Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR
Disciplina: Sociedade e Território.
Doutorado (2011)
Seminário II
Morfologia social, Representação coletiva e Integração social
Dupla: Camilla Lobino e Diana Helene
Durkheim, E.; Mauss, M. Algumas formas primitivas de classificação. In:
RODRIGUES, J. A. (org) Emile Durkheim: Sociologia. São Paulo: Ática, 1981.
Segunda Edição, pp. 183/203.
As sociedades elaboram formas pelas quais representam os sentimentos, a
natureza, o tempo, os objetos as idéias. O conjunto desses significados pode ser
resumido como representações coletivas. Caberia a Sociologia a reflexão e o
entendimento sobre tais conjuntos de representação, na perspectiva elaborada por
Durkheim. Segundo ele o estabelecimento da Sociologia enquanto campo do
conhecimento
científico
deveria
realizar-se
através
dos
afastamentos
das
representações coletivas do entendimento apriorístico, abordando as categorias em
termos de resultados empíricos. Já as representações individuais se manifestavam
ausentes de estabilidade, não podendo ser consideradas como instrumentos de
interlocução científica, ao contrário das representações coletivas. Estas, sim, são
dotadas de estabilidade e concretude e por serem de natureza supra-individual,
poderiam ser tratadas como coisas. Podendo as representações coletivas ser
tomadas como coisas, restaria o esforço de objetivação para, assim, servirem como
objetos científicos.
Seria então as análises sobre as representações coletivas – a produção de
categorias e conceitos pelos grupos sociais – que garantem a Sociologia como mais
uma manifestação da ciência positiva. Um dos esforços de Durkheim deu-se no
sentido da delimitação na ciência dos fatos sociais. Para ele um problema
sociológico é um problema científico, não filosófico, e deve ser enfrentado com base
em regras rígidas do método cientifico. Como a princípio o mundo não está
explicado caberia a ciência demonstrar a partir das representações coletivas como
elas se organizam. Como a dinâmica da consciência coletiva faz do grupo, um
grupo.
Em “Algumas formas primitivas de classificação”, Marcel Mauss e Durkheim
propõem abordagens que questionam o que pensam os atores e como é a
sociedade pensada por eles. Estas questões delimitam, de certa forma, o que pode
ser entendido como “teoria sociológica do conhecimento” da qual o pensamento
durkheimiano tem considerável contribuição.
É através das representações coletivas, expressas por meio de categorias e
conceitos, que estruturamos o pensamento e classificamos como a sociedade
representa o mundo, as coisas do mundo e a si mesma. Estas categorias são
impessoais (externas aos indivíduos) e é por meio delas que eles se comunicam.
Na abordagem apresentada no texto os autores procuraram entender sistemas de
classificações “mais simples” ancorados na crença de que nestes contextos os
processos de diferenciação e individualização estariam pouco desenvolvidos. Tal
fato permitiria a “aproximação” de entendimentos comuns aos que foram aquelas
comunidades: “tribos australianas” e os “esquimós”, por exemplo. O grau de
“complexidade” de determinada sociedade está estabelecida, de acordo com os
autores, com a noção de diversificação que as sociedades apresentam. Nas
sociedades ocidentais, ditas “complexas”, seria mais difícil de entender a lógica de
uma esfera da vida social sem estar interligada a outra.
Para os autores as formas de representações coletivas podem ser entendidas como
categorias do conhecimento: os entendimentos sobre o “tempo” e o “espaço” de
determinadas comunidades, será revelada por meio de uma teorização específica
entre os grupos esquimós. Entender a categoria “espaço” como fato social
possibilitará a descrição organização rítmica da vida social do grupo, daí o
fundamento social da categoria “espaço” ou “tempo”.
O tempo poderá ser
demarcado e avaliado pelos rituais, festas e os as plantações, delimitando um ritmo
e a regularidade da atividade coletiva fundamental para a noção de “tempo”. Com
efeito, o “tempo”, o “espaço”, o “as regras de parentesco” entendidas como
manifestação da representação coletiva, vistas como coisas, seriam candidatas a
objetos da abordagem sociológica.
No referido texto Durkheim e Mauss remontam os grupos totêmicos de algumas
tribos australianas que elaboram e compartilham classificações das coisas do
mundo, reproduzindo as classificações dos homens dispostos nas fratrias que, por
sua vez, indicam classes matrimonias. Os autores buscam relacionar as atuais e
fragmentadas formas de classificação entre os grupos (que elaboram as regras de
parentesco) através da manutenção de sentidos presentes na existência anterior a
mudanças dos clãs e grupos totêmicos: “O sistema não desaparece sem deixar
traços visíveis de sua existência anterior”. A reflexão dos autores indica que o as
organizações totêmicas não são imutáveis, como qualquer sistema cultural, e que se
associam
por
afinidades
podendo
produzir
grupos
mais
volumosos
e
conseqüentemente a diminuição desses grupos.
