TEXTO DE ESTUDOS
- COSMOVISÃO –
(Acompanha seção de debates sobre Convivência)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GRUPO DE PESQUISA “PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS”
TEXTO DE ESTUDOS
- COSMOVISÃO –
(Acompanha seção de debates sobre Convivência)
Autoria:
Iraí Maria Campos Teixeira
Djalma Ribeiro Junior
Erivelto Santiago Souza
Maria Waldenez de Oliveira
Reijane Salazar Costa
Rosângela Pereira de Souza
Sara Ferreira de Almeida
Adriana Bogado
Fabiana Rodrigues de Sousa
Ana Paula Fidélix
Tiago Zânqueta de Souza
São Carlos
2014
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................... 2
2. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES ESTUDADOS ................................................................................ 7
ALFREDO LÓPEZ AUSTIN .......................................................................................................... 7
ANTONIO PEÑA CABRERA ........................................................................................................ 8
CLIFFORD GEERTZ ...................................................................................................................... 9
DANIEL MUNDURUKU ............................................................................................................... 9
EDUARDO BATALHA VIVEIROS DE CASTRO ...................................................................... 10
ENRIQUE DUSSEL ...................................................................................................................... 10
ERNANI MARIA FIORI ............................................................................................................... 11
FABIANO DE ALMEIDA OLIVEIRA ......................................................................................... 12
JOSEF ESTERMANN ................................................................................................................... 12
MAURO FERNANDO MEISTER ................................................................................................ 13
SIMÓN YAMPARA HUARACHI ................................................................................................. 14
WILHELM DILTHEY ................................................................................................................... 14
3. ESTUDOS SOBRE COSMOVISÃO ...................................................................................................... 17
Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro “A interpretação das culturas” de Clifford
Geertz ............................................................................................................................................. 22
Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica - texto baseado no livro
“Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira” de Daniel Munduruku .. 25
Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões amazónicas - texto baseado no
Artigo “O Nativo Relativo” de Viveiros de Castro ........................................................................ 27
O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a Introducción a la Filosofia de la
Liberación de Enrique Dussel ........................................................................................................ 30
A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo sobre a Filosofia de la
Liberación de Enrique Dussel ........................................................................................................ 38
A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do item Educação Libertadora,
contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori ..................... 45
Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos Reflexões críticas sobre
weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão numa
perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à
prática na escola cristã, escrita por Mauro Meister ........................................................................ 47
Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns textos de Josef Estermann
........................................................................................................................................................ 52
A cosmoconvivência andina na perspectiva aymará: um estudo do artigo Cosmovivência andina –
vivir y convivir em armonía integral – Suma Qamaña escrito pelo sociólogo e pesquisador aymará,
Simón Yampara Huarachi .............................................................................................................. 56
Cosmovisão: Um estudo a partir do livro “Os tipos de concepção de mundo” de Wilhelm Dilthey
........................................................................................................................................................ 58
4. Diálogos sobre os “Estudos sobre Cosmovisão” e Convivência ............................................................. 72
APÊNDICE 1.
Listagem de temas estudados em cada autor
APÊNDICE 2.
Contatos das autoras e autores
1. APRESENTAÇÃO
Os autores e autoras do presente texto com estudos sobre Cosmovisão são integrantes do
Grupo de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos1, inserido no Programa de PósGraduação em Educação da UFSCar – PPGE/UFSCar e credenciado no CNPq desde 1998. Os autores
constituíram-se como um grupo de estudos dentro do Grupo de Pesquisa em 20112.
Na trajetória do Grupo de Pesquisa, no que se refere a estudos específicos sobre Cosmovisão,
destacamos o Seminário ocorrido em 10 de junho de 2005: II Seminário de Aprofundamento de
Estudos – 2005 do Grupo de Pesquisa “Práticas Sociais e Processos Educativos”: Ética da
libertação Latino-Americana em Dussel – estudos sobre “A Pedagógica”. Como parte das atividades
do Seminário, o Grupo de Pesquisa elaborou o texto-síntese do debate em torno do conceito visão de
mundo que ficou intitulado Visão de Mundo, Visões de Mundo. As questões geradoras desse debate
foram: “A partir do que eu sei o que é visão de mundo? Do que estamos falando quando dizemos
mundo?”. 3 Questões semelhantes a essas foram as que motivaram os estudos aqui apresentados,
como poderá ser visto no recorrido histórico a seguir.
Em 2011 o grupo de estudos, ao discutir metodologias de pesquisa, colocou-se como desafio
estudar “convivência metodológica” a partir de indagações que se fez ou que lhe foram feitas acerca
das possibilidades da convivência, em processos de pesquisar, entre pessoas da academia e grupos
considerados marginalizados pela sociedade. No segundo semestre de 2011 e durante o ano de 2012
realizamos diversos encontros que frutificaram reflexões em torno de nossos projetos de pesquisa,
bem como sobre nossa concepção de convivência metodológica que é elemento teórico- metodológico
central ao desenvolvimento de nossas pesquisas. Para tais encontros, cada integrante do grupo ficou
responsável por realizar estudos preliminares sobre o conceito de convivência, desde a etimologia da
palavra até questões voltadas à definição teórica da categoria aportada em diferentes autores/as.
Produzimos coletivamente dois ensaios teóricos que objetivaram apresentar o que tínhamos
acumulado reflexivamente acerca de convivência, bem como sobre diferentes significados de
comunidade. Tais ensaios tiveram como objetivo contribuir com as reflexões acerca das metodologias
de nossas pesquisas e dos demais pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Práticas
1
http://www.processoseducativos.ufscar.br/
2
Naquele momento, como parte da orientação coletiva dos orientandos da Profa Maria Waldenez de Oliveira.
Esse texto-síntese pode ser encontrado na página do Grupo de Pesquisa, clicando em “Textos e Relatórios”, tendo sido
sistematizado por Valéria Oliveira de Vasconcelos.
3
2
Sociais e Processos Educativos, cuja premissa é o desenvolvimento de pesquisa acadêmica com rigor
científico e compromisso social4.
Em uma das conversas em que o grupo realizou, no ano de 2012, debaixo de uma árvore, já
próximo do final do ano, quando estávamos concluindo os estudos sobre a palavra convivência,
víamos as estreitas relações entre os termos cosmovisão e convivência e foi aí, debaixo da árvore,
conversando, escarafunchando a palavra convivência e sua ligação com a palavra cosmovisão que se
suspirou o termo cosmovivência, um neologismo que o grupo achava ter criado naquele momento.
De início, o primeiro movimento foi tentar encontrar, na internet, o termo cosmovivência e, de
imediato, foi encontrado o texto “Cosmovivência andina – vivir y convivir em armonía integral –
Suma Qamaña5” na Revista de Estudios Bolivianos (http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42).
Tais estudos iniciais sobre Convivência nos apontavam que o “com” que compõe essa palavra
e os entendimentos que dela elaborávamos, incluía um significado de comunidade (no caso de
convivência, o significado de comunidade de vida, vivência e/ou existência) que tinha forte raiz em
cosmovisões acerca de quem são os outros, e quem sou eu, que comungariam nesse “com”. Iniciamos
alguns estudos sobre cosmovisão e encontramos artigos que a ela se referiam, sem, no entanto,
aprofundar o conceito. A fim de ampliarmos nossa compreensão acerca de Cosmovisão realizamos
estudos introdutórios sobre diferentes cosmovisões – andina, africana, aymara, amazônica e outras.
Neste processo, foi de fundamental importância o encontro com Prof. Sérgio Toro no segundo
semestre de 2012, em uma de nossas reuniões quinzenais. Prof Toro é doutor pela Pontifícia
Universidade Católica do Chile (2005) e atualmente é acadêmico da Universidad Austral de Chile na
área de Educação com ênfase em Ensino-Aprendizagem.
Durante os debates acerca desses estudos introdutórios, Prof. Toro nos provocava a
realizarmos uma aproximação crítica ao conceito de cosmovisão e atentarmos para sua etimologia e
processo histórico de construção conceitual, em vista estarem profundamente imbuídos (como o está
outros conceitos) de particulares visões de mundo, especialmente das ocidentais, por vezes
4
. Os dois ensaios elaborados foram apresentados no 4º Seminário de Pesquisa em Práticas Sociais e Processos Educativos
(2014): Convivência metodológica: o que aprendemos com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva , e, Comunidade é tudo.
Podem ser igualmente acessados na página do Grupo de Pesquisa no tópico “Textos e Relatórios”:
5. Paradigma de existencia de bienestar y armonía. Qamaña, en aymara, significa vivir, vida. Suma qamaña hace
referencia a la buena vida en el sentido integral y estratégico de vida correcta y en armonía con la naturaleza. El Suma
Qamaña es un paradigma de vida que toda la humanidad está buscando, porque implica el bienestar y armonía de todos
y no de unos pocos. Es una posible solución a la crisis de la civilización moderna (YAMPARA HUARACHI, 2011, p.
20).
3
descaracterizando visões de povos originários, como por exemplo, povos andinos. Sua grande
experiência acerca de temáticas afins às estudadas pelo Grupo de Pesquisa, contribuiu para que
tomássemos contato com alguns dos autores aqui estudados, cuja leitura foi por ele sugerida já nesse
encontro.
Assim, as reflexões empreendidas somadas ao acúmulo reflexivo do Grupo de Pesquisa e às
importantes contribuições do Prof. Sérgio Toro, animou-nos a trilhar um caminho de construir nossos
entendimentos do que é cosmovisão, no intuito que essa construção pudesse nos auxiliar no estudo
da convivência em diferentes culturas, grupos culturais, etc. com os quais pesquisamos. Em 2013 o
grupo de estudos ampliou o número de membros que vêm contribuindo sobremaneira com o
enriquecimento de nossos diálogos e reflexões. Com isso, viemos aprofundando os estudos sobre o
conceito de cosmovisão e tal mergulho possibilitou a elaboração do presente texto.
O processo de escrita
Iniciamos os estudos com Seminários sobre as obras lidas dos autores aqui inseridos. A
escolha do autor se deu, inicialmente, com as conversas acima indicadas, e posteriormente, com
leituras adicionais (por vezes indicadas no texto lido desse autor, por vezes indicada por nossa
experiência ou leituras anteriores). O leitor poderá acompanhar esse processo de escolha de cada
autor estudado na Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. Inicialmente apresentados por um membro
de nosso grupo, os Seminários, em 2013, passaram a ser feitos em duplas que são os autores dos
tópicos específicos referente a cada autor estudado da Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. O leitor
encontrará tópico escrito por duplas mas também de única autoria; este último trata-se de incursão
que um dos membros do Grupo considerou necessária, até para compreender melhor o que vinha
estudando na dupla.
Após os Seminários, iniciamos o processo de escrita do que havíamos estudado. Para isto,
fizemos inicialmente uma reunião em que cada dupla apresentou uma síntese do que havia estudado,
e dessas exposições extraíram-se tópicos, alguns em comum aos autores, outros peculiares de um
autor. A seguir, tais tópicos foram organizados numa ordem que nos pareceu mais adequada para
apresentação aos leitores. Examinando essa listagem, o grupo concluiu que os autores estudados
estariam nela contemplado. Tínhamos, assim, construído a linha condutora da escrita dos tópicos
referentes a cada autor que se encontram na Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. Essa listagem pode
ser vista no Apêndice 1. Uma primeira versão das seções foi elaborada e compartilhada com todo o
grupo para sugestões. Seguiu-se um refinamento, seja agrupando-se tópicos, seja eliminando-se
outros, de modo que a leitura pudesse ocorrer de forma mais fluída.
4
Após os estudos e debates acerca de cosmovisão, sentimos necessidade de retomar a discussão
sobre Convivência. Para isso, organizamos conversas entre nós que ocorreram em maio de 2014 e
que foram gravadas e transcritas. O objetivo dessas conversas foi fazer uma síntese dos estudos que
serão apresentados na seção 3, retomando a discussão sobre Convivência na busca por trazer
contribuições para nossas pesquisas, especialmente no que diz respeito aos caminhos metodológicos
por nós trilhados. Esses debates podem ser encontrados na Seção 4.
Para a editoração final do texto, acordamos títulos e subtítulos, escrevemos coletivamente a
Apresentação e organizamos a apresentação dos autores em ordem alfabética, pois qualquer outra
ordem poderia indicar uma ligação ou um encadeamento entre autores, que não nos pareceu adequada,
pois não realizamos essa reflexão nesse momento. Por fim, inserimos uma imagem na capa do texto
que no nosso entendimento expressa uma interessante concepção de cosmovisão que integra seres
humanos entre si e com os demais seres vivos do Planeta, compondo uma comunidade dinâmica em
infinito movimento de devir.
Algumas palavras sobre o objetivo, limites e horizontes para estudos futuros
O objetivo destes Estudos sobre Cosmovisão é apresentar um panorama sobre o conceito, a
partir de diversos autores latinoamericanos e europeus. Alguns desses autores não tratam de maneira
direta o conceito de cosmovisão, mas contribuem com a elaboração de aporte teórico voltado ao
entendimento de uma determinada cosmovisão a partir da cotidianidade das pessoas. Aos
pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa que desejem conhecer um pouco mais acerca
de Cosmovisão, esperamos que este panorama possa contribuir como uma aproximação inicial a
alguns autores, e a partir dela possam aprofundar seus estudos nestes ou em outros autores que
sentirem que possam colaborar com suas pesquisas. Não é nossa pretensão apresentar um estudo
exaustivo e nem abarcar todos os autores que reconhecidamente trataram ou colaboraram com a
construção conceitual acerca de Cosmovisão. A razão de ser de cada autor estar presente neste estudo
está explicitada em cada tópico a seguir, como já comentado anteriormente. Atentar que nele também
indicamos o recorte de que obra, ou parte da obra desse autor, nos valemos para os estudos. Este é
um recorte que também precisa ser destacado como um limite importante deste texto.
O texto também objetiva provocar seus leitores/as a refletirem sobre questões metodológicas
que proporcionam relações horizontalizadas entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa, bem como o
reconhecimento de que a produção de conhecimento válido não é privilégio de pessoas que ocupam
bancos acadêmicos ou cargos em instituições científicas e tecnológicas. Destacamos por fim, que os
estudos que frutificaram o presente texto não se encerram aqui. Pelo contrário, esperamos que ele
5
possa suscitar novas investigações e reflexões em torno do conceito de cosmovisão, na busca por
delinear uma concepção própria sobre essa categoria, a partir do nosso local de pertencimento e de
partida que é a América Latina.
Boa leitura! Bons estudos!
São Carlos, outono de 2014.
6
2. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES ESTUDADOS
Autoria:
Iraí Maria Campos Teixeira
Djalma Ribeiro Junior
Erivelto Santiago Souza
Maria Waldenez de Oliveira
Reijane Salazar Costa
Rosângela Pereira de Souza
Sara Ferreira de Almeida
Adriana Bogado
Fabiana Rodrigues de Sousa
ALFREDO LÓPEZ AUSTIN6
Nasceu em 1936 em Juárez, no Estado de Chihuahua (México).
Formou-se em advocacia e exerceu essa profissão por três anos.
Recebeu uma proposta para estudar e trabalhar na área de história do
professor Miguel León Portilla, e trasladou-se ao DF com sua esposa.
Foi discípulo do humanista Ángel María Garibay. Para se aproximar e
compreender a cultura mexica, aprendeu náhuatl (INAH, 2013). Doutorou-se em História. Trabalha
como professor na Licenciatura em História da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidad
Nacional Autónoma de México (UNAM). Garduño (2013) destaca que suas aulas sempre reuniam
uma multidão. É pesquisador emérito do Instituto de Pesquisas Antropológicas da UNAM e
pesquisador do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH). Segundo Garduño (2013),
algumas das obras que lhe deram reconhecimento acadêmico nacional e internacional pela sua
abordagem da cosmovisão são “Hombre dios” (1973) e “Cuerpo humano e ideologia” (1980). Merece
destaque também o livro “El pasado indígena” (1996), escrito junto a seu filho o arqueólogo e
historiador Leonardo Náuhmitl López Luján. Pelos seus estudos e conhecimentos sobre Cosmovisão
Mesoamericana foi professor convidado em universidades de diferentes países como França, Estados
Unidos e Japão. Uma das principais contribuições de sua obra foi a mudança na percepção do
mesoamericano. Seus estudos visam à compreensão da cultura mesoamericana segundo a visão dos
indígenas. Ele destaca que para entender la relación entre mito e historia, “hay que introducirse en un
6
http://web.calstatela.edu/academic/las/LAS-Eventos/Site%20Folder/Resources/20122.jpeg
7
complejo mundo cultural: la cosmovisión de los pueblos. Los hombres en sus relaciones cotidianas
se afirman y buscan sustento en acontecimientos históricos, mundanos, pero también en historias
teñidas con elementos sobrenaturales, en la inserción del mundo de los dioses. Hacen entonces una
construcción doble”. (INAH, 2013). Nos últimos anos, Alfredo López Austin vem recebendo diversas
distinções e reconhecimentos. Foi homenageado pela universidade de Texas, Harvard e, em setembro
de 2013, pelas instituições em que construiu sua trajetória: UNAM e o Instituto Nacional de
Antropologia e História (INAH). “A sus 77 años, López Austin sigue dedicando parte de su tiempo a
la docencia y espera no abandonar los cursos en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM en
tanto “la vejez no me impida seguir exponiendo ideas sensatas”(INAH, 2013).
ANTONIO PEÑA CABRERA7
Profesor Emérito da Universidade Nacional Mayor de San Marcos.
Ex-Diretor da Escola de Pos-graduação, donde exerce seu trabalho
docente nos seminarios de história da filosofía. Foi Presidente da
Sociedade Peruana de Filosofía. Naceu en Lima (1928) e realizou
seus estudos universitarios na Universidade de San Marcos, na Alemanha e Canadá. Publicou no Perú
e México numerosos artigos e livros sobre filosofia medieval. Realizou estudos sobre os conceitos de
Espaço e Tempo na antiguidade e no mundo moderno, assim como investigações sobre a
racionalidade
andina.
(Informações
extraídas
de
http://sisbib.unmsm.edu.pe/bibvirtual/publicaciones/logos/1994_n1/racionalidad.htm#1)
7
http://www.youtube.com/watch?v=S7pXEXOlRLo
8
CLIFFORD GEERTZ8
(1926 – 2006), Clifford Geertz (1926-2006), estadunidense, é considerado o
fundador da Antropologia Interpretativa. Sua formação acadêmica ocorreu,
sobretudo, no Departamento de Relações Sociais da Universidade de
Harvard; no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, no
qual atuou como docente durante uma década; e no Instituto de Estudos
Avançados em Princeton, onde atuou até sua morte. Em suas obras ele propõe
a observação de outras culturas desde uma compreensão dos vários aspectos
pelos quais os membros de uma sociedade constroem um determinado tipo de conduta. Nesse sentido,
as narrativas e o comportamento teatralizado dos indivíduos, segundo papéis constituídos pelas
relações interpessoais e com o meio ambiente, constituem a característica simbólica da atuação
política de cada um. Geertz busca o que pode ser interpretado nos relatos etnográficos. Nossas leituras
e análises se focaram nos capítulos 1, 3, 4 e 5 do livro “A interpretação das culturas”.
DANIEL MUNDURUKU9
Pertence à etnia indígena Munduruku, grupo que habita o sudoeste do estado
do Pará. É graduado em filosofia, história e psicologia e doutor em Educação
na Universidade de São Paulo. É diretor-presidente do Instituto Uk'a - a casa
dos saberes ancestrais e relações públicas do Instituto Indígena Brasileiro para
a Propriedade Intelectual (Inbrapi), que defende os conhecimentos tradicionais
dos povos indígenas. É conselheiro-executivo do Museu do Índio do Rio de Janeiro. Como escritor,
se destaca na área da literatura infantil. Consideremos importante conhecer suas contribuições sobre
as cosmovisões indígenas brasileiras pois Daniel Munduruku milita a favor a educação para a
diversidade, e seus trabalhos objetivam compartilhar as compreensões, percepções e visões de mundo
de sua etnia.
8
9
http://ccs.research.yale.edu/documents/public/geertz_by_Hagadorn.jpg.jpe
http://www.flip.org.br/upimages/fotos_flipinha/139.jpg
9
EDUARDO BATALHA VIVEIROS DE CASTRO10
É “etnólogo americanista, com experiência de pesquisa na Amazônia. Doutor
em Antropologia Social pela UFRJ (1984). Pós-doutorado na Université de
Paris X (1989). Docente de etnologia no Museu Nacional/UFRJ desde 1978.
Professor titular de antropologia social na UFRJ desde janeiro de 2012”. Em
sua carreira acadêmica, ele busca analisar e refletir sobre questões presentes
no pensamento ameríndio. Ele já “publicou cerca de 120 artigos ou capítulos
de livros e sete livros, de 1972 ao presente. É o coordenador do Núcleo de Transformações Indígenas,
grupo baseado no Museu Nacional/UFRJ, e co-coordenador da Rede Abaeté de Antropologia
Simétrica”.
(Texto
extraído
de
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783546H3). Em nosso grupo lemos e
analisamos o artigo “O nativo relativo”, leitura indicada pelo professor Sergio Toro, por apresentar
diferentes cosmovisões latino-americanas.
ENRIQUE DUSSEL11
Nasceu em 24 de dezembro de 1934 em um povoado chamado La Paz
situado na província de Mendoza na Argentina. Exilado político
desde 1975 no México, hoje é cidadão mexicano. É professor no
Departamento de Filosofia da Universidade Autônoma Metropolitana
(UAM, Iztapalapa, cidade de México) e no Colégio de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Letras
da UNAM. É licenciado em filosofia (Universidade Nacional de Cuyo, Mendoza, Argentina), doutor
em filosofia pela Universidade Complutense de Madri, doutor em história na Sorbonne de Paris e
possui licenciatura em teologia em Paris e Münster. É fundador com outras pessoas do movimento
da Filosofia da Libertação e trabalha especialmente no campo da Ética e da Filosofia Política 12.
10
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/43/Viveirosdecastro27062007.JPG/220pxViveirosdecastro27062007.JPG
11
http://quemanta.org/wp-content/uploads/2012/09/dussel-470x260.jpg.
12Informações retiradas do site: http://www.enriquedussel.com/Home_cas.html (tradução nossa).
10
A obra de Dussel compõe o referencial teórico adotado pela Linha de Pesquisa Práticas Sociais
e Processos Educativos do PPGE/UFSCar em que se situa o Grupo de Pesquisa de mesmo nome.
Consequentemente, foi um dos autores adotados pelo nosso grupo de estudos para o aprofundamento
do conceito de cosmovisão. A obra estudada pelo grupo foi a Filosofia de la Liberación que é fruto
da atuação acadêmica e política de Enrique Dussel no mundo inteiro, especialmente na Europa,
Mundo Árabe e América Latina. A obra foi escrita em 1975 quando o autor foi exilado no México
em decorrência da ditadura na Argentina, quando recebeu sérias ameaças de morte, sendo obrigado a
se retirar do seu país de origem.
Fueron años de muchas tensiones, de profundos compromisos, de un viajar incesante por
América Latina (continente que atravesé frecuentemente). Cuando aumentó la represión
fui expulsado de la Universidad Nacional de Cuyo, en marzo de 1975, y se me condenó
a muerte por «escuadrones» parami-litares. Dejé Argentina y comencé el exilio en la
nueva patria: México. Aquí, durante algunos meses, sin mi biblioteca por encontrase en
Argentina - de memoria entonces -, redacté la Filosofía de la Liberación. Una época
había terminado para mí. Comenzaba otra (DUSSEL, s.d., p. 23).
ERNANI MARIA FIORI nasceu em Porto Alegre a 17 de março de 1914. Bacharelou-se
pela Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1935, ingressando no magistério. Fez parte do grupo
que criou o Centro Católico de Acadêmicos, entidade que daria origem à Juventude Universitária
Católica (JUC), importante organização estudantil. Tornou-se catedrático de história da filosofia na
Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1964 foi expulso da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, exilou-se no Chile e no Peru, onde ministrou cursos de
sua especialidade. No Chile, atuou em institutos de formação política e colaborou com Paulo Freire
na discussão sobre educação popular. No Peru, foi vice-reitor da Universidade de Lima. De regresso
ao Brasil, com a abertura política, ingressou no corpo docente da PUC - RS. Faleceu a 4 de abril de
1985, aos 71 anos de idade. (Informações extraída do Centro de Documentação do Pensamento
Brasileiro – CDPB e do livro “As Fontes do Humanismo Latino - o sentido do humano na cultura
brasileira e latino-americana” de Luiz Carlos Bombassaro e Jayme Paviani).
11
FABIANO DE ALMEIDA OLIVEIRA13
Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP, mestrado em
Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP e mestrado em Teologia com
Concentração em Filosofia pelo Centro de Pós-graduação Andrew Jumper Universidade Mackenzie. Atualmente está concluindo seu doutorado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo - USP. Até dezembro de 2013 foi Professor
Assistente Associado 1 da Universidade Mackenzie - Campus São Paulo, e também prestou serviços
como assessor e revisor filosófico do Sistema Mackenzie de Ensino - Mackenzie. Desde fevereiro de
2014 atua como Professor de disciplinas filosóficas para os cursos de Pedagogia e Ciências Contábeis
da Associação de Ensino Superior São Judas Tadeu - SJT, na cidade do Rio de Janeiro. Professor de
graduação e pós-graduação de Filosofia com experiência na área de História da Filosofia
(especialmente Tardo-Antiga, Medieval e Renascentista), Introdução à Filosofia, Filosofia Geral,
Filosofias Aplicadas (Filosofia e História da Arte, Filosofia do Direito, da Medicina, da
Administração, da Religião, da Educação, etc.), Teologia, Ética, Epistemologia, filosofia da ciência e
filosofia da cultura. Com interfaces com a Antropologia Cultural e a Sociologia do Conhecimento.
Trabalhava ministrando aulas e módulos presenciais e à distância, realizava orientação e coorientação
acadêmica, de monografias e dissertações. Produzia artigos e estava envolvido com pesquisa. (Texto
extraído de http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4231623A0).
JOSEF ESTERMANN14
nasceu em 1956 em Sursee, estado de Lucerna, Suíça. Estudou teologia e
filosofia na Suíça e nos Países Baixos (Lucerna, Nimwega, Utrecht e
Ámsterdam). Obteve o doutorado em Filosofia pela Universidade de Utrecht
(Países Bajos), com um trabalho sobre Leibniz, e a Licenciatura em Teologia
pela Universidade de Lucerna (Suíça). De 1990 a 1998, viveu em Cusco (Perú),
onde trabalhou como missionário laico pela Sociedad Misionera de Belén
(SMB), num povoado da cidade, e como docente em várias casas de estudo. Daí que surge seu
interesse pelas culturas e cosmovisões autóctones, principalmente as andinas. De 1998 a 2003, viveu
13
http://servicosweb.cnpq.br/wspessoa/servletrecuperafoto?tipo=1&id=K4231623A0
14
http://www.uni-frankfurt.de/44587110/Estermannneu.jpg
12
em Maastricht (Países Baixos) e trabalhou como diretor no Instituto de Miskionología Mission en
Aquisgrán (Aachen; Alemania), junto a Raúl Fornet-Betancourt. Era editor da revista Chakana: Foro
Intercultural de Teología e Filosofía. De 2004 a 2012, viveu em La Paz (Bolívia) e trabalhou como
catedrático e investigador no Instituto Superior Ecuménico Andino de Teología (ISEAT), na
Universidad Mayor de San Andrés, na Universidad Católica Boliviana San Pablo (UCB) e na
Universidad Andina Simón Bolívar (UASB). Dedicou-se à pesquisa da filosofia e teologia andinas,
da filosofia e teologia interculturais, como também à docência no campo da filosofia, ciências da
religião e teologia. A partir de 2013, se torna diretor da Casa Romero (RomeroHaus) em Lucerna,
casa de formação da Misión Belén (MBI), e docente na universidade de Lucerna.
MAURO FERNANDO MEISTER15
Possui graduação em Teologia - Seminário Presbiteriano do Sul (1989), Mestrado
em Teologia - Covenant Theological Seminary (1994) e doutorado em Literatura
Semítica - Stellenbosch University (1996). Atualmente é professor do Centro
Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper, co-editor da revista Fides
Reformata (São Paulo) e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, EST. Tem experiência
na área de Teologia, com ênfase em TEOLOGIA EXEGÉTICA, atuando principalmente nos seguintes
temas: Antigo Testamento, Novo Testamento, Teologia Bíblica, Hermenêutica, Teologia Pactual e
Educação
Cristã.
(Texto
extraído
de
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4131188Z9).
15
http://servicosweb.cnpq.br/wspessoa/servletrecuperafoto?tipo=1&id=K4131188Z9
13
SIMÓN YAMPARA HUARACHI16
É índio aymara qullana, nascido no Ayllu (comunidade) dentro dos limites
do departamento de La Paz, na fronteira com Oruro, na Bolívia. Fez seus
estudos primários em Oruro, mudando-se depois para La Paz, onde se
formou em sociologia. Nos anos universitários, começou a debater
assuntos como a luta de classes e o Suma Qamaña (Bem-viver), sentindose duplamente influenciado pelo ayllu e pela universidade. É assessor
principal da Fundação Qullana Suma Qamaña, professor do programa de
mestrado da Agroecología Universidad Cochabamba – Agruco, da Universidad Mayor de San Simón
– UMSS, em Cochabamba, e da Universidad Andina Simón Bolívar, em Quito, no Equador. Já
trabalhou no Ministério de Assuntos Agropecuários da Bolívia e na Secretaria de Turismo da
Prefeitura de La Paz. Fue coordinador del Programa de Investigación Estratégica en Bolivia (PIEB)
– www.pieb.org y militante del movimiento katarista. (Informações extraídas de uma entrevista de
Simón Yampara Huarachi concedida para Revista do Instituto Humanitas Unisinos no dia 23 de
outubro
de
2010
-
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3446&secao=3
40 ).
WILHELM DILTHEY17
(1833-1911) Foi um filósofo alemão. Viveu em um momento de grande
efervescência na construção do pensamento contemporâneo nas diversas áreas de
conhecimento. Criticou o Positivismo, defendendo a distinção entre ciências
naturais e ciências humanas. Criou a noção de “ciências do espírito”
(Geisteswissenschaften), hoje denominadas “ciências humanas”, e tentou
delimitar-lhe o domínio em relação às ciências naturais e às ciências exatas.
Dilthey era filho de um teólogo da Igreja Reformada. Segundo Franco (2012):
Fez sua formação básica em Biebrich, sua cidade natal, e depois foi estudar teologia
na Universidade de Heidelberg. Depois de três semestres, mudou-se para Berlim
16
17
http://www.circuloachocalla.org/wp-content/uploads/2012/04/SYampara.jpg
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/df/Dilthey1-4.jpg/190px-Dilthey1-4.jpg
14
onde passou a estudar história. Com vistas a atender expectativas paternas, ele fez
os exames finais em teologia e pregou seu primeiro sermão em 1856. Começou a
vida como professor secundário; após dois anos ensinando teve licença por questões
de saúde. Nos anos subsequentes tornou-se pesquisador em Berlim com estudos
históricos e filosóficos. Em 1864, passou a professor universitário com um trabalho
de entrada sobre a ética de Schleiermacher. Ensinou em Basileia e Berlim. Na
Universidade de Berlim ocupou a mesma cadeira de filosofia que Hegel. Casou-se
com Catarina com quem teve um filho e duas filhas. Faleceu em 3 de outubro de
1911 (FRANCO,2012, p. 19-20).
Estudou Teologia; Filosofia, concluindo o doutorado na Universidade de Berlim; Ótica e
Psicofísica para fortalecer a sua fundamentação científica nas ciências da natureza, e voltou-se para
as pesquisas psicológicas e os estudos históricos e literários, com foco especial para a Pedagogia e a
Ética. Seu problema central é a vida e a compreensão da vida.
Dilthey propõe outro fundamento para as ciências humanas: a autorreflexão fundada na
experiência da vida.
Na teoria do conhecimento, Dilthey opõe-se às doutrinas intelectualistas: não
conhecemos com a inteligência, mas sim com a totalidade de nossa alma e
constatamos o mundo exterior por meio de nossa vontade ao esbarrar com uma
resistência. Dilthey elaborou uma minuciosa teoria do conhecimento das ciências do
espírito (hermenêutica), os três princípios básicos da qual são os seguintes: o
conhecimento histórico é reflexão sobre si mesmo; compreender (verstehen) não é
explicar (erklären), não é uma função racional, mas cumpre-se com todas as forças
emotivas da alma; a compreensão é um movimento da vida para a vida, porque a
própria realidade é vida. Só mediante a cooperação de todas as forças da alma e pela
nossa coesão interna é que podemos compreender a coesão total” (CASTRO, 2009).
Sua obra completa ocupa 14 volumes e foi publicada em alemão, a maioria após sua morte. Poucas
obras foram traduzidas para outras línguas. Segundo Franco (2012) é um pensador pouco conhecido
no Brasil. Algumas de suas obras são:
 Vida de Schleiermacher (1867)
 Introdução às ciências do espírito (1883)
 Origem da hermenêutica (1900)
 Estudos para o estabelecimento das ciências do espírito (1905)
 A essência da filosofia (1907),
 A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910)
15
Referências
BIOGRAFIAS
Y
VIDAS.
Wilhelm
Dilthey.
Disponível
em:
<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/d/dilthey.htm>. Acesso em: 20 de Nov. 2013.
CASTRO,
Murilo
Cardoso
de.
Dilthey.
Disponível
em:
<http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexico/print.php?entryID=1154>, 2009. Acesso em:
21 de Nov. 2013.
FRANCO, Sérgio de Gouvêa. Dilthey: compreensão e explicação" e possíveis implicações para o
método clínico. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., vol.15, no.1, São Paulo, Mar. 2012. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142012000100002&script=sci_arttext>. Acesso
em: 21 de Nov. 2013.
16
3. ESTUDOS SOBRE COSMOVISÃO
Estudando cosmovisão: Algumas contribuições de Alfredo López Austin no artigo “Tras un
método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina a partir de sus
mitologías”
Adriana Marcela Bogado
Fabiana Rodrigues de Sousa
“Soy historiador porque creo que la historia
es una de la mejores vías para comprender la religión,
para comprender la vida indígena.
Esto es lo que me apasiona”
Alfredo López Austin
Como chegamos ao autor?
A partir de buscas realizadas na internet, observamos que grande parte dos autores que
estudam cosmovisão produzem artigos que abordam a cosmovisão mesoamericana 18. Na intenção de
conhecer mais sobre cosmovisão mesoamericana, selecionamos a tese intitulada “La imagen bajo la
perspectiva de la cosmovisión: cuatroc osmogramas pré-colombianos mesoamericanos”
(ÁNGELES, 2012). Nessa obra, a autora apresenta um panorama dos estudos sobre cosmovisão e
destaca Alfredo López Austin como um dos principais autores que tem se dedicado a investigar esse
tema. Por esse motivo, optamos por ler algum dos textos por ele produzidos. Selecionamos o artigo
intitulado “Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina a
partir de sus mitologías”, que foi publicado nos Anales de Antropología, da Universidad Nacional
Autónoma de México (UNAM), em 1995. Nesse texto, o autor propõe as bases de um método
comparativo de investigação entre as cosmovisões mesoamericana e andina 19.
18
O filósofo e antropólogo alemão Paul Kirchoff especializou-se em etnologia mexicana e foi pesquisador da UNAM.
Ele realizou importantes investigações sobre as culturas do México e definiu o conceito de Mesoamérica para o estudo e
classificação etnográfica da região mexicana e centro-americana. Mesoamérica é uma região de várias civilizações
complexas que envolve a atual região sul do México e territórios da Guatemala, Nicarágua, Honduras e Costa Rica. Há
traços culturais que definem as culturas da região (sistema de numeração de base 20, escrita pictográfico-hieróglifa, culto
a divindades, etc).
América Andina configura-se como porção territorial da América do Sul que é cortada pela Cordilheira dos Andes, a
qual se estende do Norte ao Sul do continente. Os países que a compõem são Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e
Venezuela.
19
17
Adentrando na discussão...
No artigo intitulado “Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones
mesoamericana y andina a partir de sus mitologías”, Alfredo Austin apresenta o conceito de
cosmovisão retomando discussões feitas em outras de suas obras. Define cosmovisão como
[...] um fato histórico de produção de pensamento social imerso em decursos de larga
duração, fato complexo, integrado como conjunto estruturado e relativamente
congruente por diversos sistemas ideológicos com os que uma entidade social, em
um tempo histórico dado, pretende apreender o universo (AUSTIN, 1995, p.214,
tradução nossa).
Dessa forma, conforme aponta Austin (1995), a cosmovisão se configura como um sistema de
sistemas. A redução de diversos sistemas em um macrosistema – cosmovisão – leva a um alto nível
de abstração. Em todo campo de ação, se ensaia consciente ou inconscientemente, se repetem
inovações que se somam às regras, as quais se incorporam a uma arte. As artes, por sua vez,
conformam sistemas e os sistemas se aglutinam coerentemente até formarem um macrosistema, isto
é, a cosmovisão.
“La cosmovisión mesoamericana” reproduzido em AUSTIN (1995, p.214).
O autor destaca o caráter histórico das cosmovisões, pois pertencem a um todo social que se
transforma permanentemente.
A cosmovisão é um fato histórico sumamente complexo porque vai se integrando a
partir de sistemas ideológicos muito heterogêneos. Compreende-os, os abrangendo
globalmente, estruturando-os e articulando-os em forma congruente. Desta maneira,
a cosmovisão se constitui em um sistema de sistemas. (AUSTIN, 1995, p.215).
18
A cosmovisão é composta por uma parte medular (núcleo duro) que é fruto da participação
social generalizada. Essa parte medular é resistente a mudanças e é por meio dela que se torna possível
o reconhecimento histórico de uma forma característica de conceber o mundo através de milênios
(AUSTIN, 1995, p.217). O autor alerta que “pertencer a uma tradição ou possuir uma cosmovisão
não implica, de maneira nenhuma, em uniformidade de pensamento, mas sim em capacidade relativa
de intercomunicação e interação em um dado contexto social” (AUSTIN, 1995, p.216, tradução
nossa).
Austin afirma que alguns autores negam o conceito de cosmovisão, pois consideram que se
trata de uma construção teórica coerente e ordenada do pesquisador, que não levaria em conta “as
diferenças de pensamento entre os distintos componentes de uma sociedade, nem corresponde em sua
totalidade à de nenhum deles” (p.215). Assim, para alguns especialistas o conceito apenas teria
aplicação em sociedades tradicionais, com uma tradição de estrutura forte e estreitas relações entre
os distintos âmbitos de ação, “excluindo, portanto, as sociedades modernas, pois nelas há uma
grande independência entre os distintos âmbitos da ação social” (p.218).
Na nossa opinião, o conceito continua sendo válido mesmo na nossa sociedade fragmentada,
múltipla, paralela, virtual, desconexa, às vezes, e com fortes tentativas de conexão por outras, pois
continuamos procurando o sentido da vida. Só que nossa experiência vital, que é a "raiz" da
mundividência (para Dilthey), vai ter as características dessa sociedade e, portanto, nossa visão de
mundo também.
Como as cosmovisões se constroem?
Austin salienta essa dialética entre as dimensões individual-social no processo de construção
das cosmovisões:
Considera-se que o produto é social porque, a pesar da valiosa participação dos
indivíduos na construção da cosmovisão, a ação individual só adquire natureza
cosmológica quando é expressa, difundida, aceita, assimilada e reinterpretada num
amplo rádio coletivo (AUSTIN, 1995, p.215, grifo nosso).
A cosmovisão é fruto da participação social generalizada, “Nasce nos atos constantes,
cotidianos, de quem nem sequer se imaginam criadores de cosmovisão” (p.216). O núcleo duro da
cosmovisão vai se constituindo nos atos constantes, cotidianos de quem nem sequer se imagina
19
criador de cosmovisão. Austin (1995) cita o exemplo da gramática que é uma construção de
racionalidade e coerência extremas, obra de todos e do nada, já que não é fruto de um trabalho
consciente de criação, mas sim resultado do exercício do diálogo.
[…] alguns de seus elementos – os que compõem sua parte medular – são sumamente
resistentes à mudança. Estes elementos constituem um complexo que pode receber
o nome de núcleo duro. São os que permitem o reconhecimento histórico de uma
forma característica de conceber o mundo através de milênios (AUSTIN, 1995, p.
217)
Para Austin (1995), a cosmovisão é percebida como pertencente a um todo social que se
transforma permanentemente. Ela produz pensamentos e crenças que condiciona a percepção da
realidade e orienta a ação sobre a realidade. No texto, lembra-nos “Quetzalcóatl prometeu seu
regresso, e por isso os mexicas confundiram os espanhóis com seus enviados” (p.211).
Também destaca que as cosmovisões são comunicáveis, mostram com quem estamos
conectados, ou não, refletindo processos de homogeneização e de “diferenciação” social. Nesse
sentido, aponta que existem múltiplas cosmovisões que refletem as diferenças existentes inclusive
entre sujeitos pertencentes a uma mesma cultura. Essas diferenças decorrem principalmente da
divisão social. Para o historiador as relações conflitivas e desiguais nos diferentes níveis sociais
também “produzem mecanismos de interação que permitem não apenas a comunicação e a
convivência, senão também a criação de tradições que, em diversos graus de coesão, correspondem a
grandes setores do complexo social” (p.216).
Contribuições para os processos de pesquisar
Austin, considerando o caráter histórico das cosmovisões, propõe o método comparativo para
o seu estudo, salientando a importância do contexto social e cosmológico, considera que cada traço
deve ser analisado como parte significante desse contexto e não como elemento isolado (p.213).
No texto lido e discutido no nosso grupo de estudos, “Tras un método de estudio comparativo
entre cosmovisiones mesoamericana y andina a partir de susmitología”, Austin apresenta algumas
semelhanças entre cosmovisões mesoamericanas e andinas, tais como:
- o vigoroso nexo causal entre o âmbito dos vivos e dos mortos;
- as festas aos mortos são de caráter agrícola;
20
- crença na perda da alma;
Para evitar linhas teóricas que se dispõem a questionar se tais semelhanças são fruto de
contatos entre Andes e Mesoamerica ou se nascem após a conquista e tem como fonte o pensamento
europeu, Austin propõe um método de análise que ele denomina como simples e que consiste em
identificar os traços de semelhança em seus contextos social e cosmológico para que os mesmos não
sejam tomados como elementos isolados, mas sim como partes significantes em seu contexto. Dessa
forma, o autor propõe uma análise do conteúdo cosmológico do mito, pois considera que as
sociedades tradicionais são sistemas privilegiados que referem diretamente sua cosmovisão na
mitologia e no ritual.
Referências
ÁNGELES, Maria Montserrat Camacho. La imagen bajo la perspectiva de la cosmovisión: cuatro
cosmogramas precolombianos mesoamericanos. Tese (Doutorado) – Departament d’Art i
Musicologia, Universitat Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2012.
AUSTIN, Alfredo López. Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones
mesoamericana y andina a partir de sus mitología. In. Anales de Antropología, Universidad
Nacional Autónoma de México, México, vol. 32, n. 1, 1995, p. 209-240.
GARDUÑO, Ana. Alfredo López Austin, el seductor. La Jornada, Cultura, Jueves 5 de setiembre de
2013. Disponível em: <http://www.jornada.unam.mx/2013/09/05/cultura/a04a1cul>. Acesso em 30
nov. 2013.
INAH. Rendirán homenaje a Alfredo López Austin. Jueves, 29 de Agosto de 2013. Disponível em:
<http://www.inah.gob.mx/boletines/246-gestion-institucional/6748-rendiran-homenaje-a-alfredolopez-austin>. Acesso em 29 de Nov. 2013.
