Rua Ferrer
18 de maio de 1924
John Hartley, Coquinho, Luiz Antônio, Gabriel, Guerra, Antenor, Dininho, Frederico, Anchyses, Nonô e Pastor: eis o
Bangu pronto para a temporada de 1924.
Evidente que os tempos eram outros... Não
havia sequer rádio transmitindo as partidas de
futebol, ninguém tinha pensado ainda em
publicidade nas camisas dos jogadores ou
placas com nomes de anunciantes à beira do
campo. O futebol era totalmente amador. O
jogador não recebia para atuar pelo seu clube.
Muito pelo contrário, defender as cores de um
time era uma honra para qualquer esportista.
Neste cenário bem distante do chamado
“futebol moderno”, já existia uma grande
rivalidade entre Bangu e Flamengo. O time do
subúrbio fazia de seu estadinho com
arquibancadas de ferro e madeira na rua
principal do bairro, uma verdadeira praça de
guerra. E, por isso, mesmo tendo perdido os
dois primeiros jogos do Campeonato Carioca,
levava fé numa vitória na “cancha encantada
da Rua Ferrer”.
O Flamengo, ao contrário, tinha vencido
seus dois primeiros compromissos e já
pensava no título de 1924. Mas, apesar de
levar uma grande torcida num trem especial,
sabia que atuar “lá em cima” era sempre um
risco: o Bangu crescia muito quando jogava
em casa.
Pela primeira vez na história, a Associação
Metropolitana de Esportes Athléticos se
preocupou em anotar o número de ingressos
vendidos num Campeonato Carioca. Por isso,
para as futuras gerações, ficou registrado que
3.311 pessoas foram até a Rua Ferrer naquele
domingo de maio.
Podiam até ser outros tempos, mas as
arbitragens de outrora também geravam muita
polêmica: “Como juiz serviu o sr. Gilberto de
Almeida Rego, que esteve muito falho e
indeciso. Sua atuação não nos agradou, pois
marcava penalidades fantásticas, prejudicando
muito a ambos os clubes” – reclamou o jornal
O Paiz.
Quando o jogo ainda estava no 1º tempo, a
numerosa torcida rubro-negra reclama
vivamente de um possível pênalti cometido
pelo banguense Américo Pastor. Os
xingamentos ao árbitro são inevitáveis. Eis
que Gilberto de Almeida Rego tira o apito da
boca e vai se retirando de campo, chateado
com os apupos. Naquele tempo, o referee
também cumpria uma função nãoremunerada.
Só a muito custo os capitães do Bangu e do
Flamengo conseguiram convencer o árbitro a
continuar apitando a partida.
A torcida flamenga parou de reclamar aos
38 minutos, quando o gigantesco atacante
Nonô chutou cruzado para vencer o goleiro
Gabriel: era o primeiro gol do jogo.
O Bangu poderia ter se abatido, mas logo
na saída de bola, o ponta-esquerda Antenor
resolveu a “parada”: investiu e com um belo
chute indefensável empatou o jogo aos 39
minutos. Um alívio para a torcida
extremamente bairrista que lotava as
arquibancadas sociais. O time ia para o
intervalo em igualdade de condições.
Depois do descanso, que durou longos 20
minutos, o Bangu foi mais eficiente. Com um
minuto do 2º tempo, o atacante Nonô
(curiosamente cada um dos times tinha um
center-forward com este apelido) vira o jogo
para os alvirrubros.
Desta vez foi o Flamengo que não
demorou para reagir. Aos 5 minutos, Pastor
coloca a mão na bola dentro da área. Pênalti
que Junqueira cobra para decretar uma nova
igualdade: 2 x 2.
O empate não interessava ao Bangu. Era
preciso reagir no Campeonato. O time foi
para cima e a partida ficou aberta. Eis que,
aos 25 minutos, o zagueiro rubro-negro
Pennaforte também coloca a mão na bola
dentro de sua área. Outro pênalti!
O jovem Dininho, meros 18 anos, vai para
a cobrança. A Rua Ferrer fica em silêncio por
alguns instantes até virar uma festa nas cores
vermelha e branca. Era o terceiro gol! Era o
gol da vitória!
Às 17h15, quando o juiz deu por encerrado
o match, a torcida banguense podia,
finalmente, comemorar a primeira vitória do
ano pelas ruas do bairro.
Domingo, 18 de maio de 1924
3x2
Competição: Campeonato Carioca
Local: Rua Ferrer (RJ)
Juiz: Gilberto de Almeida Rego
Público: 3.311
Bangu: Gabriel, Luiz Antônio e Pastor;
Coquinho, Frederico e Guerra; John Hartley,
Anchyses, Nonô, Dininho e Antenor.
Flamengo: Amado, Pennaforte e Telephone;
Japonês, Seabra e Elmir; Vadinho, Candiota,
Nonô, Junqueira e Benevenuto.
Gols: No 1º tempo: Nonô (Fla) (38) e Antenor
(39). No 2º tempo: Nonô (Ban) (1), Junqueira
(pên.) (5) e Dininho (pên.) (25).
Campeonato Carioca 1924
Classificação
Pts J
V
E
D GP GC SG
1 Fluminense
6
3
3
-
-
10 6
4
2 América
5
3
2
1
-
7
3
4
3 Helênico
4
3
2
-
1
7
3
4
4 Flamengo
4
3
2
-
1
8
5
3
5 São Cristóvão
3
3
1
1
1
3
4
-1
6 Bangu
2
3
1
-
2
8
9
-1
7 Botafogo
0
3
-
-
3
1
5
-4
8 Brasil
0
3
-
-
3
5 14 -9
Por deixar dois pontos irrecuperáveis diante do Bangu, o Fla teve que se contentar com o vice-campeonato de 1924.
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