O texto demonstra as relações entre as sociedades que se organizam por base
totêmica existe uma intensa relação, que não é acidental, entre o sistema social e o
sistema lógico. Entre os Moorawri existe 152 espécies de objetos que servem de
totens a outros diferentes clãs.
Entre os Arunta a árvore de goma está associada ao clã das rãs, da galinha d’água e
ao clã água. As conexões entre tais grupos são “restos” de antigas classificações e
por isso relacionam determinadas categorias de entendimentos, classificando
relações de parentesco permitidas e as proibidas. Entre os Chingalee cada fratria
representam 8 classes matrimoniais e cada classe de uma fratria e só se autoriza o
casamento com uma classe de outra determinada fratria.
Os totens, assim como as classificações elaboradas pela ciência, estabelecem
hierarquias e revelam como os atores dividem o mundo, uma vez que a noção do
totem situa em relação a ela todos outros conhecimentos. Estas classificações têm a
função de estabelecer sentido e ligar as idéias entre si. Mesmo com as mudanças,
inovações, fragilizações e fragmentações de certos totens – que podem se dar por
alianças – as conexões antigas de que dependem as classificações não deixam de
desempenhar papel importante
na gênese da função classificatória geral. Os
sistemas totêmicos entre os australianos e os índios americanos, resultado das
relações sociais entre estes grupos, serviram de protótipo para as relações lógicas
desses grupos, exprimindo classificações sobre o espaço, o tempo, o parentesco e
as relações políticas, como compreendem os autores:
“A sociedade não foi simplesmente um modelo de acordo com o qual o
pensamento classificatório teria trabalhado; foram os próprios quadros da
sociedade que serviram de quadros ao sistema. As primeiras categorias
lógicas foram categorias sociais; as primeiras classes de coisas foram classes
de homens nas quais as coisas foram integradas” (DURKHEIM; MAUSS,
1981, p.198).
Como vimos, os autores indicam que os processos de classificação estabelecem
hierarquias sociais e mesmo tratando de metáforas as expressões utilizadas para
classificar as coisas evocam um sentido moral, além de conservarem um sentido
primitivo anterior. Os sentidos mantidos e associados pelos processos de
classificações dizem a respeito de um sistema único, totalizado, uma vez que a
sociedade é compreendida como tal. Está tudo ligado a ela. As categorias refletem
grandes classes de coisas que são desdobradas em conceitos práticos e
operacionais.
As representações coletivas, além de explicarem o mundo, têm o poder de sacralizar
certos sentidos que são ordenados e hierarquizados de determinadas maneiras; os
conteúdos morais estão delimitados pelas categorias e nas instituições que revelam
os valores importantes para os grupos, por exemplo: “família”, “infância”,
“casamento”, “escola”. Por meio das categorias de representação as sociedades
refletem não só o que elas são, mas o que elas gostariam de ser, como as
sociedades se projetam.
Os conteúdos das representações coletivas se relacionam com as categorias
cientificas retomando o valor moral que as representações possuem no grupo e a
moral científica. Uma vez que a prática científica transforma a representação coletiva
em conceitos cientificamente produzidos, a eficácia do conceito pode ser desvelada,
explicando e se comunicando com as formas do “real” que não são científicas.
O grupo social abordado no texto é o grupo totêmico, que relevam as relações de
parentesco, classificando os elementos “da mesma carne”, “da mesma família”.
Assim como a idéia geral domina o individuo, o totem domina o clã, e este o subclãs.
As relações que estabelecem unidade a organização doméstica, entendida pelos
autores como os “laços lógicos” possuem variações de sua natureza. Podem ser
laços familiares, com relações de subordinação econômica e política anterior a
separação lógica das coisas.
Nesse sentido, a identificação das coisas como
impuras ou puras, sagradas ou profanas, remetem a caracteres fundamentais e
exprimem a maneira pela qual elas afetam a sensibilidade social. Existem laços
sentimentais entre os grupos, os indivíduos e as coisas. (Durkheim entendeu a
religião como o primeiro sistema coletivo de representação do mundo. Segundo ele
as categorias fundamentais do entendimento humano – tempo, espaço, numero,
causa, etc, revelam relações entre os homens e as coisas, produzidas inicialmente
no interior do pensamento religioso são expressa por meio de conceitos simbólicos).