ISRADE, Yanireth. Celebran a López Austin. Reforma, 5 sep. 2013, Cultura, p.21. Disponível em:
<http://issuu.com/oscarlesleefigueroahernandez/docs/periodico_reforma_del_jueves_05_de>.
Acesso em 30 de nov. 2013.
21
Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro “A interpretação das culturas” de
Clifford Geertz
Iraí Maria de Campos Teixeira
Erivelto Santiago Souza
Clifford Geertz (1926 – 2006), norte-americano, é o fundador da Antropologia Interpretativa.
Em suas obras o autor propõe a observação de outras culturas buscando compreender os diferentes
aspectos do comportamento humano. Suas narrativas apresentam as relações dos indivíduos entre si
e com o meio enfatizando a atuação política de cada um. Para ele, “a ação humana é uma atividade
estruturante, um efeito de superfície”. Geertz busca o que pode ser inferido/interpretado nos relatos
etnográficos.
A obra “A interpretação das culturas” propõe uma analise antropológica na qual o autor, por
meio de várias narrativas, descreve diferentes culturas, de modo a perceber a cultura (política,
religiosa, familiar, dentre outras) como elemento de estruturação das sociedades. Nos primeiros
estudos, o conceito de cultura surge com o significado de um sistema simbólico formado pelas
interações entre os indivíduos e destes com a comunidade.
O autor esclarece que para o desenvolvimento de um estudo etnográfico, não é necessário se
tornar um “nativo”, mas conversar com eles. Geertz (2008) critica a abordagem mecanicista que
ignora as condições históricas da organização social, das relações afetivas e dos papeis sociais.
Segundo o autor, os textos antropológicos são interpretações de qualidade discutível, uma vez que
apenas um “nativo” pode interpretar sua própria cultura. O investigador que se propõe a estudar outras
culturas deve se colocar no lugar do outro, e ter clareza de que sua tarefa é interpretativa, e sua
interpretação não contempla toda a realidade dos indivíduos cuja cultura é investigada: “os
antropólogos não estudam as aldeias, eles estudam nas aldeias” (p. 16, grifo do autor). Ele afirma
ainda que o objetivo da antropologia é o “alargamento do universo do discurso humano. [...]
Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade”
(GEERTZ, 2008, p. 10).
No capítulo 3, “"O Crescimento da Cultura e a Evolução da Mente”, o autor expõe seus
principais argumentos contra a interpretação fechada da cultura e da mente humana. O texto é dividido
em quatro partes, que descrevem a maneira como a mente foi tratada pelas ciências ao longo do
tempo. Ao final do capítulo, Geertz tem apresentado argumentos para defender que o
desenvolvimento cultural é necessário para a evolução mental.
22
As pesquisas recentes da antropologia indicam como incorreta a perspectiva em
vigor de que as disposições mentais do homem são geneticamente anteriores à
cultura e que suas capacidades reais representam a amplificação ou extensão dessas
disposições preexistentes através de meios culturais. O fato aparente de que os
estágios finais da evolução biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais
do crescimento da cultura implica que a natureza humana "básica", "pura" ou "nãocondicionada", no sentido da constituição inata do homem, é tão funcionalmente
incompleta a ponto de não poder ser trabalhada. As ferramentas, a caça, a
organização familiar e, mais tarde, a arte, a religião e a "ciência" moldaram o homem
somaticamente. Elas são, portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas
à sua própria realização existencial. A aplicação dessa revisão da perspectiva da
evolução humana conduz à hipótese de que os recursos culturais são ingredientes, e
não acessórios, do pensamento humano (GEERTZ, 2008, p. 60).
O capítulo 4, “A religião como sistema cultural”, trata de estudos antropológicos sobre religião
desenvolvidos antes e depois da II Guerra Mundial. Segundo Geertz (2008, p. 67), a religião seria
uma tentativa de “ajustar as ações humanas a uma ordem cósmica e que projeta estas mesmas imagens
no plano da experiência humana”. Define religião como:
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal
aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente
realistas (GEERTZ, 2008, p. 67).
Sob o ponto de vista da antropologia a importância da religião baseia-se na capacidade de
servir ao indivíduo e ao grupo, como fonte de concepções gerais do mundo, elaborando funções
culturais de onde fluirão suas funções social e psicológica.
[...]. Discutir o papel do culto dos ancestrais na regulamentação da sucessão política,
dos festins de sacrifício que definem as obrigações do parentesco, da adoração dos
espíritos na programação das práticas agrícolas, da divinização para reforço do
controle social ou dos ritos de iniciação para apressar a maturação da personalidade
não constituem tentativas pouco importantes, e não recomendo que elas sejam
abandonadas em favor da espécie de cabalismo árido no qual pode cair tão facilmente
a análise simbólica de crenças exóticas. Mas fazer esta tentativa tendo apenas uma
idéia, muito geral, de senso comum, sobre o que representam o culto dos ancestrais,
o sacrifício de animais, a adoração do espírito, a divinização ou os ritos de iniciação
como padrões religiosos não me parece muito promissor (GEERTZ, 2008, p. 91).
O autor conclui o capítulo enfatizando a importância de se aprofundar na compreensão do
significado de cada símbolo, de cada ato simbólico, dos rituais religiosos, dos seus valores individuais
para que se possa, a partir daí, julgar o desempenho do papel religioso de forma contundente na vida
do ser humano.
23
No capítulo 5, “Ethos, visão de mundo e a análise dos símbolos sagrados”, Geertz (2008, p.
103) defende que “a relação entre ethos e visão de mundo é circular” e apresenta estudos sobre as
implicações dessa relação com os símbolos sagrados. Para Geertz (2008, p. 93), “em toda sociedade
humana, o sagrado é considerado como tendo implicações de grande alcance para a orientação da
conduta humana”.
Sob o ponto de vista antropológico "ethos" expressa os aspectos morais e éticos de
determinadas culturas. O termo “visão de mundo” expressa os aspectos cognitivos e existenciais. Já
os símbolos revelam aspectos tanto do ethos como da visão de mundo:
A espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como
sagrados varia muito amplamente. Ritos de iniciação complicados, como entre os
australianos; contos filosóficos complexos, como entre os maoris; dramáticas
exibições xamanísticas como entre os esquimós; ritos cruéis de sacrifício humano,
como entre os astecas; cerimoniais obsessivos de cura, como entre os navajos;
grandes festejos comunais, como entre vários grupos polinésios — todos esses
padrões e muitos outros parecem resumir, para um ou outro povo, e de forma muito
poderosa, tudo o que ele conhece sobre o viver. E habitualmente nem existe apenas
tal complexo: os famosos trobriandeses de Malinowski parecem igualmente
preocupados com os rituais da jardinagem e das trocas. Numa civilização complexa
como a dos javaneses — na qual permanecem ainda muito fortes as influências
hindus, islâmicas e pagãs — poder-se-ia escolher um entre vários complexos de
símbolos como revelador de um ou outro aspecto da integração do ethos e da visão
de mundo (GEERTZ, 2008, p. 108)
Pesquisadores buscam perspectivas novas tanto para analisar a religião como para a
compreensão das relações entre religião e valores. Segundo o autor, podemos dizer que religião, arte
e ideologia expressam, mesmo que de maneira disfarçada, tentativas de orientação a quem não pode
viver num mundo que é incapaz de compreender.
Diante disso, esboçamos como questão provocadora, “como faremos para saber em que o
nosso ethos e a nossa visão de mundo, enquanto pesquisadoras e pesquisadores, difere do ethos e
visão de mundo dos colaboradores de nossa pesquisa. Como faremos para convivermos
metodologicamente sem sermos nativos, e a partir desse convívio compreendermos os símbolos, os
fenômenos e as culturas nas quais pesquisamos?”
Referências
GEERTZ, Clifford. A intepretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
24
Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica - texto baseado no livro
“Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira” de Daniel Munduruku
Iraí Maria de Campos Teixeira
Erivelto Santiago Souza
No livro “Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira”, o autor
apresenta algumas contribuições culturais das sociedades indígenas, suas formas de percepção dos
ciclos vitais, entre outras temáticas que auxiliam na compreensão da cosmovisão do povo
Munduruku, do Pará. Segundo o autor, a cosmovisão de um povo define a organização social e as
prioridades. Por exemplo, um povo que parte de uma cosmovisão que prioriza a tecnologia, aceita em
suas condutas morais e éticas a extração de recursos naturais para garantir seus avanços tecnológicos.
Em contrapartida, um povo que parte de uma cosmovisão que prioriza a harmonia, não aceita um
relação de exploração dos recursos naturais. É exemplo das cosmovisão indígenas. MUNDURUKU
(2009, p. 27) inicia o capítulo com a seguinte narrativa:
Dizem os antigos que tudo é uma coisa só tudo está em ligação com tudo, e que nada
escapa à trama da vida. Segundo o conhecimento tradicional, cada coisa existente –
seja ela uma pedra, uma árvore, um rio ou um ser humano – é possuidora de um
espírito que anima e a mantém viva e nada escapa disso. Dizem ainda que é preciso
reverenciar à Terra como grande mãe que nos alimenta e acolhe e que ninguém foge
ao seu destino.
A expressão trama da vida e teia da vida é muito utilizada pelo autor para se referir à
ancestralidade, relações ancestrais, saberes antigos, tradicionais. “As sociedades tradicionais são
filhas da memória e a memória é a base do equilíbrio das tradições. A memória liga os fatos entre si
e proporciona a compreensão do todo. Para compreender a sociedade tradicional indígena é preciso
entender o papel da memória na organização da trama da vida” (p. 28), afirma. Os povos indígenas
tem uma coisa em comum: uma mensagem de amor à Mãe Terra, de apego às raízes ancestrais
transmitidas pelos rituais, um profundo respeito pla natureza, buscando caminhar com ela por meio
de um conhecimento das propriedades que nos oferece e com as quais sustenta cada povo, como uma
mãe amorosa que sempre alimenta seus filhos. Assim os jovens vão aprendendo a conviver no
ambiente que os cerca. “Vão aprendendo que não devem mandar na natureza, mas conviver com ela,
pedindo que lhe ensine toda sua sabedoria e que possam ser alimentados material e espiritualmente
pela Grande Mãe” (p. 29).
25
Junto com os rituais de passagem que marcam uma mudança na vida social das pessoas, os
povos indígenas da Amazônia paraense desenvolvem toda uma visão filosófica da natureza,
alicerçada em suas crenças pessoais, que servem de base para a criação de regras sociais, políticas e
religiosas que, por sua vez, dão sentido à existência física e cultural desses povos. “Os povos
indígenas Brasil:iro desenvolveram uma concepção teórica sobre o sentido da vida. Esta cosmovisão
está assentada sobre as narrativas místicas que são recontadas e rememoradas a cada instante pela
sociedade” (p. 48). De acordo com Munduruku (2009), as sociedades indígenas de organizam de
acordo com essa complexidade mitológica. É claro que cada sociedade se organiza de acordo com o
seu modo de compreender e se relacionar com o mundo (p. 49).
Os mitos formam a consciência social, apresentando narrativas e os comportamentos
desejáveis em um individuo. Com base neles se desenvolve toda uma concepção teórica sobre o
sentido da vida, do conviver e do morrer e da existência no mundo. Na cosmogonia20 indígena – salvaguardando muitas diferenças que variam de grupo para grupo – há uma clara visão sobre o papel que
o individuo ocupa na teia da vida. Ideias como a existência do bem e do mal, da matéria e do espírito,
e da vida e da morte e o que acontecerá com cada pessoa após a morte estão presentes nas narrativas
míticas e no comportamento cotidiano das pessoas (p. 51).
Encontramos na leitura algumas contribuições sobre a saúde e o cuidado em saúde. Nas
cosmovisões indígenas, “o corpo é um sistema em perfeito equilíbrio, que pode ser quebrado por uma
interferência externa ou feitiço. Por isso, a presença do xamã é tão importante para o ajuste do
equilíbrio do doente” (p. 52). A percepção do autor é de que “Sem a presença desse líder espiritual,
toda a comunidade estará sujeita ao sofrimento e à morte e terá de buscar novas formas de lidar com
o sagrado, entregando-se, muitas vezes, as seitas fundamentais a que ela não está acostumada e que
jamais lhe trarão as respostas de que precisa para agradar ao Grande Espírito e compreender a
maravilhosa experiência de estar vivo” (p. 53).
Referências
MUNDURUKU, Daniel.Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira. 2ª Ed.
São Paulo: Editora Global., 2009.
20
Cosmogonia: termo que abrange as diversas teorias sobre as origens do universo, de acordo com religiões, mitologias,
ciências e através da História. Cosmo = “mundo”; gon = “imaginar, produzir, gerar”.
26
Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões amazónicas - texto baseado no
Artigo “O Nativo Relativo” de Viveiros de Castro
Iraí Maria de Campos Teixeira
Erivelto Santiago Souza
No artigo “O nativo relativo”, Viveiros de Castro (2002) defende a ideia de que há duas formas
completamente antagônicas de realizar estudos antropológicos e, segundo ele, é necessário de partida
escolher entre uma delas. Na primeira, o conhecimento antropológico é desenvolvido a partir da
utilização de compreensões e conceitos do pesquisado porque “sabemos de antemão o que são as
relações sociais, ou a cognição, o parentesco, a religião, a política etc., e vamos ver como tais
entidades se realizam neste ou naquele contexto etnográfico — como elas se realizam, é claro, pelas
costas dos interessados” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 116). Na segunda, a qual ele se filia,
“está uma ideia do conhecimento antropológico como envolvendo a pressuposição fundamental de
que os procedimentos que caracterizam a investigação são conceitualmente da mesma ordem que os
procedimentos investigados” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 116).
Viveiro de Castro debate sobre relação social, registrada no pensamento ameríndio como
aquela que se amplia e difere em relação a nossa, compreendendo humanos e animais como aqueles
que possuem formas diferentes e fundos humanos comuns.
Meu objeto é menos o modo de pensar indígena que os objetos desse pensar, o mundo
possível que seus conceitos projetam. Não se trata, tampouco, de reduzir a
antropologia a uma série de ensaios etnossociológicos sobre visões de mundo.
Primeiro, porque não há mundo pronto para ser visto, um mundo antes da visão, ou
antes, da divisão entre o visível (ou pensável) e o invisível (ou pressuposto) que
institui o horizonte de um pensamento. Segundo, porque tomar as idéias como
conceitos é recusar sua explicação em termos da noção transcendente de contexto
(ecológico, econômico, político etc.), em favor da noção imanente de problema, de
campo problemático onde as idéias estão implicadas. Não se trata, por fim, de propor
uma interpretação do pensamento ameríndio, mas de realizar uma experimentação
com ele, e portanto com o nosso (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 123, grifo
do autor).
Neste texto é possível notar uma crítica à primeira concepção de antropologia mencionado
anteriormente. Primeiramente, Viveiros de Castro (2002) procura mostrar como a antropologia,
muitas vezes, exerce seu trabalho, pesquisando a respeito dos nativos já sabendo previamente de sua
cultura, assim, tratando-os apenas como objetos de pesquisas, sem considerar suas visões de mundo.
A seguir, ele apresenta como etnógrafos e antropólogos devem se relacionar com a “outra cultura”,
27
que deve transcorrer de modo a tentar encontrar um conceito nas relações sociais nativas, e não
procurar encaixá-las dentro de um conceito já estabelecido da cultura do pesquisador.
Essa crítica apresentada pelo autor está fundamentada no que ele designa como “imperativo
epistemológico” que visa uma melhora na coleta de dados e na compreensão da cultura nativa e, se
for distinta, do pesquisador. Ele mostra ainda como algumas análises antropológicas são realizadas
de modo equivocado, quando o pesquisador ou a pesquisadora vai a campo estudar outra cultura
visando coletar dados e acaba por julgar os descobertos. O autor propõe que o objeto de pesquisa da
antropologia deve passar a ser a variação das relações sociais em diferentes povos, observando-os
como ‘sujeito outro’ e não ‘outro sujeito’. O pesquisador deve buscar conhecer a cultura nativa sem
um conceito pré-estabelecido a respeito dela, pelo contrário, deve procurar aprender os conceitos da
outra cultura, sem cair no erro de encaixá-los dentro dos de sua cultura. A cultura nativa deve agregar
conhecimento e não deve ser superior nem inferior a cultura do antropólogo, apenas diferente.
Nesse artigo, Viveiros de Castro apresenta alguns relatos, dentre eles um tratando de uma
citação feita por Peter Gow (2000) a respeito de uma cena presenciada na Amazônia peruana, onde
duas mulheres discutiam, uma professora de Santa Clara e uma nativa do povo Piro, a respeito da
importância da água fervida e a diferença de corpos.
Nesse relato, a professora tenta convenser a nativa a preparar a comida de seu filho pequeno
com agua fervida. A mulher piro responde que não pode, porque se beberem agua fervida, irão contrair
diarreia. A professora ri e diz que a diarreia é justamente causada pelo consumo da agua sem ferver.
Sem se abalar, a mulher Piro afirma: “Talvez para o povo de Lima isso seja verdade. Mas para nós,
gente nativa daqui, a agua fervida dá diarreia. Nossos corpos são diferentes dos corpos de
vocês.”Segundo Viveiros de Castro, o debate de Santa Clara nos termos da posição da professora,
traduz seu universalismo natural e seu diferencialismo (mais ou menos tolerante) cultural. Para ela,
há várias visões de mundo, mas há um só mundo — um mundo onde todas as crianças devem beber
água fervida.
A anedota dos corpos diferentes convida a um esforço de determinação do mundo
possível expresso no juízo da mulher piro. Um mundo possível no qual os corpos
humanos sejam diferentes em Lima e em Santa Clara — no qual seja necessário que
os corpos dos brancos e dos índios sejam diferentes. Ora, determinar esse mundo não
é inventar um mundo imaginário, um mundo dotado, digamos, de outra física ou
outra biologia, onde o universo não seria isotrópico e os corpos se comportariam
segundo leis diferentes em lugares distintos. Isso seria (má) ficção científica. O que
se trata é de encontrar o problema real que torna possível o mundo implicado na
réplica da mulher piro. O argumento de que “nossos corpos são diferentes” não
exprime uma teoria biológica alternativa, e, naturalmente, equivocada, ou uma
biologia objetiva imaginariamente não-standard. O que o argumento piro manifesta
28
é uma idéia não-biológica de corpo, idéia que faz com que questões como a diarréia
infantil não sejam tratadas enquanto objetos de uma teoria biológica. O argumento
afirma que nossos ‘corpos’ respectivos são diferentes, entenda-se, que os conceitos
piro e ocidental de corpo são divergentes, não que nossas ‘biologias’ são diversas. A
anedota da água piro não reflete uma outra visão de um mesmo corpo, mas um outro
conceito de corpo, cuja dissonância subjacente à sua ‘homonímia’ com o nosso é,
justamente, o problema. Assim, por exemplo, o conceito piro de corpo pode não
estar, tal o nosso, na alma, isto é, na ‘mente’, sob o modo de uma representação de
um corpo fora dela; ele pode estar, ao contrário, inscrito no próprio corpo como
perspectiva (Viveiros de Castro 1996). Não, então, o conceito como representação
de um corpo extraconceitual, mas o corpo como perspectiva interna do conceito: o
corpo como implicado no conceito de perspectiva (VIVEIROS DE CASTRO,
2002, p. 140).
Referências
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Mana [online]. 2002, vol.8, n.1, pp. 113-148.
ISSN 0104-9313.
29
O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a Introducción a la Filosofia de la
Liberación de Enrique Dussel
Djalma Ribeiro Junior
Rosângela Pereira de Souza
O presente texto é uma síntese de estudo do livro “Introducción a la Filosofia de la
Liberación”, edição de 1995, de Enrique Dussel. O estudo foi orientado pelo debate acerca do
conceito de cosmovisão, visão de mundo, weltanschauung, cosmoconvivência andina.
Compreendemos que o trabalho de Dussel, neste livro, sobre o fundamento do mundo, a totalidade
de sentido e o sentido do ser pode colaborar com o debate que estamos fazendo, orientando para uma
busca metodológica que é apresentada ao final deste texto.
Em “Introducción a la Filosofia de la Liberación”, Dussel inicia propondo um método de
pensar que parte da cotidianidade em direção à filosofia e não o contrário. “El "discurso" (entiéndase
"dis-curso" en el sentido del "curso que atraviesa") que les propongo no va a partir de la filosofía para
interpretar la cotidianidad, sino que va a partir de la cotidianidad en dirección a la filosofía, porque
va a ser una introducción al pensar metódico radical (DUSSEL, 1995, p. 85). esta proposta é muito
significativa quando estamos na busca da compreensão do que se constitui o conceito de cosmovisão
ou de visão de mundo e se estes conceitos se relacionam de alguma maneira.
Dussel propõe pensar desde a cotidianidade vigente que significa partir do mundo da vida
cotidiana, do mundo concreto, do aqui e do agora (DUSSEL, 1995, p. 86). Ou seja, partirmos de onde
estamos, do cotidiano que muitas vezes é justificado pela rotina e que raras vezes é problematizado,
questionado. Este ponto de partida implica, como veremos, em um processo de construção do sentido
do ser que poderemos, talvez, associar com a ideia de cosmovisão ou de visão de mundo.Vivemos
em um mundo, em uma cidade, em um bairro, em uma classe social e temos um horizonte de que
delimita este nosso mundo.
Es decir, vivimos en un mundo; el mundo de una ciudad, el mundo de nuestro barrio, o el
mundo de una clase social. Es decir, estamos dentro de un cierto horizonte (…) Horizonte viene del
griego horizo que significa "delimitar" (…) Estamos, entonces, en un mundo. El mundo es la totalidad
dentro de la cual todo lo que nos acontece se nos avanza (DUSSEL, 1995, p. 87).
Por meio de nossa experiência de estar no mundo, compreendemos tudo o que nos circunda.
A compreensão do mundo é a compreensão do mundo que experienciamos. Assim, se algo esta no
30
meu horizonte, ele é compreendido, porém quando nos deparamos com algo que esta fora do nosso
horizonte (uma vez que os horizontes se interceptam) nos questionamos para tentar relacionar o
diferente com algo que seja comum ao nosso mundo. Este é um movimento que fazemos
cotidianamente, sem refletir sobre esta dinâmica. “De lo dicho se desprende que la totalidad de nuestra
experiencia está situada dentro de un horizonte, que hace que todo lo que se encuentra en mi mundo
me sea "comprensible" (DUSSEL, 1995, p. 87).
Neste momento, Dussel nos chama a atenção para o conceito de existência que foi sendo
construído pela filosofia contemporânea como “ser-no-mundo” e que esta existência acarreta uma
obviedade de se estar no mundo que gera cruéis interpretações, já que esta existência, por ser óbvia,
passa a não ser crítica e tende a interpretar o diferente dentro de um mesmo horizonte. Dussel (1995,
p. 88) vai nos dizer que “Este modo de existir sin conciencia crítica es lo que se llama existencial.
Existencial es el modo cotidiano de ser en el mundo, de existir obvia y cotidianamente, sin crisis”.
Até aqui, Dussel nos apresentou uma proposta de pensar desde a cotidianidade, desde o mundo
em que estamos vivendo de forma óbvia, sem crise. Veremos que há uma busca por um método que
parte da cotidianidade, do óbvio para compreensões do mundo cada vez mais complexas.
Num primeiro momento é proposta uma compreensão existencial. “Comprensión existencial
es, entonces, el modo cotidiano y no crítico por el que abarco la totalidad de mi experiencia. Esto há
sido llamado, también, la posición natural. "Posición", porque es lo mismo que el existir; es
la"posición" del mí mismo en el mundo; natural, porque es lo contrario a una posición crítica. Todas
estas nociones que estoy usando son de Heidegger, de Husserl, etc. Comprensión existencial, quiere
indicar por ello; la comprensión cotidiana” (DUSSEL, 1995, p. 89). Aqui é importante destacar que
o trabalho filosófico de Dussel, propõe o diálogo crítico com filósofos europeus, interpelando-os com
uma voz latino-americana que denuncia o eurocentrismo (que desqualificou outros horizontes) e
anuncia uma filosofia da libertação que parta da periferia deste mundo totalizado por países do norte.
Esta compreensão existencial, não-crítica, na nossa perspectiva de análise, se assemelha ao
conceito de weltanschauung, que apontamos anteriormente, por indicar uma compreensão primeira
que esta desprovida de qualquer reflexão.
Num segundo momento, Dussel propõe uma compreensão fundamental, aquela que, em
processo, deriva-se da compreensão existencial. “Fundamental, en el sentido que es una comprensión
que se abre a lo que en filosofía llamamos el "fundamento". Fundamento es una palabra castellana
que indica lo que los griegos llamaban eínai (ser) o physis...” (DUSSEL, 1995, p. 89). O fundamento
do mundo esta relacionado com o sentido do ser (DUSSEL, 1995, p. 90). Dussel nos apresenta, como
31
exemplo, como o sol era significado em diferentes perspectivas. Para cada fundamento teremos um
sentido do ser. Parece que giramos o sentido do ser e o sentido que damos as coisas conforme o
fundamento do nosso mundo. Esta compreensão fundamental é chamada de totalidade de sentido
(DUSSEL, 1995, p. 90).
“Si tengo como fundamento primero el "estar-en-la-riqueza", todo lo que esté en mi derredor
lo consideraré sólo desde allí” (DUSSEL, 1995, p. 90). Ou seja, o cotidiano faz com que o fundamento
do nosso mundo seja óbvio e vamos buscando o nosso sentido de ser de forma não-crítica e,
cotidianamente, estamos vivendo diversas circunstâncias em busca de estar sendo em um mundo
fundamentado. Esta discussão é importante para compreendermos a ideia de cosmovisão, de visão de
mundo, de weltanschauung, uma vez que nos mostra a relação entre o fundamento do mundo e o
sentido do ser, ou seja, de como o cotidiano que vivemos de forma não-crítica nos lança em um mundo
fundamentado, no qual vamos nos constituindo. O óbvio, por isso, é cruel por justificar, muitas vezes,
atitudes e ações que não enfrentadas de forma crítica. “Adviertan, entonces, que es la comprensión
existencial cotidiana la que permite que todo lo que nos rodea se nos aparezca como importante; lo
más importante es el fundamento y se nos pasa absolutamente desapercibido. En el fondo, somos
llevados como "de la nariz" por el fundamento y nos creemos señores de los entes, entes que nunca
nos descubren del todo lo que tienen detrás...” (DUSSEL, 1995, p. 92).
La comprensión de la totalidad, no es sólo una estática comprensión de lo que me rodea, sino
que el ser o la totalidad de sentido de una época está siempre pendiente de un futuro adviniente. La
palabra adviniente significa que voy (ad- ) hacia lo que viene desde adelante como fruto. Quiero decir
que el fundamento de lo que llamé mundo (el de mi barrio, por ejemplo) no es simplemente lo que se
está dando, sino que es principalmente el proyecto de existencia que soy, que nosotros somos, que un
pueblo es (DUSSEL, 1995, p. 92).
Aqui temos a ideia de projeto de existência que permite um vir-a-ser-no-mundo e não somente
um ser-no-mundo, ou seja, temos aqui uma abertura para possibilidades e uma compreensão dinâmica
de um mundo que também está sendo, pois somente podemos falar em projeto quando vislumbramos
um futuro. Todavia, estar no mundo, significa que estou sendo condicionado por uma história da
própria humanidade. Dussel (1995, p. 94) propõe o seguinte esquema:
Esquema 1. Mundo, temporalidad y posibilidades
32
Momento p: passado que me condiciona
Momento f: projeto
a, b, c: possibilidades
Es decir, el pasado condiciona o emplaza un proyecto futuro; desde ese proyecto se abren las
posibilidades (a, b, c, que tienden a f) que empuño en mi presente (DUSSEL, 1995, p. 94). Es por
eso, entonces, que el ser del hombre en su mundo no es solamente un puro presente abstracto, sino
que el ser del hombre es un sido que, como poder-ser, empuña ciertas posibilidades. Por ello lo que
"estoy siendo" es lo de menos, porque lo que estoy siendo se define como me comprendo poder-ser;
desde el proyecto se abren las posibilidades (DUSSEL, 1995, p. 95).
Há, portanto, uma compreensão do mundo condicionada por um passado e motivada por um
futuro que se desdobra em possibilidades. Esta ideia dialoga com o conceito de cosmoconvivência
andina que abordamos em outro texto, porém o mundo humano ainda é central e não apenas
constituinte de uma relação harmoniosa com outros mundos (da natureza, dos espíritos, dos animais,
das energias).
Após abordar a compreensão existencial e a compreensão fundamental, Dussel apresenta a
compreensão dialética do ser.
El hombre que es en el mundo, es en el mundo comprendiéndose existencial y
cotidianamente como poder-ser, es decir desde el futuro, y como es desde el futuro,
ese mundo no es un mundo estático, sino desplegable: a medida que un niño o un
pueblo van creciendo, los horizontes se van sucediendo. Horizonte significa lo
mismo que lógos; lógos es lo que abarca y diá en griego, significa "a través de". De
ahí que dia-léctica quiere decir: "atravesar el horizonte", abrirse a otro horizonte
para a su vez atravesarlo también sucesivamente. La comprensión cotidiana como
futuro es dialéctica, en el sentido que va pasando de un horizonte a otro y va
creciendo” (DUSSEL, 1995, p. 96). “Puedo afirmar que conozco algo desde un
horizonte, pero inmediatamente otro horizonte fluye como futuro o como
espacialmente incomprensible, lo que nos hace ver que esta comprensión está
33
continuamente en movimiento (DUSSEL, 1995, p. 97).
Y bien, a ese modo de enfrentarme comprensivamente a un ente en mi mundo le
vamos a llamar comprensión derivada (DUSSEL, 1995, p. 99).
Primero, la comprensión derivada va a ser el momento en que me enfrente a algo,
pero todavía en general. Por ejemplo, cuando tomo una tiza o digo: "Es una tiza", se
trata de un objeto. Antes que "tiza" es un trozo de yeso en forma cilíndrica, que puede
tener muchos sentidos; uno, el de servir "para" escribir sobre el pizarrón, pero
también podría tirarla contra alguien y entonces tendría la "función-de" arma, o
también podría tener la "función-de" sacar una mancha de tinta que hubiera caído
sobre un papel Es decir, "esto" no es únicamente "tiza" sino que antes que como tiza
la comprendo en su consistencia, en su estructura, en su constitución. Ese primer
modo de abordar algo es lo que queremos llamar comprensión derivada (DUSSEL,
1995, p. 100).
Es decir, el primer acceso al ente de manera global lo llamamos comprensión
derivada. Pero acceder al ente como "algo" es la interpretación propiamente dicha.
Lo que interpreto se llama sentido (DUSSEL, 1995, p. 101).
Estamos siempre en la actualidad práctica; ésa es la que nos interesa primeramente.
La teoría, la ciencia, y todas estas actitudes, aun las más especulativas, todas ellas
son posteriores; son actitudes segundas, porque son re-flexión, es decir uno se
flexiona, se vuelve sobre lo cotidiano, y lo cotidiano es siempre práctico. Por esto la
actitud práctica es fundamental, y aquellos que piensan que hay prioridad de la praxis
y posterioridad de la teoría, enuncian un principio obvio, el que inevitablemente
cumplimos siempre. Estamos siempre en praxis. Aun la de la ciencia es una actitud
práctica, porque la ciencia (pensemos en un matemático frente a su computadora)
tiene una actitud teórica, pero su intención y proyecto último es práctico. Está
prácticamente teorizando. Así es como el hombre no puede sino estar siempre en una
vida que es la existencial, y ahora sí, al decir existencial, que es el modo cotidiano
de ser en el mundo, podemos aclarar que es lo mismo que comprensión práctica,
porque es la primera y concreta experiencia. Todo esto suele ser distinguido del modo
de las ciencias del espíritu o humanas, donde se privilegia la actitud teórica sobre la
existencial y, en el fondo, se piensa como Descartes: "Pienso luego existo". En este
caso, se afirma que la actitud fundamental del hombre es el pensar teórico, pero no
es así. El "yo pienso" es una actitud segunda, porque pienso lo ya- dado en mi mundo,
que antes comprendí existencialmente y manipulé todos los días. Cuando me puse a
pensar, por ejemplo, lo que era el martillo, lo hice ya desde mi mundo; puse entre
paréntesis mi mundo práctico y me puse a pensar sobre algo. Ese pensar en una
actitud fundada; no puede ser primera, sino que es segunda (DUSSEL, 1995, p. 106107).
No segundo capítulo de “Introducción a la Filosofia de la Liberación” Dussel aponta que a
totalidade do mundo foi tema de uma construção ontológica na filosofia ocidental, a qual foi colocada
em debate para uma possível superação do mundo, buscando-se o que levaria para além do mundo
totalizado. Vai dizer que para Hegel a totalidade do mundo era a razão. “Hegel pensaba, también, que
la totalidad del mundo era el ser; "el ser es 'lo mismo' que la razón". Lo que es razonable o
racionalizable, es "lo mismo" que lo que es; y lo que no es racionalizable no es” (DUSSEL, 1995, p.
110). Feuerbach, criticando Hegel, vai apontar que o sensível permite aceder o real. “Puedo pensar
algo, pero puede que no sea real. La sensibilidad accede al más allá; si no lo sensibiliza, quiere decir
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que era un puro objeto del entendimiento. La sensibilidad llega más allá que el puro entendimiento”
(DUSSEL, 1995, p. 110). Dussel vai dizer, também, que Kant foi que relacionou o real com o sensível.
“Según Kant la diferencia entre un objeto posible y su existencia real se encuentra en que lo real es
sensible” (DUSSEL, 1995, p. 110). Esta observação acerca do que Kant aponta sobre a relação entre
o real e o sensível está em uma das possíveis origens do termo weltanschauung. Assumindo a falta de
consenso em datar precisamente a aparição da palavra weltanschauung na literatura, os autores
cristãos, anteriormente estudados, adotam, como uma possível origem do termo, a obra Crítica do
Juízo, de Immanuel Kant, na qual weltanschauung teria sido empregada para definir “a capacidade
humana de perceber a realidade sensível” (OLIVEIRA, 2008, p. 33). Ainda na busca de uma possível
superação da totalidade ontológica, Dussel afirma que Marx vai propor que não é nem a razão e nem
o sensível que acede o real e sim a intuição que move um processo de produção para que seja
materializado tanto o sensível, quanto o pensado. Aí então a importância do trabalho que materializa
a produção. “Vale decir que lo que realmente accede a la constitución real del más allá del pensar no
es la sensibilidad, sino el trabajo productor. y de ahí, entonces, que el trabajo es lo que constituye lo
que está más allá de la sensibilidad y de la razón: lo real” (DUSSEL, 1995, p. 110). Cabe destacar
aqui também, uma passagem a respeito do pensamento de Schelling que traz a categoria revelação.
El filósofo afirma que, cuando alguien se revela, manifiesta una verdad que está más
allá de las posibilidades de la razón, lo que no significa que esa verdad sea irracional,
sino que es supremamente racional porque indica el origen al cual la propia razón no
podrá llegar. La razón llega hasta el fundamento, pero jamás puede llegar hasta donde
el Otro se revela; hasta su libertad (DUSSEL, 1995, p. 237).
Todas las descripciones ontológicas de Heidegger o de Husserl, todas las descripciones de
Hegel, de Feuerbach y de Marx, en el fondo, tienen como última categoría la totalidad (DUSSEL,
1995, p. 110).
Após demonstrar como a categoria totalidade foi sendo forjada pela filosofia ocidental, Dussel
nos mostra como ela foi sendo colocada em função de uma totalização do mundo europeu e de uma
negação da exterioridade como alteridade. Desta discussão podemos apreender como irrompe o Outro
e como este Outro se torna outro em uma perspectiva totalizante. Desde esta perspectiva, o outro é
coisificado e se torna objeto em função de se atingir o projeto do colonizador europeu. Há, portanto,
uma ontologia constituída pela história da filosofia ocidental que justifica a desqualificação do Outro
e a utilização deste outro como objeto. Dussel vai apontar que a filosofia da libertação reconhece este
outro como Outro que possui também outras perspectivas de mundo e que, colocado em diálogo, é
possível a construção de uma filosofia desde a exterioridade, possibilitando pensar mais além de um
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mundo totalizado cerrado e centrado na perspectiva do homem europeu.
No último capítulo do livro “Introducción a la Filosofia de la Liberación” Dussel vai propor
um método para se pensar desde a América Latina. Esta proposta é muito importante para
compreendermos um processo crítico de reflexão que vai se dando na prática e que pode influenciar,
portanto, posturas epistemológicas e metodológicas. Dussel nos apresenta a etimologia da palavra
método. “Recordando que método, metà-ódos, es subir a través del camino, es saber caminar, es saber
resolver las cuestiones que se van presentando...” (DUSSEL, 1995, p. 221).
Num primeiro momento aponta que é preciso uma crise da cotidianidade, crise no sentido de
separação, de ruptura que permite a quem sofre poder pensar o porque de se estar sofrendo (DUSSEL,
1995, p. 222). Seria, na nossa perspectiva, a superação da compreensão existencial que é, como vimos
anteriormente, não-crítica. Num segundo momento é preciso voltar ao mundo, desde a cotidianidade,
agora em crise, para se buscar o fundamento do mundo que está entranhada na nossa rotina cotidiana
e que se esconde atrás da obviedade. O fundamento do mundo é o que condiciona, como vimos, o
nossa constituição de ser é o que funda a totalidade de sentido do mundo em que estou inserido. Seria,
na nossa perspectiva, a compreensão fundamental, aquela que nos aponta o sentido e que nos move
no cotidiano. Romper com a obviedade do fundamento do mundo é escancarar o projeto de um mundo
totalizado. Desde aí é possível, então, compreender o sentido do ser que não é estático, mas que é
condicionado por um passado e que vislumbra um futuro por meio de um projeto. A dinamicidade da
constituição do sentido do ser permite romper com quaisquer determinismos e buscar a transformação
do mundo. “Al cambiar el sentido del ser cambia todo lo que acontece en el mundo (DUSSEL, 1995,
p. 227).
Subrepticiamente, el horizonte del que hablamos es presentado por Heidegger con la
palabra "mundo". La descripción es del "ser-en-el-mundo"; esto significa: soy único
y mi mundo es único; es la totalidad neutra, inocente. Parecería que de esta manera
hemos llegado al fin, al fundamento. En realidad, esa totalidad es opresora; es la
totalidad europea del siglo XV al siglo XX que colocó a otros hombres como si
fueran cosas en su mundo; los "comprendió" en su cotidianidad y los pensó en su
filosofía ontológico-dialéctica. Este mundo se pensó único, neutro, natural,
incondicionado y exclusivo punto de apoyo de todo pensar posible. El Otro fue
reducido a ser un ente dentro de tal mundo. Esto es lo que hay que cuestionar, porque
América latina es exterior a ese mundo que tiene por centro un "yo" europeo. Cuando
Heidegger dice "el hombre existe", está afirmando la existencia de Europa y la
descripción la hace desde su tradición a la que toma como la tradición de todo
hombre. América latina es exterior, como América latina, pero de hecho está siendo
considerada por Europa como "interior" a ella (DUSSEL, 1995, p. 231).
Dussel tece a crítica aos métodos que foram sendo utilizados pelos filósofos ocidentais para
uma construção de uma totalidade ontológica e, posteriormente, a tentativa de superação de tal
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totalidade.
El método ontológico no nos basta; debemos realizar la superación de la ontología,
superación que Heidegger quiso cumplir pero que nunca pudo concretar. Más allá de
la ontología está la meta-física; desde este punto de vista, la physis significa la
totalidad o el fundamento en el sentido de los griegos y metà - significa lo que está
"más-allá". El método meta-físico, que no es solamente ontológico, opera de otra
manera. Esta otra manera es el descubrir un más allá del mundo que es dado cuando
el Otro pro-voca y -como dije al comienzo- su palabra viene del"más-allá" del
horizonte del mundo. En griego, "más allá" y "más alto" se dicen aná y la "palabra":
lógos; de tal manera que ana-lógos significa (en su sentido etimológico, en el sentido
radical: "ana-lógico") "la palabra que irrumpe en el mundo desde más allá del
mundo"; más allá del fundamento. El método ontológico-dialéctico llega hasta el
fundamento del mundo, aun como futuro, pero se detiene ante el Otro como un rostro
de misterio y libertad, de historia dis-tinta. Adviertan que uso la palabra "dis-tinta"
y no "di-ferente". La identidad se diferencia en los entes de la totalidad; la identidad
y la diferencia son dos modos de la totalidad; en tanto que la distinción es aquello
que es desde siempre "otro", que nunca ha habitado en comunidad y por lo tanto no
puede diferir. Diferir es lo que, habiendo estado unido, ha sido llevado a la dualidad;
porque se ha dado un momento de unidad primigenia es posible el retorno a la unidad
y el retorno es el principio de la totalidad. En cambio, si el Otro ha sido
originariamente distinto, no hay diferencia ni retorno; hay historia, hay crisis; es una
cuestión totalmente diversa. De esta manera, el Otro es originariamente dis-tinto y
su palabra es ana-lógica, en el sentido de que su lógos irrumpe interpelante desde
más allá de mi comprensión; viene a mi encuentro (DUSSEL, 1995, p. 233 – 234).
Após esta crítica, Dussel propõe o método analético que seria o método meta-físico.
Al método meta-físico lo llamaré "ana-léctico" y es distinto del método "dialéctico". Este último va de un horizonte a otro hasta llegar al primero donde esclarece
su pensar; dialéctico es un "a-través-de". En cambio, ana-léctico quiere significar
que el lógos "viene de más-allá"; es decir, que hay un primer momento en el que
surge una palabra interpelante, más allá del mundo, que es el punto de apoyo del
método dialéctico porque pasa del orden antiguo al orden nuevo. Ese movimiento de
un orden a otro es dialéctico, pero es el Otro como oprimido el punto de partida.
Piensen ustedes que si estoy en un horizonte y me avanzo hacia otro segundo, y de
allí a un tercero, ese pasaje o crecimiento es dialéctico. En cambio, si es el Otro el
punto de apoyo para el pasaje o crecimiento, voy desplazándome en la medida en
que el Otro me recibe, me interpela. La cuestión es pues distinta. El método analéctico surge desde el Otro y avanza dialécticamente; hay una discontinuidad que
surge de la libertad del Otro. Este método, tiene en cuenta la palabra del Otro como
otro, implementa dialécticamente todas las mediaciones necesarias para responder a
essa palabra, se compromete por la fe en la palabra histórica y da todos esos pasos
esperando el día lejano en que pueda vivir con el Otro y pensar su palabra, es el
método ana-léctico. Método de liberación, pedagógica analéctica de liberación
(DUSSEL, 1995, p. 235 – 236).
Referências
DUSSEL, Enrique. Introducción a la filosofía de la liberación. Bogotá/Colômbia: Editorial
Nueva América, 1995. Versão digital disponível em:
http://www.enriquedussel.com/DVD%20Obras%20Enrique%20Dussel/html/14.html
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A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo sobre a Filosofia de la
Liberación de Enrique Dussel
Sara Ferreira de Almeida
Reijane Salazar Costa
Introdução aos conceitos
A Filosofia da Libertação corresponde a uma etapa argentina, cujos argumentos são expostos
em 5 partes. A arquitetônica é introduzida por uma “Histórica” (capítulo 1) para situar o discurso no
Terceiro Mundo. A guerra suja da Argentina colocava no discurso filosófico seu contexto geopolítico.
O primeiro passo (capítulo 2) era a descrição das categorias (ou metacategorias) abstratas:
Proximidade (metacategoria prática ou ética por excelência); Totalidade; Mediações; Exterioridade;
Alienação e Libertação. Todos eles podiam aplicar-se em um segundo momento, em níveis práticos
de maior concretude (capítulo 3): a Política de libertação, a Erótica de libertação, a Pedagógica de
libertação e o âmbito do antifetichismo (DUSSEL, s/a p. 23, tradução nossa).
