CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL
COLÓQUIO “A POLÍTICA DA HABITAÇÃO”
(Organizado pelo Conselho Económico e Social
no Pequeno Auditório da Caixa Geral de Depósitos
a 3 e 4 de Abril de1997)
Lisboa, 1997
ÍNDICE
Sessão de Abertura
Intervenção do Presidente do Conselho Económico e Social
Dr. José da Silva Lopes
5
Intervenção da Secretária de Estado da Habitação e Comunicações
Dra. Leonor Coutinho
7
Painel - Análise da situação actual: evolução recente, perspectivas
Prof.ª Clara Mendes - Relatora
Dr. Manuel Ataíde Ferreira - Comentador
Política de Habitação: Análise da Situação Actual
Sr.Carlos Silva - Comentador
16
29
35
Painel - Planeamento urbano e oferta de terrenos
Planeamento Urbano e Política de Solos
Eng. A. Fonseca Ferreira - Relator
Política de Solos - Papel do Estado, Papel do Mercado
Arqt.ª Helena Roseta - Comentadora
40
55
Painel - A actividade da construção: regulamentação, técnicas e custos,
Fiscalidade e apoios na construção e na habitação
Eng. Rui Manuel Nogueira Simões - Relator
Prof. Sidónio Pardal - Comentador
Prof. Vítor Abrantes - Comentador
69
85
89
Painel - Habitação Social
Habitação Social - Uma Abordagem Sistemática
Dr.Eduardo Vilaça - Relator
Alojamento para Pobres ou Alojamento para Todos?
Prof.ª Isabel Guerra - Comentadora
103
120
Painel - Financiamento
Dr. Rui Mendes - Relator
Dr. Manuel Moreira Rodrigues - Relator
Dr. António Amaral Gomes - Comentador
2
132
132
167
Painel - Arrendamento
Eng. Mário de Azevedo - Relator
Prof. Diogo Lucena - Comentador
Sr. Eduardo Carvalho da Silva - Comentador
Dra. Alexandra Gonçalves - Comentadora
176
191
198
205
Sessão de Encerramento
Intervenção do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da
Administração do Território
Eng. João Cravinho
210
PROGRAMA
215
3
Sessão de Abertura
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Intervenção do Senhor Presidente do Conselho Económico e Social
Dr. José da Silva Lopes
O presente Colóquio tem a sua origem numa decisão do Plenário do Conselho
Económico e Social, tomada com base no direito de iniciativa que a lei lhe atribui, de
elaborar um parecer sobre a Política da Habitação.
Entendeu-se que para a elaboração desse parecer que já está a ser preparado e de
que é relator o Dr. João Salgueiro, haveria todo o interesse em procurar colher o
máximo possível de informações e opiniões junto dos que melhor conhecem os
problemas relativos a referida política.
Considerou-se que a realização de um Colóquio como este era o processo mais
eficaz de conseguir tal objectivo. Foi, assim, que se convidaram para se reunirem
aqui, alguns dos nossos melhores especialistas sobre problemas da habitação; os
representantes dos principais agrupamentos sociais mais directamente envolvidos
nesses problemas, incluindo, em particular, cooperativas de habitação e as associações
de inquilinos e proprietários; muitos dos agentes económicos com papel mais activo
no sector habitacional, ao nível da promoção imobiliária, da construção, das
transacções e do financiamento; e vários dirigentes e técnicos dos serviços do Estado
e das autarquias locais, com responsabilidades na definição e na execução prática da
política da habitação
Teremos, ainda, o contributo valioso dos dois membros do Governo mais
directamente envolvidos nas questões que vamos tratar o Senhor Ministro do
Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e a Senhora
Secretária de Estado da Habitação e Comunicações, que nos discursos que vão fazer,
respectivamente no encerramento e na abertura do Colóquio, nos vão certamente
informar sobre as grandes linhas da política que o Governo tem vindo a seguir ou irá
pôr em prática para promover uma melhor satisfação das necessidades dos
portugueses em matéria de habitação.
O programa do Colóquio, estabelecido com a ajuda da Senhora Secretária de
Estado da Habitação e Comunicações, a quem tenho de agradecer o valioso apoio que
nos prestou, prevê o tratamento e discussão dos temas mais relevantes no quadro da
política da habitação: a análise da situação actual e dos principais problemas do sector
habitacional, o planeamento urbano e a política de solos, a influência das
regulamentações e da fiscalidade sobre as actividades de construção, a habitação
social, o financiamento e o arrendamento.
Como não poderíamos prolongar demasiado a duração deste Colóquio, teremos de
tratar estes temas em sessões que, por vezes, se virão a revelar demasiado curtas para
discutir todos os aspectos que mereceriam ser desenvolvidos. Pela mesma razão, foi
necessário deixar de lado vários temas, nomeadamente da área sociológica que são,
sem dúvida, da maior relevância no quadro da Política da Habitação.
5
Para terminar esta apresentação, deverei exprimir os agradecimentos do Conselho
Económico e Social a todos os que contribuíram para que este Colóquio se tornasse
possível. Esses agradecimentos abrangem os autores das comunicações que vão ser
apresentadas, os comentadores dessas comunicações, os presidentes das mesas das
sessões e os membros da assistência que vierem a intervir.
Deverei, também, agradecer à Caixa Geral de Depósitos, e especialmente ao
Presidente do seu Conselho de Administração, Dr. João Salgueiro, a generosidade
com que disponibilizaram as instalações onde vão decorrer os nossos trabalhos.
Por último, tenho de agradecer ao Senhor Ministro do Equipamento, do
Planeamento e da Administração do Território, Eng. João Cravinho, e à Senhora
Secretária de Estado da Habitação e Comunicações, Dra. Leonor Coutinho, pelas suas
intervenções, respectivamente no fim e no início do Colóquio com que irão valorizar
os nossos trabalhos.
Estou certo de que este Colóquio nos irá trazer contribuições muito importantes
para a análise dos problemas mais prementes que encontramos no sector da habitação,
quer os que respeitam à satisfação de uma das necessidades mais básicas da
população e a melhoria do nível de vida, quer os que respeitam ao funcionamento da
economia nacional, onde têm grande peso a construção e as restantes actividades
ligadas ao sector imobiliário.
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Intervenção de Sua Excelência, a Secretária de Estado da Habitação e
Comunicações
Dra. Leonor Coutinho
Gostaria de felicitar o Conselho Económico e Social pela organização deste
colóquio que vem permitir debater a habitação um dos sectores mais difíceis e que
menos atenção tem tido, a nível do nosso funcionamento como sociedade.
A habitação é um sector em que se foram acumulando muitos desequilíbrios e,
consequentemente, onde se acentuou muita conflitualidade, ao longo dos anos. É um
sector onde a moderna sociedade portuguesa tem muitos desafios a vencer.
Precisamos, assim, de uma enorme coesão e da contribuição de todos para
conseguirmos dar os passos que são necessários.
A indústria da construção civil de edifícios é uma das maiores indústrias
portuguesas com uma enorme contribuição no emprego. É uma indústria
extremamente dinâmica apesar dos seus problemas estruturais. Predominam empresas
muito pequenas, utilizando frequentemente técnicas desadequadas, sustentando a
constante falta de uma “cultura de projecto”, dependentes de procedimentos
burocráticos e lentos, com grandes repercussões nos custos.
No entanto, a indústria da construção tem-se modernizado nos últimos anos,
revelando um grande dinamismo, na medida em que tem conjugado o esforço de
grandes industriais com pequenos empresários. O enorme dinamismo desta indústria é
traduzido nos números que correspondem aos fogos construídos nos últimos trinta
anos em Portugal.
Verificamos que, nas décadas de sessenta e setenta, o ritmo médio anual de
construção em Portugal foi respectivamente de 6,7 e 7,6 fogos por mil habitantes,
enquanto na Europa, em média, se construía cerca de 3,5 de fogos por mil habitantes.
Na década de oitenta, volta-se a verificar o mesmo dinamismo. Enquanto a Europa
aumenta o seu ritmo anual de construção para 5,5 de fogos por mil habitantes, o ritmo
verificado em Portugal pelo censo de 91 era de cerca de 8 fogos por mil habitantes.
Portugal caracteriza-se por um ritmo de construção elevado e sustentado durante
trinta anos, apesar das estatísticas de licenciamento de obras que são publicados
mensalmente pelo INE subavaliarem sistematicamente estes valores além de terem
vindo sempre a ser desmentidos pelos censos, também publicados pelo INE de dez em
dez anos.
Este forte ritmo de construção traduziu-se num acréscimo de 760 mil fogos entre
1981 e 1991. No entanto, o saldo de fogos destinados a residência habitual das
famílias apenas aumentou de 273 mil unidades, passando de 2,770 milhões para 3,042
milhões, apenas 34 por cento do esforço construtivo do país.
Os fogos destinados a uso sazonal ou com ocupante ausente foi acrescido de 234
mil unidades, crescendo 55 por cento na década de 80. Neste momento Portugal
7
atingiu uma taxa de segundas residências elevada, quando comparada à média da
Europa, e que se traduziu por 31 por cento do esforço da construção dos últimos anos.
O que é mais preocupante, no entanto, é verificar que 33 por cento dos fogos
construídos na década de 80 apenas vieram aumentar em 252 mil o número de fogos
vagos que passaram, entre 1981 e 1991, de 190 mil para 442 mil.
Este aumento explosivo caracteriza a crise de construção e a dificuldade de
escoamento da produção. Revela, assim, uma enorme inadequação da oferta à
procura.
As grandes carências habitacionais tantas vezes avaliadas em 500 mil fogos não
foram satisfeitas pelo forte ritmo de construção. Elas situam-se nas camadas com
menores rendimentos, para as quais o mercado pouco produziu. Por um lado, há uma
evolução demográfica da população que leva a que as famílias portuguesas tenham
diminuído de tamanho. Existe agora uma grande procura de casas por pessoas sós ou
por famílias pequenas, enquanto persiste uma acentuada oferta de fogos de grandes
dimensões que não respondem a estas novas necessidades traduzidas pela evolução
demográfica.
Os números que citei e que traduzem a evolução de uma década, ilustram bem o
desequilíbrio que existe entre a oferta e a procura de habitação, num país onde as
carências habitacionais das camadas mais desfavorecidas ainda são extremamente
flagrantes, não só pelo número de pessoas residentes em barracas, abarracados e
outras situações similares, como pelas camadas de baixos rendimentos de que um
número muito significativo vive em fogos em sobreocupação ou em grande estado de
degradação.
Essas carências habitacionais não têm tido a resposta necessária a nível do
mercado e é, obviamente, um dos grandes problemas que existem na nossa sociedade
para melhorar a qualidade de vida dos portugueses.
Os programas que foram lançados nos últimos anos para as populações mais
carentes foram exclusivamente dedicados às pessoas que vivem em barracas e
abarracados. Deixou-se assim sistematicamente de lado toda uma camada médiabaixa da população que vive em situações extremamente carenciadas e que não têm
tido qualquer apoio do Estado.
Outro problema que é normalmente referenciado como um dos maiores
desequilíbrios que existem no nosso mercado da habitação: o das rendas antigas.
As rendas em Portugal foram repetidamente congeladas a partir de 1914. Houve
uma tradição de congelamento de rendas que, num primeiro tempo, foi justificada
pela Grande Guerra, mas que veio a ser prolongada sistematicamente por motivos
vários e que, obviamente, veio enquistar na sociedade portuguesa uma situação de
degradação do parque habitacional, um prolongamento de situações de conflito entre
inquilinos e proprietários extremamente agravado e ao qual praticamente só foi dada
resposta em 1985 – com uma lei que permitiu algum reajustamento das rendas
antigas, mas que depois não foi continuada. Finalmente, em 1990, com o consenso
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dos maiores partidos portugueses foi publicada a nova lei de arrendamento urbano que
permite, a nível habitacional, a celebração não só de preços livres, mas também de
contratos de três a cinco anos, em função do promotor.
Criou-se assim um novo mercado de arrendamento que tem vindo a crescer em
importância, apesar de os preços praticados serem extremamente altos – eles, aliás,
têm vindo a decrescer nos últimos anos. O acréscimo de fogos para arrendamento no
mercado livre tem-se verificado, mas persistem centenas de milhares de fogos não
ocupados, que não são disponibilizados pelos seus proprietários, apesar de as rendas
praticadas corresponderem a um contrato de duração limitada.
O novo mercado de arrendamento criado pelo mercado livre, acaba por não dar
resposta às camadas mais carenciadas da população, em virtude das rendas praticadas.
Verificam-se algumas excepções, por exemplo em Braga, onde se praticam preços
mais baixos do que noutros locais do país, promovendo algum equilíbrio entre a oferta
e a procura, resultante da política de ordenamento desenvolvida pela Câmara que
levou a que, no âmbito do enquadramento existente, se verificasse um grande
dinamismo das políticas urbanas.
Além do problema dos fogos devolutos, das repercussões de um congelamento de
rendas e da falta de fluidez do mercado, existe um problema que me parece ser dos
mais graves em Portugal, que tem que ver com o estado de degradação do parque
habitacional.
No parque habitacional, a tradição do antigo regime foi normalmente a de trocar
rendas baixas por isenções na manutenção dos edifícios. Aqueles que têm entre os 40
e os 50 anos lembram-se decerto das rendas económicas de 1.110$00 que
correspondiam exactamente a isso, ou seja, a rendas relativamente baixas contra uma
isenção de manutenção dos imóveis por parte dos proprietários.
Trocar-se a não manutenção por rendas baixas veio a revelar-se uma prática
extremamente negativa para o nosso parque habitacional. E a não-manutenção tornouse num hábito cultural, uma vez que mesmo aqueles que são proprietários das casas
que habitam – em Portugal, mais de 66 por cento das famílias –, não têm hábito de as
manterem.
Só isso explica que, na Europa, cerca de 35 por cento da indústria de construção de
edifícios seja dedicada à manutenção e conservação contra os escassos três por cento
observados em Portugal.
Esta situação não se verifica apenas nas habitações com rendas antigas. É extensiva
a uma grande parte do parque habitacional, prolongando uma tradição que foi
incentivada pelo antigo regime, mas que se traduz num enorme desperdício, na
degradação do património de cada um e do nosso património colectivo.
A carência de solo urbano é normalmente apontada como um dos principais
bloqueamentos da política de habitação. Todos nós ouvimos dizer que há falta de solo
urbano. O solo urbano em Portugal é extremamente caro. Mesmo a nível absoluto e
sem sequer ter em conta o nível de vida dos portugueses, verificamos que o solo
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urbano em Portugal é muito mais caro do que noutros países, como a Bélgica e a
Inglaterra ou a própria França. E, no entanto, todo o solo urbanizável previsto nos
planos directores municipais permitiria, segundo alguns técnicos dizem, alojar 50
milhões de portugueses, o que obviamente traduz a abundância teórica de solo a
urbanizar.
No entanto, o processo de mobilização do solo urbano em Portugal é extremamente
lento e dispendioso. É ele que traduz o principal estrangulamento da oferta a nível da
construção da habitação e da sua disponibilização no mercado.
É também significativo que tenhamos tido em Portugal uma urbanização
extremamente extensiva utilizando mal as zonas urbanizadas que já dispõem de infraestruturas – portanto áreas que acarretariam muito menos custos de infra-estruturação
para a sociedade –, o que obviamente constitui um desperdício a nível das nossas
políticas de mobilização de solo urbano.
Em toda a Europa, os mesmos fenómenos de diminuição da população, de
diminuição da dimensão da família média – os mesmos fenómenos de degradação dos
centros urbanos, os mesmos fenómenos de extensão, por vezes caótica da mancha
urbana – têm sido analisados e têm sido internalizados nas políticas dos diversos
agentes.
Também no nosso país a evolução cultural destes últimos anos tem levado a um
ambiente propício à revalorização do parque habitacional, do parque construído com
um orgulho nas nossas raízes e com uma real valorização de muita da construção que
nos foi legada do passado.
Saliento um tipo de construção, as vilas operárias muito frequentes em Lisboa e
que ainda hoje permanecem interessantes noutro contexto e que, bem mantidas ou
recuperadas constituem uma oferta de habitação apreciada por diferentes segmentos
do mercado.
Há assim um ambiente propício para que as políticas de habitação valorizem mais
a recuperação do património antigo, a utilização das infra-estruturas existentes, para
uma cidade mais equilibrada, em que as políticas de investimento em equipamentos e
em qualidade de vida vão a par com projectos de habitação.
Foram já incentivados programas de apoio à recuperação urbana. Foi flexibilizado
o RECRIA e estão em curso outras alterações de modo a operacionalizar mais o apoio
à recuperação de edifícios, sobretudo aqueles que têm problemas de rendas antigas.
Criou-se ainda o programa REHABITA de apoio às zonas urbanas degradadas e o
RECRIPH para apoio aos condomínios que vivem em prédios antigos.
O Estado, em Portugal, não tem dado a devida atenção ao problema da habitação.
Não direi, como foi muitas vezes salientado, que o problema passe pelo facto de haver
ou não Ministério da Habitação. Aquilo que me parece mais grave é que não exista
nenhum organismo que perspective as políticas de habitação e que os gabinetes de
estudo que existiam no Ministério das Obras Públicas tenham sido destruídos.
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Tanto o Estado Central, como as Câmaras, a nível local, raramente se organizam
como reguladores do mercado, com políticas de ordenamento do território orientadas
para a produção e aproveitamento do solo urbano. Mas esta situação pode mudar, no
contexto de uma política de regionalização: há dias, com os presidentes das CCR
equacionámos o desafio de repensar, a nível regional, qual o papel que a
administração pode ter, na habitação.
Não é possível pensar o ordenamento do território sem se ter objectivos a nível de
habitação, a nível desta indústria, a da construção, que, no fundo, suporta todo o
ordenamento e grande parte da qualidade de vida dos portugueses.
Um dos primeiros desafios que este Governo afirmou e mantém como uma grande
prioridade é repensar o problema da habitação como uma prioridade de Estado. Há
que repensar não só o papel do próprio Estado, mas também o papel das regiões e o
papel dos próprios municípios, ao nível da habitação.
No que respeita ao ordenamento do território, também não me parece que uma
política meramente de planeamento, com instrumentos constrangedores, se tenha
revelado extremamente útil num bom ordenamento do território. Políticas de contraactualização, políticas que desenvolvam empresas mistas, políticas que envolvam o
poder central, o poder local e os vários agentes da sociedade civil, parecem-me ser os
instrumentos utilizados em toda a Europa para fazer face aos problemas complexos
com que nos confrontamos.
Temos um leque de experiências extremamente rico noutros países, a começar por
Espanha, mas também em França, na Holanda, na Inglaterra ou na Bélgica. Todos eles
têm desenvolvido políticas diferentes, têm, por isso, uma experiência extremamente
rica que é importante não desperdiçar.
A prioridade deste Governo no sector da habitação tem, obviamente, que ver com a
consciência de que se trata de um problema multi-sectorial, relacionado com o
ordenamento do território, com a organização estatal, com uma nova visão de
partenariado entre os vários níveis do Estado e os agentes da chamada sociedade
civil. E está em curso um certo número de acções organizativas e de debates que me
parece ser extremamente importante prosseguir.
Por outro lado, o Estado também foi um mau proprietário; aliás, como muitos
outros proprietários portugueses. O Estado tem um parque de arrendamento público
muito mais incipiente que a média dos países europeus. Quando vemos a percentagem
da parte pública do parque de arrendamento, vemos que essa percentagem em
Portugal é mais baixa do que na maior parte dos países europeus e esse parque
público de arrendamento – quer ele tenha sido detido pelo Estado central, quer ele
seja detido por autarquias locais ou mesmo por instituições de solidariedade social –,
raramente tem sido gerido. A própria gíria diz “que se dá uma casa”, quando se atribui
um fogo para arrendamento em regime de renda apoiada. Na verdade, não se dá uma
casa. Está-se sim a construir uma casa para arrendamento apoiado. E se é dito de outra
11
maneira é porque isso provavelmente corresponde a uma realidade também ela
prolongada de se construírem casas que depois não são geridas.
Muitas vezes, as rendas não são cobradas de acordo com a lei; muitas vezes os
edifícios não são mantidos – só muito recentemente foi feito um levantamento do
cadastro e dos arrendatários na dependência do IGAPHE. Muitas vezes, os
equipamentos sociais e o próprio comércio e lojas nesses bairros não eram realizados,
ou seja, construíam-se guetos que, depois, se deixavam sem proprietário, gerando
zonas de exclusão social.
Construir com dinheiro do Estado – portanto, com dinheiro de todos os
portugueses –, zonas de exclusão social não me parece ser um objectivo de Estado. E
aí, também, há uma nova política a ter em conta: os vários agentes – quer a nível
central, quer a nível local – têm de adquirir, em relação ao parque público de
arrendamento, uma outra atitude, uma outra responsabilidade como proprietários e um
outro dinamismo como urbanistas, que também o são.
A esse nível foi lançado pelo IGAPHE o programa Arco-Íris, em bairros-tipo para
teste de uma nova filosofia de gestão e intervenção. Este programa integra três
vectores: a gestão, que inclui a manutenção do parque, a cobrança de rendas, a
alienação de fogos e o funcionamento dos condomínios; a vertente social, que implica
o conhecimento dos inquilinos e o apoio à sua integração social e económica; e
também uma vertente urbanística onde se cuida dos espaços exteriores, se garante a
existência de lojas, pequenas unidades produtivas, equipamentos e onde se
estabelecem parcerias a nível dos diferentes agentes sociais, por forma a que esses
bairros correspondam de facto ao objectivo para que foram construídos.
Para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto este Governo renegociou com a
Comunidade Europeia o programa Intervenção Operacional Renovação Urbana que
praticamente só tinha sido utilizado em 1994 e 1995 para financiar algumas infraestruturas da Expo 98 e que a partir de 1996 foi direccionado para a recuperação dos
bairros de arrendamento público. Actualmente a Renovação Urbana já tem 65
candidaturas em curso para a realização de espaços verdes, pequenos equipamentos,
pequenas unidades de emprego e de apoio social às pessoas, para realização daquilo
que pode transformar esses bairros em bairros normais.
Este programa apoiou iniciativas de reinserção de bairros de arrendamento público
detidos pelas câmaras das áreas metropolitanas e pelo IGAPHE com cerca de cinco
milhões de contos, já em 1996. Esperamos que até 1997 o programa permita
consolidar a intervenção dos municípios e do IGAPHE e que seja um forte elemento
de integração social e urbanística.
Não enjeitamos os programas de realojamento. Apenas os re-equacionamos pondo
a tónica essencial na reinserção social e na recuperação urbana. O nosso objectivo é a
reinserção social das famílias, cujas condições actuais de alojamento provam que têm
enormes problemas económicos e sociais. Aliás é possível ver que a composição
destas famílias não é, maioritariamente, a composição de famílias tradicionais. A taxa
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de famílias monoparentais, de trabalhadores e de idosos isolados é muito grande, a
taxa de desempregados atinge níveis incalculáveis e também muitas das pessoas que
vivem nestas condições têm empregos precários, por vezes na construção civil, com
enorme mobilidade.
Em relação ao realojamento, foram desenvolvidos – entre a Secretaria de Estado da
Habitação e o Ministério da Segurança Social – grupos de trabalho e acções, no
sentido de integrar as políticas de realojamento e as políticas sociais, procurando que
as acções de realojamento se processem de outro modo.
Este Governo também flexibilizou as condições concretas para que as Câmaras
possam utilizar os instrumentos financeiros postos à sua disposição pelo Governo para
o realojamento. Um bom exemplo é a assinatura, feita há uns dias, pela Câmara
Municipal de Lisboa para um contrato de programa plurianual para realojamento de
2800 famílias, resultante da desburocratização que já se conseguiu. Fazendo num
único contrato o que, com a antiga legislação, seriam necessários mais de 40
contratos, com outros tantos vistos do Tribunal de Contas, permitiu a negociação de
taxas de juro muitíssimo mais baixas com a Banca e, consequentemente, diminuiu
encargos do Orçamento do Estado. Para a Banca representa também a possibilidade
de ter, no fundo, uma carteira de encomendas mais facilmente gerível uma melhor
programação.
A acção deste Governo foi no sentido de desburocratizar e flexibilizar as soluções,
tanto do ponto de vista construtivo, como do ponto de vista processual. Foi ainda a de
procurar soluções de integração individualizadas, como é o PER FAMÍLIAS, que
apenas dará resposta a uma parte das famílias a realojar, justamente porque grande
parte destas pessoas tem enormes problemas de inserção social –, mas permitirá
àqueles que já têm a vida organizada economicamente, poder adquirir casa própria,
beneficiando rigorosamente das mesmas condições que o Estado dá às Câmaras para
os realojar.
Apesar da nossa prioridade não ter sido quantitativa, mas qualitativa, foi possível
fechar o ano de 1996 fazendo realojamentos do PER que corresponderam ao dobro
daquilo que tinha sido feito na soma dos anos 94 e 95.
No que diz respeito ao problema do arrendamento habitacional, que é uma herança
histórica difícil, foi criado um grupo de trabalho que tem ouvido as várias entidades,
que tem estudado esta realidade e que está a preparar um certo número de acções a
desenvolver. A comissão foi criada em finais de Novembro, tem um período de nove
meses para apresentar o relatório final, mas devo dizer que, a partir do primeiro
relatório apresentado há cerca de um mês, já existe um grande trabalho em curso.
Rever as rendas antigas não deixará de ser polémico. Mas é vital para o equilíbrio
da nossa sociedade combater a degradação do parque habitacional e mobilizar os
fogos devolutos. Queremos construir bases possíveis para um maior entendimento
entre proprietários e inquilinos, tentando facilitar a resolução da conflitualidade de
13
direitos – muitas vezes exagerada num sentido ou no outro –, evitando que se
continuem a perpetuar estas situações.
Este Governo dá uma grande importância ao sector da habitação pela sua
envolvência no ordenamento do território e na qualidade de vida dos portugueses;
pela repercussão que o sector tem ao nível do emprego e pelo seu impacte numa
política social multi-sectorial. A enorme dimensão desta prioridade pode também ser
medida pelo esforço que o Governo está disposto e determinado a dispender, não só a
nível organizativo, legislativo e financeiro, mas sobretudo a nível processual.
14
Painel
Análise da situação actual: evolução
recente, perspectivas
15
Professora Clara Mendes *
Relatora
1. HABITAÇÃO: DE COMPONENTE DA POLÍTICA ECONÓMICA A
ELEMENTO DA POLÍTICA SOCIAL
O direito à habitação e o papel do Estado na provisão desta necessidade básica não
é um tema novo, mas as políticas seguidas alteraram-se significativamente face ao
aumento das taxas de urbanização, da pobreza e da degradação do ambiente urbano,
do aumento da procura de equipamentos que garantam a qualidade de vida dos
cidadãos e da crescente impossibilidade do Estado satisfazer a nova procura devido às
oscilações da economia e à dificuldade em representar todos os agentes que operam
nos processos de desenvolvimento económico e social.
Uma breve análise retrospectiva mostra que, na década de sessenta e na primeira
metade dos anos setenta, as políticas seguidas assentaram na produção maciça de
alojamentos, com as preocupações centradas nos aspectos físicos e materiais, sendo o
sector público o principal promotor na provisão de alojamentos. Foram vários os
motivos que levaram à inoperância das opções de então. De facto, se por um lado, as
opções decorreram da necessidade de responder rapidamente às necessidades
quantitativas, por outro, elas revelaram-se inoperantes por razões diversas. Assim, a
ausência de participação dos actores envolvidos permitiu a construção de soluções
que não tiveram em consideração as necessidades sociais e os valores culturais dos
futuros utentes que, em muitos casos, eram diferentes dos expressos pelos técnicos e
pelas instituições envolvidas no processo.
Também as tecnologias e os materiais de construção utilizados foram muitas vezes
inadequados às condições locais o que se traduziu numa fraca durabilidade técnica
dos edifícios; faltou ainda a avaliação da capacidade de solvência da população e
muitos dos fogos construídos para os estratos mais baixos deterioraram-se
rapidamente devido à sua má utilização e à falta de manutenção por parte dos
moradores.
Por fim, as agências públicas promotoras de habitação nem sempre tinham níveis
de solvência financeira que lhes permitissem fazer investimentos de longo prazo nem
capacidade para assegurar a gestão dos bairros.
Gorada esta abordagem centrada na promoção directa pela Administração Central,
a partir da segunda metade dos anos setenta, a política de habitação passou a apostar
na melhoria das condições de habitabilidade apoiada na participação comunitária.
Tratava-se assim de pôr em prática uma política que indiciava uma abordagem,
digamos, mais indirecta do poder central. Efectivamente, se por um lado se prestou
mais atenção à concessão de subsídios para habitação e aquisição de terrenos, por
*
Faculdade de Arquitectura.
16
outro, procedeu-se à revisão das normas e dos standards de habitação, deu-se ênfase
às infra-estruturas e à adopção de tecnologias de construção apropriadas ao meio
físico e social em que os bairros se inseriam. Reconheceram-se os desenvolvimentos
informais, apoiou-se o envolvimento dos diferentes agentes, em particular as
comunidades de base local, difundiram-se as tecnologias de baixo custo tanto no
domínio da habitação como das infra-estruturas.
Este modelo evoluiu de modo a que na década presente, a política de habitação se
orienta para uma mobilização dos recursos económicos e sociais, para o envolvimento
de todos os actores e para descentralização da responsabilidade na implementação das
acções.
As soluções passaram a centrar-se mais na disponibilização de instrumentos que
garantam a todos os estratos socioeconómicos o acesso ao alojamento (“enabling
approach”), no envolvimento de todos os actores sociais, na aplicação dos princípios
da equidade e sustentabilidade, na avaliação dos aspectos económicos e ambientais e
na atribuição de um papel importante às parcerias entre os sectores público e privado,
organizações sem fins lucrativos e comunidades de base local.
A habitação é, agora, assumida como um dos instrumentos das políticas de
desenvolvimento e não apenas como um bem a ser adquirido ou a ser providenciado
pelo Estado.
Esta nova abordagem implica que, por um lado, se tenha em conta a dimensão
económica da habitação, que abarca variáveis tão importantes como o mercado de
trabalho, a inflação, a balança de pagamentos, o orçamento do Estado, a organização
do sector da construção civil, pelo que é necessário coordenar a política de habitação
com a política macroeconómica, mobilizando os recursos, criando empregos,
eliminado a pobreza.
Por outro lado, requer a melhoria das técnicas de planeamento a qual deverá ter em
consideração os aspectos sociais, económicos, ambientais, jurídicos e institucionais
obrigando a uma ligação profunda entre a habitação e as políticas relativas ao
desenvolvimento urbano.
Pressupõe ainda a melhoria dos processos de financiamento, facilitando o acesso
aos créditos a todos os estratos populacionais que são actualmente excluídos, a
dotação de infra-estruturas e equipamentos básicos, não apenas no que se refere à sua
execução mas assegurando também o recurso a tecnologias adequadas e garantindo os
critérios de gestão e manutenção adaptados às necessidades dos utilizadores.
O acesso ao alojamento exige também a consulta e a participação de todos os
agentes bem como a descentralização da administração central para o poder local.
A habitação passa a ser uma componente importante da qualidade ambiental, uma
expressão visível das formas de combate à pobreza e à exclusão social e constitui um
elo de ligação entre os agentes para a formação de parcerias.
Naturalmente, o papel do Estado não foi eliminado pois, para além da sua função
de regulador, tanto ao nível da administração central como da local ele tem de
17
interferir para corrigir anomalias no funcionamento do mercado, tais como a falta de
competição na oferta, a exclusão dos mais desfavorecidos, o desequilíbrio na
utilização dos recursos e na degradação do ambiente.
Mas não só. A legislação é também um instrumento onde o Estado tem de intervir.
Os regulamentos são complexos, os standards de construção estão desactualizados ou
são inadequados, os procedimentos burocráticos constituem um obstáculo importante
para a provisão de habitação e as medidas fiscais podem obstaculizar ou facilitar a
mobilização dos recursos familiares.
Por tudo isto, a política de habitação é agora mais um conjunto de processos e não
só a construção de edifícios e de infra-estruturas. Os programas a implementar não
precisam apenas de uma coordenação e do controle técnico da qualidade dos edifícios,
mas terão também que considerar a interacção entre os diversos actores e as questões
ambientais. Trata-se, pois, de um balanço entre a eficiência económica e ambiental os
princípios da equidade e da sustentabilidade.
2. A HABITAÇÃO EM PORTUGAL
Todos sabemos que a habitação é um dos nossos grandes problemas.
Estivemos sempre desfasadas dos países mais desenvolvidos que, desde o princípio
do século, puseram em prática políticas de habitação que garantiram o acesso a um
direito básico e, simultaneamente, conduziram o desenvolvimento urbano. Mas entre
nós as acções pautaram-se por acções pontuais desarticuladas de uma visão global dos
problemas.
De facto, até aos anos sessenta, a promoção de habitação limitou-se à construção
de pequenos bairros residenciais, que arquitectónica e urbanisticamente reproduziam
a ideologia do regime. Os bairros do Estado Novo expressam bem a preocupação de
reproduzir a família como elemento básico da sociedade e a autosubsistência o
símbolo do desenvolvimento. A Igreja apresenta-se quase sempre como o elemento
estruturante e de referência do desenho urbano.
Durante as décadas de cinquenta e sessenta as migrações campo-cidade não foram
acompanhadas de uma política de habitação e geraram fenómenos de marginalidade
urbana que o IV Plano de Fomento indicava como um dos graves problemas sociais.
Os grandes centros urbanos cresciam à custa de desenvolvimentos informais, que
assumiam as formas de barracas e, posteriormente, de bairros clandestinos.
O problema da habitação começou então a estar na ordem do dia e, o
desmoronamento de prédios clandestinos na periferia de Lisboa pouco antes das
eleições de 1969 fizeram com que a questão da habitação fosse uma das bandeiras da
oposição ao regime.
Surge então, em 1969, o Fundo de Fomento da Habitação, organismo da
Administração Central que, entre outras, tem como funções a promoção directa da
habitação. E nos grandes aglomerados urbanos surgem os Planos Integrados,
conjuntos residenciais concebidos à semelhança dos “grands ensembles”. De
18
dimensão gigantesca, estes conjuntos, que em Portugal foram programados para um
número de fogos bastante inferior aos que na década precedente se haviam construído
na Europa tornaram-se verdadeiros “ghettos” pois o seu tecido social é constituído por
grupos com condições económicas muito reduzidas e onde a massificação da
habitação não foi acompanhada de uma política de investimentos em equipamentos e
infra-estruturas.
Fora dos grandes centros os bairros sociais, de diferentes dimensões, localizaramse quase sempre perifericamente e as suas populações foram marginalizadas da
vivência urbana.
As carências quantitativas e qualitativas agravaram-se após o 25 de Abril. As
dificuldades económicas decorrentes da alteração política e, em particular, as medidas
restritivas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, com vista à recuperação da
economia, limitaram as acções da Administração Central no domínio da habitação.
Paralelamente, o alargamento do congelamento das rendas, já praticado em Lisboa e
no Porto desde a década de quarenta, foi aplicado a todo o País, retirando do mercado
da habitação uma componente importante do seu funcionamento.
Nos anos oitenta foram implementadas algumas medidas com o objectivo de
alterar o panorama habitacional.
Alterou-se o regime de arrendamento, introduzindo um sistema de subsídios e
admitindo um ajustamento ao valor da renda. Contudo esta medida foi insuficiente
para corrigir as anomalias acumuladas. O valor das rendas manteve-se muito baixo.
De acordo com o Censo de 1991, 10,6% do total dos alojamentos arrendados tinham
uma renda inferior a 1 000$00; 63,4% pagavam entre 1 000 e 12 000$00; 23,5% entre
12 000 e 45 000$00 e apenas 2,5% tinham uma renda superior a 45 000$00.
Consequentemente o investimento em fogos para arrendamento decresceu e enquanto
em 1973, 50,3% dos fogos concluídos se destinavam a arrendamento, esta
percentagem passou a variar entre 1,5% e 2% desde 1987. Os baixos valores das
rendas também contribuem para o reduzido peso que as actividades de reparação e
reabilitação assumem no total da produção no sector (5,5%), valor que contrasta com
os dos restantes países comunitários onde este segmento atinge os 33%. Por estas
razões o mercado não reanimou, o parque habitacional degradou-se e as classes
médias e os jovens à procura de primeira residência foram atirados para as periferias
urbanas.
A provisão de habitação centrou-se no regime de aquisição de casa própria, e os
dados estatísticos mostram que em 1991, os alojamentos exclusivamente residenciais
ocupados pelos proprietários correspondiam a 66% (Quadro I).
19
QUADRO I - PROPRIETÁRIOS RESIDENTES
% HABITAÇÃO OCUPADA PELOS
PROPRIETÁRIOS
78
67
66
66
54
Espanha
Itália
Reino Unido
Portugal
França
Fonte: Who is who in the UE
O número total de empréstimos para aquisição de casa própria aumentou de 28,9%,
entre 1990 e 1996, e os montantes concedidos de 136%, no mesmo período. A
variação do crédito bonificado foi de 27,8% e de 123,6%, respectivamente.
O panorama actual evidencia uma realidade completamente distorcida. Por um
lado temos uma indústria de construção civil com grande dinâmica, falamos de
escassez da oferta mas temos um excedente de fogos.
De facto, o Censo de 1991 revela que o número total de alojamentos era de 4 191
101 fogos, montante que, comparado com o do Censo de 1981 traduz um crescimento
da ordem dos 22%.
Se tivermos em consideração que na década de setenta, o ritmo médio anual de
construção de fogos por 1000 habitantes foi de 6,7 e na de oitenta de 7,6, constatamos
que Portugal integra o conjunto de países europeus com maior ritmo de construção de
alojamentos (Quadro II).
QUADRO II - FOGOS CONCLUÍDOS POR 1000 HABITANTES
1965-73
1974-80
1980-91
UE
3,6
3,5
5,5
PORTUGAL
7,7
6,7
7,6
Fonte: ONU/INE
Realce-se porém, apesar 756 468 fogos novos construídos entre 1981 e 1991 e da
estabilização da evolução demográfica, enquanto o número famílias aumentou 7,7%,
o número de fogos destinados a habitação permanente registou um aumento de 10,3%,
os de uso sazonal e segunda residência 103,8%, os fogos com ocupante ausente
cresceram em 17,9%. A evolução do número de casas vagas foi explosivo (132,6%) e
o Censo de 1991 totalizava 440 159 fogos vagos. Este crescimento dos fogos vagos
corresponde não apenas fenómenos migratórios com consequente abandono das casas
rurais mas expressa também uma oferta urbana não absorvida pela procura,
particularmente nos distritos litorais com maior ritmo de crescimento urbano.
Simultaneamente, o número de alojamentos não clássicos decresceu de 40,4%, mas
o número de famílias residentes em alojamentos clássicos superlotados cresceu em
20
24,9%. Persistem importantes bolsas de habitação informal, especialmente
concentradas nas áreas metropolitanas.
No que concerne ao arrendamento o número de alojamentos arrendados como
residência habitual era de 529 736 ou seja 18,1% do total do parque arrendado
enquanto em 1981 esta percentagem era de 39,8%.
3. HABITAÇÃO SOCIAL
A promoção de habitação pelo sector público nunca foi muito significativa tanto
antes como depois do 25 de Abril.
O I Governo Constitucional deu um passo importante na descentralização do sector
ao criar os serviços municipais de habitação como estrutura capaz de absorver os
poderes da administração central em termos de gestão, conservação e distribuição dos
fogos de promoção pública.
A partir de 1981, (Governo da Aliança Democrática) assiste-se a um recuo na
intervenção do Estado na promoção de alojamento e procedeu-se à transferência
gradual, para os municípios, da responsabilidade de alojamento das famílias de
menores recursos. Porém, manteve-se a situação em que a maioria dos fogos
construídos se destinavam a habitação própria; os preços de venda atingiam valores
incomportáveis para as famílias de baixos recursos e, consequentemente, a procura de
habitação social aumentou agravando as pressões sobre os municípios.
Após a extinção do FFH e com a criação do INH e do IGAPHE, o Governo do
Bloco Central (1985) estabeleceu que os investimentos públicos em habitação se
fariam em regime de colaboração, ou melhor, se inseriam no regime de coordenação e
cooperação entre a administração central e o poder local. Esta orientação foi reforçada
a partir de 1987 quando a habitação deixou de ser vista como um bem público mas
antes entendida como um bem cuja produção e comercialização caberia à iniciativa
privada. Nesta perspectiva e reconhecendo-se a falência da gestão do parque
habitacional do Estado, a partir de 1988, o IGAPHE e algumas câmaras
procederam à venda do património, geralmente aos próprios inquilinos com a
justificação da impossibilidade de continuarem a suportar os custos de manutenção e
admitir-se que os residentes tratariam melhor o seu próprio alojamento. O parque do
IGAPHE passou de 36 243 fogos, em 1987 para 25 354 em 1996. Este decréscimo
correspondeu não só à venda de fogos mas também à transferência de bairros sociais
para os municípios.
Face a estes desenvolvimentos, as fontes estatísticas mostram que, em 1991, a
administração central não promoveu directamente nenhum fogo e todas as acções
passaram a ser feitas através acordos, contratos e comparticipações entre o INH, o
IGAPHE, os municípios, as cooperativas e as empresas.
21
3.1. Programas de Realojamento
A promoção municipal de habitação passou a concretizar-se ao abrigo do Programa
de Realojamento (Dec.-Lei n.º 226/87), através de acordos celebrados entre os
institutos mencionados e as câmaras municipais.
Ao abrigo deste programa, no final de 1996, estavam acordados entre o IGAPHE, os
municípios e outras instituições um total de 35 376 fogos. A evolução do número de
fogos a construir ao abrigo dos acordos variou ao longo do tempo e merece algumas
considerações. Por um lado, o elevado número de fogos registados em 1987
correspondem praticamente ao programa PIMP; o valor muito baixo de 1990 explicase por uma grande redução orçamental que desacelerou a actividade do IGAPHE. No
entanto, as possíveis interpretações para os valores anuais devem ser cautelosas pois
muitas vezes, e apenas por razões processuais, muitos acordos são assinados em
Dezembro reduzindo assim os montantes do ano seguinte.
Em Dezembro de 1996, ao abrigo dos Acordos de Colaboração com o IGAPHE 25
534 estavam abrangidos por contratos de comparticipação. Destes, 8 412 estão
concluídos, 3 884 em construção e 13 238 estão para construção.
No que se refere ao número de fogos contratados pelo INH, ao abrigo do Dec.-Lei
n.º 226/87, o montante global entre 1987 e 1996 era de 7 000.
Nesta linha de actuação surgiu em 1993 o Programa para a Erradicação de
Barracas (PER) das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, co-financiado pelo
IGAPHE até 50% e com financiamento bonificado do INH ou de qualquer outra
instituição de crédito.
Quando do lançamento do programa foram recenseadas nas duas Áreas
Metropolitanas, 42 075 barracas onde residiam 48 391 famílias. O número de
alojamentos abrangidos pelos Acordos Gerais de Adesão correspondia ao total de
famílias recenseadas e o investimento total era de 344 056 mil contos dos quais 45,6%
caberiam ao IGAPHE, 45,0% ao INH/CGD e 9,4% proviriam do auto-financiamento.
22
QUADRO III - PER NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (Dezembro 1996)
MUNICÍPIOS
Alcochete
Almada
Amadora
Azambuja
Barreiro
Cascais
Lisboa
Loures
Mafra
Moita
Montijo
Oeiras
Palmela
Seixal
Sesimbra
Setúbal
Sintra
V. Franca Xira
TOTAL AML
LEVANTAMENTO
N.º Barracas
N.º Agregados
familiares
40
1924
4 000
74
420
1 361
10 034
3 610
62
127
286
3 165
59
458
124
958
1 211
713
28 626
44
2 156
5 419
80
461
2 051
11 129
3 904
62
160
307
3 165
61
635
128
1 272
1 591
765
33 390
ACORDO GERAL DE
ADESÃO (IGAPHE)
Fogos
comparticipad
N.º Fogos
os (Dez.1996)
Acordados
44
2 156
5 419
80
461
2 051
11 129
3 904
62
160
307
3 165
61
635
128
1 272
1 591
765
33 390
17
590
122
164
657
756
24
78
206
100
5
23
145
621
213
3 697
QUADRO IV - PER NA ÁREA METROPOLITANA DO PORTO
(Dezembro de 1996)
MUNICÍPIOS
Espinho
Gondomar
Maia
Matosinhos
P. do Varzim
Porto
Valongo
Vila do Conde
Vila Nova de Gaia
TOTAL AMP
LEVANTAMENTO
N.º Barracas N.º Agregados
Familiares
458
1 281
1 422
3 745
410
1 334
551
808
3 349
13 449
458
1 964
1 517
3 982
470
1 356
629
909
3 619
15 001
23
ACORDOS GERAIS DE
ADESÃO (IGAPHE)
N.º Fogos
N.º Fogos
Acordados
Compartici
pados
458
48
1 964
1915
1 517
536
3 982
516
470
1 356
84
629
60
909
182
3 619
116
15 001
3 457
Na Área Metropolitana de Lisboa, onde residiam 79,4% das famílias recenseadas
os concelhos com maior número de agregados a viver em barracas eram, Amadora,
Lisboa, Loures, Oeiras (Quadro III).
Na Área Metropolitana do Porto, Matosinhos e Gaia eram os concelhos com o
número mais elevado de agregados a viver em barracas (Quadro IV).
O número total de fogos abrangidos por contratos de comparticipação do IGAPHE era
de 7 297, dos quais 76,4% a serem adquiridos e 27,4% a serem construídos. Em 1996
o número de fogos abrangidos por contratos de comparticipação do IGAPHE era de 4
857 valor que é significativo quando comparado com os 1 858 em 1995; 577 em
1994.
Contudo nem sempre o realojamento no âmbito do PER seguiu os mesmos
trâmites. Por exemplo, em Cascais optou-se por celebrar os acordos de
comparticipação no final da obra concluída. Também aqui o realojamento ao abrigo
do PER recorreu à construção em regime de CDH e estão agora 450 fogos aguardando
a assinatura do financiamento do INH.
Nos três anos em análise o processo de realojamento ao abrigo do PER, foi quase
sempre feito com recurso à aquisição (69,2% do total). Os concelhos que mais
investiram na construção foram, na AML, Lisboa, Sintra e Oeiras, e Matosinhos e
Gondomar, na AMP.
Como a execução dos empreendimentos é da responsabilidade municipal o sucesso
dos programas depende da dinâmica dos municípios e dos condicionamentos
urbanísticos, nomeadamente no que se refere à questão dos solos.