O espaço enquanto categoria é também encontrado no registro emocional. Daí a
importante conexão entre as noções que se aproximam e outras que se afastam. Os
espaços podem ser diferenciados regiões, inclusive afetivas. Os índios Sioux,
englobam o mundo nos limites do seu espaço tribal. Os Guarani não entendem
limites federativos brasileiros, estabelecidos sobre seus territórios. O entendimento
das categorias elaboradas pelos grupos atravessa, necessariamente, aspectos
relevantes do local ocupado pelos grupos. No texto, os autores buscam refletir sobre
o caráter fundamental das classificações, que seriam distinguir e nomear, sendo
assim os conceitos revelam determinadas limitações dos grupos que são marcadas
com precisão.
Dentro da reflexão acerca da elaboração das categorias e classificações sociais, aos
autores indicam a produção de categorias científicas como especifica de um grupo,
o grupo científico. Durkheim e Mauss relacionam um dos principais entraves às
classificações científicas, a emoção.
E revelam, sobre um ponto de vista
evolucionista, que a história das etapas das classificações cientifica é o curso das
quais os elementos de afetividade social se enfraquece progressivamente.
Durkheim e Mauss resumem os efeitos dos processos de classificação: “O quadro
de todas as classificações, o conjunto todo de hábitos mentais em virtude dos quais
concebemos os seres e os fatos sobre a forma de grupos coordenados e
subordinados uns aos outros”.
A morfologia social aparece como um instrumento que permite o entendimento do
substrato material das sociedades, a forma no qual se realiza o estabelecimento do
grupo no solo, a densidade e o volume da população. Como está distribuído o
conjunto das coisas que sediam a vida coletiva? A morfologia social de uma
metrópole brasileira permite entendermos os seus mecanismos de coesão?
No caso do texto sobre os esquimós, que não se trata de uma etnografia, apesar de
seus traços constantes, revelam formas distintas de relações sociais num
determinado tempo e espaço: estabelece distinção de regimes jurídico, religioso e
moral. Há uma relação entre a morfologia social, as representações coletivas e as
formas como a vida social se organiza: os autores relacionam a ordem moral e a
morfologia social. A morfologia social revela a forma na qual a sociedade se
materializa que pode ser acessada por meio de seu tamanho, volume, densidade,
por gênero, faixa etária revelando as bases da representação social do grupo. Por
fim, é a consciência coletiva que reflete a morfologia social e acompanha a dinâmica
delas.
A conclusão dos autores é de que as normas de mudanças rítmicas estão
fundamentadas na sociedade, e que este ritmo submete o espaço. O tempo e o
espaço não são categorias dadas naturalmente, mas por uma ordem social que
todos os indivíduos do grupo participam.
MAUSS, M. Morfologia Social: ensaios sobre as variações sazoneiras das
sociedades esquimó. In: Mauss, M. Sociologia e Antropologia, São Paulo:
APU/EDUSP, 1974. Volume II, pp. 237/320.
O texto trata da morfologia social1 das sociedades esquimó. Segundo o autor, o que
faz com que estas ofereçam um interessante campo de estudo é que sua morfologia
muda completamente de acordo com as variações sazonais. Da mesma maneira
que a morfologia se modifica, mudam os agrupamentos e as classificações da
sociedade esquimó. Isto nos possibilitaria compreender como o ambiente físico se
relaciona com a vida social e como morfologia social possui uma estreita ligação
com a ordem moral e as representações coletivas.
Nesse sentido, o ensaio defende o ponto de vista sociológico, criticando as análises
dos geógrafos e antropogeógrafos acerca da sociedade esquimó, visto que estes
concentram seus pontos de vista a partir ação imediata do meio físico sobre a vida
social. Por essa razão, inicia o texto a partindo da seguintes indagações: seriam os
fatos sociais determinados pelas variantes territoriais? de que forma, e por quê, a
morfologia social esquimó altera-se durante o inverno e o verão?
Após esta introdução o autor inicia a descrição das sociedades esquimó
propriamente dita, a partir da morfologia geral destas sociedades.
A unidade territorial do esquimó é classificada pelo “estabelecimento”, que significa
um grupo de famílias aglomeradas e unidas por laços especiais, que ocupam o
habitat pelo qual se distribuem desigualmente conforme a estação do ano, mas que
constitui seu domínio. O nome do estabelecimento é um nome próprio, que é usado
por todos os seus membros, e só por eles. Cada um tem seu espaço de caça, de
pesca em terra e no mar. O estabelecimento não tem apenas um nome e um solo,
como também uma unidade linguística e uma unidade moral e religiosa. Existe um
sistema tabuístico do nome dos mortos, dá-se o nome do ultimo morto a quem
1 A morfologia social é a forma pela qual o grupo se espacializa, se diferencia e a forma como se constituí o
substrato material de seu agrupamento(tamanho, volume e densidade).
nascer primeiro no estabelecimento, acreditando-se ,assim, que esta criança é a
reencarnação do morto.