Em um nível mais concreto e na ordem para descrever as mediações das relações práticas,
aparecem as “relações poiéticas” com a “natureza” (capítulo 4). Em primeiro lugar a natureza se
transformará em física (questão etimológica). A primitiva “semiótica” se desdobra em semiótica e
pragmática (em especial no diálogo com a Escola de Frankfurt atual); a “econômica” se coloca depois
da “poiética” (a que se transformará na tecnológica”) e cobra agora todo seu sentido. A “pragmática”
e a “econômica” são os momentos práticos das mediações poiéticas ou produtivas (semiótica e
tecnológica) e por último as questões de método (capítulo 5), onde o assunto argumentativo central é
a analética (DUSSEL, s/a, p. 23-24, tradução nossa).
Embora Dussel não trate diretamente o conceito de cosmovisão, acreditamos que ele nos
apresenta claros indícios sobre as bases metafísicas para composição de uma determinada visão de
mundo que se movimenta do centro à periferia e dessa para si mesma e de volta ao centro, constituindo
uma dialética cotidiana. Assim, julgamos relevante trazer as reflexões desse autor como uma das
referências centrais ao aprofundamento de nossas compreensões sobre cosmovisões diversas que se
contrapõem, muitas vezes, àquela(s) desenvolvida(s) pelos povos tidos como de centro - europeu e
estadunidense.
La filosofía de la liberación pretende así formular una metafísica - que no es la
ontología exigida por la práxis revolucionaria y la poíesis tecnológica diseñante,
desde la formación social periférica, que se estructura en modos de producción
complejamente entrelazados. Para ello es necesario destituir al ser de su pretendida
fundamentalidad eterna y divina; negar la religión fetichista; mostrar a la ontología
38
como la ideología de las ideologías; desenmascarar los funcionalismos, sean
estructuralistas, lógico-cientificistas o matematizantes, que al pretender que la razón
no puede criticar dialécticamente el todo, lo afirma por más analíticamente que
critiquen u operativicen sus partes; describir el sentido de la praxis de liberación que
sólo abstractamente vislumbraron los críticos post- hegelianos de izquierda europeos
y que sólo la praxis de los actuales pueblos oprimidos de la periferia, los trabajadores
asalariados ante el capital, de la mujer violada por el machismo y del hijo
domesticado pueden en realidade revelarnos (DUSSEL, 1977, p. 27).
Para Dussel toda proximidade gera distanciamento que é formado por momentos e ambos
acontecem dentro de um espaço tempo, dentro de uma totalidade onde cada um tem uma função, não
estão jogados aleatoriamente, isoladamente. Essa totalidade é o mundo ou o horizonte cotidiano do
qual fazemos parte, onde vivemos. Sendo assim, o mundo é uma totalidade instrumental, de sentido.
Nele encontram-se todos os entes, as coisas que nos rodeiam caoticamente. Dussel diz que não se
trata do cosmos como totalidade de coisas reais, mas da totalidade de entes com sentido.
Em primeiro lugar vem a proximidade que cede lugar ao distanciamento que dá início às
experiências sensitivas que vão ganhando sentidos diversos. É assim que Dussel constrói a ideia do
surgimento do horizonte, do mundo de uma criança. Sendo assim, o mundo é uma totalidade, limite
onde as coisas ganham sentidos, totalidade de totalidades. Segundo o autor, “Em nossa sociedade, a
totalidade do ser se fundamenta no valor, no capital. Desde o fundamento do capital se desdobra o
mundo como totalidade concreta, histórica” (DUSSEL, 1975, p. 37) e essa explicação é demonstrada
no diagrama seguinte:
Dussel designa a palavra “cosmos” que é de origem grega, como a totalidade das coisas reais
que são conhecidas pelo ser humano, ao passo que “mundo”, cuja etimologia é latina, designa a
totalidade de sentido compreendida pelo horizonte fundamental, ou seja, a totalidade dos entes (reais,
possíveis ou imaginários). Sem o ser humano o mundo não seria mundo, mas cosmos, pois é ele que
confere sentido às coisas tornando o mundo uma realidade cósmica.
39
Dussel critica o idealismo que defende o mundo como única realidade. Também critica o
realismo e o materialismo, ambos ingênuos, que tratam o cosmos como única realidade. Ele justifica
sua crítica rebatendo que o cosmos é uma realidade anterior e parcial e que o mundo é mundo porque
o ser humano o confere sentido. Completa que “Em nossa sociedade, a realidade do cosmos foi em
parte subsumida pelo capital, e desde sua própria lógica tende a destruí-lo (o cosmos, grifo meu)
desde um mundo fundado na exigência de alcançar sempre e em todo caso a mais-valia, mais
ganância” (DUSSEL, 1977, p. 39).
Para o autor, o mundo cotidiano é totalidade em um tempo espaço e assim é uma retenção do
passado e um posicionamento do projeto futuro e um viver as possibilidades que dependem do futuro.
Como totalidade espacial o mundo situa os seres humanos no centro e os objetos ao seu redor, uns
mais próximos outros mais distantes, de acordo com o grau de sentido que a cada um é conferido.
Nesse sentido, a filosofia europeia se importa e dá relevância à temporalidade privilegiando o projeto,
o futuro e, de acordo com Dussel, “dar preeminência à temporalidade futura é privilegiar o que já sou
ou somos”, ou seja, há um modelo único a ser seguido como projeto futuro, o padrão europeu.
O fundamento de um sistema ou de um ser é o que explica a totalidade e o ser humano
compreende o mundo como totalidade. Assim, compreender é entender e propor ao mundo o
horizonte vigente da interpretação, na medida em que o ato de compreender é preconceitual, ou seja,
o fundamento da conceitualização. A compreensão é fundamental e cotidiana e a interpretação
constitui o sentido. O descobrimento da realidade de uma coisa como momento do mundo é
compreensão derivada ou interpretação fundante. Primeiro momento do conceito, mas ainda não é
intepretação plena.
Segundo Dussel, a constituição real da coisa não é sua manifestação mundana. A denominada
constituição real conhecida ou fenomênica não é o sentido interpretado. É nesse sentido que o autor
traz a dialética do cotidiano, como movimento de um horizonte a outro que os seres humanos
alcançam objetivando compreender o que está a sua volta. A totalidade do mundo não se fixa, porque
o ser humano vai incorporando entes em seu mundo fazendo o horizonte de seu mundo se desdobrar
para compreender esses entes. Essas são as experiências que vão passando desde a infância até a
senilidade diferentemente do instinto que é o horizonte dos demais seres vivos. Esse movimento da
totalidade é dialético.
O autor explica como os entes e as coisas foram se tornando mediações na medida em que
foram ganhando sentido para os seres humanos, fazendo surgir a coisa-cultural que não é uma mera
coisa, mas é ente no mundo. “Em nossa sociedade, o dinheiro, o produto e a mercadoria são
40
fenômenos do capital; é a forma como aparece “no mundo das mercadorias”. O valor como valor (o
ser do capital) é invisível, nunca aparece como tal; somente se manifesta em seus fenômenos”
(DUSSEL, 1975, p. 47).
O sentido é atribuído pelo ser humano enquanto interpreta o fenômeno visto. Tal atribuição
de sentido possui suas intencionalidades, tal como a água que é potável quando se tem sede, ou que
pode servir para apagar o fogo. Essa atribuição de sentido depende e está diretamente relacionada à
realidade. Dessa maneira, Dussel afirma que não há fenômeno sem a constituição de sentido (p. 50)
e o sentido não é apenas teórico conceitual, mas existencial cotidiano porque é como algo se integra
ao “para” de uma ação prática ou poiética. É aí que entra a questão da percepção como a totalidade
fenomênica sensível, constituída por unidades indivisíveis de sensações eidéticas (envolve a memória
vívida de coisas vistas).
O sentido como estrutura essencial do ente, se interpreta conceitualmente no nível existencial
cotidiano ou teórico crítico, respectivamente ao mundo como totalidade do fenômeno. O que está
presente no mundo humano é possibilidade, mediação. O trabalho humano tem sempre uma
intencionalidade, um projeto que faz uma rede de ideias, de caminhos se movimentarem no alcance
do objetivo vislumbrado.
“Em nossa sociedade, o trabalhador é “livre”; mas não livre no sentido de que tenha liberdadepara, mas livre na falta de terra, meios de produção e subsistência; liberdade como “pobreza absoluta”,
como “despojamento total”, como ele que só tem seu próprio trabalho para vender” (DUSSE, 1977,
p. 55). A exterioridade é, de acordo com Dussel, a principal categoria da filosofia da liberdade porque
se trata da ferramenta interpretativa que possibilita o discurso filosófico desde a periferia, desde o
oprimido. Sendo assim, é um discurso novo porque parte da exterioridade e não do centro.
Não se trata da metáfora espacial da exterioridade como “transcendentalidade interior” em
que o sujeito é visto e tratado como sujeito dentro do sistema. São diferentes. No meio de todas as
coisas e entes que nos rodeiam, surge um rosto que é o rosto do outro, de outro ser humano que nos
provoca que não quer ser parte da totalidade instrumental. Não é algo, é alguém. No entanto, é
igualmente exterioridade, “pleno nada”, o pobre desocupado pelo capital e expulso do “mundo”
(DUSSEL, 1977, p. 57). Dussel explica que se o ser fundamenta todo o sistema que é o mundo
cotidiano, então há outra realidade para além do ser, assim como há cosmos além do mundo. Nesse
sentido, para além dos condicionamentos da totalidade, do mundo, cujo sentido lhe foi atribuído, há
o outro que é o oposto e que pode dizer que é outro, que é ser humano e que tem direitos. Quando
isso acontece é colocada em evidência a exterioridade prática do sistema ou a transcendentalidade
41
interna como é o caso da fome que subverte a ordem que mantêm o sistema operando e exige sua
mudança radical.
Dussel passa então a falar sobre a realidade, a essência e a existência, que para ele precisam
ganhar novos sentidos. Sendo assim, a realidade é totalidade constituída, unidade relativa de toda sua
substantividade (existência). O real é o cosmos como totalidade e a existência é a criatura, momento
do cosmos real, atualidade da realidade constituída. A essência constitutiva é individual e é ela que
efetua a realidade da coisa que existe desde si. Somente o ser humano é em realidade uma
substantividade, é realmente coisa que tem história.
O ato de pesquisar
De acordo com Dussel em sua Filosofia da Libertação, o momento analético se situa dentro
do método dialético positivo ou metafísico cujo exercício e desenvolvimento concreto é prático,
poiético ou científico crítico ao nível das ciências humanas. Num primeiro momento a totalidade é
posta em questionamento a partir da interpelação que é provocativa. Para isso é preciso ter consciência
ética para saber ouvir a palavra do outro, para então saber interpretá-la adequadamente. Após, é
preciso se lançar à práxis com e pelo oprimido. O primordial na analética é a práxis que possibilita a
compreensão e o esclarecimento que se dá a partir do acesso à exterioridade. Em síntese, a analética
se trata de ter outros olhos, oferecer ouvidos e criar teorias para tal exterioridade.
O momento analético é a afirmação da exterioridade: não é somente negação da
negação do sistema desde a afirmação da totalidade. É superação da totalidade, mas
não somente como atualidade do que está em potência no sistema. É a superação da
totalidade desde a transcendentalidade interna ou exterioridade, o que nunca esteve
dentro. Afirmar a exterioridade é realizar o impossível para o sistema; é realizar o
novo, o imprevisível para a totalidade, o que surge desde a liberdade incondicionada,
revolucionária, inovadora (DUSSEL 1975, p. 188).
Segundo Dussel, as ciências humanas e sociais não podem lançar mão de métodos utilizados
pelas ciências fáticas, ao contrário, precisam introduzir o momento dialético e analético por tudo que
já foi explicado anteriormente. Para ele, a ciência e a tecnologia são necessárias ao processo de
libertação, porém, a pior marca e peso para a inteligência e desenvolvimento são os cientificismos
que importam ciência pretendidamente incontaminada (ideológica). É por isso que, mesmo a
dialética, quando afirma a totalidade como único horizonte, afirma o projeto do sistema.
Nesse sentido, Dussel propõe uma ciência humana crítica que dê conta da totalidade com uma
consciência maximamente crítica que poderá interpretar os fenômenos do sistema a partir da
42
exterioridade podendo descobrir a realidade com a maior lucidez, acuidade e profundidade. “Somente
os métodos críticos que constituem o processo analético são aptos para investigar proveitosamente
em favor das nações periféricas, das classes populares” (DUSSEL,1977, p. 198).
A obra estudada apresenta um marco teórico filosófico formado por categorias e momentos
necessários tendo em conta a realidade mundana e cósmica, como a natureza ou a cultura. Inicia pela
história, sendo que seu método evidencia as ideologias e ideias antiideológicas para justamente não
justificar o poder geopolítico mundial. Parte para o discurso ético – metafísico trazendo seus
fundamentos a partir do esclarecimento de categorias que por vezes são ônticos ou metafísicos, tais
como a: totalidade; exterioridade; proximidade; mediação; alienação; libertação. Assim, o discurso
dá conta do nível da prática que se estrutura nas categorias: política; erótica; pedagógica (mediação
da politica e erótica) e antifetichismo.
Tais categorias sustentam a poiética ou filosofia da produção que é discurso intraprático da
relação ser humano – natureza e parte da explicação da natureza e categoria da substantividade para
abrir o primeiro âmbito da poiética que é a semiótica e a política que é a mediação entre a prática e
poiética (ou tecnologia). O marco teórico se fecha então com a reflexão de um metadiscurso
metodológico: ciências fáticas e formais; método dialético negativo da totalidade; momento analético
ou da exterioridade; métodos práticos ou poiéticos onde se apoiam as ciências humanas; a alienação
metódica como ideologia e os métodos críticos onde se encontra a filosofia da libertação, cujo ponto
de partida é a escolha ético-política em favor do oprimido da periferia e sua lógica deve ser escrita.
Dussel aconselha então aqueles que querem seguir os passos da filosofia da libertação a eleger
um número reduzido de temas para serem refletidos, estudados, compreendidos profundamente. Essa
seleção deve ser feita a partir da escolha dos temas reais, dentre esses, os essenciais. A partir dos
essenciais, escolher os urgentes e dentre esses, os transcendentais, ou seja, aqueles que se referem ao
povo mais sofrido, faminto, desesperado. Os temas ideológicos devem ser tratados com o objetivo de
mostrar porque são ideológicos.
A partir desse esquema, é possível compreender que a filosofia da libertação, além de ser um
método de um pensar teórico, guarda analogia como conhecer prático ou poiético, porque é analético.
Por isso deve se estruturar a partir da voz do oprimido, sendo uma operação pedagógica e uma práxis
política e erótica. Para tanto, a filosofia precisa ter grande potência destrutiva porque não só assume
métodos críticos, como critica os métodos críticos desde um ângulo novo, desde a exterioridade.
Ademais, em sua perspectiva positiva, possui eficaz capacidade teórica construtiva, formulando
temas que urgem no mundo dos oprimidos.
43
De todas as maneiras, uma filosofia nunca deveria ter justificado seu presente. Sua
justificativa era sua clarividência, sua clarividência sua operatividade: sua
operatividade seu realismo; seu realismo o fruto da práxis; a práxis de libertação foi
a causa de sua posição inóspito de resistência, fora do sistema. A exterioridade é o
lugar insondável da sabedoria dos povos vernáculos, dominados, pobres... Eles são
os professores dos sábios e a filosofia é a sabedoria (DUSSEL, 1977, p. 209, tradução
nossa).
Por fim, consideramos que o estudo da presente obra foi essencial ao desenvolvimento mais
aprofundado de nossas compreensões em torno da busca pelo reconhecimento das cosmovisões dos
povos oprimidos das nações periféricas no campo acadêmico científico, além de contribuir com o
desenvolvimento de nossas pesquisas, projetos profissionais e de vida, apresentando possibilidade
teórico metodológica que valoriza os conhecimentos, saberes de experiência e as cosmovisões das
classes populares.
Referências
DUSSEL, Enrique. Filosofia de la Liberación. 1. ed. México: EDICOL, 1977. 234 p. Disponível
em: < http://www.enriquedussel.com/libros.html#>. Acesso em: abr. 2012.
DUSSEL, Enrique. Autopercepción intelectual de un proceso histórico. En búsqueda del sentido
(origen y desarrollo de uma filosofia de la liberación).
[S.n.t]. Disponível em: <
http://www.ifil.org/dussel/textos/00/02autopercepcion.pdf>. Acesso em: abr. 2012.
DUSSEL,
Enrique.
Enrique
Dussel
Filósofo.
<http://enriquedussel.com/Home_cas.html>. Acesso em: out. 2013.
Disponível
em:
44
A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do item Educação Libertadora,
contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori
Djalma Ribeiro Junior
O presente texto é uma síntese de estudo do item Educação Libertadora, contido no capítulo
Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori. O estudo foi orientado pelo debate
acerca do conceito de cosmovisão, visão de mundo, weltanschauung, cosmoconvivência andina.
Compreendemos que o trabalho de Fiori, apresentado neste pequeno texto sobre a constituição da
existência humana e da consciência desta existência pode colaborar com o nosso debate.
Fiori também se debruça em debater o processo de libertação humana que, segundo ele, está
na raíz do processo educativo. Para tanto, propõe um método que está alicerçado na práxis (FIORI,
1991, p. 83).
Durante o texto podemos observar o esforço filosófico do autor para compreender a existência
humana e o processo que da conta da consciência desta existência. Este debate é interessante e dialoga
com o que vimos em Dussel acerca dos conceitos de totalidade de sentido, fundamento do mundo e
sentido do ser. Fiori coloca mais peso nos processos históricos e culturais.
O ser humano surge no momento em que objetiva seu mundo e, neste, objetiva-se, para aí
reconhecer-se como subjetividade. O ser humano não é o resultado de um encontro feliz da
subjetividade já dada com a objetividade independente e pronta. Sua origem permanente –
continuamente renovada – radica numa unidade primordial que se desenvolve dialeticamente,
enquanto subjetividade que emerge como movimento de objetividade a se constituir como mundo da
subjetividade. Nesse sentido, o ser humano é seu mundo, sua forma própria é a forma histórica do
seu mundo. A objetivação do ser humano no seu mundo histórico é existência, comportamento, práxis.
É práxis intersubjetiva e intersubjetivante: a subjetividade não poderia constituir-se num mundo
fechado em si mesmo, sem transparência na consciência humana, ou fechada na estreiteza de uma
consciência individual, separada dos demais. O mundo humano se constitui como humano
exatamente enquanto se faz e se re-faz na dimensão universal do espírito objetivo (FIORI, 1991, p.
84).
Deste trecho chamam a atenção dois pontos: a) a constituição do ser humano como “unidade
primordial” em movimento dialético entre subjetividade e objetividade, de modo que este movimento
não é individual, mas intersubjetivo e intersubjetivante e; b) a constituição do mundo humano no vai45
vém (“continuamente renovado”) à “dimensão universal do espírito objetivo”.
Estes dois pontos permitem vislumbrarmos um processo de existência humana na prática, no
cotidiano, tal qual apontou Dussel quando destacamos a construção acerca da compreensão
existencial e da compreensão fundamental, todavia o centro de todas as compreensões do mundo ou
das objetivações do mundo estão na figura humana e que se limita, talvez, ao buscar garantir
universalidade ao processo de objetivação. Podemos, talvez, falar de mundo humano, como bem
aponta Fiori, mas deixamos de lado outros mundo conforme uma epistemologia andina nos sugere,
por exemplo.
Neste processo de buscar a constituição da existência humana e da consciência desta
existência, Fiori vai nos apresentar que tal constituição é histórica e está firmada na produção material
da existência. “Esse mundo histórico é estruturado, basicamente, pelas forças com que o ser humano
produz materialmente sua existência” (FIORI, 1991, p. 86). Mais adiante, podemos visualizar a
tentativa de uma construção epistemológica quando Fiori nos apresenta que “a verdade habita na
interioridade do processo histórico de produção real da existência humana” (FIORI, 1991, p. 88).
Temos mais uma vez uma ponte com o que vimos anteriormente em Dussel acerca da cotidianidade
que precisa ser superada para que possamos atingir um pensamento crítico.
Quanto mais coincide com o movimento real de sua historicização, tanto mais possibilidade
terá o ser humano de desvelar e conquistar o sentido do seu vir-a-ser-histórico. É o sentido que, em
cada momento do vir-a-ser, define os valores que justificam a existência. Inventá-los é a
responsabilidade de quem aceita os riscos da historicização: não é a elaboração teórica, é práxis
constitutiva do ser humano. (FIORI, 1991, p. 91).
Por essa práxis libertadora, o ser humano irá desmistificando e suprimindo as representações
sociais supra-estruturais para permitir que a vida e o amor, com mais espontaneidade, encontrem suas
causas racionais, através do processo intra-estrutural de produção real do ser humano. (FIORI, 1991,
p. 92).
Referência
FIORI, Ernani Maria. Textos Escolhidos: Educação e Política. V.2, Porto Alegre: Ed: L&PM, 1991
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Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos Reflexões críticas sobre
weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão numa
perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à
prática na escola cristã, escrita por Mauro Meister
Djalma Ribeiro Junior
Reijane Salazar Costa
Trazemos para este estudo como o conceito de cosmovisão é trabalhado por autores
presbiterianos, cujo marco epistemológico é anunciado como teo-referente, ou seja, a centralidade de
Deus é o que postula a verdade e o entendimento. Partimos dos estudos de dois artigos: “Reflexões
críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de
cosmovisão numa perspetiva teo-referente”, escrita por Fabiano de Almeida Oliveira, teólogo,
filósofo e professor do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper e “Cosmovisão: do
conceito à prática na escola cristã”, escrita por Mauro Meister, teólogo e doutor em literatura semítica
e que também atua como professor do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper, ambos
são autores contemporêneos.
Os dois artigos estudados procuram construir uma trajetória filosófica da constituição do
conceito de cosmovisão e orientar este conceito em uma perspectiva teo-referente. A teo-referência é
trazida como um “conceito empregado para indicar que Deus é o ponto de referência último de toda
existência tanto do homem regenerado, pelo poder do Espírito e da Palavra de Deus, quanto do
homem não-regenerado” (OLIVEIRA, 2008, p. 31).
Há, portanto, uma postura assumida de como se abordará o conceito de cosmovisão e qual é
o campo de significado em que este conceito será orientado. “A teo-referência é a condição originária
de todo horizonte de compreensão e interpretação humanas. Isso quer dizer que a vida-no-mundo será
sempre encarada no interior de um campo de significado de amor ou de rebelião contra Deus”
(OLIVEIRA, 2008, p. 31).
Este pressuposto teórico, que aponta para uma inclinação ideológica pautada na centralidade
de Deus como referência epistemológica, corrobora a própria visão do Centro Presbiteriano de Pósgraduação Andrew Jumper que traz em seu site a seguinte informação: “O Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ) tem por finalidade principal capacitar professores para
seminários, institutos bíblicos e outras instituições de ensino teológico, bem como preparar outros
docentes e profissionais para atuarem alicerçados numa cosmovisão reformada em suas respectivas
47
vocações. Dedica-se igualmente a capacitar obreiros para ministérios especializados e propiciar aos
interessados a oportunidade de continuarem e aprofundarem os seus estudos acadêmicos na área de
teologia, e, por essa razão, seus cursos são oferecidos sob autoridade da Igreja Presbiteriana do Brasil,
não possuindo vínculo ou credenciamento pelo MEC”21.
Os dois autores buscam na filosofia alemã a origem do conceito de cosmovisão, o qual seria
uma tradução da palavra weltanschauung que “é um substantivo feminino composto de duas palavras
alemãs: Welt – mundo, e Anschauung – concepção, percepção, intuição. Weltanschauungen é sua
forma plural. As diversas traduções do conceito são cosmovisão, biocosmovisão, concepção de
mundo, mundividência, visão de mundo e percepção de mundo, dentre outras possíveis em português,
e as já bem conhecidas worldview e life-worldview, em inglês” (OLIVEIRA, 2008, p. 33 e MEISTER,
2008, p. 176).
Esta definição da palavra weltanschauung e sua associação com a tradução para o conceito de
cosmovisão apontam para um panorama polissêmico em relação ao que seria, exatamente, a definição
do conceito de cosmovisão. Esta caráter polissêmico é importante para compreendermos como o
conceito pode flutuar de acordo com as inspirações teóricas e ideológicas do anunciante.
Assumindo a falta de consenso em datar precisamente a aparição da palavra weltanschauung
na literatura, os autores adotam, como uma possível origem do termo, a obra Crítica do Juízo, de
Immanuel Kant, na qual weltanschauung teria sido empregada para definir “a capacidade humana de
perceber a realidade sensível” (OLIVEIRA, 2008, p. 33). Adiante, Oliveira (2008, p. 34) aponta que
“Weltanschauung era muito associado com grandes sistemas metafísicos ou construções teóricas da
cultura (metanarrativas filosóficas, científicas e religiosas) como, por exemplo, se observa na obra de
idealistas e românticos alemães como G. W. F. Hegel (1770-1831), F. W. J. Schelling (1775-1854), J.
G. Herder (1744-1803), J. W. Goethe (1749-1832), etc. Weltanschauung era igualada à filosofia da
cultura ou do espírito absoluto”.
No percurso filosófico, proposto pelos autores em relação à consolidação do conceito de
cosmovisão, podemos observar que vai se construindo uma perspectiva ontológica na qual
weltanschauung definiria a orientação do próprio eu. Esta ontologia será trabalhada mais adiante, mas
não podemos esquecer que os autores estão trabalhando em uma perspectiva teo-referente.
Há um trecho do artigo de Oliveira (2008) que sintetiza a definição de cosmovisão em uma
perspectiva teo-referente e que expressa a visão de mundo dos autores. Citando um parágrafo do livro
21 Extraído do site http://www.mackenzie.br/teologia.html, acessado em 26/02/2013.
48
Dando nome ao elefante, de James Sire, conclui que uma cosmovisão é um compromisso, uma
orientação fundamental do coração, que pode ser expresso como uma narrativa ou como um conjunto
de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente
falsas) que nós sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente)
sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento sobre o qual nós vivemos, nos
movemos e existimos (OLIVEIRA, 2008, p. 35).
A partir desta definição de cosmovisão, extraída de James Sire, Oliveira (2008, p. 35 e 36)
conclui que “Weltanschauung é um conceito que indica, primordialmente, a orientação fundamental
do coração, que se manifesta na integralidade da experiência humana através da apreensão prédiscursiva, tácita e abrangente da realidade, configurando um campo hermenêutico de significado por
meio do qual a vida-no-mundo é interpretada imediata e intuitivamente, podendo ser articulada
discursivamente através de conceitos e sistemas teóricos de pensamento. Weltanschauung é o estofo
de toda manifestação cultural e pode ser expressa esquematicamente como consistindo de camadas
ou matrizes sobrepostas de motivações, pressupostos, crenças, compromissos, certezas e ideias por
meio das quais se experiencia e se interpreta a realidade desde o nível subjetivo-privado ao nível
objetivo-institucional compartilhado pela sociedade”.
Esta definição de cosmovisão aponta para uma “orientação fundamental do coração”, ou seja,
aquilo que orienta o ser, que o move, que o faz viver. Em uma perspectiva teo-referente, Deus é
apontado na bíblia como aquele que toca o coração. “À luz de um campo de significado teo-referente,
o eu, ou coração, precisa ser necessariamente interpretado como instância fundamentalmente religiosa
ou coram Deo. Este tem sido o entendimento de vários autores cristãos destacados na história”
(OLIVEIRA, 2008, p. 37).
Há, portanto, uma ontologia fundada no coração como sendo a subjetividade do ser humano
que vive num mundo centrado em Deus, de onde parte todas as interpretações e sensações e que
orienta uma cosmovisão teo-referente, ou seja, centralizada em Deus. Nesta ontologia, “o coração
humano é essencialmente ser-para-Deus, ele é fundamentalmente religioso ou pactual. É possível
dizer, então, que este é o significado, aquilo que qualifica, a razão de ser do self humano”
(OLIVEIRA, 2008, p. 39).
Esta perspectiva teo-referente, trabalhada pelos autores, se consolida de forma universal.
“Embora nascida das intervenções sobrenaturais de Deus na história e, portanto, pontuada
culturalmente no tempo e no espaço, a Weltanschauung proposta pela Escritura é trans-histórica e
transcultural. Ou seja, os princípios e valores centrais da Palavra de Deus são de caráter universal e,
49
por isso, se aplicam a todas as gentes de todas as épocas e culturas” (OLIVEIRA, 2008, p. 51).
Com esta conclusão, fica evidente a postura teórica e ideológica dos autores de construir um substrato
universal para o conceito de cosmovisão centrado e centralizado na figura de Deus. Trata-se de uma
perspectiva que bloqueia, impede e corre o risco de desqualificar outras perspectivas, uma vez que se
impõe como transcultural e trans-histórica. Este risco se potencializa quando Meister (2008, p. 178)
rivaliza a cosmovisão bíblica com a formação pedagógica dos professores, apontando que as escolas
de orientação religiosa cristã se afastaram da cosmovisão bíblica, tornando-se dependentes do
currículo, método e visão de mundo seculares. Assim, o professor cristão brasileiro sofre o impacto
de ter recebido, ao longo de todo o seu processo educacional, uma visão de mundo que não associa a
cosmovisão bíblica à pedagogia.
Mais adiante Meister (2008, p. 182) eleva a rivalidade entre a cosmovisão bíblica com outras
cosmovisões, definidas por ele como seculares, e que englobaria tendências históricas e culturais e,
num tom quase apologético aponta que “a missão da escola cristã, no entanto, não deve omitir o seu
diferencial básico em relação a qualquer outro tipo de educação: o fato de que fundamentamos nossa
motivação e processos em uma visão de mundo que contrasta com as cosmovisões seculares. A missão
da escola cristã que leva a sério o seu chamado para uma educação teísta, teo-referente, tem como
ponto de partida a existência de um Deus vivo, criador e redentor, o qual deve ser ouvido atentamente
em sua revelação nas Escrituras, na criação e na providência. Deixar de ouvir quaisquer destas três
vozes distorce a missão e leva-nos a um conhecimento parcial e distorcido da verdade”.
Podemos concluir que o conceito de cosmovisão apresentado nos artigos “Reflexões críticas
sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão
numa perspectiva teo-referente”, escrita por Fabiano de Almeida Oliveira e “Cosmovisão: do conceito
à prática na escola cristã”, escrita por Mauro Meister apontam para uma tentativa de centralização da
cosmovisão na figura de Deus. Esta centralização, orientada por uma ontologia, cuja subjetividade
seria o coração, que é apontado na bíblia como sendo o elo de relacionamento entre o Deus e o ser
humano, acabaria por fundar, não apenas uma ontologia teo-referente, mas uma universalização do
conceito de cosmovisão. Ao propor a cosmovisão teo-referente como sendo transcultural e transhistórica, os autores impõe a construção de uma verdade única, centrada, mais uma vez, na figura de
Deus. Esta imposição de uma verdade universal, somente acessada dentro de um marco teo-referente,
impede o diálogo com outras perspectivas de mundo, potencializando um ambiente de negatividade,
suscetível à desqualificações e opressões.
50
Referências
MEISTER, Mauro. Cosmovisão: do conceito à prática na escola cristã. Fides Reformata, São Paulo,
v.
13,
n.
2,
p.
175
–
190,
2008.
Versão
digital
disponível
em:
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XIII__2008__2/Cosmov
isao_-_Do_Conceito_a_Pratica_na_Escola_Crista__Mauro_Meister_.pdf
OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo
de formação e compartilhamento de cosmovisão numa perspectiva teo-referente. Fides Reformata,
São
Paulo,
v.
13,
n.
1,
p.
31-
52,
2008.
Versão
digital
disponível
em:
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XIII__2008__1/Reflexo
es_Criticas_sobre_Weltanschauung_-_Fabiano_de_Almeida_Oliveira.pdf
51
Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns textos de Josef
Estermann
Djalma Ribeiro Junior
Adriana Marcela Bogado
O presente texto é uma síntese de estudo dos seguintes trabalhos acadêmicos de Josef
Estermann:
a) “Vivir bien” como utopía política - La concepción andina del “vivir bien” (suma qamaña/allin kawsay)
y su aplicación en el socialismo democrático en Bolivia (2011);
b) Colonialidad, descolonización e interculturalidad - Apuntes desde la Filosofía Intercultural (2009);
c) Filosofia andina - elementos para la reivindicación el pensamiento colonizado. Artigo que faz parte do
Cuaderno de Investigación en Cultura y Tecnología Andina, Nº 12 (1997).
À estes trabalhos de Josef Estermann também se estabelece um breve diálogo com o seguinte
texto:
Racionalidad occidental e racionalidad andina. Artigo que faz parte do Cuaderno de
Investigación en Cultura y Tecnología Andina, Nº 12; escrito por Antonio Peña Cabrera
(1997);
Esta síntese tentará se remeter apenas à busca de identificar contribuições para um
conhecimento plural acerca do conceito de cosmovisão. Não será neste espaço que traremos
princípios que constituem uma perspectiva de mundo baseada em experiências de vida dos povos
andinos. Apenas pretenderemos ampliar o debate acerca de uma construção conceitual do que estamos
buscando definir como cosmovisão, traçando relações com outras expressões que encerram em si
conceitos e, consequentemente, uma postura diante do mundo.Josef Estermann empreende um
trabalho a fim de propor uma filosofia andina, que vai se construindo desde os povos Quechua e
Aimara. Há o reconhecimento do autor que este esforço esbarra em pontos de vistas diferentes e,
muitas vezes antagônicos em relação à tradição filosófica do ocidente. Ademais, a construção
conceitual de uma filosofia andina carece de palavras ocidentais que de conta de uma perspectiva que
parta da experiência de vida dos povos andinos.
Esto se debe en primer lugar al hecho de que las categorías filosóficas occidentales
no quadran con el pensamiento andino, y por lo tanto no lo consideran como un tema
filosóficamente interesante, sino como una masa inerte de mitos, supersticiones,
leyendas y magia (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 7).
O autor faz a crítica ao pensamento europeu do que se compreende como uma atividade
52
filosófica e sugere uma perspectiva mais ampla para se compreender uma possível filosofia andina.
Hablar de "filosofía andina" significa entonces despedirse de un concepto académico
muy limitado de la filosofía y racionalidad en general. El vocabulario purista del
pensamiento europeo llamaría a este conglomerado de "ideas": "Weltanschauung"
(cosmovisión), "fe religiosa" o "ideología"; pero sin darse cuenta de que al hablar así
igualmente es ideológico. Poner como absoluto el pensamiento occidental y tomarlo
como norma obligatoria significaría una vez más insertarse a la tradición colonialista
del genocidio cultural (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 7).
Este trecho é muito representativo para o estudo que estamos fazendo acerca da construção
do conceito de cosmovisão. Quando critica a perspectiva europeia ocidental sobre o conceito de
filosofia andina, apresenta que esta filosofia, pelo prisma eurocêntrico não se constituiria em filosofia,
mas em um conglomerado de "ideas" que poderia ser definido como "Weltanschauung"
(cosmovisión), "fe religiosa" o "ideología".
Daí podemos deduzir que, no debate acadêmico acerca da sistematização de ideias, a filosofia
(ocidental) ocuparia um papel central e definidor que não seria alcançado pela cosmovisão, nem pela
fé religiosa e nem pela ideologia. Assim, parece que tanto a cosmovisão, quanto a fé religiosa e a
ideologia seriam formas primitivas de organização das ideias, não alcançando o status de filosofia. A
cosmovisão (Weltanschaung) seria uma categoria inferior ao status de filosofia. Dizendo de uma outra
maneira, dentro do debate acadêmico, a categoria cosmovisão é utilizada para se referir à algo que
não está, todavia, sistematizado segundo uma construção filosófica que respeita uma história das
ideias. Obviamente que esta visão parte de uma construção eurocêntrica e moderna de ciência que
possui a capacidade de determinar a verdade e dogmatizar os modelos científicos.
Peña Cabrera (1997) traz para este debate o conceito de racionalidade que só se constitui na
dinâmica relacional entre o ser humano e o mundo que o completa e vice-versa.
Esto es, la racionalidad es un proceso mental que se va conformando y estructurando
según las necesidades de sobrevivencia en confrontación con el reto que plantea el
medio geográfico, la TRADICION Y LAS CREENCIAS. La predominancia de la
razón occidental ha dificultado hasta hace poco la comprensión y la valoración de
otras formas de comportarse mentalmente con la realidad” (ESTERMANN; PEÑA
CABRERA, 1997, p. 32).
Deste trecho podemos arriscar a dizer que a racionalidade é um elemento central para o
processo de construção e re-construção de uma cosmovisão. Peña Cabrera alerta mais adiante que há
uma diferença entre os conceitos de cosmovisão e de racionalidade, mas que ambos se complementam
mutuamente: “racionalidad y cosmovisión (Weltanschauung) no son lo mismo, aunque se
53
condicionan mutuamente. Al paso que la racionalidad es un proceso, la cosmovisión es una intuición
de la totalidad” (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 34).
Aqui a cosmovisão é compreendida como uma intuição da totalidade, mas que não surge do
nada e sim está condicionada, ao mesmo tempo em que condiciona a racionalidade, a qual por sua
vez é processada conforme manifestações das tradições, das crenças e da relação com a natureza.
Podemos, com esta síntese, trazer para o nosso debate o conceito de filosofia e de racionalidade que
dialogam com o conceito de cosmovisão. Sem nos aprofundarmos nas diferenças entre uma filosofia
andina e uma filosofia ocidental, entre uma racionalidade andina e uma racionalidade ocidental,
podemos afirmar que quando se propõe um olhar plural para estes conceitos caminha-se para um
processo de descolonização do saber que denuncia a imposição epistemológica ocidental, a qual
justificou a coisificação de uma grande parte da humanidade e se anuncia uma perspectiva
intercultural que reconhece diversas maneiras de se conhecer.
Acreditamos que os textos estudados contribuem para ampliar um conhecimento plural acerca
do conceito de cosmovisão, auxiliando no debate acerca de uma construção conceitual do que estamos
buscando definir como cosmovisão, trazendo outros conceitos que dialogam na nossa empreitada.
Outro ponto importante que atesta a busca por compreender de forma plural o conceito de cosmovisão
é a própria andança de Josef Estermann que não apenas propõe senão também opta por vivenciar o
diálogo intercultural, saindo da Europa e vindo viver na Bolívia.
Referências
ESTERMANN, Josef. “Vivir bien” como utopía política - La concepción andina del “vivir bien”
(suma qamaña/allin kawsay) y su aplicación en el socialismo democrático en Bolivia. Reunião Anual
de
Etnografia
(2010),
La
Paz:
MUSEF,
2011.
Versão
digital
disponível
em:
http://dcsh.xoc.uam.mx/produccioneconomica/Coloquio_nuevoparadigma/archivosNuevoParadigm
a/Estermann_Vivir%20bien.doc
ESTERMANN, Josef. Colonialidad, descolonización e interculturalidad - Apuntes desde la Filosofía
Intercultural. In MORA, D. (org.) Interculturalidad crítica y descolonización: fundamentos para el
debate.
La
Paz:
III-CAB,
2009.
Versão
digital
disponível
em:
http://pt.scribd.com/doc/134806194/David-Mora-ed-Interculturalidad-critica-y-descolonizacionFundamentos-para-el-debate
ESTERMANN, Josef; PEÑA CABRERA, Antonio. Filosofia Andina - Cuaderno de Investigación en
54
Cultura y Tecnología Andina, Nº 12, Iquique/Chile y Puno/Peru: IECTA E CIDSA, 1997. Versão
digital
disponível
em:
http://pt.scribd.com/doc/162855788/Filosofia-Andina-J-1997-Josef-
Estermann-Antonio-Pena-Libro-Filosofia
55
A cosmoconvivência andina na perspectiva aymará: um estudo do artigo Cosmovivência andina
– vivir y convivir em armonía integral – Suma Qamaña escrito pelo sociólogo e pesquisador
aymará, Simón Yampara Huarachi
Djalma Ribeiro Junior
Rosângela Pereira de Souza
Esta síntese se debruça sobre o artigo “Cosmovivência andina – vivir y convivir em armonía
integral – Suma Qamaña ”, escrito por Simón Yampara Huarachi para a Revista de Estudios
Bolivianos (http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42). Neste artigo, o autor critica a ideia
de cosmovisão, forjada do ocidente e propõe a ideia de cosmoconvivência, partindo de uma proposta
epistemológica fundada na perspectiva andina, sobretudo na visão de mundo dos aymarás.
Resulta que los aymaras vivimos y convivimos con el mundo animal, con el mundo
vegetal, con el mundo de las deidades y con el mundo de la tierra. Pensar en los otros
mundos tiene que ver con la cultura de la convivencia, o sea la convivialidad, la
cosmo–convivencia, que es diferente al concepto occidental de "cosmovisión”
(YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 6 – 7).
O autor sugere um processo de viver e conviver em harmonía, ou seja, para que alguém exista
não é necessário que outrem seja eliminado. E não estamos falando apenas de um mundo de gente,
de pessoas, mas de uma perspectiva integral de mundo, onde os diversos seres vivem e convivem
com os seres humanos e não são usados para se construir um mundo melhor apenas para os seres
humanos. Não há possibilidade de viver e conviver em harmonia integral se os diversos seres forem
tidos como objeto.
Creo que por ahí se puede entender esto de la cosmoconvivencia, que quiere decir procesar,
usar y disfrutar interactivamente la energía material y espiritual, y al mismo tiempo ordenar la vida
de manera convivencial con los diversos mundos y espacios, emular esas energías que cada uno tiene
en un proceso de ayni (YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 8).
O autor também tece uma crítica à imposição de saberes seculares de bases ocidentais,
sobretudo europeia, que encobrem saberes milenares. Há, aqui, uma denúncia da colonialidade do
saber que impede um diálogo Sul-Norte, uma vez que esta relação foi construída historicamente pela
relação colonizado-colono, ou seja, em um cenário de opressão que gerou assimetrias que precisam
ser enfrentadas para se buscar um ambiente profícuo de verdadeiro diálogo Sul-Norte. Sobre esta
relação entre saberes milenares e saberes centenários, Yampara Huarachi (2011, p. 6) aponta que
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[…] a mí me parece que los centenarios son una manera de encubrir lo milenario,
una manera de encubrir y decir “bueno miren, aquí están los valores, lo centenario
aquí está”. Entonces yo pienso que ahí hay problemas, problemas de tipo cognitivo,
problemas incluso de una especie de doble analfabetismo. Unos somos analfabetos
en centenarismos, otros somos analfabetos en milenarismos.
Insistentemente o autor sempre nos aponta que a cosmoconvivência andina aponta para um
viver e conviver de forma harmoniosa, inclusive esta cosmoconvivência ganha contornos de
resistência para que a cultura andina tenha sobrevivido há mais de cinco séculos de opressão
ocidental. “La cultura Andina ha sobrevivido estos embates de cinco siglos. ¿Cómo ha podido
sobrevivir? La única respuesta es que ha sabido sobrevivir porque sabe convivir con los diversos o
sea, no sólo con la diversidad, sino con los diversos mundos” (YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 6).
O caráter dialógico e de respeito ao diverso e à diversidade esta no cerne da cosmoconvivência
andina. É uma cosmoconvivência integral, dialógica, respeitosa, consciente e que equilibra o viver e
o conviver com as diferentes energias em que os mundos se arranjam de forma recíproca. Há nesta
perspectiva, uma epistemologia que concebe o conhecimento como algo que não se centra no ser
humano ou em uma figura divina, mas sim uma epistemologia que transita entre os diversos mundos,
sem a pretensão de uma verdade única, absoluta e universal e sim de criação e manutenção de um
viver e conviver em harmonia integral.