4. OUTRAS FORMAS DE HABITAÇÃO SOCIAL: COOPERATIVAS E
CDH’s
O movimento cooperativo habitacional foi lançado em 1974 e após a extinção do
FFH as cooperativas passaram a promover habitação social a custos controlados, em
propriedade individual, com empréstimos do INH com juro bonificado para
construção, aquisição ou reparação de habitações. Depois de um ponto pico em 1989,
quando se contrataram 4 422 fogos, a produção cooperativa orientou-se para os
estratos com rendimentos elevados, o que associado à inflação de custos no sector e às
altas taxas de juro praticadas nos empréstimos conduziram a que, a partir de 1990, as
cooperativas tivessem grande dificuldade em encontrar comprador para os seus fogos,
acumulando habitações para vender. O sector retraiu-se, o número de fogos
concluídos decresceu progressivamente sendo de 347 o total a construir ao abrigo de
contratos celebrados pelo INH em 1996.
Depois de uma quebra em 1990 e 1993, a promoção através de contratos de
desenvolvimento para habitação (CDH’s) tem registado um ritmo crescente e teve
maior expressão nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Ao crescimento dos
últimos três anos não foram estranhas as aquisições feitas pelos municípios deste tipo
de habitação para realojamento no âmbito do PER.
24
5. DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA HABITAÇÃO SOCIAL
A distribuição geográfica da habitação social revela a acentuada disparidade
regional que decorre da distribuição geográfica da população, da estrutura
demográfica e de povoamento e das opções políticas da gestão municipal que
orientam o desenvolvimento.
A concentração espacial da população agravou o desequilíbrio entre a oferta e a
procura e, consequentemente, a especulação elevou os preços dos terrenos nas áreas
mais urbanizadas. Para além disso os municípios tiveram que enfrentar problemas
muito diversos decorrentes da sua diferente dimensão e grau de urbanização. Ocorrem
ainda diferenças significativas entre os municípios urbanos e rurais e entre os do
litoral e do interior.
Ao abrigo do programa para realojamento (Dec.-Lei n.º 226/87) foram os
municípios das áreas metropolitanas que mais fogos edificaram. Seguem-se, em
importância do número de fogos construídos os municípios Aveiro (662), Olhão
(362), Coimbra (212) Portalegre (196) Penafiel (128) e Tavira (120) e alguns
concelhos do interior onde a dinâmica está, provavelmente, mais ligada ao
protagonismo dos seus autarcas.
6. A REABILITAÇÃO
HABITAÇÃO
COMO
COMPONENTE
DA
POLÍTICA
DE
As soluções tradicionais para garantir o acesso à habitação dos vários estratos
populacionais têm-se revelado insuficientes e não têm contribuído para a dinamização
dos tecidos urbanos antigos, que devem ser vistos como um recurso importante a
utilizar tanto no quadro de uma política de habitação como no domínio do
planeamento urbano.
Em Portugal as carências em alojamento não se limitaram apenas a aspectos
quantitativos mas ficaram a dever-se também à degradação dos edifícios.
Em 1988 foi instituído o RECRIA, programa destinado à reabilitação de imóveis
arrendados e que procurou, simultaneamente, contribuir para a melhoria do tecido
urbano e para a actualização das rendas. Não obstante apresentar características
positivas o programa tem tido pouca incidência prática.
Entre 1988 e 1996 o número de candidaturas foi de 2 961 abrangendo 14 446 fogos
com processos deferidos e 9 043 já concluídos.
O concelho de Lisboa é aquele onde o processo de reabilitação com recurso ao
RECRIA tem sido mais dinâmico, correspondendo a 79,5% do total de fogos com
processos deferidos. No Porto o número de fogos aprovados era 439, ou seja 3% do
total nacional (Quadro V).
25
QUADRO V - RECRIA (Dezembro 1996)
FOGOS APROVADOS
FOGOS CONCLUÍDOS
N.º Fogos
%
N.º Fogos
%
Lisboa
11 488
79,5
7546
83,4
Porto
439
3,0
323
3,6
Resto País
2 519
17,5
1174
13,0
TOTAL
14 446
100
9043
100
Contudo, apesar das críticas ao programa, a reabilitação não deixou de ser objecto
de atenção por parte de alguns municípios, que criaram os seus próprios meios de
actuação. O exemplo mais conhecido é o de Braga, que utilizou o RECRIA para
recuperar edifícios depois de os ter adquirido aos proprietários que não quiseram fazer
obras. Após a aquisição a Câmara recuperou-os e colocou-os no mercado acabando
por reaver o dinheiro investido.
Mas as razões que limitaram o recurso ao RECRIA não foram apenas de ordem
financeira nem se limitaram ao empenhamento de uma ou outra câmara na
manutenção e conservação do seu parque habitacional. Acontece também, que nas
cidades de pequena e média dimensão muitos dos fogos degradados são habitados
pelos próprios proprietários que não puderam aceder ao RECRIA. Constatado este
facto e, considerando a importância da reabilitação como uma componente da política
de habitação e da política urbanística, em 1996, para além das alterações introduzidas
no RECRIA, visando a sua flexibilização, aprovaram-se o REHABITA e o RECRIP.
O primeiro aplica-se a áreas definidas pelos municípios como áreas críticas de
degradação, o que não significa necessariamente, centros históricos; o segundo
destina-se à reabilitação de imóveis em propriedade horizontal. A primeira
candidatura ao REHABITA está em curso e provém de Lisboa. O Acordo
Colaboração prevê, que em 1997 e 98 sejam iniciadas obras de conservação,
beneficiação, reconstrução e aquisição de 2 611 fogos.
7. A HABITAÇÃO COMO ELEMENTO DA POLÍTICA SOCIAL
Muito embora as preocupações conjunturais dominem as políticas de habitação a
verdade é que os seus objectivos de longo prazo são sempre de ordem social. Cada
época tem as suas características próprias mas não será necessário fazer a história
social para se reconhecer que o equilíbrio entre a satisfação das carências e as
necessidades do rigor financeiro constitui já um debate clássico no âmbito das
políticas de habitação. Mas, na verdade, assumido o alojamento como um direito, as
políticas de habitação não se podem desarticular das políticas sociais tanto mais que
por elas passam o combate à exclusão social e à pobreza.
Na década presente e, como resultado das anteriores soluções utilizadas, a
concentração de famílias com problemas económicos idênticos, marginalizadas
espacial e socialmente, passou a dominar as atenções. Por isso, os princípios de
26
reabilitação social são objectivos imediatos/prioritários da actuação no domínio da
habitação. Eles visam a qualificação dos tecidos urbanos decorrente não só da
reabilitação física dos edifícios mas também a melhoria das condições de vida da
população o que pressupõe a dotação de equipamentos, a possibilidade de criação de
empregos e de instalação de pequenas actividades económicas, que, melhorando
social e funcionalmente os bairros sociais os integrem no espaço urbano.
Estas preocupações passaram também a estar presentes na definição dos objectivos
da política nacional de habitação. Se, por um lado, se procurou já eliminar os
estrangulamentos à promoção de habitação para os grupos mais vulneráveis (os
idosos, as famílias monoparentais, os ciganos, os imigrantes), por outro tem-se
incentivado o recurso ao Sub-Programa Intervenção Operacional/Renovação Urbana
(Quadro VI), que têm duas medidas destinadas à instalação de equipamentos de apoio
à instalação de pequenas actividades económicas, que criem emprego e dêem uma
vivência urbana aos bairros sociais das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
QUADRO VI - INTERVENÇÃO OPERACIONAL/ RENOVAÇÃO URBANA
(DEZEMBRO 1996)
MEDIDAS
Medida 1
Medida 2
INVESTIMENTO
TOTAL -1995-1999
(mil contos)
32 588
13 345
CANDIDATURAS
53
14
INVESTIMENTO
UTILIZADO ATÉ
DEZEMBRO 1996
3 601
2 284
Fora delas tem-se dado particular atenção às parcerias com o Ministério da
Solidariedade Social, nomeadamente no que se refere ao recurso a acções a
desenvolver no âmbito dos programas Luta Contra a Pobreza e Integrar.
Quanto ao envolvimento de outros agentes, as organizações sem fins lucrativos,
particularmente as instituições de solidariedade social tem-se mostrado muito activas
na formação de parcerias para a instalação de equipamentos de apoio aos jovens e à
terceira idade. Trata-se de uma prática muito generalizada nos outros países mas que
em Portugal está ainda a dar os primeiros passos.
Todas estas acções não dispensam uma gestão adequada dos bairros muitas vezes
dificultada pela concepção arquitectónica e urbanística, pela insegurança que decorre
da configuração dos espaços comuns, pelos fracos recursos dos moradores que limita
a sua possibilidade de cooperação no combate à degradação.
8. A HABITAÇÃO E O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
A habitação, tanto através dos regulamentos e do seu financiamento, como através
da arquitectura e do urbanismo marcou a organização do espaço. Por isso, não é
possível falar-se da questão da habitação sem fazer uma referência ao ordenamento do
território.
27
Pode constatar-se que esta temática não é abordada nos planos de ordenamento
apesar de, na prática, o desenvolvimento urbano e o próprio ordenamento à escala
municipal se concretizarem através da construção de habitação. Pese embora o
reconhecimento de estrangulamentos de grande importância como o da questão dos
solos, a verdade é que a resolução das carências da habitação é muitas vezes
esquecida nos documentos das políticas municipais. O caso dos PDM’s é exemplar. A
análise dos planos directores municipais, mostra que se alguns, mas nem todos,
abordam a questão da habitação numa óptica quantitativa, isto é, numa simples
relação número de famílias/número de fogos, este tema é abandonado quando da
elaboração das propostas. É certo que as estatísticas em Portugal são insuficientes e
que o mercado da habitação é fortemente influenciado pela evolução demográfica.
Nesta óptica, a época actual dificulta as previsões pois ela é marcada por grandes
mutações sociais. As mudanças ocorridas no mercado de trabalho, particularmente
devidas à expansão das novas tecnologias, determinaram uma nova procura mais
qualificada. A família tradicional alterou-se. Aumentou o número de isolados, jovens
e idosos, tal como as famílias monoparentais e os casais sem filhos. A descoabitação e
os divórcios incrementam as necessidades em alojamento mas todas estas alterações
na estrutura familiar implicam tipologias de fogos diferentes que o mercado, em geral,
não oferece.
E sendo a qualidade de vida um tema dominante do discurso actual é também
importante não esquecer que ela decorre da qualidade do espaço urbano, que só é
possível alcançar quando o desenho urbano permite ter os elementos que garantam
aquela qualidade. Por isso é de desejar que neste final de século, a habitação possa vir
a desempenhar o mesmo papel que teve no final do século XIX e princípio do actual,
no que concerne à programação e à concepção urbanística e qualitativa do território.
28
Dr. Manuel Ataíde Ferreira *
Comentador
Agradeço vivamente ao Senhor Presidente do Conselho Económico e Social o
convite para assistir a esta sua iniciativa de um debate sobre “A POLÍTICA DE
HABITAÇÃO” e na circunstância, comentar a intervenção da Professora Doutora
Maria Clara Mendes, que acabámos de ouvir.
O CES não encontrou ainda espaço de afirmação na estrutura política institucional
do Estado, naturalmente por ter sido mal concebido ao cruzar conselheiros oriundos
da administração pública, central regional e local e dos parceiros sociais, o que em
passado recente (isto é, na anterior legislatura) inviabilizou a tomada de pareceres de
iniciativa, a tomada de posições que dessem expressão ao pulsar e às preocupações
dos agentes económico-sociais, que fossem ou pudessem ser menos cómodos para os
comissários políticos da administração central, com assento no Conselho. Após as
últimas eleições, o Ministro do Planeamento, em sessão do Conselho a que ainda
assisti, declarou que os representantes da Administração Central passavam a ter
liberdade de voto mas, infelizmente, ainda não houve tempo de reformular, a meu ver,
necessariamente, o Conselho. De qualquer modo, parece-me promissora esta
iniciativa que saúdo, na medida em que significa o debruçar-se no estudo de uma
situação de grande significado económico e social. Será importante que o Conselho
possa franquear o passo seguinte e emitir um Parecer de Iniciativa que enquadre de
forma adequada uma Política de Habitação consensual no final do milénio, sendo
garantia de qualidade e rigor a pessoa do seu Relator, o Conselheiro Dr. João
Salgueiro.
Penso que em matéria habitacional, pela análise da lei ou das leis, e da observação
dos factos ou das medidas não há, nunca houve uma política habitacional, tendo os
governos deste País, quer os legitimados democraticamente, quer os outros, andado a
reboque dos factos, apagando fogos.
A excelente intervenção da Professora Doutora Maria Clara Mendes que ouvimos e
que tive o privilégio, como mandam as regras da boa organização, de ler
antecipadamente, é um utilíssimo documento. Apesar do brilho e do saber da oradora,
não conseguiu convencer-me que o actual Governo, passe a inteligência, o
voluntarismo e rigor e a grande dedicação à causa pública da actual Secretária de
Estado, já tenha uma política de habitação.
Não é que eu pense que seja essencial retomar a ideia do Plano Nacional de
Habitação, pois jurista que sou já à beira de me retirar, não tenho ilusões sobre a
magia das formas jurídicas, mas o que sublinho é que a sociedade política, os agentes
económicos e políticos têm que retomar a discussão sobre o modo de satisfazer as
*
Presidente da Direcção da DECO - Associação para a Defesa do Consumidor. Advogado. Antigo
membro do Conselho Económico e Social em representação das Associações de Consumidores.
29
necessidades habitacionais da população, não de uma população abstracta, mas dos
homens e mulheres que têm hoje uma determinada composição etária, estruturas
familiares diferentes do que eram, situações profissionais e modos de produção que
são o que são o que não foi objecto de uma análise global e científica.
Quando foi organizado pelo Ministério das Obras Públicas o “Colóquio sobre
Política de Habitação”, no velho anfiteatro do Laboratório Nacional de Engenharia
Civil, em Julho de 1969, tinhamos a respaldar o trabalho aí realizado, a excelência da
investigação e reflexão feitas no quadro da realização do Plano Intercalar de Fomento
(65/67) e também por isso é devida uma palavra ao Dr. João Salgueiro. Havia estudos
paralelos realizados em “nichos” de pensamentos, mais ou menos clandestinos, aqui e
ali (... até na Federação das Caixas de Previdência – Habitação Económica e estavam
os Arqt.s Nuno Teotónio Pereira e Braula Reis). Foi possível nesse Colóquio – e por
isso me volto com esperança para esta iniciativa do CES quase trinta anos volvidos –
a elaboração, como disse o Eng. Fonseca Ferreira de “um diagnóstico da problemática
habitacional e um plano de soluções tecnicamente perfeitos os quais, ainda hoje,
mantêm a sua validade como referência metodológica”.
E se refiro este facto não é só para anotar essa pequena lacuna de análise que a
oradora fez do período pré-25 de Abril, mas sobretudo para criticar o Instituto
Nacional de Habitação por não ter produzido e publicado trabalhos de análise e
projectos na área habitacional, que quanto a mim são a base para que possa haver
debates políticos e definição de responsabilidades. Em Fevereiro de 1993, no quadro
da organização do “Encontro Nacional de Habitação” foi divulgado o “Livro Branco
sobre Política de Habitação” que muito irritou o Governo da época, mas que não
suscitou, em quadro político diverso, qualquer reacção do referido Instituto.
Nesse sentido, o meu primeiro comentário à intervenção da oradora é que o seu
texto não nos dá um quadro de perspectiva de uma Política de Habitação. Talvez o
CES, no desejável Parecer de Iniciativa, o possa fazer, mas seria bom que tivéssemos
ouvido a oradora dizer o que pensa.
Sobretudo importa saber se a política de habitação tem que ser sempre e só uma
política social ou se deve ser, simplesmente, uma política que atravesse
horizontalmente os diversos estratos da população, pensada e executada a prazo, para
pessoas em concreto com os salários que têm ou terão, com o modo de trabalho que
existe ou existirá, com o desemprego que temos ou teremos, com a quebra de “saberfazer”, no domínio das técnicas de construção, conhecimento e desconhecimento de
novos materiais ao nível dos trabalhadores da construção civil, com uma fiscalidade
obsoleta e injusta e que já não acredito que mude, no quadro da solidariedade
desejada e recusada, na esperança ainda possível. A oradora opta pela afirmativa, mas
não consegue demonstrar as mudanças que diz existirem.
Gostaria também que, na área da perspectiva, a oradora tivesse reflectido se, no
debate de competências, em matéria de habitação, nos vários níveis da Administração,
será de manter a actual ambiguidade, pois como se sabe, na lei actual (Regime de
30
coordenação de investimentos, que referiu – de 1984) os diversos níveis têm
competência para intervir, mas falta (e isto constitui, ao que assumo, uma crítica ao
modo de se entenderem as autarquias) na definição clara de obrigação de actuar. A
meu ver é preciso criar um sistema de competência de exercício obrigatório, com
natural reflexo no sistema de afectação de receitas de impostos.
Nos Estados europeus, quer após a I, quer após a II Guerra, os Governos
intervieram no regime locatício para suster os problemas sociais e habitacionais
emergentes dos conflitos e destruições bélicas, e em Portugal, onde não houve
destruição por bombardeamentos do parque habitacional, seguiu-se uma política
idêntica, que não criou especiais problemas económicos e de investimentos, até à
primeira crise petrolífera. Disse a oradora e a Rádio bombardeou-nos nesse sentido
desde a meia noite de hoje, que o modelo de 1985 não teve êxito, pois não ultrapassou
as sequelas do congelamento. Efectivamente, a coragem do Dr. Fernando Gomes fezse esperar e a legislação correctiva dos congelamentos saiu atrasada, já que o Projecto
de 1974, preparado pelo extinto FFH, não teve seguimento, por o Eng. Rui Sanches e
Dr. Nogueira de Brito terem cessado funções, no próprio dia da sua apresentação ao
Conselho de Ministros. Acontece que a nossa oradora não disse como pensa que a
questão deve ser encarada hoje e não explica que fenómeno é esse de longevidade dos
portugueses que permite a manutenção de contratos centenários inalterados, banido
que foi o direito à transmissão com rendas inalteradas.
Se o tempo me permitisse, gostava de explicar as razões do que chamou o
insucesso da Lei de 85, pois do núcleo duro da preparação da lei, só eu estou, hoje,
aqui, depois do regresso do Dr. Fernando Gomes ao combate autárquico e da morte
prematura do Professor Engenheiro Abílio Rodrigues. A história dos fogos devolutos
que o censo detectou, está mal contada.
Referiu-se a oradora à “Habitação e ao Ordenamento do Território”, mas não tirou
conclusões e não equacionou as questões que devem ter adequado tratamento na nova
abordagem que terá havido.
Não fez referência aos aspectos relativos ao financiamento à habitação. Tem
havido excesso de instrumentos, de despesa e muito experimentalismo e muito pouca
coerência. Cabe-me recordar o excelente e ainda actual Relatório do Dr. Silva Pereira,
apresentado em 1976, sobre “Financiamento à Habitação nos Países do Sul”. 1
Sendo a produção de habitação, ao que me apercebi da exposição, embora não dito
expressamente, matéria que releva, para os estratos solventes, das leis do mercado,
não seria de repensar o comando político da actual orgânica governamental, em que a
função meramente construtiva e urbanística escapa à competência do membro do
Governo responsável pela Habitação? Vamos deixar sem sancionamento a cultura e a
prática anti-cidadão da maioria dos departamentos de licenciamento municipal e
1
O Relatório cobre as experiências e analisa as políticas dos diversos Estados que seguiam os trabalhos
do Conselho Económico para a Europa das Nações Unidas e foi apresentado na reunião de Lisboa,
realizada em Maio desse ano e a que o comentador presidiu.
31
também de muitos eleitos locais, no seu desprezo quase absoluto pelos prazos legais
na tomada de decisões, seguros de que o cidadão isolado não se sabe defender e de
que o empresário da construção civil que actua numa certa área, prefere negociar e
pactuar e não se socorrer da lei, até porque o mau funcionamento dos Tribunais nunca
o compensaria. Quanto custa? Quem paga? Vai ficar tudo na mesma? A oradora nada
disse.
Assumo que concordei em termos políticos, com a extinção do SAAL, mas tenho
saudade da excelente qualidade arquitectónica de alguns projectos. Não há estudos
sérios sobre custos de construção, nem investigação sobre projectos habitacionais que
encontrem o justo equilíbrio entre a qualidade arquitectónica, a alegria de fruir o
espaço e a contenção de custos. Quase todos os edifícios de habitação social são
tristes e, como V. Ex.ª disse, não satisfazem os moradores. Que sugestões nos dá?
Em 1992, num Seminário que a Organização que aqui represento promoveu,
demonstrou-se que em dez anos “os custos administrativos e de fiscalidade relativos
à aquisição de uma habitação sofreram um agravamento de 78,2%, representando
mais do dobro dos encargos normais com a compra de um fogo nalguns países
comunitários”. E isto é compatível com a nova abordagem?
No domínio das intervenções na área da habitação, mormente de habitação social e
matérias conexas, em termos quantitativos, vive-se numa floresta de leis, muitas vezes
incoerentes, outras secas por caducidade de facto, outras criadas sem qualquer
preocupação de respeito pelo sistema, para vencer dificuldades de gestores menos
hábeis ou diligentes. Um exemplo. Quando o IGAPHE pretendeu alienar o seu
património (e acho que foi uma opção, em parte, errada) verificou que não tinha
licenças de utilização. Pensaram os gestores e decidiu o Governo de então: dispensase a exigência de licença e o notário faz a escritura. O adquirente quando quiser
vender o fogo terá, face à legislação aplicável, que possuir a licença e então terá que,
fazer aquilo que o IGAPHE não quis ou não soube fazer, pagar a um projectista que
lhe faça as telas finais, submetendo-se a uma vistoria camarária e pagar o custo do
alvará. A relação entre a Administração e os particulares terá que ser mesmo assim?
Não poderá haver mais contenção legislativa, mais gestão, mais trabalho e menos
leis?
Estes e outros temas são, ao que suponho, objecto de análise na especialidade no
decorrer do Colóquio, mas não deviam ser esquecidos na análise introdutória, com
que fomos brindados.
Devo ainda, no tempo que me foi dado, apontar não já as omissões, mas
eventualmente discordâncias ou dúvidas quanto a asserções da oradora. Anoto alguns
desses pontos:
1 – No Capítulo I “Da componente da Política Económica e elementos da Política
Social”, foi feito o contraponto para que a epígrafe do capítulo aponta, mas não se
percebe se a fronteira é mesmo a que diz post-primeira metade dos anos setenta ou
outra mais recente. É ambíguo.
32
Não penso que os CDH’s constituam um modelo de intervenção social, são,
exclusivamente, um modelo de apoio à indústria numa fase de crise e de fuga, nalguns
casos, ao controlo do regime de mercados públicos. Discordo que os planos realizados
no pretérito tenham tido, exclusivamente, componentes de política económica e
também não vejo que os anos noventa (década presente) tenham trazido algo de novo,
pois a ruptura relativamente ao post-25 de Abril deu-se, primeiro com a supressão do
SAAL e depois com a extinção do FFH e por isso tive dificuldade em entender o que
diz quando escreveu “a habitação é apenas assumida como um dos instrumentos da
política de desenvolvimento e não apenas como um bem a ser adquirido ou a ser
providenciado pelo Estado”. A Senhora Professora dirá o significado pois, quer antes
do 25 de Abril, quer post 6.º Governo Provisório (Eng. Eduardo Pereira e depois Eng.
António Sousa Gomes), não vejo que tenha sido outro o entendimento.
2 – No Capítulo II, faz referência aos Planos Integrados. Diz que se tornaram
“ghetos”, o que é verdade para a margem Sul, não é verdade para Aveiro, nem para
Coimbra e até para o Porto. Não foi referido que na altura em que os Planos
Integrados foram concebidos, na produção directa do Estado havia cinco categorias de
habitação, de preços diferenciados que asseguravam a integração social dos
moradores. É na post-revolução que é criada a categoria única que gerou a
“ghetização”. Mas falando de “ghetos” eu gostava de a ver comentar algumas
intervenções PER, não na beleza das suas ideias que defende e eu apoio, mas na
realidade projectada e construída.
3 – No Capítulo III refere V. Ex.ª a habitação social e constitui um contributo
excelente, pela riqueza informativa, para os participantes deste Colóquio.
Quero somente sublinhar que o Programa PER não me entusiasmou. O actual
Governo reformulou a sua engenharia financeira, deu passos na desburocratização,
suprimiu disfunções de carácter urbanístico e flexibilizou o sistema criando o
PER/FAMÍLIAS, o REHABITA e, melhorando o RECRIA. Honra lhe seja. Não vejo
que a longo prazo, nalgumas intervenções se não criem, como disse, “ghetos”, que as
casas pela sua dimensão e qualidade imposta pela contenção dos custos se não tornem
obsoletas e por certo inoperativas para as formas novas de trabalho domiciliário. Que
diferença há entre o PER e os Decretos do Dr. Salazar que criaram Programas
quantificados para a construção de fogos no Porto ou em Lisboa? Ao mesmo tempo
que se realojam muitas famílias, outros, os novos pobres, os recém despejados são
lançados para as ruas e as não recenseadas, sentem-se preocupados e injustiçados.
Como é? Haverá dentro de meses ou anos novo recenseamento PER? Não pode
centrar-se a política de habitação à volta do PER e assim parece e todos sabemos, em
política, a força do que parece.
__________∴ ___________
33
E por aqui me fico, mas antes quero que fique claro que o método que adoptei para
formular os comentários foi o que melhor me pareceu para estimular as reacções da
nossa oradora, reconheço porém que poderá não ter sido o mais adequado para
cumprir a totalidade da missão que o Senhor Presidente do CES me cometeu e faltoume tempo para fazer ressair os aspectos altamente positivos da comunicação.
Temo, não tenha sido capaz de transmitir a todos os participantes o interesse que a
comunicação da Professora Doutora Maria Clara Mendes representa para mim, e sua
importância no enquadramento deste Colóquio e se pela minha incapacidade e falta de
jeito, eu tenho que me desculpar perante a oradora e perante Vossas Excelências,
devo, por outro lado, Senhor Presidente, agradecer sinceramente à oradora o
contributo que deu e reconhecer a coragem, por o ter feito.
34
POLÍTICA DE HABITAÇÃO
Análise da Situação Actual
Carlos Silva *
Comentador
É com grande satisfação que gostaria de saudar mais esta iniciativa, que nos retira
do jejum de 4 anos, homens e mulheres, que se encontram ligados aos problemas da
habitação.
Embora comece a ficar fora de prazo dizer que “o Governo anterior é que não fez”,
sinto-me à vontade para dizer que quando em Fevereiro/93 todos os Parceiros
organizaram um Encontro Nacional, registou-se uma ausência completa de
governantes e organismos ligados à habitação, o que foi sintomático da falta de
interesse do Governo anterior pelas questões da habitação.
Cabendo-me comentar o documento apresentado pela Sr.ª Prof.ª Clara Mendes,
parece-me fácil comentar a intervenção uma vez que foi clara e sobretudo pela
pesquisa feita que organiza o que foram as orientações e tendências da NÃO política
de habitação em Portugal nas últimas décadas, mas é também difícil comentar, porque
a qualidade da intervenção nos reduz muito o espaço de comentário. Além disso a
brilhante exposição do comentador antecedente e também da intervenção produzida
esta manhã pela Senhora Secretária de Estado da Habitação, dificulta ainda mais a
minha tarefa.
Em qualquer caso tentarei destacar algumas questões que, do meu ponto de vista
merecem mais aprofundamento e/ou esclarecimento. Aqui se sublinha a opção errada,
de construir alojamentos/bairros com a única finalidade de alojar, utilizando soluções
de concepção e de construção inadequadas. Devo enfatizar que isto é um dado
adquirido, mesmo que tenha havido em determinado momento alguma excepção que
possa confirmar a regra, com o qual nós convivemos nas últimas décadas.
Assim se criaram os Guetos antes de 74 e se agravaram ou ampliaram após 74.
Utilizou-se uma indústria não completamente adequada para produzir habitação,
uma mão-de-obra não qualificada, com deficientes métodos de organização e de
inovação nas soluções construtivas e nos materiais, que pudessem produzir uma
habitação melhor e mais adequada às características das famílias que iriam servir.
A Professora Clara Mendes realça bem o que foi, o que chamarei de “ninhos ou
centros de marginalização e exclusão social”. Os pobres, na altura ainda não se falava
de minorias étnicas, eram empurrados para a margem dos centros urbanos fazendo
com que ficassem mais pobres de todos os pontos de vista.
Esta é uma realidade que julgo inegável. Os pobres foram sempre empurrados para
a ponta, para fora da malha urbana, tornando-os mais pobres, mesmo que
*
Vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e Presidente da CHASA.
35
eventualmente pela melhoria das condições de habitação e de outros factores
pudessem vir a ter mais dinheiro em casa.
Deve sublinhar-se que, apesar da ausência de uma política integrada e constituída
pelos mais variados instrumentos, em 1980 tomaram-se algumas medidas
indiciadoras de que viria a caminho a construção dessa política. Foram porém muito
tímidas. O exemplo mais significativo diz respeito às rendas. Já foi considerada uma
espécie de “lança em África” quando o Dr. Fernando Gomes, e com grande polémica,
como se recordarão na altura, teve a coragem de quebrar com o tabu do congelamento
das rendas e alterou a Lei do Arrendamento. De qualquer modo foram medidas muito
tímidas que podendo ser um sinal não prosseguiram mantendo ainda hoje uma
gravíssima distorção.
Uma grave distorção com senhorios a substituir o Estado na sua função social,
com senhorios a não poderem em grande parte assumir a conservação do seu
património. Com inquilinos a serem ajudados sem carecerem, com inquilinos sem
ajuda de que tanto carecem, com o Estado a ver fugir milhões de contos de impostos
que tanta falta fazem para desempenhar o papel social a que está obrigado.
Isto, para mim, (naturalmente que a política de habitação não é só a alteração da lei
das rendas), é de um simbolismo extraordinário. Considero que, se houver
inteligência, para se mexer nas rendas, da maneira que pelo menos todos possamos
entender, estará a dar mais um passo decisivo para a construção da política de
habitação.
Aqui se sublinha que, um País pobre como apesar de tudo ainda é Portugal, em
proprietários de habitação está a par da Inglaterra, dos Estados Unidos e está mesmo
acima de França e de muitos outros países muito mais ricos, sobretudo no Norte da
Europa – Uma enorme distorção.
A comunicação da Professora Clara Mendes mais uma vez destaca outro elemento
de distorção do mercado habitacional em Portugal.
Estamos a construir a um ritmo acima da União Europeia e continuamos com
graves carências.
• Porque há quase meio milhão de fogos vagos, independentemente da análise
que também precisa de ser feita sobre as estatísticas nesta matéria.
• Porque construímos muito caro, porque aquilo que construímos não é
compatível com os rendimentos de quem carece de habitação – Outra enorme
distorção.
Outra referência que a Professora Clara Mendes faz, que subscrevo mas gostaria de
sublinhar, tem a ver com a insensibilidade de alguns autarcas para a política de
habitação.
A propósito da habitação tem existido em Portugal uma certa confrontação entre o
Poder Central e o Poder Local. Constitucionalmente refere-se que compete ao Poder
Central resolver o problema da habitação e localmente alguns autarcas diziam ou
36
dizem que “uma vez que compete ao Governo Central nós não fazemos nada”.
Sempre partilhei da opinião que isso era um perfeito disparate e que correspondia a
uma enorme insensibilidade dos autarcas que assumiam essa postura uma vez que
nenhum autarca pode ignorar que tem de dar contributos directos e decisivos para
melhorar a vida dos cidadãos onde desempenha funções políticas. Sempre achei mal.
Mas também achei mal, como acho, que o Governo vá tirando de cima dos ombros
responsabilidades que são, sua competência e as passe para o Poder Local, sem que
com isso transfira meios para que se possa exercer essas responsabilidades ao nível
municipal.
Parece essencial que para alterar a Política de Habitação se passe da fase de
confrontação para a fase de concertação entre o Poder Local, o Poder Central, os
privados, os cooperativos, enfim todos os agentes que possam intervir no sentido de
em conjunto constituir a tal Política de Habitação de que Portugal carece.
Foi referido que os acordos gerais de Adesão ao PER terão um encargo repartido
de 45,6% ao IGAPHE e 45% ao INH – neste momento os encargos passaram na sua
totalidade para o INH – e apenas 9,4% das Câmaras. Salvo qualquer má interpretação
da minha parte, e eu sou autarca com responsabilidades nesta área, o que tem
acontecido é que são 40, 40 e 20 respectivamente. Além disso não é referido,
certamente (é cedo) por falta de estatísticas o volume de esforço feito pelos
municípios entre o valor que recebe dos moradores e o valor que tem que pagar do
empréstimo concedido pelo INH/CGD.
Quanto à intervenção do Movimento Cooperativo Habitacional aqui referida como
“outras formas de Habitação Social” permitam-me aqui discordar da nomenclatura,
até porque o MCH sempre recusou a identificação com a habitação social e os
modelos ou métodos seguidos afastaram-se regra geral das práticas identificadas com
a habitação social do passado.
Mas há mais nesta matéria que eu gostaria de acrescentar à comunicação da
Professora Clara Mendes. Para além dos factores que enuncia como sendo
responsáveis pelas dificuldades que o MCH viveu gostaria de acrescentar:
• O esgotamento dos solos disponibilizados pelas autarquias a preços
compatíveis com os Programas Cooperativos.
• Uma clara e objectiva vontade do Governo anterior para destruir um grupo
de promotores que em alguns momentos pós 25 de Abril foram os únicos a
promover habitação para os estratos médios e baixos da população
portuguesa.
• O consequente desmantelamento gradual do INH.
Permitam-me agora que sublinhe a necessidade de reorientar a nossa produção
habitacional que na área da reabilitação se situa em 5,5% e é assim responsável por
mais um factor de distorção e envelhecimento do nosso parque.
37
Questão porventura mais importante que todas e mola real de uma adequada
política de habitação é a política de solos que bem enuncia na sua comunicação. Aqui
é necessário uma revolução serena. Todos terão de entender que é urgente tomar
medidas para estimular a disponibilidade de solos a custos compatíveis.
Na comunicação apresentada enunciam-se medidas recentes em várias áreas como
na reabilitação, na integração social, na renovação e reabilitação urbana. Permitamme referir que penso sinceramente estar em curso uma estratégia com cabeça, tronco e
membros.
Concluirei portanto incitando os responsáveis políticos com destaque para a
Senhora Secretária de Estado a continuar nessa linha eliminando as distorções
identificadas, com coragem e determinação.
Se assim prosseguir
TEREMOS POLÍTICA DE HABITAÇÃO
38
Painel
Planeamento urbano e oferta de
terrenos
39
PLANEAMENTO URBANO E POLÍTICA DE SOLOS
Engenheiro António Fonseca Ferreira *
Relator
1. MAIOR RIGIDEZ E MAIS PRESSÃO SOBRE O MERCADO DOS SOLOS
A escassez e os preços elevados dos terrenos para construção são uma constante
dos últimos 30 anos, em Portugal.
Mas a situação tende a agravar-se e poderá tornar-se explosiva se não forem
concretizadas, urgentemente, medidas eficazes de mobilização dos solos urbanos e de
moderação dos seus preços.
Isto, porque existem novas situações incidentes sobre o mercado dos terrenos que,
sinteticamente, passamos a expor.
Os Planos Directores Municipais (PDM’s), indispensáveis para o ordenamento do
território, face à inexistência de instrumentos de política de solos, vieram introduzir
uma maior rigidez no mercado dos terrenos. Anteriormente à aprovação dos PDM’s,
havia uma grande “margem de manobra” para apresentação de propostas de
loteamentos e urbanização pelos proprietários de terrenos e para a respectiva
aprovação pelas câmaras municipais. Quando não surgiam (e foram muitos) os
loteamentos ilegais. Os proprietários fundiários confrontavam-se com a incerteza
sobre a possibilidade futura de construção nos seus terrenos.
Existia, assim, alguma oferta de solos para construção.
Com a aprovação dos PDM’s os terrenos foram classificados quanto aos seus
futuros usos. Os terrenos classificados como “urbanizáveis” adquiriram uma potencial
valorização e os proprietários tendem a “aguardar” a sua valorização real. Só
vendendo a preços especulativos, ou seja, com antecipação dessa valorização real.
Por outro lado, a política de integração europeia está a deflacionar a economia e a
reduzir as taxas de juro, criando as condições para a dinamização do investimento
nacional e estrangeiro. Como qualquer actividade – industrial, turística, construção
habitacional, etc. – necessita de solo para se implantar, vamos assistir a uma forte
pressão sobre a procura de terrenos para construção e à inflação dos seus preços.
Uma situação, de facto, explosiva se não forem adoptadas urgentes medidas de
aumento da oferta, incentivando a mobilização dos solos e condicionando os factores
“altistas” do preço.
Esta é uma condição estratégica para a modernização da economia e da sociedade
portuguesas. Objectivos que só serão alcançados, se a par do acautelamento dos
direitos da propriedade fundiária, for, também, reconhecida a sua função social, a
qual concorre, decisivamente, para o desenvolvimento económico e a melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos.
40
2. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
2.1. Coincidência e permanência de orientações e propostas nas últimas Décadas
Dos múltiplos documentos produzidos e das posições expressas sobre a Política de
Solos, nos últimos 30 anos, ressalta uma evidente coincidência e permanência de
orientações e propostas.
Desde os Relatórios do III Plano de Fomento (1968-73), passando pelos textos e
conclusões do “Colóquio sobre a Política da Habitação” (MOP, LNEC, 1969), pelos
preâmbulos de diversos diplomas legais publicados, ao “Livro Branco sobre a Política
da Habitação em Portugal” (1993), preconiza-se, invariavelmente, a necessidade de
uma forte intervenção do Estado na regulação do mercado de solos urbanos,
fazendo prevalecer o interesse público sobre os interesses privados; a constituição de
reservas estratégicas de terrenos pela Administração Pública, em particular pelos
Municípios; a adopção do regime de “solo programado”; e as potencialidades dos
instrumentos fiscais para a mobilização dos solos urbanos.
2.2. Distanciamento entre a Teoria e a Prática
A análise das políticas prosseguidas neste domínio, nas últimas 3 décadas,
demonstra uma profunda divergência entre as orientações preconizadas e as medidas
práticas (não) adoptadas. Com resultados desastrosos para o ordenamento do território
e sobre os custos e a qualidade da habitação produzida.
A política de solos, neste período, é feita de omissões, de atrasos e de desconexões,
ao nível dos conceitos e dos instrumentos corporizados nos diplomas legais.
De tal modo que o preço especulativo dos terrenos para construção constitui,
hoje, o principal obstáculo – ou, melhor, o obstáculo –, no acesso à habitação pela
generalidade das famílias portuguesas.
Como veremos adiante, essa dificuldade não reside, já, na produção e oferta de
habitações.
2.3. Reforçar o Princípio do Interesse Público e da Função Social da Propriedade
Fundiária
Os direitos da propriedade fundiária são inquestionavelmente reconhecidos na
nossa sociedade. Traduzem-se no direito a uma retribuição económica pautada pelo
“valor natural” (localização, superfície, envolvente ambiental e urbana) e pelo direito
a urbanizar no quadro definido pelos instrumentos urbanísticos e de programação
municipal.
Mas a propriedade fundiária, dada a sua natureza, tem, também, uma
incontornável função social que não deve consentir a apropriação privada das
*
Engenheiro Civil Urbanista.
41
mais valias geradas pelo investimento público e pelo desenvolvimento económico
e social.
Assim, a lei deve estabelecer, claramente, os condicionamentos à valorização
especulativa, aos preços dos terrenos e à retenção expectante dos mesmos, conferindo
poderes de acção eficazes à Administração pública nesse sentido.
2.4. Novas Condições, novos Instrumentos
Mantendo-se hoje, como há 30 anos, os objectivos e a necessidade de uma eficaz
política de solos urbanos, temos de constatar, contudo, que neste período se alteraram,
radicalmente, as condições económicas, sociais e políticas da nossa sociedade.
Mudanças com profundas implicações nos pressupostos e nas condições de
aplicação das políticas espaciais e, consequentemente, na disponibilização dos solos
urbanos. Ou seja: mantêm-se os objectivos e os princípios, mas terão de ser
substancialmente diferentes as estratégias, as medidas de política e os
instrumentos para a mobilização e gestão dos terrenos.
2.5. Agilizar a Disponibilização e a Utilização dos Solos Urbanos
A utilização dos terrenos para construção tem de enquadrar-se na política, mais
ampla, de ordenamento do território. Verifica-se, contudo, que estamos longe de
dispor de regras claras e de uma ética consistente para o ordenamento do território.
É inequívoca a vontade do actual governo para promover a aprovação de uma “Lei
de Bases do Ordenamento do Território”, complementada com legislação sobre
“Solos” e sobre “Edificações”. Todavia, a indispensável sistematização destes
instrumentos e a clássica morosidade da Administração Pública farão com que eles só
a médio prazo se tornem operativos.
Ora, a disponibilização de terrenos – em localizações adequadas e a preços
compatíveis com uma política de acesso à habitação, de construção de equipamentos
sociais e de requalificação do espaço público – não se compadece com mais
adiamentos.
Sugere-se, assim, o lançamento de um Programa Nacional dos Solos Urbanos,
programa suportado nos Planos Directores Municipais, no PROSIURB nas
ADUP’s/ACP’s e na disponibilização de terrenos subutilizados pertencentes a
organismos da Administração Central e a Empresas Públicas.
42
3. EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS URBANÍSTICAS E DE SOLOS
“A produção habitacional requer um adequado ordenamento do território,
um quadro eficaz de planeamento urbanístico dos aglomerados urbanos e
uma política de solos ágil. Exactamente as condições que não se têm
verificado em Portugal”.
“Livro Branco sobre a Política da Habitação em Portugal” (1993)
Uma arreigada cultura do improviso e a falta de sentido social na utilização da
propriedade fundiária e na transformação do território são, em nossa opinião, as
razões profundas para as situações com que nos debatemos.
3.1. Ordenamento do Território
O Governo apresentou recentemente, para discussão pública e posterior envio à
Assembleia da República, um “Anteprojecto de Lei de Bases do Ordenamento do
Território”, uma Proposta que tivemos oportunidade de apreciar e publicamente 1
comentar em termos pouco optimistas: “Chega tarde, frustra as expectativas e, como
está, é inútil, inoperacional”.
Desde meados da década de 80, temos assistido a transformações profundas, sem
precedentes, na organização do território nacional. A internacionalização da economia
portuguesa, os Fundos Comunitários, com particular incidência nas infra-estruturas
rodoviárias, a redução dos fluxos da emigração para os países europeus e para as áreas
metropolitanas, com reorientação para os principais pólos urbanos regionais; a
reestruturação industrial e económica e a progressiva penetração das novas
tecnologias, designadamente as telecomunicações, todos estes factores têm “mexido”
profundamente com a matriz de ocupação do território continental.
Sendo estes fenómenos previsíveis, em meados da década de 80, exigia-se dos
poderes públicos a adopção de regras enquadradoras, de prevenção, dos impactos de
tais fenómenos nas transformações espaciais e territoriais.
Bastaria, aliás, que tivesse sido dada continuidade e aplicação às iniciativas
legislativas, de sentido muito positivo, que neste domínio foram publicadas em
1982/83 – DL 208/82 (PDM’s); DL 451/82 (RAN); DL 321/83 (REN); e DL 338/83
(PROT’s).
Mas tal não se verificou com as penosas consequências que hoje se conhecem.
Em 1995, sob o título “Vamos Mudar?”, escreviamos 2 :
“Nos últimos 30 anos Portugal urbanizou-se. Cresceram as nossas
cidades. Mas tudo é caótico, irracional. Os centros de decisão continuam
concentrados em Lisboa e são longos, morosos, os caminhos entre esses
1
2
Debate organizado pela Sociedade Portuguesa de Urbanistas, 17 de Março de 1997, Lisboa.
Editorial do N.º 21 da Revista “Sociedade e Território”, Março de 1995.
43
centros e as instituições e agentes que em qualquer região do país são os
executantes das decisões; construíram-se auto-estradas, mas a rede viária
que
liga
os
aglomerados
desincentiva
as
indispensáveis
complementaridades regionais; o comboio – que em qualquer país
desenvolvido desempenha um papel fundamental na circulação de pessoas
e mercadorias –, é, em Portugal, um sorvedouro de dinheiros públicos, não
concorrencial com o transporte rodoviário; as cidades cresceram,
“empolaram”, mas os respectivos centros históricos estão desertos e
degradados, quando não em ruína; esta situação gera intensos movimentos
pendulares diários e congestionamentos de elevados custo humanos,
ambientais, sociais e económicos”.
A transformação caótica do território continental tem-se processado em fases
sucessivas, com o crescimento anárquico das áreas metropolitanas, nas décadas de 60
e 70; a desordem nas orlas costeiras mais pressionadas pelas actividades turísticas,
desde meados da década de 60; e a mais recente expansão caótica e absurda das
principais cidades e aglomerados urbanos regionais: centros históricos abandonados,
em degradação, com habitações vazias ou ocupadas por escritórios e armazéns, e
expansões periféricas desqualificadas, sem serviços, nem equipamentos.
Se exceptuarmos Évora e Guimarães, todas as restantes cidades (e muitas vilas)
seguiram este modelo de crescimento urbano. O que se reflecte nas estatísticas da
habitação que em 1991 registavam a nível do país, mais 965.000 habitações do que
agregados familiares!
Eis 3 exemplos ilustrativos do crescimento urbano na década 1981/91:
• Guarda
• Coimbra
• Castelo Branco
Construção
3.800 fogos
9.520 “
4.200 “
Aumento n.º de famílias
637
3.000
1.700
Fogos Vagos (1991)
1.870
7.051
2.027
Alguns projectos partidários de Lei de Bases do Ordenamento do Território
apresentados na década de 80, na Assembleia da República, não chegaram a ser
discutidos. Em inícios de 1995, último ano da década de Cavaco Silva como 1.º
Ministro, o seu Governo apresentou a discussão pública um Projecto de Lei de Bases,
Proposta extensa e programática, que viria a ser inviabilizada pela polémica que
suscitou e pela queda do Governo que a apresentou.