A distribuição no território dos estabelecimentos depende de três condições
necessárias: no inverno e na primavera, água livre para caça as focas, ou gelo em
terra; no verão, um território de caça e pesca de água doce. Eles são obrigados a
manter-se muito perto do ponto em que se encontram reunidas todas as condições
necessárias à sua existência. Caso ocorra algum problema que os impeça de dar
continuidade a sua rotina de sobrevivência, têm que se transportar imediatamente
para outro ponto igualmente privilegiado. Essas migrações são demoradas e
perigosas. Toda temeridade e todo imprevisto infeliz do clima, tem como
consequência uma redução do número de habitantes. Em resumo fica claro que a
limitação dos estabelecimentos esquimós liga-se ao modo pelo qual o meio age, não
sobre o indivíduo, mas sobre o grupo com um todo.
Esta morfologia geral varia conforme as quadras do ano, mais especificamente pela
oposição verão X inverno. O estabelecimento continua sendo a unidade
fundamental das sociedades esquimó, porém, segundo as estações ele apresenta
formas muito diferentes.
Verão
A morfologia social é marcada pela dispersão e mobilidade.
Os estabelecimentos são construídos distantes uns dos outros, constituindo-se em
tendas, de construção simples e efêmera, geralmente montada, desmontada e
transportada por longas distâncias a cada mudança de estação. A sociedade de
verão não é apenas dispersa pelo espaço imenso que percorre, como ainda que
impulsionada para além e muito longe. Essa dispersão segue a abertura de modo
quase ilimitado do campo da caça e pesca.
Cada tenda é ocupada por uma única família (homem, mulher(es) e filhos solteiros
naturais ou adotados) construída exatamente à sua medida. O parentesco é
individual e o direito é relativamente patriarcal (o homem decide os deslocamentos e
as partilhas, e tem o direito absoluto de punir). Porém a “dupla conjugal” homem -
mulher exerce papel central na provisão deste estabelecimento pequeno e disperso,
fator este que gera a necessidade das descendência para a manutenção da
sociedade de verão.
Não existe religião nesta estação2. Todos os mitos que enchem a consciência do
esquimó durante o inverno, parecem ser esquecidos no verão.
Inverno
A morfologia social é marcada pela uma concentração da vida sócial e a imobilidade.
Os estabelecimentos, nesse caso, são casas ou casas grandes. Estas casas são
colocadas próximas umas das outras, e o conjunto delas é chamado de estação de
inverno (existem casos que toda estação ocupa uma única casa de inverno). Cada
uma destas casas contém, geralmente, diversas famílias cohabitando internamente
(variando de 2 a 11 famílias). Vale ressaltar que a casa de inverno, da maneira que é
construída, faz parte da idiossincrasia das sociedades esquimó. Há, assim, uma
relação estreita entre o aspecto um aspecto morfológico da casa e a estrutura de
grupo complexo que ela abriga.
Uma outra construção de inverno, o kashim (meu lugar de reunião), termina por dar
relevo às características particulares da vida que o esquimó leva durante a estação.
Esta casa, geralmente fica no centro da estação de inverno, muitas vezes com
tuneis comunicando as casas ao kashim. Nele não há divisões nem compartimentos,
e ao seu centro encontra-se um fogão, o que o caracteriza como a casa comum de
toda estação de inverno. Ele é essencialmente um lugar público. Ali acontece uma
extrema concentração do grupo, pois nela acontecem as cerimônias e festas que
que reúnem toda a sociedade.
Estas festas fazem parte de um estado de contínua exaltação religiosa, da presença
de mitos, de rituais de xamanismo, danças, trocas de presentes, comunismo sexual
e ritos sexuais (troca de mulheres, orgias, etc). Há um caráter de santidade que
impregna toda a vida social no inverno. Tal vida religiosa não é só intensa, mas
eminentemente coletiva.
2 Parece não haver religião, pois os grupos estão reunidos em pequenas famílias e não acontecem rituais
festivos e/ou coletivos.