Yampara Huarachi (2011, p. 16) termina o artigo com uma reflexão e uma questão que se
torna um aprendizado e um desafio:
[…] queremos convivir con los diversos mundos, incluido el mundo de la gente que
es diferente a nosotros, incluido el sistema del capital. Pero también queremos que
se respete nuestro propio modelo de organización, de economía, de manera de ser.
En este sentido queremos forjar respeto mutuo entre diversos. Conocimiento
ancestral milenario + conocimiento occidental centenario = conocimiento profundo
y renovado. ¿Por qué no podemos hacer esa ecuación ?
Referência
YAMPARA HUARACHI, S. Cosmovivencia Andina. Vivir y convivir en armonía integral – Suma
Qamaña. Bolivian Studies Journal/Revista de Estudios Bolivianos, North America, v. 18, Fev. 2011.
Versão digital disponível em: http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42/394
57
Cosmovisão: Um estudo a partir do livro “Os tipos de concepção de mundo” de Wilhelm Dilthey
Maria Waldenez de Oliveira
Adriana Bogado
Dilthey em nosso grupo de estudos
A escolha de Dilthey se deu após Seminário de Estudos com o Prof Sérgio Toro Arévalo
(Universidade Austral do Chile) que conosco discutiu acerca de Cosmovisão, em 2012. Nele
conversamos, dentre outros temas, acerca de alguns pensadores da cosmovisão, entre eles, Dilthey.
Examinando alguns escritos de Dussel, um dos autores centrais de nosso Grupo de Pesquisa,
encontramos também referência a este filósofo, o que nos animou mais ainda a procurar seus escritos
sobre cosmovisão.
Em nosso grupo de estudos foi lida e discutida a obra “Os tipos de concepção de mundo”
(traduzida de “Die Typen der Weltanschauung und ihre Ausbildung in den metaphysischen
Systemen”).
Vida, experiência de vida, mundividência
Para Dilthey a raiz da cosmovisão é a vida.
O fundo de que parte todo o pensar e agir é a vida: inconcebível, inexplicável,
impérvia ao conceito ou pelo conceito, ela é essencialmente pluralidade de aspectos,
transição para opostos reais, luta de formas, é um processo de diversificação e de
diferenciação que se desdobra em experiências inéditas. É próprio da vida
manifestar-se e obectivar-se em símbolos, suscitar mundos, pois todo o dentro busca
expressão num fora. Eis por que ela surge como raiz última da mundividência
(DILTHEY, 1992, p.11).
Da reflexão sobre a vida nasce a experiência de vida. Acontecimentos singulares convertemse em saber objectal e na vida, ao suscitar impulsos e sentimentos em confluência com o mundo
circundante e com o destino. Da repetição-ligação entre as experiências de vida, individuais, surgem
experiências de vida gerais e as disposições vitais que constituem a base da imagem do mundo. A
repetição regular de experiências singulares dá maiores segurança e exatidão.
Para o autor, os traços fundamentais da experiência da vida são a todos comuns, assim como
a natureza humana é sempre a mesma. Discorrendo sobre tais traços, o autor aponta como o primeiro
58
deles a caducidade das coisas humanas e nela mesma
[…] a nossa força para saborear as horas; uma tensão, presente nas naturezas fortes
ou também fracas, para superar essa caducidade mediante a construção de uma firme
estrutura da sua existência e, nas naturezas mais brandas ou ponderadas, a
insatisfação e a nostalgia por algo verdadeiramente duradouro num mundo invisível;
o poder incontível da paixões que fabricam, como um sonho, imagens fantasmais até
que nelas se dissipe a ilusão. Assim se configura de modos diversos a experiência da
vida nos indivíduos (p.10).
Fazendo referência a um subsolo comum das experiências, prossegue apontando:
[…] as intuições acerca do poder do acaso, da corruptibilidade de tudo o que
possuímos, amamos ou também odiamos e tememos, e da incessante presença da
morte, que determina poderosamente a cada um de nós o significado e o sentido da
vida. (p.10-11).
Eu, as pessoas, as coisas e as relações regulares entre si, formam a estrutura da experiência
vital e da consciência empírica que nela se constituiu. Nessas relações, as “mesmidades do eu se
entrosam com outras pessoas e com objectos externos (p.11)”, num sólido sistema referencial.
Dilthey afirma com força que a vitalidade interna e o mundo exterior se encontram sempre
juntos numa referência recíproca; jamais se separaram.22
Quer isto dizer que o mundo, como grandeza independente, é simples abstracção,
pois o Si mesmo e o mundo são correlatos, mas não apenas ao nível da representação.
Esta juntura implica-nos como seres vivos, sencientes, imaginativos, intelectuais e
práticos (p.11).
E afirma categoricamente que “Tudo o que em nós impera como costume, convenção e
tradição radica em semelhantes experiências vitais” (p11).
Em nossa opinião, o conceito formulado por Dilthey continua sendo válido mesmo na nossa
sociedade fragmentada, múltipla, paralela, virtual, desconexa, às vezes, e com fortes tentativas de
conexão por outras, pois continuamos procurando o sentido da vida. Só que nossa experiência vital,
que é a "raiz" da mundividência para Dilthey, vai ter os condicionantes sociais, históricos, de nossas
sociedades, culturas, nas quais nos encontramos, portanto, nossa visão de mundo, também. Como o
autor diz: “Toda a mundividência é produto da história, A historicidade revela-se como uma
22
Vida (o “eu , o interior, o psíquico) e mundo (exterior).
59
propriedade fundamental da consciência humana” (MOURÃO, 1992, p.2).
Pensamento científico, consciência empírica e cosmovisão.
Para Dilthey a mundividência não segue a mesma construção do pensamento científico.
Segundo ele:
[…] sempre, tanto nas experiências singulares como nas gerais, o gênero da certeza
ou o carácter da formulação é inteiramente diverso da validade universal científica.
O pensamento científico pode indagar o procedimento em que se apoia a sua
segurança e consegue formular e fundamentar com exactidão as suas proposições: a
origem do nosso saber acerca da vida não pode assim ser inquirido e não é possível
delinear firmes fórmulas suas. (p.11)
Assim, há uma consciência denominada pelo autor, de “empírica” (cuja descrição nos lembra
o saber de experiência feito freireano):
O eu, as pessoas e as coisas à nossa volta podem designar-se como os factores da
consciência empírica, e esta encontra a sua consistência nas relações recíprocas deste
factores e, sejam quais forem os procedimentos adoptados pelo pensamento
filosófico em que ele abstrai dos fatores singulares ou das suas relações, estes últimos
continuam a ser os pressupostos determinantes da própria vida, indestrutíveis como
ela e não modificáveis por pensamento algum, pois radicam nas experiência vitais
de inúmeras gerações. (11-12, grifos nossos).
Adentrando no conceito de cosmovisão.
Dilthey utiliza o termo alemão “Weltanschauung” (Welt – mundo, e Anschauung – concepção,
percepção, intuição), que foi traduzido no texto como mundividência e concepção de mundo. Dilthey
diz que é próprio do ser humano procurar o sentido da vida e que por isso constrói mundividências.
A formação das visões de mundo é determinada pela vontade de obter a solidez da imagem do mundo,
da precisão da vida, da acção da vontade, que deriva do rasgo fundamental exposto de sequências das
etapas no desenvolvimento psíquico.” (p.19, grifos nossos)
A mundividência, para o autor, se materializa em disposições vitais (hábitos, costumes etc.),
e nas valorizações que fazemos, nas interpretações do "mundo" e que orientam nossa conduta. E,
como já discutido anteriormente, para Dilthey “Toda a impressão forte revela ao homem a vida a
partir de um lado peculiar: o mundo surge então a uma nova luz: com a repetição e a ligação de tais
experiências, surgem nossas disposições anímicas em face da vida” (p.13).
Para Dilthey, as viagens e as conquistas mostraram a diversidade de culturas “abalando idos
60
filosóficos”. E o que foi feito com elas? Para o autor não há dominação dos sistemas. O que haveria?
Acomodação? Ele se refere a uma curiosidade benévola. Para o autor todos são homens no “processo
evolutivo”.
Estruturas da cosmovisão
Neste tópico, em vista a explicação detalhada pelo autor, do que seriam as estruturas da
cosmovisão, decidimos por transcrever o trecho do livro que as apresenta. Para o autor todas as
mundividências
[…] ao empreenderem proporcionar uma solução completa do enigma da vida,
contêm, regra geral, a mesma estrutura. Esta consiste sempre numa conexão em que,
sobre a base de uma imagem cósmica, se decidem as questões acerca do significado
e do sentido da vida e daí se deduzem o ideal, o sumo bom, os princípios supremos
da conduta de vida.
... as reacções, implicadas nos modos de conduta segundo os quais faço juízos acerca dos
objectos, neles me comprazo ou intento realizar algo, determinam a edificação dos diferentes estratos
entre si e constituem, por isso, a estrutura da formação em que se erxpressa todo o nexo operativo da
vida anímica (p.15).
No trecho a seguir, o autor descreve o processo estrutural da cosmovisão:
Toda relação vital se desdobra numa estrutura em que se encontram estruturalmente
ligados os mesmos modos de conduta. E, por isso, também as concepções do mundo
constituem formações regulares em que se expressa esta estrutura da vida anímica.
O seu substrato é sempre uma imagem do mundo: panorama da nossa atitude
apreensora, tal como decorre na sucessão regular das etapas do conhecer.
Observamos processos internos e objectos externos. Explicamos as percepções assim
surgidas, ao elucidarmos nelas, por meio das operações elementares do pensamento,
as relações fundamentais do real; se percepções se desvanecem, são reproduzidas e
ordenadas no nosso mundo representativo que nos eleva acima da casualidade das
percepções; firmeza e liberdade do espírito, que crescem nestes estádios, o seu
domínio sobre a realidade leva-se a cabo, em seguida, na região dos juízos e dos
conceitos em que se apreende com validade universal a conexão e a essência do real
(p.15-16).
Quando uma conexão do mundo chega ao pleno desenvolvimento, tal acontece, regra geral e
em primeiro lugar, nestes estádios de conhecimento da realidade. E sobre eles se edifica outro
comportamento típico, que transcorre numa análoga sucessão gradual legal. No sentimento de nós
mesmos, fruímos o valor da nossa existência; atribuímos aos objectos e às pessoas à nossa volta um
valor operativo, porque elevam e ampliam a nossa existência: determinamos estes valores, segundo
61
as possibilidades inerentes aos objectos de nos serem úteis ou prejudiciais; avaliamo-los, e buscamos
para esta valoração um critério incondicionado. Por isso, as situações, as pessoas e as coisas obtêm
significado na sua relação com o todo da realidade, e este todo cobra igualmente um sentido. Ao longo
do percurso dos estádios da conducta afectiva, constitui-se, por assim dizer, uma segunda camada na
estrutura da mundividência; a imagem do mundo transforma-se em fundamento da valoração da vida
e da compreensão do mundo (p.16).
E, segundo a mesma legalidade da vida anímica, demanda da valoração da vida e da
compreensão do mundo uma suprema disposição da consciência,: os ideiais, o sumo bem, e os
princípios supremos em que a concepção do mundo haure a sua energia prática – por assim dizer, a
ponta como que penetra na vida humana, no mundo exterior e nas profundidades da própria alma. A
mundividência torna-se agora plasmadora, configuradora e reformadora! (p.16)
Na segunda camada (camada superior) da cosmovisão, a imagem do mundo se transforma em
fundamento da valoração e da compreensão do mundo. Dando disposição à consciência plasmando,
configurando e reformando. Essa camada se “ desdobra em diferentes etapas” (p.16). São elas: fixação
dos fins, realização de ideias, relações entre meios e fins, escolha da finalidade, seleção dos meios e
fixação dos fins como ordem suprema de nossa conduta prática.
Processos de construção da cosmovisão
Entendemos que, para Dilthey, a construção da cosmovisão é relacional, indo além dos seres
humanos, como se verá nos trechos destacados a seguir. Essas relações podem ampliar ou restringir
a existência, em processos que nos lembram a humanização e opressão discutidas por Paulo Freire.
Não capto nela (na vida) outros homens e coisas apenas como realidade que se
encontram comigo e entre si numa conexão causal: referências vitais partem de mim
para todos os lados, relaciono-me com homens e coisas, tomo posição perante eles,
satisfaço as suas exigências a meu respeito e deles espero algo. Alguns tornam-me
feliz, ampliam a minha existência, acrescentam a minha força; outros exercem sobre
mim uma pressão e restringem-me (p.10).
A objetivação do mundo se dá a partir dessas relações.
E onde quer que a precisão da direcção singular em frente deixe ao homem lugar
para tal, percebe e sente estas relações. O amigo é para ela uma força que potencia a
sua própria existência, cada membro da família ocupa um lugar determinado na sua
vida e tudo o que o rodeia é por ele entendido com vida e espírito que nela se
obectivou O banco diante da porta, a árvore umbrosa, a casa e o jardim encontramse nessa objectivação o seu ser e o seu significado. A vida proporciona deste modo a
62
si, a partir de cada indivíduo, o seu próprio mundo (p.10, grifos nossos).
Para o autor a mundividência não é produto do pensamento e
[…] não brota da simples vontade de conhecer, já que a apreensão da realidade
promana da estrutura da nossa totalidade psíquica. Como a contextura cósmica ou a
referência ao mundo nunca ingressa objetivamente na consciência e é inexplicável,
a realidade assoma e transparece na imaginação só através de símbolos (p.2).
Igualmente não é produto da apreensão da realidade, mesmo sendo este um momento
importante, é apenas um. Na realidade, há uma interpretação de mundo.
A partir de uma referência vital, toda a vida recebe uma coloração e uma
interpretação das almas afectivas ou meditativas – brotam as universais disposições
de ânimo. Elas mudam, do mesmo modo que a vida mostra ao homem sempre novos
aspectos: mas nos diferentes indivíduos predominam, segundo a sua peculiaridades,
certas disposições vitais (p.13).
Detalhando um pouco mais o que seriam essas disposições anímicas da vida, o autor aponta
como as mais relevantes o otimismo e o pessimismo, atentando que estes “especializam-se em
múltiplos matizes” (p.13).
Neste ponto o autor vai discorrer sobre os estratos para a formação das mundividências.
Essas disposições vitais, os inúmeros matizes da posição perante o mundo
constituem o estrato inferior para a formação das mundividências. Em seguida, sobre
a base das experiências da vida em que são operantes as inumeráveis referências
vitais dos indivíduos ao mundo têm lugar, em tais mundividências, as tentativas de
solução do enigma da vida (p. 14).
Assim, coloca em primeiro lugar as experiências depois, as tentativas de solução do enigma
da vida, de compreensão. Depois, o pensar sobre experiência e compreendê-la, vindo a ciência, a
religião, poesia e metafísica. Segundo o autor, a primeira conhece, as seguintes compreendem.
Mais detalhadamente explica
Semelhante explicação do mundo, que esclarece o seu ser multiforme mediante algo
de mais simples, começa já na linguagem e desenvolve-se na metáfora, como
representação de uma intuição por outra que lhe é afim, que num sentido qualquer a
torna mais ilustrativa, na personificação que, ao humanizar, aproxima e torna
compreensível, ou mediante o raciocínio por analogia que, em virtude da afinidade
de algo conhecido, pode determinar o menos conhecido, e se aproxima assim já do
pensamento científico. Por toda a parte onde a religião, o mito, a poesia ou metafísica
primigênia pretendem tornar as coisas compreensíveis e impressionantes, tal
63
acontece graças a este mesmo procedimento (p.14).
Retomando a característica já abordada da repetição e novidade, o autor destaca que “Podem
repetir-se as etapas singulares e as configurações específicas de um tipo, mas as suas raízes na vida
persistem e suscitam continuamente formações sempre novas.” (p.19)
Concluindo este tópico com o autor, a cosmovisão
Promana da conduta vital, da experiência da vida, da estrutura da nossa totalidade
psíquica. A elevação da vida à consciência no conhecimento da realidade, na
valoração da vida e na realização volitiva é o lento e árduo trabalho que a
humanidade prestou no desenvolvimento das concepções de vida (p.19).
Processos de desconstrução da cosmovisão
Tomando o que foi dito anteriormente acerca dos momentos estruturais, para o autor, as
cosmovisões tem esse fundo comum, embora “A vida e a mudança dos seus principais momentos
estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda a parte se expresse em oposições”
(MOURÃO, p.2). Que situações teriam potencialidade para levar-nos a desenvolver um processo de
transformação/mudança de cosmovisão ou de alguns aspectos dela?
O próprio passo do tempo, o mundo muda permanentemente, os fatos que aconteçam e possam
exigir novos olhares sobre nossa situação no mundo. Dilthey considera que a partir de novas
combinações de experiência vital, poderiam acontecer mudanças nas mundividências, pois “toda a
fixação é apenas provisória” (p.7). Novas experiências vitais podem gerar novas disposições, e assim
novas formas de valoração e compreensão do mundo.
Para esse processo de consciência novamente o autor coloca a experiência em um lugar
central.
Entre as experiências da vida, as que se baseiam na realidade do mundo exterior e
nas minhas relações com ele são as mais importantes, pois restringem a minha
existência, exercem sobre ela uma pressão que não posso pôr de lado e impedem de
forma inesperada e insuperável as minhas intenções. O complexo das minhas
induções, a soma do meu saber, funda-se nestes pressupostos baseados na
consciência empírica (p.12).
Para o autor “O centro de todas as incompreensões situa-se na geração, no nascimento, no
desenvolvimento e na morte... a crença nos mortos, a veneração dos antepassados e o culto dos
defuntos geram as representações fundamentais da fé religiosa e da metafísica.” (p.12). Além da
64
morte o autor se refere aniquilação de uma criatura por outra.
As incompreensões, contradições, os limites e nossa consciência de poder ultrapassá-los
podem gerar novos processos e experiências que darão vez a desconstruções e construções de
cosmovisão. Nesses processos vitais, entendemos que o autor remete a uma consciência da
provisoriedade do conhecimento e da insolubilidade da validade universal.
Emergem contradições raras, que, na experiência da vida, se impõe. Com maior força à
consequência e nunca podem ser resolvidas: a caducidade universal e a vontade em nós de algo firme,
o poder da natureza e a autonomia da nossa vontade, a limitação de cada coisa no tempo e no espaço
e a nossa faculdade de ultrapassar os limites (p.12-13).
Para Dilthey, a consciência histórica é mais destrutiva do que a análise dos sistemas atuais.
A multiplicidade das concepções de mundo.
Mesmo reconhecendo que há outros seres vivos na Terra, para Dilthey a cosmovisão é uma
necessidade humana, construída no mundo humano, por seres humanos,
Como a Terra está coberta de inumeráveis formas de seres vivos, entre os quais se
desenrola uma luta constante pela existência e pelo espaço mais amplo, assim se
desenvolvem no mundo humano as formas da concepção do mundo e lutam entre si
em vista do poder sobre as almas (p.17, grifos nossos).
Diz o autor que os tipos de concepção de mundo “atravessam a singularidade historicamente
condicionada de cada formação individual. Encontram-se condicionadas em toda a parte pela
particuliaridade da região em que surgem” (p.19).
Alguns autores estudados em nosso Grupo reconhecem a existência de uma diversidade de
cosmovisões. Para Dilthey essa multiplicidade se dá tanto pelas condições de mundo, históricas,
clima, raças etc. (a vida que brota). Quanto pelas especificidades das experiências (o próprio homem
que apreende a vida), à diversidade com que a vida, raiz da mundividência se manifesta (p.17).
Para o autor, as imprevisibilidades não são agregados, mas formações, graças à regularidade
lógica e à legalidade da estrutura. Formações que podem ser analisadas ordenando-se em grupos com
um certo grau de parentesco. São os momentos imprevisíveis: “variações da vida, a mudança das
épocas, as modificações na situação científica, o gênio das nações e dos indivíduos” (p.18).
Conclui que “fazem-se sempre valer nas formações mundivenciais, segundo o lugar histórico
que ocupam, combinações novas de experiência vital, disposições de ânimo, ideias”. (p.18)
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Para o autor, talvez numa aproximação ao que Freire chama de processos de objetivação e
subjetivação, a natureza humana comum e a ordem da individuação são referências vitais á realidade
“Uma natureza humana comum e uma ordem da individuação encontram em firmes referências vitais
à realidade e esta é sempre em toda parte a mesma, a vida oferece sempre as mesmas vertentes.”
(p.18)
Nessas formações mundivenciais, novamente a regularidade que imprime uma estrutura
particular de formação. Em cada formação há o nexo teleológico (não há casualidade) entre imagem
de mundo, valoração da vida e objetivos da vontade. É a regularidade que vai dando forma a
mundividência “O mistério mais profundo da sua especificação reside na regularidade que a conexão
teleológica da vida anímica imprime na estrutura particular das formações mundividenciais” (p.18).
Para o autor, para induzir a objetivos vitais e proveitosos, opera uma seleção, na sucessão de gerações.
Reflexões sobre/para os processos de pesquisar
Dilthey afirma que “aqui não explico, não classifico, descrevo somente o fato em si” (p.9).
Aponta a compreensão e a interpretação como métodos mais adequados para a apreensão da vida do
que a observação. O autor insiste em não explicar e não classificar.
Os tipos de concepção de mundo, como já discutido acima, se encontram condicionadas a
várias peculiaridades. Mas, alerta o autor, que
[…] seria um grave erro de método construtivo pretender derivá-las de tal
peculiaridade. Unicamente o procedimento histórico comparado se pode aproximar
da sucessão de tais tipos, das suas variações, desenvolvimentos e entrecruzamentos.
A investigação deve aqui manter em aberto, em face dos seus resultados, todas a
possibilidade de uma progressão permanente. Toda a fixação é apenas provisória. É
e permanece apenas um meio auxiliar para olhar com profundidade o que é histórico
(p.19).
Depreendemos desse alerta, que para análise da cosmovisão devemos tomar a singularidade e
a história, sendo esta a principal. Pois, para o autor mundividência é produto da história. “A vida (raiz
da mundividência) não pode ser aprendida por conceitos, portanto a aproximação envolve “a
totalidade de nossa alma”.
Referências
BIOGRAFIAS
Y
VIDAS.
Wilhelm
Dilthey.
Disponível
em:
<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/d/dilthey.htm>. Acesso em: 20 de Nov. 2013.
66
CASTRO,
Murilo
Cardoso
de.
Dilthey.
Disponível
em:
<http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexico/print.php?entryID=1154>, 2009. Acesso em:
21 de Nov. 2013.
DILTHEY, Wilhelm. Os tipos de concepção de mundo. Trad. Artur Morão. Lusofia: Press. Portugal.
1992.
Versão
digital,
disponível
em:
<www.lusosofia.net/textos/dilthey_tipos_de_concep_ao_do_mundo.pdf>. Acesso em 20 de março de
2013.
FRANCO, Sérgio de Gouvêa. Dilthey: compreensão e explicação" e possíveis implicações para o
método clínico. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., vol.15, no.1, São Paulo, Mar. 2012. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142012000100002&script=sci_arttext>. Acesso
em: 21 de Nov. 2013.
MOURÃO, Artur. Apresentação. In: DILTHEY, Wilhelm. Os tipos de concepção de mundo. Trad.
Artur
Morão.
Lusofia:
Press.
Portugal.
1992.
Versão
digital,
disponível
em:
<www.lusosofia.net/textos/dilthey_tipos_de_concep_ao_do_mundo.pdf>. Acesso em 20 de março de
2013, p.1-3.
70
4. Diálogos sobre os “Estudos sobre Cosmovisão” e
Convivência
Ana Paula Ferreira Fidelix
Iraí Maria Campos Teixeira
Djalma Ribeiro Junior
Erivelto Santiago Souza
Maria Waldenez de Oliveira
Reijane Salazar Costa
Rosângela Pereira de Souza
Sara Ferreira de Almeida
Tiago Zanquêta de Souza
Nesta parte do nosso “Estudos sobre Cosmovisão” serão apresentados os debates entre os(as)
pesquisadores(as) acima indicados acerca dos textos estudados e apresentados anteriormente. Os
objetivos destes debates, como já salientado na Apresentação destes Estudos, foi fazer uma síntese
dos estudos apresentados na seção 3, retomando a discussão sobre Convivência na busca por trazer
contribuições para nossas pesquisas, especialmente no que diz respeito aos caminhos metodológicos
por nós trilhados.
Para que o(a) leitor(a) possa melhor compreender a forma como estes debates são, a seguir,
apresentados, traremos alguns detalhes acerca do processo de sua construção.
Para organizar os debates, os textos da seção 3 foram estudados pelos(as) participantes. O
tempo para o debate de cada autor foi livre, de modo que, de antemão, não havia um planejamento de
quantos encontros seriam necessários. Quando todos concordaram que a discussão havia sido
satisfatória, pelo menos por aquele momento e com aquele objetivo, passava-se a outro autor. Assim,
realizaram-se três encontros, nos dias 5, 14 e 28 de maio de 2014. Todos os debates foram gravados,
tendo sido equitativa a divisão do tempo de gravação para o trabalho de transcrição. Após a primeira
organização dessas transcrições, cada participante reviu suas falas, buscando retirar repetições e
expressões coloquiais desnecessárias, completar trechos que não puderam ser transcritos por
dificuldade de entendimento do que fora gravado, e refinar alguma afirmação que pudesse não estar
suficientemente clara ao ter sido passada da conversa para a escrita. Após esta revisão, as transcrições
foram novamente organizadas para então, passarem por uma revisão final buscando-se adequar este
texto às normas gramaticais e outras exigidas em trabalhos acadêmicos. Tanto as revisões quanto as
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organizações seguiram algumas padronizações previamente acordadas, encerrando-se este processo
em outubro de 2014.
Por fim, em relação à autoria, apontamos que nem todos(as) participantes dos estudos dos
autores apresentados anteriormente puderam estar conosco nesses debates a seguir apresentados:
Adriana Bogado e Fabiana Rodrigues de Sousa na ocasião dos debates estavam, respectivamente,
envolvida em tutoria de curso e como professora em outra cidade. Neste mesmo sentido, apontamos
a inclusão de Ana Paula Fidélix e Tiago Zanquêta de Sousa, que adentraram no grupo em 2014 e
participaram nos debates e construção destes diálogos a seguir.
Diálogos sobre o texto “O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a
Introducción a la Filosofia de la Liberación de Enrique Dussel”
Djalma: Essa leitura de cada um é um processo que pode contribuir quando a gente for pensar em
núcleos de convivência ou até como isso pode contribuir de uma forma metodológica mais ampla
para as pesquisas.
Wal: Esse próprio processo que a gente fez internamente. Isso poderia ser ao final.
Djalma: Pode ser, ou às vezes nas falas, não sei como deslocar isso, às vezes falando do autor, mas
aí tem a experiência da pessoa, o que eu estou preocupado se a gente vai ter que fazer esse estanque
e eu não vou conseguir falar do autor, se não fizer a relação, falar do processo, vai ficar um pouco
incompleto, talvez depois que a gente transcrever consiga deslocar isso, mas na fala fica meio
estranho, talvez isso fosse uma orientação geral.
Wal: Bom, a gente tem aqui pela ordem, primeiro o texto do Djalma e da Rosângela sobre Introdução
à Filosofia da Libertação, de Dussel.
Sara: Eu acho melhor.
Djalma: Se pudesse pendurar ele.
Djalma: Só uma sugestão, se a gente for começar por esse texto que daí o próximo já fosse o que a
Sara escreveu junto com a Reijane.
Wal: Ele está na sequência.
Reijane: Sim, ele está na sequência.
72
Wal: Acho que o primeiro ponto que este texto me chamou atenção pensando na convivência, foi
esses diferentes tipos de compreensão que o Dussel coloca, quando a gente está se propondo a
conviver com o grupo. Eu entendo que também acontecem essas compreensões de nossa parte em
relação àquela realidade e aquele grupo também, essa compreensão existencial, a compreensão
fundamental, então precisamos essa atenção para com que compreensão a gente está se aproximando,
sempre fazendo esta auto crítica tentando perceber como que eu compreendo aquele grupo, se eu
estou compreendendo desse modo não crítico, a partir da minha experiência apenas. Tentar sempre
caminhar para esse outro horizonte que ele coloca como compreensão fundamental. Que se deriva da
compreensão existencial. Porque acho que ele não relativiza para certos grupos e certas situações, ele
está fazendo uma filosofia geral, acho que da mesma forma se aplica em relação a outros grupos em
relação a nós. E aí como é que eu posso me dar a compreender, no sentido de compreensão
fundamental para aquele grupo? Que ele tem a experiência dele a partir da existência daquele grupo.
Djalma: Acho que também é importante a proposta de que estas questões que são levantadas tanto
dessas compreensões que a gente vai alcançando e também, ao mesmo tempo que também vai
ampliando essa criticidade, é aquela parte da vida vivida, que ela não surge do nada e quando parte
da vida vivida, eu acho que essa ampliação do horizonte está também numa proposta de que esta vida
que está sendo vivida ela não se feche nela mesma, eu acho que também no Dussel e esse horizonte
se ampliando permite com que a gente vá para que esse horizonte sem amplie sem que se amplie
dominando, mas que se amplie compartilhando, eu acho que essas compreensões e os níveis de
compreensões que ele traz de uma forma filosófica, elas são de uma forma quando ele começa o texto,
falando que é a filosofia da vida, elas são experienciadas na vida e às vezes eu acho que tem maneiras
de a gente demonstrar essas compreensões, estou pensando assim paras pesquisas, que são para além
da escrita do projeto da pesquisa no final, do estar com as pessoas, do se estar, como você se abre
para poder compreender melhor uma outra perspectiva e não impor a sua perspectiva, todo esse papel
que tem entre o pesquisador e pesquisado, que já tive algumas experiências dessa dificuldade de você
se dizer que faz parte de uma universidade, para conseguir entrar num campo, num outro espaço, com
outros grupos, eu acho que também o Dussel ajuda quando ele apresenta de uma forma, digamos
assim filosóficamente esses níveis de compreensão, também ajuda a gente a... já que ele diz que é
uma filosofia que parte da vida, como isso vai refletir na vida vivida, no dia a dia, no estar junto com
as pessoas, se eu me fecho, se a pesquisa, se eu me foco só na pesquisa, mas não participo das festas
que me convidam com aquele grupo, eu acho que isso faz parte também dessa...de você viver a
pesquisa, de ela fazer parte da sua vida e não ser só mais um apêndice, se não a gente aplica essas
coisas e, nem sei se é possível aplicar, mas sempre num sentido mais de objetivar as pessoas sujeitos
73
das pesquisas com quem a gente está...então eu acho que também pode talvez não estar no texto, mas
pensar no campo da pesquisa, mas eu tinha pensado, como essas questões refletem ou como elas se
dão no dia a dia, no estar junto com as pessoas e que também faz a gente também poder pensar de
uma forma mais ampla a experiência da pesquisa com as pessoas para além do relatório da pesquisa
só e sim com a convivência, com o estar junto com aquelas pessoas e como esse nível de convivência
e compreensão eu posso, não demonstrar para pessoa, ó,
agora estou numa compreensão
fundamental, mas existem gestos e existem...que vão estar na convivência que faz com que eu cada
vez mais eu vá entrando e compreendendo de uma forma por eles compartilhada aquele mundo com
quem as pessoas fazem parte com quem estou pesquisando, é...do que o meu objetivo, como ele vai
dizer lá, nos projetos ...se o objetivo é só a pesquisa em sí eu deixo de...eu instrumentalizo, vamos
dizer assim, esse estar junto, essa convivência para poder fazer a pesquisa. Acho que ele pode nos
dar, o texto também pode contribuir para pensar de uma forma assim, que eu imaginei, no gesto, no
jeito que você fala, enfim, como você está, quando vocês...quando nós, as pessoas que estão
participando da pesquisa se reúnem, o dia, o horário, tudo isso, esses acordos que tem que ser feitos
acho que está, ela tem que ser numa perspectiva de compreensão compartilhada, tanto de quem
participa da pesquisa quanto do pesquisador, e não ser instrumentalizados para atingir um objetivo
que seja no final a pesquisa, só, a pesquisa em sí ou o relatório, a dissertação, a tese, pode mostrar
esses níveis, mas como isso foi convivido com as pessoas, acho que da pistas, mas imagino que estas
compreensões se é para gente ampliar os horizontes das nossas perspectivas que ele fala, ela tem que
ser também na vida, ela tem que se fazer presente , não sei, mais uma coisa que imaginei em termos
de estar junto com as pessoas pesquisando, como que eu passo da compreensão existencial para
fundamental quando estou junto com as pessoas pesquisando? Que nem assim, não é um momento,
são procesos.
Wal: Queria só fazer uma observação, eu sei que eu já falei, mas...que me parece assim, se eu entendi
bem, não está sendo descartada, eu acho que não, a compreensão que eu possa ter daquele grupo a
partir de leitura sobre eles, por exemplo, vou estudar sobre o grupo de dança de rua, de usuário de
drogas, de mulheres, de assentamentos, mas o que você me coloca é que não é suficiente, ou mais
que isso no sentido de que não é que ele dá uma visão parcial, ele não dá a visão, ele te prepara para
você ter a convivência para daí sim, você ter a compreensão na vida. Acho que é importante falar isso
porque senão, parece que é só estando lá que eu vou compreender, mas também estando lá eu posso
fazer uma leitura critica do que eu li nesse ponto, assim como só lendo também não consigo...
Djalma: Eu acho que o ler sobre, faz parte da nossa vida, do horizonte da nossa vida e se a gente
ficar nele, se a gente for pesquisar só lendo sobre, só nele, acho que a gente não compartilha da
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compreensão e acho que a gente parte para uma dominação mesmo, você objetivou, eu acho que a
leitura faz parte da nossa vida e isso o Dussel também não nega, a gente cria sentido quando faz isso,
mas o passo além quando a gente vai estar com o outro e ele fala muito nisso, se eu for armado
daquelas minhas leituras só para comprovar aquilo lá eu vou estar fechado, eu não ampliei meu
horizonte, quer dizer ampliei dominando por que eu trouxe aquele o sentido que eu li, mas se eu não
estou aberto pro dialogo, mais uma veza leitura então ela tem que ser, acho que no estar com o outro
a leitura acho que ela tem que ser debatida, não que a gente vá ler junto, para.. mas aquilo eu estou
trazendo, de uma forma ou de outra eu lí sobre, e aí conversando com as pessoas a gente pode até
falar, muitàs vezes isso acontece, ah já li sobre isso, isso não é assim ou isso é assim, acho que isso
faz parte dessa ampliação de horizonte, acho que esse esquema que tem de onde a gente parte para
que essas possiblidades que ele traz, eu acho que é muito importante assim dos projetos, pensando
no projeto de pesquisa, se eu parto de um ponto e eu sei onde quero chegar não me abro para essas
possibilidades que são essas possibilidades de trocas, de compartilhar...
Iraí: É, o que eu pensei foi que, pensando até de onde parto para onde eu quero chegar, ele ajuda a
justificar o porque a gente se apresenta e a gente reflete sobre a nossa experiência de vida antes de
partir para o campo de pesquisa. Porque você vai conviver, você chega como um sujeito que não esta
partindo só das leituras que faz sobre aquele grupo, mas as leituras que fazemos daquele grupo têm
uma compreensão a partir de quem nós somos, da nossa experiência anterior. Essa leitura de Dussel
ajuda a compreender muito bem porque a gente faz essa reflexão antes de ir a campo. O texto ajudou
a pensar como justificar isso, por que a gente sabe que quando outras pessoas de outras experiências
de vida, de outras metodologias de pesquisa, fazem as leituras dos nossos textos, dos nossos projetos,
muitàs vezes tem dificuldade de compreender o porque de nos apresentarmos e de apresentarmos
reflexões sobre nossas visões de mundo. A gente se apresenta, se localiza, justifica como é que chegou
nesta pesquisa, como chegou neste grupo de pesquisa. Desta forma, acho que Dussel nos ajuda a
refletir que: se a gente vai a campo sem também se conhecer, como é que a gente vai conviver, vai
compreender esta experiência de vida sem saber como nós somos, como é que a gente está, qual o
nosso objetivo ali... só complementando o que o Djalma colocou... para não instrumentalizar...
Wal: Eu acho que é interessante ai tem uma coisa que liga o Dussel com um autor que estudamos,
não consigo lembrar exatamente qual, mas na hora que chegar nele eu digo. Trata-se da compreensão
de mundo, aquele esquema que vocês colocaram, que a compreensão de mundo está condicionada
por um passado, mas está motivada por um futuro. Então não é só aquela realidade que eu apreendo
naquele momento, mas também precisa deste diálogo sobre o projeto. Porque no mesmo esquema ele
mostra um projeto: então: “que projeto que você tem, que projeto eu tenho”, porque, daí, a
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compreensão de mundo fica mais ampla; não é só: “olha, eu entendi direito o que você está fazendo
aqui? Você está tomando água mesmo? Para que? Por que? Qual a razão de ser?” Então, também
compartilhar é isso. Que é o que ele (síntese de Dussel) diz que compreensão de mundo não é só
quem você é, de onde você veio, o que você está fazendo, mas o que você quer... onde você quer ir?
Para onde você quer que todos nós sigamos?... E como isso é importante quando a gente faz pesquisa
na América Latina, que é a crítica que ele (síntese de Dussel) faz aqui nestes texto. Que o mundo
sempre tem que estar sendo. Então, se aceitar o mundo como ele é, o mundo é opressor... Por isso é
que ele propõe, se eu entendi direito, o método analético que passa da ordem do antigo para a ordem
do novo, mas qual é o novo? A gente compartilha deste novo?
Sara: Isso que você falou deste processo de distanciamento... que é como eu entendo: que é você se
afastar do que você faz e refletir sobre a trajetória para se compreender... daí eu fiquei pensando que
do jeito que se fala, parece que a gente faz isso no isolamento, mas não; a gente faz isso junto também
e este distanciamento está entre esta compreensão existencial e fundamental, faz parte do processo
do distanciamento, para ter este estranhamento do que a gente está produzindo. Mas eu queria
ressaltar, também, é que a gente faz junto; pode não ser com o mesmo grupo com o qual nós estamos
pesquisando, mas também é junto, para ir pro encontro com o outro.
Diálogos sobre o texto “A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo
sobre a Filosofia de la Liberación de Enrique Dussel”
Wal: No texto seguinte, Sara, no que você fez com a Reijane, você fala que no mundo encontram se
todos os entes, as coisas... Então, eu acho que abrir para esta totalidade, que você fala: instrumental,
de sentido, também; também perceber que o mundo não é só as pessoas... é a totalidade.
Djalma: Também acho que a convivência, como metodologia, o outro é... sem o outro você não tem
a convivência, você não tem... Então, o outro, que o Dussel traz; estar com o outro é o coração da
convivência. E eu acho que junto com o outro pensar nestas possibilidades... Porque eu posso estar
com o outro, mas já ter um projeto determinado, quando eu só estou passando por ele... Então eu acho
que é a crítica que ele faz bastante à opressão do sistema da globalização. Eu tenho um projeto, e eu
preciso do outro para alcança-lo. Eu já tenho um objetivo...
Sara: O outro é mediação...
Djalma: Ele é mediação, ele é instrumentalizado... E a convivência com o outro nos aponta estas
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possibilidades. Claro que eu tenho algumas ideias, algumas perspectivas, assim como o outro
também, mas quando a gente se propõe a conviver, a gente está se propondo a debater, também, estas
perspectivas, estas possibilidades e aí, nestes debates sobre as perspectivas, sobre as possibilidades
com o outro é que a gente acaba, também, vamos dizer assim, se reconhecendo de uma outra maneira,
junto com aquelas outras pessoas também... Não me conhecia, estou me conhecendo, agora eu me
conheço, já pensei... vou lá... Não, lá eu também volto a questionar alguns pressupostos que eu tinha...
a gente precisa estar aberto a este diálogo...
Reijane: Claro que em alguns momentos você vai precisar fazer este distanciamento, você vai
precisar refletir sobre o que você disse com o outro e, aí sim, você volta para este processo de
proximidade que é um pouco do que é trazido na página 21 do nosso texto que ele fala: “Para Dussel
toda proximidade gera distanciamento que é formado por momentos e ambos acontecem dentro de
um espaço tempo, dentro de uma totalidade onde cada um tem uma função, não estão jogados
aleatoriamente, isoladamente”. Então, mesmo que se faça alguns processos separadamente, é preciso,
sim, este distanciamento para que você possa refletir melhor sobre o cotidiano, sobre o que você
conversou com o outro e sobre algumas ações que você vai fazer.
Wal: Aí vocês colocam muito claro no parágrafo seguinte a este: “Em primeiro lugar vem a
proximidade” Quando algumas abordagens dizem que proximidade é ruim...
Erivelto: ... contamina
Wal: ... contamina, vai deturpar sua visão neutra
Reijane: É que primeiro você vai... que é o processo que a gente faz aqui na linha de pesquisa da
parte de inserção. Primeiro você vai, você faz este processo de inserção, você conhece as pessoas,
você conhece o grupo, você vai formando vínculos, depois começa todo este processo já, também,
de pesquisa, com este processo de distanciamento, mas você já teve esta primeira aproximação, você
já tem esta primeira visão do que é o grupo, como ele funciona, e as pessoas já têm também esta
aproximação com você. Então, pensando na pesquisa, eu colocaria nesse processo também a inserção.
Wal: Eu acho que a gente pode entender esta aproximação também, esta proximidade, eu não sei, aí
vocês duas que me corrijam, como isso que a gente estava conversando aqui, que o Djalma falou que
a proximidade não só de estar lá, mas a proximidade também que é de todas estas leituras que eu faço,
esta minha trajetória, tudo isso se aproxima do outro na vida.
Djalma: Também é uma coisa que eu pensei agora que parece que é um ritual de construção teórica:
a gente tem que se aproximar e se afastar para pensar, se aproximar e se afastar para pensar... mas
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acho que isto acontece na vida... Quando a gente está com algum grupo e a gente se afasta, a gente
volta para um outro grupo, a gente começa a pensar... mas, muito provavelmente, aquela pessoa com
que a gente conviveu e que não está com a gente naquele momento, ela também está pensando: o que
ele quis perguntar, então eu acho também que ela está... O fato de não resultar num material de ordem
teórica, num texto ou outra coisa que seja... Está tendo um processo de construção do conhecimento
também de ambos os lados e esta proximidade de estar junto, que parte da minha vida fica junto com
a parte da vida da pessoa que depois a gente não estar junto, mas a gente começa a criar intersecções...
Acontece muito isso... às vezes eu encontro uma pessoa que faz muito tempo que eu não vejo, que é
um amigo, e depois a gente conversa e depois a gente vai embora e pensa: nossa como foi estranho,
na hora a gente achava que estava legal, mas esqueci de falar para ela tal coisa ou contei tal coisa e
parece que não... Então, este distanciamento às vezes fica muito colado com um ritual teórico, sabe,
e eu acho que isso acontece muitàs vezes...
Sara: ... não é técnica,
Djalma: É. Voltando para vida vivida, como Dussel fala, a vida vivida você tem que pensar ela,
raciocinar sobre ela e daí o Dilthey vai dizer que isto é experiência de vida, ela é ingênua, mas esta
proximidade, este afastamento eu acho que a gente faz independente de ser pesquisador acadêmico,
científico... Eu fiquei pensando agora, quando a Reijane chamou a atenção para este... Porque se estar
com o outro e a gente está compartilhando um processo e entende que isso é fundamental esta
proximidade e este distanciamento, será que o outro também compreende desta maneira? Consegue
identificar que momento que está próximo, que momento que está afastado?