Entretanto foi actualizado o diploma que regula os Planos Regionais de
Ordenamento do Território (PROT’s) através dos DL 176-A/88 e DL 376/90; foi
revista e simplificada a legislação sobre os Planos Municipais de Ordenamento do
Território (PMOT’s), através do DL 69/90; foram revistos os diplomas da RAN, DL
196/89 e DL 274/92, e da REN, DL 93/90; foi publicada legislação de protecção
ambiental, como a Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87), sobre Áreas Protegidas (DL
44
19/93), os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (DL 309/93), os Planos
Municipais de Intervenção na Floresta (DL 423/93), os Planos dos Recursos Hídricos
(DL 45/94) e os Planos Especiais de Ordenamento do Território (DL 151/95).
Isto é, a Lei de Bases do Ordenamento do Território que deveria constituir os
“alicerces” do edifício do ordenamento jurídico, neste sensível domínio, ficou para o
fim. Nesta nossa originalidade, bem portuguesa, começamos o edifício pelos
acabamentos...
Explicam-se, assim, as desconexões de conceitos e normas e boa parte da
inoperacionalidade da legislação publicada.
3.2. Planeamento Urbano
A primeira legislação portuguesa sobre planeamento urbano, da época moderna,
foi publicada nos inícios da década de 70, através dos DL 560/71 e DL 561/71 que
estabeleceram, respectivamente, o regime dos Planos e do licenciamento urbanístico.
Ainda que parcialmente alterada, nas décadas de 70 e 80, esta legislação só veio a ser
revista através do DL 69/90 (PMOT’s) e dos DL 445/91 (licenciamento das
construções) e DL 448/91 (licenciamento urbanístico).
Em cerca de 20 anos de vigência, da legislação de 1971, só foram aprovados 36
planos de urbanização e de pormenor. Aos Planos urbanísticos promovidos pelos
Municípios deparava-se um longo e labiríntico processo de apreciação, tutelado por
uma multiplicidade de entidades da Administração Central. Para alguns Planos, esse
processo de aprovação demorou mais de 10 anos. Exemplo paradigmático é o do PGU
de Lisboa, concluído em 1965 e aprovado em 1977. Muitos Planos ficavam pelo
caminho e quando eram aprovados já tinham perdido toda a eficácia, ultrapassados
que estavam pela dinâmica real dos processos sociais, económicos e urbanísticos.
A figura do Plano Director Municipal (PDM), instituída em 1982 (DL 208/92),
representou um significativo avanço do quadro conceptual e legal para a planificação
e gestão do território concelhio.
Contudo a sua eficácia foi muito limitada em virtude das excessivas exigências de
fundamentação estatística e cartográfica (bases inexistentes) e do “enredo” das tutelas
administrativas exercidas pela Administração Central sobre o processo de
acompanhamento e de aprovação.
No decurso da vigência do DL 208/82 (8 anos) foram aprovados 4 PDM’s (Évora,
Moita, Ponte de Sôr e Oliveira do Bairro).
Com a simplificação da legislação, em 1990 (DL 69/90), e as exigências impostas
pela CEE para concessão de Fundos, progrediu-se, significativamente, na elaboração
e aprovação dos Planos Directores Municipais.
Em finais de 1996, mais de 250 Concelhos, dos 275 existentes no continente,
tinham o seu PDM aprovado.
A jusante dos PDM’s, o DL 69/90 prevê a realização dos Planos de Urbanização
(PU’s) e dos Planos de Pormenor (PP’s), instrumentos que detalham as normas dos
45
PDM’s. Configurando o que se pode (e como pode) construir, em termos funcionais,
morfológicos, tipológicos, etc...
A prática dos últimos anos revela que os Planos de Pormenor têm uma concepção e
normativa demasiado rígidas face ao actual dinamismo, mutabilidade e diversidade
das actividades e iniciativas económicas, urbanísticas e imobiliárias.
Defendemos a urgente flexibilização das normas e do processo de elaboração e
aprovação destes instrumentos de planeamento, de modo a adequá-los às
realidades económicas, sociais e territoriais.
A legislação sobre os Loteamentos urbanos e o Licenciamento urbanístico
sofreu, nos últimos anos, diversas alterações. No caso dos Loteamentos, através dos
DL 400/84 e DL 448/81, fixando-se, actualmente, no DL 334/95 e na Lei 26/96
(ratificação). O Licenciamento das construções foi actualizado através do DL 445/91
e do DL 250/94 que actualmente vigora.
Esta legislação mantém um acentuado pendor burocratizante, de interpretação
ambígua, discricionária e policial, dando prevalência à “inibição de fazer” sobre “o
que se pode fazer”. Ou seja: cerceadora da iniciativa e da realização.
3.3. Solos Urbanos
As bases de intervenção do Estado numa política activa de solos urbanos foram
lançadas através do DL 560/70. Vivia-se a primavera marcelista e o lançamento das
bases de um “capitalismo monopolista de Estado” ou, entre nós, mais prosaicamente,
as bases de um capitalismo privado apoiado pela muleta do Estado.
A Lei de Solos de 1970 era radicalmente intervencionista nos seus preceitos –
expropriação, direito de preferência, áreas críticas, associação – e nos fins de
apropriação de solos pela Administração. Mas só pontualmente – Sines, Planos
Integrados do Fundo de Fomento da Habitação, grandes Obras Públicas – a Lei foi
aplicada. A tramitação processual e o conceito de solo urbano subjacente às
indemnizações (para além das condições políticas), inviabilizaram a “expropriação
sistemática”, ou pontual, de terrenos para finalidades sociais.
O DL 576/70 dava, assim, concretização às reclamações de diversos sectores e
agentes da sociedade e às preocupações e propostas expressas nos textos dos Planos
de Fomento 3 , no Relato Final do Colóquio sobre a Política da Habitação (1969) 4 e
3
“A intenção de dar decidido impulso à actividade do sector confere primacial importância à política
de terrenos para a execução de planos habitacionais e urbanísticos consentâneos com a magnitude dos
problemas existentes e a acção que é mister empreender. Nestas condições, deverão ser estudadas e
publicadas, durante o período do III Plano, providências em ordem a facilitar a constituição de
reservas de terrenos, a aumentar a celeridade do processo de expropriação, a promover a
estabilização dos preços dos terrenos e a assegurar as mais condições necessárias para
incrementar a rentabilidade social dos investimentos realizados em casas de habitação e
conseguir ocupação pré-ordenada do território. Este objectivo poderá, eventualmente, requerer
medidas especiais, como sejam a revisão do sistema de avaliação dos terrenos e a das normas legais
tendentes a impedir a especulação” (III Plano de Fomento, 1968-73, pág. 542).
46
dos responsáveis do Fundo de Fomento da Habitação 5 , confluindo, afinal, na
necessidade de “libertar” os solos urbanos das “amarras” da propriedade fundiária
com vista à modernização da sociedade portuguesa.
O conceito de “Solo Programado”, com tradição em diversos países europeus, não
passou entre nós, até hoje, de letra morta. Os diplomas publicados, em 1982, sobre
“Áreas de Desenvolvimento Urbano Prioritário” e “Áreas de Construção
Prioritária” não foram aplicados, apesar das potencialidades que estes instrumentos
contêm para a mobilização de terrenos urbanos.
A legislação que consagra Linhas de Crédito para a aquisição e infra-estruturação
de terrenos pelos promotores de habitação de custos controlados (DL 6/84 e DL
385/89) permanece também sem eficácia prática. Trata-se de um instrumento
unanimemente tido como da máxima importância, cuja criação foi ao longo do tempo
reclamada pelos mais diversos sectores.
As condições de juro e os plafonds de custo terreno/fogo, face ao custo real no
mercado de solos, inviabilizam a sua utilização.
O Regime Fiscal que incide sobre os solos urbanos também não facilita a sua
mobilização. Pelo contrário, a sisa e demais tributação tendem a agravar os preços dos
terrenos.
Com uma adequada regulamentação do regime das mais-valias, a penalização dos
solos expectantes e estímulos à sua mobilização, será possível contribuir para um
funcionamento mais dinâmico e compatível do mercado dos terrenos.
Os princípios que informaram a legislação de 1976, com a publicação do Código
das Expropriações (DL 845/76) e a revisão da Lei de Solos (DL 794/76), pretendiam
reforçar a capacidade do Estado para intervir na regulação do mercado dos terrenos
urbanas e, em particular, a constituição de Reservas estratégicas de Solos por parte da
Administração Central e Municipal.
Mas esses objectivos não foram atingidos e as mesmas reivindicações e medidas
surgem em Documentos recentes 6 .
Ainda hoje, como em inícios da década de 70, ou em 1987 7 :
“O sector do urbanismo – com relevo para a crónica escassez de solos
infra-estruturados, em zonas adequadas e a preços acessíveis – constitui,
4
“Constitui obrigação do Estado assegurar que os terrenos necessários ao desenvolvimento
urbanístico estabelecido pelo planeamento estejam disponíveis, na quantidade e na oportunidade
correspondentes à ocupação e utilização definidas e a preço compatível” (Relato Final, pág. 20).
5
“É unânime a constatação de ser impossível resolver os problemas habitacionais e urbanísticos, que
tão gravemente afectam a nossa sociedade, sem a prática decidida de uma firme política de solos.
Contudo, continuam por definir, a nível superior, os termos operacionais dessa política” (III Plano de
Fomento, Sector da Habitação, Proposta de Revisão, 1971-73, FFH, pág. 2).
6
Livro Branco sobre a Política de Habitação em Portugal e “Conclusões e Recomendações” do
FORUM “Políticas de Solos e Ordenamento Municipal”, Fundação Habitação e Sociedade, 12 e 13 de
Abril de 1996.
7
FERREIRA, A. F., Por uma Nova Política de Habitação, Edições Afrontamento, Porto, 1987.
47
em nossa opinião, o principal obstáculo estrutural ao desenvolvimento de
uma regular e produtiva política de habitação”.
Acrescentando ser esta uma das tendências pesadas da sociedade portuguesa:
“Diferentemente do que se verifica na maioria dos países europeus, em
Portugal o processo de uso e de transformação do solo não tem sido
conduzido de forma eficaz pela Administração. O grande “peso” ideológico e
a desmesurada protecção institucional de que entre nós desfruta a
propriedade fundiária são responsáveis por uma anacrónica administração
urbanística e pela inoperância da política de solos. Razões que se prendem
com a estrutura tradicional do capital e com a correlação de forças sociais
fazem com que a propriedade fundiária seja, ao longo dos tempos, o suporte
de um real poder económico e político, impondo o primado da renda sobre a
produção. Este facto está na origem da natureza acentuadamente especulativa
deste sector e na indevida apropriação por estratos restritos da sociedade de
mais-valias fundiárias e imobiliárias que só as condições económicas gerais e
os investimentos públicos geraram”.
4. POR UMA POLÍTICA DE SOLOS
A escassez de solos urbanos e os seus elevados custos sempre constituíram um dos
maiores obstáculos para a produção habitacional em quantidade e a preços acessíveis.
Em nossa opinião, na actualidade, esse factor já não é um dos obstáculos, mas sim
o obstáculo ao acesso à habitação por parte da generalidade das famílias portuguesas.
As estatísticas demonstram que a produção média de habitações se tem situado,
nos últimos anos, acima dos 60.000 fogos/ano, número que permite a reposição do
parque e a recuperação progressiva das carências acumuladas. Além disso, o
Recenseamento da Habitação, de 1991, demonstrava existir um “excedente global” de
alojamentos, com muitos fogos vagos nos centros históricos e nas áreas consolidadas.
Por outro lado, o nível actual e a redução das taxas de juro, a par de uma oferta
diversificada de “produtos financeiros”, atenua outro dos obstáculos tradicionais da
produção habitacional: o financiamento.
Outra das dificuldades clássicas, a debilidade organizativa e produtiva da
construção civil também tende a ser ultrapassada como o demonstra o nível de
produção anual de habitações acima referido 8 .
Assim, os problemas do acesso à habitação já não se situam na quantidade da
oferta mas sim nos seus preços, excessivamente elevados para o poder aquisitivo dos
segmentos “médio” e “baixo” das famílias portuguesas.
Para esta situação concorrem dois factores:
8
Dificuldade ultrapassada ao nível quantitativo, mas não quanto à qualidade da habitação produzida.
48
a) Os preços da habitação, em Portugal, são excessivamente elevados, sendo o
preço especulativo dos terrenos um dos factores que mais contribui para tal;
b) Os rendimentos da generalidade das famílias portuguesas são baixos, muito
distantes da média dos rendimentos nos países comunitários.
Esta situação tem de ser resolvida actuando sobre os dois factores. Os custos dos
terrenos atingem, vulgarmente, valores acima dos 20% do custo total da habitação.
Valores que se situam, em muitos casos, nos 30 a 50% nos centros urbanos.
Recorde-se que todas as recomendações e plafonds técnicos (de condições de
financiamento, etc.) estipulam que o custo dos terrenos infra-estruturados não
deve ultrapassar 15% dos custos globais da habitação.
Às políticas de habitação e urbanística compete actuar no sentido de fazer baixar
os preços dos terrenos para níveis mais compatíveis com aquele desiderato.
Mas na actualidade (e para o futuro) os objectivos e alcance da política de solos
não se circunscrevem à produção de nova habitação (finalidade dominante nos anos
60/70).
Por um lado, essa política tem de atender à cada vez mais urgente “regeneração
urbana”. Refira-se essa “regeneração” à reabilitação e renovação dos centros
históricos, recuperando para essas zonas a função habitacional que deles foi expulsa,
nos últimos 15 anos, pela proliferação desordenada do terciário; ou reporte-se à
requalificação das periferias que, no mesmo período, cresceram caoticamente, sem
equipamentos e com défice de espaço público, os factores de sustentação da qualidade
ambiental.
Mas, para além das finalidades habitacionais, a gestão dos solos é, cada vez mais,
um factor decisivo da política e desenvolvimento económico, designadamente da
política industrial e da política dos serviços. Esta situação tenderá a reforçar-se com o
extraordinário incremento da mobilidade e da globalização económica e social.
Finalmente, a Política de Solos é uma condição básica da salvaguarda ambiental
(desenvolvimento sustentado).
4.1. Lei de Bases do Urbanismo e do Ordenamento do Território
Não há política de habitação sem uma gestão eficaz dos solos urbanos. E não há
política de solos sem os adequados instrumentos de ordenamento do território.
O lançamento das bases e a criação dos instrumentos eficazes de gestão territorial
tem de ter em conta duas realidades:
– por um lado, a situação de desordenamento existente, de “retalhamento” e
loteamento generalizado do território, um “espaço construído” caótico, feio e
desqualificado, contrastando com a singularidade das belezas naturais e a
excelência das riquezas patrimoniais do país;
49
– por outro lado, a importante experiência colhida com a vigência dos
instrumentos de ordenamento espacial publicados e revistos desde 1982/83
(PDM’s, PROT’s, ADUP’s, PEOT’s, RAN, REN, etc.).
Embora concebidos e instituídos de forma desconexa, e aplicados de forma
descricionária e burocratizada, essa experiência é um valor indispensável a avaliar e
ponderar 9 .
Assim, neste domínio, requere-se, agora, a elaboração e aprovação da Lei de
Bases do Urbanismo e do Ordenamento do Território em articulação e
simultaneidade com a revisão dos seus instrumentos de execução. E que os
mecanismos da respectiva política – jurídicos, financeiros e fiscais – favoreçam a
reabilitação/renovação das áreas consolidadas e a requalificação das periferias
construídas, relativamente a novas expansões urbanas.
Como Medidas:
– aprovação de uma Lei de Bases que estabeleça os instrumentos legais e
incentivos fiscais e financeiros para o (re)ordenamento do território, com
competências reforçadas dos Municípios;
– elaboração e aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento do
Território definidores dos grandes sistemas de infra-estruturas e
salvaguardas ambientais e limitação dos PEOT’s a grandes projectos ou
domínios de interesse nacional;
– revisão e regulamentação “praticável” da RAN – Reserva Agrícola Nacional
e da REN – Reserva Ecológica Nacional.
4.2. Actualizar o Sistema de Planeamento Urbano
Referindo-se ao planeamento urbano e à política de solos, na sua comunicação ao
recente Colóquio sobre “A Política das Cidades”, Nuno Portas escreve 10 :
“A verdade é que ambos os conceitos estão demasiado ligados a uma
mesma época, marcada nalguns países europeus pelo protagonismo do
“estado social” (estado providência e estado social democrata, ambos
centralistas e tecnocráticos para o bem e para o mal, como depois se
percebeu) e cuja lógica de funcionamento não parece recuperável para os
tempos que correm.
(...)
9
Uma das facetas mais chocantes da vida portuguesa é o espírito de “arrombar portas abertas” ou,
frequentemente, “deitar fora o menino com a água do banho”. Raramente cuidamos de avaliar as
medidas de política prosseguidas para introduzir as correcções ou inflexões recomendáveis. É mais
fácil dizer que “tudo está mal” e arrancar viagem, com o espírito pioneiro que nos caracteriza.
10
PORTAS, Nuno, “Planeamento Urbano e Política de Solos”, Comunicação ao Colóquio sobre “A
Política das Cidades”, CES, Fevereiro de 1997.
50
Nem o sistema de “planeamento” será (ou já é) o mesmo de então, nem os
processos da “política de solos” poderão implantar-se à imagem e
semelhança dos que permitiram ao Estado deter, em poucos anos, o
monopólio da oferta de solo urbanizável, comandando assim o tempo do
processo urbanístico.”
Concordamos com a análise do autor ao considerar “datado”, de uma época
económica e social bem característica, o sistema de planeamento urbano sistémico e
funcionalista que vigorou na Europa dos anos 30/70. Que nós “importámos” tarde, já
em desajustamento com as realidades económicas, sociais e territoriais.
O sistema de planeamento urbanístico, nos cânones ainda estatuídos entre nós, é
um instrumento de racionalização de normatividade da intervenção do Estado a nível
do espaço, um instrumento de regulação característico do Estado Providência.
Entretanto mudaram, profundamente, a economia, as sociedades, os valores e os
elementos que conformam as transformações espaciais.
As actividades económicas e sociais fragmentaram-se; a sua inserção espacial
dispersou-se; as sociedades complexificam-se; o futuro é mais incerto, menos
previsível; o movimento sobrepõe-se à ordem; as mutações económicas, tecnológicas,
sociais e culturais processam-se a um ritmo vertiginoso que ultrapassa as nossas
percepções, reflexões e capacidade de acção; e verificamos que os recursos naturais
(solo, água, ar) são bem escassos.
Estas profundas mutações económicas, sociais, culturais e espaciais tornam
caduco o planeamento urbanístico funcionalista, hierarquizado, “fixista” e
finalista.
No sistema de planeamento urbano e de gestão urbanística que vigora entre nós –
fundamentalmente os PMOT’s, articulados com a legislação do licenciamento
urbanístico e das construções – “aguentam-se” bem os instrumentos com natureza de
Planos de Estrutura: PDM’s e PU’s.
Os Planos de Pormenor são autênticos “coletes de força”, ditando as morfologias,
as tipologias, as cérceas e as cotas de soleira. Ou seja: o conteúdo e a forma que os
planificadores têm na sua cabeça!
Também a legislação do licenciamento, demasiado regulamentadora não se
conforma com as iniciativas concretas, privadas e públicas.
Torna-se necessário rever o sistema de planeamento e de gestão urbanísticos.
O sistema a adoptar tem de ser mais estratégico, processual e flexível. Sobretudo
mais aberto, comunicativo e interactivo, acolhendo e incrementando a participação
dos cidadãos e das suas organizações, e dos agentes económicos. É preciso ter em
conta e valorizar a diversidade que é, cada vez mais, a pulsão criativa das sociedades.
A criatividade, a inovação e a vitalidade económica e cultural têm o seu suporte na
diversidade, na individualidade e na fragmentação.
Assim, como Medidas concretas propõem-se:
51
– generalização do planeamento e gestão estratégicos aplicado às entidades
territoriais e aos aglomerados urbanos;
– criação das condições institucionais e financeiras para a aplicação dos Planos
Directores Municipais, com alargamento e reforço financeiro do
PROSIURB;
– simplificação do processo de ajustamento e revisão dos Planos Directores
Municipais;
– eliminação dos Planos de Pormenor;
– consagração legal das figuras dos “Projecto Urbano” e “Projecto de
Espaço Público”;
– simplificação
dos regimes legais do licenciamento urbanístico
(loteamentos) e do licenciamento das construções, com responsabilização
dos agentes (projectistas, promotores, construtores e autarquias).
4.3. O Reforço do Papel Estratégico dos Solos
Até à década de 70, a intervenção do Estado na política de solos visava,
fundamentalmente, criar as condições à acumulação do capital na produção industrial.
O papel do Estado traduzia-se no levantamento do “obstáculo” da propriedade
fundiária à implantação industrial e à “urbanização” da mão-de-obra, moderando os
seus custos e melhorando a produtividade, através da construção de habitações e
equipamentos sociais.
Nessas circunstâncias, a política de solos tinha um papel – económico, social e
urbanístico –, fundamental, mas circunscrito, em termos sectoriais e espaciais. A este
último nível, a intervenção do Estado centrava-se, essencialmente, nas expansões
urbanas, no solo para nova habitação e para os grandes empreendimentos industriais e
de infra-estruturas.
A forma do Estado intervir nas políticas fundiárias, embora utilizando diversas
modalidades, centrava-se, dominantemente na constituição de reservas públicas de
solo, através da apropriação e expropriação sistemáticas.
Diversas são, hoje, as circunstâncias económicas, sociais e espaciais, implicando
um novo e reforçado papel para as políticas de gestão dos solos e para as modalidades
e instrumentos de acção dos poderes públicos.
A globalização e internacionalização das economias e o extraordinário reforço da
mobilidade das unidades produtivas cria necessidades acrescidas de “consumo” de
espaço e, consequentemente, maior pressão e concorrência sobre o mercado dos
terrenos; a nova sensibilidade e valorização das questões ecológicas e ambientais e a
natureza de recurso natural, escasso, dos solos, confere-lhes um papel estratégico
singular nos desígnios do desenvolvimento sustentável; o já referido “crescimento
paradoxal” das cidades (desertificação dos centros, descaracterização das áreas
52
consolidadas, expansão desqualificada das periferias, congestionamento da circulação
pendular) exige, para inverter as tendências deste “vazio urbano”, uma política de
solos ágil e actuante; o declínio e reconversão industrial, criando vastas áreas de solos
expectantes, coloca problemas específicos à gestão urbanística e fundiária.
Em síntese: com a globalização da economia tende a universalizar-se o papel da
política de solos; a segmentação económica e social exige uma maior agilidade e
diversificação das modalidades de intervenção nas políticas fundiárias; a salvaguarda
ambiental e a regeneração urbana tornam a gestão dos solos num factor estratégico,
“transversal”, das políticas públicas. Ou seja: o solo é, cada vez mais, o elemento
determinante da competitividade económica e para a qualidade de vida das
populações.
Na situação portuguesa, – uma sociedade e economia “mistas”, a meio caminho
entre o subdesenvolvimento, a industrialização e a modernização –, conjugam-se a
necessidade de solos para suprir “velhas carências” (nova habitação, equipamentos e
infra-estruturas), com as exigências de uma política de solos orientada para a
reabilitação e qualificação urbanas, para a reconversão industrial e económica e para o
desenvolvimento territorial sustentável.
Para esse novo desempenho da política de solos, entre nós, para além de uma
consciencialização colectiva das realidades, torna-se imprescindível vencer essa
persistente “tendência pesada da sociedade portuguesa”. Ou seja: que a função social
da propriedade fundiária tenha um efectivo reconhecimento jurídico, económico
e institucional.
Trata-se, finalmente, de distinguir – na nossa cultura e no quadro urbanístico –
entre direito de propriedade e direitos de construção 11 .
As situações descritas e as premissas que defendemos recomendam uma profunda
reforma dos instrumentos e modalidades de acção fundiária, através das seguintes
Medidas:
– revisão articulada da Lei dos Solos (DL 794/96), do Código de
Expropriações (DL 438/91) e da legislação de licenciamento urbanístico (DL
334/95, Lei 26/96 e DL 250/94), em conjugação com a nova Lei de Bases do
Ordenamento do Território e tendo em vista agilizar a política de solos,
condicionando a valorização especulativa dos terrenos e a sua retenção
expectante pelos proprietários (seja de terrenos licenciados para novas
construções, seja de áreas absoletas, “desactivadas”);
– operacionalização do regime de “solo programado” com a actualização e
implementação das “Áreas de Desenvolvimento Urbano Prioritário” e das
“Áreas de Construção Prioritária” (DL 152/82);
11
ROSETA, Helena, Texto sobre “Política de Solos” elaborado para o Livro Branco sobre a Política
de Habitação em Portugal, 1993, págs. 16-17.
53
– introduzir na legislação de planeamento urbano e de solos o princípio da
perequação, ou seja, a redistribuição dos direitos de edificabilidade entre os
proprietários;
– criação de um sistema de fiscalidade (integrando a Taxa Municipal de
Urbanização) com incentivos à mobilização de terrenos e à produção
habitacional de custos controlados e a penalização para os terrenos
expectantes e para as transacções especulativas;
– adequar os parâmetros do financiamento do INH à aquisição e infraestruturação de terrenos (DL 6/84 e DL 385/89) às condições do mercado
de solos, por forma a tornar eficaz essa importante medida de política;
– criar as condições de urbanização contratualizada entre agentes públicos,
cooperativos e privados, designadamente através da realização dos
“Contratos de Urbanização” (DL 334/95);
– criação das Empresas de Urbanização (solos e infra-estruturas), de natureza
mista e âmbito regional ou local, para intervenção no mercado dos terrenos,
para habitação e equipamentos sociais, e vocacionadas para a concertação
estratégica dos interesses da Administração, dos proprietários dos terrenos e
dos promotores habitacionais;
– inventariação de terrenos subutilizados, pertencentes a organismos da
Administração Central e a Empresas Públicas, e respectiva disponibilização
para programas de habitação de custos controlados, designadamente através
das Cooperativas;
– criação do quadro legal e operacional de gestão do subsolo (“redes
enterradas”), designadamente através da constituição do cadastro
informatizado e de novas modalidades institucionais de gestão, associando os
Municípios e as empresas concessionárias dos serviços urbanos.
54
POLÍTICA DE SOLOS – PAPEL DO ESTADO, PAPEL DO MERCADO
Arquitecta Helena Roseta *
Comentadora
1. O mercado de solos funciona segundo leis próprias, que não são apenas internas,
são internacionais. Não é, por isso, com uma lei da Assembleia da República, por
muito boa que seja, mesmo com um excelente parecer do Conselho Económico e
Social, que vamos pôr em causa ou alterar o modo de funcionamento de um mercado
que hoje tem uma incidência planetária.
Fala-se muito em globalização, deslocalização, desregulação dos mercados. Mas
estes termos aplicam-se geralmente ao mercado financeiro, esquecendo-se uma
realidade que aqui quero recordar: o mercado de solos está intimamente ligado ao
mercado financeiro. Embora este esteja hoje, de certo modo, imaterializado, e o
mercado de solos continue a ser muito concreto – não navega na Net, nem é
deslocalizável ao sabor de simples impulsos magnéticos – a verdade é que os capitais
que se aplicam num e noutro são os mesmos. Não há hoje nenhuma grande empresa,
nenhuma multinacional, nenhum fundo de pensões, que não tenha ou procure ter uma
parte importante do seu activo aplicada em património imobiliário. Há pois uma
contiguidade de interesses que faz com que os dois mercados – o mercado financeiro
e o mercado de solos – não se possam desligar completamente. É por isso que quando
tentamos regular, através da legislação, o mercado de solos, não devemos esquecer
que estamos a intervir num contexto que é um contexto de concentração:
concentração financeira, à escala planetária, no mercado de capitais; concentração
urbana, em dimensões também nunca antes verificadas, no mercado de terrenos. Este
é o contexto em que nos encontramos.
2. Como é que a concentração urbana está a ocorrer em Portugal? Fui procurar
medir o fenómeno através da quantificação do que é ou não é “urbano” no nosso
território. O termo é polémico. O Instituto Nacional de Estatística usou, até ao censo
de 1970, um critério demográfico simples para o efeito: eram considerados “centros
urbanos” todos os lugares com mais de 10 000 residentes. As taxas de concentração
urbana elaboradas a partir deste critério apresentavam, contudo, valores relativamente
baixos, em termos comparativos, sendo certo que tal taxa é muitas vezes usada como
indicador de desenvolvimento. Por isso e porque era necessário construir um critério
mais adequado à própria realidade portuguesa, nos censos de 1981 e 1991 ele já não
foi usado, estando em elaboração um conceito que inclui aspectos quantitativos e
qualitativos para separar “urbano” de “semi-urbano” e de “rural”. 1 Seja como for,
porque o novo conceito ainda não está operacional e porque me interessava fazer
*
Deputada da Assembleia da República.
55
comparações abrangendo um período longo, tomei como “urbanos” todos os lugares
com mais de 10.000 habitantes nos censos de 1970, 1981 e 1991 e fui verificar qual
tinha sido a sua evolução no todo nacional.
De acordo com a imagem relativa ao censo de 1991 (figura 1), podemos constatar
a enorme “fronteira” que separa o litoral do interior, quando se analisa o total de sítios
“urbanos” num caso e noutro.
Figura 1
A agregação por distritos permite visualizar muito claramente esta diferença. Uma
agregação por concelhos acentuá-la-ia no interior de cada distrito. Mas o que eu
queria aqui realçar é que muitos destes “centros urbanos” não são cidades nem serão
sequer “centros”, no sentido verdadeiro da palavra. No total de 102 lugares com mais
1
Ver Relatório Final sobre Freguesias Urbanas, Semi Urbanas e Rurais (para fins estatísticos),
INE, DCI/ Serviço de Coordenação, Julho de 1996.
56
de 10.000 habitantes assinalados pelo censo de 91, apenas 54 eram cidades (quadro
I).
QUADRO I – Cidades e aglomerados urbanos em 1991, por dimensão
(número de lugares classificados como cidades, seja qual for a população,
e lugares com mais de 10.000 habitantes)
POPULAÇÃO RESIDENTE (EM 1991)
Tipo de
aglomerado
urbano
<2.000
2.000 << 5.000
5.000 << 10.000
> 10.000
TOTAL
Capitais de
distrito
-
-
2
20
22
Cidades, sedes de
concelho
6
13
27
34
80
Outras cidades
1
-
3
.
4
Total cidades
7
13
32
54
106
Lugares com mais
de 10.000
habitantes
-
-
-
48
48
Total de cidades e
aglomerados
urbanos
7
13
32
102
154
FONTE: Listagem das 106 cidades portuguesas, actualizada de acordo com as deliberações da A.R.
publicadas em Diário da Assembleia da República até 2/7/93, confrontada com os resultados
do Censo de 1991.
Os restantes, quase metade do total, nem são cidades, nem sei como lhes hei-de
chamar. São aquilo que a gente tem: são os “bairros”. Exemplifico: entre os 30
lugares “urbanos” assinalados no distrito de Lisboa, 24 não são cidades e têm nomes
como Dr. Augusto de Castro, ou Forte da Casa. Conhecem o primeiro? Tem 11.000
habitantes e fica no concelho de Oeiras. No distrito do Porto, entre os 18 lugares
“urbanos”, 10 não são cidades e podem chamar-se Vilar de Andorinho ou Pedroso.
No distrito de Setúbal, em 17, 13 não são cidades e chamam-se, por exemplo, Paivas,
Quinta do Lombo, etc. Quero chamar a atenção, com isto, para o facto de alguns
destes bairros serem maiores que cidades portuguesas bem conhecidas ou mesmo
capitais de distrito (é o caso de Viana do Castelo). 2
Este é pois o panorama da nossa concentração urbana. Melhor dizendo, o que
temos é uma concentração suburbana. E os resultados no território podem resumir-se
numa fórmula extrema: deserto no interior, selva no litoral. É nesse ponto que nos
encontramos.
A culpa é de quem? O desordenamento costuma atribuir-se à falta de planos. É um
argumento um pouco angelical, em minha opinião. Agora que praticamente todo o
território está coberto por Planos Directores Municipais (PDM’s), vamos passar a ter
2
Ver em anexo lista dos lugares com mais de 10.000 habitantes que não cidades, de acordo com o
censo de 1991.
57
tudo “ordenado”? Ou a culpa vai passar a ser de quem não cumpre os planos ou não
lhes dá eficácia – isto é, as Câmaras Municipais? O meu ponto de vista é que não
bastam planos de ordenamento, por muito bem feitos que sejam, para fazer frente às
distorções de um mercado que tem uma lógica global.
Figura 2
Apresentarei outro argumento para sustentar o que digo. Trata-se de um gráfico
porventura algo cruel. (figura 2). Se considerarmos separadamente os distritos do
litoral, do interior e das ilhas, e calcularmos as respectivas taxas de concentração
urbana 3 , verificamos que a concentração aumenta em ritmo aproximadamente
constante, quer no litoral, quer no interior – com a excepção do “pico” provocado nas
ilhas pelo crescimento do Funchal. Mas verifica-se também – e este será talvez o lado
“cruel” da história – que a distância que em 1970 separava o interior do litoral se
mantém paulatinamente, durante duas décadas, apesar das enormes mudanças que
3
Considerou-se, para calcular a taxa de concentração urbana, o “ratio” entre o total de residentes em
lugares com mais de 10.000 habitantes e a população residente total, para as áreas em causa
58
nesse intervalo de tempo se fizeram sentir. Nem o 25 de Abril, nem a democratização
do poder local, nem a adesão à Europa, alteraram esta que parece ser uma tendência
demográfica “pesada” e que se mantém.
Chamo a atenção para isto para realçar que estamos perante um fenómeno – a
concentração urbana – que não só tem uma dimensão planetária, como parece ocorrer
independentemente das mudanças de regime ou da integração em espaços económicos
mais vastos. As leis do mercado ditam as suas regras sobre o território com bastante
mais eficácia que as leis que vamos elaborando nos nossos ordenamentos jurídicos. É
disto que temos de estar conscientes quando propomos qualquer tipo de intervenção,
sob pena do tal “angelismo” que há pouco referi.
3. Mas isto não significa que devamos demitir-nos de agir. Temos é de ter presente
que a situação é contraditória, senão mesmo paradoxal. Estamos perante um problema
de dimensão internacional. Dimensão internacional que é aliás visível a olho nu nas
nossas cidades e que vou ilustrar com exemplos. Tomemos Lisboa. Os grandes
edifícios novos no centro da cidade são sedes bancárias ou sedes de multinacionais. É
o rosto imobiliário dos mercados financeiros, quer se trate de capital nacional, quer de
capital internacional. E talvez tenham maior interferência na transformação da
fisionomia da cidade do que a indústria, cuja presença nos centros urbanos foi durante
tanto tempo verberada pelos urbanistas, por ter efeitos poluidores e negativos para a
paisagem. Pergunto-me se este chamado “terciário superior” não será afinal muito
mais agressivo para o tecido urbano.
Outro exemplo do mesmo: a concentração comercial, com as famosas “grandes
superfícies”. Não são apenas hipermercados de capital e nome português que
“cercam” as nossas cidades: é o Carrefour, o Hipermarché, são outras tantas situações
de grande impacto territorial e que representam outro rosto bem visível dos interesses
internacionais. Não estou a verberar esse facto, é uma realidade em que estamos
instalados – o que quero é vincar muito claramente que não acredito que um simples
PDM, à escala municipal, possa ir contra a globalização que está aí.
Globalização que se repercute na economia urbana, em cujo funcionamento se
originam externalidades positivas e negativas, convém não o esquecer. Vale a pena
recordar que as externalidades positivas, de modo geral, encarecem o custo do solo –
embora contribuam para “melhorar” a cidade – enquanto as negativas, tornando o solo
menos atractivo, contribuem para lhe baixar o custo. E a menos que tais factores
sejam completamente internalizados por quem os provoca, o que é difícil, é toda a
cidade que colhe as vantagens e desvantagens do processo. Serão externalidades
negativas, derivadas da concentração urbana, o congestionamento de tráfego ou a
poluição; serão externalidades positivas os benefícios da proximidade, as sinergias
entre actividades diferentes, a concentração de oportunidades de lazer ou de negócio,
etc. Do balanço entre estes dois tipos de externalidades vai depender, em cada
momento, o valor do solo urbano no mercado, valor que é tanto mais difícil de
59
determinar quanto mais diversificadas e contraditórias forem as externalidades
presentes.
Seja como for, e para lá das contradições próprias do funcionamento da economia
urbana, há um paradoxo a que não podemos fugir à partida. A globalização está aí, a
escala de intervenção é cada vez mais internacional, e nós pretendemos intervir neste
processo de decisões à escala municipal. Mas está certo: não é impossível, bem pelo
contrário, fazer frente a um fenómeno de dimensão planetária com instrumentos de
base local. Os ecologistas têm uma máxima célebre: “é preciso pensar global e actuar
local”. Edgar Morin costuma completá-la com a inversa: “é preciso pensar local e
actuar global”. É o que ele chama a atitude “glocal”. Mas para isso é preciso que as
instâncias locais se entendam, se articulem, façam rede. Sem “fazer rede”, o poder
local não tem capacidade para agir à escala a que é chamado. É por isso que há
cimeiras de cidades, redes internacionais de autarquias e outras iniciativas do género.
As cidades, no mundo de hoje, têm de “fazer rede” – senão podem ser desmanteladas
pelas consequências territoriais dos mecanismos da concentração financeira, incluindo
deslocalizações de actividades, que mudam de continente com toda a facilidade,
deixando atrás de si hordas de desempregados e extensas porções de tecido urbano
desafectado, desindustrializado, abandonado.
4. Neste contexto globalizado e ferozmente competitivo, em que as regras ditadas
pelos mercados financeiros não passam pelo crivo dos cidadãos, nem muitas vezes
dos próprios governos, qual poderá ser o papel do planeamento territorial? Desde logo
devemos reconhecer que, seja qual for o papel que se lhe atribua, o planeamento não é
neutro. E vou afirmar algo que poderá ser o ponto mais polémico do meu comentário,
mas é o que constato. Ao fim de muitos anos de contacto com a actividade urbanística
e autárquica, chego à seguinte conclusão: o planeamento territorial, em Portugal, tem
servido sobretudo para reforçar os interesses da economia de mercado, entendida no
seu sentido neo-liberal mais ortodoxo. Os planos têm servido sobretudo para valorizar
terrenos. E quando o não fazem, não “passam”. Querem melhor exemplo do que
passarmos a vida a fazer colóquios onde denunciamos a carência de solos para
habitação social? Nunca fui a nenhum colóquio para falar da falta de terrenos para
centros comerciais ou outra actividade lucrativa qualquer. Há solos. Só para quem não
tem dinheiro é que não há.
O planeamento não é neutro. Na minha opinião, em Portugal, ele tem servido
sobretudo para apoiar o mecanismo da concentração urbana, no sentido das forças de
mercado. Posso dar dois exemplos. A grande reivindicação do sector da promoção
imobiliária – e muitas vezes com muita razão – é de que “o Estado não nos empate”.
O ideal seria que o Estado quase “não existisse”, ideal que se identifica com o
figurino neo-liberal. Ideal legítimo, naturalmente, mas que não é o meu. Outro
exemplo que posso invocar é o do Código de Expropriações em vigor. Um dos modos
de aumentar a oferta de terrenos para actividades a que o mercado não dá, ou não
pode, dar resposta suficiente, é a possibilidade de expropriar determinados terrenos
60
por utilidade pública. Ora o que o Código estipula é que tais terrenos sejam pagos
pelas entidades públicas não em termos de valor matricial nem de valor de tabela, mas
sim de acordo com um valor de mercado, que é calculado a partir de tudo o que o
terreno contém ou poderá vir a conter, se nele se construir o máximo autorizado para
terrenos equivalentes. É por isso que os valores atribuídos em tribunal para terrenos
expropriados são geralmente exorbitantes. Quer dizer, o interesse público que se
queria acautelar com a possibilidade de expropriar “por utilidade pública” acaba por
ser anulado pelo valor atribuído de acordo com a lógica de mercado, na perspectiva
do máximo benefício para o proprietário. Se isto não é neo-liberalismo, então o que
será?
Estamos perante opções legislativas que privilegiam os direitos de propriedade
sobre os interesses sociais. Pessoalmente, entendo que tal legislação deve ser
reformada e sei que muitos pensarão o mesmo, embora não necessariamente no
mesmo sentido. O que quero frisar é que este tipo de instrumentos – planos ou
legislação – não são neutros. Não são simplesmente “técnicos”, simplesmente
“jurídicos”. Representam opções. E penso que neste debate é mesmo necessário que
se defrontem as diferentes posições que estão por detrás dessas opções.
5. Esse defrontar de posições passa por saber qual é o papel do Estado, hoje, nos
anos 90, perante a questão dos solos e perante o fenómeno da concentração urbana.
Há muito quem defenda que o papel do Estado deve ser simplesmente regulador,
através da legislação, do planeamento e da disciplina das actuações particulares, que
neste caso corresponde à disciplina das edificações. Penso que a este nível de
regulação está quase toda a gente de acordo. Podem defender-se planos mais ou
menos “flexíveis”, como agora se diz, mas, sendo o mercado de solos urbanos um
mercado escasso, alguma regulação terá sempre de existir. Se se tratasse de um
mercado não escasso, infinito, ilimitadamente expansível, não seria necessário regulálo. Mas não é o caso – e julgo que todos o reconhecerão sem dificuldade.
Penso, no entanto, que ao Estado cabe mais do que regular este mercado. O Estado
terá de intervir nas áreas onde este mercado falha ou abusa, para suprir deficiências ou
corrigir abusos. A habitação social é precisamente uma das áreas onde o Estado tem
de intervir enquanto o mercado falhar – e o mercado falha enquanto houver
desfasamento entre a capacidade económica das pessoas e o preço final do “produto”
a que pretendem aceder. “Produto” que é também, não o esqueçamos, a necessária
concretização de um direito constitucional. Um exemplo de intervenção correctiva do
Estado será nas situações de ameaça sobre o ambiente, a paisagem ou o património
cultural. Nuns e noutros casos, a intervenção supletiva e correctiva do Estado custa
dinheiro – e a extensão dessa intervenção tem de ser definida também à luz dos custos
que implica, sem perder de vista os custos da “não intervenção”, que em casos
flagrantes de injustiça social ou dano ambiental podem ser irreparáveis. Há ainda uma
nova área de intervenção do Estado, hoje cada vez mais solicitada, que representa um
novo papel e que corresponde à ideia do Estado como parceiro e impulsionador de
61
actuações concertadas entre interesses privados e interesse público. Trata-se de uma
área com grandes potencialidades no âmbito do ordenamento territorial e urbano, que
não vou desenvolver agora.
Podemos não estar todos de acordo sobre o papel do Estado, mas em todo o caso
penso que a questão tem de ser discutida. Temos de saber qual é o papel do Estado no
funcionamento da nossa economia, e em particular qual o papel das câmaras
municipais face à economia urbana. Sem discutir isto, acho difícil elaborar legislação
ou discutir articulados, porque estamos eventualmente a partir de pressupostos
diferentes. E para mim o diálogo não adianta muito se só conduzir a articulados
ambíguos, em que as opções não são claras e que cada qual interpreta como quer.
6. O que falta então para que seja possível pôr em prática o novo papel do Estado –
e uma vez esclarecido qual ele deva ser – no que diz respeito ao planeamento
territorial, ao ordenamento urbanístico e à política de solos? Penso que a proposta de
lei de bases do ordenamento, que está em debate público, é uma peça importante, mas
é insuficiente para “ordenar” o que quer que seja. Temos de nos bater por uma espécie
de “tripé” legislativo, que inclua a lei de bases do ordenamento, para disciplinar e
enquadrar a intervenção pública no território, a lei de bases da edificação, para
disciplinar a intervenção privada – hoje sujeita aos regimes do DL 448/91, quando se
trata de loteamentos, e do DL 445/91, para obras particulares 4 – e uma nova lei de
solos, com a correspondente revisão do actual Código de Expropriações.
Falo neste “tripé” com tanto mais veemência quanto é sabido que, nas últimas
décadas, praticamente todo o tecido urbano novo vem resultando de intervenções
particulares. Mesmo depois de aprovada a maioria dos PDM’s, os poderes públicos
praticamente não têm tido nenhuma iniciativa directa de promoção e construção de
cidade, limitando-se a aprovar os pedidos de loteamento que a iniciativa particular vai
apresentando – ou a reabilitar aqueles que foram promovidos clandestinamente, sem
qualquer licenciamento prévio. Temos um país cheio de “urbanizações sem
urbanismo”, como há dias referia expressivamente um grupo de alunos meus. É
também por isso que temos uma imagem de cidade que não faz sentido, que parece
“estar a saque”. Se queremos modificar esta imagem de cidade, temos de admitir que
o Estado tem de intervir, não só no planeamento mas também na edificação, de forma
mais decisiva.
7. Se falo na necessidade de uma nova lei de solos, não quero com isso dizer que
ela esgota a política de solos. Esta é hoje, cada vez mais, constituída por um conjunto
de formas de intervenção no mercado de solos que podem ser muito diversas. O que
defendo é que devemos usar uma panóplia larga de meios de intervenção, e nesse
sentido é que a legislação deve ser reformada. Ampliar, e não reduzir, as formas de
4
Identificam-se aqui estes regimes de licenciamento pela designação dos diplomas originais. É matéria,
no entanto, que tem vindo a sofrer inúmeras alterações legislativas, algumas substanciais, o que reforça
a necessidade de a estabilizar num articulado mais durável.
62
influenciar o mercado de solos, tendo em vista a defesa dos interesses colectivos, que
não são apenas sociais, mas podem ser ambientais e culturais – é disto que devemos
tratar quando falamos em política de solos, seja para habitação social, seja para
qualquer outra actividade ou destino que careça de apoio público.
De um modo muito geral, podemos dizer que o Estado pode intervir no mercado de
solos de forma directa e de forma indirecta. As formas de intervenção indirecta podem
ser da ordem da legislação, do ordenamento e planeamento urbanístico, da política
financeira e da política fiscal. Não vou desenvolver as medidas correspondentes –
remeto para um estudo realizado nos países de OCDE, em que se comparam as
diferentes formas de intervenção no mercado de solos e se apontam alguns caminhos
inovadores 5 . Mas não deixo de recordar também que uma das nossas grandes falhas,
em termos de política de solos, tem sido precisamente essa falta de “amarração” entre
as opções tomadas no domínio do planeamento, as que se implementam através dos
dinheiros públicos e as que derivam da fiscalidade. Há inúmeras contradições, até de
conceitos. Compatibilizar tudo isso já seria um grande avanço na tal “política de
solos” que parece não haver.
Quanto às formas de intervenção directa, permitam-me que aqui as recorde: elas
vão desde o controle de preços à constituição de sistemas de informação sobre o
mercado de solos, passando pela constituição de reservas fundiárias. A nível de
controlo de preços, a experiência da OCDE diz-nos – e nós sabemos isso em Portugal
– que as fórmulas de tabelamento de preços, seja dos solos, directamente, seja da
parcela que eles representam no custo final da construção, é extremamente ineficaz.