O direito doméstico de inverno não tem qualquer caráter patriarcal. Seu chefe não é
designado pela nascimento, mas por características pessoais, além disso, seus
poderes são limitados, tendo a função de receber os estrangeiros, distribuir os
lugares e fazer as partilhas. O direito da estação não é apenas a soma dos direitos
próprios de cada casa: é um direito sui generis, que lembra o dos grandes
agrupamentos familiares. Além disso entre os membros da casa há uma real
fraternidade. A doçura, a intimidade, a alegria geral, a bondade afetuosa e a
indulgência extrema reinam na estação de inverno. Ela responde maravilhosamente
a definição árabe de clã: lugar onde a vingança sangrenta não se verifica. Pode se
dizer que o clã, em todo seu amorfismo, absorveu as famílias individuais.
Os direitos de propriedade também são coletivizados. A casa é propriedade de todos
que a habitam e é construída às expensas comuns. O mesmo estende-se aos
produtos de consumo, toda caça é dividida igualmente entre todos. A vida de inverno
passa-se, assim, em uma perpétua refeição comum que seus integrantes se
oferecem mutuamente.
Poderíamos dizer que se trata de dois povos diferentes, o de inverno e o de verão.
Todos os aspectos da dinâmica social esquimó estão marcados pela oposição verão
x inverno. Esta oposição estrutura a dimensão cosmológica das sociedades
esquimó.
A oposição entre verão e inverno afeta profundamente as ideias, as representações
coletivas, a mentalidade do grupo. Cada estação define todo um gênero de seres e
de coisas. As pessoas são divididas pelas que nasceram no inverno e as que
nasceram no verão. Além disso há coisas, objetos e costumes tão estritamente
diferenciados para cada estação, que a mistura entre eles é proibida. Demonstrando
com isso, como todo o sistema classificatório altera-se sob as mudanças climáticas.
Podemos dizer que, na sociedade esquimó, o princípio social estruturante é a
relação inverno-verão.
Tabela esquemática comparativa
INVERNO e VERÃO
Verão
Morfologia Dispersão e mobilidade
Inverno
Concentração da vida social e a imobilidade.
Estabeleci
mentos
Tendas (construção simples e
efêmera, geralmente montada,
desmontada e transportada por
longas distâncias a cada
mudança de estação) distantes
umas das outras. Ocupada por
uma única família (homem,
mulher(es) e filhos solteiros
naturais ou adotados)
Casas ou casas grandes, próximas umas das outras, e o
conjunto delas é chamado de estação de inverno Cada casa
contém diversas famílias cohabitando internamente
(variando de 2 a 11 famílias). Outra construção de inverno,
o kashim (meu lugar de reunião), que fica no centro da
estação de inverno. Um lugar público= extrema
concentração do grupo, cerimônias e festas que reúnem toda
a sociedade.
Parentesco
Individual
=
relação
de Coletivo (classificatório) = “família grande” com relações
parentesco restrita a família de de parentesco indiferenciadas
verão
Direito
Relativamente patriarcal (o
homem decide os deslocamentos
e as partilhas, e tem o direito
absoluto de punir). Porém a
“dupla conjugal” homem-mulher
exerce papel central na provisão
deste estabelecimento pequeno e
disperso
Religião
Não existe religião nesta estação. Estado de contínua exaltação religiosa, mitos, rituais de
xamanismo, danças, trocas de presentes, comunismo sexual
e ritos sexuais (troca de mulheres, orgias, etc). Tal vida
religiosa não é só intensa, mas eminentemente coletiva.
O direito doméstico de inverno não tem qualquer caráter
patriarcal. Seu chefe não é designado pela nascimento, mas
por características pessoais, seus poderes são limitados,
tendo a função de receber os estrangeiros, distribuir os
lugares e fazer as partilhas. O direito da estação não é
apenas a soma dos direitos próprios de cada casa: é um
direito sui generis, que lembra o dos grandes agrupamentos
familiares.
Os direitos de propriedade são coletivizados. A casa é
propriedade de todos que a habitam e é construída às
expensas comuns. O mesmo estende-se aos produtos de
consumo.
Pode-se dizer que a noção de inverno e a noção de verão são como dois pólos em
torno dos quais gravita o sistema de idéias dos esquimó. E esta oposição estanque
entre inverno e verão, é resultado da representação coletiva.
Isso significa, portanto, que a oposição verão-inverno compõe o sistema simbólico
da sociedade esquimó, constituindo o princípio que ordena toda sua vida social.
Outras referências bibliográficas:
Filho Pinheiro, F. A noção de representação em Durkheim. Lua Nova. nº 62, 2004.
______________. Tempo de sociologia e sociologia do tempo entre os Durkheimianos.
Teoria e Pesquisa, 46. Janeiro, 2005.
Download

Seminário II Morfologia social, Representação coletiva e Integração