Erivelto: Este afastamento mais técnico, mais acadêmico é quase que um afastamento geográfico,
espacial. Nesse caso, você convive com um grupo e depois de realizar a pesquisa essa convivência
não é mais tão frequente. Esse afastamento é recomendado para perceber melhor as relações
construídas ali, mas, a partir disto que a gente está discutindo sobre esta compreensão existencial para
a passagem para a fundamental, é difícil de você controlar isso, porque na verdade você se afasta
geograficamente, mas você continua fazendo parte do grupo, você fez parte do grupo em determinado
momento... e talvez esse afastamento que a academia tanto defende e acha que é importante não
aconteça porque você passa por aquela experiência do grupo, você colocou a sua disposição para
participar, quem você é. Isso inclusive muda o jeito como você pensa as relações porque você teve
uma convivência ali, compartilhou valores, momentos da vida. Quando você se afasta não quer dizer
que você se afastou daquelas experiências, se afastou, assim estou pensando agora, geograficamente
porque agora você vai sentar lá, vai escrever o texto, o relatório, o diário de campo.
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Djalma: É! Eu acho que também este está do lado não significa que você está próximo. No mestrado,
eu tive uma experiência no... quase no final que... o Marcos, o Teté que era um dos coordenadores,
ele estava... indo para casar e ele ia nos encontros, mas as pessoas... as pessoas lá, O Tico, as que mais
conversavam, falou assim: ah! Não tá vindo aqui e... Teve uma reunião e nessa reunião falaram para
o Marcos: oh! A gente quer que quando você venha, você venha, esteja aqui com a gente, não fique
aqui falando que... ah podia tá com... Se você não quiser vir, a gente vai entender, fique um tempo,
não vem, mas quando você vier, fique aqui com a gente. Às vezes, ele não indo, estaria mais próximo
do que estando. Mas não se importando por estar ali naquele espaço. Então, acho que essa... acho que
é isso mesmo! Essa proximidade... às vezes a gente fala: tem que ter esse afastamento, mas ele é
complexo, ele não é... se a gente for pensar geograficamente, pode ser que seja mais simples. Estou
perto, agora estou longe, mas no processo de construção do conhecimento, ele é mais complexo.
Rosângela: Lembrei agora de uma situação no meu campo de pesquisa, quando explicava para um
dos colaboradores sobre a pesquisa, alguns deles têm limites e não conseguem ficar muito tempo
parados, durante nossa conversa, ele já estava impaciente e falou assim: “oh! faz o seguinte, eu
entendi tudo, só que vocês têm que entender” falava sobre nós da academia, “que a teoria ajuda, mas
também atrapalha, eu já entendi, você quer compreender porque nós estamos na margem, porque que
a gente faz parte da margem”. Ele tentou resumir tudo que eu estava tentando falar, do jeito dele,
depois disse novamente “eu entendo que a gente está na margem e que a margem também segrega”.
Ele falou só isso para mim e saiu fora. Achei bem interessante a fala dele e um tempo depois retornei
o assunto com ele, para compreender melhor.
Erivelto: Pensando na leitura que a gente estava falando, provavelmente, essa pessoa que falou isso
para você não leu os textos do Dussel que fala de marginalização, os textos da Sociologia que falar
de segregação e entendeu o processo com muita lucidez.
Djalma: Porque ele vive, .
Rosângela: E ele foi o que ficou mais interessado.
Djalma: Então, eu acho que é essa vivência. Ele vive, faz parte da vida, como também ele pensa a
vida dele. Não da mesma forma que a gente pensa porque é a vida dele e também porque pensa.
Porque a gente também pensa sobre a vida dele, quando a gente faz a leitura...
Sara: Mas como foi importante esse momento da pesquisa para ele fazer esse afastamento e passa
para essa compreensão de que ele está situado na margem e que a margem põe uma situação para ele.
Mas eu acho que com relação isso que o Erivelto e o Djalma falaram, eu também fiquei pensando
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nessa questão da técnica mesmo. A gente está muito condicionado a pensar metodologia e método
como técnica, um conjunto de técnicas, parece que fechadas e tem que seguir com uma linearidade e
a gente colocar a convivência como uma ferramenta metodológica, não é a melhor palavra a
ferramenta, então de cara parece que também faz parte do campo técnico. Mas não é! É uma
compreensão ontológica, ? E aí é um desafio colocar isso porque é desconstruir toda uma ideia oposta
de como fazer pesquisa, quais passos seguir, parece que sempre tem uma receitinha. Até a gente
quando ler o Dussel, a gente não, eu quando li ficava tentando formatar como uma receita. Não dá!
Como um passo a passo.
Wal: Mas tem que sistematizar.
Sara: Tem.
Wal: Senão as outras pessoas não vão compreender e aí...
Erivelto: Vão falar que o que a gente está fazendo não é científico.
Wal: : É! Poético, arte que é válido também. O passo a passo não necessariamente é linear, não
necessariamente é para frente, um passo e depois o outro na frente do que veio antes. Acho que talvez
a gente tenha que pensar um pouco o que significa. Talvez passo a passo não seja a melhor expressão,
mas o que significa dar os passos, caminhar na nossa metodologia, talvez seja uma roda, uma dança,
estou caminhando, estou junto, mas... a gente está falando de processos de construção de
conhecimento. É importante sistematizar. Por que que é importante? Para se fazer entender, mas
também para avaliar o próprio processo, para que as outras pessoas possam compreender e também
fazer a crítica junto com a gente dos processos. Não só eu entendo o que eu estou fazendo e não
consigo me explicar. Aí fica meio delírio. Fica até um pouco contraditório com o que a gente está
dizendo porque daí eu faço a convivência com os outros, mas com minha comunidade de trabalho
acadêmica, eu não consigo fazer. Essa negociação de valores, de compreensão, a crítica. Porque no
fim, a gente está negociando paradigmas. Esse segundo texto também acho que já dá algumas pistas
para a gente, que vocês destacam: a diferença que ele coloca de cosmos e mundo. Dá para a gente
pensar se é cosmovisão, mundivivência ou visão de mundo. Eu me lembro da Fabiana falando que o
Freire usa “visão de mundo”.
Iraí: Eu não sei! Ao meu ver, nesse parágrafo que começa na página 21 e 22, me fez pensar se a gente
não deveria adotar a visão de mundo pela descrição que ele dá de mundo e até pela etimologia ser
latina e a minha compreensão, não sei se estou errada, é que ele é mais amplo, ele inclui, ele realmente
significa o que a gente está... pesquisando, está estudando, o que a gente está se referindo. Mas é
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muito complexo, não sei...
[silêncio]
Wal: Eu estava vendo aqui, quando a gente estudou etimologia, que talvez tenhamos que estudar
mais para decidir. Porque realmente, a palavra cosmos foi usada a primeira vez em Ilíada com o
significado de ordenar: “Não havia nascido ainda um terrestre que competisse com ele (que eu acho
que é Homero) em ordenar cavalos, guerreiros, portadores de escudos”. Então, vem nesse sentido de
colocar em ordem e hierarquizar. Mas e mundo? Cosmos a gente, mais ou menos, já sabe os limites
e a origem. Então, talvez, a gente devesse fazer a mesma coisa com mundo. Como é palavra latina.
Erivelto: Em um dos textos do Dussel tem uma passagem que o autor fala do sentido atribuído.
Wal: Ele vai falar do sentido atribuído pelo ser humano enquanto interpreta o fenômeno visto.
Começa assim (é um parágrafo inteiro que está falando do sentido atribuído): “Tal atribuição de
sentido possui suas intencionalidades, tal como a água que é potável quando se tem sede. Ou pode
servir para apagar o fogo. Atribuição de sentido depende e está diretamente relacionada a realidade”
Wal (continua): Acho interessante isso. Porque tem implicações para a convivência, porque quando
eu atribuo sentido tem uma intencionalidade. Então, quando um parceiro ou colaborador, enfim, da
pesquisa da Rosangela faz essa síntese não é só um sentido que ele está dando, mas também tem uma
intencionalidade. E aí, eu acho que tem essa implicação de perguntar ou se perguntar , não quero dizer
perguntar, fazer uma questão, mas se colocar isso em questão. Quais são as intencionalidades?
Sara: O que ele fala é que sempre tem um projeto implicado. Sempre. Por mais ingênuo que seja,
sempre tem um projeto. E para esse projeto, sempre tem mediações para se alcançar. Tem sempre que
se valer de mediações para alcançar o projeto. E as pessoas não são mediações. É isso.
Wal: E eu chamo atenção de que essa fala, ou essas falas, ou sentidos que se dão para aquele
fenômeno, é aquilo que ele está no gráfico do texto anterior. Tem um projeto de futuro, então não é
uma coisa estática. Não é uma interpretação. Se a gente não pergunta também sobre o projeto futuro,
a compreensão está partida, daquela interpretação.
Djalma: Mas eu acho que, desses exemplos, também uma coisa é que essa intencionalidade ela é, às
vezes, às vezes não, mais contextual. Aquele momento que eu estou vivendo agora. Então eu dou
sentido para aquilo naquele momento agora. O exemplo tomado, se tem fogo eu uso para apagar o
fogo, em outras situações que não existe um centro permanente onde a água vai ser usada para apagar
nem uma sede permanente onde a água vai ser usada para beber, nem um fogo permanente onde ela
vai ser usada para apagar. Essas intencionalidades também dão, aquele ponto que ele põe que é o
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momento presente que vai te orientar de uma maneira para outros, para outras, possibilidades, mas
existe o momento presente que o passado condiciona, o futuro há possibilidade, mas o momento
presente é quando é preciso agir. Eu acho que é o exemplo da água, com sede e fogo, acho que fica
evidente o momento contextual que estou dando sentido, uma intencionalidade para aquele momento,
e que vai me levar para outras perguntas, outras possibilidades. Se existe algum, porque é uma vida,
vida sendo vivida, se existe a vida sendo vivida, por mais que eu queira que a água seja preservada,
mas eu preciso da água para apagar o fogo, porque senão a casa vai ser consumida, ou enfim...
Erivelto: Se não estamos abertos para as possibilidades, podemos perder a oportunidade de conviver
com as pessoas e nos importar com os problemas delas. No exemplo mencionado pela Rosângela, ela
poderia pensar e falar assim: “Nossa, estou aqui na maior boa vontade. Fazendo a formação, com os
outros formadores e eles não querem nem saber de nada”. Se acontecesse isso, ela provavelmente não
teria lembrado da situação relatada.
Djalma: Claro!
Wal: Podia dizer assim: “Quando você tiver mais sãozinho eu volto aqui para conversar, tá.” Então,
tipo assim, vocês se adaptem. Quando você tiver melhorzinho aí eu venho fazer as perguntas.
Dljalma: O que eu acho que é um pouco o que as pesquisas de laboratório com seres humanos fazem.
É tirar esse contexto que vai permitir com que aquilo que foi planejado mude de rumo, ou vá para
outro lado naquele momento que faz parte da pesquisa.
Wal: Conseguem mesmo?
Djalma: Não. Eu acho que isso sempre foi um discurso, manter a neutralidade. O mito da neutralidade
cientifica. E, de se cercar dessas coisas de estar la e ouvir Se você não esta aberto a entender, a
compreender o que as pessoas estão falando naquele momento, mas você está focado na coisa, é, em
um objetivo específico. Eu acho que você perde as possibilidades do curso. Claro que eu acho que é
um mito. A neutralidade é um mito. Acho que isso não se consegue. A pesquisa em seres humanos ela
vai ter uma intencionalidade por trás, mas vai ter as, é um ser humano por trás que vai trazer uma
vida. Mas eu digo para orientação da nossa pesquisa, na convivência, estar junto com a pessoa,
construir junto com a pessoa, ficar atento se a água esta sendo usada para beber ou para apagar o fogo
faz parte de sabe para onde a gente vai junto depois. Caminhar junto e ficar com essas coisas: às vezes
é uma fala uma palavra, é um gesto. Às vezes eu falo dessas compreensões, sabe, no começo da minha
fala, de como a gente, às vezes é um gesto, um silencio, um suspiro, às vezes é uma palavra, às vezes
é uma frase, se isso, por exemplo você está fechado a isso você não percebe a intencionalidade
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naquele momento.
Wal: Eu vejo na pesquisa, na análise experimental do comportamento, não é descartado, eles até tem
uma expressão que não vou me lembrar agora que eles usam, faz tempo que estudei, sobre isso que é
o inalcançável , aquilo que eu não consigo acessar. Do ser humano. Mas isso é uma coisa que não
vem pro experimento. Então tem, quando coloca as variáveis, tem as variáveis A ou B, tem as
variáveis intervenientes. Então, tudo isso faz parte do experimento. Eu vou lidar com aquilo que eu
consigo observar e que eu consigo controlar. Aquilo que eu não consigo controlar eu não vou lidar. E
eu vou fazer experimento em cima disso. Firmando, firmando, firmando, até que eu vejo que isso deu
certo. Se deu certo vai, eu acho que tem alguma coisa a ver com o jeito como, não só o jeito, mas o
que a gente procura. Nesse caso, está se procurando a repetição e a consistência dessa repetição. No
nosso caso, a repetição não é tão importante. Mesmo que depois o Dilthey vá dizer que experiência
se dá pela repetição, mas não é repetição de experimento, mas experiência. É diferente. E aí é
interessante porque cada um é um. O mesmo tempo que o fenômeno acontece, ou uma única pessoa
disse, o que uma única pessoa pensa, é diferente de todo mundo e isso me interessa. Para outros tipos
de alinhamento isso é considerado, é colocado também, mas não interessa para os resultados. E na
história da ciência, muitàs vezes se avança, na ciência experimental mesmo, quando alguém resolve
olhar para aquilo que é inusitado. Que está fora da repetição. É como se avança. Porque que isso se
repete? (risos) E aí vai naquela coisa de que eu procuro aquilo que eu quero encontrar. Se aquilo não
está dentro do que eu quero encontrar eu não olho, mas às vezes o avanço está justamente no efeito
placebo de um remédio, porque as pessoas falam, apesar de dar errado, ou, eu faço um programa da
aprendizagem com crianças com paralisia cerebral ou com idosos em estado de alzheimer e vejo que
vários aprendem assim, mas tem um que aprendeu apesar do meu programa , no grupo que não é o
grupo experimental, mas é o grupo controle. Aí eu vejo o que deu certo, mas o que deu certo lá, talvez
seja o pulão do gato para alcançar outro tipo de programa. Para uma inovação. E talvez se chegarmos
para os colegas da analise experimental e dizer: “Vocês não ligam para o que as pessoas pensam, ou
vocês não se interessam pela subjetividade do ser humano”. Eles podem dizer: “Não. Não é bem
assim. A gente só não está olhando para isso, a gente só está olhando para outras coisas”.
[silêncio]
Wal: Eu gostei muito. A gente falou dos passos e a Sara e a Reijane colocam: “Dussel aconselha
aqueles que querem seguir os passos da filosofia da libertação a primeiro, eleger o número reduzido
de temas para serem refletidos, estudados, compreendidos”. E nós estamos no nosso grupo de estudos
e produções, justamente fazendo a parte da justificativa, agora do referencial teórico, do problema e
83
da problemática. Então eu acho que esse parágrafo aqui é especial:
“Essa seleção deve ser feita a partir de escolhas reais. Primeiro reduzir temas. Dentre eles os
essenciais e a partir dos essenciais, os urgentes, e dentre esses os transcendentais, ou seja, aqueles que
se referem ao povo mais sofrido, faminto e desesperado. Os temas ideológicos devem ser tratados
com objetivo de mostrar porque são ideológicos.”
[silêncio]
Iraí: Foi uma hora só nos textos do Dussel.
Diálogos sobre o texto “Cosmovisão: Um estudo a partir do livro ‘Os tipos de concepção de
mundo’ de Wilhelm Dilthey”
Wal: Algumas coisas do Dilthey acho que o Djalma já tinha até adiantado. Acho que tem um trecho
aqui antes do subtítulo: pensamento científico ou ciência empírica e cosmovisão no parágrafo
anterior. Aquilo que a Iraí estava dizendo. Só que a nossa experiência vital que é a raiz de
mundividência para Dilthey vai ter os condicionantes sociais históricos de nossas sociedades,
culturas, nas quais nos encontramos, portanto, nossa visão de mundo também. Então, mais uma
justificativa para a gente fazer essa reflexão dos condicionantes sociais, históricos, culturais da nossa
visão de mundo com a qual a gente vai fazer essa convivência.
Djalma: E acho que continuando o que ele diz aí, que toda visão de mundo é produto da história, a
historicidade revela-se como uma propriedade fundamental da consciência humana. Que eu acho
também que tem aquele esquema do Dussel. Que é aquele condicionado pela história só que essa
condição ela pode ser determinante e aí eu acho que o Dussel fala que se eu estou na vida de forma
ingênua. Aí, às vezes eu assumo meu projeto como um projeto de mundo hegemônico, vamos dizer
assim, que é eu está na riqueza, então, eu o acabo entrando nesse processo que para eu conseguir
sucesso que é uma das buscas desse projeto de mundo riqueza eu tenho que conseguir um bom
emprego, ter capital, enfim, de forma crítica, mas eu acho que isso você acaba sendo determinado.
Mas eu acho que o que ele faz aqui, que é esse condicionamento Dilthy assim como Dussel chama a
atenção que há um condicionamento.
Aí o Dussel vai falar das possibilidades que a gente está compartilhando junto com o outro, a gente
abre as possibilidades de não citar uma determinação. Eu tenho essa carga estou aqui e depois vou
para casa, só consigo enxergar uma possibilidade. E eu acho, o que eu acho interessante é a
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centralidade que ele dá na vida como um conceito mesmo. Essa diferenciação entre de vida e
experiência de vida para se constituir essa mundividência. E, isso, acho interessante quando Dussel
aponta que a filosofia
da vida. Ele começa, parte da vida cotidiana, considerando o concreto então,
eles têm essas relações. E, é, a vida como, a vida é muito trabalhada na poesia como esses dois autores
nessa leitura que a gente fez trouxe ela como um conceito importante, no meu ponto de vista de não
ser só um dado existencial, a vida é disso mas como a gente se articula, ? Acho interessante essa
centralidade que o Dilthy dá no conceito de vida e aí eu não sei se a gente fica, eu não fico muito a
vontade de optar sobre visão de visão de mundo, quando por exemplo ele vai falar de dramas da vida.
Será que não tem relação? Enfim. Eu acho que dependendo com quem a gente está trabalhando e
com quem a gente tem um consenso de conhecer vida ou de mundo o que a gente vai criar com quem
a gente vai trabalhar para ter um convívio, aí eu acho que outras coisa que nem apareceram aqui e
dialogado com fulano de tal pode ser que tenha relação com visão de mundo.
Djalma: Acho que assim a gente entra em todos, mas o Dilthy também entra num problema que é um
problema de tradução, não problema, que é a tradução em si nos traz alguns problemas porque muitàs
vezes
esta concepção de mundo, mundividência, tem trechos que está como visão de mundo. A
tradução de volta em Chalmers. Ele usa isso, que isso significa no viver na Alemanha na época em
que ele viveu foi traduzido dessa forma, então acho que essa tradução nos traz alguns problemas que
pode ser técnico, mas também nos traz um problema epistemológico de nos dá garantia de outro .
Wal: Ele usa uma expressão aqui que é perturbadora. Ele fala que a gente observa processos internos
e objetos externos. E aí, como é que fica nosso conceito de observação na metodologia? A gente
sempre usa a expressão observação pensando assim, eu vou lá e observo o que está acontecendo lá.
A gente observa externamente relação, que observação tenho eu, ?
Erivelto: Esse interno que ele menciona, é um interno do psíquico?
Wal: É.
Erivelto: Porque se não fosse não teria grandes problemas. Porque interno poderia ser interno ao
grupo.
Wal: Ao grupo, é!
Wal: Explicamos as operações limitadas do pensamento, as relações fundamentais.
Djalma: Eu acho que uma coisa que fica da leitura em relação a tudo isso é que no final de tudo uma
diferenciação que o Dilthy tem com o Dussel é que no Dilthy tem uma centralização muito do eu.
Tem até esse trecho aqui que ele está falando mesmo valor de nossa existência atribuímos aos objetos
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e as pessoas a nossa volta um valor por elevam nossa existência. Determinamos esses valores. Eu
acho que o Dussel não foge, mas eu acho que isso não se torna central, porque os dois vão propor o
método analético ele vai como o outro se construir porque o Dussel também vai dizer porque eu me
atribuo o problema é quando objetivo que eu estou atribuindo para as coisas os objetivos que estou
alcançando as outras pessoas os outros, o outro acaba sendo dentro para poder construir E Dussel
vai dizer que essas possibilidades que no futuro a gente possa sair desse modelo, vamos dizer assim,
opressor, ela faz se abrir com o outro . O modelo análetico propõem partir da palavra do outro. No
Dilthy eu sentir algo mais assim do eu na existência do eu que aí interpreta os outro, aí vou atribuindo
esses sentidos pro meu eu e no momento, tem assim um diálogo com o outro para que no diálogo com
o outro esse sentido da minha existência possa ser abalada, questionada . E também tem uma
influência da época, da escola, influência positivista, acho que tudo isso.
Wal: Mesmo que ele faça a crítica do eu. Ele propõe justamente esse espírito. E tanto, que ele
contrapõe a compreensão e a explicação. No entanto ele contrapõe a compreensão e a explicação.
Wal: É interessante porque ele diz que uns dos fundamentos da construção da cosmovisão é esta
necessidade que a gente tem desta validade universal, mas que isso é insolúvel.
Wal: que mais para frente ele chama de caducidade universal. É uma expressão bem interessante.
Wal: interessante esse foco no individuo porque também alerta a gente para não homogeneizar os
grupos.
Wal: que ele diz que essa diversidade, que essa multiplicidade, são históricas, são do mundo, são de
climas, ele chama de raças, então tem algumas coisas que são comuns naquele grupo de individuo,
no entanto a gente chama de grupo, mas eles diz que também a diversidade da cosmovisão se dá pela
especificidade das experiências do próprio homem que apreende a vida, então mesmo quando a gente
vai num grupo de população de rua, de usuários de crack, chamamos de grupo, nem sei se essa palavra
é boa.
Djalma: É grupo de pessoas e pessoas.
Wal: O que é um pouco assim, até desesperador, porque ele diz que existe tantas visões de mundo,
como existem pessoas. Ele diz assim – “Como a terra está coberta de inúmeras formas de seres vivos,
entre os quais se desenrola uma luta constante pela existência, pelo espaço mais amplo, assim se
desenvolve no mundo humano, as formas de concepção do mundo e lutam entre si em vista do poder
sobre as almas.
Wal: e os tipos de concepções de mundo atravessam a singularidade historicamente condicionada a
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cada formação individual, mas se encontram condicionadas em toda parte pela particularidade da
região que surge ao mesmo tempo que ele fala que tem estes condicionantes mais amplos, tem as
especificidades do individuo, tem algumas coisas que se aproximam.
Wal: mas acho que para o movimento que ele estava fazendo na época, essa radicalidade foi
importante porque era tudo nós, tudo era regularidade e ele fez esse movimento de ir para o indivíduo,
da vida humana e individuo.
Djalma: é que eu acho que daí na verdade não é só o indivíduo, mas ele no grupo como um todo,
porque se a gente for pensar, num pensamento mais liberal, nas teorias econômicas liberais tudo, era
o foco centrado no indivíduo e que isso justifica a competitividade, que eu me afirmando contra ele,
não precisa ter estado, não precisa ter nada, porque na competitividade a gente vai fazendo a sociedade
andar e vai gerando mais lucro, então é um perigo ficar só no individuo, fechado nele, não estou
falando que Dilthey não está reconhecendo o grupo, mas também a gente colocar peso na visão de
mundo do indivíduo.
Djalma: E aí fiquei pensando como fica isso relacionado ao “sou porque nós somos” e na comunidade
Yamará não existe um eu sem relação, não existe um eu puro, absoluto.
Wal: Acho que assim como o Dilthey a gente termina o texto dizendo sobre a compreensão,
interpretação como métodos mais adequados, expressão da vida, observação. Geertz vai ajudar a
gente há discutir um pouco mais à fundo o que é interpretação.
Erivelto: Antes disso Wal, eu lembro na apresentação tua e da Adriana que vocês abordaram a
mundividência e a interpretação do mundo, se não me engano, Dilthey faz a distinção entre
mundividência e pensamento científico. Ele fala que a mundividência se constrói com diferentes
dimensões que são a multiplicidade de concepções de mundo e suas condicionantes. No entanto, o
pensamento científico influenciará as diferentes mundividências. Na apresentação e na síntese que
vocês elaboraram, não ficou muito claro. Por que o pensamento científico também não é interpretação
do mundo? uma forma de interpretar o mundo?
Wal: Nessa concepção hoje.
Erivelto: É hoje.
Djalma: Acho que não sei, arriscando um pouco também ajudar a pensar, acho que na época do
Dilthey acho que o que ele estava talvez, fazendo uma crítica, era do pensamento científico a ele ser
universal, uma perspectiva de mundo universal.
Erivelto: Faz sentido. Depois ele vai falar da poesia, da importância da arte.
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Wal: Ele diz assim, que a mundividência não segue a mesma construção do pensamento científico.
Segundo ele, sempre, tanto nas experiências singulares como nas gerais, o gênero da certeza ou o
caráter da formulação é inteiramente diverso da validade universal científica. O pensamento científico
pode indagar o procedimento que se apoia a sua segurança e consegue formular e fundamentar com
exatidão as suas proposições. A origem do nosso saber acerca da vida não pode assim ser inquerido e
não é possível denominar firmes fórmulas suas. Então eu acho que ele fala é o método aqui.
Sara: Mas também não sei, no meu entendimento parece que ele também atribui um caráter de
verdade ao pensamento científico absoluta quando ele fala aqui “fundamental com a exatidão suas
proposições”.
Erivelto: Eu acho que ele está fazendo uma crítica.
Wal: Mas a questão da exatidão aqui é que não dá para ser tão exato na vida, mas dá para ser exato
sim.
Djalma: Na ciência sim.
Wal: Nesta época sim.
Sara: Agora naquele tópico os processos de desconstrução da cosmovisão fiquei pensando se nossa
pesquisa não seria capaz de desconstruir cosmovisão se seria nossa intenção essa. É mais um pergunta
mesmo, pensando de cosmovisão que advêm dos grupos que advêm de um mundo totalizado.
Djalma: Bem ele tem esse começo aí, a vida, neste tópico, a vida e a mudança dos seus princípios. A
vida é a mudança dos seus principais momentos estruturais fazem com que a concepção do mundo,
sempre e em toda parte, então universalmente, se expresse em oposições e nas concepções indígenas
a oposição ela não existe, ela existe como complementariedade, não é um contra o outro, mas como
se complementam as ideias. Então também acho que tem a leitura do Dilthey, tem que ser feito neste
momento científico ali, assim como dos outros também, mas os outros são contemporâneos, não se
tem esta distancia histórica do que aconteceu.
Djalma: Porque se é oposição, significa que tá alguma coisa rivalizando com a outra, então talvez
tenha que desconstruir uma para se impor a outra ou se tá tendo uma rivalidade ou se é
complementariedade como vai propor o Simon Yampara Huarachi por exemplo. O que eu posso dessa
perspectiva que contribui com a minha, como eu rezo para um Deus católico, mas também mantenho
a minha tradição da minha divindade indígena, enfim.
Wal: Mas nem tudo dá para ser complementado. Tem hora que é oposto.
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Djalma: É antagônica e é quando você tem a vida. Você vê uma determinação da igreja católica que
vai proibir, perseguir os cultos e aí como numa perspecativa de complementaridade como que eu
posso também, lidar com isso, sendo que isso tambem não vai interferir nos cultos que eu já tinha.
Não é nesse texto, mas em outro ele vai dizer que foia na Bolívia e encontrou alguém que trabalhava
com um grupo de mineiros que mantinham rituais de adoração à patcha mama e ele achou
interessante, mas quando ele chegou lá e todo mundo tava com um crucifixo pindurado no peito. Aí
quando ele começou a conviver, as pessoas chamaram: vem aqui no domingo e ele foi num ritual e
viu que as pessoas também faziam a adoração, então, para eu poder continuar vivo, eu boto um
crucifixo no peito e fico tranquilo, mas não por isso siginifca que eu vá estar indo contra a patcha
mama, por exemplo. Eu penso muito no documentário que eu fiz lá em Uberlândia, tinha a conversa
com um senhor que tinha um remédio no bolso e ele dizia: eu me curo muito com chá, com ervas,
mas eu to tomando esse aqui para dor nas costas. Porque o chá vai me resolver, mas esse aqui é bom.
Então, eu tomo o chá e esse. E a mulher que tava curando um tumor que ela tinha tirado do nariz, ela
foi na farmácia, no posto, e receitou um remédio que não tava fazendo efeito, ela fez um chá de
barbatimão e começou a passar. Só que ela sabia que se falasse isso, seria proibido pelo médico que
tinha receitado. Mas ela usou os dois e viu que um ou outro estava fazendo mais efeito. Então ela
largou o remédio, sendo que numa racionalidade mais científica, da medicina, falaria: Para isso e fica
só com o remédio. Porque isso é discurso, vamos dizer assim, dominador, porque não precisa da
oposição para poder falar que esse é o melhor jeito que esse. E a gente aprende isso desde de criança,
eu lembrei de um livirnho que é "os contrários". Daí tem o dia e a noite, tem o seco e o molhado,
como se um não complementasse o outro. Chama opostos e formas, porque depois tem o triângulo, o
quadrado, tem dia, noite, seco, molhado. Eu me lembrei desses dois assim.
Wal: E aí? É a regularidade que vai dando forma à mundividência. É o livro, a escola...
Djalma: E a gente acaba repetindo.
Wal: Tanto até acreditar. Interessante. Bom, são vinte paras 11, vamos dar uma pausa aqui (gravação
para).
Djalma: Talvez senão tivesse o grupo e essa dinâmica que o grupo teve, eu não teria entrado em
contato com um pensador Aymara ou um pensador Munduruku, nas perspectivas de ter uma
concepção mais ampla. Mas que também contribua para nossa metodologia da convivência, que
contribua com nossa ideia do que seja construir uma pesquisa junto com as pessoas seja fundamental
essas outras perspectivas, uma para rebater, criticar e me vem à cabeça a perspectiva teoreferente.
Outras para dialogar, avançar, acho que o munduruku, o simon iamparamaraki eles vieram ao mundo
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depois do Paulo Freire, então, em que medida eles dialogiam, complementam, avançam, se o Paulo
Freire estivesse vivo ele adoraria ver o que ele escreveu sendo complementado, sendo... E a gente
poderia ter feito um grupo onde isso não seria ruim, Seria uma outra perspectiva, onde a gente
continuaria lendo o Paulo Freire, o Dussel, e o Fiori para encontrar a convivência, e isso a gente fez,
e aparecia termos que a gente dizia, isso aparece em outros lugares e a gente foi em busca de outros
autores para dialogar com os autores centrais da linha. Enriqueceu mais essa visão que eu tinha do
Dussel, do Freire e do Fiori porque se complementaram. Acho que mais uma vez, como a gente,
mesmo tentando trrazer várias perspectivas, como a gente trouxe pensadores homens, não pensadores
femininos, feminnas e também a gente faltou um pouco de Índia, Oriente, para poder complementar.
Assim, tinha um tempo e eu acho que a gente de buscar outras locais e outras cabeças pensando em
outros espaços culturais e eu acho que a gente conseguiu. Eu consegui entrar em contato com uima
literatura que eu talvez não tivesse, se a gente tivesse ido em outro caminho. Eu identifiquei que entrei
em contato com uma literatura que me fez pensar nessa questão da oposição ou em complementar.
Não só na cosmovisão mas em outros termos que apareceram, será que outros elementos que
trouxeram, que fazem a gente olhar para um termo, inclusive, ohopors textos do Dusse, do Paulo
Freire, do Fiori já com essa perspectiva de diálogo com essas outras persperctivas, então, eu aprendi
bastante lendo outras perspectivas de cosmovisão, visão de mundo, mundividência, concepção de
mundo. E as leituras, fora elas, porque eu não sei, se essa mudança, eu senti de forma tão radical
porque eu senti na vida. Não na vida abstrata, mas na vida vivida, e são concepções que são conceitos
e as pessoas com quem a gente trabalhou nos trazem outras formas de olhar então para aquela janela,
assim, não é spo ver um prédio, uma árvore, é ver como isso está integrado, acho que se a gente olha
pela janela com o olhar do Simon Yampara, porque a gente tá aqui dentro e não tá embaixo daquela
árvore? Por exemplo. Então eu acho que isso contribuiu para ampliar, não para falar que uma é melhor
que a outra, mas ampliar essas perspectiva de olhar pros nossos projetos, para nossas pesquisas. Foi
um pouco do que eu tenho de avaliação. Me dá vontade mais agora de ir atrás de um autor indiano.
Me deu. De um autor chinês, num sei. Enfim, arábe. Me deu vontade de continuar, não para escolher
uma, mas para ver que vendo uma a gente perde a riqueza de outras perspectivas.
Sara: Isso me lembrou a história de Hannah Arendt.
Rosângela: Acho que é um processo e, olhei para a Reijane e lembrei de umas coisas que
conversávamos bastante em relação a isso, acho que é um processo mesmo de pertencimento ao
grupo, de contribuição até , porque muitas vezes a gente já sentiu um certo mal estar assim de não
estar contribuindo muito porque a gente que nem o Erivelto falou, a gente chegou e já entrou num
processo que já estava, as coisas já tinham sido produzidas e eu ficava, nossa, o tempo todo, mas o
90
que eu vou fazer , mas eu acho que o acolhimento do grupo , foi uma coisa fundamental para a gente
se sentir mais confortável. Acho que hoje eu tenho mais uma compreensão , acho que tudo isso que a
gente veio construindo durante o ano todo e até hoje, acho que, cada vez que eu pego as leituras eu
tenho uma compreensão maior e melhor, eu acho meu processo assim de, acho que eu aprendi muito
com o grupo até uma questão que é para a minha vida e enquanto pesquisadora também, acho que
minha contribuição maior era, acho que é o quanto todos esses conhecimentos que eu tive de
cosmovisão interferiu na minha vida. É, eu acho que é uma coisa que eu até dialogo com meu próprio
filho , algumas visões de mundo, que eu vejo aqui que tem muito sentido e que é bem diferente da
nossa visão, tudo, ocidental, e acho que isso vem contribuindo bastante também para meu olhar no
campo de pesquisa, acho que é mais ou menos isso.
Iraí: Ah, é isso aí, compartilho com você.
Reijane: Mas realmente a gente tem aprendido bastante. Por exemplo, essas leituras, elas não são
fáceis não. Às vezes você vai fazendo as leituras e você não está entendendo nada do que ele está
dizendo, daí você vai volta de novo e diz: meu Deus, o que eu estou lendo aqui, então você volta de
novo. As discussões do grupo também serviram para isso, para que a gente pudesse, realmente,
compreender o texto. O que vinha sendo discutido, quais eram as ideias centrais que esse autor
apontava. Hoje mesmo, o Dussel é muito difícil, mas por meio das discussões feitas em nosso grupo
eu venho conseguindo entender melhor algumas coisas.
Rosângela: É, eu que estou desde o começo, desde estudo em específico fico pensando: meu Deus,
que que eu vou contribuir?
Reijane: Mas aí cada vez que você vem, você ouve uma palavra diferente, você ouve um pensamento
diferente, então você fala: “ah, é assim”. Aí você volta na leitura, aí sim você fica com uma melhor
compreensão. Principalmente na parte de metodologia de pesquisa, porque você vai vendo umas
coisas e pensando no projeto. Isso para mim tem sido interessante: pensar na metodologia do meu
projeto. A forma de fazer a pesquisa em si.
Sara: Talvez a gente possa estipular mais um dia. Talvez pudesse ter mais um dia para fechar nosso
estudo!
Iraí: Eu pensei meu Deus! Mas não sei se é viável, mais um dia como a gente fez hoje dividido em
dois autores e depois tentar escrever uma conclusão e aí no terceiro encontro então sentar e discutir o
que que a gente escreveu, nem que cada um escreva um pouco do que entendeu. Não sei se é viável.
Não precisa nem compartilhar, mas traz esse pensamento mais direcionado para conclusão para cá,
para discutir aqui. Eu estava pensando que esse era o exercício que eu poderia ter feito e que ia me
ajudar na discussão de hoje mas eu não fiz, então... fazer o exercício. Pensando em produto, no artigo
91
final. Não sei se interrompi as obrigações pensando em encaminhamento, mudei a direção da
conversa.
Sara: Acho que não, a ideia era dar uma paradinha para pensar nessas coisas, no encaminhamento.
Iraí: Acho que em questão de tempo, semana que vem daria para fazer o que eu não pude fazer e
avançar mais um pouco nesse texto. Faltou ainda bastante.
Sara: Tem que tentar dividir o tempo mesmo.
Iraí: Por falar em tempo para orientação, tenho uma pergunta: eu me programei, estou escrevendo o
texto para enviar para vocês até quarta-feira, porque uma semana antes é na quarta-feira da semana
tem que estar pronto para discussão. Eu não sei como vocês se organizaram para ler, para saber se eu
posso enviar na sexta ou se isso atrapalha, por exemplo, se vocês programaram para ler na quinta, aí
eu fico atrapalhando. É que os feriados ao invés de ajudar atrapalham um pouquinho.
Sara: Que dia que é a próxima reunião?
Iraí: Dia 14, próxima quarta-feira. Me sinto mais segura de enviar na sexta, porque terei dois
períodos, tenho médico. É importante que a gente vai se reunir para discutir essas coisas. Alguém tem
alguma dificuldade se eu entregar na sexta? Então tá, vou enviar na sexta.
Wal: Não tenham pressa em terminar este debate, acho que a gente não tem porque, depois de 2 anos
neste processo. Mas acho que só a gente deveria pensar que um dos objetivos deste debate é o produto.
Não acho que a gente deva ficar engessada nisso, pensando que não vai dar. Podemos pensar em
dividir a transcrição. Isso vai dar uma coisa grande mas, está bom, o que se há de fazer, ? Ou então
como disse a Iraí, pensar num processo de fazer uma síntese. E aí teríamos o debate sobre a síntese.
Se cada um vai trazer uma síntese, como vamos chegar numa conclusão? Não sei se a gente vai manter
a transcrição, pois vi que tem gente tomando notas. Ou se a gente compartilha as notas? Minha idéia
é: depois que a gente tiver o produto pronto a gente vê o que faz com ele. Mas é bom já pensar o
processo, por que daí a gente não escreve? Podemos já começar, não vamos esperar. A gente vai ter
cerca de 5 horas de debate para fazer a transcrição, vamos ver as nossas agendas.
Iraí: A gente precisa ter uma agenda de transcrição também.
Wal: Hoje foi uma hora e meia de debates, mais ou menos. Umas 20 páginas, por aí. Pessoalmente,
aquela explanação que eu fiz sobre Análise Experimental do Comportamento não precisaria entrar.
Ou entra.
Djalma: É
Wal: Por que senão chega naquela parte, corta.
Sara: E estou gravando, inclusive agora, essas avaliações estão gravadas.
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Wal: Por que a gente poderia dividir as transcrições, ver as agendas e depois olhar o produto e limpar
um pouco. Por que também não é tudo que está transcrito, como está transcrito, que precisaria ir. Mas
esse pouco é pouco mesmo. Por que a gente vai ter 60 – 70 páginas. O que pode ser importante
também para nossas pesquisas, metodologias, o que a gente está conversando. E pode ser o capítulo
final. Como é um texto em arquivo, não tem limite. Lê que quer, quem precisa. Apenas eu queria ver
se a gente vai manter essa metodologia. Daqui 15 dias a gente inicia uma nova gravação, já com a
transcrição desta parte feita? Senão..., vocês sabem como é que é. Se deixar tudo para depois... Se a
transcrição vai virar um texto, então já vamos começar escrevendo. E ai a gente faria a discussão dos
projetos (de pesquisa dos estudantes) junto com os autores (de cosmovisão) no tempo que precisar?
Talvez mais dois encontros. Por que de quarta-feira estamos das 14 às 17hs e com um projeto. O que
dá menos tempo ainda para discussão dos autores. A não ser que a gente marque um outro encontro.
Sara: É. Porque na hora que está discutindo é tão difícil parar: “Para, para discutir o projeto. Vamos
discutir outra coisa”. Acho que a gente quase nem consegue fazer essa divisão de tempo, de coisas
diferentes. Perde de um lado e de outro.
Wal: Por mim pode ser. Porque já temos os textos lidos, anotados. A única coisa é que na quarta as
tardes, revesando com este grupão, temos os nossos encontros de Estudos e Produções (apenas com
os orientandos que ingressaram em 2014, para aprimoramento dos projetos). Teria que ser um outro
dia da semana. A gente tinha pensado metade do tempo para projetos e metade para temas de estudo.
Talvez dois projetos por dia e a gente rever o cronograma dos projetos. Por que um projeto por tarde
não é muito, é pouco.
Sara: Por que sempre o que discute para um projeto, serve para o outro.
Djalma: Lembrando que tem que enviar o texto uma semana antes para a gente ler para a quarta.
Então não sei.
Sara: Ou Iraí passa para depois, para o dia 26.
Iraí: Ah, como eu não pensei nisso antes?
Sara: Depois você me paga uma cerveja, ou um café, ou um pão de queijo.
Djalma: Os autores.
Sara: Teria como fazer dia 12, segunda feira.
Iraí: A gente pode, mas o Tiago não pode.
Irai: Eu precisaria me organizar lá (no trabalho).
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Segue-se (nos próximos 3 minutos) conversas sobre agendas disponíveis, agenda-se debates extras
em maio sobre Cosmovisão, faz-se cronograma de debates e projetos em maio e junho.,
encaminhando comunicação às pessoas do grupo que não puderam estar e por fim. E a divisão do
arquivo da transcrição entre os membros do grupo.
Diálogos sobre o texto “Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro ‘A
interpretação das culturas’ de Clifford Geertz”
Tiago: E o Eduardo Batalha, bom, se for...
Djalma: Já está gravando!
Reijane: Tomou já o seu café?
Djalma: Mas é que está com problema no painel de vídeo. Mais um que se espanta com a minha tela
do computador escura!
Tiago: Uai, não sei como é que você está enxergando!
Erivelto: Achei interessante a leitura dos três capítulos (capítulo 3 - "O Crescimento da Cultura e a
Evolução da Mente"; capítulo 4 - “A religião como sistema cultural”; capítulo 5 - “Ethos, visão de
mundo e a análise dos símbolos sagrados”) do livro “A intepretação das culturas” do Geertz porque
o autor traz uma contribuição importante para pensar a cosmovisão. Apesar dele não falar diretamente
do conceito de cosmovisão, ele aborda os conceitos de visão de mundo e ethos. Só que eu fiquei com
uma dúvida na leitura, se a cosmovisão estaria dentro da cultura ou se a cultura estaria dentro da
cosmovisão. Isso não fica claro. Talvez porque ele não aborda especificamente o conceito de
cosmovisão. As recomendações que ele faz para desenvolver um trabalho, fazer a etnografia, de que
não é necessário você se tornar um nativo para fazer a etnografia, mas é importante estar lá, com eles,
são interessantes para pensarmos o conceito de cosmovisão. Inclusive ele vai fazer uma crítica dos
então conhecidos antropólogos de gabinete e a crítica mais contundente que ele vai fazer é justamente
isso e defender a necessidade de estar junto com a comunidade com a qual você está desenvolvendo
a pesquisa. Nesse caso, ele nos ajuda a pensar na importância da convivência.