Há sempre formas de “furar” o valor fixado. Uma das maneiras, por estranho que
pareça, é o resultado perverso do estabelecimento de isenções fiscais abaixo de certos
patamares. O que sucede hoje com a sisa, entre nós, é um caso típico: as pessoas
declaram valores inferiores aos da tabela, para fugir à sisa. E o direito de preferência,
que a lei prevê caber à Administração, sempre que detectar e provar que alguém
comprou um terreno ou um prédio e pagou menos sisa do que devia, acaba por não
funcionar. Nem o Estado anda a fiscalizar todas as transacções para ver se houve fuga,
nem é razoável que se dê com uma mão a isenção para depois, com a outra, se tentar
tirar o que se “deu”, exercendo o direito de preferência. Isto é, nem as pessoas pagam
o que devem, nem o Estado exerce convenientemente o direito de preferência que lhe
assiste.
A criação de reservas fundiárias é outro dos mecanismos de intervenção directa do
Estado ou dos municípios no mercado de solos urbanos. É uma área em que estamos
completamente falhos. A maior parte dos “stocks” que existiram nas Câmaras
Municipais foram constituídos antes do 25 de Abril, quando podiam comprar terreno
e vendê-lo em hasta pública, com valores especulativos. Ter, nessa altura, reservas de
solos era uma forma de gerir as finanças do município como outra qualquer. O
sistema foi alterado com a Constituição de 1976, que apontava para a municipalização
63
integral dos solos urbanos, proibindo-se assim a sua revenda a particulares. Novas
alterações puseram termo a esta limitação constitucional, mas o que é facto é que
nunca chegou a haver, à excepção do período imediatamente a seguir ao 25 de Abril,
nenhuma abertura para o financiamento público necessário à constituição ou
manutenção de tais reservas municipais de solos. Hoje a maior parte encontra-se
esgotada. Se nada for feito para alterar este panorama, o que passa necessariamente
pelas finanças locais, haverá escassez acrescida de terrenos para fins sociais. É
evidente que podemos aumentar a disponibilidade de terrenos privados para tais fins,
com incitamentos diversos. Mas o que não creio é que possamos prescindir de um
mínimo de solos detidos pelos poderes municipais, que possam ser lançados no
mercado de acordo com as prioridades do planeamento urbano e de forma a
compensar os efeitos altistas devidos à penúria de disponibilização de solos
particulares.
Finalmente, quero referir os sistemas de informação sobre o mercado. Parece-me
tratar-se de uma medida essencial. É incompreensível que nos mercados financeiros
possamos ter acesso às cotações dos valores presentes em bolsa com uma relativa
fiabilidade e que disponhamos de índices sofisticados para prever os riscos de
determinadas operações financeiras, enquanto no mercado de solos, que como vimos
está intimamente associado ao mercado de capitais, temos tão pouca informação e tão
pouco fiável. É certo que as equipas de avaliadores, ligadas sobretudo às entidades
bancárias que praticam crédito à habitação, têm muita experiência acumulada. Mas o
Código de Avaliações, prometido há não sei quantos governos, continua sem sair e os
critérios em que se vão baseando os avaliadores variam enormemente. Há um grande
desequilíbrio entre a informação acessível sobre os mercados financeiros e a
informação disponível sobre o mercado de terrenos, o que permite margens de
especulação difíceis de controlar. Não tenho aqui possibilidade de desenvolver em
profundidade formas de estabelecer valores para o mercado de solos – julgo aliás que
essa temática voltará aqui, no painel sobre fiscalidade, e a propósito da reforma da
Contribuição Autárquica, um dos mais distorcidos impostos sobre o património que
temos.
Seja como for, não queria deixar de referir as duas componentes fundamentais da
construção de sistemas de informação sobre o mercado de solos: a componente física,
que se identifica com o cadastro, e a componente económica, que corresponde ao
registo do respectivo valor. A experiência talvez mais interessante que conheço nesta
matéria é a da Dinamarca, onde são regularmente publicados os valores de todas as
transacções de solos, em articulação com os respectivos usos e destinos. Será difícil
apontar para essa meta em Portugal, mas pelo menos as transacções em que
intervieram entidades públicas deviam ser listadas e publicadas, de forma organizada.
Poderíamos assim ir construindo um sistema de valores de referência, seguramente
5
Les marchés fonciers urbains: quelles politiques pour les années 90?, OCDE, 1992.
64
mais realista que o constante das desactualizadas matrizes prediais e certamente mais
justo e operacional que o critério neo-liberal puro do actual Código de Expropriações.
Em suma, através de um largo conjunto de formas de intervenção indirecta ou
directa no mercado de solos, o que defendo é que os poderes públicos se não demitam
das suas responsabilidades nesta matéria. E que não entreguem simplesmente ao livre
jogo das forças de mercado um factor tão sensível como os solos urbanos, para que,
sem prejuízo da necessária sustentabilidade ambiental, sejam garantidos os direitos,
liberdades e garantias de todos os cidadãos.
65
ANEXO
LUGARES COM MAIS DE 10.000 HABITANTES
que não são cidades em Portugal
(CENSO DE 1991)
Distrito de Aveiro
- Gafanha da Nazaré
Distrito de Lisboa
- Alfarelos
- Algés
- Algueirão
- Brandoa
- Buraca
- Cacém
- Carnaxide
- Cascais
- Dr. Augusto Castro
- Forte da Casa
- Linda-a-Velha
- Massamá
- Moscavide
- Oeiras
- Paço de Arcos
- Parede
- Pontinha
- Portela
- Póvoa de S. Adrião
- Póvoa de S.ta Iria
- Queluz
- Sacavém
- S. António dos Cavaleiros
- Vialonga
Distrito do Porto
- Águas Santas
- Avintes
- Leça da Palmeira
- Oliveira do Douro
- Pedroso
- S. Mamede Infesta
- S. Martinho
66
- Senhora da Hora
- Valbom
- Vilar de Andorinho
Distrito de Setúbal
- Baixa da Banheira
- Corroios
- Cova da Piedade
- Cruz de Pau
- Feijó
- Laranjeiro
- Lavradio
- Miratejo
- Moita
- Paivas
- Pinhal Novo
- Quinta do Lombo
- Vale da Amoreira
Total
48 lugares com mais de 10.000 habitantes
Nota: O total de cidades em 1991, actualizado de acordo com as deliberações da Assembleia da
República até 2/7/93, passou para 106. Destas, apenas 54 tinham, de acordo com o Censo de 1991,
mais de 10.000 habitantes.
Verifica-se assim que há quase tantos “lugares” como cidades entre as zonas urbanas portuguesas,
sendo estes “lugares”, na sua maioria, resultado de operações de loteamento privado, legal ou
clandestino. Verifica-se ainda que 52 das 106 cidades portuguesas são menos populosas que estes
“lugares”.
67
Painel
A actividade da construção:
regulamentação, técnicas e custos,
fiscalidade e apoios na construção e
na habitação
68
Engenheiro Rui Nogueira Simões *
Relator
INTRODUÇÃO
Tendo-me sido confiada a ambiciosa e difícil tarefa de analisar um tema tão
abrangente como é o da “actividade da construção civil”, contemplando vários dos
seus aspectos desde a respectiva regulamentação até ao seu financiamento, entendo
ser desde já fundamental delinear e delimitar o âmbito da minha intervenção
apontando as diversas matérias que, por se revestirem de extrema importância para o
Sector da Construção, merecem ser comentadas e debatidas.
Assim sendo e tendo bem presentes todos os outros temas que relacionados com a
actividade da construção já foram ou irão ser objecto de um tratamento específico ao
longo deste colóquio, proponho-me, tentando evitar uma duplicação nas exposições,
abordar os seguintes tópicos:
– evolução recente do Sub-sector da Habitação;
– regulamentação da actividade de construção civil, designadamente a que se
refere ao relacionamento dos particulares com os diversos níveis da
Administração, bem como a relativa aos aspectos técnicos, relacionando-a
com os custos de construção;
– finalmente, a fiscalidade e os subsídios (ou a sua ausência) na construção e
na habitação.
Ao fim de alguns anos de acesas discussões e de muito se ter dito sobre a matéria,
existe hoje em dia um vasto e importante consenso sobre a relevância da Habitação e
dos problemas com ela relacionados, no contexto da sociedade portuguesa.
Na verdade, é reconhecida por todos a natureza de bem essencial da Habitação,
sendo certo que uma sociedade que não consiga assegurar o acesso universal a este
direito fundamental não é capaz de garantir a satisfação das necessidades básicas dos
seus membros, desde a Saúde até à Educação.
Para descrever resumidamente a situação da habitação em Portugal, é importante
lembrar que o nosso País tinha, em 1991, um défice habitacional superior a 500 mil
fogos, um parque residencial envelhecido e degradado e uma proporção elevadíssima
de proprietários ocupantes da sua residência habitual (superior a 80%, uma das mais
altas da Europa).
Na base desta situação está um conjunto de problemas que têm vindo a ser
repetidamente enunciados, tais como a elevada carga fiscal incidente sobre a
habitação, a inexistência de uma política de solos, o processo burocrático ligado a
*
Presidente da Direcção da AECOPS.
69
todo o percurso da promoção imobiliária e, o mais relevante de entre todos, a
ineficácia total do regime do arrendamento urbano, que constituiu a principal
condicionante da evolução do mercado habitacional.
De facto, o regime jurídico do arrendamento urbano que vigorou até 1990 e que
consagrou uma enorme rigidez contratual, conjugado com o congelamento das rendas
iniciado na década de 40 em Lisboa e no Porto, que se estendeu a todo o País depois
de 1974, condicionou negativamente o funcionamento do mercado de arrendamento
urbano em Portugal.
De acordo com o último censo de 1991, dos cerca de 3 milhões de alojamentos
clássicos ocupados como residência habitual (+10,3% do que em 1981), apenas 545
mil estavam arrendados (-50% do que em 1981), passando a representar menos de
18% daquele conjunto.
Como a entrada de novas casas no mercado livre de arrendamento assumiu valores
irrisórios ao longo da década de 80 (pouco mais de mil fogos por ano), pode concluirse que saíram daquele mercado, seguramente, mais de 500 mil casas no período de
1981 a 1991, reforçando-se, assim, a tendência observada na segunda metade da
década de 70.
Por outro lado e não obstante a Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, ter posto fim ao
congelamento das rendas, mais de 10% das casas em 1991 ainda tinham rendas
inferiores a mil escudos por mês e mais de 63% tinham rendas entre mil e doze mil
escudos por mês.
Aliás, apesar desta nova lei ter estabelecido a possibilidade de actualizar as rendas,
o Estado não permitiu a actualização de forma a ser possível compensar a perda de
poder de compra da moeda. Ao proceder desta forma, impedindo o justo retorno, não
só eliminou um mecanismo essencial ao investimento, como descapitalizou uma parte
substancial dos investidores, destruindo a poupança e, ainda mais grave, destruindo a
base de qualquer decisão de investimento: a confiança.
1. EVOLUÇÃO RECENTE DO SUB-SECTOR DA HABITAÇÃO
É do conhecimento geral que nos últimos dez anos o Sector da Construção
conheceu um apreciável dinamismo, com efeitos muito positivos sobre o conjunto da
economia e em especial sobre o emprego, mercê fundamentalmente dos vultuosos
investimentos públicos realizados em infra-estruturas e co-financiados pela União
Europeia.
Em particular, o segmento da engenharia civil apresentou, nesse período, taxas de
crescimento reais médias em torno dos 10%, tornando-se o verdadeiro motor do
crescimento da actividade do Sector da Construção, enquanto, ao invés, a produção de
habitação conheceu uma evolução decepcionante, muito embora estejamos convictos
da existência de uma significativa procura potencial que poderá ser satisfeita se se
70
apostar decisivamente na dinamização do mercado habitacional e em particular se se
reinventar o mercado do arrendamento.
No entanto e não obstante a existência de condições para uma procura potencial do
bem habitação, o que é facto é que a procura efectiva se mostrou, no período 19901994, menos dinâmica do que seria de esperar, em resultado da elevação da taxa de
juro nesse período. A partir de 1994 verificou-se uma apreciável descida das taxas de
juro de longo prazo, facto que se repercutiu muito favoravelmente na procura de
habitação, de que a evolução do crédito contratado nos anos mais recentes é um bom
exemplo. É o caso de 1996, ano em que o valor do crédito concedido para aquisição
de habitação ultrapassou os mil milhões de contos, para um número de contratos
próximo dos 122 mil. Em termos de variação relativamente a 1995, estes valores
traduzem crescimentos de mais de 33% em valor e de mais de 25% em número.
Por outro lado, a incidência fiscal sobre a habitação constitui, igualmente e como
veremos mais à frente, uma importante condicionante da procura, quer pelos efeitos
que tem sobre o preço de venda, quer pelos encargos adicionais que gera no momento
da aquisição e no decurso da fruição desse bem.
A outra componente do mercado habitacional, a do arrendamento e tal como já foi
dito atrás, tem conhecido ao longo dos anos uma diminuição significativa, passando o
peso dos fogos de renda usados como residência habitual, de 39,5% do total, em 1981,
para 18,1% dez anos mais tarde.
A falta de intervenção governamental, com a necessária introdução de medidas
significativas que conduzissem a uma maior flexibilidade e funcionalidade deste
segmento de mercado, levou a que os ténues sinais de vitalidade observados tenham
resultado da concretização prática do único esquema de incentivo que revelou algum
impacto positivo: o Incentivo ao Arrendamento por Jovens (IAJ).
Relativamente à produção de fogos novos destinados a habitação, esta rondou, nos
últimos anos e segundo os dados do INE, cerca de 60 mil fogos por ano (65 300 em
1995). Este valor apresenta-se muito diminuto face às necessidades habitacionais
apuradas e que apontam, tal como já foi referido, para um défice de 500 mil fogos.
Na repartição por destino das obras e tal como se vem verificando desde 1974, a
maioria dos novos fogos para habitação concluídos tem-se destinado ao mercado de
compra e venda, situando-se os que se destinam ao arrendamento num intervalo que
varia entre 1 e 2%. De facto, em 1993, o número de fogos canalizados para o mercado
de arrendamento foi de apenas 911, menos de 1,5% do total, sendo infelizmente
desconhecida esta informação para os anos seguintes já que o INE deixou de a
recolher e tratar!
O excessivo peso, no rendimento disponível dos particulares, dos encargos
inerentes à compra de uma habitação tem dificultado, cada vez mais, o acesso de
algumas camadas da população, principalmente as mais jovens, ao mercado de
compra e venda. De facto, os resultados apurados para o indicador relativo à venda de
fogos do Inquérito Mensal à Actividade promovido pela AECOPS em colaboração
71
com a União Europeia continuam a apresentar-se muito negativos, não sendo pois de
admirar que, apesar do crescimento que o Sector da Construção vem conhecendo
desde 1987, a produção do segmento dos Edifícios Residenciais tenha vindo a revelarse modesta.
Tememos assim que o mercado de compra e venda possa estar perto de atingir o
seu ponto de saturação, pondo-se o problema de saber qual irá ser o destino dos novos
fogos habitacionais, se o mercado de arrendamento não passar a ser, ao contrário do
que se tem verificado até ao momento, uma opção que rentabilize de forma
satisfatória o investimento efectuado.
Este ponto é especialmente importante já que está intimamente ligado ao facto do
mercado da recuperação e da reabilitação habitacional assumir uma expressão
diminuta no mercado da construção português (cerca de 7% da produção total, quando
no conjunto da Europa representa mais de 40%). Se o mercado do arrendamento for
dinamizado, o que passa também por uma actualização séria das denominadas rendas
antigas, então o mercado da reabilitação habitacional tem condições para assumir o
seu papel de mercado do futuro: na sequência dos trabalhos do Projecto
FORREHABIL, em que a AECOPS participa, no âmbito do Programa Leonardo Da
Vinci, o mercado potencial da reabilitação habitacional está avaliado em mais de 5
mil milhões de contos!
Esta oportunidade não pode ser perdida, já que as consequências negativas da
degradação do parque habitacional para a qualidade de vida de todos nós são
inúmeras e graves, e encontram-se, aliás, bem à vista.
Importa ainda referir que também o Estado tem vindo a perder importância como
promotor de habitação. Apesar da criação, em 1993, dos Programas de Realojamento
das áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e do Programa de Construção de
Habitações Económicas, os resultados ficaram muito aquém das expectativas. Todos
os valores conhecidos até à data apontam para que o impacto destes programas na
produção do Sector esteja a ser muito reduzido.
2. REGULAMENTAÇÃO DA ACTIVIDADE DA CONSTRUÇÃO CIVIL
2.1. Os Particulares e a Administração
Entrando agora no segundo tópico que me propus abordar e sendo pacífico o
entendimento de que o desenvolvimento da actividade de construção está
directamente relacionado e mesmo condicionado ao enquadramento legal que lhe é
aplicável, seria irrealista alhearmo-nos deste aspecto, omitindo qualquer referência a
tão importante factor.
Assim e deixando para depois os aspectos relacionados com a regulamentação
técnica, gostaríamos de abordar de um modo particular o quadro regulamentar
72
respeitante ao relacionamento dos particulares com a Administração Central e Local,
tendo em vista o exercício dos direitos de urbanizar e construir.
Aliás e como é do conhecimento público, estão a ser desenvolvidos trabalhos
legislativos sobre esta matéria, pelo que consideramos estar perante uma oportunidade
e mesmo um momento por excelência para influenciar as orientações que virão a ser
legalmente consagradas.
De facto e estando a ser preparado, consoante foi anunciado pelo Governo, um
vasto conjunto de diplomas que têm como objectivo vir concretizar os princípios
definidos pela Lei de Bases do Ordenamento do Território, cujo anteprojecto se
encontra em discussão pública até ao próximo dia 15, entendemos ser necessário que
se promovam acções com natureza idêntica à que hoje se realiza, de modo a que
surjam espaços privilegiados de discussão técnica com eventual formulação de
concretas sugestões legislativas.
É que fazendo parte do anunciado conjunto de diplomas em preparação não só se
encontra uma Lei das Edificações, com carácter nitidamente inovador no
enquadramento legal do nosso País, como e a complementar a anunciada Lei de Bases
do Ordenamento do Território, a revisão, entre outros, dos regimes de licenciamento
municipal das operações de loteamento e de obras particulares.
Ora assumindo o atrás referido quadro legal uma importância extrema para o
desenvolvimento da actividade da construção, não posso deixar de, como Presidente
da Direcção da AECOPS, vincar diversos aspectos que têm vindo a ser apontados
pelas empresas de construção como carecendo de previsão ou de uma maior
adequação sob o ponto de vista legal.
Assim e desde logo quanto à futura Lei das Edificações consideramos que a mesma
se deverá circunscrever a um enquadramento estrutural da matéria, nessa medida
apenas enunciando os princípios fundamentais e gerais relacionados com a actividade,
a posteriormente serem desenvolvidos através de regulamentação específica.
Dentro deste contexto e enquanto princípios básicos da actividade e do processo de
construção entendemos deverem ser tidos em consideração os seguintes aspectos:
– Definição das diversas fases que constituem o ciclo construtivo, com
particular ênfase para a concepção e execução;
– Identificação de todos os agentes intervenientes neste ciclo;
– Delimitação do âmbito de actuação e intervenção de cada um de tais agentes,
de modo a que resultem explicitadas as respectivas funções e desempenho;
– Indicação do tipo de responsabilidade dos vários intervenientes acima
mencionados;
– Enunciação dos requisitos técnicos essenciais a deverem ser assegurados na
construção;
73
– Consagração de uma garantia mínima inerente ao produto final, explicitandose os direitos que assistem ao consumidor final/comprador.
Aliás e no que em particular respeita aos últimos princípios enunciados, ou seja
clara definição e delimitação de responsabilidades na actividade da construção,
cumprimento de requisitos mínimos de ordem técnica e previsão de adequadas
garantias, é inquestionável que os mesmos são essenciais para assegurar a qualidade
do produto final, pressuposto este que cada vez mais tem vindo a assumir uma maior e
compreensível relevância.
Cumpre agora fazer referência à também anunciada revisão dos regimes de
licenciamento municipal de operações de loteamento e de obras particulares, revisão
essa que surge na sequência da opção tomada no anteprojecto de Lei de Bases de
Ordenamento de dar início a uma nova reforma quanto à regulamentação urbanística.
Ora a este respeito é desde logo e em nossa opinião notória a necessidade de se
encontrarem soluções que tornem o processo de licenciamento menos “pesado” sob o
ponto de vista burocrático e mais transparente no tocante aos aspectos dependentes de
apreciação e decisão por parte das entidades licenciadoras.
Na verdade e consoante já por diversas vezes tem sido publicamente apontado, é
importante que o processo administrativo referente ao licenciamento municipal possa
decorrer dentro de prazos temporalmente aceitáveis, de modo a que o produto final e
todo o processo construtivo não venham a ficar onerados pelo simples decurso do
tempo.
Com efeito e ainda que possa ser legalmente previsível, sob o ponto de vista
formal, o período de tempo necessário para obtenção de uma licença de construção,
dado a lei prever de forma expressa os prazos respeitantes às diferentes fases do
processo, o certo é que raras são as situações em que os aludidos prazos são
efectivamente cumpridos por parte da Administração.
Ora e sendo certo que a solução para tal problemática não passa, a nosso ver, por
uma redução dos prazos, sob pena de os mesmos se tornarem irrealistas por
impraticáveis, entendemos ser fundamental repensar o sistema, designadamente
acolhendo novas figuras mais atractivas do que o recurso ao actual processo de
licenciamento.
A este propósito e quando se trate de áreas abrangidas por instrumentos de
planeamento territorial suficientemente detalhados, uma das alternativas a explorar
poderá consistir, em nossa opinião e num primeiro momento, na obtenção de
informações com carácter vinculativo ou mesmo na passagem de certidões que
demonstrem, de forma inequívoca, qual o aproveitamento e condicionamentos
urbanísticos para tal área, contendo nomeadamente os índices que são considerados
admissíveis.
Num segundo e subsequente momento, a apresentação de projectos cuja
conformidade com as atrás referidas prescrições se encontre formalmente comprovada
por entidades para o efeito oficialmente reconhecidas e que igualmente garantam a
74
idoneidade técnica das soluções apresentadas, inclusivamente por assegurarem a sua
viabilidade junto de todas as entidades que legalmente devam ser consultadas, deveria
permitir a imediata emissão do alvará de licença de construção.
Em tais situações verificar-se-ia, pois, a desejável celeridade na obtenção da
licença em apreço e isto porque tal licença se traduziria, face à apresentação dos
documentos acima referidos, numa mera atestação do ponto de vista administrativo,
residindo aqui a principal diferença em relação ao quadro legal em vigor.
Passando agora a focar os aspectos actualmente dependentes de apreciação e
decisão por parte das entidades licenciadoras, afigura-se-nos que, relativamente aos
mesmos e tendo presente o princípio da transparência na actuação da Administração,
poderiam ser implementadas soluções com o objectivo de obstar à ocorrência de
situações nas quais os indeferimentos tenham exclusivamente por base juízos de valor
subjectivos e enquanto tal discutíveis.
Na realidade e considerando inquestionavelmente positiva a crescente preocupação
das autarquias locais na definição das opções de ordenamento e planeamento
territorial, que, aliás e consoante legalmente previsto, devem reflectir a efectiva
participação de todos os munícipes, entendemos serem de afastar os fundamentos de
indeferimento relacionados com aspectos cuja previsão deve ser efectuada em sede de
instrumentos de planeamento.
Efectivamente, se se tiver presente, a título exemplificativo, o facto de os planos de
pormenor deverem definir, com minúcia, a tipologia de ocupação, dispondo,
designadamente, sobre condições gerais de edificação, caracterização das fachadas
dos edifícios e arranjos dos espaços livres, não é a nosso ver razoável admitir, ainda
que como mera hipótese, a possibilidade de o indeferimento de um pedido de
licenciamento para uma área compreendida por um tal tipo de plano ter por
fundamento uma “desadequada inserção no ambiente urbano”.
Para além de todo o exposto e a terminar as considerações referentes à
regulamentação da actividade não queremos deixar de vincar e tornar bem clara a
ideia de que de modo algum se advoga que as autarquias locais se demitam ou
afastem do processo de licenciamento.
Na verdade e bem ao contrário, entendemos que sempre lhes deverá estar
reservado o importante e crucial papel de órgão centralizador e de gestão de todos os
processos de licenciamento, na medida em que sendo as únicas entidades que têm
uma perspectiva global de tais processos, não devem poder alhear-se das
responsabilidades que por esse facto lhe são inerentes.
Competirá às autarquias, pois e neste sentido, assumirem um constante diálogo
com todos os potenciais e efectivos intervenientes nos processos de licenciamento,
com a preocupação de garantirem uma melhor eficácia e rentabilidade de todos os
meios e recursos envolvidos na actividade da construção.
75
2.2. Regulamentação Técnica e Custos da Construção
Passaria agora à abordagem da regulamentação técnica do Sector da Construção e
da Habitação, procurando, designadamente, evidenciar a sua repercussão nos custos
de construção.
Ora, os custos de construção são obtidos, como é do conhecimento dos diversos
intervenientes no processo construtivo, através do somatório dos custos directos, dos
custos de estaleiro e dos custos indirectos.
Estes custos dependem de um conjunto diversificado de factores, nomeadamente:
– da conjuntura do mercado;
– da localização da construção, atendendo à maior ou menor facilidade de
angariação de mão-de-obra local, facilidade de acessos, existência de infraestruturas, etc.;
– do tipo de edificação relativamente à utilização, nomeadamente, edifícios de
habitação, edifícios de serviços públicos ou privados, edifícios industriais,
entre outros;
– da concepção arquitectónica, designadamente, o número de pisos, áreas em
planta, soluções de envolvente;
– da concepção estrutural, nomeadamente, estrutura reticulada, estrutura
laminada, tipo de lajes;
– dos processos construtivos;
– e dos níveis de qualidade.
Assim, a análise e interpretação dos valores relativos aos custos de construção só
levarão a resultados coerentes se o cálculo dos referidos custos tiver em conta não só
os pressupostos referidos anteriormente mas também a respectiva associação a uma
caracterização racional da construção.
O tema não apresenta tratamento fácil pois, numa óptica actual, deverá ter-se
presente os novos conceitos de satisfação das exigências dos utentes no desempenho
das funções para que o edifício foi concebido e das exigências ambientais, mas não
esquecendo que o custo de construção representa uma parcela significativa no
investimento global.
É, portanto, perfeitamente legítima e compreensível a atitude dos donos de obra ao
tentarem baixar os custos de construção, desde que não descurem os aspectos e as
exigências descritas.
A satisfação das exigências dos utentes leva necessariamente à formulação das
respectivas exigências fisiológicas, psicológicas e socioeconómicas, das quais
decorrerão as correspondentes exigências funcionais das edificações que poderão
considerar-se reunidas em três grandes grupos:
76
– Exigências de Segurança – pelas quais se pretende garantir a protecção de
vida dos ocupantes ou utilizadores do edifício;
– Exigências de Habitabilidade – pelas quais se pretende garantir a realização
das diversas actividades sem prejuízo para a saúde e com um dado nível de
comodidade;
– Exigências de Economia – pelas quais se pretende estabelecer parâmetros
relativos ao custo global e durabilidade dos edifícios.
A tradução das referidas exigências em critérios qualitativos e quantitativos conduz
naturalmente à definição de níveis de qualidade.
Por sua vez, ao falar-se de exigências funcionais e consequentes níveis da
qualidade, não se pode deixar de focar a actividade de regulamentação e a respectiva
incidência nos custos de construção.
Com os regulamentos pretende-se, por um lado, disciplinar as actividades de
concepção, projecto e construção e, por outro, estabelecer os requisitos a que as
edificações deverão dar cumprimento.
A revisão e actualização dos regulamentos existentes e a entrada em vigor de
novos tem a ver, fundamentalmente, com o nível de condição de vida que se julga
deverem ser atingidos e que, por sua vez, dependem directamente das condições
económicas das sociedades e do avanço tecnológico das mesmas.
Numa primeira aproximação, poder-se-ia associar o primeiro nível em termos de
qualidade de uma edificação ao simples cumprimento dos requisitos estabelecidos nos
diversos regulamentos em vigor, sendo os restantes níveis de qualidade definidos pelo
agravamento progressivo dos critérios qualitativos e quantitativos dos referidos
requisitos e ou introdução de novos requisitos.
Deste modo, ao definir-se requisitos mínimos, limita-se, desde logo, um parâmetro
mínimo para o custo de construção que obviamente tenderá a subir sempre que os
referidos requisitos se tornem mais exigentes.
Um exemplo elucidativo de incidência dos regulamentos no custo de construção
foi o aumento do custo de construção das envolventes exteriores das edificações
devido à entrada em vigor do regulamento geral sobre o ruído e do regulamento das
características de comportamento térmico dos edifícios, já que o conjunto dos
elementos construtivos constituintes da envolvente passou a ter que satisfazer os
índices de isolamento sonoro e os limites das necessidades nominais de aquecimento e
arrefecimento regulamentares.
A satisfação das exigências ambientais e as de economia, tendo em conta
preocupações tais como diminuição dos consumos energéticos, enquadramento
paisagístico e urbanístico, entre outras, leva-nos a ter que equacionar os custos
diferidos, constituídos pelos custos de conservação e de exploração.
77
Nestas áreas, a envolvente exterior das edificações apresenta, igualmente, um papel
importante pois é responsável por cerca de 20% do total dos custos diferidos
(conservação, reparação e exploração).
A diminuição destes custos implica um maior cuidado na escolha dos elementos
constituintes da envolvente e consequente aumento do respectivo custo de construção.
Nos tempos actuais, os custos de construção, na óptica do dono da obra, deveriam
ser analisados não isoladamente mas enquadrados num contexto de custo global da
edificação (somatório do custo de construção e do valor actualizado dos encargos de
conservação, reparação e exploração ao longo de toda a sua vida útil).
Face ao exposto torna-se evidente a necessidade de se analisar os custos de
construção com base no binómio custo/qualidade, devendo constituir preocupação de
todos os intervenientes no processo de construção melhorar a referida relação.
Para terminar este ponto, apresentaria brevemente alguns aspectos que poderão
contribuir para a redução dos custos de construção.
Na Fase de Concepção e de Projecto:
– a definição dos níveis de qualidade pretendidos;
– o estudo de soluções arquitectónicas que permitam, em simultâneo a
satisfação dos níveis de qualidade pretendidos ao menor custo e a respectiva
adequação aos processos construtivos;
– a correcta pormenorização das soluções escolhidas;
– a avaliação e controlo dos custos de construção ao longo do desenvolvimento
do projecto de modo a evitar que o limite estabelecido seja excedido.
Na Fase de Construção, a racionalização dos procedimentos em matéria de gestão,
qualidade e segurança, por parte das empresas de construção, tendentes à melhoria da
qualidade, ao acréscimo da produtividade e à diminuição dos custos da não qualidade,
através de uma utilização correcta dos meios humanos, dos materiais de construção,
dos equipamentos e instalações.
3. A FISCALIDADE E OS SUBSÍDIOS NA CONSTRUÇÃO E NA
HABITAÇÃO
Entrando finalmente no terceiro e último tópico da minha intervenção, é hoje
relativamente consensual a afirmação de que a incidência fiscal sobre o Sector da
Construção e especialmente sobre a Habitação tem sido, ao longo das últimas
décadas, extremamente complexa e pesada, manifestando-se desde o momento da
aquisição de terrenos até à posse dos edifícios e perdurando por toda a sua longa vida
útil.
Quer as reformas fiscais de 1986 e 1989 no âmbito, respectivamente, do Imposto
sobre o Valor Acrescentado e dos Impostos sobre o Rendimento e sobre o Património,
78
quer as medidas de política fiscal posteriormente tomadas, não alteraram, no
fundamental, a “pesada” herança dos regimes fiscais anteriores, assistindo-se mesmo
a um retrocesso e agravamento em anos recentes, crescendo todos os indicadores de
incidência fiscal sobre o Sector a partir de 1992.
É importante notar que, no campo da tributação directa, a Construção Civil e a
Habitação apresentam as mais elevadas taxas de tributação efectiva sobre os lucros,
resultado da ausência de quaisquer incentivos fiscais para o Sector e contribuem com
montantes elevadíssimos para a Segurança Social, dadas as características
estruturalmente “trabalho-intensivas” da sua actividade
Num estudo efectuado recentemente pela AECOPS ficou demonstrado que a
receita fiscal do Sector quase duplicou no período de 1990 a 1995, tendo passado de
232.7 milhões de contos no primeiro ano, para 442.4 milhões de contos no último.
Estes valores, quando medidos em relação ao Valor Bruto da Produção (VBP) em
Construção e Habitação, passaram de 18,6% para 22,1% no mesmo período.
Se a referência for o Valor Acrescentado Bruto (VAB), esta proporção também
aumenta, passando de 45,8% em 1990 para 53,8% em 1995.
Os números e indicadores que acabo de referir evidenciam um agravamento claro e
inequívoco da carga fiscal do Sector.
Por outro lado, sendo feita a comparação entre o contributo do Sector da
Construção para a Produção Nacional e os impostos sobre ele arrecadados é
considerável a desproporção existente.
Isto é, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) do Sector representa cerca de 6% do
VAB total, enquanto os impostos nele obtidos representam cerca de 9% das receitas
Fiscais do Estado.
Ora, sabendo-se como a actividade deste Sector é essencialmente dirigida para a
construção de infra-estruturas básicas, essenciais ao desenvolvimento e para o “bem
social” habitação e que, paralelamente, apresenta um importante efeito multiplicador
sobre o conjunto da actividade económica, designadamente sobre o emprego total,
esta desproporção apresenta-se particularmente grave.
Se nos detivermos na análise dos principais tipos de impostos que incidem sobre o
Sector verificamos que aqueles que são directa e discriminatoriamente dirigidos ao
imobiliário, isto é, a Sisa e a Contribuição Autárquica, representam cerca de 50% dos
impostos específicos gerados pelo Sector, o que traduz uma “apetência fiscal” para
tributar a “casa” e a construção como um bem não essencial.
A introdução, no sistema fiscal português da Contribuição Autárquica, fruto da
reforma fiscal de 1989, teve como consequência um significativo alargamento da base
tributável em sede de impostos sobre o património.
Isto porque passaram a ser tributados em sede de Contribuição Autárquica os
terrenos para construção e os prédios adstritos a actividades de natureza comercial ou
industrial do proprietário.
79
No entanto, como os terrenos para construção e os edifícios para venda beneficiam
de um período de não sujeição de cinco e três anos, respectivamente e a habitação
beneficia de um período de isenção que pode atingir dez anos, nos primeiros anos de
vigência deste imposto os seus efeitos sobre a generalidade dos contribuintes foram
relativamente atenuados.
Porém, em 1995, provavelmente em virtude de muitas das isenções terem chegado
ao seu termo, as receitas da Contribuição Autárquica, que devem ter atingido um
montante correspondente ao dobro do valor obtido em 1990, encontravam-se muito
próximas dos valores relativos aos impostos sobre o rendimento cobrados no Sector.
A Sisa é outro imposto específico do imobiliário, que, normalmente, recai sobre os
valores de transmissão dos prédios.
Ora, como os prédios já estão onerados com encargos de natureza fiscal e
parafiscal, a sisa acaba por se traduzir num imposto de larga sobreposição, com os
indesejáveis efeitos cumulativos subsequentes.
Um exemplo desta dupla tributação é o relativo à aquisição de terrenos para
revenda em que os respectivos valores incluem já encargos de escritura, registo, sisas
anteriores, etc., além dos encargos de urbanização.
Um outro exemplo, ainda mais grave do que o primeiro, diz respeito à aquisição de
imóveis para habitação.
Quando se trate de habitação, aos encargos que acabei de referir somam-se os
impostos indirectos, nomeadamente, IVA e Selo, inclusive os incorporados em
acabamentos, equipamentos e mobiliário, que obrigatoriamente são integrados na
habitação pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
Também de acordo com os resultados obtidos no estudo a que atrás me referi,
existem situações em que mais de 50% do preço de uma habitação corresponde a
receitas fiscais e parafiscais geradas pela mesma.
Dos impostos contidos no preço de uma casa, os que mais se evidenciam são o
IVA, que pode ascender a 8% desse valor e a sisa, que poderá representar 10% do
mesmo.
Por sua vez, os encargos parafiscais (taxas, licenciamentos, emolumentos, etc.)
incidentes sobre a construção, transmissão e posse de habitação representam, em
alguns casos, mais de 5% do preço da mesma.
Isto sem falar da “teia burocrática” (designadamente escrituras e registos) que
envolve toda esta actividade e que, por isso mesmo, acarreta elevados custos
administrativos.
A “irracionalidade” económica e social deste tipo de política e estrutura fiscal e
parafiscal é, em consequência, notória num Sector em que parte substancial do
respectivo bem em causa, a habitação, é sujeita a IVA e outros impostos indirectos e,
posteriormente, a sisa.
Mais, os responsáveis pela política fiscal continuam a ter do imobiliário e da
habitação em geral a visão do legislador de há 50 anos, esquecendo que a importância,
80
a composição e o “estatuto social” da propriedade se alteraram profundamente,
tratando-a como se fosse o principal meio de riqueza e esquecendo que a habitação é
hoje, antes de tudo, um direito essencial que, na sociedade moderna, deve ser
protegido e assegurado.
Aliás, hoje em dia, a posse de casa própria é, inúmeras vezes, um indicador de
endividamento e “insolvabilidade” de grande parte das famílias portuguesas.
Por outro lado, se a habitação for destinada ao arrendamento, continua, por essa
via, a ser uma maior fonte geradora de receitas fiscais.
É que, nesse caso, para além da incidência dos impostos que já tive oportunidade
de referir, haverá simultaneamente lugar a IRS sobre o rendimento predial obtido.
Tal como a AECOPS vem referindo em muitos dos seus trabalhos sobre o mercado
de arrendamento, a paralização e redução sucessiva deste mercado, que se arrasta há
mais de duas dezenas de anos, é uma das principais causas do grave problema
habitacional português.
Na sequência da análise que foi feita do mercado habitacional, a AECOPS
apresentou uma proposta ao Governo onde se privilegia o mercado do arrendamento
com o objectivo de, por um lado, dinamizar este mercado, estimulando a actividade
económica e, por outro, criar um considerável número de postos de trabalho.
Para além da tentativa de resolução do problema económico e social que o actual
défice habitacional constitui, a dinamização deste segmento pode desempenhar um
papel importante no presente quadro conjuntural, promovendo a criação de emprego e
desviando do consumo uma maior parcela do rendimento disponível, facto relevante
no actual esforço desinflacionista.
Um outro facto a ter em conta é a possibilidade do investimento em habitação ser
uma alternativa vantajosa de criação e aplicação de poupança, sendo para isso
necessária a introdução dos mecanismos necessários ao reforço da sua atractibilidade,
tais como a instituição de uma política fiscal incentivadora e a modificação do regime
do arrendamento urbano.
De entre as medidas propostas destacaria, em sede do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares (IRS):
– a introdução da possibilidade de dedução em IRS, por prazo adequado, de
parte dos montantes aplicados na aquisição, construção ou reparação de
imóveis para habitação, quando o sujeito passivo não tenha recorrido ao
crédito;
– a dedução em IRS de parte das importâncias recebidas e pagas a título de
rendas decorrentes de contratos de arrendamento habitacional;
– e o aumento do limite de dedução permitido em IRS para os montantes
aplicados em contas poupança-habitação, que poderão ser aplicadas na
aquisição de casas para arrendamento, conjugado com a reintrodução da
isenção dos juros destas contas, entre outras medidas, permitiriam tornar
81
mais rentável o investimento na habitação e mais fácil o acesso ao
arrendamento por parte das famílias.
Contudo e apesar de se ter demonstrado que o impacto fiscal sobre as finanças
públicas seria positivo, apenas se conseguiu a introdução de algumas autorizações
legislativas no Orçamento do Estado para 1997 que, se, por um lado, se poderão
interpretar como a “abertura de uma porta”, por outro, mesmo quando forem postas
em prática, ficarão muito aquém do que seria recomendável para atingir os objectivos
pretendidos.
No entanto, não poderei deixar de referir o facto do Governo ter encomendado um
estudo sobre a tributação do património, abrangendo a Contribuição Autárquica, facto
que revela o reconhecimento da urgência de que se reveste a modificação do actual
enquadramento fiscal do património imobiliário.
O estudo a que me refiro, entretanto apresentado e coordenado pelo Senhor
Professor Sidónio Pardal, propõe uma reformulação profunda da tributação do
património, especialmente no âmbito da Contribuição Autárquica (CA).
Gostaria, aliás, de aproveitar esta oportunidade para reafirmar o apreço que tenho
por este trabalho e para chamar a atenção para a relevância da informação preciosa
nele contida e que constitui a base do diagnóstico e das subsequentes medidas
propostas pelos seus autores.
Assim e de acordo com o relatório mencionado, no actual regime, dos quase 6
milhões de contribuintes sujeitos a Contribuição Autárquica, cerca de 4 milhões
encontram-se isentos deste imposto, temporária ou definitivamente, dos quais, mais
de 3 milhões encontram-se abrangidos por isenções técnicas (valor de imposto a pagar
inferior a 1.000$00).
Por outro lado, são os prédios mais novos, logo os mais recentemente avaliados,
que suportam uma maior tributação em sede de Contribuição Autárquica.
De acordo com o modelo proposto, a Contribuição Autárquica deverá ser composta
por um factor fixo e um factor variável, determinado de acordo com a dimensão, uso,
tipo e utilização do imóvel e independentemente do seu valor patrimonial, decorrente
da qualidade da construção ou da composição e arranjos dos espaços exteriores.
Sairiam, eventualmente, prejudicados os prédios com rendas antigas, muito baixas,
que ficariam sujeitos a níveis de tributação idênticos aos novos. De facto, nestas
circunstâncias seria necessário proceder à revisão da lei do arrendamento, de modo a
que, como o próprio estudo recomenda, as rendas de cada prédio correspondessem, no
mínimo a seis vezes o valor da contribuição paga.
Ao estabelecer uma base mínima de colecta, este modelo eliminaria de imediato a
figura da isenção técnica. Simultaneamente, eliminaria as isenções temporárias e
limitaria a um número muito reduzido as situações em que se verificassem isenções
definitivas.
Desta forma, ver-se-ia alargada a base de incidência deste imposto, dando origem a
uma receita que triplicaria os actuais valores.
82
Este novo método de tributação teria as seguintes vantagens:
– proporcionaria uma maior equidade na tributação;
– originaria receitas que mais que compensariam uma redução das taxas da
Sisa para valores simbólicos (por exemplo 0,5%);
– conduziria à consagração de mecanismos automáticos de correcção das
rendas.
Finalmente e no que respeita à política de subsidiação, a opção do Estado a nível
de política habitacional tem assentado, essencialmente, na concessão, em casos
particulares, de bonificações às taxas de juro aplicadas nos empréstimos à aquisição
de habitação e na atribuição de alguns subsídios aos particulares. Talvez o mais
relevante seja o apoio dado às camadas mais jovens que optam pelo arrendamento. O
IAJ – Incentivo ao Arrendamento por Jovens foi instituído em 1992 e tem revelado
um elevado índice de adesão, tendo implicado em 1996 uma despesa pública de cerca
de 7,2 milhões de contos.
Mais recentemente foram também introduzidos alguns benefícios às famílias alvo
de realojamento no âmbito dos PER – Programas Especiais de Realojamento nas
Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Assim, quer no caso em que as famílias
optam pela aquisição de um fogo para sua residência, quer no caso das que pretendem
reabilitar uma habitação que já possuam num Concelho diferente daquele onde vivem
actualmente, foi-lhes concedida uma comparticipação a fundo perdido por parte do
Estado.
Na área da reabilitação residencial, resta referir a participação do Estado através do
programa RECRIA, mediante o qual tem sido possível recuperar algum do nosso
património habitacional. Obviamente que, para nós, este programa peca pela escassez
de recursos que lhe é atribuído e que faz com que o número de fogos reabilitados
constitua uma ínfima parte do total de habitações a necessitar de recuperação. Deve
igualmente ser realçado que não é sério esperar que, seja qual for o Programa de
Reabilitação que se institua, excepto um em que o Estado financie a totalidade das
obras a efectuar, os senhorios tenham capacidade, face às rendas irrisórias que
recebem, de efectuar a mais simples que seja tentativa de reabilitação do seu próprio
património.
Gostaria, assim, de sublinhar a ideia que já deixei expressa atrás, de que só o
relançamento do mercado de arrendamento urbano pode resolver os principais
problemas de que enferma a Habitação no nosso país.
Finalmente, quando se fala em subsídios em Portugal, normalmente faz-se
referência à miríade de programas de incentivos a empresas de diversos ramos de
actividade que nos últimos anos têm sido executados no nosso País.
Ora em boa verdade e inexplicavelmente, só um sector de actividade nunca
beneficiou de um qualquer regime de incentivos e benefícios ao investimento,
modernização e internacionalização: trata-se precisamente do Sector da Construção.
83
Todo o esforço a que as empresas portuguesas de construção têm sido obrigadas a
empreender para fazer face não só às crescentes exigências técnicas que vão surgindo,
mas também à concorrência que lhes é movida pelas empresas estrangeiras,
designadamente as oriundas da União Europeia, mais bem apetrechadas e de maior
dimensão, tem sido levado a cabo através dos meios financeiros próprios ou pelo
recurso ao endividamento bancário.
Pelo contrário, a intervenção do Estado tem muitas vezes contribuído para ampliar
essas dificuldades, como são os casos dos consecutivos e generalizados atrasos nos
pagamentos da Administração Pública aos empreiteiros, da complexidade burocrática
que criou em torno da actividade de construção e da punção fiscal a que
sistematicamente sujeita as empresas do Sector da Construção.
84
Professor Sidónio Pardal *
Comentador
Cabe-me a honra de comentar a comunicação apresentada pelo Exmo. Senhor Eng.
Rui Manuel Nogueira Simões, no âmbito deste Colóquio sobre “A política da
habitação”, promovido pelo Conselho Económico e Social.
A experiência e o saber do orador são predicados que, merecidamente, lhe são
reconhecidos. São clarividentes os diagnósticos e pertinentes observações que faz ao
sistema da administração urbanística. Por isso, os meus comentários, de modo algum
terão a pretensão de refutar os conteúdos da intervenção do ilustre orador e irei
enveredar por uma vertente exploratória de soluções alternativas àquilo que não
satisfaz nas “políticas de habitação” adoptadas no nosso País nas últimas décadas e
consensualmente criticadas.
