão de mundo¨, influencia o historiador no processo anterior a escolha da ¨teoria¨ ou do método. Para Heller, a produção ou análise historiográfica tem que se fazer enquanto ¨ciência¨, seja isto, ¨com método e critica¨ desta feita a minimizar as influencias ideológicas e conseqüentemente interpretativas por parte do historiador. Considerações finais Observamos a partir do descoramento do tema ¨A ideologia e o método na produção e análise historiográfica¨ que o exercício do historiador que busca ser imparcial é árduo. Como observa Hilário Franco Junior, “As palavras para o historiador são sempre problemáticas. Como explicar o passado com palavras que não desvirtuem realidades históricas?” (Franco Jr, 1983, p. 7). Inicialmente analisou-se o que é ideologia, com base nas argumentações da filósofa Marilena Chauí. E já que a ideologia está em “Todos os lugares” (Herculano de Souza, 1989, p. 26) os historiadores também são por ela influenciados. Assim, observamos que na compreensão de Keith Jenkins, o melhor modo de o historiador lidar com esta realidade é contentasse com a impossibilidade de se compreender o passado em sua totalidade por meio de um método. Estar assim desprovido da motivação de tentar achar uma, e somente uma, verdade sobre o passado. A outra historiadora utilizada para o desenvolvimento da mesma questão foi Agnes Heller. Na sua compreensão, o historiador tem que lidar com a realidade de ser influenciado ideologicamente, ou por sua ¨visão de mundo¨ por meio de fazer do seu trabalho de análise ou mesmo produção historiográfica algo cientifico, com critica e método, seja isto a adoção de um arcabouço, de uma ¨teoria¨. Bibliografia CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo, Brasiliense, 1984. CHAUÍ, Marilena. Política Cultural. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985. FRANCO, Hilário Jr. O Feudalismo. São Paulo, Brasiliense, 1984. 13 HELLER, Agnes. Uma Teoria da História. São Paulo, Civilização Brasileira, 1993. HERCULANO, Ari de Souza. A Ideologia. São Paulo, Brasil, 1989. JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo, Contexto, 2001.