Djalma: Uma dúvida que eu também tive e que acho que o Erivelto falou também e ainda acho que
aprofundo um pouco ela é que na leitura da síntese eu não sei...é...você falou não sei se a cosmovisão
esta dentro da cultura ou se a cultura esta dentro da cosmovisão, às vezes eu entendi a cultura como
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sinônimo de cosmovisão, a cultura ser aquilo que a gente vinha... é...a própria concepção de mundo
está na cultura e não sei se seria uma dentro da outra ou se enraíza a percepção de mundo, a concepção
de mundo partir da cultura e aí dos autores que a gente vem lendo vai ter algumas divergências e
coisas assim, mas eu não fiquei...não consegui achar se uma está contida na outra ou se são sinônimos,
na leitura da síntese ...
Wal: Lendo a síntese do capítulo cinco eu entendi que não, por que ele diz que ethos resume aspectos
morais e éticos de uma cultura e visão de mundo são os aspectos cognitivos e existenciais dessa
cultura então cultura é algo maior, mas também não é que está assim, foi uma interpretação ele diz: a
relação entre ethos e visão de mundo é circular.
Não sei se vocês ou ele colocam aqui no fim que religião, arte e ideologia expressam uma tentativa
das pessoas se orientarem por que (até para compreensão do mundo) ninguém pode viver no mundo
que não consegue compreender e eu acho que mais para frente tem outro autor que vai trabalhar mais
esse aspecto da cosmovisão. Enfim, cosmovisão é essa tentativa de compreensão do mundo e aí ele
diz que religião, arte e ideologia são tentativas de orientação...que ele está falando mais do sagrado,
dos símbolos sagrados...
Acho que mais uma coisa que aparece aqui e que já vinha aparecendo é a crítica a abordagens que
ignoram as condições históricas daquela organização, envolvimento, indivíduo etc...nos textos
anteriores vinham falando disso , dessas condições históricas. Alguns falando de futuro e também de
projeto, mas todos tem em comum, que tem aplicação para as nossas pesquisas, essa análise das
condições históricas originárias daquela organização social, foi o que eu destaquei aqui.
Djalma: Também assim, em relação ao Geertz em uma contraposição com Dilthey e o Dussel talvez,
é...que aqui talvez seja o primeiro que a gente tá entrando e que vai tentar fazer essa leitura de
cosmovisão, dentro de uma ciência da antropologia e talvez lá a gente tá, não que aqui também não,
mas são textos mais filosóficos, que trabalham com pressupostos mais epistemológicos os outros dois
e aqui um antropólogo que tem como foco de trabalho de investigação das culturas e isso exige uma
metodologia e ele tá mostrando, criticando metodologias que vinham sendo adotadas, como a Wal
falou e apontando uma que seria esse conhecimento convivendo com a cultura e acho que não, a gente
falou na reunião passada, não negando leituras previas ou...mas convivendo com o grupo, com o povo
com quem...para que seja possível essa interpretação da cultura e aí eu acho que a questão que a gente
vem discutindo mais, vamos dizer assim, epistemologicamente os fundamentos de concepção de
mundo que talvez a gente encontre um pouco mais nos textos filosóficos, aqui já é uma aplicação
talvez, já uma interpretação do campo, que seria cultura, religião...
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Reijane: Acho que sua resposta responde a pergunta que tem mais ou menos lá no final da questão,
depois lá no final que ele fala: “diante disso trago como questão provocadora, como faremos para
saber em que nosso ethos e a nossa visão de mundo, enquanto pesquisadoras e pesquisadores diferem
dos ethos e visão de mundo dos colaboradores de nossa pesquisa, como faremos para convivermos
metodologicamente sem sermos nativos e a partir desse convívio compreendermos os símbolos, os
fenômenos e as culturas nas quais pesquisamos?” Então acredito que por meio de sua resposta você
já trouxe esse embasamento de como podemos nos aproximar, de como podemos viver
metodologicamente esse convívio com os pesquisados, sem necessariamente ser nativos, estar lá, ser
o povo de lá necessariamente, igual ele fala, por exemplo, se eu estivesse numa tribo indígena, para
você conhecer como eles vivem não necessariamente precisaria ser um indígena, mas estar
convivendo, acho que é um pouco do que eu entendi da leitura dele.
Djalma: E tanto tem as diferenças entre o Dilthey e o Dussel, mas os dois eles paraticamente vão
dizer que há impossibilidade, por que você tem a sua experiência cotidiana, o seu...a sua visão e aí
como isso faz, se você vai sobrepor ao outro, dialogar, mas epistemologicamente nos dois autores,
talvez no Dilthey fique mais evidente a questão do eu a centralidade no eu e no Dussel esse eu com
os outros , mas sempre vai estar uma vida sua , que você não vai trocar por outra para conhecer, você
vai conhecer sempre a partir das suas experiências.
Reijane: Uhum e isso ele traz aqui, não vou saber que página por que não da para ver certinho, ele
traz: “o autor esclarece que para o desenvolvimento de um estudo etnográfico, não é necessário se
tornar um nativo, mas conversar com eles, segundo o autor, os textos antropológicos são
interpretações de qualidade discutível, uma vez que apenas o nativo pode interpretar a sua cultura,
que em poucas palavras o que está em jogo é a capacidade do investigador das culturas se colocar no
lugar do outro em sua tarefa interpretativa”. Então acho que isso encaixa bem.
Erivelto: Essa postura é o fundamento da antropologia interpretativa que ele defende.
Reijane: Essas partes eu destaquei, achei interessante enquanto ele ia falando.
Tiago: É como se fosse a interpretação da interpretação... E esta interpretação da interpretação
demanda um cuidado muito grande, mesmo porque, pode ser que se desvie esta interpretação, mascara
uma dada realidade, colocando-a numa condução que não seja.
Erivelto: É. Ele vai defender isso porque, até então, muitos estudos antropológicos eram
interpretações de terceira mão. Ele defende a interpretação de segunda mão, porque você está
interpretando o que os membros de determinadas comunidades estão te mostrando na convivência,
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estão te falando... E quando os estudos eram baseados apenas em relatos, que eram desenvolvidos
pelos antropólogos de gabinete, você está interpretando a interpretação de uma interpretação. Por isso
que ele vai defender a antropologia interpretativa e a importância de estar lá.
Tiago: É. E a pessoa que vai fazer uma inserção no campo etnográfico, como está previsto aqui, por
exemplo, como ele coloca; a pessoa não vai se despir de tudo o que ele sabe até ali. Então, de qualquer
modo, este cuidado com o que você já tem, com o que você está vendo é o que ele coloca como centro
da questão da interpretação. Por que eu vou analisar para interpretar, do lugar de onde venho, no
cuidado de analisar onde estou. Porque, como é que você vai esquecer o que você sabe, esquecer o
que você já tinha, estando imerso neste campo... não existe neutralidade.
Reijane: Isso me faz pensar no texto do Valla23 que fala que a crise de interpretação é nossa. Lembrei
um pouco deste texto porque este autor fala que está em nós sabermos interpretar o que os outros
querem nos falar e não em impormos nossas ideias para os outros.
Tiago: Verdade. É isso o que eu quis dizer, é isso aí.
Rosangela: No caso, o Viveiros de Castro é parecido com Geertz.
Erivelto: ... parecido...
Rosangela: com a questão da interpretação, por que ele é etnógrafo. E quando ele coloca o papel do
pesquisador, achei ele parecido com o Geertz porque ele fala que você tem que agregar conhecimento
quando você está fazendo uma pesquisa com um nativo, não ser superior ou inferior. É parecido?
Erivelto: É parecido, mas acho que o Viveiros de Castro irá aprofundar algumas questões. Geertz
ainda trabalha com categorias epistemológicas dele, da visão de mundo dele. O Viveiros de Castro
propõe algo diferente. O Viveiros de Castro vai falar que não adianta a gente ir lá, conviver com os
indígenas e querer entender aquele contexto com nossos conceitos. Por isso que o Viveiros de Castro
vai ser considerado como um dos defensores da “filosofia indígena”. Bento Parado Jr.24 fez um
belíssimo prefácio do livro “Arqueologia da violência” de Clastres. Parado Jr. (2004, p. 11) é
questionado se Clastres compartilhava do movimento que havia “dentro da antropologia brasileira
que pretende, a partir da dita "filosofia indígena", fornecer visões alternativas à própria filosofia
ocidental...”, ele enfatiza “Aí vocês se referem ao [Eduardo] Viveiros de Castro...”. Então, Viveiros
23
VALLA, Victor Vicent. A crise de interpretação é nossa: procurando compreender a fala das classes subalternas.
Educação e Realidade, 21 (2), p. 177-190, 1986.
24
PARADO JR., Bento. Prefácio. In: CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência: pesquisas de antropologia política. São
Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 4-17.
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de Castro argumenta que para entendermos os conceitos que os nativos atribuem aos fenômenos
devemos experimentar com eles. Por isso que ele vai falar em multinaturalismo e não em
multiculturalismo.
Tiago: Mas isso pressupõe também uma apropriação destes conceitos para se trabalhar, para se
aprofundar nessa imersão, nessa visão, então?
Wal: Apropriação!?
Tiago: Não sei se apropriação seja a melhor palavra
Erivelto: Convivência?
Tiago: É, talvez a convivência, mas é como se a gente tivesse que internalizar isso...
Erivelto: Compartilhar, talvez.
Tiago: É, não sei qual seria a melhor palavra, mas me parece que fica como se a gente tivesse que...
não se tornar um deles...
Tiago: É, mas é quase... Não sei... Eu vi um depoimento de uma professora que eu tive, que ela fez
um ritual de iniciação para, a partir daí, começar a compreender os conceitos que emergem dessa
convivência para poder trabalhar.
Ana Paula: A gente nem chega perto de se tornar um deles... É nesse sentido que eu acho que a gente
não consegue deixar aquilo que a gente já tem... Eu acho que a gente não consegue nem chegar perto
de ser... Mas eu fico muito com isso assim: reconhecer as diferenças e mesmo assim olhar para essas
diferenças, para esses outros sujeitos de igual para igual sem essas questões de ser mais ou ser menos,
mas reconhecendo essas diferenças que existem ali naquele grupo, naquele local.
Erivelto: O Viveiros de Castro ele vai enfatiza que é preciso compreender sem definir. Por exemplo,
se você quer entender luta de classe numa sociedade indígena; talvez não exista luta de classe tal
como nós compreendemos. O importante é descrever. Geertz vai falar bastante disso na questão da
confiança, por falta de um termo melhor eu vou chamar assim, mas não é confiança... O capítulo 9
“Um jogo absorvente: Notas sobre a Briga de Galos Balinesa” do livro de Geertz é muito legal. Neste
capítulo o autor fala o seguinte: quando ele chegou lá em Bali, onde ele fez etnografias, ele passeava
com a esposa na comunidade, as pessoas sabiam quem ele era e o que ele estava fazendo ali, mas
olhavam para ele como se ele não existisse. Ele não existia para aquelas pessoas. Em Bali, segundo
seus estudos, a questão da confiança é importantíssima. Então, teve um evento, uma briga de galo,
que era proibido em Bali. Durante o evento que fora organizado para angariar fundos para uma escola,
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baixou a polícia e todo mundo saiu correndo. Geertz e sua esposa poderiam apresentar seus
documentos e dizer “olha somos pesquisadores”, provavelmente não aconteceria nada com eles. Mas
eles não pensaram nisso e saíram correndo também. A partir desse momento, eles ganharam a
confiança de boa parte da comunidade. Eles passaram a ser convidados para tomar café. Geertz
começou a perceber a importância que tinha a briga de galo para aquela comunidade. Ele foi para
Bali para estudar a cultura, os fundamentos da cultura, alguma coisa assim, e ele entendeu que para
isso, para estudar a cultura, tinha que estudar a briga de galo. Ele faz a análise do significado da briga
de galo, desde os cuidados que os homens têm com seus galos, que é um cuidado eminentemente
masculino e isso tem relação com a masculinidade e, a partir disso, ele entendeu a cultura de Bali. E
ele só conseguiu acesso por conta desta confiança que ele adquiriu, que ele vai chamar de evento.
Esse evento, “jogo absorvente”, deu acesso a determinados espaços daquela vida social... Não sei se
seria uma apropriação, no caso do Geertz.
Djalma: Aí acho que mostra também que a convivência não é só estar lá.
Erivelto: Não é só estar lá, tem que compartilhar de alguns valores.
Djalma: É.
Alguém: Você se aproximar é muito mais do que estar...
Diálogos sobre o texto “Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões
amazónicas - texto baseado no Artigo ‘O Nativo Relativo’ de Viveiros de Castro”
Wal: Acho que podemos ir para o Viveiros de Castro, então. Já estamos indo... Uma coisa nessa
direção que você estava colocando... não só entender o que está sendo dito, mas quem esta dizendo e
aí a visão de mundo de quem diz; ele fala aqui logo no segundo parágrafo do pensamento ameríndio,
fala da relação social no pensamento ameríndio, como aquela que não só se amplia, mas também
difere da nossa, por que compreende humanos e animais como aqueles que possuem formas diferentes
mas fundos humanos comuns. Isso é muito interessante, por que são todos humanos. Ai ele vai nesta
citação que vocês estavam aqui: “Meu objeto é menos o modo de pensar indígena que os objetos
desse pensar, o mundo possível que seus conceitos projetam”. Então ele vai realmente buscar os
conceitos. Ele fala não há mundo pronto... porque ele fala ensaios etnossociológicos sobre visões de
mundo que não é para reduzir a antropologia a isso porque “não há mundo pronto para ser visto”.
Quando falamos “visões de mundo”, parece que tem um mundo que falta ver. E ele fala “não há
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mundo pronto para ser visto, um mundo antes da visão, ou antes, da divisão entre o visível (que é o
pensável) e o invisível (que é o pressuposto)”. Eu fiquei até pensando que o pressuposto foi o
pensável, que agora é um pressuposto, talvez, não sei... “que institui o horizonte de um pensamento.”
Wal: ...Acho que isso vai ajudando a gente a complexificar um pouco o conceito de “visões de
mundo”. Não há um mundo pronto para ser visto. Não há um mundo antes da visão. Quer dizer: vem
junto, a visão e o mundo. Apesar das críticas a expressão “cosmovisão”, por causa da expressão
cosmos como algo organizado... enfileirado como é da primeira... referência da etimologia da palavra.
Mas é interessante a gente perceber que a expressão “visões de mundo” pode dar a entender isso.
Uma outra coisa que ele coloca que é no fim dessa citação: “não se trata, por fim, de propor uma
interpretação do pensamento ameríndio, mas de realizar uma experimentação com o pensamento
ameríndio. Portanto, também com o nosso pensamento”. Acho que isso em termos de convivência, o
“com” complicado aqui. E aqui quando ele dá o exemplo do corpo, mais para frente, acho que está
muito... é um exemplo muito... muito bom, esclarecedor do que ele diz aqui: “não tentar encontrar
um conceito já estabelecido da cultura do pesquisador, mas tentar encontrar o conceito”, mesmo que...
use a mesma palavra que o signo seja o mesmo, mas é diferente, a construção histórica e o que eu
quero dizer com aquilo com eu estou falando. Isso é insistente no texto.
Erivelto: Foi legal a escolha do Viveiros de Castro porque a Iraí fez um relato do que ela estava lendo
do Geertz, na primeira reunião que eu participei, eu falei: nossa! Essas reflexões têm relação com os
textos do Viveiros de Casto! A partir disso, lemos este artigo “O nativo relativo”. Tem outro “Os
pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio”. Durante o relato da Iraí, lembrei justamente
desta passagem da discussão sobre o corpo que ele apresenta da professora com a mulher Piró.
Djalma: Eu acho que esse trecho do último parágrafo que a Wal leu que fala de interpretação e
experimentação, acho que tem essa... esse contraponto com o que o Geertz... porque você vai convive,
mas você vai interpretar e aí por mais que você esteja convivendo, você vai recorrer a sua visão de
mundo, claro, conviver, convivendo, mas você tem o seus pressupostos ali. Lembro quando vocês
apresentaram, eu fiquei com essa dúvida e até lembro que eu comentei que parece que os pressupostos
ainda não são questionados, vamos dizer assim: você vai, convive, você abre os pressupostos para
serem dialogados, mas você... eles não são... vamos dizer assim: eles não são abalados,
problematizados. E como o Viveiros de Castro, a ideia de experimentar com é você já questionar, já
partir do questionamento dos seus próprios pressupostos... seus pressupostos serem colocados em
questionamento. Então, acho que quando você estava falando da diferença entre o Geertz e o Viveiros
de Castro, acho que esses... o foco em um na interpretação e foco do outro na experimentação com,
100
acho que esse trecho é bem interessante para... me fez associar quando você comentava sobre os dois.
Wal: No relato aqui do diálogo da professora e da mulher Piró, eu acho que é interessante que a
mulher insista porque se a mulher não tivesse insistido, tinha acabado, não tinha vindo essa outra
visão e esse outro mundo porque ele diz: para a professora, tinha a visão de mundo dela e tinha a
visão de mundo da mulher Piró, mas o mundo era um só onde todo mundo... todas as crianças
deveriam beber água. E o que ele vem dizer é que são mundos. Aí ele fala que a posição da professora
(e isso eu achei que é uma crítica que eu também me faço e tento manter a luz acessa) traduz o seu
universalismo natural e seu diferencialismo cultural mais ou menos tolerante. Aí na citação seguinte,
eu acho que é muito, muito bom... porque senão a gente vai entrar na questão da Biologia e da Física
e vai dizer assim: não, mas biologicamente e fisicamente é isso mesmo: ferver a água. Mas não é isso
que ele está querendo dizer. Ele fala: eu não quero fazer uma má ficção científica, onde haveriam
Físicas e Biologias diferentes. Não é isso! E que se trata de encontrar o problema real que torna
possível o mundo implicado na réplica da mulher Piró. O argumento de que nossos corpos são
diferentes não exprime numa teoria biológica alternativa (essa palavra “alternativa”!)... naturalmente
uma Biologia objetiva imaginariamente não standard, o que o argumento Piró manifesta é uma ideia
não biológica de corpo e daí é o que faz com que questões como diarréia infantil não sejam tratadas
como objetos de uma teoria biológica. O que essa mulher diz é que nossos corpos são diferentes,
entenda-se: os conceitos são diferentes e não as Biologias são diferentes. O que ele está falando da
água Piró não reflete uma outra visão de um mesmo corpo, mas um outro conceito de corpo, cuja a
“dissonante subjacente a sua homonímia com a nossa é justamente o problema”. (pausa) É um
pouco... Isso me lembra a expressão do Freire de procurar a razão de ser do conhecimento “por quê”?
“Por quê”? Sempre se perguntar.
Ana Paula: Às vezes, está tão naturalizado para nós. Tudo a gente tem naturalizado que a gente acaba
não... Entra um pouco no que o Djalma falou um pouco porque a gente não questiona os nossos
pressupostos e para nós aquilo é o que realmente existe e não o do outro. Porque não o do outro.
Wal: Isso que ele diz: “a cultura nativa deve agregar conhecimento e não deve ser superior e nem
inferior a cultura do antropólogo, apenas diferente”. É um exercício constante.
Ana Paula: O que deu certo ou errado...
Tiago: Tem uma linha da Antropologia, da evolução cultural, que tem o objetivo exatamente de
hierarquizar isso. Tanto que o conceito de civilizado e de civilização, selvageria e barbárie parte desse
raciocínio de que aqui sabe mais, lá não sabe nada, é o vazio, um grande buraco, onde a minha visão
deve se preponderar sobre a outra. Tanto que Darwin foi um dos maiores contribuidores dessa visão
101
evolucionista que reduz as pessoas à barbárie e à civilidade ou não. Mas é uma visão hierarquizada.
A mesma que a gente tem, por exemplo, com o conceito de mesa: termo prático de utilização no
contexto, que pode não ser para outro grupo outro grupo, em outro talvez tenha a mesma conceituação
e talvez a mesma finalidade. Pode ser madeira para lenha, fogueira. Então, dado isso, seus
conhecimentos então não são certos ou errados, eles pertencem àquele mundo, àquela realidade.
Então, não nos cabe hierarquizar, e essa não hierarquização demanda um esforço também de nossa
parte porque nós temos como ponto de partida a nossa realidade, mas a gente não pode tomar como
referência o que a gente tem para julgar ou afirmar aquilo como sendo.
Ana Paula: É! Reconhecer mas sem ter essa ideia de reconhecer como certo ou como errado, apenas
reconhecer. Acho que é um dos exercícios mais difícil.
Djalma: Acho que até lá o Simón Yampara Huarachi no texto ele... eu lembro que ele fala que... que
ele vai dizer que, no final do artigo que a gente vai depois comentar, ele vai propor que, segundo a
perspectiva Aimará, é conviver com os diversos mundos incluindo o mundo da gente, mundos
diferentes dos nossos e aí e ele vai dizer: Porque a gente não pode resolver essa equação o
conhecimento ancestral e milenar mais conhecimento ocidental centenário como conhecimento
profundo e renovado. Nessa questão, não precisa de um se sobrepor ao outro. Mas acho que essa
questão de mundo e mundos me fez lembrar de um trecho que eu não vou recordar agora o texto que
talvez uma leitura também um pouco mais cotextualizada historicamente, que é um pouco mais
marxista do Brandão, que dizia que não existem mundos diferentes, existe o mesmo mundo justo e
desigual. E aí também acho que se a gente vai partir dialogando com esses autores a gente vai poder
ver que na verdade existem esses mundos diferentes. Às vezes se a gente achar que é desigual e injusto
o no chefe que manda obedecendo pode ser que, enfim, acho que esta questão de injustiça e
desigualdade. Claro, não sendo ingênuo, porque a gente vive numa construção assim, globalizada,
que vai caminhando para isso inclusive de hierarquizar esses conhecimentos, mas numa perspectiva
indígena que a gente se aproxima muito. Existem os mundos das pessoas os dos espíritos que juntos
, numa convivência em harmonia, leva ávida. Que eu acho que cai mais uma vez naquilo, se a gente
cai no pressuposto do que seja determinado conceito, e acho isso muito importante para gente,
determinado conceito, poder justiça, injustiça, e a gente parte de nossas leituras, nossas vivencias e
quando a gente está compartilhando tem que ela aberta. Para que essa questão de justiça não seja só,
o que esta mostrando na minha leitura, que ela não é tão dicotômica assim. Acho que é isso que
acontece nas nossas vidas também, a gente muitàs vezes se policia e acaba tentando compartilhar mas
em determinado momento, em determinadas situações a gente se olha reproduzindo algo que
supostamente estaria contra. Acho que a leitura desses dois talvez, a leitura de viveiros de castro junto,
102
se é experimentar junto com as outras pessoas eu acho que é também os seus conceitos, também tem
que estar assim contextualizado com o grupo com as pessoas, com os autores em dialogo no processo
de pesquisar.
Erivelto: Eu tenho uma experiência interessante, tem relação com isso, Djalma, quando eu terminei
o mestrado e fui dar aula no Estado, eu tinha uma visão bem distanciada dos professores que atuam
na rede estadual. Eu chegava na sala dos professores, eles viviam reclamando que eu não conseguia
dá aula e falavam assim: “faltam 4 anos, três meses e dez dias para eu me aposentar, não vejo a hora”.
Então eu criticava essa postura, pensava, gente que coisa chata! Eu comecei a atuar como professor
no Estado. Entrei lá e fiquei 2 meses. Teve um feriado numa quinta-feira e na sexta o governador não
tinha dado ponto facultativo, a gente tinha que ir para escola, no trajeto que eu fazia a pé até a escola,
eu fui pensando “Tomara que não tenha aula na escola, aí eu fico tranquilo.” Nesse momento, dei-me
conta que estava reproduzindo aquele discurso que eu sempre critiquei. É um pouco isso. A partir da
convivência com os professores, passei a compartilhar alguns valores e posturas.
Tiago: Tem um vídeo que a gente assistiu ontem. Como é que chama? O risco de uma história única 25?
É um documentário de uma mulher nigeriana, é um depoimento de como ela foi se construindo como
pessoa no mundo e primeiro ela, quando se percebeu, se percebeu reproduzindo as histórias
americanas, o mundo americano como ele era apresentado e ela estava vivendo intensamente aquele
mundo que ela via nos livros americanos, britânicos e ela se pegava naquele desejo. Ela até expressa
o profundo desejo que ela tinha de experimentar cerveja de gengibre, que era algo que não era da
cultura dela . Até que ela teve contato com uma autora africana e ela passou por meio da leitura dessa
autora africana descobrir que ela poderia entender e ver que o povo dela também tinha literatura,
também tinha história, que não estava contada. E ela depois teve várias experiências, quando ela veio
para a América Latina, para o México. Ela foi fazer faculdade no Estados Unidos, foi viver com uma
amiga de quarto e ela sentia que a amiga olhava para ela com uma certa piedade, primeiro porque ela
era negra, que ela vinha da África, que ela era nigeriana, a amiga questionando como ela falava tão
bem inglês, e ela se sentiu assim, numa situação de constrangimento. E ela foi falar da visão que ela
tinha daquela realidade e de como as pessoas viam ela na realidade dela, ela, negra, nigeriana. Então
ela fez um movimento, esse movimento vai provocando rupturas, e essas rupturas provocam
mudanças em nós, divisões de comportamento, de entendimento e a gente vai percebendo que isso
acaba sendo transitório, que a gente transita muito, a gente tem um mesmo pano de fundo, mas é
25
O perigo da história única - https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc
103
como se a gente fosse se formando ao longo tempo. E é isso que ela foi mostrando, no depoimento
dela. E de como ela se construiu como pessoa, como ela foi mudando a visão de mundo dela.
Ana Paula: Ela vai colocando como ela se aceita enquanto africana. Ela não conseguia se ver, se
aceitar africana. E aí é só depois desse momento que ela sai do país, para estudar nos estados unidos
com todos esses conflitos, , com a colega de quarto. Que ela mesma se aceita.
Tiago: E foi a partir da convivência.
Erivelto: Marc Ferro26 tem um livro intitulado “A manipulação da história no ensino e nos meios de
comunicação” que ele fala um pouco desse contexto. No seu livro, o autor fala sobre a reprodução do
sistema de ensino tem relação com a colonização. Ele dá um exemplo de um pais africano colonizado
pelo reino unido e o que era divulgado nos materiais didáticos, nos meios de comunicação, é que os
ancestrais daquelas pessoas eram os gauleses. Ele vai falar que o processo de descolonização teve
que romper com todo esse, a proposta era desconstruir com toda essa história que foi criada.
Djalma: Isso é interessante, se a gente pegar aquele livro do Dussel que diz que você é condicionado
e você tem o presente e você tem as possibilidades. E esse condicionamento ele não é estático, porque
você tinha ali alguém tentando te falar vocês descendem dos gauleses. Daí quando você, acho também
o que acontece, quando você vai, nossa, tem literaturas do lugar que eu vim, tem então história , você
consegue olhar para esse passado que ele te condiciona, mas também que ele pode se transformar.
Então questão da memória, trabalha bastante com isso, que o passado pode condicionar, mas esse
passado pode ser transformado também.A partir do momento que a experiência se desloca , de como
você olha para ele.
Ana Paula: É, no relato dela ela cita o período de muita critica sobre a imigração, os imigrantes
mexicanos entravam ilegalmente , não trabalhavam legalmente, e que ela foi tão bombardeada pela
mídias de onde ela estava vivendo, que ela uma vez foi ao México e se viu sentindo piedade dos
mexicanos, imaginando os mexicanos terríveis. Numa situação que ela passou, de sentirem piedade,
e ela acabou se colocando na mesma situação. Mas o momento de reflexão dela, o quanto a gente fica
nesse bombardeio de informações, sem se questionar, o quanto a mídia constrói para gente, a gente
fica com aquilo preso em nos e quando a gente vai até a realidade consegue ver que não é, que aquilo
foi passado.
Tiago: E tem também que ver como é a obra literária, pois ela se utilizava das obras americanas, tanto
26
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. A história dos dominados em
todo o mundo. São Paulo: IBRASA, 1983.
104
que a leitura dela, das palavras de quem escreveu, a influenciaram, de modo que ela construísse aquela
visão. Foi como se ela tivesse vivendo aquela realidade dada pelo autor da obra que ela lia. E ela foi
construíndo as relações todas a partir daquilo. E é claro que não era só uma construção dela. Quantas
pessoas tinham acesso a essa mesma obra e não fazem essas mesmas construções. Então a nossa
sociedade atual também faz isso. Porque que, se perguntar, qual cerveja é melhor do mundo? Todos
respondem preferencialmente por uma, apenas para que possamos ver como é que a mídia interfere
no nosso dia a dia e faz com que construamos uma visão que talvez não seja realmente nossa, que
nos é imposta.
Ana Paula: Mas aí tem a possibilidade desse exercício, de você perceber e reconstruir.
Djalma: É e se, não é incomum, alguém que quer fazer uma pesquisa para buscar conceito, voltar na
Grécia, como se todo mundo originasse de lá. Não é incomum achar textos assim. Acho que a gente
faz um exercício aqui também de para além, , a Grécia, acho que o Dussel também mostra isso muito,
como foi se construindo esse mito de Europa, também.
Tiago: É e parece que fica uma constante tentativa de voltar no passado para resgatar e colocar no
presente. Fica parecendo um movimento, agora de busca. Parece que quando a gente vai ler sobre os
paradigmas emergentes, tem até a Maria Candida de Moraes27, ela fala da importância de resgatar o
que de bom tínhamos no passado. Ela volta na antiguidade clássica, antiguidade moderna, ela volta
nos conceitos que ela considera centrais e coloca como necessidade para revermos as nossas práticas,
as nossas formas de relações, no atual momento em que vivemos. Então por que que fica nesse
constante movimento? Por que foram apagados, foram esquecidos ao longo da nossa trajetória, da
nossa história? A impressão que tenho é que sim. Principalmente quando se fala de educação escolar,
que tudo está perdido.
Djalma: Só essa perspectiva de que o passado está aqui não está aqui, mas a gente vai construindo.Eu
lembro disso também essa questão do gestual. Acho que quando eu estava na defesa do mestrado e
eu fui falar alguma coisa da América Latina que eu fiz assim, mas assim com a mão não com as
palavras porque a gente tem aquela coisa de sumo. E essa questão do gestual é isso. Às vezes a gente
no gestual está traindo o que a gente está buscando.
Tiago: É verdade isso. É interessante, não é fala só, a fala que contradiz.
Djalma: Aí a gente entra em outra questão que é o que esses autores, os estudos indígenas nos traz
27
O PARADIGMA EDUCACIONAL EMERGENTE: implicações na formação do professor e nas práticas pedagógicas.
Maria Candida Moraes. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1053/955
105
que é questão da linguagem. E aí quando a gente cai numa linguagem escrita. A ciência se difunde
numa linguagem escrita. Essa cultura toda corporal e isso ele vai dizer que muitos tecidos muitas
contavam histórias que muitas pessoas não conseguiam ler aqueles tecidos. Com as tramas, então ali
você tinha uma comunicação, que é gestual, que é uma dança. E quando a gente vem falar em ciência
a gente vai para linguagem escrita.
Tiago: Até aquelas marcas que eles fazem no rosto tem uns significados atribuídos porque eles
incorporam neles.
Wal: Até as nossas marcas que a gente faz em nossos rostos também tem significados atribuídos. Se
eu passo um batom vermelho, um delineador, se faço uma tatuagem.
Djalma: Aí que você coloca naquele livro de Epistemologia do Sul, eu não vou me recordar agora,
mas depois eu posso falar. Tem um texto que vai falar de um dos autores que vai falar exatamente
isso. Essa dificuldade se não me engano um autor africano.
Djalma: Ele vai dizer isso dessas dificuldades que na hora que você tem que passar para a escrita de
como você vai ter que dar conta. É muito mais complexa do que a escrita vai permitir e que vai ter
que assumir e aí você acaba tendo que criar um conceito para você. Também tem esse debate. Você
tem uma comunidade científica.
Ana Paula: Quando você coloca gestos, pinturas, todos esses rituais num papel, você começa.
Erivelto: Tem um autor africano, Hassimi O. Maiga, que veio aqui na UFSCar. Ele fala justamente
sobre isso. Ele diz que na língua Songhay não existe uma palavra para a instituição “orfanato”. Para
falar disso, era necessário fazer uma discussão de como se cuida das pessoas na cultura Songhay.
Ana Paula: Essa me fez lembrar de um idoso da turma da gerontologia no PESCD. A gente fez uma
roda de conversa aí surgiu essa questão da aposentadoria, o aposentar no sentido literal da palavra.
Ele não se sente nesse momento. Porque usa-se essa palavra, o aposentar é um determinado momento
da sua vida tem que se recolher a seus aposentos. Aí até a Wal trouxe um relato, acho que da
Petronilha. Acho que é. Que ela se encontrou nesse momento também que não vou me recolher a
meus aposentos. Aí existiam outras possibilidades. Quais eram?
Tiago: não lembro
Ana Paula: Do aposentar e da inatividade. Que na verdade ela não se reconheceria como inativa e
aí, por fim, ela chegava no ser vagabundo. Aí tem o significado de ser vagabundo, vagabundear. Que
é vagar, caminhar, viajar. Que aí eu me encontro mais sendo vagabundo do que sendo aposentado,
inativo.
106
Tiago: Aí tem um livro da Dulce Whitaker que chama “Envelhecimento e Poder”. Acho que também
é extraordinário. Ele trata dessa questão do velho, aposentado, como uma questão de alteridade.
Porque ela deixou de ser quem ela era, quando se aposentou? Ela se tornou inútil porque se aposentou?
Então! ela começa: “Ah! Essa velha lindinha, de batonzinho, toda de maquiagem”. Ela tem um
depoimento que na hora que ela se pronunciava nos seminários as pessoas se assustavam com a fala
dela. Falavam que ela era grande. E ela começou a questionar ela mesma.
Ana Paula: Então, esse senhor falando, não me vejo em meus aposentos, ele tem mais de 80 anos.
Então, você pensa. O quanto ele ouve, o quanto ele vive, o que ele já passou. As pessoas acham que
por ele estar nessa fase da vida que teria que ficar recolhido, e o quanto a gente usa essas palavras, ?
Voltando nesse sentido da linguagem que vocês estão falando, a gente usa essas palavras muitàs vezes
sem saber, sem reconhecer e entra muito nisso. Aí que bunitinha essa velhinha.
Djalma: Até porque você tem uma vida sendo vivida, que deve ser coerente a ela. Você completou
70 anos, agora se ternura?
Ana Paula: Era uma vez. A Gal também falou dessa questão da aposentadoria, eu sou idoso com
quantos anos? Você é? 59 ainda não, mas 60 agora ok.
Djalma: Também que foi uma lembrança eu estava conversando com a Stella e acho que Dussel tinha
completado 80 anos ela tinha mandado um e-mail para ele, e ele tinha respondido e eu comentei que
ele tinha sido conclamado a ser reitor de uma universidade do México e que foi construída pelos
movimentos populares , que em 2013 a então reiota , a tal, a tal não estava dialogando e foi derrota
numa votação e chamaram Dussel e ele com 80 anos está lá, está reitor e agora se ele tivesse
aposentado ele ia dizer não, agora me aposentei.
Erivelto: Eu me recolho aos meus aposentos.
Djalma: Então, tá uma coerência da vida.
Wal: E quando foi o concurso de titular da Petrô me pediram para eu telefonar para algumas pessoas
convidando para virem para a banca e eram pessoas aposentadas. Aí eu ligava e para as pessoas e não
tinham agenda (risos).
Wal: Aí eu falei “você se aposenta e trabalha tanto. Eu não consigo achar uma agenda com nenhum
de vocês”.
Ana Paula: Você sabe o que lembrei nessa de idoso bunhitinho, idosa bonitinha? Que ontem na hora
que passou a entrevista do Freire no final da aula de ontem aí as pessoas falaram: ai que bunitinho
Freire falando.
107
Djalma: Ai aquele velhinho é danado.
Wal: Eu ainda estou lá na sua fala sobre mundo, mundo perspectiva e mundo totalidade tentando
entender o que a gente quer dizer quando diz “mundo” e eu acho que esses textos de cosmovisão
sempre chamam atenção disso de que esse mundo é o mundo que está constantemente em construção
que é o mundo da minha interpretação de mundo. Agora tem alguns autores que a gente tem lido e
tem insistido para colocar, ampliar essa interpretação de mundo em relação a nossa história de uma
forma crítica e que explicite a injustiça, a opressão e que coloque no horizonte, e quem depois, aqui
tem outro horizonte.
Djalma: Inacabado.
Wal: Que aí tem esse mundo em construção.
Wal: Que sempre que se amplia a visão de mundo e sua ampliação provoca uma transformação no
mundo que, sendo vista, tem outro mundo para se transformar e... um outro mundo para transformar
e assim em diante.
Djalma: É o slogan do Fórum Social Mundial, ? Um outro mundo é possível, mas que vai nascer. O
que esse Fórum Mundial faz? Esse Fórum junta muita gente principalmente essas que vem das partes
injustiçada, globalizadas economicamente, ? Claro que criou um mega evento onde as coisas
inicialmente e ainda acontece de forma não tão. Esse compartilhamento para construir desse outro
mundo, ? Porque muitàs vezes essa ideia, essa palavre mundo também é utilizada para desqualificar
algumas pessoas, alguns argumentos. Muitàs vezes para mostrar que mundo é esse.
Rosangela: A própria visão da crença. Se você não tiver a visão centrada em Deus, então você é
mundano, é coisa do mundo.
Djalma: É muito materialismo.
Tiago: É esse discurso que tem de justificar a marginalidade. Onde é que fica a marginalidade, ?
Djalma: Que quando se diz que mundo é esse você quer dizer se ajuste a ele. Você está
desqualificando a utopia essa construção de um outro mundo.
Tiago: E vai colocando o seu mundo como certo também, viável. A comparação para afirmar que o
dela não está certo é o meu. Que sérias essas afirmações que a gente faz para as pessoas e as pessoas
para nós! Nós temos uma representatividade muito grande. É isso que estou percebendo nessas falas
todas. Porque na hora que vem a palavra mundo na minha cabeça, sinceramente, a hora que fala visão
de mundo para mim já vem mentalizado um globo. É como se eu estivesse vendo a Terra de cima. Na
108
minha tela mental se forma a imagem do globo visto de cima. Então seria um mundo e seria um
cosmo, um universo. Na hora que fala mundo para mim eu vejo isso. E quando fala visão de mundo
parece que eu associo a Terra vista de cima. Engraçado! Quantàs vezes eu vi essa imagem?
Pouquíssimàs vezes. E porque a terra tem que ser linear? Por que essas visões de mundo são lineares?
Porque está todo mundo organizado? Na verdade o mundo não é isso. Ele é assim. Ele é uma linha.
Não é? Ele é extremamente organizado, mas dento de outras organizações de altos e baixos níveis,
cadeias. É na hora que se aproxima os focos, o mundo não é assim redondo, linear. Na hora que você
vai descendo do espaço para a crosta, ele vai alterando o relevo. A própria conjuntura já mostra que
existem diferenças aqui.
Djalma: E você convive com o que está fora. E você vê o quanto você está fora. E quando você está
dentro, você vê de dentro.
Djalma: E você pode tropeçar. Sentar aqui em cima e escorregar aqui em baixo.
Tiago: Então, é extremamente isso.
Wal: Mais alguma coisa?
Wal: mais alguma coisa do Viveiros de Castro que vocês gostariam de destacar.
Tiago: eu queria falar alguma coisa assim para vocês me ajudarem a aprofundar o entendimento, até
talvez para a gente fechar quando ele fala (vou retomar lá o que vocês tinham colocado “não se trata
por fim de propor uma interpretação do pensamento ameríndio, mas sim de idealizar uma
experimentação com ele e portanto com o nosso”), então isso pressupõe a convivência para além da
convivência, é isso que ele fala?
Wal: eu estou entendendo aqui experimentação por aquilo que me acontece.
Djalma: junto
Wal: experimentar eu acho que é a convivência mas também estas possibilidades de mexer, de
misturar.
Erivelto: não é uma convivência utilitária que você vai coletar seus dados para a pesquisa e
desaparece.
Wal: essa experienciação com, mas experimentação também quer dizer experimentar aquele
pensamento, ver se está justo, se está se sentindo bem, se está incomodando e aí quando eu falo que
está incomodando a roupa que está apertada, num certo sentido eu estou tendo a consciência do meu
corpo também, que não tinha antes daquela roupa talvez me apertar.
109
Djalma: lembro que na dissertação de mestrado uma das categoria que a gente construiu foi o “fazer
com” que é fazer com as pessoas lá, não é que não tem um rigor a gente tem uma proposta de projeto
junto e a gente vai fazer junto e o “aprender fazendo”. Na dança de rua era muito evidente isso de um
passo se não fala assim agora você abaixa coloca a mão no chão, levanta com a mão esquerda, agora
gira, não tem isso se aprende fazendo, aprende como experimentando caindo, levanta, vai, volta, gira,
então tem um pouco isso você fazer uma leitura para a experimentação, que não tem, vamos dizer
assim, o aprender fazendo não vai ter no final que você vai ter que responder uma resposta para ver
se você vai passar ou não, para ver se foi aprovado ou não, você vai aprende fazendo e o passo que
você fez vai ser um pouco diferente daquele, mas é o passo que você fez, mas aprendeu ali junto o
“fazer com” e o “aprender fazendo”, acho que tangencia essa questão da experimentação.
Erivelto: tenho outro relato também do Fórum Social Mundial. Quando eu participei, assisti uma
oficina, realizada por um angolano, sobre contação de história e expressão corporal. Eu não sei dançar,
não tenho noção de ritmo. O organizador da oficina propôs que sentíssemos a música que ele estava
tocando no atabaque e nos convidou para expressar com o corpo o que estávamos sentindo. Eu acho
que foi a única vez que dancei bem na vida, porque tinha a ver com sentimentos, você ouvia o som e
se expressava com o corpo. Acho que essa experiência tem a ver com a “experimentação", fazer com.
Djalma: eu também tenho uma experiência do Fórum sobre esse diálogo de perspectiva de mundo
que no Fórum Social de 2003 a gente tinha finalizado um vídeo que fala sobre violência doméstica e
a gente ficou sabendo que iria ter um encontro de mulheres latino americanas e caribenhas para
discutir a questão da violência doméstica, daí fomos eu e um amigo que também compartilhou a
produção do curta e fomos para essa roda e lá chegando era uma sala imensa e tinha só mulheres e
quando a gente entrou perguntaram se a gente tinha certeza que estava no lugar certo, então como é
essa questão que eu estava falando antes a dificuldade também do grupo de compreender que
poderiam homens também estar lá querendo conversar dialogar, no final passamos o filme, mas a
primeira pergunta de quem terminava foi isso: se a gente não tinha errado a sala porque acontece
muitas coisas ao mesmo tempo e vê dois homens entrando assim numa sala cheia de mulheres para
discutir violência doméstica.
Diálogos sobre o texto “Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica texto baseado no livro ‘Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira’
de Daniel Munduruku”
110
Wal: Dá para a gente ir mais uma
Djalma: Munduruku
Wal: Acho que assim aqui logo de cara vocês fazem uma síntese dizendo que a cosmovisão de um
povo define a organização social e as prioridades, eu acho que isso vem acrescentar ao que a gente
vinha dizendo que a cosmovisão é a necessidade humana de compreender o mundo e organizar
mesmo, organizar, planejar e definir caminhos para esse mundo que eu agora compreendo, seja para
transformar, seja para manter, é como eu vejo e como essa cosmovisão está na raiz das ações, dos
projetos.