Não está certo fazer-se da questão da habitação uma intervenção urbanística
isolada. À luz dos princípios do urbanismo, a cidade e o bairro devem naturalmente
ser concebidos segundo um programa de edificação para todas as utilizações, que não
só a habitação.
A produção de solo urbanizado pelas instituições do Estado e dos Municípios, na
sua melhor tradição, contemplava todos os segmentos da procura (serviços, habitação,
indústria, equipamentos culturais e outros).
Mas relativamente à habitação é da maior importância integrar no mesmo bairro e
no mesmo quarteirão, e por vezes até no mesmo lote, espaços que possam servir o
leque mais aberto possível de potenciais interessados, que tenham relações de
vizinhança positivas, enriquecedoras da vivência urbana e diversificadoras do sistema
económico.
O confinamento da “política da habitação” à construção de residências,
exclusivamente para os escalões sociais mais carenciados, gerou os “dormitórios” e
também alimentou o fenómeno da segregação social.
A teoria do Urbanismo tem por adquirido o princípio de que a cidade deve ser
planeada e construída segundo programas de multiusos, sensíveis às
complementaridades, socialmente diversificados, integradores e fomentadores das
relações comunicacionais, dos encontros necessários para incrementar as relações de
troca e de interajuda.
Uma política da habitação só é conseguida quando enquadrada numa estratégia de
produção de solo urbanizado e apoiada no desenho urbano completo dos tecidos
urbanos. Tal pressupõe a possibilidade do urbanista interferir na configuração do
programa para assegurar conformidades, entre este e os princípios da composição,
diversificação e flexibilidade de usos e utilizações dos espaços.
*
UTL e Presidente da Comissão da Contribuição Autárquica.
85
A legislação que obriga as actuais políticas de promoção de habitação pelo Estado
é extremamente restritiva e empobrecedora e, curiosamente, mantém-se
teimosamente, não obstante não haver ninguém que a defenda!
A iniciativa do Estado tem sido orientada para a produção de habitações sociais e
desenvolvimento do processo até à entrega do fogo acabado. Seria muito positivo que
também produzisse simplesmente espaço urbanizado, lotes infra-estruturados, para
serem lançados nos mais diversos segmentos de mercado e também nos programas de
assistência social, em regime de auto-construção.
Para além das razões urbanísticas e sociais, este procedimento colheria também
benefícios económicos, pois permitiria pôr em prática uma política de solos
disciplinadora do mercado. Tal política, ao facilitar o acesso a lotes prontos para
serem construídos, seria muito vantajosa para os promotores e para o sector da
construção civil.
Relativamente aos factores que podem ser melhorados para reduzir os custos da
construção destacam-se:
a) A qualidade dos projectos, no que diz respeito à concepção arquitectónica,
soluções técnicas de engenharia, rigor nas medições e na orçamentação.
As surpresas que as entidades promotoras têm com erros e omissões são
frequentemente passíveis de críticas ao sector projectista. Mas há também os
casos em que os preços disparam devido a trabalhos a mais, referentes a
alterações programáticas em obra – aqui a responsabilidade é já do dono da
obra, que não foi capaz de validar o programa a tempo de não criar
perturbações durante a fase de construção.
b) A morosidade do processo administrativo de autorização e licenciamento de
construções e urbanizações é justamente referida pelo Exmo. Senhor Eng.
Nogueira Simões como um factor muito negativo; apontando também uma
pertinente acusação ao carácter arbitrário de muitos pareceres técnicos e
outros procedimentos.
c) As condições de acesso ao crédito, à construção e à compra de habitação,
têm evoluído positivamente, constatando-se uma significativa descida das
taxas de juro. Contudo aqui, mais uma vez, é necessário ponderar a
possibilidade de alargar o âmbito das bonificações a todos os espaços
essenciais para o bom desempenho das actividades socioeconómicas. A
habitação hoje é tão necessária como o espaço de trabalho.
d) A redução dos tempos de construção e a eficiência na gestão da obra são
também elementos-chave. A produtividade do trabalho a todos os níveis é
um factor que requer um esforço constante de valorização. Nesse sentido,
recomendam-se os investimentos na formação e qualificação dos recursos
humanos, os quais terão certamente uma tradução no acréscimo de
86
produtividade e competitividade da empresa e também na melhoria merecida
dos níveis salariais.
Não é saudável que os custos dos materiais de construção registem subidas
superiores aos custos salariais. Isto poderá significar que não há uma
qualificação e valorização do trabalho.
e) As disfunções urbanas devidas a carências de infra-estruturas básicas e
ausência de equipamentos sociais induzem desvalorizações do imobiliário e
prejudicam seriamente o esforço dos promotores. Daí a importância do
planeamento integrado, fundamentador de uma gestão urbanística estratégica
para a expansão contínua e optimizada dos aglomerados.
f) Relativamente à fiscalidade sobre o imobiliário é consensual o excessivo
peso da carga tributária, o anacronismo de impostos como o da Sisa e a
desigualdade e injustiça praticada em processos como o da actual
Contribuição Autárquica.
Cabe, neste âmbito, expressar a necessidade de expurgar os equívocos e
irracionalidades da Legislação que apoia e fomenta poderes arbitrários na
Administração. Tal é o caso dos diplomas da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva
Ecológica Nacional que, enganosamente, usam o pretexto de defenderem os recursos
naturais para actuarem de forma perversa, legitimando formas de desordenamento do
território ao nível mais primário.
A RAN, na sua primeira versão, anunciou-se como defensora dos solos agrícolas,
partindo do princípio errado de que só os solos pedologicamente desenvolvidos
tinham interesse agrícola. Ignorava que algumas das culturas mais rentáveis do nosso
País preferem solos esqueléticos, como é o caso da vinha. Tão pouco admite a
crescente capacidade técnica da agricultura para proceder ao melhoramento dos solos.
A REN é um inominável disparate, à luz dos mais elementares conceitos da
ecologia.
Em ambos os casos estamos perante um tipo de diplomas que cultivam o mais
obscuro poder ao nível do Administrativo, exercido sobre um direito fundamental que
é o direito ao espaço territorial. Acresce que estes dois códices têm servido para
legitimar as urbanizações avulsas pelo território, fazendo crer que fora das ditas
reservas se está num território negativo e perdido, onde já nada há a salvar. Acontece,
porém, ser nos espaços urbanos, confinados a cerca de 4% do território, que se decide
a qualidade de vida de cerca de 80% da população. Se estivermos à altura de controlar
os espaços urbanos, podemos defender que em 96% do território não vai haver
urbanizações e que aí os usos silvestres e agrícolas serão dominantes.
Mas permita-me que duvide das intenções ecologistas e ruralistas dos mentores
daqueles diplomas, seguramente mais atraídos pelo poder sobre o processo de
licenciamento das urbanizações do que em salvaguardar e valorizar as paisagens agro-
87
florestais e os ecossistemas únicos. Estamos, assim, perante um grave problema de
ética política e jurídica.
88
Professor Vítor Abrantes *
Comentador
1. NOTA PRÉVIA
Os comentários que se apresentam sobre a comunicação do Eng. Nogueira Simões
ao Colóquio sobre Política da Habitação têm como finalidade sublinhar e,
eventualmente, complementar o que de mais importante consideramos estar contido
na referida comunicação.
A habitação é um pilar fundamental da vida e da estrutura familiar. No mínimo
será o local de repouso, sem o qual todas as funções vitais serão certamente muito
precárias.
Quando se fala sistematicamente nos problemas da educação e da saúde, e quase se
ignoram os da habitação, tem-se uma visão desfocada da realidade e das necessidades.
A corrida à felicidade, à qualidade global, à máxima qualidade que é a qualidade
de vida pressupõe, no mínimo, que se tenha dignamente resolvido a função de habitar.
Parece utópico frequentar excelentes escolas, universidades, curar os males do corpo
em hospitais perfeitos e habitar em barracas, ilhas, ou mesmo em habitações
patológicas.
Depois do imobilismo reinante até finais da década de 50, o Estado passa nos finais
dos anos 60 a uma fase de clara intervenção; criam-se assim: o FFH – Fundo de
Fomento de Habitação, a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa e a
Secretaria do Estado de Habitação; medidas legislativas no domínio dos solos
urbanos, do planeamento urbanístico e da construção clandestina foram adoptadas.
Após o 25 de Abril, de 1974 a 1976, a intervenção do Estado aumentou:
implementaram-se os programas de promoção directa e os contratos de
desenvolvimento para a habitação, através do FFH das cooperativas, lançaram-se os
programas SAAL e Empréstimos às Câmaras Municipais.
Em 1976 cria-se o Ministério da Habitação, os programas anteriormente referidos
são praticamente extintos e o financiamento à aquisição de habitação própria torna-se
o principal instrumento da política habitacional.
Em 1982 o FFH é extinto e substituído pelo FAIH – Fundo de Apoio ao
Investimento Habitacional cuja actividade foi de todo inexistente; em 1984 é
substituído pelo INH – Instituto Nacional da Habitação que, com um estatuto
parabancário retoma o apoio financeiro aos programas de renda económica e da
habitação de custos controlados. A revisão do Regime de Arrendamento Urbano (Lei
n.º 46/85), a criação do RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na
Recuperação de Imóveis Arrendados (DL 4/88), o apoio à aquisição de Habitação
pelos jovens (DL 328-B/86), a elaboração do PDH – Programa de Desenvolvimento
da Habitação a Custos Controlados, foram algumas das medidas entretanto tomadas
*
Faculdade de Engenharia do Porto.
89
mas que contrastaram com outras que denotam a subalternização política do sector,
como sejam, a entrega da política de habitação a uma Secretaria de Estado, a
insignificância de verbas atribuídas aos principais instrumentos financeiros do sector
(PIDDAC – 6,3 e 7,4 milhões de contos, respectivamente em 93 e 94), a insistência da
tentativa de transferência de responsabilidade para as Câmaras Municipais e a
suposição que o mercado resolverá o problema da carência habitacional.
Em finais dos anos 60 as carências habitacionais eram avaliadas em cerca de 500
000 fogos.
Trinta anos depois, no virar do milénio, a situação das carências habitacionais
mantém-se.
Não seremos capazes de enfrentar e resolver este problema que nos coloca na
cauda da Europa?
Só uma política de habitação assumida com paixão, colocada por todos como
prioridade máxima, conduzindo a um programa global, com finalidades, prazos,
custos e financiamentos bem definidos, implementados e controlados, permitirá que
outros, daqui a 30 anos, não reescrevam o que sonhamos, decretamos, construímos e
no final subsistam as mesmas carências.
2. SECTOR DA CONSTRUÇÃO. DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO NO
INÍCIO DOS ANOS 90
Verifica-se que, no início dos anos 90, a crise económica se reflectiu mais
profundamente no sector da construção a nível europeu do que em Portugal. De facto,
a Europa vem desde 1991 a ter evoluções negativas da produção no sector da
construção, atingindo o seu máximo na previsão de 1993 (- 3,1 %), enquanto que
Portugal mesmo em desaceleração atinge na previsão de 1993 um crescimento nulo.
90
Fig. 1. - Evolução da Produção do Sector da Construção (%)
(%)
14.0
12.0
10.4
CE+EFTA *
PORTUGAL
10.0
8.0
5.3
6.0
3.7
4.0
4.5
3.4
2.5
2.5
2.0
0.0
0.0
-0.1
-2.0
-0.3
-0.6
-4.0
-3.1
-6.0
1988
1989
1990
1991
1992
1993(E)
1994(P)
Fonte: Relatório AECOPS da Construção 1993/Euroconstruct
(E) Estimativa
(P) Previsão
* Luxemburgo e Grécia não incluídos
A evolução do comportamento do sector da construção é, neste início de década,
apesar de tudo, menos desfavorável que o desempenho geral da economia portuguesa.
Por tal motivo, o peso da construção na economia apresenta índices que reforçam a
sua importância.
O sector da construção é muitas vezes caracterizado em função dos seus diversos
intervenientes – promotores, projectistas e consultores, construtores, produtores e
comerciantes de materiais e componentes e utilizadores – cuja acção directa se exerce
nas diferentes fases dos empreendimentos da construção – promoção e planeamento,
concepção e projecto, execução da obra e utilização. Outros intervenientes há que
actuam de forma indirecta, exercendo também influência importante no desenrolar de
todo o processo construtivo – financiadores, seguradores e autoridades oficiais.
91
Fig. 2. - Peso da Construção na Economia (%)
1 6 .0
(% )
1 3 .6
1 3 .2
1 4 .0
1 2 .0
1 0 .0
8 .0
7 .8
8 .0
6 .0
4 .0
2 .0
0 .0
1990
1993
V B P /P IB
EMPREGO
Fonte: Relatório AECOPS da Construção 1993/ Ingenium Julho - Agosto 1994
A desagregação do valor bruto da produção do sector da construção pelos
subsectores – edifícios e engenharia civil mostra a evolução e o peso de cada um
deles.
Fig. 3. - Valor Bruto da Produção do Sector da Construção
(Preços Correntes - Milhões de Contos)
milhões de contos
2000
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1988
1989
ENG. CIVIL
1990
1991
EDIFÍCIOS
1992
1993(E)
TOTAL
Fonte: Relatório AECOPS da Construção 1993
(E) Estimativa
Considerando o volume de produção, a variação em % sobre o ano anterior mostra
a estagnação da produção dos edifícios (a estimativa para 1993 era mesmo negativa).
Somente a produção relativa à engenharia civil permitiu que os valores atingidos para
o crescimento da globalidade do sector da construção em 1993 não fossem negativos.
92
Fig. 4. - Evolução do Volume de Produção do Sector da Construção (%)
18.0
(%)
15.0
16.0
14.0
12.5
12.0
10.0
10.0
9.0
8.4
8.0
6.0
4.0
3.4
4.0
2.0
3.4
1.6
0.7
0.1
0.0
-2.0
-2.2
-4.0
1988
1989
1990
EDIFÍCIOS
1991
1992
1993(E)
ENG. CIVIL
Fonte: Relatório AECOPS da Construção
(E) Estimativa
Se considerarmos a repartição percentual do valor bruto da produção pelos
diferentes subsectores, verifica-se que o peso da engenharia civil tem vindo
constantemente a aumentar nos últimos anos, em detrimento dos edifícios.
Para além da caracterização geral e por subsectores, anteriormente feita, é
interessante referir outros indicadores que poderão complementar o diagnóstico actual
do sector da construção.
Assim, considerando ainda as Empresas de Construção, verifica-se que uma
maioria significativa são de pequena dimensão (cerca de 75% com menos de 10
pessoas ao serviço) e o seu número tem aumentado nos últimos anos; pelo contrário, o
número das Empresas de maior dimensão tem-se mantido praticamente inalterável, e
por conseguinte o seu peso percentual tem diminuído.
Relativamente à actividade dos Projectistas e Consultores 1 , admite-se que
corresponda a cerca de 0,9% do PIB o que, em 1992, significaria um volume de cerca
de 100 milhões de contos. Os Projectistas e Consultores constituem um dos
intervenientes decisivos na construção (50% das anomalias na construção são
atribuídas a deficiências nos projectos) não só pelo valor percentual do PIB referido,
mas por constituírem emprego para milhares de pessoas – arquitectos, engenheiros,
desenhadores e outros técnicos.
1
APPC – Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores – O Sector de Consultoria em Portugal
- vol.1 - 1993.
93
Fig. 5. - Repartição das Empresas de Construção
em Função do Pessoal ao Serviço
100.0
(%)
80.0
72.6
74.4
73.0
75.6
60.0
<= 10 pessoas
>= 100 pessoas
40.0
20.0
1.7
1.7
1.4
1.3
0.0
1989
1990
1991
1992
Fonte:Relatório AECOPS da Construção 1993/DEMESS, Síntese Quadros de Pessoal
Relativamente a outro subsector da construção – os comerciantes dos materiais de
construção – os dados obtidos 2 apontam para a existência de cerca de 2.000 Empresas
a que corresponderão cerca de 20.000 trabalhadores.
Face à abertura ao exterior que a economia portuguesa apresenta, é lógico pensarse que será a evolução da conjuntura económica externa que irá condicionar a
evolução da nossa economia. Assim, pode afirmar-se que apenas um forte
crescimento das exportações, da ordem dos 9%, poderá sustentar o crescimento
esperado do produto interno a uma taxa média anual de 2,8% (dos quais 0,8% serão
gerados pelos fundos comunitários).
A evolução do sector da construção, dependendo da forma como evoluir o referido
cenário económico externo, poderá ser condicionada no caso das obras de Engenharia
Civil pelas seguintes influências 3 :
a) Forte incentivo ao investimento público em construção com origem no II
Quadro Comunitário de Apoio – QCA – estimado em 2.355 milhões de
contos para o período 94/99, salientando-se em particular as grandes obras
rodoviárias, ferroviárias, metro e gás natural;
b) Afluxo de capitais privados para o financiamento de obras públicas;
c) Investimento significativo em infra-estruturas e em acções de despoluição e
tratamento de água.
No que diz respeito às obras privadas as alterações decorrentes das previsões do
QCA consistem num maior peso (% do PIB) da indústria transformadora (27,1 →
2
APCMC – Associação Portuguesa de Comerciantes de Materiais de Construção).
ANEOP – Associação Nacional de Obras Públicas – A Construção na Viragem do Século.
Perspectivas de Evolução 1994-1999.
3
94
27,8) e principalmente dos serviços comerciais (35,6 → 37,5) em detrimento do
sector agrícola (4,9 → 3,5) e dos serviços públicos (15,0 → 13,5). É previsível que as
referidas alterações dêem origem às seguintes implicações:
a) Novas localizações das actividades produtivas;
b) Novos pólos de crescimento da rede urbana;
c) Novas actividades ligadas ao lazer.
Com o objectivo de fazer uma previsão da evolução da construção de 94 a 99, a
ANEOP baseou-se nos seguintes pressupostos:
− Plano de financiamento do QCA 94/99
2.250 milhões de contos
− Relação entre os fundos comunitários e o investimento na construção
48%
− Comparticipação nacional dos fundos comunitários no sector da construção 33%
− Investimento público não co-financiado evoluindo a uma taxa constante
2,8%
− Evolução do subsector dos edifícios a taxas moderadas
Com base nestes pressupostos e tendo em conta o cronograma de distribuição das
comparticipações comunitárias a ANEOP apresentou um cenário dos investimentos
na construção ao longo dos anos de vigência do II QCA.
Fig. 6. - Valor Bruto da Produção do Sector da Construção
(Milhões de Contos a Preços Constantes de 1994)
milhões de contos
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
1994
1995
obras públicas
1996
1997
residencial
1998
1999
não residencial
Fonte: ANEOP – A Construção na Viragem do Século. Perspectivas de Evolução 1994-1999
95
Fig.7. - Taxa de Variação Real da Produção do Sector da Construção
10.0
9.2
(%)
8.0
6.0
5.2
4.8
4.3
4.0
3.9
4.0
2.8
2.0
1.5
2.0
1.2
3.3
2.5
2.7 2.5
1.5
2.4
2.4
1.5
1.5
1.0
1.0
0.5
0.0
0.0
-0.5
-2.0
1994
1995
obras públicas
1996
residencial
1997
não residencial
1998
total
1999
Fonte: ANEOP – A Construção na Viragem do Século. Perspectivas de Evolução 1994-1999
Confirmando-se as previsões apontadas ter-se-ia para o sector da construção uma
taxa de crescimento média anual de 2,7 %, ligeiramente inferior à previsão no QCA
para o PIB - 2,8%.
3. EVOLUÇÃO RECENTE DO SUB-SECTOR DA HABITAÇÃO
A partir de 1994, tal como o Eng. Nogueira Simões afirma na sua comunicação,
verificou-se uma apreciável descida das taxas de juro de longo prazo o que de
imediato se repercute na procura de habitação. Assim, é afirmado que em 1996 o
valor do crédito concedido para a aquisição de habitação ultrapassou os mil milhões
de contos para um número de contratos próximo dos 122 mil; estes valores
traduziriam uma variação relativa a 1995 de crescimentos de mais de 33% em valor e
mais de 25% no número de contratos.
Apesar das descidas das taxas de juro, e mesmo tendo em conta novas descidas
anunciadas (taxas de crédito à habitação indexadas à Lisbor que poderá cair para
patamares entre 5,3 e 5,6% em finais de 1997), é, no entanto, evidente que o peso dos
encargos inerentes à compra de uma habitação no rendimento disponível revela-se
excessivo.
Este incentivo à compra de habitação que, tal como referimos, foi o principal
objectivo da Política de Habitação em meados dos anos 80, tem conduzido a uma
grande distorção do mercado.
Assim se passou de 39,8% dos fogos usados como residência habitual em 1981, e
que eram arrendados, para um valor de 18,1%. De facto, verifica-se que enquanto em
1973, 50,3% dos fogos concluídos se destinavam a arrendamento, nos últimos 20 anos
essa percentagem deve variar entre 1% a 2% dos fogos concluídos em cada ano.
96
A alteração referida do regime de arrendamento foi insuficiente para corrigir as
distorções acumuladas; em 1991 verifica-se que 10,6% do total dos fogos arrendados
tem uma renda inferior a 1.000 $00.
Complementarmente verifica-se que relativamente a habitação social, e
comparando o parque de arrendamento social dos Estados-membros da CE, Portugal
apresenta em 1981 um dos valores mais baixos (11,6 habitações/1 000 hab), enquanto
países como a França, Reino Unido, Alemanha apresentam valores 6 a 9 vezes
superiores.
Provavelmente a exiguidade do valor referido para Portugal é hoje ainda mais
evidente, se tivermos em conta que, por exemplo, o parque habitacional do IGAPHE
passou de 36 243 fogos em 87 para 25 354 em 96 e em 91 a administração central não
promoveu directamente nenhum fogo.
Alguns sinais parecem ser de mudança, como sejam o IAJ – Incentivo ao
Arrendamento por Jovens e o anúncio pela Senhora Secretária do Estado da Habitação
e Comunicações, na abertura do presente colóquio, de um pacote de medidas a saírem
brevemente para fomento do incentivo ao arrendamento.
As acções do Estado no domínio da Habitação, nos últimos anos têm sido, pois,
centradas em acordos, contratos e comparticipações entre o INH, o IGAPHE, os
municípios, as cooperativas e as empresas. Refiram-se o programa de realojamento
(Dec.-Lei n.º 226/87), o PER– programa de erradicação de barracas, e os CDH’s –
contratos de desenvolvimento para Habitação, envolvendo no seu conjunto mais de
100 000 fogos.
As carências de fogos dizem também respeito à degradação dos fogos, quer pela
sua idade, quer pela falta de qualidade, quer ainda pela falta de infra-estruturas (água
canalizada, electricidade, etc.).
Se nos reportarmos à idade, verifica-se que em 1991, dos 3 053 825 fogos
ocupados como residência habitual, 12,3% foram construídos antes de 1919, e mais
12,1% foram construídos entre 1919 e 1945, ou seja, cerca de 25% dos fogos
actualmente usados têm mais de 50 anos.
Verifica-se por outro lado que 18,2% ainda não têm casa de banho e 11,3% não
possuem água canalizada. A reabilitação é pois um mercado emergente, mas ainda
com uma expressão ténue – 7% da produção total, quando no conjunto da Europa
representa cerca de 40%.
O programa RECRIA instituído em 1988, programa destinado à reabilitação de
imóveis arrendados, tem tido pouca aplicação. Entre 88 e 96 o número de fogos com
processos deferidos foi de 14 446, dos quais só 9 043 foram concluídos (pouco mais
de 1 000 fogos/ano).
Em 96 introduziram-se alterações ao RECRIA procurando a sua flexibilização,
originando-se os programas REHABITA e RECRIP.
97
4. A QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO
Quando se fala na qualidade na construção deve ter-se presente que se trata dum
sector com características muito específicas, destacando-se as seguintes:
–
A diversidade dos intervenientes nas várias fases do processo de construção;
–
A grande dispersão das obras agravada, na maioria dos casos, pela pequena
produção em série;
–
O carácter itinerante da indústria da construção com sucessivas mudanças de
estaleiro, de tipo de obra e de pessoal;
–
A multiplicidade de materiais, componentes e tecnologias utilizadas bem como
dos respectivos fornecedores.
Se nos reportarmos à primeira característica referida – a diversidade dos
intervenientes – assumem papel de relevo as suas atribuições, competências e
responsabilidades.
Isso mesmo é salientado pelo Eng. Nogueira Simões, na sua comunicação, quando
se refere à futura Lei de Edificações (fará parte dum anunciado programa de diplomas
em preparação), referindo que devem ser tidos em consideração os seguintes aspectos:
–
Definição das diversas fases que constituem o ciclo construtivo, com particular
ênfase para a concepção e execução;
–
Identificação de todos os agentes intervenientes neste ciclo;
–
Delimitação do âmbito de actuação e intervenção de cada um de tais agentes,
de modo a que resultem explicitadas as respectivas funções e desempenho;
–
Indicações do tipo de responsabilidade dos vários intervenientes acima
mencionados.
De facto, embora as competências dos intervenientes se encontrem regulamentadas
através de diplomas legais de que se destaca o Decreto-Lei n.º 235/86, no caso das
obras públicas, e, no caso das obras particulares, as disposições do Código Civil
confiram ampla liberdade de contratação entre partes, trata-se de matéria pertinente
para a concepção e execução da construção com qualidade e, por isso, deve merecer
uma ampla reflexão.
A qualidade dos empreendimentos – objectos finais da actividade de construção –
pressupõe uma gestão global apoiada em princípios e metodologias bem definidas,
destacando-se como instrumentos dessa política de qualidade a normalização, a
certificação e a regulamentação.
O Eng. Nogueira Simões conclui mesmo com os seguintes aspectos a ter em conta
na referida Lei de Edificações:
–
Enunciação dos requisitos técnicos essenciais a ser assegurados na construção;
98
–
Consagração de uma garantia mínima inerente ao produto final, explicitandose os direitos que assistem ao consumidor final/comprador.
Se queremos enfrentar os desafios do futuro milénio, se não queremos legar uma
herança dum património que apesar de novo está degradado, e como tal será
interiormente prejudicial à saúde e exteriormente reflectirá uma desagradável
poluição arquitectónica, torna-se pertinente centrar a atenção na responsabilização e
ética dos vários intervenientes, na divulgação e aplicação da regulamentação e das
especificações técnicas e no desenvolvimento de sistemas de garantia de qualidade.
O incremento da qualidade, a satisfação de requisitos mais exigentes, no mínimo, a
aplicação dos regulamentos são muitas vezes apontados como factores para o
agravamento do custo de construção. Trata-se dum falso problema, pois basta atender
ao que se passa nas outras indústrias, onde os produtos cada vez com maior qualidade,
porque os utilizadores assim o exigem e a concorrência a isso obriga, não significam
na maior parte das vezes, custos acrescidos.
De facto, o que acontece na construção é que quase sempre se aliam a não
consideração dos custos de manutenção e de utilização durante a vida útil da
construção e a inexistência de qualquer garantia. Nessas condições a análise do
binómio custo/qualidade é sempre difícil e, na falta desse tipo de avaliação o dono-deobra sistematicamente ignora a qualidade, maximizando o objectivo da diminuição
dos custos iniciais, ou seja, dos custos da concepção e execução da obra.
Refere ainda o Eng. Nogueira Simões duas Leis, que se considera serem
fundamentais: a Lei de Bases do Ordenamento do Território, cuja discussão pública
acaba de se concluir e a revisão dos regimes de Licenciamento Municipal das
operações de loteamento e de obras particulares.
A necessidade de se encontrarem soluções que tornem o processo de licenciamento
menos pesado, sob o ponto de vista burocrático, e mais transparente, no tocante aos
aspectos dependentes de apreciação e decisão por parte das entidades licenciadoras,
tal como é referido pelo Eng. Nogueira Simões, merece o nosso total apoio, mas
requer uma clara responsabilização dos intervenientes e a existência de processos
eficazes de actuação nos casos dolosos. É por demais evidente que os termos de
responsabilidade assinados pelos projectistas efectivamente não os responsabilizam
pois verifica-se que, cerca de 50% das anomalias que ocorrem nas habitações são
devidas a erros nas fases de concepção/projecto. Para tudo isto muito contribui, por
exemplo, a total inadequação que a qualificação da Ordem dos Engenheiros atribui e,
no domínio da execução, a inexistência dum controlo dos alvarás das empresas de
construção, que evidencie as não-conformidades que as obras realizadas pelos
possuidores desses alvarás muitas vezes apresentam.
Refira-se, por último, que a optimização da relação do referido binómio
custo/qualidade na construção passa pela diminuição dos custos da não-qualidade que
poderão representar mais de 10% do volume de negócios das empresas.
99
No sector da construção as formas mais correntes de manifestações de nãoqualidade são as anomalias que ocorrem aquando da sua utilização. Mas a nãoqualidade não se limita a esses defeitos; os erros comerciais de sobrestima da procura
que se traduzem por construções não vendidas ou as alterações na execução das obras
vão resultar em não-qualidade; os projectos incompletos, as inúmeras alterações dos
projectos, os conflitos, os acidentes de trabalho, o tempo perdido em reuniões mal
conduzidas, os custos subavaliados, os erros na quantificação de dificuldades, os erros
de aprovisionamento, as insuficiências de materiais previstos, os transportes
suplementares, etc., são outros tantos factores que evidenciam a não qualidade.
A redução da não-qualidade passa por investimentos na prevenção – serviço de
qualidade, formação de pessoal, elaboração e uso de procedimentos, aperfeiçoamento
de métodos de trabalho, estudo de medidas de segurança, selecção e acompanhamento
de fornecedores, preparação de planos de controlo, realização de protótipos,
planificação e manutenção do material – e por investimentos na verificação e/ou no
controlo que são o complemento indispensável aos investimentos na prevenção –
verificação de materiais e/ou processos não tradicionais, controlo de execução dos
trabalhos, auditorias (do produto e dos processos), ensaios (no local e em
laboratórios), verificação dos protótipos.
Sempre que os custos da não-qualidade são contabilizados, o que em Portugal
praticamente nunca acontece, verifica-se que os custos dos investimentos na
prevenção e no controlo são amplamente recuperados.
5. CONCLUSÕES
A parte final da comunicação do Eng. Nogueira Simões aborda, em particular, os
aspectos que estão relacionados com a necessidade de racionalizar a política fiscal e
parafiscal aplicada ao sector da construção. Nesse domínio sugerem-se algumas
medidas relativas a deduções no IRS, e outras relativas à revisão da Contribuição
Autárquica.
Para concluir esta nossa modesta contribuição podemos sintetizar alguns
instrumentos que de forma consensual são a base duma política de habitação:
–
Ordenamento do território estruturado;
–
Política dos solos ágil e eficaz;
–
Financiamento diversificado;
–
Sistema fiscal racionalizado;
–
Fomento do mercado do arrendamento;
–
Manutenção e reabilitação;
–
Promoção da qualidade.
100
O combate à exclusão social e à pobreza passam também por uma política de
habitação que definitivamente resolva as enormes carências ainda existentes.
REFERÊNCIAS
⎯ V. Abrantes – “Qualidade na Construção” – Provas de Agregação – Lição de Síntese –
FEUP, 1992 e Revista Materiais de Construção N.º 47, Maio/Junho e N.º 48,
Junho/Agosto, 1993.
⎯ Livro Branco Sobre a Política de Habitação em Portugal – Encontro Nacional de
Habitação – Lisboa, 1993.
⎯ V. Abrantes – Livro Verde sobre a Cooperação Ensino Superior – Empresa. “Sector da
Construção” – CESE – Conselho para a Cooperação Ensino Superior - Empresa – Porto,
1994.
⎯ M. Clara Mendes – “Política de Habitação: Evolução Recente, Situação Actual e
Perspectivas” – CES - Conselho Económico e Social, Colóquio “A Política de Habitação”
– Lisboa, 1997.
101
Painel
Habitação Social
102
HABITAÇÃO SOCIAL
- Uma abordagem Sistemática Dr. Eduardo Vilaça *
Relator
1. INTRODUÇÃO
Embora o presente trabalho possa ter um alcance vasto em função da abrangência
do tema, procuremos logo de início definir e delimitar bem os parâmetros da temática
a fim de se evitar uma exorbitância desnecessária do que sistematicamente aqui se
pode tratar.
Comecemos por abordar o próprio conceito de habitação social, tal como ele é
definido na Portaria n.º 828/88, de 29 de Dezembro: “habitação de custos controlados
promovida com apoio financeiro do Estado, nomeadamente pelas Câmara Municipais,
Cooperativas de Habitação, Empresas Privadas e Instituições Particulares de
Solidariedade Social, destinadas à venda ou arrendamento e as que obedeçam aos
limites de área bruta, custo de construção e preços de venda fixados”.
A ideia consagrada neste diploma legal dissocia claramente a habitação de custos
controlados da habitação social tal como era entendida. Palavras como “família”,
“pessoa” “população” não aparecem expressas neste conceito, que traduz
essencialmente uma vertente técnica em termos construtivos e financeiros e evita
referências aos possíveis destinatários, donde se poderá depreender em termos
práticos que qualquer pessoa/família poderá ter acesso a este tipo de habitação desde
que esteja interessada. Com efeito, assim acontece, como veremos mais adiante.
Muitas eram as vertentes em que a temática da habitação social poderia aqui ser
tratada; a promoção, os promotores, o projecto urbanístico e arquitectónico, a
construção, a aquisição, o processo de realojamento, a apropriação e a gestão do
fogo/bairro, o financiamento e condicionantes, os destinatários (população/família) e
outros.
No entanto, as limitações de um trabalho deste tipo e o interesse de actualização da
problemática levam-nos a que a escolha recaia essencialmente no processo de
promoção/financiamento e nas evoluções e dinâmicas mais recentes, numa tentativa
de abordagem dos segmentos da população abrangidos pelas actuais medidas em
vigor, sem prejuízo da pertinência de algumas questões, que se julgam mais
controversas no actual momento conjuntural.
Não iniciaremos, contudo, este trabalho sem abordar de uma forma sistematizada e
sucinta a “um pouco de história da habitação social” para que se tenha uma noção das
alterações e mudanças da política de habitação para o sector nas últimas décadas.
*
Presidente do INH - Instituto Nacional de Habitação.
103
2. UM POUCO DE HISTÓRIA
Não sendo embora objectivo ou intenção desta breve exposição proceder à
descrição e análise da evolução histórica, havida em Portugal, no que respeita à
problemática da habitação destinada a população de menores recursos económicos,
consideramos todavia, importante realçar alguns aspectos mais significativos do que
ocorreu nesta área até 1984, mais concretamente até à criação do Instituto Nacional de
Habitação, aprovada através do Decreto-Lei n.º 177/84, de 25 de Maio.
Para este efeito, numa divisão temporal de cariz necessariamente subjectivo,
parece-nos ser de distinguir os seguintes períodos:
– período anterior à criação do Fundo Fomento de Habitação (1969);
– período compreendido entre a criação do Fundo Fomento de Habitação e a
instauração do regime democrático (1974);
– período decorrido entre 1974 e 1980;
– período posterior a 1980.
2.1. Período anterior à criação do Fundo Fomento de Habitação (1969)
O problema da habitação para população de estratos económico-sociais mais
baixos apenas se coloca com alguma acuidade, após o início do processo de
industrialização do país, com a consequente migração para os centros urbanos
industrializados de famílias e indivíduos de origem rural, os quais, por via do custo
das habitações, não podiam aceder a condições de alojamento aceitáveis nessas
cidades ou aglomerados urbanos para onde se haviam deslocado em busca de
melhores condições de vida.
Todavia, para além de algumas vilas ou bairros operários promovidos por
iniciativa particular, é somente após o término da 1.ª Grande Guerra que o Estado,
nomeadamente em Lisboa, inicia a construção de bairros sociais (Arco do Cego e
Ajuda) que viriam a estar concluídos apenas na década de 30.
É pois, já com o Estado Novo que, embora de forma algo incipiente e nos termos
dos pressupostos políticos e ideológicos que alicerçavam e fundamentavam o regime,
se começa a concretizar uma actuação estatal directa neste domínio da habitação para
populações e famílias carenciadas.
Tal actuação concretizou-se na construção de variados bairros de natureza social,
designadamente em Lisboa e nas suas, ao tempo, áreas limítrofes, ao abrigo de
diversos programas e regimes, promovidos pelos organismos da estrutura corporativa
do Estado, agrupados e sob tutela do Ministério das Corporações e Previdência
Social.
Sem pretendermos ser exaustivos nesta matéria são de assinalar os programas de
construção de casas económicas, a atribuir em regime de propriedade resolúvel,
104
criado pelo Decreto-Lei n.º 23052, de 23 de Setembro de 1933, de casas de renda
económica (Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1945) de renda limitada (Decreto-Lei n.º
36212, de 7 de Abril de 1947), a atribuir em regime de arrendamento, e ainda de casas
desmontáveis, casas para famílias pobres e desalojadas e casas para pescadores
(Decretos-Lei n.ºs 28912, de 12 de Agosto de 1938, 34486, de 6 de Abril de 1945,
35732, de 4 de Julho de 1946, 40616, de 28 de Maio de 1956, etc.), todas elas
atribuíveis em regime de ocupação a título precário.
De referir ainda o programa de auto-construção de habitações, instituído pelo
Decreto-Lei n.º 44645, de 25 de Outubro de 1962, o qual veio a ser objecto de uma
tentativa de relançamento, com algum sucesso inicial, após 1974.
Numa análise resumida da actividade ocorrida neste período, apesar desta
diversidade de programas e regimes, verifica-se a acentuação das carências de
alojamento destes estratos populacionais, bem como a degradação do parque
imobiliário e um significativo aparecimento de fenómenos de “construção
clandestina”.
2.2. Período compreendido entre a criação do Fundo Fomento de Habitação
(1969) e a instauração do regime democrático (1974)
A insuficiência dos esforços produzidos no período anterior para colmatar ou
sequer não deixar agravar os problemas habitacionais das famílias de menores
recursos económicos, tornou evidente a necessidade de uma actuação mais forte e
uma centralização significativa do Estado neste domínio, bem como a modernização e
racionalização das estruturas governamentais e corporativas existentes.
Nesta sequência, o Decreto-Lei n.º 49033, de 28 de Maio de 1969, veio criar o
Fundo Fomento de Habitação com um duplo objectivo, a saber:
– unificar os serviços que, no Ministério das Obras Públicas, tinham
competência em matéria de habitação, por forma a conseguir maior eficácia
na sua actuação;
– concentrar o estudo da problemática social da habitação num único
organismo que, pela sua inserção funcional, tornasse possível uma visão
conjugada da temática da habitação e do urbanismo.
Em 1972, mais concretamente em 30 de Dezembro, através do Decreto-Lei n.º
587/72, é revista a Lei Orgânica do Fundo Fomento de Habitação, passando o mesmo
a integrar também o património e atribuições até então pertencentes às instituições de
previdência, nomeadamente, à Federação das Caixas de Previdência-Habitações
Económicas, que, exercendo funções no domínio da habitação, em virtude de se
encontrarem sob tutela do Ministério das Corporações e Previdência Social, não
haviam sido objecto da unificação de organismos pretendida obter aquando da criação
do Fundo.
105
Da simples leitura das disposições constantes do Decreto-Lei n.º 587/72, verificase a grande extensão das competências e atribuições do Fundo de Fomento de
Habitação, as quais abarcavam:
– o estudo sistemático da problemática da habitação, designadamente, a
promoção de inquéritos destinados a manter actualizado o conhecimento dos
problemas habitacionais, o estudo das soluções habitacionais mais
adequadas, tendo em atenção as carências, diversidades regionais e os
aspectos técnicos da construção, e a elaboração de legislação relativa a esta
matéria;
– a coordenação das iniciativas respeitantes ao sector, nomeadamente, a
coordenação, em termos de planeamento, de todas as iniciativas de resolução
do problema habitacional, a colaboração com entidades que se propunham
contribuir para a execução da política habitacional, designadamente Câmaras
Municipais e Misericórdias, a regulamentação dos empréstimos concedidos
ao abrigo dos programas mencionados em 1. da presente exposição e, ainda,
dos atribuídos, para idênticos fins, pela Caixa de Previdência do Ministério
da Educação Nacional e Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, e,
por último, a definição de orientações gerais e coordenação das intervenções
dos serviços sociais dos diversos Ministérios, de organismos autónomos e de
empresas públicas no domínio da habitação;
– a execução das medidas de política habitacional da responsabilidade do
Estado, entre os quais, a aquisição e urbanização de terrenos para construção
de casas de habitação, a promoção directa da construção desses mesmos
fogos, a alienação de terrenos e habitações, e a concessão a entidades
públicas ou privadas, para a execução de programas habitacionais de
interesse social, de subsídios, reembolsáveis ou não, bem como de
empréstimos, fixando as respectivas condições de juros e prazos de
amortização.
Verifica-se assim, que as competências do Fundo de Fomento da Habitação, no
domínio específico da execução da política habitacional, englobavam áreas tão
diversas quanto:
– a coordenação da política habitacional, em termos de planeamento;
– a regulamentação dos empréstimos a conceder pelos organismos da
previdência dos diversos Ministérios;
– a aquisição, também por via de expropriações sistemáticas de áreas
consideráveis (Planos Integrados), de terrenos para construção e sua
urbanização;
106
– a promoção directa nesses terrenos de casas de habitação ou a sua cedência,
para idênticos fins, a entidades públicas ou privadas:
e
– a concessão a essas mesmas entidades, tendo em vista a execução de
programas habitacionais sociais, de subsídios e empréstimos.
Num balanço final deste período, necessariamente sucinto e, conforme já atrás
referido, algo subjectivo, constata-se que, apesar deste enorme acervo de
competências e atribuições, e, talvez, por via da recessão económica mundial ocorrida
no início da década de 70, o Fundo Fomento de Habitação não realizou, até 1974,
qualquer empreendimento significativo, em termos de promoção habitacional directa,
tendo também sido bastante diminuta a sua actividade na área do apoio técnico e
financeiro a outras entidades intervenientes na execução de programas habitacionais.
Por outro lado, até àquela data, os processos de expropriação de terrenos destinados
aos Planos Integrados (empreendimentos de grande dimensão, superior a 1.000 fogos,
situados em núcleos urbanos significativos, concebidos com o objectivo de satisfazer
as necessidades de alojamento dos trabalhadores e seus agregados familiares,
empregados nas indústrias e serviços que no início da década de 70, se encontravam
em franco desenvolvimento) encontravam-se também e ainda numa fase incipiente.
2.3. Período decorrido entre 1974 e 1980
No período ora em análise, há que realçar primeiramente, a forte agitação social,
política e económica que, naturalmente, a país atravessou, atendendo ao ambiente
revolucionário que, em parte desse mesmo período, se viveu.
Esta agitação, com as virtudes e defeitos de todos conhecidos, conduziu no
domínio da política habitacional, mormente, no que concerne à habitação social, à
dinamização e criação, sob a égide do Fundo de Fomento de Habitação, de alguns
programas habitacionais de inegável impacto, cujos resultados mais ou menos
conseguidos têm necessariamente que ser analisados à luz da complexa situação
política então vivida, com sucessivas mudanças governamentais com reflexos ao nível
das orientações políticas e da designação dos membros dos órgãos dirigentes dos
organismos estatais existentes no sector, bem como das crises económico-financeiras
ocorridas, nomeadamente, nos anos de 1978 e 1979.
Aspecto importante a realçar tem a ver com a consagração constitucional do
“direito à habitação” (v. artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa), o qual
se constituiu como objectivo e norma de orientação da actuação do Estado nesta área
ou domínio da promoção de alojamento para os mais carenciados.
Assim, no período em causa e com incidência directa na política de habitação
social, há a realçar:
107
– criação do Programa SAAL tendo em vista o apoio à organização e
iniciativa das populações dos bairros de lata, barracas e outras situações
degradadas de alojamento no sentido da construção de habitações condignas;
– relançamento do cooperativismo habitacional;
– reforço dos programas de habitação social, promovidos directamente pelo
Fundo de Fomento de Habitação;
– criação de um programa de apoio técnico e financeiro às Câmaras
Municipais para a construção de empreendimentos de habitação social (v.
Decretos-Lei n.ºs. 658/74, de 23 de Novembro, e 817/76, de 11 de
Novembro);
– instituição do regime dos contratos de desenvolvimento para habitação, com
os quais se pretendia financiar a promoção privada de habitação de custos
controlados (v. Decreto-Lei n.º 663/74, de 26 de Novembro);
– implementação do programa de recuperação de imóveis degradados (PRID),
com o objectivo de conceder empréstimos bonificados para a conservação e
beneficiação de habitações.
Dos programas atrás mencionados, parece-nos de interesse destacar:
2.3.1. Promoção Directa
Como a própria denominação o indica, este programa englobava os
empreendimentos habitacionais directamente construídos pelo Fundo de Fomento de
Habitação, sendo os fogos atribuídos, pelo próprio Fundo ou pelos Serviços
Municipais de Habitação respectivos, em regime de arrendamento ou de propriedade
resolúvel.
O programa compreendia não só os grandes empreendimentos localizados nos
Planos Integrados (Almada, Zambujal, Porto, Aveiro, etc.), que já tivemos
oportunidade de referir, mas também aqueles que, de menor dimensão, se
implantaram um pouco por todo o país.
Os resultados práticos deste programa foram de certo modo decepcionantes, em
termos de execução dos objectivos inicialmente propostos, numa prática não
totalmente isenta de erros e que, em certa medida, terá levado ao abandono posterior
da política de promoção directa de fogos por parte da Administração Central.
Não obstante, a aquisição, em muitos casos por via de expropriação sistemática,
dos terrenos indispensáveis à concretização dos Planos Integrados, foi efectuada,
constituindo estes, por via da concretização apenas parcial do programa, um acervo de
solos ainda hoje considerável, passível de ser utilizado na execução das actuais
políticas habitacionais.
108
2.3.2. Promoção Municipal
Este programa, criado pelo Decreto-Lei n.º 658/74, de 23 de Novembro, e
posteriormente modificado pelo Decreto-Lei n.º 817/76, de 11 de Novembro, visava a
concessão de empréstimos bonificados aos municípios para a concretização de
empreendimentos, cujos fogos se destinavam a ser comercializados, nos termos do
regime de renda limitada.
Tratou-se de um programa de assinalável sucesso que, embora em moldes diversos
e sob a forma de outros regimes legais de crédito, ainda hoje é prosseguido pelos
organismos estatais que se encarregam da execução da política habitacional do
Estado.
2.3.3. Promoção Cooperativa
Após 1974 e com o auxílio e apoio técnico do Fundo de Fomento da Habitação,
verificou-se um rápido desenvolvimento das cooperativas de habitação, ao qual
também não foi alheia a revisão do seu regime jurídico, operado com a publicação dos
Decretos-Lei n.ºs 730/74, de 20 de Dezembro, e 737-A/74, de 23 de Dezembro, sendo
as mesmas actualmente um dos pilares fundamentais para a prossecução de uma
qualquer política de habitação destinada a populações de menores recursos
económicos.
Ao longo deste período, as citadas cooperativas, bem como as associações de
moradores (realidade associativa de duração mais efémera), beneficiaram de apoios
financeiros à construção de habitações de custos controlados destinadas aos seus
associados e atribuídas em regime de propriedade individual ou colectiva
(arrendamento) (v. Decretos-Lei n.ºs. 737-A/74, de 23 de Dezembro, 515/77, de 14 de
Dezembro, 268/78, de 31 de Agosto, e a Portaria n.º 256/79, de 2 de Junho).
Também este programa, tendo em atenção a conjuntura política e económica do
país durante o período em referência, teve razoável êxito e, de forma idêntica à
ocorrida com a promoção municipal, continuam as cooperativas de habitação e
construção a beneficiar de apoios financeiros do Estado na satisfação das
necessidades habitacionais dos seus associados.
2.3.4. Contratos de Desenvolvimento para Habitação
Por via do Decreto-Lei n.º 663/74, de 26 de Novembro, criaram-se os denominados
Contratos de Desenvolvimento para Habitação (CDH), a celebrar entre o Fundo de
Fomento da Habitação, as Instituições Especiais de Crédito e empresas privadas de
construção civil, com vista ao financiamento bonificado à construção por esta última
de habitação social (custos controlados).
Deste modo, pretendia-se não só associar a iniciativa privada à prossecução da
política habitacional do Estado, mas também constituir uma via de saída da recessão
109
profunda que havia atingido o sector da construção civil desde o início da década de
70.
O programa, que, mais uma vez e ainda que sob diferente regime legal de crédito, é
mantido e prosseguido pela Administração Indirecta do Estado (v. Decreto-Lei n.º
165/93, de 7 de Maio), foi, ao longo deste período, sucessivamente revisto, através
dos Decretos-Lei n.ºs 638/76, de 29 de Julho, 412-A/77, de 29 de Setembro e 344/79,
de 28 de Agosto.
2.3.5. Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL)
Através do Despacho dos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento
Social e do Ambiente, de 31 de Julho de 1974, publicado no DR, I Série, de 6 de
Agosto de 1974, foi organizado, junto do Fundo de Fomento de Habitação, um “corpo
técnico especializado” designado por Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL)
para “apoiar, através das Câmaras Municipais, as iniciativas de populações mal
alojadas no sentido de colaborarem na transformação dos próprios bairros, investindo
os próprios recursos latentes e, eventualmente, monetários”.
Tratava-se, ao fim e ao cabo, de organizar, de forma expedita e com uma estrutura
ligeira, através de brigadas de técnicos de apoio local, a actuação concertada e
articulada entre o Fundo de Fomento de Habitação, as Autarquias Locais e as
Associações e Comissões de Moradores dos bairros degradados, que para o efeito se
criassem por iniciativa das populações, no sentido de apoiar técnica e financeiramente
aquelas (v.g. organização de processos de expropriação de terrenos, alteração de
projectos de construção de fogos e equipamentos colectivos, financiamento dessa
mesma construção ou auto-construção, fiscalização das obras, etc.) tendo em vista a
resolução dos problemas de alojamento e transformação dos bairros em que viviam.
Revelou-se o SAAL uma experiência de duração limitada, embora interessante em
termos de democracia participativa, que, por motivos das vicissitudes políticas da
época e de erros de avaliação na elaboração e execução do programa, foi extinta, no
meio de alguma controvérsia, por via do Despacho dos Ministros da Habitação,
Urbanismo e Construção e da Administração Interna, de 28 de Outubro de 1976.
2.3.6. Programa CAR - Casas Pré-Fabricadas
Convirá, por último, referir o Programa CAR, programa habitacional
extraordinário, criado por Resolução do Conselho de Ministros, de Março de 1976,
tendo em vista, através da construção de casas pré-fabricadas, resolver os problemas
de alojamento dos portugueses retornados das ex-colónias.
Embora inicialmente não integrado no Fundo de Fomento da Habitação, face aos
resultados insuficientes da sua primeira fase de execução, foi pelo Governo decidida,
em Março de 1978, tal integração.
110
Resultante de uma total descoordenação ao nível de execução do programa e de
uma medíocre gestão do mesmo a nível administrativo, técnico-financeiro e legal, os
resultados desastrosos deste programa foram o detonador que levou à instauração de
uma sindicância à actividade global do Fundo de Fomento de Habitação e,
posteriormente, à extinção deste organismo.
2.4. Período posterior a 1980
A recessão económica e financeira que atingiu Portugal nos anos de 82 a 85, a
deficiente actuação do Fundo da Fomento de Habitação na gestão e execução de
alguns dos seus programas, a nível da obtenção dos objectivos quantitativos e
qualitativos previamente estabelecidos, que atingiram, em alguns casos (v.g.
Programa CAR), o nível da suspeição de práticas irregulares, aliadas a uma mudança
da política habitacional do Estado face à promoção directa de fogos que, em virtude
da experiência passada, não havia levado aos resultados desejados, contribuíram para
uma estagnação ou mesmo decréscimo, durante o início da década de 80, da
actividade do Fundo.
Esta estagnação, bem como a já referida modificação da política estatal, a nível da
habitação destinada a populações de menores recursos económicos, levaram à
extinção e liquidação do Fundo de Fomento da Habitação, efectuada por via do
Decreto-Lei n.º 214/82, de 29 de Maio, liquidação essa que se arrastou até finais de
1987.
A ineficiência do organismo entretanto criado (o Fundo de Apoio ao Investimento
para a Habitação – FAIH) e a necessidade de prever atribuições anteriormente
cometidas ao ex-FFH veio a determinar a criação do Instituto Nacional de
Habitação – INH (v. Decreto-Lei n.º 177/84, de 25 de Maio), e do Instituto de
Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado –IGAPHE (v. DecretoLei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro): o IGAPHE actuando nos domínios da gestão e
alienação do património habitacional e imobiliário “herdado” do ex-Fundo de
Fomento da Habitação; e o INH com atribuições aos níveis de estudo, coordenação e
acompanhamento das medidas da política habitacional e do apoio técnico e financeiro
dos promotores de habitação de custos controlados.
3. A EVOLUÇÃO RECENTE E AS DINÂMICAS DO PRESENTE
A experiência negativa do ex-FFH determinou a diferença do espírito que presidiu
à criação do INH, tendo-se abandonado a perspectiva de que o apoio do Estado passa
inevitavelmente pelo recurso à promoção habitacional directa. As atribuições
cometidas ao INH e as linhas de crédito entretanto criadas foram definidas no sentido
de o Estado assegurar a promoção habitacional de cariz social por via da concessão de
apoio técnico e financeiro aos diversos promotores.
111
Aquisição de terrenos
Em meados da década de oitenta, a crescente escassez de terrenos começava a
revelar-se um travão à promoção habitacional, sentido com maior acuidade na
promoção de habitações que se pretendiam a valores acessíveis aos estratos
económico-sociais mais baixos. Tornava-se, pois, necessário criar novas linhas de
financiamento através das quais se assegurasse o processo promocional de habitação
social no seu todo.
Privilegiou-se a solução de aumentar a oferta de terrenos para construção através
da concessão de apoio financeiro aos municípios, no pressuposto de que estes, pela
sua natureza, estavam mais vocacionados para implementar o respectivo processo de
urbanização e, quando necessário, cedê-los aos diferentes promotores desse tipo de
habitação. Nesse sentido, o Decreto-Lei n.º 6/84, de 5 de Janeiro, veio regular a
concessão de empréstimos aos municípios para aquisição ou infra-estruturação de
terrenos, não só para construção imediata, como para reserva de urbanização ou
cedência em direito de superfície.
Contudo, a inadequação dos procedimentos inerentes à cedência dos terrenos, a
escassez dos terrenos públicos disponíveis para construção e o crescente aumento do
preço dos terrenos no mercado livre determinaram a necessidade de criar um novo
regime de apoio financeiro para esse fim. Assim, através do Decreto-Lei n.º 385/89,
de 8 de Novembro, é criado um regime de crédito bonificado para aquisição de
terrenos destinados à concretização de programas de habitação a custos controlados,
independentemente do respectivo promotor.
Este regime tem tido um razoável êxito, manifestado por uma assinalável adesão
por parte dos diversos promotores, sendo mesmo actualmente privilegiado pelos
municípios em detrimento do apoio concedido por via do Decreto-Lei n.º 6/84,
designadamente em virtude da manifesta desactualização do limite máximo de
financiamento de 190 contos por fogo que a portaria de regulamentação deste diploma
estabelece.
3.2. Construção de fogos para arrendamento
A oferta de habitação em regime de renda social, essencialmente dirigida aos
estratos populacionais sem recursos económicos para adquirir uma habitação ou
arrendá-la no mercado, paralizou com a extinção do ex-FFH, pelo que se tornou um
imperativo incentivar a promoção de habitações para esse fim.
O cariz predominantemente social de programas habitacionais dessa natureza
justificam o facto de os respectivos regimes de financiamento serem especificamente
dirigidos aos municípios, repartindo-se assim entre a administração central e local os
encargos inerentes à implementação dos mesmos.
Para o efeito foram criados dois regimes de financiamento: o do Decreto-Lei n.º
110/85, de 17 de Abril, que se identifica como o regime “normal” de financiamento a
112
longo prazo para construção ou aquisição de fogos destinados aos arrendamentos em
regime de renda social; e o do Decreto-Lei n.º 226/87, de 6 de Junho, que, pela
especificidade das situações de carência habitacional que se propunha abranger –
população residente em barracas – assumiu as características de regime especial
caracterizado pelo reforço da componente de apoio financeiro do Estado, sob a forma
de comparticipações a fundo perdido até 50% do valor global do empreendimento,
passível de complementar com o recurso ao crédito nos termos do Decreto-Lei n.º
110/85.
Todavia, este regime revelou-se insuficiente para dar uma resposta cabal e
coordenada ao avolumar de situações de carência habitacional de população residente
em barracas, designadamente em virtude da fixação de numerosas famílias
provenientes das ex-colónias cujos membros trabalham em grandes obras de
construção. Daí que, no início da década de noventa, a generalização do recurso à
construção de barracas como “solução habitacional” tenha assumido proporções
alarmantes nos grandes centros urbanos.
Em consequência, foi criado, com características de medida excepcional e
prioritária, o Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de
Lisboa e do Porto (PER) (v. Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de Maio), entretanto
objecto de algumas reformulações e actualmente em plena fase de implementação. O
aspecto mais positivo deste regime é a dinâmica que veio imprimir para uma
resolução definitiva e coordenada do problema das barracas, por via da necessidade
de apresentação de uma solução global e planificada, na sua área de actuação, por
parte de cada um dos municípios aderentes. O financiamento, embora concedido sob a
forma de comparticipação a fundo perdido e de empréstimo em termos similares ao do
Decreto-Lei n.º 226/87, apresenta características assaz especiais, tais como uma taxa
de bonificação privilegiada (75% da taxa de referência) e a possibilidade de o
financiamento ser disponibilizado sob a forma de crédito em conta corrente até à
utilização dos montantes previstos no contrato-programa para o efeito celebrado.
3.3. Construção de fogos para venda
Na década de oitenta, as medidas dirigidas à habitação social, denominada
“habitação a custos controlados” a partir da entrada em vigor do novo regime criado
pela Portaria n.º 828/88, de 29 de Dezembro, caracterizaram-se por um importante
apoio do Estado à promoção de fogos destinados à venda. Pretendia-se dar resposta à
procura de habitações por parte de determinados estratos habitacionais – as classes
média e média-baixa – que não encontravam no mercado habitações a preços
acessíveis aos seus rendimentos e às quais não tem sido dada uma alternativa credível
senão a aquisição de casa própria. Daí que, com excepção de situações específicas de
carência habitacional a que os municípios deram resposta através da construção de
fogos para arrendamento, o financiamento da promoção de habitação a custos
controlados tenha sido exclusivamente dirigido à construção de fogos para venda.
113
A essa situação não é alheio o facto de a revisão do regime do arrendamento,
primeiro em 1985 e, depois, em 1991, com o Regime do Arrendamento Urbano
(RAU), ter revelado, e ainda revelar, uma morosidade notória na neutralização do
valor especulativo das rendas habitacionais, continuando a favorecer a convicção de
que a única solução para os problemas habitacionais é a aquisição de casa própria.
Esta convicção foi, ademais, reforçada pela agressiva campanha de marketing das
instituições de crédito a favor dessa solução, impelidas pela liberalização do mercado
financeiro e por uma conjuntura favorável de progressiva descida das taxas de juro.
Assim, no domínio dos regimes criados nesse período e no início dos anos noventa,
dirigidos ao financiamento a médio prazo para construção de habitações a custos
controlados destinadas à venda, destacam-se:
– O regime de crédito criado pelo Decreto-Lei n.º 220/83, de 26 de Maio, cujos
destinatários são os municípios e instituições vocacionadas para a assistência
às populações, regime este que teve um êxito considerável, mantendo ainda
hoje uma razoável adesão por parte das autarquias;
– As cooperativas de construção e habitação têm acesso a este tipo de
financiamentos por via do regime criado pelo Decreto-Lei n.º 264/82, de 8 de
Julho (revisto na sua quase totalidade pelo Decreto-Lei n.º 349/83, de 30 de
Julho). Trata-se da linha de crédito ao abrigo da qual toda a promoção
habitacional cooperativa em regime de propriedade individual tem sido
financiada, evidenciando, até pela sua sistemática aplicação, alguns aspectos
de desactualização ou desadequação a ser revistos a curto prazo;
–
O regime que maior número de alterações sofreu no período em análise foi,
sem dúvida, o da linha de crédito à construção de fogos para venda
promovida por empresas privadas de construção e usualmente denominado
como “regime dos CDH” (contratos de desenvolvimento para habitação).
Assim, este regime foi sucessivamente revisto pelo Decreto-Lei n.º 236/85,
de 5 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 39/89, de 1 de Fevereiro, e, por fim,
pelo Decreto-Lei n.º 165/93, de 7 de Maio. Entre as inovações introduzidas
por este último diploma no regime que o precedia destaca-se a de as
habitações, embora destinadas à venda pelas empresas promotoras,
poderem sê-lo não só para habitação própria permanente dos agregados
familiares destinatários da medida, mas igualmente para serem adquiridas
por entidades vocacionadas à cedência dos fogos a estes destinatários em
regime de renda apoiada ou para arrendamento em regime de renda
condicionada.
114
3.4. Financiamento aos destinatários dos fogos
Pelo seu cariz excepcional, reservou-se para o final a referência ao regime
conhecido como “PER Famílias”, criado pelo Decreto-Lei n.º 79/96, de 20 de Junho,
que, como a própria denominação indica, veio complementar o PER no objectivo de
erradicar as barracas nas áreas abrangidas por este regime.
Enquanto todas as linhas de financiamento anteriormente indicadas são dirigidas
aos promotores de habitação que, depois, canalizam os fogos para os seus
destinatários, o espírito que presidiu à criação do PER Famílias foi o de diversificar as
soluções tendo em vista assegurar uma concretização mais célere das operações de
realojamento.
Nessa ordem de ideias, o Decreto-Lei n.º 79/96 veio permitir às famílias constantes
dos levantamentos efectuados pelos municípios ao abrigo do PER o acesso a um
regime misto de comparticipação e empréstimo destinado a financiar a aquisição ou
reabilitação de habitações. Para além dos beneficiários serem as famílias, uma
particularidade de assinalar neste regime é a de caber a estas a escolha, dentro de
determinados parâmetros, da solução mais adequada para o seu caso, o que não deixa
de constituir um forte incentivo à participação activa e interessada das famílias
envolvidas e, como tal, uma componente dinamizadora do processo de erradicação
efectiva das barracas ao abrigo do PER.
4. O QUESTIONÁRIO DO PRESENTE
O desenvolvimento e a aplicação dos programas de financiamento em curso levanos a questionar e a tentar verificar com clareza se a conjugação de esforços entre o
Estado e as autarquias tem tido o alcance pretendido e se a centralização excessiva
desses esforços na resolução do problema dos núcleos de “barracas ou casas
abarracadas”, não terá deixado a descoberto outras situações, também, de gravidade
evidente.
Não há dúvida de que o problema das barracas e de alguns alojamentos precários,
também incluídos nos programas de realojamento, já que o conceito de “barraca” foi
alargado e flexibilizado a fim de permitir a inclusão de situações de grave carência
que de outro modo dificilmente teriam solução nos tempos mais próximos, tem
abrangido muito fortemente o esforço financeiro da Administração Central e da
Administração Local no sector da “habitação social”.
Não há dúvida, também, que a avaliação da situação em 1987, mas mais
precisamente em 1993 quando se tornou “obrigatório” para a adesão ao PER –
Programa Especial de Realojamento, a realização de um recenseamento exaustivo dos
núcleos de barracas ou casas abarracadas e similares, evidenciou só nas Áreas
Metropolitanas de Lisboa e Porto, cerca de 50.000 famílias a necessitarem de
alojamento o que está a implicar e implicará no futuro um forte investimento neste
programa de financiamentos provenientes do Orçamento do Estado.
115
Se a estes acrescentarmos os variadíssimos pedidos de erradicação de casos
similares, solicitados por autarquias de todo o país ao abrigo do programa de
realojamento de 1987, entre os quais avulta a reconversão do falhado Programa Car
teremos então um volume de financiamentos, que para as possibilidades do parco OE,
torna difícil outros apoios a casos de carência diversa.
Quer isto dizer que estando centrados os esforços da Administração Pública na
resolução do problema dos insolventes a residir em “barracas ou similares”, acabamos
por adiar outras situações que deviam, com certeza, merecer atenção pela gravidade
de que se revestem e pela dificuldade em, ainda hoje, se encontrarem soluções que se
adeqúem às características que evidenciam.
4.1. A nível urbano
Os nossos centros urbanos designadamente os mais populosos e com densificação
superior apresentam e revelam, sem dificuldade para um olhar bem dirigido, situações
de grandes ou pequenos núcleos de habitação precários, disseminados aqui e acolá,
constituídos em madeira, alvenaria ou outros materiais em condições deficientes de
todos os pontos de vista: higiene, salubridade, infra-estruturas, saneamento, etc. São
as ditas “barracas”.
No entanto, nesses mesmos centros urbanos, situação de gravidade quase idêntica,
escapam com frequência à observação do mais avisado.
Nos bairros mais antigos e históricos dos centros urbanos, proliferam construções
com longevidade em muitos casos desaconselhada, sem obras de reabilitação, em
espaços urbanos exíguos, altamente densificados, com uma população envelhecida
quer ao nível dos proprietários, quer ao nível dos inquilinos. Este parque habitacional
vetusto, evidencia carências graves que se traduzem em ausência de casas de banho,
de elevadores, ventilação adequada da habitação e muitos outros que não vale a pena
enunciar. Quando não está em situação de ruína eminente.
Na realidade portuguesa (grandes cidades) e intercruzando-se com estes casos,
existem as chamadas “ilhas e pátios” onde, também, se registam carências
diversificadas a nível do edificado e das infra-estruturas necessárias às populações aí
residentes.
Nestes e noutros casos, a falta de alternativa no mercado de habitação implica que
os níveis de sobreocupação sejam excessivos e que em espaços extremamente
pequenos residam grupos de pessoas numerosas em promiscuidade total com ausência
total de condições mínimas de vida.
Reportemo-nos a um exemplo que pode ser paradigmático deste tipo de situações:
no concelho de Câmara de Lobos, na região Autónoma da Madeira é possível
encontrar 10/12 pessoas vivendo numa casa (compartimento) de 9 metros quadrados
que, no entanto, não é considerado uma “barraca” no sentido literal do termo.
116
4.2. A nível familiar
Como é reconhecido no despacho do MEPAT 131/96 de 30 de Agosto, a estrutura
da família sofreu nos últimos anos alterações fundamentais para as quais ainda não se
encontraram as respostas adequadas.
Diz o referido despacho com toda a pertinência “... do universo da população a
realojar consta um grande número de pessoas isoladas, situação que justifica a
construção de unidades residenciais e não de fogos com as tipologias previstas nas
RTHS.
Em face da composição cultural da população envolvida nas operações de
realojamento, há casos em que se justifica, também, que os alojamentos sejam
projectados com uma configuração espacial diferente do previsto para as tipologias de
fogos tradicionais por forma que estes sejam adequados às características próprias dos
agregados familiares a realojar.”
Foi sem dúvida, este o primeiro e importante passo no reconhecimento da dinâmica
e mudança da estrutura familiar e na criação de condições para a implementação de
soluções viáveis aos condicionalismos do presente.
Atentemos, entretanto, em alguns dados estatísticos registados pelo
Recenseamento Geral da População de 1991 que, apesar estarem desactualizados,
passados que são 6 anos após a sua realização, não deixam de ser indicadores úteis
para a abordagem que se pretende fazer.
Total Famílias Clássicas
Pessoas a residirem sós
Adulto masculino com + 65 anos
Adulto feminino com + 65 anos
Casais com + 65 anos
Adulto com 1 ou mais crianças
Famílias com 3 pessoas ou menos
3 145 617
435 533
52 642
188 622
375 606
44 486
1 980 486
303 410 (mulheres)
40 014 (mulheres)
(+ 63%)
A resposta a esta nova realidade implica um esforço acrescido de toda a sociedade,
Estado, Autarquias, promotores públicos e privados no sentido de encontrar novos
entendimentos que fundamentados em consensos alargados, permitam fazer despontar
um novo tipo de alojamentos mais flexível, mais temporário e mais dinâmico em
função dos agregados familiares a realojar.
Por outro lado, e a todo o momento, despontam nas sociedades modernas casos
extremos onde se avolumam problemas de índole social e muitas vezes psíquicos,
para os quais, também, se torna necessário uma intervenção do Estado, no sentido de
possibilitar o retorno dos protagonistas desses casos a uma vida minimamente
normalizada, socialmente inserida e adquirida e onde o alojamento é condição
imperativa para o sucesso dos investimentos a montante da solução preconizada.
117
As franjas de população que tem os perfis referidos, por não se encontrarem
abrangidos pelos programas de realojamento da população a residir em barracas, não
beneficiam de qualquer apoio estatal para a sua reinserção social, em termos
habitacionais, ficando em posição vulnerável face às solicitações exteriores e às
possibilidades de retorno a uma vida anterior e presentemente não desejada.
4.3. O papel do Estado, das Autarquias e dos outros Promotores
Durante as décadas de 70 e 80 assistiu-se a um debate longo e por vezes aceso
sobre a quem competia as responsabilidades e atribuições para os problemas de
habitação. Por um lado, os municípios empurravam para o Estado essa competências
alegando a legalidade vigente, por outro, o Estado “agarrava-se às autarquias
afirmando que estas estavam mais próximas dos carenciados e que podiam gerir com
maior eficácia e precisão os meios a disponibilizar.
Da inconsistência deste diálogo surgiu, presentemente, um consenso quase
generalizado de que competirá ao primeiro financiar e criar as condições para
executar e ao segundo a promoção e execução dos programas necessários.
De facto, os municípios, um pouco por todo o país, apoiados pelas Instituições
Particulares de Solidariedade Social (IPSS) que podem beneficiar dos mesmos apoios
dos primeiros, têm promovido a construção de bairros municipais de arrendamento
público destinados às camadas insolventes da população, a residir em situação
precária.
Os outros promotores, designadamente as cooperativas de habitação e as empresas
privadas de construção têm beneficiado de taxas de juro bonificadas quando
constroem, no âmbito dos custos controlados, para segmentos de população que não
têm acesso ao mercado livre.
Progressivamente, a Administração Pública reconhece as suas insuficiências quer
ao nível central quer ao nível local e deixa o papel de promoção aos outros
intervenientes no sector, ficando para si com a gestão do já elevado parque público de
arrendamento.
Esta complementaridade de esforços tem levado a alguns êxitos essencialmente na
celeridade processual que se tem traduzido em ganhos acrescidos nos programas em
execução.
Para finalizar, uma referência à política de gestão do parque público que tem ainda
contornos pouco nítidos face à deterioração progressiva das condições habitacionais
nesses locais. A herança do passado, traduzida em milhares de fogos de fraca
construção e com espaços urbanísticos mal concebidos, tem, hoje, repercussões de
avaliação difícil. Neste aspecto, muito está ainda por concretizar.
Nesse sentido, importa ainda, no presente redefinir o conceito de “habitação
social” na clarificação dos potenciais destinatários para que seja efectiva a
racionalização dos investimentos públicos, fundamentada em critérios inequívocos,
118
atribuindo à sua cedência um carácter temporário em função da evolução da situação
familiar face aos rendimentos disponíveis e à sua inserção profissional e social.
119
ALOJAMENTO PARA POBRES OU ALOJAMENTO PARA TODOS?
Professora Isabel Guerra *
Comentadora
INTRODUÇÃO
O alojamento não é um bem como outro qualquer, e lembrá-lo não é apenas
afirmar uma evidência dada a contradição entre o “dito e o feito”. O “direito ao
alojamento” está consagrado em todos os direitos nacionais ou universais em quase
todos os países da Europa.
Desde a segunda guerra mundial que os estados europeus tentavam prosseguir uma
política de alojamento com base em 2 argumentos. Por um lado, a falta grave de
alojamentos resultado das destruições da guerra e a insuficiência de rendimentos
canalizados para a habitação no período anterior e, por outro lado, a defesa de
uma política de justiça social com vontade de erigir uma sociedade mais justa.
No entanto, não poderemos deixar de registar a não resolução da “crise da
habitação” na maioria dos países europeus: a persistência de populações sem abrigo, a
degradação de parte substantiva do parque imobiliário, a insatisfação crescente nos
“bairros sociais”, etc.
A dita “crise da habitação” acompanha-nos. Como entendê-la?
1. A LIÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS EUROPEIAS: políticas de alojamento social
versus políticas para todos
Lembrar rapidamente a forma como os estados nacionais europeus foram
intervindo nas questões do alojamento – e a especificidade do caso português –
permite distanciarmo-nos do momento presente aqui apresentado neste painel e
melhor entender o significado actual daquilo que se denomina “políticas de habitação
social”.
No início do crescimento das cidades na época industrial, havia certa
multiplicidade de alojamentos, de diferentes condições e para os diferentes estratos
sociais: a auto-construção, os prédios de aluguer, os alojamentos para venda, as casas
de “serviço” (os “bairros operários”), vilas e barracas. Para uma força de trabalho
móvel em que os rendimentos flutuavam bem como o próprio local de trabalho, as
casas de aluguer pareciam ser as mais adequadas.
Os senhorios eram pequenos capitalistas dispersos, comerciantes locais,
construtores civis, etc. Eram beneficiários da expansão do capitalismo ao ponto de se
tornarem pequenos proprietários, mas raramente realizavam acumulação suficiente
*
Centro de Estudos Territoriais - ISCTE.
120
que lhes permitisse adquirir uma verdadeira dimensão empresarial e converter-se num
ramo industrial como hoje conhecemos.
Até à 1.ª guerra mundial foi a “idade de ouro” das casas de aluguer. Os
conflitos sociais derivados das más condições de alojamento vieram chamar a atenção
de industriais e filantropos o que promove nos finais do século XIX e até à 1.ª
guerra, a intervenção do Estado na maioria dos Países da Europa, e dos EUA,
tentando alguma regulamentação das rendas bem como das condições de higiene
e limpeza.
Na maioria dos países europeus, estas primeiras intervenções do Estado no sector
do alojamento aparecem no século XIX no quadro de políticas sociais. A
concretização progressiva de políticas sociais nos finais do século XIX e princípios do
século XX são o resultado de factores económicos, políticos e psicológicos derivados
dos fenómenos que acompanhavam a industrialização.
Era, por um lado, a verificação de que a pobreza resultante dos processos de
industrialização era bem diferente da pobreza anterior e que trazia consigo riscos ao
próprio funcionamento económico e político da sociedade. Era também uma
consciência social crescente que daria lugar a um Estado-Providência. Neste início da
intervenção pública o principal actor é o Estado, não um Estado neutro, mas um
Estado profundamente comprometido, e legitimado, pelos agentes económicos em
crescimento.
O pensamento económico era dominado pelas doutrinas liberais e se os
progressos da democracia e a luta emergente dos sindicatos e dos partidos políticos
foram contribuindo para uma crescente consciência dos efeitos externos da pobreza,
parece ter sido, no entanto, a assunção dos pobres como “classes dangereuses” que
faz ceder face a algumas medidas sociais. As medidas foram sendo tomadas para
corrigir esses efeitos sociais e económicos negativos mas as intervenções públicas
no século XIX foram sempre pontuais.
O período entre as duas Guerra mundiais pode ser considerado um período de
transição onde (com certos limites na Europa de Oeste-França, Espanha, Itália, etc.) a
habitação privada e a habitação pública coexistem. A habitação social cresce, a
renda de iniciativa privada estabiliza e inicia-se o longo percurso para a ocupação da
casa própria. 1
Só no pós-guerra se considera que o Estado assume a “política do alojamento”
sobretudo orientada para os grupos mais desfavorecidos. Três considerações parecem
obrigar o Estado a entrar no sector do alojamento 2 . São, por um lado, considerações
de ordem económica visando assegurar a capacidade produtiva permitindo melhorias
1
Até 1945 (depois da guerra): – as casas eram de aluguer em França, Dinamarca. Alemanha, Holanda;
na Inglaterra – a habitação social era mais significativa (cerca de 60% de habitações privadas e 40%
públicas ou de organizações filantrópicas) nos EUA - 55% do parque habitacional era já constituído
por casa própria.
2
O alojamento privado para venda surge após a 2.ª Guerra Mundial na Europa e cresce mais do que
todo o período anterior fruto do esforço de reconstrução nacional face à destruição da guerra.
121
na produtividade operária favorecendo o crescimento da população. São, também,
considerações de ordem social e política articuladas com o agravar de lutas sociais
e contestações ao sistema económico existente tentando, nomeadamente, vender a
ideia de ordem e de poupança para acesso ao alojamento e, são ainda – é preciso
reconhecê-lo – considerações de ordem puramente moral defendidas por muitos.
Até ao início do século XX as políticas de alojamento eram orientadas
exclusivamente para os grupos sociais mais desfavorecidos mas do ponto de vista
da lógica dominante a habitação era um sector económico privado. Será preciso
esperar pelo fim da segunda guerra mundial para ver a acção do Estado no
sector do alojamento 3 perfeitamente legitimado pelos agentes económicos o que
parece resultar da conjugação de 3 factores:
– em primeiro lugar, a crise das teses do liberalismo económico com
dificuldades em resolver as crises económicas que conheceram os países
industrializados entre as 2 grandes guerras e o surgimento em força de um
novo modelo económico keynesiano;
– por outro lado, os direitos económicos e sociais foram progressivamente
reconhecidos sendo incluídos nalgumas constituições França, Itália. Note-se,
no entanto, que ainda hoje este direito não está explicitamente expresso em
muitos constituições de países europeus 4 ;
– no fim da segunda guerra, da destruição do parque imobiliário, da crise
económica até aos anos 60, da guerra civil em 2 países (Espanha e Grécia),
nasce uma falta qualitativa muito acentuada de alojamentos.
A profundidade da “crise do alojamento” faz, pela primeira vez, que os Estados se
considerem responsáveis por políticas de alojamento, sobretudo, orientadas para as
populações mais desprotegidas. Esta posição era consonante com as teses keynesianas
que se sucederam a crise de 29. Encontravam-se duas soluções possíveis, e
combináveis, na intervenção pública que irão ter pesos diferentes nos países
europeus – o Estado investir directamente no sector e/ou promover medidas
financeiras para incitar os agentes económicos a investir.
No que diz respeito ao acesso de todos aos alojamentos, os instrumentos de que
dispunham os poderes públicos eram vastos. Em primeiro lugar, podiam agir de forma
a fazer crescer a oferta de alojamentos o que faria baixar o preço de venda e de
aluguer dos alojamentos privados. Em 2.º lugar, podiam intervir através da
regulamentação controlando os preços de construção, de venda e a evolução do
mercado. Por essa mesma regulamentação podia reservar o acesso a certas categorias
3
As razões da crise de alojamento no pós-guerra geralmente referenciadas salientam geralmente o
insuficiente investimento na construção entre 1918 e 1940 devido à legislação de protecção aos
locatários e às 2 recessões económicas de 1920 e 1929.
4
Portugal é, aliás, um dos poucos países que reconhece explicitamente o direito à habitação, na
constituição de 1976.
122
de alojamentos a determinadas categorias de população. Finalmente, podia ainda
apoiar financeiramente as famílias para acesso à habitação.
Este tipo de políticas suportavam a expansão do sector imobiliário na construção
de alojamentos novos quer incitando as famílias ao acesso à propriedade 5 quer
apoiando os investimentos no sector imobiliário.
Segundo, Lefebvre e outros (1991), as escolhas efectuados, pelos diferentes países
europeus, no tipo de políticas que implementavam foram influenciadas por várias
condições, nomeadamente:
– grau de carência de alojamentos;
– filosofia económica e social dos governos;
– grau de legitimidade conferido pelos outros agentes económicos às
intervenções do estado ao nível do alojamento;
– nível de motivação dos diferentes agentes no investimento na habitação e as
instituições existentes sobre as quais as políticas se poderiam apoiar;
– situação económica do país que funcionava como um constrangimento ao
investimento na habitação.
Em síntese, foram 3 os objectivos atribuídos às políticas de alojamento nos anos
que se seguiram à 2.ª Guerra Mundial:
– construir um número elevado de alojamentos para substituir um parque
habitacional vetusto e/ou destruído;
– permitir às famílias de rendimentos mais fracos aceder a alojamentos
decentes sem um esforço de poupança demasiado;
– oferecer a todas as famílias um alojamento de boa qualidade capaz de
satisfazer as suas necessidades.
Cada país no quadro da sua política tendeu a privilegiar um ou mais destes
objectivos.
Entre 1960, 1970 e 1980 assiste-se a uma rápida mudança da lógica da intervenção
pública e privada. No entanto, estas políticas evoluíram rapidamente devido às
modificações do contexto económico e social nas quais se inseriam e à mudança na
natureza dos problemas que encontrava o sector do alojamento
Nos anos 60, assistimos ao boom económico que se traduz por um grande afluxo
de capitais privados para a construção e o reforço das habitações para venda
(diminuindo o período de rotação do capital). Os Estados tendem a alterar a política
anterior de apoio à produção de casas para uma política de suporte à procura. O
alargamento do mercado de casa própria e o apoio oficial ao mercado privado arrasta
no primeiro quinquénio a continuação de um fluxo de capitais para o alojamento. É
5
Lembre-se que a maioria das casas eram de aluguer e não havia uma predisposição para a compra por
parte dos moradores na medida em que era necessário uma enorme poupança e um factor de risco. Por
sua vez os proprietários, lembrados do preteccionismo anterior, pretendiam vender e não alugar. Assim
as políticas oficiais pretendiam favorecer os esforços de poupança das famílias o que era também uma
forma de apoiar o investimento no imobiliário.
123
notória a sua dinâmica de crescimento e lucro em contraste com outros sectores da
economia no fim dos anos 60 e princípios dos anos 70. Note-se, no entanto, que não
há grande conflito entre os intervenientes já que a suburbanização e a diversidade das
clientelas parece garantir lucros a todos.
As consequências traduzem-se num grande surto imobiliário, no decréscimo
acentuado da construção pública, no aumento das habitações para compra, nas
operações de renovação dos centros históricos, no realojamento de populações
marginais face ao mercado de alojamento, etc.
No início dos anos 70, na maioria dos países europeus a crise quantitativa parece
debelada. Apesar das elevadas taxas de juro e do aumento dos custos de construção o
número de construções novas tinha aumentado continuamente o que permitia ao
sector público repensar a sua actuação. Em muitos países assiste-se a uma reflexão
sobre as políticas de habitação que se traduz por uma redução massiça da intervenção
do Estado.
Em meados dos anos 70, há uma ruptura ligada à crise económica 6 que origina a
retirada de capitais da construção civil e a falência de numerosas empresas. O próprio
Estado entra em crise fiscal. Aumentam as habitações vagas, agrava-se a falta de
alojamento e acentuam-se os conflitos sociais.
A redefinição das políticas públicas face à habitação decorrem então em dois
sentidos – o re-investimento no parque existente e já não em novos alojamentos
tentando melhorar a degradação do habitat, e o privilegiar do acesso à
propriedade em detrimento de outros estatutos de ocupação tentando mesmo
vender o parque imobiliário público de forma a conseguir acumulação para reinvestimento.
Desde meados dos anos 80 que se complexifica o olhar sobre os alojamentos e a
sua adequação às características demográficas e de dinâmica económica das
sociedades modernas. A diversidade dos tipos de famílias, a diversificação das fases
do ciclo de vida, as mobilidades profissionais, a transformação do meio laboral
com o trabalho ao domicílio e as novas tecnologias, alteram as necessidades face
aos alojamentos e estado e as empresas procuram adequar-se às necessidades de
um mercado mais exigente e complexo.
Ainda segundo, Lefebvre e outros (1991), em todos os países europeus,
encontramos, grosso modo, 3 fases na evolução das políticas de alojamento do pósguerra:
– a primeira fase, vai do fim da 2.º Guerra Mundial até aos anos 70,
caracteriza-se por uma crise quantitativa persistente e por uma política de
incitação a favor da construção de alojamentos novos;
6
A crise de 1973/74 vai fazer inflectir as linhas de política dos anos 60 devido aos custos crescentes de
construção e à crise e rendimentos das famílias que acentua a distorção entre as condições de oferta e
procura.
124
– a segunda fase vai desde os anos 70 até meados dos anos 80 e
caracteriza-se pela crise económica e pela vontade do Estado na maioria
dos países de se libertar dos encargos com o alojamento; propagandeia-se
a ideia segundo a qual a crise quantitativa estaria terminada e que é
necessário orientar-se para a qualidade e a reabilitação dos alojamentos
existentes;
– a terceira fase, ainda em curso, parece estruturar-se em torno da discussão
da orientação das políticas de alojamento face aos diferentes estratos de
população e estatutos de ocupação e em torno dos problemas que
parecem existir face à diversidade das famílias e dos modos de vida e
consequentes necessidades face ao alojamento.
Também a intervenção pública ao nível da habitação social, quer no que diz
respeito aos processos de construção quer no se refere à reabilitação, tem-se vindo a
alterar. Se num primeiro momento, a atenção se centrava quase exclusivamente ao
nível do edificado, progressivamente vai-se atendendo às dimensões socioculturais do
habitat e depois às dimensões de desenvolvimento social local.
De facto, se no pós-guerra, a preocupação era a construção rápida e se centrava
prioritariamente no edificado, nos anos 60 e 70 a preocupação fazia-se através da
articulação entre habitação social e equipamentos. Pretendia-se “melhorar a vida
social” e iniciam-se políticas de favorecimento da criação de equipamentos sociais e
culturais apoiando as associações de moradores e defendendo a sua implicação nas
decisões que lhes diziam respeito.
Esta fase caracteriza-se pela distância entre a intervenção urbanística (em que os
habitantes nada intervinham), a intervenção gestionária (decidida muito acima dos
níveis locais) a intervenção social mais participada.
2. O FRACASSO DAS POLÍTICAS DE REALOJAMENTO
De forma simplista, poder-se-á afirmar que o contexto actual de reflexão sobre o
realojamento assenta nalgumas constatações e interrogações básicas.
A primeira constatação regista a complexidade dos processos de realojamento
de populações carenciadas. A este nível a experiência já demonstrou que não há
soluções rápidas e que cada situação é única exigindo um diagnóstico e uma
intervenção particular. Esta constatação não minimiza a evidência de algumas
conclusões retiradas de experiências já feitas em Portugal, e no estrangeiro, que nos
aconselham a evitar repetir erros passados.
Uma segunda constatação, evidencia o fracasso da maioria das experiências de
realojamento dos anos 60 e 70: degradação social e física do habitat: violência e
insegurança urbana atribuída a esses bairros; guetização sem qualidade de vida. Esse
fracasso é tão evidente e generalizado que poderia desde já fazer-nos interrogar sobre
a pertinência actual desta linha de política habitacional
125
Do ponto de vista sociológico, o realojamento é um processo de “urbanização à
força” que é obrigado a esquecer que o processo de habituação à cidade é lento. É
um processo que gera ruptura com os modos de vida e modelos de apropriação
de espaço mais “rurais”, frequentes nos “bairros de lata”. Aí a apropriação dos
espaços interiores e exteriores faz-se de forma mais contínua e a utilização de uma
barraca com pouco espaço obriga a uma miscigenação de funções dos espaços que a
casa tradicional decompõe. As sociabilidades são geralmente intensas (mesmo se
conflituais) e são fruto de uma sedimentação no tempo que estabilizou laços de
inclusão e exclusão e que são drasticamente alteradas com o realojamento.
Um problema tradicional da sociologia urbana – central para a análise dos
processos de realojamento – é o da relação entre espaço e comportamento. A
influência do espaço nos modos de vida, questão recorrente na sociologia urbana,
adquire aqui toda a sua pertinência quer nos “efeitos de poder” quer nos “efeitos de
consciência” de que nos fala Jean Remy. Nesse sentido é pertinente questionar a
função da casa na estruturação dos modos de vida dos indivíduos e famílias,
nomeadamente de famílias em situações de exclusão social. Dito de outra forma,
interrogamo-nos se, o acesso a uma habitação por parte de população que habita em
casas degradadas, permite a reconstrução de outras formas de identidade e processos
cumulativos de mobilidade social ascendente que a representação desse acesso
poderia promover.
Alguns autores enfatizam, ainda, os “efeitos perversos” de uma “socialização
negativa” que advêm da concentração geográfica de indivíduos com comportamentos
“anti-sociais”. Este seria o principal argumento contra a densificação e até contra a
opção por uma política de habitação, que obriga a concentrar geograficamente uma
grande homogeneidade social (mesmo quando está presente uma grande
heterogeneidade cultural que pode agravar os fenómenos de conflitualidade social).
Nestes casos a concentração espacial de determinados tipos de valores e
comportamentos desviantes provoca um crescimento exponencial de formas de
socialização “negativa” – sobretudo, devido às características das formas de
socialização dos mais novos.
REALOJAMENTO EM PORTUGAL
Em Portugal, os vários estudos sociológicos relacionados com as formas de
apropriação do alojamento em bairros sociais, nomeadamente os realizados pelo
Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, apresentam resultados surpreendentemente
repetitivos mesmo se os não podemos considerar representativos da realidade
nacional dado terem sido realizados com objectivos diferenciados e com metodologias
nem sempre comparáveis.
Um primeiro resultado manifesta a presença constante de um gosto pela casa e de
um desgosto pelo bairro no período pós-realojamento.
126
De facto, a casa surge como a concretização de um sonho sendo valorizada mais
pelas condições de habitação do que pelo modelo de habitação (que frequentemente é
criticado quer – e sobretudo – pela construção em altura mas também pela
distribuição dos espaços internos). Esta valorização do fogo reflecte-se,
frequentemente, num re-investimento (afectivo e material) na casa, e na família. A
saída da barraca e o acesso ao alojamento parece associar uma alteração da autoimagem pelo menos num primeiro momento. No entanto, essa alteração da autoimagem parece não ser insuficiente para alterar o modo de vida.
Inversamente o bairro é geralmente desvalorizado interiorizando-se uma imagem
fortemente negativa e estigmatizante indutora de um sentimento de insegurança e
desgosto. Desvalorizam-se as suas características urbanísticas (positivas ou negativas)
e sobrevaloriza-se as características sociais negativas como a existência de
marginalidade e de pobreza. Esta imagem do bairro é sobremaneira sentida pelos mais
jovens que apresentam maiores desejos de saída. De forma genérica, estas populações
apresentam uma extrema sensibilidade à demarcação urbana do bairro e à sua imagem
pública, quase sempre negativa.
Em quase todas as pesquisas o realojamento parece apresentar, pelo menos num
período longo de habituação, uma diluição das redes de sociabilidade local o que
parece estar estreitamente associado à descontinuidade agora criada entre o
exterior e o interior do fogo a que o modelo de apartamento obriga bem como ao
destroçar de redes de relação construídas ao longo do tempo.
Assiste-se mesmo a um fechamento em casa e à expressão de sentimentos de
solidão por parte das mulheres domésticas ou jovens desempregados e aumentam os
problemas colocados pelo controlo dos comportamentos de crianças e jovens por
parte das famílias. Há uma menor frequência de convívio entre vizinhos e uma
restrição das “intimidades” outrora partilhadas no espaço exterior que, hoje, não
parecem transitar para o espaço interno do fogo. Este “fechamento” é tanto mais grave
quanto são populações de grande sociabilidade local.
A questão sociológica atrás referenciada da relação entre a mudança dos espaços e
a alteração nos comportamentos apresenta-se, nas diversas pesquisas, com múltiplos
matizes, nem sempre coincidentes parecendo variar em função da fase do ciclo de
vida e da situação numa trajectória de mobilidade social. Se o re-investimento na casa
e na família estão quase sempre presentes, raramente é considerado que o
realojamento provoque alterações na estrutura dos modos de vida e não parece induzir
maiores perspectivas de promoção e integração social.
As mudanças detectadas nos espaços e nas temporalidades que organizam a vida
quotidiana são traduzíveis em dois aspectos já referenciados: a perda significativa
das sociabilidades e aumento do tempo dispendido em casa. O realojamento
parece ter provocado um re-investimento no universo privado, familiar em
contraposição com o investimento no espaço exterior do bairro.
Simultaneamente, assiste-se a um aumento da conflitualidade interna e das
127
disfuncionalidades da dinâmica social traduzida em sentimentos generalizados
de insegurança e de interiorizarão de uma imagem negativa e estigmatizante.
Em síntese e genericamente, a acção de realojamento parece traduzir-se de forma
positiva:
• na melhoria substantiva das condições habitacionais e, por esta via, das
condições de vida criando requisitos fundamentais a uma maior promoção e
integração sociais;
• na concretização de um sonho permanentemente alimentado por esta
população incapaz de resolver por meios próprios as suas carências
habitacionais, gerando elevados níveis de satisfação dirigidos à casa;
• no reinvestimento em torno da casa e da vida familiar que se converte no
principal espaço/tempo da vida quotidiana e que obriga a uma reestruturação
das despesas e dos consumos.