Djalma: eu acho que aqui já é, vamos dizer assim, a estruturação de uma cosmovisão, que depois vai
ter no teoreferente como eles estruturam, talvez aqui a questão da ancestralidade muito forte, da
memória, essa constituição que se a gente for pensar numa construção mais ocidentalizada tem essa
separação do ser humano da terra que hoje assim parece que o ......tem algum problema que a gente
está explorando eu acho que tem haver também com a questão do projeto de mundo nessa perspectiva
mais centrada, mais estadunidense centrada, de acumulação de riqueza e de exploração de tudo e de
todos, eu acho que aqui traz que não é novo, que é milenar, assim como os yamaras não dá para
dissociar do eu e da onde eu estou, do mundo que vivo, essa dissociação que muito assim se construiu
filosófica e cientificamente também do eu centralizado, na raiz mais ocidental, nessa perspectiva que
o Munduruku apresenta da perspectiva indígena mais especificamente dos mundurukus ou do yamara
vai questionar essa separação entre o eu e o mundo.
Tiago: E é tão interessante porque ele fala a mensagem de amor à Mãe Terra já em outra perspectiva,
da Terra como mãe como genitora propulsora da vida e a convivência com a natureza. E não
necessariamente só com pessoas. Então ao falar com a natureza, você já entende que são todos os
elementos que compõem a natureza. Então não é uma visão que tira o homem do contexto da natureza,
é que o coloca, que está ali. Aqui está: “Assim os jovens vão aprendendo a conviver no ambiente que
os cercam. Vão aprendendo que não devem mandar na natureza, mas conviver com ela, pedindo que
lhe ensine toda a sua sabedoria e que possam ser alimentados material e espiritualmente pela grande
mãe”. Então tem valores e que essa grande mãe ela também vai ensinar valores que são de cunho,
que eu entendo, valores de comportamento, morais, éticos. Então olha como eles enxergam a relação
que eles têm com os outros seres da natureza e da natureza na Terra Porque algo dado da própria mãe
terra. A grande mãe terra acaba sendo sinônimo dessa natureza, ne? Então é impossível você pensar
na mãe longe dos filhos. Você tem que pensar a mãe junto com eles, então é outra perspectiva. Ele vê
o recurso, mas não se apropria dele do ponto de vista utilitarista, só e apenas para essa finalidade.
111
Mas atribuindo valores e como nessa convivência eles montam suas vidas.
Djalma: Eiu acho que é interessante essa construção de trama da vida que ele faz.
Que dai fica dificil vc falar da vida, mas vc fala de uma trama da vida porque a vida ela não está
encerrada, mas ela tá em costura, ela vai sendo tecida. Porque numa perspectiva mais egocentrada
você parte de um mundo dado e um eu nesse mundo dado. Aqui ele está dicutindo, se a vida não está
dada, ela vai se consolidando nessa ideia de construção de trama da vida e que tem um pouco a ver
com a linha, com a colcha que eu acho que cada um traz um pouco de si para se encaixar aqui junto,
eu acho que é falar em trama da vida, em construção. Achei interessante a questao da natureza e a
questão da ancestralidade que é paraticamente difícil vc pensar em vida sem vc pensar no que tem
antes. E aí a gente traz para discutir a dualidade que a gente faz entre vida e morte. Da perspectiva
mais ocidental. A Petro sempre lembrava que uma pessoa morre numa comunidade africana, não
necessarimente quando a vida física deixa de existir, mas quando ela vira as costas para a comunidade
ela considerada uma pessoa que morreu. E quando ela morre fisicamente, vamos dizer assim, e ela é
lembrada pela comunidade então ela continua viva e presente. E ai já é como se constroi essa visão
de mundo e quando a gente fala em visão de mundo, acho que já está embutida a concepção de sujeito,
concepçao de relacionamento com o outro, com a natureza... e a perspectiva indigena que estudamos
é muito mais complexo do que centrar no eu.
Tiago: Do jeito que coloca aqui não tem como
Djalma: É um eu mais relacional.
Tiago: Tramado. Na trama.
Djalma: E para gente a questão da convivência nas pesquisas, conviver com os grupos de pesquisa,
eu acho que também não significa conviver só com as pessoas, mas com aquele contexto. É tentar
compreender naquele contexto a importância, que às vezes vc vai num local e não quer se reunir na
cozinha porque tem muito barulho, então vai para sala, então tem toda uma questão também com as
pessoas com quem a gente tá trabalhando que tem os espaços onde se reunem. Não estou falando só
de espaço, mas do tempo, enfim. Tem toda uma questão que não é só técnica. “Estou com uma pessoa
e agora vou gravar a entrevista” e começa a chover ou ela vai fazer um bolo, usar a batedeira e ai
“não, vamos para sala”. Você tá descolando... O pessoal da dança de rua, era muito difícil eu conversar
com eles sem ter uma música alta: um hip hop, um hap tocando alto. Não se para, mesmo parado tem
um... não tem um vamos sentar para conversar, não tem estático. Não precisa sentar para conversar,
podemos conversar se mexendo.
112
Rosângela: É parecido com meu campo de pesquisa, lá o pessoal chama de buraco, a gente tem que
descer uns degraus de pedra, é onde o pessoal convive e alguns moram ali. Eles ficam o tempo todo
com o cachimbo na mão. No começo, eles se sentiam desconfortáveis, devido o respeito conosco,
fumar perto da gente era desrespeito. Daí demorou alguns meses para eles entenderem que eles
podiam fumar comigo ali, mesmo porque se eles não fumarem eles saem fora. Eles vão e voltam, às
vezes agacham atrás de uns sofás velhos, mas fumando conosco ali (eu e os educadores) eles
conseguem permanecer perto da gente, preparando o crack e fumando. Eles só tem o cuidado de não
deixar vir fumaça no nosso rosto. E se não for assim, fica difícil conviver com eles porque a vivência
deles ali é fumar o tempo todo.
Reijane: No meu caso é o contrário porque convivo com todos ao mesmo tempo. Todos os idosos
ficam na mesma sala. Tem os quartos, mas geralmente tem outras pessoas lá. Não tem como conversar
com uma pessoa sozinha. Você está conversando com uma pessoa aqui, o outro está vendo e ouvindo
e às vezes até fala: “Ah, é isso mesmo".
Erivelto: O legal é que você não precisa ter a preocupação de montar uma roda de conversa.
Reijane: Exatamente! (risos)
Rosângela: Na mata, às vezes a gente faz uma roda de conversa, mas desde que eles possam fumar?
Uma coisa bacana que está acontecendo nesse campo é a preocupação que eles estão tendo com a
pesquisa e como pode ser a convivência de uma pessoa que não é um deles. Tem um artista plástico
que fica ali, de vez em quando, ele veio falar comigo. As primeiràs vezes que eu fui lá ele perguntou:
“Mas como vai ser essa pesquisa?” Porque os educadores vão e ficam uma meia hora. “Você não vai
conseguir nesse tempo que vocês ficam aqui, conviver e entender o que acontece aqui. Porque você
não quer entender? Você está vendo aqui” e ele me mostrou duas pessoas. “Isso que você está vendo
não é bem o que acontece aqui. Precisa ficar mais tempo para entender, você consegue chegar aqui 6
horas da manhã e ir embora 6 horas da tarde?” Eu acho que foi meio que uma forma dele me falar
como é que eu vou conviver, como eu vou conseguir entender aquelas relações estando ali um pouco
e não sendo um deles.
Erivelto: Então, mas essa fala já mostra muita coisa, porque na pesquisa existem limitações e talvez
uma delas seja não compreender tudo que acontece ali.
Rosângela: Eu falei para ele que eu tenho minha vida, que não teria como ficar ali das 6 da manhã
às 6 horas da tarde. Eu disse que posso ficar mais tempo, não vou ficar meia hora apenas, eu fico mais
tempo com vocês, mas não de manhã até à noite.
113
Erivelto: Eu fico me perguntando também se você ficasse lá 12 horas, não sendo um elemento do
grupo, se eles vão ficar à vontade para fazer as coisas que eles costumam fazer somente entre as
pessoas que fazem parte do grupo.
Rosângela: Essa foi a fala de um dos colaboradores. Ele saiu divulgando minha pesquisa para o
pessoal da mata. Só que ele transformou minha pesquisa num projeto e ele ficou tão empolgado com
essa pesquisa que ele falou: “Nossa, mas esse seu projeto vai precisar de muita gente”. Daí a gente
sentou, eu expliquei e ele me falou que os outros estavam preocupados com a minha permanência ali.
Que eles poderiam ficar um pouco incomodados e disse para eu não ir de roupa ou crachá para
identificar: “Se mistura entre a gente para não ficarem incomodados com a sua presença”. É
interessante tudo isso que está surtindo ali.
Wal: É, eu acho que ouvir o que as pessoas estão sugerindo em relação às nossas metodologias de
pesquisa é muito importante porque a gente vê nos livros de estudos de natureza qualitativa, que para
a escolha dos sujeitos da pesquisa, a gente tem que ouvir das pessoas da comunidade quem tem
disponibilidade, quem tem mais tradição, quem tem mais experiência naquilo que eu estou
pesquisando, agora, como, investigar, eu acho isso assim, é importantíssimo ouvir. Por que a pessoa
está sugerindo ficar 12 horas, por que seis horas da manhã, por que seis horas da tarde? , e está aberto
também, parece, para as experimentações. É, o que ele quer dizer com: não venha com o crachá e não
venha com roupa da universidade que as pessoas vão ficar incomodadas com isso. Mas será que isso
quer dizer: não se apresente como sendo uma pessoa da universidade? ou será que é a Rô, a roupa,
enfim, que sugestões as pessoas dão da melhor metodologia? E isso que você falou “eu não sou um
deles” e é uma das primeiras questões que a gente fez há dois anos atrás, se é possível convivência.
Por que o que que é convivência metodológica? Justamente porque a gente está discutindo ou vamos
voltar a discutir o que é a convivência, que é esse com. Com é compartilhar existência. Se eu vou
conseguir compartilhar a existência. É uma pergunta. Vou conseguir compartilhar a existência com
essas pessoas? O que é compartilhar a existência? Então eu acho que ele está colocando alguns limites
da própria convivência, mas também algumas possibilidades da convivência se ampliar. Por que você
não quer conviver? Então vem aqui. Pode ser uma coisa, que nem disse uma vez uma prostituta em
relação a uma pessoa que foi fazer uma pesquisa lá que entrou numa postura, segundo ela, arrogante,
falou para esse pesquisador: “você quer saber o que é a noite? Então põe um vestidinho preto curto e
vem aqui a noite”. Mas querendo se contrapor, porque ela falou que a pessoa estava com papel, a
parancheta e o lápis, e começou a perguntar o que que era, então a pessoa estava numa postura
arrogante e ela respondeu: “então você quer vir aqui” e ali acabou a conversa. Não quero dizer que
seja isso nem que não seja isso, o tom que ele falou, o jeito que ele falou, o que ele está sugerindo,
114
mas experimentar mais, procurar saber mais a razão de ser. Por que você está me sugerindo isso? Eu
estou disposta a experimentar novas metodologias, porque eu vou, dentro da minha lógica, sempre
pensando na sua segurança, em todas aquelas coisas que a gente sempre conversa. Mas perguntar para
ele também, “será que eu ficar aqui das seis às seis, como seria isso?” Eu posso estar aqui as seis da
manhã, não sei se consigo ficar até as seis da tarde, mas posso estar aqui às seis da manhã, é um outro
horário, talvez seja outra experiência, outra convivência. Eu acho legal isso também , ,a pessoa pegou
a sua pesquisa e saiu dizendo a interpretação dela da pesquisa, e é importante que a gente conheça a
interpretação dela da pesquisa para a gente poder conversar sobre a própria pesquisa porque se eu
estou conversando sobre uma coisa que eu acho que é uma coisa e a pessoa acha que é outra coisa,
nós estamos conversando uma conversa de louco. Então, a hora que ele explicita o que ele entendeu
da sua pesquisa, não é que ele entendeu errado, é o que ele entendeu, e aí então vamos dialogar sobre
a interpretação, sobre o que é a pesquisa, que tem toda uma história do que é a pesquisa, do que é
convivência, dentro da interpretação daquela pessoa que leu sobre pesquisa, sobre convivência, que
é diferente, que é o texto do Viveiros de Castro que está falando sobre conceito. Qual é o conceito de
convivência? Qual é o conceito de projeto? Qual é o conceito de pesquisa? Qual é o conceito de
roupa? Qual é o conceito de as pessoas se incomodarem, que incômodo é este, e que conceitos,
significados das palavras, porque está mais a fundo do significado das palavras. Pode ser que não seja
possível, mas, de cara já dizer que não é possível sem tentar entender por que a pessoa está sugerindo
aquilo? Eu me lembro quando eu fazia pesquisa num bairro aqui, que eu ia no horário que as crianças
estavam na escola aí algumas mães me convidaram para almoçar lá no fim de semana. Aí eu cheguei
para minha professora e falei: “posso? O que eu vou fazer lá no fim de semana? Não sou da família
deles. Estão me convidando para almoçar e no fim de semana. Não tem nada a ver com meu trabalho.
Mas, como assim? Vai lá, experimenta”,
Reijane: Isso que você está acabando de falar me lembrou agora o que ocorreu lá no Abrigo, faleceu
uma enfermeira lá há poucos dias e eu fui também, por conta de conhecer ela, porque estava
convivendo com as pessoas. Foi interessante eu ter ido ao velório, isso ajudou a ver que eu não estava
lá só por conta da pesquisa, mas que eu também tinha ido, tinha me interessado em ir no velório,
depois eu voltei ao Abrigo, na outra semana e então as pessoas me perguntaram: “ah, você soube do
que aconteceu?” Eles estão querendo saber também se eu estou envolvida com o que está acontecendo
lá ou se eu estou indo só para fazer alguma pergunta para eles.
Wal: Porque que nem quando a gente trabalhava com as prostitutas. Chegamos lá na casa, uma das
prostitutas que tinha ido fazer programa lá num lugar de lazer que se chama Broa aqui, na volta o
carro se acidentou e ela morreu. E ela estava no IML e ninguém tinha reclamado o corpo! Quem era
115
a pessoa que estava lá? Não tinha uma identidade, não tem. Aí a pesquisadora falava assim: como é
que eu ia fazer pesquisa, porque é pesquisa também. O que é campo? Nesse sentido que a gente está
tentando investigar os processos educativos que se dão nas relações entre as pessoas. O que é mundo,
se eu vou no velório eu tenho uma concepção de mundo, daquelas pessoas, eu tenho a visão das
pessoas, de onde ela fala, quem é que fala, todos esses lugares vão me ajudando a ampliar a visão, e
ela falou “eu saí com as mulheres de lá, e eu falei, vamos no IML! Porque como é que nós vamos
deixar aquela mulher em cima daquele lugar que ela está lá, naquela placa, sozinha?”. É tudo isso,
essas construções do significado que tinha aquela morte para aquelas mulheres, se deu a partir do
momento que ela já tinha tempo de convivência com aquelas mulheres. Através dessa convivência
ela conseguiu entender a gravidade daquela situação e a comoção daquelas mulheres estar lá e
conseguir junto com elas decidir no que ela poderia ser mais útil, mais importante naquele momento
e aí, com isso, ampliou aquela visão dela, do mundo e da vida, da realidade daquelas mulheres, de ela
estar naqueles locais. Uma outra situação, foi quando uma delas estava gestante, ela queria dar o filho
para doação. Então você vai junto até uma pessoa da assistência social para discutir sobre doação.
Tudo isso ajuda a reconhecer, as pessoas me conhecerem e eu conhecer melhor aquelas pessoas.
Djalma: São esses momentos que é, a briga de galo se eu estou indo só e elas acham que eu vou fazer
só pesquisa, a gente tem esses momentos que você for lá todo sábado, conversa, de repente um sábado
alguém não foi, o que que acontece, e aí, que que eu faço, penso eu estou indo, mas é isso as pessoas
ficam preocupadas, você vai junto com as pessoas porque é há convivência ela não é só, do ponto de
vista, ela não vai só resultar no relatório de pesquisa, é construir junto com as pessoas e às vezes você
pode você contribuir, compartilhar, no que você puder, naquele momento, às vezes, sair um pouco do
que você tinha ali como rotina, enfim, ou um convite, é para a pessoa convidar, significa que você já
construiu, se a pessoa está te dando uma dica significa que está, você já conseguiu construir com ela,
talvez é melhor vir tal hora, ou aparece lá, vai ter um churrasco, vai ter uma festa, você pode gravar
tal coisa para mim, dá para fazer isso, é se eu nego, se eu aceito, dentro das circunstâncias que as
coisas vão acontecendo. Vai resultar numa pesquisa, vai? Mas vai resultar na própria condição de
confiança necessária dentro da convivência, e aí cada grupo tem uma dinâmica, cada momento, acho
que esses momentos que as coisas saem do planejado, saem da rotina, acho que são fundamentais
para a convivência, para consolidar a convivência, metodológica, mas para criar uma confiança, uma
união, para saber que a pessoa está fazendo parte da minha vida, e eu me preocupo com ela, e eu me
importo com as pessoas, para além do que eu estava fazendo, me dei conta de que eu me preocupo
com essa pessoa e ela também estava se preocupando comigo, e isso eu acho que é...
Wal: Que também é uma visão de mundo que não é compartimentalizada, a pessoa, ela não é só
116
aquela da instituição de longa permanência e quando ela te liga para avisar que morreu a enfermeira
também tem esse sentido, de que nós somos nesse espaço do velório, não tem, não dividiu, a gente é
só aqui, e isso vai ampliando, é importante a gente ampliar a compreensão de quem é aquela pessoa,
ver também nesses outros espaços. Isso me ajuda a entender melhor quem são essas outras pessoas
também nesses outros espaços, do que naquele espaço que talvez eu esteja entendendo como sendo o
espaço mais delimitado de campo.
Djalma: Daí acho também que a convivência é com as pessoas, mas é também com os espaços, com
os tempos, com os pensamentos, a memória. Acho que amplia também com essa perspectiva mais
indígena que essa convivência não é só pelas pontas, eu e a pessoa. Eu no entorno, a pessoa também
no entorno. A importância que tem estar em tal lugar, a importância que tem não ir para tal lugar.
Acho que essas relações são importantes para a convivência.
Ana Paula: Na fala do Djalma pensei na ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos), que
é um espaço que tem um significado muito forte. Por que aquela pessoa está na instituição? Por que
não está com sua família? Como foi que ela chegou até lá? Entender esse espaço... não são só as
pessoas, é o que acontece ali. Eles dividem o quarto. Por que divide com esta pessoa e não com
aquela? Eles colocam determinados pacientes mais próximos por que são dois que precisam trocar
fralda a noite, então deixa os dois no mesmo quarto. Tem toda essa dinâmica. Tem toda essa
organização. Tem todos esses significados.
Tiago: Essa questão da recorrência a ancestralidade, as relações ancestrais, a populações tradicionais,
neste texto de Mudurunku , eu considero muito importante, muito interessante, por que essa frase que
ele fala aqui:
“A memória liga os fatos entre si e proporciona a compreensão do todo”.
A memória está sempre viva por que se ela está ligada ao ancestral, quer dizer que ela veio antes, que
ela não morreu. Eles não fazem a referência pela referência aos ancestrais. Eles vão mostrando, nessas
memórias, o que eles foram aprendendo e o que de bom tem ficado nisso que é considerado
tradicional. Por que perdurou tanto tempo e está transcendendo gerações? Como eles olham isso?
Para essa ancestralidade? Por que no passado, eles visualizam o presente e até o futuro. Eles estão
ensinando a alguém, o que alguém disse que ele aprendeu com quem esse alguém que falou. Então,
como isso é vivo, como isso é forte. Essa convivência é como se o jovem estivesse convivendo
também com a pessoa que passou antes dele, que ele sequer tinha conhecido. É como a pessoa não
morreu.
117
Tiago: Por que como está colocado, é como se tivesse morrido. Como está colocado, morreu. O que
é a morte, que ele vai colocando aqui. Como é essa visão, como é esse olhar das pessoas que passaram,
como era entendido e como é hoje, ? E uma outra coisa que me chamou a atenção é essa questão da
memória. Tem aquela história do peixe: “eu adoro comer o rabo do peixe. E minha mãe não faz o
peixe com rabo. Por quê? Mãe, por que você faz o peixe sem o rabo? Ah, não sei. Pergunta para sua
avó, sua avó fazia assim. Vó, por que você faz o peixe sem o rabo, eu gosto tanto do rabo do peixe.
Ah, não sei, sua bisavó fazia assim. E se você fosse perguntar para a bisavó, se ela estivesse viva,
talvez ela dissesse: ah, a gente não gostava do rabo do peixe, cortava o rabo para caber na forma, na
verdade. A forma era pequena. Não cabia o peixe inteiro, a gente cortava o rabo fora.” Então o que
eu vejo assim, parece que passa em outros grupos, entre outras comunidades, como a nossa por
exemplo, a impressão que se tem é que você vai perdendo essa referência no que passou. Vai ficando
como se não fosse um aprendizado. Cai no esquecimento. E o que me chama a atenção deste texto é
que está sendo rico. E o por que dessas atitudes? Desse questionamento? É sempre estar perguntando.
E esse ato de perguntar, também muda. Então, compreender por que voltar ao passado? Para entender
nossa posição no presente. Acho isso fundamental. É isso que eu entendi que esse texto está
colocando.
Rosangela: Quando eu li esse texto me fez lembrar de uma pessoa de Piracicaba, um índio do alto
do Xingu. Ele vive lá em Piracicaba com sua tradição. Ele convive com o nosso mundo mas também
com o mundo dele. Por que ele trouxe a tradição dele para educar o filho dele. Eu conheço ele, faz
alguns anos. E depois que eu li esse texto, algumas coisas eu compreendi melhor. Por exemplo
quando ele diz que nós temos uma forma diferente de se relacionar afetivamente. O amor na tribo
dele não é um amor como o nosso. “Vocês amam a pessoa, aquilo que ela é, uma coisa mais carnal.
A gente ama aquilo que a pessoa traz na sua história, na sua tradição”. Ele casou com uma negra em
Piracicaba, em que toda família dela traz a tradição da África. Ele pôde casar com essa mulher, por
que ela mantém a tradição do povo dela. Por que isso que é o amor para eles. Não é a pessoa única, é
tudo o que ela traz na sua tradição, na sua história. Ele conversou comigo sobre isso, há uns 10 anos
atrás. Eu fui para Piracicaba na mesma época que ele foi. Eu sempre tenho curiosidade em conhecer
a cultura dele. Quando eu li este texto me fez lembrar da história dele em Piracicaba e sua visão de
mundo. Achei bem interessante.
Tiago: que memória que ele estava falando, com eles contam, como eles são isso? Na hora que ele
fala da memória, que ele fala da ancestralidade, como essa memória perpassa e não acaba. Tem
situações, por exemplo, quando eu fui trabalhar com a Dona Maria Luzia, que é a pessoa com quem
eu conversei para fazer a dissertação, eu vi que ela contava as histórias do avô dela, e ela colocava o
118
avô numa posição de herói. Acontecia tudo com os outros escravos, menos com ele. Ele sempre
arrumava uma forma, na narrativa dela, de se salvar. E como que ela fazia a leitura disso, pois na
verdade contavam para ela. E como que ela me contava isso? Por que ela colocava o avô dela nessa
situação de herói? Qual a referência? De que memória nós estamos falando? Essa memória é memória
ensina, ela traz as lembranças? Ela ensina como? Para que serve?
Erivelto: No texto “Memória silenciada”28, Silva e Appolinário (2005, p. 69) fizeram entrevistas com
um senhor de “116 anos, morador na cidade de Rincão/SP, ex-escravo da região, que se constitui num
verdadeiro testemunho da época, e também uma senhora negra com 95 anos, residente na Fazenda do
Pinhal em São Carlos”. Apesar dessas pessoas e/ou seus ancestrais terem vivido a experiência trágica
da escravidão, elas silenciavam sobre isso. Esse silêncio foi “interpretado como forma de resistência
e não como esquecimento. Decorridos mais de um século da abolição observou-se que aqueles, ou
mesmo seus descendentes, que experimentaram a realidade da escravidão, preferem calar-se a
respeito”.
Tiago: É como uma forma de resistência, de luta, de falar: “nós estamos reagindo. Não somos tão
passivos quanto parece e como a história conta”. Por que ela fazia questão, na conversa, de falar que
a história não era bem do jeito que ela foi contada. Ela parecia, no fundo, que queria falar isso. “Não
vai acreditar em tudo da escravidão, por que não é tudo assim do jeito que você acha estão te contando,
não”. Não assim com essas palavras, era essa a mensagem. Pode ser que a história que ela estava
contando, com o avô nessa posição, era uma história mesmo de uma certa resistência, de luta, de
tentativa de não ser escravizado.
Diálogos sobre o texto “Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos
Reflexões críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e
compartilhamento de cosmovisão numa perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de
Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à prática na escola cristã, escrita por Mauro
Meister”
Wal: Lembrando que o nosso objetivo é dialogar com o autor e também tentar avançar. Não só
28
SILVA, Maria Aparecida de Moraes.; APPOLINÁRIO, Andréia Peres. Memória silenciada. Cadernos CERU, Série
2, n. 16, 2005, p. 69-92.
119
dialogar com o autor, por que a gente fez isso já durante todos esses encontros anteriores a este aqui,
mas também buscar contribuições para gente pensar a convivência metodológica que foi o ponto de
partida destes seminários, desses estudos.
Então o primeiro o do Fabiano de Almeida e Mauro Fernando Meister.
Achei interessante o título que vocês deram para o artigo, porque ele é bem honesto. Porque mostra
que nós vamos examinar a cosmovisão teo-referente, nem tanto o conceito de cosmovisão então não
sei se o comecinho do título não deveria ser: cosmovisão na perspectiva teo-referente, e não, o
conceito de cosmovisão.
Wal: Por que eles não tratam tanto do conceito?
Djalma: Eles falam da cosmovisão.
Wal: Teo-referente.
Erivelto: Quase como um exemplo de cosmovisão.
Wal: É bem interessante, mas não sei se vocês aceitam essa sugestão?
Djalma: Bem acho que em diálogo com os outros autores que a gente já conversou, duas coisas que
eu destacaria assim da cosmovisão nessa perspectiva teo-referente, é...a ideia que se tenta passar que
essa cosmovisão, nessa perspectiva ela se configura como trans-histórica e trans-cultural, ou seja, ela
independe do momento, independe do local, ela, vamos dizer, serviria a todos e a tudo em qualquer
momento, o que contrapõem muito os autores que a gente foi analisando e olhando até esse momento,
seja na questão mais evidente no Dussel e no Fiori que a gente talvez vá ver mais adiante, a questão
da historicidade e a questão da cultura também, como Viveiro de Castro e o Gueertz trazem, a cultura
como fundamental para formação da cosmovisão, aqui..e aí eu acho que essa posição já impossibilita
dialogar perspectivas diferentes, por que você tem pensamento que seria , vamos dizer, universal que
seria ahistórico, acultural (não sei como se escreve!), que transpassaria todas as culturas, e onde a
verdade estaria centralizada no deus , metaforicamente eles vão mostrar o coração como esse lugar...e
aí (?) eu acredito uma epistemologia nessa centrada dentro dessa aqui, acho que acaba limitando o
diálogo, e...paraticamente impossibilitando a convivência com os diferentes, essa é uma visão que eu
tive da cosmovisão que eles trazem e que se a gente voltar pro Dussel, claro que dentro da teoreferência pode ter várias correntes, acho que, antes um pouco, eu acho que quando a gente fazia essa
conversa sobre cosmovisão, a Adriana algumàs vezes falou sobre essa relação com religião ,
encontrada váriàs vezes em alguns textos e...bem como quando os europeus aqui chegam, muito tá
na frente, muito veio junto, essa centralidade, talvez a igreja indicando que seria ser humano ou não
120
ser humano, como a igreja tendo esse poder de definir o que aquelas pessoas que eles encontraram
aqui eram, se pessoas .
Foi muito difícil olhar para esse texto sem já ir atribuindo essas questões, da dificuldade de encontrar
a possibilidade de convivência com os diferente, com os outros e ter diálogo partindo desta
cosmovisão teo-referente, , que eles...(?) se não sendo um igual, você se tornando um igual dentro
dessa perspectiva.
E aí talvez um esforço mais adiante que seria, talvez, contrapor a apologia da libertação com essa
perspectiva teo-referente, , que a gente tem uma questão religiosa e como se configura perspectivas
diferentes, que possibilita o convívio e a construção junto com o outro e aqui eu vejo essa
impossibilidade.
Wal: Talvez indo numa outra direção, acho que esse texto me ajudou bastante pela síntese que ele faz
do conceito de cosmovisão, acho que, algumas coisas que a gente discutiu que está num texto e no
outro, mas que eles colocam aqui busca na filosofia alemã, a origem do conceito, qual seria uma
tradução da palavra weltanschaung..., a gente foi discutindo um pouco essa etimologia para os nossos
seminários, mas não que estivesse tão sintetizado de uma forma tão clara quanto está aqui e o resumo
de vocês até coloca aqui, que essa definição da palavra, essa associação com a tradução para o
conceito de cosmovisão aponta para um panorama polissêmico com relação ao que seria exatamente
a definição do conceito, este caráter é importante para compreendermos como o conceito pode flutuar
de acordo com as inspirações teóricas e ideológicas do anunciante, o próprio conceito em sí, o jeito
que eu traduzo o conceito, que palavra que eu uso para traduzir, e mesmo as citações que vocês fazem
que a cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração então aqui já vai
colocando uma definição, achei bastante interessante essa contribuição desse capítulo.
Wal: Eu acho interessante que ele também fala de camadas e matizes, como no Dilthey que é o estofo
de toda manifestação cultural... Têm motivações, pressupostos, crenças, compromissos, certezas,
ideias por meio das quais se experiencia e se interpreta a realidade desde o nível subjetivo-privado ao
nível objetivo-institucional compartilhado pela sociedade... Interessante.
Djalma: Que eu acho assim também de destaque é que eles assumem, não se escondem: falam que é
desse jeito, como é que funciona, é assim é assim... do que ficar maquiando...
Sara: E ainda falam que a escola se afastou, ...
Wal: As escolas cristãs.
Sara: É... Se afastou da cosmovisão bíblica, ... Não sei, eu interpreto assim: que a escola representa
121
perigo, ... porque... nessa visão, porque de repente pode ser que o sujeito passe a pensar diferente,
passe a ter uma cosmovisão mais ampla... por conta da escola que amplia a cosmovisão
Wal: Mas é a escola cristã que ele está criticando.
Sara: É. Mas mesmo na escola cristã. Pela escola ter o papel que tem, de ampliação de cosmovisão.
Mesmo sendo uma escola cristã, pode ser que nela o sujeito amplie as visões de mundo. Eu fiz essa
leitura e aí eles querem fazer retroagir este papel da escola... E eles são muito estudiosos porque eles
vão na raiz da palavra, na etimologia, eles tem todo um preparo para poder impor esta cosmovisão.
Eles têm acesso à cultura mais ampla para poder preparar este campo, para tornar-se universal... É
bem interessante...
Wal: Podemos não concordar, mas está clara. Ou concordar, não sei... podemos concordar ou não,
mas está muito bem argumentada.
Sara: Sim, é... Muito bem fundamentada.
Wal: Muito bem fundamentada.
Sara:... teoricamente ...
Tiago: Ao que parece, essa visão teo-referente é disseminada no convívio entre as pessoas, porque
muita das pessoas se orientam ou enxergam o mundo a partir desse Deus todo-poderoso. São aquelas
pessoas mais assíduas, religiosamente crentes, , em Deus, e não importa aonde elas estão, se é
presbiteriana ou não, elas, geralmente, têm uma visão de mundo que está atrelada a Deus. Então como
que isso faz parte... Quando fala do abandono ele fala do abandono destas escolas cristãs, desse voltar
a Deus, dessa teo-referência, que ela ficou presa ao currículo... por que? De que forma ela... Por que
ela se afastou e o que levou a este afastamento? Não significa que a visão tenha deixada de ser teoreferente, mas significa talvez uma necessidade de uma nova formação, de uma nova proposta de
formação? E todos nós aqui frequentamos uma escola que não é presbiteriana, que não é teo-referente,
mas não deixamos de acreditar em Deus ou não mudamos nossa visão em função da escola que
frequentamos também... Então tem esses dois movimentos, ... Eu acho interessante que se é transhistórica, trans-cultural, então o movimento vai para todos os lados, ... E de que a verdade universal...
universal... então, Deus, que é Deus, pode receber outros nomes, mas se é um guia universal, então
onde quer que estejamos, em qualquer parte, a nossa visão, orientada por esse Deus, não poderia ser
diferente... E é um risco.
Wal: Mas alguém quer comentar... Então vamos para o próximo?
Erivelto: O que me chamou bastante atenção, nesta síntese que o Djalma e a Rosângela fizeram do
122
Simón Yampara Huarachi, é essa ideia da cosmoconvivencia que o Djalma já vem chamando a
atenção desde os primeiros encontros... De que a convivência que eles trazem aqui é a convivência
que extrapola a convivência entre os seres humanos. Essa convivência harmônica e integral com todos
os seres que habitam o mundo. E eu fiquei pensando num texto do Dussel 29, no qual fala sobre
América Latina no espaço e no tempo. Ele diz que quando os europeus chegaram aqui o rio era só
um rio, mas para as pessoas que habitavam a América antes do colonizador, aquele rio, riacho, aquela
árvore fazia parte da história dos seus ancestrais e da sua história. Então, a diferença consiste no fato
de que a natureza é entendida de outra forma porque ela parte da história, da vida. Para o colonizador
que chegou aqui, aquilo era objetivado.
Wal: Parte do seu projeto.
Erivelto: Do projeto do colonizador... Quando eu li essa síntese eu lembrei bastante dessa passagem
do Dussel...
Wal: Parte do seu projeto de muito dinheiro em pouco tempo... Por que também faz parte do projeto
dos povos nativos, mas um outro projeto... Esse trecho que vocês destacaram aqui, da página 6 e 7,
eu durmo e levanto com isso aqui por que quando fala de convivência e ele fala que “Resulta que os
aymaras vivemos e convivemos com o mundo animal, com o mundo vegetal, com o mundo das
deidades e com o mundo da terra”. Pensar nos outros mundos tem a ver com cultura da convivência,
ou seja a convivialidade, a cosmo–convivência, que é diferente do conceito ocidental de cosmovisão
porque precisa ter muita convivência para conseguir... eu digo nem conviver com o mundo animal,
vegetal, deidades e da terra, mas entender onde eles estão, o que significa, para aquele povo, para
aquela cultura. Acho que a convivência com quem esses povos convivem... nós como pesquisadores
convivermos com quem esses povos convivem, exige uma transformação da nossa visão de mundo,
de história, uma coisa que... eu não sei, tem algumas raízes minhas que acho que não vão... eu posso
puxar o quanto eu quiser que não vai arrancar, nem sei se deve. Então, eu acho que é bom a gente
perceber isso não como uma impossibilidade, mas como limite da nossa convivência com alguns
grupos que tem essa cosmovisão e essas convivências tão mais amplas... Esse destaque que vocês
fizeram aqui é aquele que eu ponho, assim, antes de escrever o texto,sabe, que vai guiar toda a escrita.
Tiago: É, por que nomeia cosmovivência... é uma outra perspectiva! Junta tudo!
Sara: É, então, fala cosmovivência e cosmoconvivência, são as duas mesmo?
29
DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.
Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970. p. 18.
123
Djalma: É.O título está cosmovivência, mas no decorrer do corpo do texto ele vai usar
cosmoconvivência
Tiago: Eles vivem e convivem... não tem objetivação, era o que você estava falando... todos são.
Djalma: Eu acho que um ponto também, até quando a gente conversou sobre a questão das drogas e
tudo o mais, eu acho importante dizer que esse texto foi um convite de um órgão de estudos
bolivianos, lá nos Estados Unidos, que eu não vou me lembrar agora a universidade, mas tem isso aí,
é, que chamou o Simón Yampara Huarachi para falar sobre o que seria a cosmovisão andina, mais
precisamente a aymará, e ele elaborou este texto com este intuito... lembrei das drogas porque chega
um momento que as pessoas param para o café e ele falou que ele queria mascar a coca, só que ele
foi impossibilitado de entrar com coca no país, então, ele até usou isso como um exemplo na fala dele
para exemplificar como... você poderia tomar café lá com os aymaras tranquilamente e ele mascar
coca... mas aqui não posso mascar minha coca porque ela tem uma restrição. Eu acho que pegando
um gancho também no que o Erivelto apontou. Para as nossas pesquisas eu acho fundamental, talvez
uma luz que possa ter trazido, ou iluminado um pouco mais o texto do Simón Yampara Huarachi é a
questão do espaço que a gente se encontra. Onde os grupos gostam de se encontrar. Eu lembro da
dança de rua, não é em qualquer lugar da escola que se dançava. Era um espaço próximo. Às vezes,
por algumas restrições técnicas, mas era ali que... quando tinha as reuniões era um outro espaço, que
era uma, a mesa lá das refeições que era mais fácil das pessoas se sentarem. Então, às vezes a gente
olha para o pátio da escola, era o pátio da escola, mas significa para o grupo muito mais, a mesa
significa muito mais. Talvez essa..., me encontro na cozinha, ou na sala, essas coisas trazem
significados que nos ajudam a compreender um pouco mais quando a gente... a própria palavra
matinha, ? Por que a matinha? Lá você não pode isso, você pode ficar até aqui, então os espaços
também ajudam a nos, a relação que tem o espaço que é vivo, ? Não é só um local para ser ocupado,
mas é um local que ajuda a gente a significar o mundo. Eu acho assim, os locais e talvez tenha dado
uma, essa perspectiva assim quando eu li foi o que eu achei interessante, que uma pedra não é só uma
pedra.
Tiago: Tem uma outra coisa, a nota que está na segunda citação que foi colocada que fala de uma
“sociedade solidária”. Isso aqui é uma outra perspectiva de sociedade. Esse termo está assim: “ayni”
é assim que fala, Ah! É um processo de... está lá é um “Deseo de crear con otros relaciones de
correspondencia recíproca que produce un sentimiento común de pertenencia a una sociedad
solidaria”. Pertencimento a uma sociedade solidária, quer dizer: olha como que é interessante essa
visão de solidariedade. É uma outra visão de sociedade.
124
Djalma: É e aí eu acho também que vale uma, uma dificuldade de que... porque neste texto, ao final
do texto, ele traz um glossário que é uma tentativa de trazer para o entendimento ocidental, ideias,
conceitos que ele só consegue expressar na linguagem Ayamará e aí tem os limites que é da tradução
para a gente compreender, acho que a gente até falou um pouco, no encontro passado, que o Erivelto
usou a ideia da luta de classes que se a gente for analisar a luta de classes em uma comunidade
indígena, se você for com o conceito de luta de classes pode ser que lá, você não... Então, ele traz
também uma tentativa de... o próprio Suma Qamaña que é muito difícil, tem várias traduções do bem
viver, ele vai traz no final também essa... que eu acho interessante e o Esterman vai falar dessa questão
da linguagem que essa construção feita com os Ayamarás ela, vamos dizer assim, identifica coisas
que a gente conhece como outras. Então, talvez essa questão da solidariedade, a gente tenha uma... e
aí é uma tentativa mesmo de fazer esse diálogo. Por mais que as palavras representem, possa
representar outras dimensões do que a gente vem falando, mas eu achei interessante do texto que ele
traz esse glossário na tentativa de fazer essa comunicação. Aí tem muitos autores que vão dizer que é
difícil fazer isso e vão utilizar o próprio termo. Porque se não você acaba, vamos dizer assim, traindo,
não sei se essa é a melhor palavra, mas o que o conceito significa para aquela comunidade, aquele
povo. A questão da linguagem, eu acho um ponto fundamental para compreender a convivência como
uma metodologia. Porque ela pode ser em termos de palavras, como a gente vem falando, mas no
próprio texto também dele, ele traz um tecido costurado por algumas mulheres da comunidade, do
povo Ayamará. E aquilo ali tinha um significado, tentava... é uma linguagem, tem uma comunicação
e que está se perdendo. Ele faz essa ressalva. Então, acho que às vezes o silêncio está dizendo coisas,
os gestos estão dizendo coisas, o jeito de vestir está dizendo coisas.
Wal: As pinturas...
Djalma: As pinturas.
Erivelto: Nesse tecido que tem toda uma lógica de elaboração dele, toda uma convivência em torno
da elaboração dele, conhecimentos tradicionais e de alguma forma pode ser apropriado pela indústria,
por exemplo, pelo comércio. E isso tudo se perde. Eu lembrei de uma palestra que eu assisti do
Cortela30, do Mário Sérgio Cortela, que ele fala da elaboração da pamonha que a gente está cada vez
mais perdendo o costume de elaborar e comer pamonha. Ele fala que comer pamonha antigamente
era muito mais do comer pamonha porque você acordava 4, 5 horas da manhã, ia colher o milho,
raspava o milho, começava a preparação, durante a preparação ficava pessoas de diferentes gerações,
30
Palestra disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ozxoOOaE__U>. Acesso: 10 out. 2014.
125
crianças, jovens, adultos e idosos, e começava a falar sobre a vida, começava 4 ou 5 horas da manhã
e ia comer a pamonha às 4 horas da tarde. Todo esse processo está se perdendo com a industrialização,
com a apropriação da “cultura caipira”. Isso acontece, isso aconteceu bastante com indígenas que
habitavam a região onde hoje conhecemos como Estados Unidos. Eu esqueci o nome da comunidade,
mas eles foram... eles estão desaparecendo e alguns antropólogos dizem que eles estão desaparecendo
porque esse comércio, da apropriação que a indústria e o comércio fizeram de seus costumes para
comercializar os utensílios fabricados por eles que tem a ver com essas tradições milenares. Talvez
esse tecido, a elaboração desse tecido e sua comercialização tenha sido apropriado e se perdeu todo
esse percurso que tinha antes de elaboração que tinha a ver com os ancestrais, com os ritos porque
cada item do tecido tinha um significado para aquela comunidade. Eu fiquei lembrando dessa analogia
da pamonha, do Cortela, e o tecido desde quando vocês apresentaram a síntese. Acho que a Adriana
trouxe uma foto do tecido.
Djalma: Eu acho que eu trouxe, mas ela trouxe também. E ela relatou justamente isso, ? A
apropriação da indústria para vender como isso é da cultura e você cristaliza aquilo, isso é indígena.
Wal: Nos cadernos de turismo tem a proposta de turismo em que o estrangeiro conviva com o nativo.
Está bastante em voga.
Erivelto: Isso! Se a gente for pensar nos freakshows que existiam os Zoo humano na Europa no
século XVIII e XIX, eles tentavam reproduzir, na Europa, o ambiente de países colonizados (África,
América, Ásia) para isso eles sequestravam as pessoas nesses lugares para viverem nesses ambientes
artificiais. Por exemplo, agora saiu o filme “Vênus Negra” que conta a história de uma mulher sulafricana que foi sequestrada e foi levada para a Europa, Inglaterra antes e depois para a França. Na
Inglaterra, ela participou muito desses freakshows e as pessoas viviam meses e, no máximo, anos
porque elas tinham que ficar a caráter como viviam em seus ambientes originários e na Europa a
gente sabe que faz muito frio. Então, muitos morriam de hipotermia, de frio porque durante o inverno
não poderia se proteger. Isso aconteceu até o começo do século XX.
Djalma: Muito do início do cinema, quando começo que também foi em 1800 no final ali do século
XIX e início do século XX, as empresas, as industrias, no começo do cinema, mandavam os... o
mundo inteiro para ir filmar as pessoas nos locais e vendiam: venham ver um homem de verdade no
lugar tal e as pessoas iam para ver lá juntos nessas mesmas paraças. Eu acho que, se não me engano,
tem um filme que conta a história do Gengis Khan... O Gengis Khan foi capturado e foi colocado
também assim...