Contudo, a eficácia do realojamento terá ficado comprometida quanto aos
objectivos da alteração substantiva dos modos de vida e da capacidade dos sujeitos
intervirem na superação dos constrangimentos e da precariedade das condições de
vida que os caracteriza.
Geram-se situações de reprodução dos modos de vida anteriores agravados por
alguns “efeitos perversos” que o alojamento introduziu:
• perda de sociabilidades locais e de factores identitários fundamentais com
incidências importantes no modo de apropriação do espaço residencial e das
suas formas de vida social;
• maior isolamento social e espacial, pela tendência a um centramento das
actividades e temporalidades da vida quotidiana em torno da casa e pela
diminuição dos espaços apropriáveis exteriores ao bairro;
• aumento da conflitualidade interna e das disfuncionalidades da dinâmica
social traduzíveis em sentimentos generalizados de insegurança e na
interiorização de uma imagem negativa e estigmatizante.
Algumas Notas em relação ao PER
Como já se afirmou anteriormente, o realojamento não é um problema fácil, de
soluções ou receitas rápidas e vai exigindo “estudos de caso” porque “as pessoas não
são coisas que se ponham em gavetas”.
Mas o plano especial de realojamento actualmente em curso parece ser a principal
medida de política de habitação social, e pode ser considerado menos como uma
medida de política integrada com vista à resolução de um problema de populações
sem acesso ao mercado privado de alojamento do que um “plano de emergência”
destinado a dar outra imagem das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. As medidas
128
de política exigem uma panóplia de programas articulados entre, com públicos-alvo
bem definidos, dimensões que não estão ainda presentes na actual política de
habitação.
Assim, o PER sofre de 3 “pecados originais”. Em primeiro lugar, não é uma
política concertada entre os diferentes organismos da administração central e local e
a iniciativa privada. Pela sua história de criação tornou-se numa passagem de
responsabilidades para o nível local, em condições de indefinição jurídica e financeira
de responsabilidades; sem previsão de equipamentos complementares e sem as
solidariedades indispensáveis a uma boa execução do programa.
Em segundo lugar, construir “bairros sociais” densificados não parece ser uma boa
medida para os anos 90 após a avaliação que se faz hoje da guetização que se gerou
com esse tipo de construção.
Finalmente – a experiência também o manifesta – o acesso a uma habitação digna
não altera substantivamente as outras condições de vida da população excluída e
assim, os processos de realojamento devem ser integrados em processos de
“desenvolvimento social urbano” sob pena de prolongarem situações de exclusão
socio-urbanística.
Deve salientar-se, no entanto, a preocupação do Governo actual de acrescentar
legislação que flexibiliza o programa, nomeadamente o denominado “PER-famílias” e
associar o PER a outro tipo de programas que permitam a sua integração urbanística e
a construção de equipamentos.
BIBLIOGRAFIA
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Afrontamento.
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logement: 50 ans pour un échec, Harmattan, France.
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Cidade e Campo, n.º 1, pp.21/83.
FRANÇOIS ACHER, 1995, Le logement en question, Editions de l’Aube, Paris.
ISABEL GUERRA, 1994, “As pessoas não são coisas que ponham em gavetas” in Sociedade
e Território, n.º 20, As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas, n.º 20,
pp.11-16.
JULIO DIAS, 1994, “Tendências das políticas europeias quanto aos modelos de
habitação Social”, in Sociedade e Território, As pessoas não são coisas que se
ponham em gavetas, n.º 20, pp.91/100.
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vida – um estudo de caso, Dissertação de Mestrado em Sociologia Rural e Urbana,
ISCTE.
Idem, 1994, “Os paradoxos do realojamento”, in Sociedade e Território, n.º 20, As pessoas
não são coisas que se ponham em gavetas, p.26/35.
129
MARIELLE GROS, 1994, “Pequena” História do Alojamento Social em Portugal, in
Sociedade e Território, As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas, n.º 20,
pp.80/90.
Idem, 1982, O alojamento social sobre o fascismo, Porto, Afrontamento.
MARIA JOÃO QUEDAS, 1994, Bibliografia sobre Habitação Social, in Sociedade e
Território, n.º 20, As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas, p.124/126.
MANUEL TEIXEIRA, 1992, “As estratégias de habitação em Portugal – 1880/194”, in
ANÁLISE SOCIAL, vol.XXVII(115) (1.º) pp.65/89.
TERESA COSTA PINTO, 1994, A Apropriação do espaço em Bairros sociais : o gosto pela
casa e o desgosto pelo bairro, in Sociedade e Território, n.º 20, As pessoas não são
coisas que se ponham em gavetas, p.36/50.
Vários, 1993, APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO E SATISFAÇÃO RESIDENCIAL NOS
BAIRROS SOCIAIS, in Observatório da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa,
CET/CML.
130
Painel
Financiamento
131
Dr. António Rui Mendes *
Dr. Manuel Moreira Rodrigues **
Relatores
1. INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, em especial até meados da década de 70, o financiamento do
sector imobiliário assentou numa conjuntura bastante favorável de elevada e
diversificada oferta de fundos, designadamente provenientes de poupanças do
exterior, razoável nível de investimento dos promotores institucionais em habitação
para arrendamento, acréscimo dos rendimentos reais das famílias, grande dinamismo
de empresas imobiliárias ligadas à banca, seguros, instituições de previdência social,
entre outras.
As mudanças políticas ocorridas a partir de 1974, com o congelamento das rendas
extensivo a todo o País, originaram uma acentuada quebra na produção, com efeitos
negativos sobre as empresas do sector, de que resultaram alterações significativas no
modo de financiamento prosseguido até então. Ao mesmo tempo, assistia-se a um
elevado volume de habitações sem mercado assegurado e que tradicionalmente era
absorvido pelos investidores institucionais.
O mercado de arrendamento caiu para níveis insignificantes. Por volta dos anos de
1973/1974, os fogos produzidos anualmente destinavam-se aproximadamente em
termos iguais ao mercado de arrendamento e ao mercado de casa própria. Em 1976
apenas 15% da produção se destinava ao mercado de arrendamento e, desde 1979 até
aos anos recentes, apenas têm sido destinados a esse fim entre 2% e 3% da produção
anual, apesar das diversas medidas que há mais de 10 anos vêm sendo adoptadas no
sentido de inverter esta situação.
Face à inexistência de oferta de casas para o mercado de arrendamento, foi
reconhecida a necessidade de criar medidas adequadas de apoio à compra, na
perspectiva de dinamização do mercado habitacional e, simultaneamente, relançar o
sector da Construção e Obras Públicas que atravessava uma fase de crise e de
desarticulação da sua estrutura produtiva, com efeitos altamente negativos sobre as
restantes actividades económicas.
Como resultado dessa situação, o modelo de acesso ao mercado da habitação foi
alterado, passando a basear-se quase exclusivamente em incentivos à aquisição de
casa própria.
Neste contexto, foram criados sucessivos regimes de crédito a longo prazo, a
conceder, numa primeira fase, pelas então chamadas instituições especiais de crédito
– IEC (CGD, MG e CPP), apoiados em juros bonificados para as famílias de menores
rendimentos, pelo Estado, Banco de Portugal e pelas próprias instituições de crédito,
*
Director Coordenador da Direcção de Marketing - Particulares - CGD.
Técnico Economista da Direcção de Marketing - Particulares - CGD.
**
132
bem como pela atribuição de outros incentivos à compra, nomeadamente de ordem
fiscal (isenções de contribuição autárquica e de sisa).
Ou seja, de um modelo de financiamento assente em poupança prévia, transitou-se
para outro onde se introduziu o princípio da poupança “a posteriori”, o qual tem
vindo, até agora, a assegurar o escoamento da produção do sector e que tem
constituído, em conjunto com as poupanças dos particulares, praticamente o único
suporte financeiro do mercado habitacional.
É ainda de salientar que, até ao início da década de 1990, este modelo se
caracterizou por uma elevada rigidez, reduzida variedade de instrumentos financeiros,
dependente de um número restrito de bancos, em que a concessão de crédito foi,
durante muito tempo, considerada como um dos principais instrumentos de política
monetária.
Com as alterações verificadas no sistema financeiro, a partir de 1993, o modelo
continua a manter a sua estrutura base, agora com uma maior capacidade de resposta
às exigências dos clientes, quer em termos de flexibilidade de produtos e rapidez de
resposta, quer em volume de fundos disponíveis, mas continua a ser insuficiente para
solver as carências (qualitativas e quantitativas) ainda existentes, sendo reconhecido
pelos diferentes intervenientes no mercado que uma política habitacional para ser
eficaz tem de ser acompanhada de outras medidas que passam pela articulação com
outras variáveis, nomeadamente, as políticas urbanística, fiscal e de rendimentos e
preços.
2. CONDIÇÕES DA OFERTA DE CRÉDITO À HABITAÇÃO
2.1. Financiamento à habitação e enquadramento macroeconómico
O crédito para a aquisição de habitação constituiu ao longo dos últimos anos uma
das principais vertentes da política habitacional, quer em termos da satisfação da
procura quer na dinamização do sector habitacional, face ao quase desaparecimento
do mercado de arrendamento.
Todavia, a procura e o crédito concedido foram bastante condicionados pela
envolvente económica (taxa de inflação/taxas de juro), pelas medidas de política
monetária e orçamental que vieram a ser adoptadas e ainda pela subida dos preços de
mercado muito acima dos rendimentos das famílias.
O Quadro Anexo1 reflecte o comportamento da procura e dos contratos celebrados
até 1996, na CGD, e permite extrair algumas conclusões sobre a evolução daquelas
variáveis no sistema bancário, dado o elevado peso que a CGD detinha até 1992 no
conjunto das três principais instituições financiadoras.
Podem evidenciar-se dois períodos (1980/1981 e 1986/1987), que se
caracterizaram por um elevado volume da procura (51.199 propostas de crédito
apresentadas em 1980 e 58.142 em 1986) e pelo volume dos contratos realizados
(38.575 em 1981 e 45.526 em 1987).
133
Pedidos Entrados (nº)
Contratos Celebrados (nº)
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Em qualquer dos períodos assistiu-se a uma política expansionista que se traduziu
por uma maior abertura no andamento do crédito, redução das prestações por efeito da
criação do método das prestações progressivas (1980) e por efeito da redução das
taxas de juro a partir de 1986.
Evolução das prestações mensais
12.000 $
10.000 $
8.000 $
6.000 $
4.000 $
2.000 $
0$
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Assim, os factores que marcaram directa ou indirectamente a evolução do crédito à
habitação, no sistema bancário, em cada ciclo económico, foram os seguintes:
134
• Período de 1980/1981
Fomentou-se o apelo à aquisição de habitação própria através de instrumentos
financeiros e fiscais, criando-se fortes expectativas aos interessados, o que gerou uma
elevada procura de crédito sobre as IEC.
Instituiu-se o primeiro regime de prestações progressivas (Dec.-Lei n.º 435/80). As
prestações iniciais foram reduzidas para cerca de metade daquelas que eram devidas
no regime anterior.
Apesar da tendência de subida das taxas de juro, garantiram-se taxas fixas aos
mutuários, isto é, de não subida no caso de elevação das taxas do mercado.
• Período de 1982/1986
Subida da taxa de inflação e das taxas de juro do mercado.
Alteração do regime de crédito, com a reintrodução da taxa variável (Dec.-Lei n.º
459/83).
Agravamento das prestações dos empréstimos por força da subida da taxa de juro
(iniciou o movimento de descida em Agosto de 1985, tendo-se mantido até esta data
em 32,5%).
Política de crédito bastante restritiva e elevados encargos financeiros pesaram no
abrandamento da procura e geraram elevados stocks de fogos por vender.
• Período de 1986/1988
Redução da taxa de inflação e das taxas de juro com impacto positivo nos encargos
financeiros dos empréstimos.
Política de crédito expansionista, nomeadamente no âmbito das operações de
habitação.
Alteração do regime de crédito (Dec.-Lei n.º 328-B/86, de 30 de Setembro), com
planos financeiros mais flexíveis às variações das taxas de juro, e adequação dos
fogos e dos rendimentos à dimensão do agregado familiar.
Procura de crédito muito dinâmica, com escoamento dos stocks habitacionais
acumulados até 1985, acompanhada de subidas muito acentuadas dos preços dos
fogos, nomeadamente nos anos de 1987 e de 1988.
Elevada pressão da procura de crédito sobre os principais bancos financiadores,
gerando elevados stocks de propostas em carteira e atrasos significativos na
contratação dos empréstimos, sobretudo a partir de 1989, por efeitos das medidas
restritivas para controlo da inflação.
• Período de 1989/1992
Liberalização das taxas de juro e da concessão de crédito à habitação a todos os
bancos. Instituição da taxa de referência para o cálculo de bonificações, com
135
agravamento de encargos (taxa contratual acima de 20%, e a taxa de referência foi
fixada em 17,5%).
Preços do imobiliário bastante desajustados do nível dos rendimentos das famílias
(inadequação da oferta à procura).
Acumulação de stocks de habitação sem venda assegurada, nomeadamente na
gama alta e de luxo. Os fogos da gama média e média-baixa deixaram de ser
comercializados quer devido às medidas restritivas na concessão de crédito, quer
devido à manutenção de elevadas taxas de juro.
• Período a partir de 1993
Liberalização do sistema financeiro e introdução do controlo indirecto do crédito.
Forte dinamização do mercado do crédito à habitação por força da concorrência,
com impacto na descida muito rápida das taxas de juro.
Flexibilização da oferta de crédito e negociação de acordo com o interesse do
cliente e risco da operação.
2.2. Condições que motivaram o aumento da concorrência bancária
Actualmente, o crédito à habitação está a ser praticado pela generalidade dos
bancos. No entanto, por força de disposições legais, a concessão de crédito à
habitação foi, durante vários anos, atribuída às chamadas instituições especiais de
crédito (CGD, CPP e MG), podendo os restantes bancos conceder crédito a médio e
longo prazo apenas ao abrigo do sistema poupança emigrante.
Em 1986, os bancos comerciais foram autorizados a conceder operações de crédito
a longo prazo para a habitação e, no mesmo ano, com a publicação do actual regime
de crédito à habitação, foi-lhes dada a possibilidade de contratarem operações mas
apenas no regime geral ou, no regime bonificado, mediante autorização específica.
Em 1991 foi liberalizado o crédito bonificado à habitação a todo o sistema bancário,
bem como a concessão de crédito à construção de habitações a custos controlados.
As medidas adoptadas com vista à liberalização do sistema financeiro,
nomeadamente com reflexos sobre a livre circulação de capitais, a livre instalação de
bancos e a adequação do rácio de solvabilidade aos valores mínimos exigidos pelas
normas comunitárias, desencadeou uma forte apetência dos bancos pelo
financiamento à habitação. Em consequência, o crédito concedido pelo sistema
bancário conheceu ritmos de crescimento bastante elevados desde 1993, como se pode
verificar no Quadro 1.
136
Quadro 1 - Crédito a particulares para habitação concedido pelo sistema bancário
Operações
contratadas (Valor)
Taxa Crescimento
Saldos-Fim do ano
Taxa Crescimento
Tx.Cresc. Crédito a
Empresas e Particul
no Sistema Bancº
Taxa inflação
(a) Estimativa
Fonte: DGT; BP
Unid.: milhões de contos
1996
1993
1994
1995
390,2
38,3%
1.811,6
20,6%
624,6
60,1%
2.272,5
25,4%
762,2
22,0%
2792,8
22,9%
1.016,6
33,4%
3.435,0 (a)
23,0%
11,4%
6,5%
7,1%
5,2%
14,0%
4,1%
13,2% (a)
3,1%
Os factores mais relevantes que contribuíram para a forte expansão do crédito
durante os últimos anos foram os seguintes:
• Redução progressiva das taxas de juro.
• Ponderação do crédito para efeitos do rácio de solvabilidade em 50%.
• Redução gradual do coeficiente de reservas mínimas de caixa de 17% para
2%.
• Recessão da actividade económica - Empresas.
• Novas alternativas de financiamento das empresas, reduzindo a procura em
termos de crédito tradicional.
• Aumento da oferta bancária em produtos e serviços.
• Diversificação das carteiras de crédito.
• Fidelização dos clientes e “cross selling” com outros produtos.
• Reduzido índice de incumprimento.
Em regra, os recursos utilizados pelos bancos foram, e ainda continuam a ser, os
depósitos (a prazo e à ordem) e em menor escala fundos provenientes do mercado
monetário e de capitais. Apesar do longo prazo das operações do crédito à habitação,
ainda não foram suficientemente desenvolvidas outras alternativas de captação de
recursos, com características de maior estabilidade, nomeadamente através do sistema
poupança habitação ou do mercado do crédito hipotecário.
A CGD efectuou duas emissões de obrigações hipotecárias em 1991, após ter sido
publicada legislação que veio regular este produto e, em 1996, procedeu a outras duas
emissões, depois das alterações legislativas recentes que tornaram mais flexível,
menos burocratizado e menos oneroso todo o processo de emissão e controle. Prevêse que venham a ser efectuadas novas emissões ainda no ano em curso.
Em qualquer das emissões a procura teve bastante êxito, devido à rentabilidade
(actualmente com uma taxa líquida próxima dos 5,9%), grau de liquidez e
credibilidade do banco emitente. A preparação das emissões permitiu eliminar
algumas dúvidas que iam sendo colocadas pelas conservatórias a nível do País,
137
relacionados com o registo e afectação à finalidade prevista, facilitando assim o
acesso a novas iniciativas.
As obrigações hipotecárias constituem uma forma de obtenção de recursos com as
características adequadas para afectar às operações de habitação, dada a sua elevada
maturidade, risco reduzido dado que a hipoteca goza de privilégio sobre quaisquer
outros créditos imobiliários, e de liquidez assegurada por negociação em bolsa.
O sistema poupança habitação, embora criado em 1972, nunca teve grande
desenvolvimento por falta de incentivos e do crescimento rápido dos preços de
mercado. No final de 1989, o sistema foi melhorado, com a introdução de diversos
incentivos de ordem fiscal e outros, o que lhe trouxe algum dinamismo, conforme se
pode verificar através da evolução dos saldos no sistema bancário, especialmente no
período que vai até 1993. O abrandamento verificado a partir de 1994, embora se deva
em parte à maior facilidade na obtenção do crédito, está directamente associado ao
facto de ter sido abolida a isenção do IRS sobre os juros.
Quadro 2 - Saldos das contas Poupança-Habitação (fim do ano), no sistema bancário
Valor
Tx.Cres
1990
79,7
1991
98,7
23,8%
1992
158,9
61,0%
1993
202,3
27,3%
1994
207,2
2,4%
Unid.: Milhões de contos
1995
1996(a)
221,9
240,0
7,1%
8,2%
Nota: Em 1989 o saldo ascendia a cerca de 11 milhões de contos. O sistema foi reformulado no final desse mesmo
ano, com a instituição de benefícios fiscais (Isenção de IRS sobre os juros e dedução ao rendimento englobado
para IRS das verbas creditadas na conta, até um dado limite - no ano de 1997 foi fixado em 410 contos). A isenção
de IRS sobre os juros foi abolida em 1994.
(a) Estimativa
Fonte:Banco de Portugal
Observando o número de clientes titulares de contas PH que têm recorrido ao
crédito através do sistema na CGD (Quadro 3) verifica-se que é um número bastante
reduzido se se comparar com o total de operações concedidas (não chega a 1%), e tem
vindo a diminuir desde 1994. No entanto, o saldo das contas PH na CGD continua a
crescer a ritmo bastante superior ao do sistema bancário. A possibilidade de
amortização dos empréstimos através dos saldos das contas PH, poderá estar na
origem do crescimento ocorrido em 1996.
Quadro 3 - Taxa de Crescimento das Contas Poupança Habitação na CGD/Crédito Concedido
1993
1994
1995
1996
Tx. Cresc. Saldos Contas PH
37,1%
9,6%
11,0%
18,4%
Montante concedido (Milhões de contos)
N.º Titulares de contas PH que
recorreram ao crédito na CGD
Fonte:CGD
4,5
779
3,7
551
3,6
482
2,8
340
O sistema poupança-habitação foi pensado com o objectivo de constituir um meio
privilegiado de captação de recursos para acesso à habitação, contribuir para reduzir o
grau de endividamento das famílias e pelo efeito positivo que este tipo de poupanças
tem ao nível do consumo e da inflação. Os elementos disponíveis permitem-nos
138
avaliar o grau de sensibilidade do sistema perante os incentivos, os quais constituem a
base fundamental para o seu desenvolvimento no futuro.
2.3. Consequências para o mercado do aumento da oferta de crédito (Novos
produtos)
O segmento do imobiliário, que envolve cerca de 60% da produção do sector da
construção e obras públicas, necessita, para o seu desenvolvimento, de elevados
recursos financeiros que lhe assegurem o escoamento da produção de forma
equilibrada independentemente de medidas conjunturais de curto prazo, tal como se
verificou no passado, pelo menos enquanto o mercado de arrendamento não funcionar
como uma alternativa capaz de competir com o mercado de casa própria (Quadro
Anexo 2).
O alargamento do financiamento à habitação a todos os bancos veio contribuir para
o aumento da concorrência e para uma elevada dinamização do crédito para este
segmento do mercado, com efeitos bastante positivos quer para os bancos quer para os
clientes. Por outro lado, veio ainda permitir responder à pressão da procura de crédito
que durante muitos anos recaiu sobre as chamadas instituições especiais de crédito,
com um significado muito especial sobre a CGD, disponibilizando elevados recursos
que até aí, do ponto de vista financeiro, não era possível libertar através do número
restrito de instituições.
A elevada concorrência bancária, traduzida por uma forte agressividade comercial,
levou os bancos a encarar o mercado com uma nova postura e a adoptar estratégias
que vieram permitir criar soluções inovadoras e bastante flexíveis cujos efeitos não se
fizeram esperar, beneficiando todos os agentes económicos directa e indirectamente
envolvidos no sector. Contudo, foram os clientes finais que, no imediato, viram as
suas condições de acesso à habitação bastante mais facilitadas em aspectos tão
importantes como a eficiência e a redução muito rápida e acentuada da taxa de juro,
com efeitos nos encargos financeiros dos financiamentos.
Quadro 4 - Evolução da taxa média anual das operações do crédito à habitação, na CGD
Ano
Taxa Nominal
Média Anual
Fonte:CGD
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
18,6%
18,8%
18,5%
16,4%
12,68%
12,4%
11,1%
A estratégia adoptada pelos bancos assentou essencialmente nos seguintes
aspectos:
• Criação de novos produtos, em condições mais flexíveis, adequados às
necessidades dos clientes.
• Produtos a taxas indexadas e em moeda estrangeira face à redução dos riscos
cambiais.
139
• Segmentação dos clientes – negociação em função do risco cliente/operação.
• Maior rapidez na decisão do crédito.
• Fortes campanhas publicitárias.
• Novas formas de comunicação (atendimento personalizado, informação sobre
condições e custos totais com a aquisição de habitação).
• Oferta global de produtos e serviços (habitação, investimento e serviços
associados).
• Maior ligação entre bancos, promotores, e entre bancos e outras empresas e
instituições para a concessão de crédito e outros serviços financeiros aos seus
empregados.
• Transferência de empréstimos inter-bancos (com suporte em legislação
específica).
• Simplificação na realização dos contratos através do chamado “Contrato por
Documento Particular”.
2.4. Evolução recente do crédito à habitação no sistema bancário
O ano de 1994 marcou o início de uma nova fase no financiamento da habitação
caracterizada por uma forte expansão do crédito e por uma intensificação da
concorrência bancária, em que o número de novas operações realizadas e o montante
tiveram um crescimento, respectivamente de 40% e de 60% em relação ao ano
anterior (87.414 contratos celebrados, no montante de 624, 6 milhões de contos).
Quadro 5 - Evolução do crédito a Particulares para Habitação no Sistema Bancário,
nos anos de 1994 a 1996
Unid.: Mil contos
REGIMES DE
CRÉDITO
1994
N.º
1995
VALOR
N.º
1996
VALOR
N.º
VALOR
1.TOTAL
1.1. REG. NÃO
BONIFICADO
1.2. REG. BONIFICADO
1.3. REG. JOVEM
2.POUPANÇA EMIGRANTE
3.DEFICIENTES
84.445 604.428
40.570 304.112
94.074
41.740
740.700
344.132
118.211
48.075
986.905
407.120
18.792 105.767
25.083 194.549
2365 15.733
604
4.447
22.362
29.972
2292
771
142.322
254.246
15.324
6.151
29.203
40.933
2366
1422
204.002
375.783
16.841
12.817
4.TOTAL(1+2+3)
87.414 624.608
97.137
762.175
121.999
1.016.563
Fonte: DGT
O défice habitacional e as condições de degradação do parque imobiliário
indiciavam a existência de uma elevada procura potencial, que ao longo dos anos não
tinha encontrado resposta através do mercado do crédito, quer por falta de capacidade
140
de acesso das famílias devido às elevadas taxas de inflação e de juro, quer pelas
condições restritivas a que estiveram sujeitos os bancos durante muitos anos.
Quadro 6 - Evolução da Taxa de Desemprego/Rendim.Disponív. dos Particulares/Tx.
Inflação
Tx. Desemprego
Rend.Disp.Particulares
Tx. Inflação
(a)Estimativa
Fonte: INE/BP
1990
4,7%
17,6%
13,3%
1991
4,1%
14,6%
1992
4,1%
12,3%
1993
5,5%
5,4%
1994
6,8%
3,8%
1995
7,2%
5,0%
11,4%
8,9%
6,5%
5,2%
4,1%
1996
7,3%
5,1%
(a)
3,1%
Apesar das dificuldades económicas que se fizeram sentir nos anos recentes,
caracterizadas pela quebra do rendimento real disponível dos particulares (1993 e
1994) e pelo crescente aumento do desemprego, a procura tem mantido um elevado
dinamismo, e o crédito concedido nos anos de 1995 e de 1996, apresentou taxas de
crescimento que, em valor, ascenderam, respectivamente, a 22% e 33,4%.
As novas operações concedidas pelo sistema bancário incluem as transferências de
empréstimos inter-bancos de que não há dados estatísticos. Da nossa experiência e
dos contactos permanentes com as agências, as transferências já tiveram um maior
dinamismo do que nos dois últimos anos. Podemos, contudo, referir, que o maior peso
de liquidações corresponde a empréstimos com maturidades na ordem dos 10 anos em
que o cliente opta por adquirir uma nova habitação, com recurso a um novo
financiamento, quer seja através do mesmo banco ou em qualquer outro.
Os factores que contribuíram para aquela evolução foram a elevada agressividade
desenvolvida pelos bancos, criando fortes expectativas aos clientes através de uma
maior “certeza e rapidez de resposta” na obtenção do crédito, a estabilidade dos
preços do mercado e a perspectiva de descida da taxa de juro. O impacto da redução
da taxa de juro produziu efeitos não só na redução dos encargos financeiros, mas
também pelo facto do investimento em imobiliário começar a despertar interesse por
constituir uma boa aplicação de poupanças, com risco reduzido, face às aplicações
financeiras tradicionais.
141
70%
Taxa de crescimento das operações de crédito a particulares para habitação no
sistema bancário
(por valores contratados)
60%
50%
1. Regime
Jovem
40%
2. Outros
Bonificados
30%
3. Total
bonificados
20%
4. Regime não
Bonificado
10%
5. Total
0%
1994
1995
1996
Da evolução dos preços de mercado depende a decisão de comprar ou não uma
habitação. Contudo, não existem informações que permitam conhecer adequadamente
esta variável, sendo em regra utilizada a variação média dos contratos celebrados.
Como se sabe, existe uma diferença significativa entre os fogos acabados de
concluir e os fogos com alguns anos de utilização. Analisando o número de
empréstimos contratados nos anos recentes, verifica-se que estão a atingir o patamar
dos 100 mil, quando o número de fogos concluídos anualmente se tem situado entre
os 50 e 60 mil. Significa que existe um considerável número de famílias que vem
resolvendo o seu problema habitacional através da compra de fogos já usados, não
dispondo de capacidade financeira para aceder aos preços das habitações lançadas no
mercado pela primeira vez, o que se pode traduzir pelo acentuado desajustamento de
preços e rendimentos dessas famílias.
Quadro 7- Estrutura do crédito a Particulares para Habitação no Sistema Bancário, nos
anos de 1994 a 1996 (%)
Unid.: Mil contos
REGIMES DE
CRÉDITO
1994
N.º
1. Regime Jovem
2. Outros Bonificados
3. (1) + (2)
4. Regime não Bonificado
28,7
24,9
53,6
46,4
1995
VALOR
N.º
31,1
20,2
51,3
48,7
1996
VALOR
30,9
26,2
57,0
43,0
33,4
21,5
54,8
45,2
N.º
VALOR
33,6
27,0
60,6
39,4
37,0
23,0
60,0
40,0
Fonte: DGT
Analisando a estrutura do crédito concedido, também se verifica que o crédito
bonificado tem vindo a aumentar, atingindo em 1996, uma quota de cerca de 60%. O
regime não bonificado tem vindo a perder posição a favor do crédito jovem o qual
passou de 31,1% em 1994 para 37,0% em 1996, enquanto que os outros regimes
bonificados mantiveram uma relativa estabilidade (20,2% em 1994 e 23%, em 1996).
142
2.5. Função social da CGD no financiamento à habitação
A CGD tem uma longa tradição no financiamento do crédito imobiliário a
particulares, com uma quota de mercado acima dos 40%.
O crédito concedido ao longo dos últimos anos tem desempenhado um importante
papel na resolução do problema habitacional de muitas famílias (cerca de 600 mil),
sobretudo do segmento de rendimentos médios e médios baixos, dada a carência de
oferta de casas para o mercado de arrendamento.
O crédito em carteira ascendia, no final de 1996, a 1.467 milhões de contos,
correspondendo a cerca de 378.500 operações.
Quadro 8 -Evolução do crédito a Particulares para Habitação na CGD, nos anos de
1994 a 1996
Unid.: Mil contos
REGIMES DE
CRÉDITO
1994
N.º
1.TOTAL
1.1. REG. NÃO
BONIFICADO
1.2. REG. BONIFICADO
1.3. REG. JOVEM
2.POUPANÇA
EMIGRANTE
3.DEFICIENTES
4.TOTAL(1+2+3)
1995
VALOR
N.º
1996
VALOR
N.º
VALOR
28.980 184.622
7.275 50.873
33.019
10.005
232.107
76.184
36.592
12.092
265.311
90.970
10.793
10.912
810
55.668
78.081
4.690
11.581
11.433
849
66.304
89.619
5.454
12.976
11.524
927
79.131
95.210
6.199
480
3.295
495
3.593
758
6.553
30.270 192.607
34.363
241.154
38.277
278.063
Fonte: CGD
Os elevados montantes aplicados e o crescente aumento anual dos novos
empréstimos concedidos (38.277 em 1996, no montante de 278,1 milhões de contos),
comprovam a dimensão e solidez financeira da CGD e o modo como tem
acompanhado as novas exigências do mercado em plena concorrência.
A CGD dispõe de uma vasta rede comercial com total cobertura geográfica que
assegura, de forma descentralizada, a satisfação das necessidades dos seus clientes e
que, desde sempre, se caracterizou por uma postura profissional de rigor e de
transparência, apostando na competitividade, inovação e especialização.
A estratégia comercial adoptada pela CGD assenta na oferta de uma solução
global, flexível, diferenciada e com qualidade, adaptada às necessidades de cada
cliente.
No sentido de reforçar a sua imagem de liderança no mercado, continua a
diversificar a oferta de novos produtos, privilegiando a flexibilidade e a rapidez, bem
como o apoio a novas oportunidades de negócios, nomeadamente o investimento
imobiliário por particulares e investidores institucionais, prevendo a retoma do
143
mercado de arrendamento, face à actual conjuntura favorável de redução da taxa de
inflação e das taxas de juro.
Contudo, a CGD tem vindo a assumir um papel importante no apoio à construção
de fogos para habitação social a “custos controlados”, bem como no financiamento da
sua aquisição pelas famílias de menores recursos, em estreita articulação com as
medidas de política adoptadas para o sector.
A sua intervenção tem-se situado ao nível da promoção de habitação por
cooperativas, municípios, programas habitacionais no âmbito de Contratos de
Desenvolvimento para a Habitação (CDH) e outros programas de construção de
habitações Económicas e de Realojamento (Decs.-Lei n.ºs 163/93 e 164/93, ambos de
7 de Maio); programas específicos de reabilitação de fogos como foi o caso do PRID
e da linha de crédito para a recuperação de fogos danificados pelo Sismo, nos Açores;
actualmente encontra-se em desenvolvimento o programa de Iniciativa Comunitária
“URBAN”, que se destina a financiar projectos de reabilitação de zonas urbanas
degradadas a desenvolver em parceria com o BEI (subsídios até 50% do valor dos
projectos e bonificações aos financiamentos complementares), envolvendo
investimentos no montante de 10 milhões de contos, repartidos por 11 projectos;
apoio ao mercado de arrendamento, via empresas do Grupo Caixa, nomeadamente a
Caixa-Imobiliário – SGII a qual, dentro das suas actividades, tem vindo a negociar a
aquisição de fogos em condições inovadoras, como seja a participação nos estudos de
viabilidade económica de programas habitacionais e o seu financiamento escalonado,
permitindo a redução de custos finais e a minimização de riscos inerentes à execução
dos projectos.
No financiamento aos particulares, para além dos produtos disponíveis para a
construção, aquisição ou realização de obras em habitação, em condições bonificadas
(o financiamento de habitações construídas pelo INH chegou a atingir mais de 10%
do total dos contratos celebrados), importa referir os empréstimos que têm vindo a ser
concedidos directamente aos empregados das indústrias metalúrgicas do carvão e do
aço, em condições bastante atractivas, no âmbito de programas comunitários e o
recente protocolo celebrado para o realojamento de famílias das áreas metropolitanas
de Lisboa e Porto (PER-FAMÍLIAS).
144
Taxa de crescimento das operações de crédito a particulares para habitação na CGD
(por valores contratados)
60%
50%
40%
2. Outros
Bonificados
2. Outros
Bonificados
30%
3. Total
bonificados
20%
4. Regime não
Bonificado
10%
5. TOTAL
0%
1994
1995
1996
Com vista ao financiamento de alguns dos programas referidos, a CGD tem vindo
a celebrar contratos com entidades financiadoras externas, em condições mais
vantajosas que as do mercado nacional, nomeadamente através do BEI, Fonds du
Conseil de L’Europe (FCE) e CECA (Comunidade Económica do Carvão e do Aço).
Quadro 9 - Estrutura do crédito a Particulares para Habitação na CGD, nos anos de
1994 a 1996 (%)
REGIMES DE
CRÉDITO
1994
N.º
1. Regime Jovem
2. Outros Bonificados
3. ((1) + (2)
4. Regime não Bonificado
1995
VALOR
36,0
39,9
76,0
24,0
40,5
33,0
73,6
26,4
N.º
1996
VALOR
33,3
37,6
70,9
29,1
37,2
31,2
68,4
31,6
N.º
VALOR
30,1
38,3
68,4
31,6
34,2
33,0
67,3
32,7
Fonte: CGD
3. FINANCIAMENTO À HABITAÇÃO E O REGIME DE PRESTAÇÕES
PROGRESSIVAS
3.1. Modelos e o seu ajustamento à conjuntura económica
O regime de prestações progressivas foi criado em 1980 (Dec.-Lei n.º 435/80),
tendo em vista facilitar o acesso à habitação a um maior número de agregados
familiares, nomeadamente os de menores recursos, face à tendência de subida das
taxas de juro do mercado (taxa contratual efectiva de 22,25% em 1980 e de 32,5%
entre 1983 a 1985).
A opção política nessa altura visava proporcionar habitação à maioria das famílias
portuguesas, utilizando ao máximo os instrumentos financeiros e fiscais.
145
O regime de crédito instituído pelo citado diploma legal, previa prestações
progressivas, tanto para os empréstimos bonificados, como para os não bonificados.
Já em 1984, foi produzida legislação que previa o reembolso em prestações
constantes, mas só para os empréstimos não bonificados. No caso dos clientes
fazerem a opção por este modelo de reembolso perdiam o direito à bonificação.
Para as operações do regime bonificado, o modelo de prestações progressivas
manteve-se exclusivo até finais de 1990, data em que foi criado o regime de
prestações constantes com bonificação constante.
O método de cálculo das prestações adoptado, foi determinante quer para o seu
crescimento anual, quer em relação à sua adequação, consoante a evolução das taxas
de juro do mercado.
O modelo aplicado aos contratos celebrados até ao quarto trimestre de 1987 foi
concebido para responder a altas taxas de inflação e de juro, podendo referir-se que
não era flexível perante uma evolução positiva da conjuntura, como a que se registou
a partir dos finais de 1985.
No regime bonificado, as prestações cresciam durante os primeiros cinco anos a
taxas da ordem dos 24%, independentemente da evolução das taxas de juro e das
actualizações anuais dos rendimentos, os quais, cresceram a taxas muito inferiores,
nomeadamente partir de 1986.
Sabendo que, no período de 1983-1985, se viveu numa conjuntura económica
recessiva, caracterizada por altas taxas de inflação e de juro, e por um clima de
alguma instabilidade laboral, com salários em atraso e uma taxa de desemprego
elevada, o modelo de reembolso prosseguido gerou, para além de uma acentuada
acumulação de juros capitalizados, alguma perturbação na capacidade de solvência de
muitos clientes, cujos contratos celebrados nesse período ainda hoje se reflectem no
grau de incumprimento das instituições de crédito.
A questão essencial é que, durante os primeiros cinco anos, o crescimento das
prestações estava indexado ao valor da prestação calculada para o primeiro ano e,
portanto, não dependia nem do capital nem da taxa de juro. Apenas a partir do 6.º ano
é que a prestação passava a ser função daquelas variáveis e da taxa aplicada, a qual
era fixada em portaria, mas inferior à taxa contratual, para que o plano se mantivesse
progressivo durante o resto do prazo.
Com efeito, o regime actualmente em vigor, criado em 1986, alterou o modelo de
cálculo, por forma a que o mesmo se ajustasse automaticamente às variações das taxas
de juro, e ao mesmo tempo, adequar as prestações à evolução dos rendimentos das
famílias.
Apesar disso, tem vindo a ser utilizado outro mecanismo que permite ajustar as
prestações iniciais (agravar ou reduzir), consoante a opção política de cada momento,
com repercussões sobre o nível das bonificações que é o chamado “coeficiente de
juros não capitalizáveis” – que corresponde aos juros a pagar pelo cliente em cada
146
prestação. Esse coeficiente foi inicialmente de 43% e passou para 46%, 58%, 60% e
encontra-se actualmente em 58%.
Assim, quanto menor for este coeficiente, menor é o valor das prestações iniciais a
pagar, mas maior é o factor de capitalização de juros, a taxa de crescimento anual das
prestações e o valor das bonificações a pagar (ver Quadros Anexos, com o
desenvolvimento de alguns planos financeiros, com a evolução do capital em dívida,
bonificações e prestações, utilizados de acordo com as condições que vigoraram no
passado e as que são praticadas nas condições actuais).
3.2. Consequências para os clientes e para os bancos no contexto de elevadas
taxas de juro
A introdução do modelo de prestações progressivas oferecia como única vantagem
aumentar o acesso a uma franja mais alargada de famílias à habitação, através do
recurso ao crédito que, no contexto de elevadas taxas de inflação e de juro e com os
preços dos fogos a subir a ritmos muito superiores aos rendimentos, não lhes era
possível.
Tomando por base algumas amostras efectuadas às operações em incumprimento,
cujos contratos se celebraram na decorrência de taxas mais elevadas (até 1986), no
âmbito do modelo então praticado, conclui-se que as mesmas se situam nas periferias
das zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, e as razões que lhe estão associadas
relacionam-se mais com a conjuntura recessiva de desemprego e salários em atraso,
do que ao modelo em si, a avaliar pelo elevado volume de empréstimos em situação
normal e ainda face ao volume de empréstimos que têm vindo a ser liquidados
antecipadamente (em regra, por motivos de venda e aquisição de nova habitação).
Em todo o caso, entende-se que a concessão de crédito dentro desta modalidade
envolve maior risco, tanto para os clientes como para os bancos, sobretudo quando se
está perante alguma incerteza quanto à previsão na evolução futura da conjuntura e
ainda se o modelo não for convenientemente ajustado a cada realidade.
Como inconvenientes para os clientes apontam-se:
• Não reajustamento imediato das prestações às variações da taxa de juro.
• Aumento das prestações em níveis muitas vezes acima dos acréscimos
salariais.
• Capitalização de juros durante os primeiros anos (prestações iniciais inferiores
aos juros contratuais) e reembolso do capital nos últimos anos de vida do
empréstimo (a partir do momento em que o valor da prestação excede os juros
do contrato).
• No caso de ser solicitada a passagem para prestações constantes, aumento
significativo do valor da nova prestação, uma vez que o recalculo tem em
147
conta o prazo já decorrido, colocando-se algumas dúvidas quanto à sua
dilatação, sobretudo em relação aos regimes bonificados.
Do ponto de vista das instituições de crédito, a adopção destes modelos tiveram
efeitos sobre o crescimento do crédito, por via da capitalização de juros, o que
condicionava a contratação de novas operações, sobretudo nos períodos de maiores
limitações na expansão do crédito. O montante de juros capitalizados ascendeu, na
CGD, só no ano de 1992, a cerca de 50 milhões de contos.
A CGD vinha alertando para todos os inconvenientes referidos, tendo suscitado a
criação de um regime alternativo em prestações constantes com bonificação, o que
veio a acontecer em finais de 1990, para ter aplicação às novas operações e dando
ainda a possibilidade de serem transferidos todos os contratos dentro do mesmo
regime de crédito e os que foram contratados ao abrigo do regime de crédito anterior
(entre 1984 e 1987) e que, à data do contrato, beneficiaram de apoio do Estado.
3.3. Necessidade ou não da sua manutenção face à tendência de descida das taxas
de juro
Embora a actual legislação, nomeadamente no âmbito dos regimes bonificados,
ainda continue de certo modo a fazer apelo ao regime de prestações progressivas, o
certo é que a generalidade dos bancos ou não o pratica ou aconselha os seus clientes a
optarem pelo modelo de prestações constantes, dado tratar-se de um modelo cujas
prestações melhor se ajustam às variações da taxa e englobam uma parcela
correspondente ao reembolso do capital.
Quadro 10 - Taxa de juro - Prestações iniciais no regime bonificado: Classe I (a)
(1)
Taxa de juro
(2)
Prestação
progressiva
(3)
(4)
(5)
(6)
Prestação
(3)-(2)
Prestação
(5)-(2)
constante
constante
C/bonificação
C/bonificação
decrescente
constante
15,00%
6.541$
8.361$
1.820$
9.368$
2.827$
10,35%
4.962$
5.715$
753$
7.074$
2.112$
9,50%
4.759$
5.254$
495$
6.585$
1.826$
8,50%
4.610$
4.936$
326$
6.223$
1.613$
8,30%
4.579$
4.875$
296$
6.150$
1.571$
(a) Engloba cerca de 80% do crédito concedido no regime bonificado e jovem bonificado
Em alternativa ao regime de prestações progressivas, existem actualmente os
modelos de reembolso em prestações constantes com bonificação decrescente e
constantes com bonificação constante. Com a descida das taxas de juro assiste-se a
uma redução significativa na diferença de prestações, sendo, por isso, aconselhável a
opção por um modelo que ofereça menores riscos, tanto para o cliente como para o
banco, embora sujeito a um agravamento relativo da prestação, mas que não conduz à
capitalização de juros.
148
No entanto, qualquer alteração que venha a ser introduzida no modelo de
prestações progressivas, com bonificação, terá de acautelar a situação de todos os
contratos celebrados no âmbito do regime de prestações constantes com bonificação
constante, uma vez que a bonificação deste último modelo resulta do valor actual e
futuro da bonificação correspondente ao regime de prestações progressivas.
4. BONIFICAÇÕES
4.1. Evolução das condições de acesso ao regime bonificado
Outro instrumento utilizado para facilitar o acesso à habitação das famílias de
baixos recursos foi a bonificação de juros que, no sistema actual é atribuída pelo
Estado mas, nos períodos de taxas mais elevadas, foram também, na sua maioria,
bonificados pelo Banco de Portugal e pelas instituições de crédito.
Quadro 11 - Categorias socioprofissionais que mais recorreram ao crédito da CGD, em
1987
Categorias sócio-profissionais
Distribuição
Funcionários públicos/forças armadas
29,5%
Empregados de escritório do sector industrial
17,1%
e comercial
Operários industriais
13,3%
Empregados de escritório do sector terciário
12,6%
Total
72,5%
FONTE : Ex-GEP/MOPT – Resultado da amostra de 10% dos contratos realizados na CGD.
Do resultado do estudo efectuado aos contratos celebrados na CGD, conforme
Quadro 11, conclui-se que o crédito à habitação e os respectivos subsídios têm vindo
a ser concedidos aos segmentos da população de rendimentos médios, médios baixos,
ou seja, aqueles que dispõem de razoável capacidade financeira. Relativamente ao
crédito atribuído aos jovens obteve-se aproximadamente o mesmo resultado.
Idêntica análise foi também efectuada em relação aos contratos celebrados na
CGD, em 1981, tendo-se concluído que 63,5% do crédito tinha sido afectado às
mesmas categorias socioprofissionais.
Em relação à situação actual, julga-se que a conclusão seria idêntica à verificada
em 1987, ou talvez apresente uma percentagem mais elevada, dado o peso do crédito
bonificado e jovem bonificado na estrutura do crédito à habitação da CGD, em que
80% do crédito contratado se situa no escalão de rendimentos mais baixos (Classe I) e
ainda face à melhoria das condições de acesso para os segmentos de menor solvência,
por força da redução da taxa de juro.
As classes de baixa solvência ou insolventes, tal como desde sempre tem vindo a
ser afirmado, continuam a não ter acesso ao crédito, devendo, portanto, ser integradas
em programas específicos de habitação social ou com apoios mais acentuados, como é
o caso do Programa PER-Famílias, em que são envolvidas elevadas comparticipações
149
a fundo perdido (40%) bem como financiamentos a taxas bastante bonificadas (75%
da taxa contratual).
O critério para a atribuição da bonificação baseou-se, durante muitos anos (até
1991), no valor do fogo (valor total do fogo, valor por metro quadrado) e dos
rendimentos do agregado familiar (rendimento anual bruto e/ou rendimento percapita).