Erivelto: em ambientes artificiais?
126
Djalma: Isso para viver, para e depois ele foi tentar unir a Mongólia... Mas ele também foi levado,
capturado e conta no filme, mostra no filme como ele, como isso vai danificando... vai cai o dente,
cai o cabelo, a pele vai ficando toda.... E ele é colocado num ambiente para imitar o que ele, onde ele
vivia e porque ele foi vendido, como escravo, e ele foi considerado um escravo perigoso. Ele falou
assim: esse aqui é melhor você não comparar porque ele é perigoso e ele vai acabar com o seu reino.
Ah tá! Então, eles colocam até uma frase embaixo assim: “esse é a pessoa, esse é a pessoa que vai
acabar com o nosso reino” como motivo de chacota. Então, ele fica exposto, as pessoas passam e
ficam tacando coisas nele, comem na frente dele. Ele fica um bom tempo exposto também nessa.
Sara: Diante disso, eu li a última citação dele que ele fala: queremos conviver com um mundo
diferente, com pessoas diferentes de nós, incluindo o sistema de capital. Fico pensando, o quanto
realmente ele acredita nessa possibilidade de convivência com o capitalismo. Esse sistema. Ou quanto
é, ele também lança mão de uma estratégia até linguística para resistir diante dessa tentativa de
aniquilação da cultura indígena. Ontem eu estava assistindo o jornal e, não sei se vocês viram a
manifestação em Brasília dos índios. Vocês não viram? A chamada do Jornal Nacional era que um
índio tinha dado uma flechada num policial, eu fiquei pensando: “Nossa! Muito louco isso porque ao
mesmo tempo que fala para parecer que o índio estava cometendo um ato de violência, também fala
meio que pejorativamente. Porque é isso, uma flecha contra duzentas mil armas de fogo. Uma coisa
bem contraditória. E nessa citação, eu fiquei pensando, será que é uma estratégia? Será que ele
realmente acredita nessa convivência, nessa possibilidade de convivência ou é também uma estratégia
para resistência, para resistir?
Tiago: É, mas ele coloca essa resistência como uma condição que leva a harmonia. Porque você
resiste para não deixar morrer e, ao mesmo tempo, você busca a harmonia com os diferentes mundos...
Porque ele fala da convivência com diferentes mundos, o respeito. E ele, da mesma forma que ele
fala dessa necessidade, ele faz uma chamada de cobrança. Nós oferecemos, a nossa condição de vida
é essa, então esperamos que sejamos compreendidos por isso, as nossas escolhas, nosso jeito de ser e
nosso modo de viver também seja respeitado. Então, aí está a harmonia, . Porque se eles buscam a
compreensão de nós, e nós deveríamos buscar uma compreensão deles, do mundo deles, então ele
entende que essa resistência é necessária para que não se perca, porque aí não há dialogo entre
mundos. Se o mundo dele é desconstruído por alguém, como que vai haver diálogo e harmonia com
o que sobra? E vice-versa.
Wal: Por isso que a cultura indígena andina em algum momento, só sobreviveu aos cinco séculos,
por causa de, porque aprendeu a conviver. Então, acho que a resistência é parte da convivência.
127
Tiago: E essa equação que ele propõe. Porque não pode essa equação? Conhecimento ancestral
milenar mais conhecimento ocidental secular igual conhecimento profundo e renovado. Por que não
pode?
Wal: E faz outra critica também. Tem uns que são analfabetos em ralação ao milenarismo e outros
que são analfabetos em relação ao secularismo.
Rosângela: Aquele meu conhecido, que é índio, ele teve um filho que já tem oito, nove, anos, e o
filho dele aprendeu a nossa cultura e a cultura da tribo dele, vinha uma pessoa da tribo para ensinar,
lá as crianças são educadas pelas mulheres, pelas lideres, então ele sempre contava para mim, sobre
a educação do seu filho. A ESALQ, em Piracicaba, foi o lugar em que o filho dele foi educado por
essa mulher e às vezes ele contava o quanto ele tinha choque, entre as culturas, porque os homens
aprendem a cuidar de criança, então eles aprendem a brincar de boneca, o filho dele às vezes levava
na creche boneca, daí as outras crianças tiravam sarro. Ele falou que na tribo dele, cada um tem seu
papel, ele é “Page”, o filho dele é guerreiro, então ele convive em Piracicaba e na sua tribo, de tempo
em tempo eles mudam, ficam um pouco em cada lugar. Ele falou que a professora já teve que chamar
o corpo de bombeiro porque o menino subiu na arvore e não descia. Ele ensina em Piracicaba um
pouco sobre as plantas medicinais, uma vez ele foi participar de uma seleção na ONG, que eu
trabalhava, ele tinha bastante possibilidade de entrar como educador social, mas ele não conseguiu
continuar na seleção, eles têm outro olhar sobre o uso de drogas, eles perderam muitas pessoas na
tribo por causa do uso de álcool.
Tiago: Que desafio para gente do mundo capital não objetivar os lugares que a gente entende como
objeto, porque é pedra e é pedra. Talvez extraia até mirio importante dali e ainda faz dinheiro, como
que essa convivência é profunda no sentido andino. É o que a Wal tinha falado, seria como se tivesse
passado uma transformação, um desprendimento, um desapego. É difícil! É outra visão, é outra forma
de viver.
Rosângela: E o objeto, muitàs vezes, na sociedade é o outro ser humano também. E aí desconstruir
isso, às vezes parece que é quase impossível.
Djalma: A Bolívia, que é um país majoritariamente formados por aymarás e também quéchuas tem
um presidente que é Aymará, que é o Ivo Morales, acho que eles trazem uma coisa nova no sentido,
mas baseado na cosmoconvivencia andina, porque na ciência moderna foi fundado que o estado é
uma nação e isso não se descola. Um estado é uma nação, outro estado, um território. E a Bolívia
reconhece que ela é um estado plurinacional e isso na carta jurídica pode ter um peso na letra, mas
em termos de organização de um pais que bateu de frente com essa, porque foi o primeiro pais depois
128
do estado moderno de que um estado é uma nação, que reconhece que é um estado que pode ser
plurinacional, outras nação dentro de uma mesma organização política, não que ela seja a regra para
dizer que agora todos somos iguais. Eu acho isso interessante. E tem uma palestra do Dussel que
busca muito desse jeito de se organizar da Bolívia, tem um vídeo que ele vai dizer que na Bolívia
você estuda o Direito e o Direito Boliviano, e ele da um exemplo que no Direito a pessoa mata e vai
presa, você pune duas famílias, você pune a família de quem perdeu o marido e de quem, lá no direito
Boliviano a pessoa mata ela presta serviços para a outra família e para dela também, e ela só vai ser
absolvida quando aquela família que foi a vitima, agradecer pelo serviço que ela está prestando para
ela. Então, o Dussel vai dizer, não é muito mais racional? Então essas coisas elas estão acontecendo
como, parece utópico, mas existe, isso está aparecendo como uma possibilidade num pais da America
Latina, próximo da gente. Acho interessante essa, porque não é só um planejamento, vem
acontecendo. Claro, tem seus problemas como todos, mas existe já essa tentativa de se fazer como
essa cosmoconvivencia andina se configure num jeito de se organizar socialmente.
Erivelto: Ele vai chamar de justiça moderna. É parecido com um estudo clássico da antropologia
social, “Os Nuers” de Evans-Pritchard, é do começo desse século XX, metade do século, que ele vai
dizer que entre os Nuers, da região do Sudão e da Etiópia. Quando tem um crime parte-se da visão
de que há pelo menos duas famílias envolvidas nisso. Quando é identificado quem cometeu o crime,
ao invés de prender, esse conflito é mediado por um chefe, acho que ele chama “chefe da pele de
leopardo”, que estipula a quantidade de cabeças de gado que deverá ser fornecida para a família da
vítima. Isso seria uma recomeça por conta do ocorrido. Isso lá no começo do século XX. Tem muita
relação com essa noção de justiça, Direito Boliviano.
Djalma: E tanto o Simon Amparo como o Evo Morales são de Oruro, que foi onde aconteceu aquela
tragédia com a torcida do Corinthians, e onde alguns corintianos ficaram presos. Algumas famílias
bolivianas iam visitar os corinthianos lá, e levavam comida, tudo, porque eles estavam longe da
família deles e isso para eles é inconcebível, você ficar encarcerado mas longe da sua família. Então,
eles iam para tentar fazer essa vez da família .
Ana Paula: Para mim fica muito forte essa relação do limite, que é mesmo você covivendo você
pode entender algumas coisas mas você ainda entende com a sua visão, , então acho que você não vai
conseguir identificar esses limites , . Mesmo se você chegar a conviver, você não vai passar a ser
porque você convive. Eu acho que também é um grande desafio, você conseguir enxergar esse limite
quando você está ali convivendo, envolvido em determinada situação, acho que isso para mim fica
muito forte. E apesar desse limite você olhar o outro diferente, compreender e respeitar de igual para
129
igual, mesmo com a sua visão entender a visão dele, sem impor a sua, tentar incorporar a dele. Essas
duas verdades.
Wal: Esse destaque que vocês fizeram aqui da página oito, eu acho que em algum momento dos
nossos estudos seria interessante voltar para ele porque eu acho que ele foi quase metodológico nesse
enxerto que ele diz (eu só quero destacar mas eu acho que ainda é um pouco precipitado me
aprofundar porque acho que exigiria que a gente estudasse um pouco mais o que ele está querendo
dizer aqui). Ele diz: “processar”, ele está falando de energias materiais e espirituais, então eu penso
“eu como pesquisadora, o que seria eu colocar a cosmoconvivencia dentro do meu processo de
pesquisar, o que ele me recomenda dentro dessa cosmovisão andina”? Primeiro, há energias materiais
e espirituais. Começas desse reconhecimento, ou desse conhecimento. Essas energias, elas tem que
ser processadas, usadas e desfrutadas interativamente. Então, eu como pesquisadora também tenho
que processar energias materiais e espirituais, usar e desfrutar, na interação com aquela pessoa com a
qual eu estou pesquisando. Ao mesmo tempo, nós todos , eu ela, ordenamos (da origem etimológica
da palavra cosmos) a vida, mas não é de qualquer jeito que ordenamos a vida, ordena a vida também
de uma maneira convivencial com os diversos mundos e espaços. E aí vem o futuro. Então, eu faço
tudo isso, aí eu ordeno a vida, eu , pesquisadora, com os outros que estão comigo na pesquisa, os
mundo e espaços e as energias que cada um tem no processo de ayni. O que é esse processo de ayni?
É o compartilhamento do projeto de sociedade. Então não tem como fazer cosmoconvivencia sem
fazer esse compartilhamento de projeto de sociedade. Me dá a entender que é isso que ele está falando.
O que é esse desejo de ayni? É criar com os outros relações e correspondências recíprocas que
produzem um sentimento comum de pertencimento a uma sociedade solidária que é uma das coisas
que o Dussel coloca naqueles gráficos. Que a relação minha com o outro não é uma sociedade
excludente como a nossa de America Latina, também deveria resultar que eu me veja também como
o outro. Então, tem um processo de que eu estou aqui (graficamente representando), daqui a pouco
eu estou ali, também com o outro. Eu tenho que ter esse sentimento de pertença, produzir um
sentimento juntos, nessa cosmoconvivencia, nós produzimos um sentimento de pertença a uma
sociedade que não é ... solidária. Acho que cada palavra aqui , do jeito como ele coloca, é um desafio
para a gente pensar o processo mesmo de pesquisa dentro da convivência . Talvez futuramente seja
um enxerto que valha a pena a gente se dedicar e procurar esses conceitos.
Ana Paula: Para mim fica muito forte essa relação do limite que é mesmo você convivendo você
pode entender muitas coisas. Você ainda entende com sua visão, ? Então, acho que você conseguir
identificar esses limites, ? Mesmo com a convivência, até onde você consegue chegar, entender,
porque você não vai passar a ser porque você convive porque eu acho também que é um grande
130
desafio você conseguir enxergar esse limite, esse limite quando você está inserida , envolvida em
determinada situação. Isso fica muito forte para mim. Aí apesar desse limite você olha o outro
diferente compreende e respeita o outro como igual. Esse diferente é mesmo com a sua visão você
procura entender a visão dele para conviver bem sem impor sua ou sem tentar incorporar a dele. E
isso fica compreendi como duas verdades.
Tiago: É a própria história que o Djalma trouxe das questões das famílias dos bolivianos visitarem
os presidiários corinthianos lá já são elementos que mostram a construção desse projeto de sociedade
solidária, ? Já mostra essa iniciativa que é elemento forte disso.
Wal: Sim. Mais alguma coisa.
Tiago: Eu estou entrando num estado de êxtase porque todos, vários elementos da minha dissertação
traziam esses elementos. Meu Deus! Como eles estavam rasos. Que bom que eu estou enxergando
tudo isso. Delícia!
Djalma: Agora tem que cavar, ? Ficar procurando.
Tiago: Não, já comecei esse processo de cavar buraco.
Djalma: É gostoso encontrar, mas tem que cavucar profundo. Enfiar a mão na terra.
Tiago: não, mas legal esse momento.
Wal: : E se a gente quiser outras filosofias para ajudar a gente a fazer ciência está aqui uma, ?
Tiago: O próximo texto que vem pela frente é um outro momento.
Wal: O Esterman, ?
Wal: Podemos seguir para o próximo texto então? O Esterman? Mais algum comentário?
Wal: O que você ia dizer Tiago?
Tiago: Então, vocês começaram a discutir minha tese de dentro, antes da minha proposta ficar pronta.
Ainda bem que eu entrei há tempo.
Ana Paula: Ou você escreveu um projeto sobre o que estava sendo estudado.
Tiago: Eu nem sabia que estava sendo pensado isso não.
Ana Paula: As duas. Ou eles começaram antes ou você começou.
Wal: Ou a linha. E as duas acabaram se encontrando.
131
Diálogos sobre o texto “Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns
textos de Josef Estermann”
Djalma: Talvez vale a pena trazer um pouco disso que o Esterman é suíço , viveu um bom tempo, e
se não me engano, na Bolívia como missionário e como também participava das universidades não
sei se ele era contratado ou se dava alguns cursos e também era filósofo. A ideia de trazer ele foi para
fazer esse diálogo, ?
Djalma: Até eu comentava com a Adriana disso, ? Uma pessoa que veio do norte e tenta dialogar,
compreender outra cultura, ? É uma tentativa de construir outra filosofia andina. E aí, ? Busquei assim
essa informação. Ele está naquele diálogo que o Dussel faz com Ape. Ele era mais jovem, mas
também estava ali e participava do diálogo com o Habbermas, e ele traz, assim acho, que ele vai falar
dessa dificuldade da linguagem, ? Mesmo ao texto dele se é filosofia ou cosmovisão. Aí ele vai falar
bastante disso, de como fica difícil da gente querer achar o científico na filosofia andina, que ele usa
mais esse termo. Se a gente for com os nossos critérios de cientificidade ocidentalmente construído.
Então, aí tudo vira cosmovisão, fé religiosa, sabedoria. Ele vai dizer isso. E ele é um dos teóricos e
que partindo da filosofia da libertação vaia construir uma questão da interculturalidade, como
construir um diálogo intercultural. E e que ele parte bastante dos estudos do Dussel, filosofia da
libertação, para tentar construir esse diálogo intercultural.
Djalma: Eu acho que fica bem prejudicada a participação do Penha Cabrera aqui porque nessa síntese
ele está porque ele compartilha de uma escrita da síntese de um capítulo pequeno e ele traz mais para
debater o conceito de racionalidade nessa cosmovisão andina. E o Penha Cabrera é um filosofo
peruano. Ele tem uma produção muito maior do que a que está aí, muito mais profunda. Então, para
gente isso é só uma parte da racionalidade com ele, mas ele, provavelmente, teria muito mais coisas
para trazer e acrescentar.
Há uma tentativa de trazer, ao mesmo tempo, que há uma tentativa e trazer os limites dessa tradição
de como se constrói p mundo Ymará, de como se pode construir uma filosofia. E ele vai dizer que
tanto os Ymarás quanto os Guichas que formam os povos andinos tem semelhanças entre eles quando
falam de filosofia andina. Não é a mesma coisa, são povos que tem semelhanças, mas tem coisas que
são diferentes. Eu acho interessante dele esse mergulho na linguagem de tentar compreender como a
gente compreende ocidentalmente o que está se construindo. É uma tentativa do diálogo.
Djalma: que a gente tenta construir, dentro do contexto da América Latina e como é muito mais
132
profundo do que o local geográfico,por exemplo os teo referentes são latino americanos, ele é suíço
o texto de origem, então acho que é interessante.
Djalma: eu estava falando do Antonio Pena Cabrera, mas acho que dele uma coisa que fica é essa
relação que ele faz entre racionalidade e cosmovisão, é o Cabrera, mais na parte do texto dele que ele
vai dizer que “não são o mesmo, mas se condiciona mutuamente, a racionalidade é um processo e a
cosmovisão é uma intuição da totalidade”. Está antes de acabar o texto, nas referencias, lá no final do
texto, quando o parágrafo começa assim “deste trecho podemos arriscar dizer que a racionalidade é
um elemento central” aí ele tem uma citação que ele vai fazer está relação entre racionalidade e
cosmovisão que achei interessante, trazer a cosmovisão como uma intuição da totalidade.
Sara: e é legal o que vocês colocaram no penúltimo parágrafo “nós somos .. ” isto quer dizer a
importância de partir de algum lugar para poder contrapor isso faz parte da filosofia hegemônica
ocidental, para poder contrapor, trazendo outras filosofias, acho importante como um lembrete
mesmo, para a gente poder descolonizar o saber a gente tem que conhecer como o colonizador pensa,
qual é a hegemonia e pensar em outras hegemonias não sei.
Tiago: Nossa é denso, profundo.
Wal: mais alguma coisa do Estermann.
Tiago: eu preciso aprofundar mais.
Wal: agora vem da Fabiana e da Adriana, o Austin.
Diálogos sobre o texto “Estudando cosmovisão: Algumas contribuições de Alfredo López Austin
no artigo ‘Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina
a partir de sus mitologías’”
Djalma: o que eu tinha destacado que eu acho que é a perspectiva de um historiador e aí vai se pautar
na leitura da história e também como ela ajuda a compreender outras cosmovisões e fiquei não com
muita certeza mas, mais dúvidas desta proposta de se configurar como sistemas, como
macrossistemas, de um sistema dentro de outro sistema, como ele vai trazer em alguns pontos aí. Tem
até uma citação depois do quadro que “a cosmovisão é um fato histórico sumamente complexo porque
vai se integrando a partir de sistemas ideológicos muito heterogênicos compreende-os os abrangendo
totalmente estruturando-os e articulando-os de forma congruente, desta maneira a cosmovisão se
133
constitui num sistema de sistemas” não sei se dá uma ponte com a ideia de estratos, de camadas, mas
a ideia de sistemas parece várias coisas que seria, vamos dizer assim, sustentáveis, mas que daí se
compõe umas outras coisas que intersustentavelmente formaria a cosmovisão.
Erivelto: eu lembro que na apresentação da Adriana ela comentou que ele era formado em direito e
atuava na fronteira entre o México e os Estados Unidos e depois ele passou a estudar e se envolveu
em estudos no campo da história, não sei se ele abandou a área de direito, mas eu lembro que, na
apresentação dela, ele passou por esse processo de conscientização. Tem algo que me chamou
atenção, de acordo com a síntese, na cosmovisão é justamente o núcleo duro que, ele exemplifica
com a gramática, não se transforma. Eu lembro que a Adriana comentou que uma das coisas
importantes que esse texto do Austin traz para nossas pesquisas sobre a convivência é que na
experiência de vida parte da perspectiva de quem experiencia a experiência, de quem vive a
experiência, não na perspectiva de julgamento do pesquisador. Se não me engano, a gente teria acesso
a esse núcleo duro também a partir dessa perspectiva. Na síntese está assim: “O núcleo duro da
cosmovisão vai se constituindo em atos constantes do cotidiano de quem nem sequer se imagina
criador de cosmovisão. Austin cita o exemplo da gramática que é uma construção de racionalidade e
coerência extremas obra de todos e do nada já que não é fruto do trabalho consciente de criação, mas
sim resultado do exercício diário (ou do diálogo?)”. Eu não sei se nesse núcleo duro entraria a questão
da reflexão ou a questão da tradição?
Wal: Uma coisa que eu fiquei pensando, é que é mais fácil perceber a cosmovisão em alguns povos
mais tradicionais porque a tradição dá para você perceber melhor e não é enganoso achar que a
sociedade moderna, urbana, ocidental não tem uma tradição, está dispersa? É uma pergunta mesmo.
Acho que depende muito de como você lança o olhar para ver o nexo e o núcleo duro da tradição
ocidental também. Coloco isso para pensar.
Tiago: Isso estaria ligado a uma tradição milenar, ? Ao milenarismo por isso que atribua a nossa
sociedade ocidental essa impossibilidade de existir essa tradição. Não faz sentido? Porque ele fala de
uma relação mitológica.
Wal: Fala no fim.
Tiago: Dessas bases mitológicas que esses conceitos se apoiam e nossa sociedade não tem essa base,
não tem essa raiz.
Wal: Acho interessante o alerta que elas colocaram dele no conceito de cosmovisão no singular. Que
não leva em conta as diferenças de pensamento e dos componentes da sociedade e nem corresponde
134
a totalidade a nenhum deles. Ai ele diz, se eu entendi, que: “Esse conceito no singular é possível de
se colocar em sociedades tradicionais” e ele alerta que cosmovisão não implica em uniformidade de
pensamento. Eu achei esses alertas interessantes.
Tiago: Ele fala também, mais perto das contribuições para o processo de pesquisar, que ela é
percebida como pertencente a um todo social que transforma permanentemente. Então conforme as
pessoas de um grupo social vão mudando, muda também a cosmovisão e vai ao encontro do que ele
coloca lá em cima anteriormente, que é o que você acabou de trazer, que não tem um pensamento
único, uma uniformidade e se não tem uma uniformidade, então a todo momento há mutação, ela
muda. O que é agora pode não ser depois, amanhã.
Sara: Com isso vemos o tanto que é difícil porque em nossas pesquisas a gente busca compreender
as cosmovisões dos grupos com quem estudamos e e tão difícil perceber qual é a cosmovisão daquele
grupo, quais as influências que sofrem, porque ele mesmo diz que elas são comunicáveis. É difícil
chegar nesse nível de análise, é necessário conhecer muito ao redor, as outras cosmovisões que
existem e que pode estar influenciando aquela que está sendo gestada no grupo. Na minha defesa isso
foi falado pelo Gabriel quando disse das fronteiras. O que é próprio do grupo da rua, originário e o
que é introjetado e tem muita introjeção do sistema
Djalma: Mas ao mesmo tempo é difícil esse originário porque tb não origina no…
Erivelto: Estou me dando conta, nesse processo de estudar cosmovisão, que o mais importante é
entender, procurar entender a cosmovisão de grupos com os quais nós convivemos por diferentes
motivos. No nosso caso, para realizar as pesquisas. Mas é tão importante quanto ou mais é estarmos
abertos a diferentes cosmovisões. Estarmos abertos no sentido de admitir a existência de outras
cosmovisões, inclusive de cosmovisões que são antagônicas a nossa. Não precisamos concordar com
ela. Mas estar aberto a essas possibilidades e se elas são antagônicas e confrontam com a nossa
cosmovisão, talvez explicitar isso. E não colocar a nossa como universal e única. Eu tenho pensado
nisso a partir desses encontros que estamos fazendo, então quando eu vou para outros espaços, todos
esses estudos estão me ajudando muito. Aquele exercício que o Viveiro de Castro nos propõe de
experimentar para inclusive ter condições de perceber a existência de outras cosmovisões é
fundamental.
Djalma: E um alerta que a Wal falava a Petro tb, é o exercício de suspender nossos preconceitos,
colocar os conceitos no pré. Acho que isso é fundamental para fazer esse diálogo.
Wal: Você não consegue pegar um negócio que você não tem muita clareza do que é, ? Então, o que
135
a Sara falou me fez pensar se eu sei qual é a minha experiência, meus preconceitos?
Sara: É, mas às vezes somos interpelados pelo grupo que pergunta qual é a nossa cosmovisão.
Wal: Exatamente.
Sara: E a gente tem que falar alguma coisa e é um momento de reflexão e de reconhecimento da sua
própria cosmovisão. Isso aconteceu comigo quando me perguntaram “o que é a rua para vc? Você
sempre pergunta para gente, mas agora a gente pergunta para vc”. E eu coloquei em movimento a
minha cosmovisão que confrontou com a deles porque eu via somente negatividades e eles viam
também positividades. O grupo tb nos coloca para exercitar e pensar sobre nossa cosmovisão, porque
temos alguma ? Mas é isso que o Tiago falou, é histórica. Hoje é uma, mas amanhã pode ser outra. É
dinâmica.
Ana Paula: E também sofrem influência.
Sara: Mas é isso que o Tiago falou, é histórica! Hoje é uma mas amanhã pode ser outra.
Tiago: e o que eu acho mais interessante é que às vezes para montar a nossa reflexão de cosmovisão
a gente recorre às nossas experiências de vida. Ou a forma como as pessoas com as quais convivemos
ou o que fazemos com as pessoas ou como aprendemos com elas. E tem muito da nossa convivência
na nossa fala. Muito do que a gente aprende vendo na nossa fala de cosmovisão. Então os exemplos
cotidianos estão na convivência. A gente fica recorrendo à convivência para poder determinar a nossa
cosmovisão. Eu vejo muito isso, pelo menos comigo acontece esse movimento. Quando a gente faz
a visita à nossa trajetória, que é aquele exercício que estávamos fazendo até a um tempo atrás, de
voltar... a nossa trajetória existe em função e razão de nossa convivência com outras pessoas, em
vários espaços. Então você vai construindo a sua visão embasado no momento em que ali estão as
pessoas, que tem outros meios, outros mundos diferentes. Em algum momento melhor ou pior e como
isso se constrói, como a gente vai se construindo ao longo do tempo. Mas é recorrente, não tem como
negar, e às vezes ainda, construímos uma cosmovisão atrelada à religiosidade, à condução da vida
por um Deus, pela crença religiosa que tem. Então a gente tem uma facilidade de juntar tudo, às vezes,
numa visão, e trazer para um olhar nosso, que tem várias bases, que tem vários trâmites, várias redes.
A gente consegue fazer isso. Por isso que aquela pergunta: de onde você fala? É fundamental. De
onde você fala e para quem você fala. Fala o que, por que e como. O que nos faz falar isso ou chegar
a isso.
Erivelto: Tem uma passagem legal em um texto sobre etnografias no sertão de Pernambuco que é
uma referência a um trecho de um filme de Michelangelo Antonioni que é assim: “a pergunta que
você me faz me habilita a compreender melhor a sua sociedade do que a resposta que eu poderia dar
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a ela lhe habilitaria a compreender a minha”31. Então, podemos pensar que a resposta que damos a
determinadas perguntas mostra o que somos e as perguntas também mostram quem é a pessoa que
está perguntando.
Djalma: E aí você prepara sua resposta. E até nesse ponto, a própria equação de Simom Iampara
Uaraque nos propõe pelo Milenário, o Milenário já estava para ser queimado. Então também
incomodo. É o que a Sara estava falando, é a questão do original. Eu sei que eu nasci com um nariz,
mas com visão de mundo que não é da origem. O negócio vem e vai, está sempre... construído. Talvez
o núcleo duro dessa comunidade é o projeto que a gente quer construir e mudar historicamente. É um
projeto por meio de uma perspectiva que está sempre em construção. Talvez o núcleo duro, que eu
também não acho essa palavra interessante, seja o projeto que compartilhamos, mais do que as
experiências, porque todos nós aqui, tivemos uma experiência de vida diversa, diferente,
compartilhamos de algumas coisas, mas talvez o que nos unam aqui ou em outro lugar é o projeto. É
claro que outras vias nos trouxeram até aqui, mas o projeto de mundo. E aí fica a difícil sair dessa
reunião hoje como saímos de outra. Ainda bem que meu núcleo duro não sente muito. Me incomoda
um pouco isso. Isso é núcleo também?
Wal: Nunca se abala?
Tiago: Tem que ser duro?
Wal: Por que tem que ser duro?
Djalma: Então eu acho que é difícil falar dessa questão do original . Inclusive os povos indígenas,
porque falar do original para os povos indígenas é negar toda a colonialidade, é falar que nunca
existiu. Qual que é a sua visão de mundo? E também o que que está querendo de você quando pergunta
essas coisas.
Wal: Me lembrou, eu até estava tentando achar aqui mas em outro momento, quem sabe, a gente
possa até aprender, dar uma olha na Teoria das Representações Sociais, porque eu não conheço muito
bem essa teoria mas eu sei que faz uma análise dos discursos e tem alguns instrumentos, softwares.
Tiago: o Evoc, é o mais utilizado – é um software que você seleciona, faz um levantamento por
questionário de respostas abertas, se for o caso, você digita de forma textual no programa e ele levanta
as palavras que tiveram maior citação em todas as falas desses questionários e coloca a porcentagem
de representatividade e a partir daí você vai trazendo as suas análises, mas é ele que seleciona. Então
ele não faz uma espécie de mosaico alterando o tamanho da palavra, pois quanto mais a palavra é
citada, maior é o tamanho dela no mosaico que o sistema constrói. Então vai de palavras grandonas
31
MARQUES, Ana Claudia.; VILLELA, Jorge Mattar. O que se diz, o que se Escreve. Etnografia e trabalho de campo
no sertão de Pernambuco. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2005, v. 48, n. 1, p. 37-74.
137
até pequenininhas. E quantas palavras você vê da teoria das representações sociais são importantes.
Tem dois autores: A Sá Chaves e Muscovicci. São dois autores dessa teoria.
Wal: Jodelet.
Tiago: Jodelet também.
Djalma: Acho que a ideia de núcleo pelo menos para mim, traz uma questão de hierarquização.
Porque quando eu falo de núcleo precisa ter uma periferia, que vai estar orbitando. E eu não sei se.
Erivelto: O núcleo tem os elétrons na órbita, que estão em movimento. No centro, o núcleo tem
massa, e não tem carga, não tem movimento.
Tiago: E os nêutrons necessariamente também não.
Wal: Podemos ir para o Fiori?
Diálogos sobre o texto “A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do
item Educação Libertadora, contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de
Ernani Maria Fiori”
Tiago: como é essa primeira parte quando você fala que o estudo foi orientado pelo debate acerca
dos conceitos que estão aqui?
Djalma: Coloquei paraticamente nos outros também, como grupo como a gente iria construir. Por
que não necessariamente há a fala nestes termos, cosmovisão, visão de mundo.
Erivelto: Lembro-me que num de nossos encontros Wal apontou a necessidade de discutir e
aprofundar um pouco “o que é mundo”. A síntese do texto do Fiori traz uma reflexão bem interessante
sobre a existência humana no mundo humano. Djalma faz uma ressalva que, de acordo com a filosofia
andina, esse mundo humano não é o único presente no mundo. Há outros mundos que extrapolam o
mundo humano. Talvez tenha algum diálogo com essa discussão do que é mundo e o que venha a ser
essa existência humana nesse mundo.
Djalma: É um texto que também contribuir com o diálogo com Dussel, nessa questão dos
condicionamentos. A gente chegou aqui com alguns condicionantes. Se cotidianamente estamos
vivendo e essa compreensão mais cotidiana prescinde de um pensamento mais crítico.... Eu acho que
a proposta que Fiori traz em diálogo com Dussel é a possibilidade da gente “estar” mas, de forma
crítica: olhar para a história na perspectiva de nos situarmos ao mesmo tempo que a gente também
pode nesse olhar ??? que o passado não é imexível, ele nos condiciona. Acho que ele até fala da
138
aventura de quem aceita os riscos de historicização. Não é uma elaboração teórica, é práxis
constitutiva do ser humano. Acho que nos compreendermos, aqui neste momento, olhando para a
história permite uma maior criticidade para aquilo que a gente está fazendo. Amanhã quando
olharmos pode ser mais crítico, não só por estar aqui mas, o ter estado aqui, esse vir a ser. O vir a ser
parece que quando a gente (é uma interpretação) se arrisca nesse processo de historicização, quando
a gente vai trazer o nosso percurso nas nossas pesquisas, trazendo nossas experiências, parece que a
gente olha e parece que foi uma estrada que a gente pegou , entrou na estrada e a gente vai embora.
E aí , bem, num primeiro momento, parece realmente que foi isso. Mas daí você olha, depois das
conversas, que o presente condiciona também, eu acho. “Não, tinha uma rotatória lá, e eu tive que
decidir para que lado eu ia”. Eu acho que também esse pensar criticamente na tentativa de se
historicizar permite a gente se tornar cada vez mais crítico. E se tornar cada vez mais crítico, acho
que possibilita que esse projeto de mundo seja cada vez menos ingênuo. A tentativa do Fiori aqui, foi
essa, principalmente neste diálogo com Dussel, ao trazer essa questão da compreensão existencial,
como a gente passa a existir. A idéia da historicidade e da construção intersubjetiva, que um pouco
foi apresentada nesta síntese, nos dá essa pista.
Sara: Quando ele traz a questão da práxis. Não sei se foi intencional, mas deu certinho com o final,
o último texto trazer a práxis,o processo que a gente age, reflete, que a gente coloca em movimento
nossa cosmovisão. De certa forma volta lá no começo, no Dussel, que ele dá pistas de como se
constitui a cosmovisão. A partir de desembando nessa filosofia da práxis. É um conceito que a gente
poderia colocar na pauta. A práxis.
Tiago: Concordo absolutamente.
Djalma: Dussel vai trazer numa das sínteses, que o modo de existir sem consciência crítica é o que
se chama existencial . Existencial é o modo de cotidiano de ser, no mundo, de existir óbvia e
cotidianamente, sem crise, sem crítica. Lembrei do Fiori, dessa questão do existir. O mundo não
existe. Ele vai se existindo a partir do momento que você vai construindo essa compreensão do
mundo.
Erivelto: O Dussel32 tem um texto que, eu já mencionei, fala das revoluções científicas. Ele mostra
neste texto como a visão que nós temos de mundo se ampliou. No século XV, pensava o mundo de
uma forma. E hoje, por conta dessas revoluções científica, pensamos e compreendemos o mundo de
outra forma. Por exemplo, no século XV, o mundo era o universo. Ele vai justamente problematizar
32
DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.
Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970.
139
isso. Esse texto está naquele CD, com a obra do Dussel.
Sara: Tem no site do Dussel.
Wal: poderia passar para todos nós. É um texto importante para nossos estudos.
Erivelto: O texto chama “América Latina no espaço e tempo”. Neste texto ele vai falar também que
“las ciencias del espíritu nos muestran que la temporalidad es la dimensión esencial en la existencia
humana”33.
Sara: pode repetir, Erivelto?
Erivelto: “las ciencias del espíritu nos muestran que la temporalidad es la dimensión esencial en la
existencia humana” e nós estamos inscritos em um espaço geográfico e cósmico. Ele fala ainda que
“sem dúvida o mundo é finito, ainda que não tenha limites”. Ele está retomando Einstein. O que isso
significa dizer? Quer dizer que ainda que fisicamente mensurável, está em contínua expansão.
Djalma: Tem um outro texto que eu comecei a ler, que me fez pensar nisso, é do Boaventura, chama
“Para uma sociologia das ausências ou uma sociologia das emergências”. Ele vai falar dessa questão
da temporalidade, que numa construção de ciência moderna, o tempo é linear. O tempo sendo linear,
a questão da memória ou a questão da ancestralidade na cultura dos povos africanos, ela fica como
anacrônica, que não dá conta de se desenvolver, não se moderniza por que está presa (ou pega?) num
passado. E quando você vai para a questão da temporalidade, que critica esse tempo linear, ai faz todo
sentido a ancestralidade, por que é tempo vivo, não é tempo que passou. É legal, achei muito bacana
isso daí.
Wal: Petronilha me disse que avançar nem sempre é caminhar para frente. Se você está num labirinto,
você ir para trás não significa que você não está indo para frente.
Ana Paula: Tem um comentário de um amigo que está se separando da esposa. Numa conversa ele
falou que está chegando nas fases da vida. Está na fase dos casamentos dos amigos. “Tá todo casando,
só eu que estou dando um passo para trás, só eu que estou vontando”. Alguma coisa assim. Como se
fosse negativo. “Só eu que estou indo ao contrário das outras pessoas”. Na verdade, não. Se você
chega nesse ponto de reconhecer que aquele relacionamento não dá mais certo, não é mais bom para
você, esse caminho, essa passo atrás de desfazer é muito mais positivo do que você levar aquele
relacionamento adiante, simplesmente por levar. Às vezes não é caminhar para frente, é voltar
33
DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.
Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970. p. 15.
140
também.
Wal: terminamos?
Tiago: Para mim não terminou, não. Mas....
(risos)
Wal: Hoje vocês estão subversivos, não? (risos) Tudo que eu falo, “vocês pararam..”... “Não, a gente
continua de outra forma”. “Terminamos?” . “Para mim não terminou”... (risos)
Tiago: A conversa no grupo terminou. Para mim, não.
141
APÊNDICE 1.
Listagem de temas estudados em cada autor
Encaminhamentos da reunião de 6 de agosto:
Cada membro da dupla redige o texto inserindo suas ideias na Apresentacao e as ideias do autor nos
pontos numerados abaixo (deixar o número, se for abordar mais de um numero, colocar, por exemplo,
pontos 1 e 15 nnnnnnnnnnnn).
As duplas trocam esses textos por e.mail. Compartilha com o grupo até dia 6 de setembro. Dia 10 de
setembro reunião as14 e 30 para olhar o que temos e encaminhar.
Pontos para o texto
1.
Apresentação:
2.
Dos autores do texto (quem são, suas motivações) , do grupo de estudos, como coletivo como
foi constituindo o debate em torno do conceito. O que já vínhamos elaborando.
3.
Dos autores estudados (por que esses autores, como chegamos a eles, quem são) visão teo
referente, centralizado em Deus.
4.
Objetivo do texto, seus limites e contribuições. Analetica de Dussel? Daria para se aproximar
aqui? Procurar ser mais descritivo, menos se posicionar neste momento. Menos síntese, mais
descritivo do que os autores pensam. Fomos entrando nos autores e ampliando. Mais organizar o que
estudamos nos autores e olhar.
5.
Posicionamento epistemologico, político, quando se fala de cosmovisao se esta falando e um
lugar.
6.
Introdução aos conceitos
7.
Mundo/Cosmos e suas relações com o eu/si mesmo . Constituição do ser humano: unidade
primordial/. Constituição do mundo humano no vai e vem./ Constituição da existência humana e da
consciência dessa existência (Fiori)
8.
Vida/experiência de vida/experiência vital; objetivação e subjetivação e construção da
cosmovisão. Historicidade, processo infra-estrutural de produção real do ser humano /
conscientização das Representações sociais supra estruturais. (Fiori)
9.
Afirmação da vida na exterioridade sistêmica.
10.
Dialeticidade entre compreensíveis existencial e fundamental.
11.
Dialogo e convivência
12.
Cotidianidade, existência na pratica, no cotidiano (Fiori)
13.
Estar sendo num mundo sendo
14.
Exterioridade
15.
Relação ontologia e dialética
16.
Totalidade de sentidos
17.
Compreensão dialética do ser. Crítica.
18.
Outros conceitos relacionados. Religião , Gertz. Que, relação entre cosmovisao e religião,
entre cultura e cosmovisao. Gertz.
19.
O pensamento científico e a cosmovisão.
20.
O pensamento filosófico e a cosmovisão. Analetica de Dussel.
21.
Adentrando no conceito e processos da cosmovisão.
22.
Concepção de mundo/cosmovisão/mundividência/visão de mundo/ cosmoconvivencia
andina/ filosofia (que termos o autor ou seu tradutor usa – neste caso apontar na língua original- e por
que). Criticas que alguns dos autores estudados faz ao conceito (por ex. Cosmovisao versus filosofia,
Easterman. Cosmoconvivencia, Simon.) etimologia?
23.
Austin - leva a cosmovisão para o campo da cultura.
24.
Validade do conceito (apenas para comunidades tradicionais? Todo ser humano se vale das
cosmovisoes, e não apenas as comunidade tradicionais) conceito de dissonância do Viveiros de
Castro. É filosofia? (andina). Descolonialidade do poder. Colonialidade.
25.
Visão teo referente dogmatiza, não abrindo o dialogo para outras perspectivas.
26.
O que é cosmovisão. Easterman, intuição da totalidade, não apenas entendida como totalidade
do humano, mas inclui o natural, o humano, os antepassados. Dialeticidade entre compreensíveis
existencial e fundamental.
27.
Cosmoconvivencia andina.
28.
Caráter histórico e polissemico.
29.
Encontro e reconhecimento da alteridade do outro.
30.
Por quais razões os seres humanos constroem cosmovisões.
31.
Na história humana, que momentos podemos exemplificar em que as cosmovisões se
confrontam, qual o resultado desse processo. O que é milenar, o que é secular.
32.
Questão da linguagem, traduções .
33.
Quais são as estruturas da cosmovisão. A visão teo referente diz que é trans-histórica e trans-
cultural, milenar: bem e mal.
34.
Qual(is) processo(s)/procedimento(s) de construção/formação da cosmovisão (momentos
estruturais,
e parte medular e parte "maleável").
Conhecimento e compreensão. Caráter/
reinterpretacao coletiva. Mudurunku.
35.
Construção do sentido na cotidianiedade.
36.
Como se expressam as cosmovisoes (Easterman, no ritual). Acesso ou expresso a cosmovisao
nos rituais? Racionalidade da cosmovisao andina ( complementaridade, que é diferente de oposição;
reciprocidade).
37.
Quais contradições nesse processo.
38.
Quais processos de desconstrução de cosmovisões.
39.
A multiplicidade das concepções de mundo. Filosofia intercultural, esterman. Pressupostos
Sao culturais, Áustin marco cultural. Conhecimento milenar, conhecimento secular, conhecimento
integral e profundo.
40.
Exemplos de cosmovisoes: Viveiros de Castro, corpo, natureza e cultura.
41.
Relação da Racionalidade ocidental com outras cosmovisoes (Gertz).
42.
Reflexões sobre/para os processos de pesquisar:
43.
O ato de pesquisar.
44.
Quais métodos, processos, mais “adequados” para compreensão/análise das cosmovisões.
45.
Importância da história e do contexto - Fabiana
46.
Válido
pesquisar cosmovisoes não apenas em comunidades tradicionais. Dissonância,
estranhamento.
47.
Nosso Ethos e visão de mundo e o Ethos e visão de mundo dos sujeitos da pesquisa.
48.
Gertz, contribuições metodológicas. Interpretação da cultura (relação com a tradução).
Alargamento do universo. Não precisamos nos tornar o outro.
49.
Viveiros de Castro. Critica ao saber prévio da cultura, procurar conceitos e não encaixar em
conceitos. Descrição, procurando não traduzir.
APÊNDICE 2.
Contatos das autoras e autores
Iraí Maria Campos Teixeira - [email protected]
Djalma Ribeiro Junior - [email protected]
Erivelto Santiago Souza - [email protected]
Maria Waldenez de Oliveira - [email protected]
Reijane Salazar Costa - [email protected]
Rosângela Pereira de Souza - [email protected]
-
Sara Ferreira de Almeida – [email protected]
Adriana Bogado
Adriana Bogado
Adriana Bogado - [email protected]
Fabiana Rodrigues de Sousa - [email protected]
Ana Paula Fidélix - [email protected]
Tiago Zânqueta de Souza - [email protected]
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Estudos sobre Cosmovisão - grupo de pesquisa práticas sociais e