Para além destes factores, algumas das anteriores linhas de crédito foram
globalmente subsidiadas, acima dos montantes atribuídos em função do valor do fogo
e do rendimento atendendo a que os diplomas estabeleceram que a taxa a cargo dos
mutuários seria inalterada por agravamento das taxas de juro do mercado. Encontramse ainda nesta situação os empréstimos relativos à primeira linha de crédito instituída
em 1976 (com taxas fixas a cargo do cliente entre 4% e 9,5%) e os empréstimos
concedidos para recuperação de habitações danificadas pelo sismo nos Açores
(mantêm ainda bonificações do Estado, Governo Regional, Banco de Portugal e
CGD). Ainda foram globalmente bonificados os empréstimos concedidos ao abrigo do
Dec.-Lei n.º 435/80, cujos contratos foram celebrados à taxa de 22,25%, enquanto a
taxa do mercado lhes foi superior.
4.2. Situação actual
A partir de 1991, foi eliminado o valor do fogo e o enquadramento dos
empréstimos no regime bonificado passou a depender apenas dos rendimentos do
agregado familiar.
Tal medida visou corrigir distorções que, desde sempre, se manifestaram em
relação ao valor do fogo, cujos limites máximos variavam consoante a área da
localização. Verificavam-se ainda divergências na atribuição da bonificação em
relação aos fogos de um mesmo imóvel, sempre que os resultados das avaliações não
eram coincidentes, sobretudo quando os clientes recorriam ao crédito em bancos
distintos.
O critério do rendimento veio, assim, permitir uma maior flexibilidade na escolha
da habitação, quer em termos da sua localização, quer na adequação à dimensão do
agregado familiar e à capacidade financeira das famílias.
Contudo, este modelo já vinha sendo adoptado em relação aos empréstimos a
conceder, nomeadamente aos deficientes, sem que se tenha desvirtuado o objectivo
social a atingir com este regime de crédito.
150
Quadro 12 - Bonificações atribuídas pelo Estado por empréstimos à habitação própria
permanente
Finalidades
Crédito
Emigrantes
Habitação
Total
Acumulado
(a) Estimativa
Fonte:DGT
1989
1990
1991
1992
1993
Unid.: Milhões de contos
1994
1995
1996 (a)
6,4
20,6
27,0
5,1
15,0
20,1
47,1
4,6
17,1
21,7
68,8
6,0
26,5
32,5
101,3
4,6
31,6
36,2
137,5
3,2
34,9
38,1
175,6
2,1
36,4
38,5
214,1
3,2
39,0
42,2
256,3
Até 1988, estima-se que as bonificações pagas pela DGT tenham atingido
cerca de 150 milhões de contos, a que acrescem ainda os montantes suportados,
sobretudo até àquele ano, quer pelo BP quer pelas próprias IC.
Durante alguns anos, a bonificação foi calculada com base na taxa contratual
praticada pelos bancos, especialmente enquanto as taxas de juro foram fixadas pelo
Banco de Portugal, o que ocorreu até Março de 1989. A partir daquele ano, a
bonificação passou a ser calculada com base numa taxa de referência ou na taxa
contratual, se esta for inferior àquela.
A taxa de referência foi inicialmente fixada em 17,5% e alterada em 1994 para
13% sendo, até àquele ano, em regra inferior à taxa dos contratos.
Quadro 13 - Alterações da taxa de referência legal em1989 e 1994 - Impacto nas
prestações mensais por cada 1.000 contos de capital
Taxa de Juro
Nominal
Taxa de
Referência (a)
Prestação
Crescente
Classe I
Prestação
Constante
Classe I
Taxa Inflação
(1)
1989
(2)
1989
18,794%
18,794%
20,5%
17,5%
6.153$
9.845$
(3)
(2)-(3)
(4)
1994
(5)
1994
14%
14% (b)
Variação da
prestação
14%
13%
Variação da
prestação
7.070$
+ 917$ (+15%)
5.573$
6.506$
+ 933$ (+18%)
10.722$
+ 877$ (+9%)
8.531$
9.323$
+ 792$ (+9,3%)
12,6%
(6)
(5)-(4)
5,2%
(a) Cálculo com base na taxa efectiva; (b) Taxa de juro praticada no início do ano.
Após a descida da taxa de referência para 13%, foi ainda determinada uma redução mais acelerada na
evolução da taxa de bonificação (Maio/94), o que agravou as prestações para além dos valores acima
dos indicados
Como se verifica do Quadro 13, a introdução do critério da taxa de referência e a
alteração posterior dessa taxa, levou a um agravamento das prestações a cargo dos
clientes bastante acima da taxa de inflação. Contudo, o efeito provocado foi
amortecido pela descida da taxa de juro.
151
Tratando-se de clientes do segmento de rendimentos médios e médios baixos, que
normalmente atingem o limite máximo do endividamento, quaisquer ajustamentos
desta natureza devem ser devidamente ponderados, dado que afectam a capacidade de
solvência dos clientes de menores rendimentos que, em conjunturas recessivas, são os
primeiros a ser atingidos por salários em atraso, desemprego, actualizações salariais
nem sempre garantidas, aumentando o potencial risco de incumprimento do crédito.
Alterações na expectativa de evolução das bonificações também já se verificou em
relação aos empréstimos contratados ao abrigo do regime de crédito anterior ao actual
(contratos celebrados entre 1984 e 1987, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 459/83).
As bonificações foram reajustadas, implicando agravamentos muito elevados das
prestações dos clientes o que, em muitos casos, levou a situações de ruptura financeira
dos mesmos, dado que a taxa de juro de então não manteve a tendência de descida tal
como se previa, voltando mesmo a disparar, ao mesmo tempo que a bonificação se
reduzia mais acentuadamente.
Quadro 14
Impacto nas prestações mensais por 1.000 contos de crédito concedido, face a alterações
na taxa de referência, no contexto actual
Taxa de Juro Nominal
Taxa de Referência
Prestação Crescente
Classe I
Variação
Prestação
Constante Classe I
Variação
10%
10%
9%
8%
7%
4.983$
5.302$
+ 319$ (+6,4%)
5.620$
+ 637$
(12,8%)
5.938$
+ 955$
(19,2%)
6.871$
7.093$
+ 222$ (3,2%)
7.314$
+ 443$(6,4%)
7.356$
+ 665$ (9,7%)
A eventual redução dos encargos orçamentais com bonificações, poderá conduzir a
novas alterações na taxa de referência, cujas consequências futuras serão mais
negativas do que as que se verificaram com as reduções para 17,5% e 13%, atendendo
a que a taxa de juro tenderá a reduzir-se mas de forma mais lenta do que no passado
recente.
Do quadro em referência, conclui-se que reduções de um ponto percentual na taxa
de referência conduz a agravamentos nas prestações da ordem dos 6,4% para os
modelos de prestações progressivas e de 3,2% para o regime de prestações constantes
com bonificação. Em ambas as situações sempre superiores à taxa de inflação prevista
para os próximos anos.
5. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
• Com a inexistência de oferta de casas para o mercado de arrendamento, a compra
tornou-se a via quase exclusiva de acesso à habitação, através do recurso aos
sistemas de crédito, e a outros instrumentos financeiros e fiscais. Embora dirigido
para as classes de maior solvência, o crédito à habitação tem desempenhado uma
152
função fundamental na resolução do problema habitacional de muitas famílias e,
ao mesmo tempo, assegurado o escoamento da maior parte da produção do sector.
• Durante vários anos, a evolução da procura de crédito foi bastante irregular e
descontínua, condicionada por elevadas taxas de inflação e de juro, e pelas
medidas de política orçamental, monetária e de rendimentos o que ocasionou, em
certos períodos, excesso de fogos no mercado sem venda assegurada. O modelo
de financiamento prosseguido manteve-se bastante regulamentado, com pouca
variedade de instrumentos disponíveis, dependente de um número restrito de
bancos, incapazes de dar resposta às pressões da procura que ocorriam nos
momentos de maior abertura e facilidades na concessão do crédito.
• As medidas de liberalização do sistema financeiro verificadas a partir de 1993,
tiveram um impacto altamente positivo no crescimento do crédito à habitação,
sobretudo pelas alterações introduzidas no controle do crédito e pelo elevado
volume de fundos que veio disponibilizar, sobretudo a um sector que enfrenta
elevadas carências em termos quantitativos e qualitativos e com o parque
habitacional existente a carecer de obras de reparação e de conservação de grande
vulto (este segmento tem representado uma quota entre 7% e 8% do total da
produção do sector).
• Como consequência, o aumento da concorrência contribuiu para a descida rápida
da taxa de juro, tornou possível a criação de condições de crédito muito mais
flexíveis e inovadoras, ajustadas às necessidades e exigências dos clientes e
desenvolveu novas oportunidades de financiamento que até então não era
possível, tal como os créditos especialmente vocacionados para o mercado de
arrendamento.
• Com efeito, a redução da taxa de juro veio permitir aumentar a capacidade de
acesso ao crédito a um maior número de famílias, aumentar a rotação dos capitais
pela aceleração das parcelas de amortização e reduzir significativamente a
capitalização de juros dos empréstimos em prestações progressivas e o peso dos
encargos do Estado (em 1995 ascenderam a cerca de 25 milhões de contos,
quando em 1996 se estima em 39 milhões, para um volume de crédito em carteira
10 vezes superior ao de então).
• Apesar do aumento significativo de fundos disponibilizados para o segmento da
habitação através do sistema bancário, entende-se que a resolução das carências
habitacionais não depende apenas da vertente do crédito mas passa pela adopção
de um conjunto mais vasto de medidas que visem eliminar os estrangulamentos
que ainda afectam o sector. A produção anual de fogos continua a situar-se muito
abaixo do que seria desejável – na ordem dos 60 mil exigindo, portanto, uma
maior intervenção dos diferentes promotores (empresas privadas, cooperativas e
municípios).
153
PERSPECTIVAS
A – PRESSUPOSTOS
• União Monetária – entrada de Portugal com convergência nominal
• União Económica – desenvolvimento da convergência real e fiscal
• Baixa da taxa de juro e da inflação
• Recuperação da economia europeia
• Desenvolvimento de novos canais financeiros
• Internacionalização financeira
Estes pressupostos, aliados às ainda elevadas carências habitacionais existentes no
País, vão determinar que no sistema bancário português se desenvolvam novas
tendências e oportunidades.
Tendo por base os pressupostos referidos, apontam-se as principais tendências do
sistema bancário no mercado do crédito à habitação:
B – TENDÊNCIAS
1. MERCADO
• Manutenção do crescimento do mercado imobiliário
Aumento do investimento imobiliário por força da redução da taxa de
juro, o que constitui um factor positivo na resolução das carências
habitacionais e estabilização dos preços do mercado.
Mercado do crédito à habitação
O crédito continuará a manter um papel privilegiado no acesso da
generalidade das famílias à habitação
Mercado de arrendamento
Exigência de adequação deste mercado aos parâmetros europeus por
forma a interessar os investidores institucionais; aumento da oferta através
de uma maior participação do sector público em programas habitacionais
(Programa de Construções Económicas/PER-Instituições); subsídios ao
arrendamento (IAJ e outros que possam vir a ser equacionados para
incentivar o mercado)
154
• Melhoria (exigência/qualidade) das habitações
Maior exigência dos clientes/protecção do consumidor/normativos legais
(exemplo: defeitos de construção)
• Alteração de comportamento dos clientes para com os bancos
Diminuição da lealdade para com o banco principal, com compra de produtos
noutros bancos
Factores mais importantes na tomada de decisão do cliente
Qualidade do serviço
Acessibilidade
Preço
• Maior profissionalismo dos agentes
Promotores/Construtores/Mediadores/Financiadores
• Potencial futuro: Casas e equipamentos para lazer
• Desenvolvimento de novos mercados
Recuperação de imóveis
Parque imobiliário a carecer de obras de grande vulto
Novas exigências em termos de segurança de pessoas e bens
2. OPORTUNIDADES
• Aprofundamento do “triângulo” construtor/mediador/financiador
Bolsa imobiliária, vendas e serviços de procuradoria a disponibilizar pelos
bancos
• Aquisição de habitação para lazer por nacionais e estrangeiros
• Parcerias com bancos estrangeiros (clientes/ Know how)
Estabelecimento de acordos entre bancos nacionais e estrangeiros no
desenvolvimento do negócio imobiliário para não residentes
• Novos canais
Internet associada à oferta de imóveis e produtos para financiamento, com
antecipação do momento da decisão
• Previsível aumento dos financiamentos em outras moedas estrangeiras e em Euro,
durante a fase de transição
155
3. INOVAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS
• Venda cruzada
Crédito ao consumo
Seguros
Serviços
• Novos produtos/modalidades de financiamento
Produtos com prazos dilatados adequando os encargos ao nível de rendimentos
Ponte entre o arrendamento e a compra
Linhas de crédito favoráveis à recuperação do parque imobiliário
Financiamentos bancários/negociação de fundos comunitários
Melhorar os regimes de financiamento actualmente em vigor
Linhas de crédito para aquisição e infra-estruturação de solos
Aumentar os solos urbanos disponíveis e a preços adequados para reduzir os
custos finais da habitação
• Novas formas de captar fundos
Desenvolvimento do mercado das obrigações hipotecárias
Mercado bastante desenvolvido em alguns países europeus, mas pouco
utilizado no nosso País.
As alterações recentes vieram simplificar procedimentos burocráticos mas os
incentivos ficaram muito aquém do que seria desejável tendo em vista a
construção de um mercado hipotecário. Perspectiva-se que, no futuro, haja
uma dinamização do mercado
Poupança Habitação
O sucesso do sistema depende da confiança no mercado, estabilização dos
preços e dos incentivos fiscais.
Poupanças do exterior
Criação de mecanismos que possam atrair poupanças para investir em habitação
própria, para férias ou arrendamento, com o apoio de acções de promoção e
divulgação.
4. PAPEL DO ESTADO
• Regime fiscal da propriedade
Tendência de redução dos custos fiscais, nomeadamente com a transmissão e
hipoteca de imóveis habitacionais, no que respeita à isenção/redução do imposto
156
de selo das escrituras de compra e venda, escritos particulares, hipoteca, registos
e escrituras notariais
Alterações ao nível da sisa e da contribuição autárquica
• Aligeiramento da carga burocrática
Necessidade de simplificar procedimentos e circuitos inerentes ao licenciamento
e aquisição de terrenos, registos e escrituras, bem como alargar o âmbito de
aplicação do “Contrato por Documento Particular”. Presentemente só se aplica
na situação de “aquisição de habitação, com recurso a financiamento através de
uma instituição de crédito”, encontrando-se excluídos, nomeadamente, os casos
de empréstimos para a aquisição e obras em simultâneo e os empréstimos só para
obras.
• Ampliação de incentivos fiscais
Isentar do imposto de selo os juros dos empréstimos nomeadamente para
aquisição de habitação para arrendamento
Aumentar o limite de dedução em sede de IRS, dos montantes aplicados em
contas Poupança Habitação, e reintroduzir a isenção dos juros destas contas
Reintroduzir os incentivos fiscais em sede de IRS para dinamizar o mercado de
arrendamento
Melhorar os incentivos fiscais a investidores institucionais para dinamizar o
mercado de arrendamento (FII e SGII, Fundos de Pensões)
Rever a tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis
para habitação.
• Tendência para uma menor intervenção no mercado
Os critérios de convergência, com impacto nas restrições orçamentais e na
descida da taxa de juro, vão exigir menor intervenção do Estado no mercado da
habitação e aconselhar a canalização de poupanças para o investimento em
habitação para arrendamento.
157
ANEXOS
158
ANEXO 1
Evolução do Crédito à Habitação na CGD
IPC
Prestação por 1000
Variação
Valor Médio
Montante
contos
Anual do
do Contrato
Contratado
(%)
Valor Médio
Capital
(Contos)
(Milhões de
do Contrato
Contos)
Mutuado (a)
1980
51.109
32.023
23,3
727,6
16,60%
2.520$ (b)
1981
45.701
38.575
36
933,2
28,3%
20,00%
2.520$
1982
26.114
27.407
32,9
1.200,4
28,6%
22,40%
1983
17.162
19.676
27,7
1.407,8
17,3%
25,50%
5.737$
1984
25.992
20.483
33,7
1.645,3
16,9%
29,30%
1985
30.547
23.721
43,8
1.846,5
12,2%
19,30%
1986
58.142
32.435
82,5
2.543,5
37,8%
11,70%
2.937$
1987
48.347
45.526
130,3
2.862,1
12,5%
9,40%
3.824$
1988
37.320
33.854
107,9
3,187,2
11,4%
9,60%
4.124$
1989
26.493
30.116
107,5
3,569,5
12,0%
12,60%
5.900$
1990
33.500
27.554
104,7
3,799,8
6,5%
13,30%
7.319$
1991
31.617
31.332
140,3
4,477,9
17,8%
11,40%
7.070$-10.722$
1992
29.714
30.702
155,7
5.071,3
13,3%
8,90%
6.936$-10.530$
1993
24.325
27.008
149,6
5.539,1
9,2%
6,50%
5.858$-9.099$
1994
31.836
30.270
192,6
6.362,7
14,9%
5,20%
5.420$-7.900$
1995
33.311
34.363
241,2
7.019,2
10,3%
4,10%
5.248$-7.682$
1996
39.126
38.277
278,1
7,265,5
3,5%
3,10%
5.015$-7.202$
(a) Classe com maior percentagem de bonificação, a qual tem representado cerca de 80% na estrutura do crédito
bonificado.
(b) Esta prestação surge com criação do novo sistema de prestações progressivas (Dec.-Lei n.º 435/80).
No regime anterior a prestação mais baixa era de 5.520$00 por cada 1.000 contos de capital contratado.
Em 1991, iniciou-se o regime de prestações constantes com bonificações e foi abolido.
O valor do fogo para enquadramento dos empréstimos no regime bonificado.
Fonte: CGD
ANO
Pedidos
Entrados
(n.º)
Contratos
Celebrados
(n.º)
159
ANEXO 2
Evolução dos saldos do crédito ao sector da Construção, Obras Públicas e Habitação
Comparação com o total do crédito concedido a empresas e particulares (curto, médio e longo prazo)
ANO
CONSTRUÇÃO E OBRAS PÚBLICAS
PARTICULARES PARA HABITAÇÃO
VALOR
% do total
VALOR
VAR
% do total
VALOR
VAR
% do total
VALOR
VAR
8,2%
10,4%
9,9%
9,9%
11,1%
11,7%
10,4%
8,8%
8,6%
8,7%
9,0%
9,3%
9,0%
9,0%
9,0%
9,0%
141,9
191,7
249,5
331,2
446,2
572,6
714,2
869,4
986,4
1.107,8
1,291,5
1,502,7
1,811,6
2.272,4
2.792,8
3.435,0
35,1%
30,2%
32,7%
34,7%
28,3%
24,7%
21,7%
13,5%
12,3%
16,6%
16,4%
20,6%
25,4%
22,9%
23,0%
8,6%
11,5%
12,0%
13,1%
15,8%
18,1%
22,0%
25,2%
27,3%
24,8%
23,3%
23,3%
25,2%
29,5%
31,8%
34,6%
276,9
364,4
456,0
580,1
757,9
942,6
1.052,8
1.171,4
1.295,9
1.495,1
1,794,6
2.100,4
2.461,1
2.948,9
3.541,9
4.227,0
31,6%
25,1%
27,2%
30,6%
24,4%
11,7%
11,3%
10,6%
15,4%
20,0%
17,0%
17,2%
19,8%
20,1%
19,3%
16,8%
21,9%
21,9%
23,07%
26,9%
29,9%
32,4%
34,0%
35,9%
33,5%
32,4%
32,6%
34,3%
38,3%
40,4%
42,6%
1.651,6
1.661,8
2.081,2
2.523,3
2.818,7
3.157,6
3.249,8
3.443,4
3.608,7
4.459,3
5.540,4
6.448,9
7.185,5
7.693,7
8.769,8
9.925,0
0,6%
25,2%
21,2%
11,7%
12,0%
2,9%
6,0%
4,8%
23,6%
24,2%
16,4%
11,4%
7,1%
14,0%
13,2%
VAR
1981
135,0
1982
172,7
27,9%
1983
206,5
19,6%
1984
248,9
20,5%
1985
311,7
25,2%
1986
370,0
18,7%
1987
338,6
-8,5%
1988
302,0
-10,8%
1989
309,5
2,5%
1990
387,3
25,1%
1991
503,1
19,9%
1992
597,7
18,8%
1993
649,5
8,7%
1994
676,5
4,2%
1995
759,1
10,7%
1996
792,0
5,7%
Ano de 1996 – Estimativa.
(1) Empresas não Financeiras.
Fonte: B.P.
SUB-TOTAL
160
CRÉDITO TOTAL A EMPRESAS E
PARTICULARES (1)
IPC
20,0%
22,4%
25,5%
29,3%
19,3%
11,7%
9,4%
9,6%
12,6%
13,4%
11,4%
8,9%
6,5%
5,2%
4,1%
3,1%
ANEXO 3
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
Nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Juros não capitalizáveis:
3) Data presumível do contrato:
4) Taxa de referência para cálculo bonificações
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
1.054.004
1.109.027
1.164.753
1.220.792
1.276.674
1.331.831
1.385.585
1.437.134
1.485.427
1.529.652
1.568.204
1.599.662
1.622.258
1.633.942
1.632.341
1.614.714
1.577.900
1.518.256
1.431.585
1.313.048
1.157.055
957.111
705.575
393.136
Variação
Capital
(%)
5,4
5,2
5,0
4,8
4,6
4,3
4,0
3,7
3,4
3,0
2,5
2,0
1,4
0,7
-0,1
-1,1
-2,3
-3,8
-5,7
-8,3
-11,9
-17,3
-26,3
-44,3
Bonificação
Mensal
(Esc.)
5.555
5.855
6.007
6.147
6.104
6.029
5.919
5.773
5.589
5.589
5.364
5.099
4.792
4.443
4.055
3.631
3.174
2.691
2.193
1.193
729
321
0
0
0
161
16,667%
46%
Mar-88
18,000%
Prestação
Mensal
(Esc.)
4.167
4.538
5.097
5.706
6.540
7.448
8.431
9.494
10.638
11.864
13.172
14.562
16.031
17.575
19.187
20.858
22.576
24.326
26.088
27.837
29.544
31.701
32.701
33.907
35.794
Variação
Prestação
(%)
8,9
12,3
12,0
14,6
13,9
13,2
12,6
12,0
11,5
11,0
10,6
10,1
9,6
9,2
8,7
8,2
7,8
7,2
6,7
6,1
5,5
4,9
3,7
5,6
ANEXO 4
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Juros não capitalizáveis:
3) Data presumível do contrato:
4) Taxa de referência para cálculo bonificações
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
1.040.226
1.080.190
1.119.567
1.157.981
1.194.995
1.230.107
1.262.740
1.292.236
1.317.841
1.338.700
1.353.840
1.362.161
1.362.418
1.353.205
1.332.937
1.299.834
1.251.891
1.186.863
1.102.231
995.177
862.550
700.833
506.106
274.019
Variação
Capital
(%)
4,0
3,8
3,6
3,4
3,2
2,9
2,7
2,3
2,0
1,6
1,1
0,6
0,0
-0,7
-1,5
-2,5
-3,7
-5,2
-7,1
-9,7
-13,3
-18,7
-27,8
-45,9
Bonificação
Mensal
(Esc.)
5.841
6.076
6.151
6.212
6.087
5.933
5.748
5.531
5.283
5.003
4.691
4.349
3.978
3.581
3.161
2.725
2.278
1.828
1.386
966
581
252
0
0
0
162
17,522%
56%
Abr-89
19,000%
Prestação
Mensal
(Esc.)
5.670
6.042
6.595
7.183
7.977
8.818
9.706
10.640
11.618
12.637
13.692
14.780
15.892
17.021
18.155
19.282
20.387
21.449
22.448
23.356
24.143
24.771
25.198
25.226
25.060
Variação
Prestação
(%)
6,6
9,2
8,9
11,0
10,5
10,1
9,6
9,2
8,8
8,4
7,9
7,5
7,1
6,7
6,2
5,7
5,2
4,7
4,0
3,4
2,6
1,7
0,1
-0,7
ANEXO 5
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Juros não capitalizáveis:
3) Data presumível do contrato:
4) Taxa de referência para cálculo bonificações
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
1.038.370
1.076.324
1.113.539
1.149.640
1.184.197
1.216.718
1.246.639
1.273.319
1.296.032
1.313.952
1.326.148
1.331.569
1.329.031
1.317.205
1.294.600
1.259.545
1.210.173
1.144.403
1.059.916
954.138
824.225
667.047
479.208
257.144
Variação
Capital
(%)
3,8
3,7
3,5
3,2
3,0
2,7
2,5
2,1
1,8
1,4
0,9
0,4
-0,2
-0,9
-1,7
-2,7
-3,9
-5,4
-7,4
-10,0
-13,6
-19,1
-28,2
-46,3
Bonificação
Mensal
(Esc.)
5.348
5.553
5.612
5.657
5.533
5.383
5.205
5.000
4.767
4.505
4.216
3.901
3.560
3.198
2.818
2.423
2.021
1.618
1.224
850
510
220
0
0
0
163
18,794%
60%
Abr-90
17,500%
Prestação
Mensal
(Esc.)
7.383
7.810
8.402
9.025
9.832
10.679
11.565
12.486
13.441
14.424
15.431
16.455
17.548
18.520
19.539
20.531
21.478
22.360
23.154
23.831
24.358
24.696
24.797
24.470
23.672
Variação
Prestação
(%)
5,8
7,6
7,4
8,9
8,6
8,3
8,0
7,6
7,3
7,0
6,6
6,3
5,9
5,5
5,1
4,6
4,1
3,5
2,9
2,2
1,4
0,4
-1,3
-3,3
ANEXO 6
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Juros não capitalizáveis:
3) Data presumível do contrato:
4) Taxa de referência para cálculo bonificações
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
1.004.303
1.006.868
1.007.525
1.006.093
1.002.377
996.170
987.250
975.380
960.307
941.762
919.456
893.083
862.317
826.809
786.189
740.063
688.013
629.594
564.336
491.793
411.278
322.399
224.530
117.094
Variação
Capital
(%)
0,4
0,3
0,1
-0,1
-0,4
-0,6
-0,9
-1,2
-1,5
-1,9
-2,4
-2,9
-3,4
-4,1
-4,9
-5,9
-7,0
-8,5
-10,4
-12,9
-16,4
-21,6
-30,4
-47,8
Bonificação
Mensal
(Esc.)
3.500
3.515
3.436
3.350
3.169
2.982
2.789
2.591
2.390
2.185
1.978
1.770
1.563
1.358
1.157
963
777
602
441
296
172
72
0
0
0
164
10,500%
58%
11,020%
Prestação
Mensal
(Esc.)
4.908
5.069
5.322
5.580
5.929
6.282
6.636
6.989
7.342
7.691
8.034
8.369
8.694
9.006
9.302
9.578
9.831
10.056
10.250
10.406
10.519
10.584
10.592
10.495
10.322
Variação
Prestação
(%)
3,3
5,0
4,8
6,3
5,9
5,6
5,3
5,0
4,8
4,5
4,2
3,9
3,6
3,3
3,0
2,6
2,3
1,9
1,5
1,1
0,6
0,1
-0,9
-1,7
ANEXO 7
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Juros não capitalizáveis:
3) Data presumível do contrato:
4) Taxa de referência para cálculo bonificações
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
999.896
998.050
994.319
988.549
980.577
970.231
957.326
941.668
923.052
901.258
876.056
847.200
814.432
777.477
736.045
689.831
638.511
581.744
519.171
450.415
375.079
292.752
203.008
105.428
Variação
Capital
(%)
0,0
-0,2
-0,4
-0,6
-0,8
-1,1
-1,3
-1,6
-2,0
-2,4
-2,8
-3,3
-3,9
-4,5
-5,3
-6,3
-7,4
-8,9
-10,8
-13,2
-16,7
-21,9
-30,7
-48,1
Bonificação
Mensal
(Esc.)
3.167
3.166
3.082
2.991
2.817
2.639
2.458
2.274
2.087
1.900
1.712
1.526
1.341
1.161
985
816
655
506
368
247
143
59
0
0
0
165
9,500%
58%
9,925%
Prestação
Mensal
(Esc.)
4.758
4.897
5.117
5.341
5.644
5.949
6.252
6.554
6.852
7.146
7.433
7.711
7.979
8.235
8.475
8.698
8.899
9.077
9.228
9.348
9.432
9.477
9.476
9.391
9.244
Variação
Prestação
(%)
2,9
4,5
4,4
5,7
5,4
5,1
4,8
4,6
4,3
4,0
3,7
3,5
3,2
2,9
2,6
2,3
2,0
1,7
1,3
0,9
0,5
0,0
-0,9
-1,6
ANEXO 8
Desenvolvimento de um empréstimo em prestações progressivas,
pelo prazo de 25 anos – Classe de bonificação I,
nas condições abaixo indicadas
1) Taxa de juro nominal:
2) Prazo::
3) Montante:
Prazo
Anos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Capital no
Início do Ano
(Esc.)
1.000.000
989.716
978.412
965.986
952.326
937.311
920.805
902.662
882.717
860.794
836.694
810.203
781.082
749.071
713.883
675.203
632.684
585.945
534.568
478.091
416.009
347.766
272.749
190.288
99.642
Variação
Capital
(%)
-1,0
-1,1
-1,3
-1,4
-1,6
-1,8
-2,0
-2,2
-2,5
-2,8
-3,2
-3,6
-4,1
-4,7
-5,4
-6,3
-7,4
-8,8
-10,6
-13,0
-16,4
-21,6
-30,2
-47,6
9,500%
24 anos
1.000.00 Esc.
Bonificação
Mensal
(Esc.)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
166
Prestação
Mensal
(Esc.)
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
8.737
Variação
Prestação
(%)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Dr. António Amaral Gomes *
Comentador
1. O FINANCIAMENTO COMO INSTRUMENTO DE UMA POLÍTICA DE
HABITAÇÃO
Uma política de habitação consistirá genericamente num conjunto de medidas,
instrumentos e acções que de uma forma integrada e coerente levem à satisfação das
necessidades em habitação de uma dada população.
O financiamento entendido como o conjunto dos recursos financeiros e a forma
como estes são obtidos e aplicados representa um dos instrumentos principais de
qualquer política de habitação.
Estamos a falar em habitação a qual, considerada como um bem ou serviço
representa o maior esforço na sua aquisição que qualquer família terá que suportar
para ver satisfeita a sua necessidade de abrigo.
O financiamento não pode, contudo, ser considerado como um fim em si nem
sempre o instrumento privilegiado de qualquer política de habitação.
O estado de desenvolvimento de um dado sector de habitação será o condicionador
do papel a desempenhar pelo instrumento – financiamento. Este estado de
desenvolvimento deverá ser entendido como, por um lado, o grau de satisfação das
necessidades em habitação e por outro o grau de desenvolvimento ou sofisticação que
os vários instrumentos de política atingiram.
Se no âmbito do financiamento os instrumentos específicos como a taxa de juro, os
montantes, os prazos, etc. são genericamente aplicados, já o mesmo não podemos
dizer quanto a outro tipo de condições que podem estar inerentes a qualquer sistema
de financiamento. Exemplo: política de subsídios, condicionamento de custos,
regionalização, formas de acesso, etc.
O instrumento financiamento, enquanto enquadrado por um elevado grau de
necessidades, deve ter como objectivo o proporcionar uma aplicação o mais racional
possível dos limitados recursos financeiros levando à realização do maior número de
fogos com o menor dispêndio de recursos.
A intervenção que agora comentamos vem mostrar-nos que o financiamento foi “A
política de habitação” e não um dos seus instrumentos.
Não abarcando todos os aspectos do financiamento relativamente ao ciclo de
promoção, “do terreno ao notário”, vem confirmar a importância dada nas últimas
duas décadas ao financiamento à aquisição de habitação, enquanto produto acabado
quer ele tenha sido produzido com maior ou menor grau de eficiência.
Não abarca também a questão do financiamento público em habitação, parte que
não sabemos se irá ser tratada na intervenção sobre habitação social.
*
COOCICLO.
167
O observatório privilegiado que é a CGD possibilita-nos a leitura de um
documento retratando de uma forma global e coerente toda a problemática do
financiamento à aquisição de habitação nos últimos vinte anos.
A tarefa de comentar o texto em causa não se traduzirá numa crítica ao mesmo já
que estamos perante um trabalho de qualidade com uma análise em profundidade de
vários aspectos deste tema, profusamente documentado com dados estatísticos difíceis
de obter por quem tivesse procurado desenvolver trabalho idêntico.
2. MODELO DE FINANCIAMENTO
A – Fontes de financiamento
Ousaremos dizer que num sistema de financiamento do sector da habitação a
componente mais importante será a fonte ou as fontes dos recursos financeiros.
Como se afirmou atrás o bem ou serviço habitação, representa o maior esforço
financeiro para qualquer família. Isto implica que a sua aquisição tenha quase sempre
de se apoiar no crédito através, normalmente, da contracção de um empréstimo.
Por outro lado e dado os montantes em causa, os esquemas financeiros de
amortização inerentes implicam prazos longos, o que por sua vez implicam a
obtenção alongada no tempo dos recursos necessários para sustentar um processo de
financiamento continuado, dentro dos mesmos prazos.
A fonte pública de financiamento tendo como origem dos recursos o sistema de
impostos tem sofrido grandes variações ao longo do tempo e está quase sempre ligada
a períodos de reconstrução em larga escala ou então quando a dimensão e nível das
necessidades é grande e em que o apoio do Estado se torna importante dada o baixo
nível de rendimentos de grande parte das famílias.
A origem de recursos tendo como fonte os descontos para o sistema de previdência
ou descontos semelhantes (sistema do 1% em França) tem também sempre
subentendido o princípio base a ter em conta – longos períodos de recuperação dos
recursos aplicados implicam formas contínuas, longas e sustentadas de obtenção
desses mesmos recursos.
As transformações observadas no sistema bancário português a partir de 1993
levaram a que os bancos procurem fidelizar o cliente mutuário na compra de
habitação conseguindo assim aumentar a fonte dos seus recursos complementado com
o cruzamento na venda de outros serviços.
B – Aplicação dos recursos no processo de promoção
O processo de promoção de habitação é muitas vezes iludido pelo bem em si (a
habitação) já construído, sem termos em conta todo o conjunto de acções que levaram
à sua realização (adquirir e urbanizar o terreno, elaborar o projecto, construir e
168
finalmente proporcionar o seu acesso pelas várias formas que este pode revestir –
venda e arrendamento).
O início do processo de promoção pela urbanização do terreno constitui a
evolução lógica; mas se tivermos em atenção que até 1971 não havia nenhum Plano
Geral de Urbanização aprovado em conformidade com a lei é de admitir que o
financiamento a esta fase no processo, não tenha ganho significado e experiência.
Foram as entidades públicas, Câmaras Municipais, e organismos da Administração
Central que desenvolveram, com recursos próprios, processos de urbanização com
alguma escala até 1974.
As experiências existentes antes de 1974 de financiamento à aquisição e
urbanização de terrenos a entidades privadas pelo sector bancário foram dolorosa e
traumaticamente repercutidas após esse ano numa posição de recusa a este tipo de
financiamento. Situação que começa agora a diluir-se e a abrir-se e a retomar
lentamente este tipo de operações.
O financiamento à construção tem assumido uma importância idêntica à dimensão
e qualidade dos promotores. O pequeno promotor construtor, cliente base desta fase,
normalmente com recursos próprios, vê no sistema bancário um complemento aos
seus próprios recursos, nunca proporcionando a dimensão e a utilização de formas de
análise e decisão por parte do sistema bancário capazes de imporem acções mais
racionalizadas por parte deste (ex: no projecto, na localização, no cumprimento de
prazos, na capacidade produtiva, etc.). A tentativa dos CDH no período de 1975 a
1978 não teve tempo de mostrar as suas potencialidades.
A fase final, já com a habitação construída, tem sido aquela onde todas as
atenções e medidas se debruçaram e onde se adquiriram todas as experiências num
período de tempo em que as condições de financiamento tiveram taxas que variaram
de 6% a 32,5%, onde os financiamentos chegaram a atingir 100% do valor do fogo e
onde o controlo administrativo do crédito obrigou a demoras de mais de 8 meses na
concessão de um empréstimo.
3. EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO NAS DUAS ÚLTIMAS
DÉCADAS
A – A ausência de planeamento
O crédito à aquisição de habitação própria constitui, desde Março de 1976, o
principal e para nós único instrumento importante posto em prática pelos vários
governos em funções desde essa data.
Falava-se então em ...“relançamento da indústria da construção civil” ...
“proporcionar a muitos agregados familiares a possibilidade de adquirirem a sua casa”
... “criar instrumentos que eliminem definitivamente quaisquer práticas
especulativas”... Nascia assim com a R.C.M. de 19 de Março de 1976 “a título
experimental” este regime de crédito.
169
Seguiu-se-lhe em Novembro de 1977 o D.L. 515/77
em Outubro de 1980 o D.L. 435/80
em Dezembro de 1981 o D.L. 340/81
em Dezembro de 1983 o D.L. 459/83
em Setembro de 1986 o D.L. 328-B/86
e uma infindável série de portarias e outros decretos.
Esta sequência de normas legislativas reflecte por um lado a adaptação, na óptica
do legislador, às circunstâncias do momento (taxas de juro, regime de prestações,
aplicação especial aos jovens, etc.) e por outro responder a solicitações dos promotores e construtores que resolvessem as contradições que o próprio sistema contém e
que só mais tarde se tornarão mais sensíveis.
Verificava-se, contudo, que cada uma destas medidas era acompanhada com um
conjunto de intenções que na prática apareciam desadequadas face a condicionalismos
impostos pela política financeira global. As discordâncias entre a Secretaria de Estado
da Habitação e o Ministério das Finanças são crónicas e existem desde 1976.
As intenções de relançamento ou apoio à promoção de habitação pela publicação
de cada nova portaria actualizando os parâmetros do crédito bonificado esbarrava com
restrições aos montantes de crédito ao global da economia.
Ao longo de uma década e meia passou-se por fases em que era possível e
tecnicamente sustentável a programação de recursos financeiros do sistema bancário
(lembremo-nos que eram na altura os três IECs as principais entidades financiadoras)
com destino exclusivo à habitação proporcionando-se um volume de recursos que
suportasse o número de pedidos e as intenções dos adquirentes de habitação face às
novas portarias que iam sendo publicadas.
Embora contendo o “vírus” que o iria saturar, este sistema de crédito iludia os
promotores numa primeira fase, pois ao proporcionar em dado momento condições
aos adquirentes bastante favoráveis provocava nestes um aumento do número de
pedidos de crédito e um consequente número de vendas. Este facto levava por sua vez
a uma reacção em cadeia que se traduzia em inícios de processos de promoção cujas
habitações só entrariam em mercado anos mais tarde, altura em que, as condições
dadas ao adquirente eram já diferentes e, por vezes, altamente refreadoras ficando os
fogos por vender, criando um stock que em 1984 chegou a dizer-se atingir os 40 000
fogos.
São nítidos estes períodos em 1980/84 e 1986/89/90. Observem-se os quadros
respectivos reveladores destas variações e os seus parâmetros condicionadores,
nomeadamente o valor da prestação por cada 1000 c. de empréstimo.
170
B– Gestão de subsídios
Numa análise dos quadros que nos indicam o número de pedidos e de contratos
quando comparados com o valor das prestações mais bonificadas e ainda
referenciados às taxas de juro activas de longo prazo, verifica-se que não foi a taxa de
juro de mercado que comandou o valor das bonificações, mas sim critérios de outra
ordem mas que verdadeiramente constituíram o factor que marcava o comportamento
dos potenciais adquirentes.
Alguns exemplos:
ano
1983
1985
1989
1991
v. da prestação
6.340$00
3.591$00
6.896$00
7.530$00
1
taxa de mercado
30%
32,5%
19,5%
20%
Este meio de intervenção do Estado só sofria atrasos quando as condições
financeiras globais obrigavam à contenção do crédito.
Em 1985/86 era tido como pressuposto aquando do cálculo dos valores das
prestações ao longo dos vários anos do empréstimo que a inflação baixaria nos
primeiros anos e que consequentemente baixariam as taxas de juro, sendo a
bonificação o primeiro factor a ser absorvido por esta diminuição.
As previsões dessa altura só se vieram a concretizar tendencialmente em 1991 e
1992 com repercussões visíveis, certamente, em 1993.
Os vários governos mostraram-se sempre relutantes em trazer a público os
montantes de subsídios pagos às várias instituições de crédito sendo possível agora
saber que foram dispendidos cerca de 400 milhões de contos desde 1976 em
bonificações no crédito à aquisição de habitação.
As portarias regulamentadoras das bonificações começaram por estabelecer
parâmetros relativos às habitações limitando o seu custo por m2 e o seu valor global,
assim como o rendimento familiar do destinatário da bonificação.
Mais tarde os limites passaram a ser somente o valor global da habitação e o
rendimento familiar.
Hoje limitamo-nos a observar o rendimento familiar como única condicionante à
concessão da bonificação. É hoje possível adquirir uma habitação nas Amoreiras
(Lisboa) com crédito bonificado!
Neste longo período de vinte anos não se proporcionou nem se exigiu que
houvesse um esforço no sentido de se diminuírem os custos de construção.
Apoiou-se o mercado sem exigir nada em troca; e a troca poderiam ter sido mesmo
maiores lucros se se tivessem tomado medidas com vista à diminuição de custos de
1
Valor da prestação no regime mais bonificado; valores recolhidos pelo comentador eventualmente
não explícitos na intervenção base.
171
construção (racionalização do projecto, novos métodos construtivos, formação
profissional 2 etc.).
Por outro lado, com a metodologia seguida em desparametrizar a concessão das
bonificações “empurraram-se” as famílias para áreas e tipologias cada vez mais
pequenas relativamente à dimensão do agregado familiar.
Este aspecto tem consequências sociais, difíceis de quantificar, mas que são
sentidas por todos quando observamos as influências na família pela falta de espaço
em casa, tendendo esta a ser um pólo de repulsão e não de atracção para os membros
do agregado familiar.
C – Poupança prévia
As contas poupança-habitação existem desde 1972 nunca tendo produzido efeitos
visíveis (contratos de empréstimo tendo por base estas contas).
As causas são sempre as mesmas para que desde essa altura até aos dias de hoje
esta medida não tenha constituído senão, por vezes, um mero instrumento de ordem
fiscal.
Este sistema de incentivo tem como exigência um ritmo lento no aumento do preço
da habitação no mercado. O cenário para o potencial aforrador, no início do processo,
é um dado preço da habitação, mas no fim (três, quatro anos mais tarde) os valores em
causa estão completamente distorcidos para os valores poupados e não chegam, por
vezes, para o sinal.
Actualmente constitui uma mera medida fiscal (e mesmo assim cada vez menos
incentivadora) e terá alguns efeitos práticos em estratos de rendimento acima da
média.
D – Custos do esgotamento do modelo
Os custos de esgotamento do modelo podem-se ver fundamentalmente em dois
aspectos: o peso do crédito à habitação na economia e o atingir-se o ponto máximo na
“liberalização” dos parâmetros que definem o crédito bonificado.
A relação entre a dimensão da habitação e o seu preço e a correspondente
bonificação foi-se esbatendo ao longo dos anos a tal ponto que podemos dizer hoje
que qualquer habitação pode ter crédito bonificado desde que haja alguém que reúna
os restantes requisitos ao seu acesso.
Atingiu-se o ponto máximo permitido pelo sistema a partir do qual vai ser difícil
inovar sem traumatismos 3 . Queremos com isto dizer que se habituaram os agentes que
2
A formação profissional na construção civil é um factor altamente condicionante ao aumento da
produtividade e à alteração de tecnologias de construção; quaisquer medidas neste campo implicam
acções de massa que se estendam a todo o país e que não obriguem o trabalhador a deslocar-se ao
centro de formação, mas pelo contrário, que o centro de formação se desloque ao trabalhador.
3
Uma diminuição drástica nas bonificações causará certamente pesadas consequências nos promotores
e construtores.
172
intervêm no sector a “uma vida fácil” ao longo de mais de 15 anos e que qualquer
alteração ao sistema obrigará a uma maior racionalização no processo de promoção
procurando reduzir custos, atitude que até aqui ninguém procurou ter. Para reduzir
custos na promoção de habitação sem baixar a qualidade ou reduzir a dimensão do
fogo é necessário bastante tempo já que se mexe com vários intervenientes que não só
o promotor – gestão do solo urbano 4 projecto, construção, etc.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação de recursos financeiros na produção de solo urbanizado com recurso
ao crédito nunca foi modalidade bastante utilizada como vimos atrás.
Começam a existir condições para que, de uma forma lenta mas pedagógica e com
operações protótipo, se possa começar a conceder crédito para aquisição e infraestruturação de terrenos.
Para isso impõe-se que haja:
a) estrita ligação ao planeamento urbanístico – PDM, planos gerais e de
pormenor;
b) enquadramento em contratos programa de urbanização o que pode facilitar
muito a habitual incompatibilização entre a estrutura fundiária e os planos de
pormenor;
c) penalizações pela não promoção nos prazos acordados.
A simples concessão de crédito à infra-estruturação, o seu próprio incentivo à
figura da Associação entre a Administração e proprietários poderá constituir um passo
importante para uma maior implementação desta forma associativa.
O controlo de custos, entendido na sua globalidade, não existe em Portugal. Impõese, desde já, uma acção didáctica e informativa.
Ter-se-á como ideia base a de que a concessão de subsídios à aquisição de
habitação deverá ser só aplicada a habitação de custos controlados. Mas o controlo de
custos tem de existir e não ser só uma “capa” para a obtenção de crédito mais barato.
O crédito mais barato, que é o que tem motivado os promotores deste tipo de
habitação, tem de ser concedido proporcionando escalonamentos nas condições de
aplicação dos subsídios, sendo estes tanto maiores quanto menores forem os custos. O
estabelecimento de escalões passa por ser uma das primeiras medidas a tomar. A área
das habitações dever-se-á enquadrar neste tipo de escalonamento.
Obter-se-á assim uma maior racionalidade na aplicação dos recursos públicos.
4
A recente constatação de que o preço dos terrenos em Almada atingem valores superiores aos de
Lisboa pressupõe que o promotor ou construtor prevê que uma vez construído o edifício as habitações
atinjam um valor compatível com preço pago pelo terreno.
173
A ideia base da exclusividade do subsídio na aquisição de habitações de custos
controlados, retirando-o do mercado, é a única forma de se provocar uma análise
interna nos habituais promotores e outros agentes ligados ao sector e levá-los à
reconversão de vários aspectos da sua actividade (projecto, métodos construtivos,
materiais de construção, controlo de qualidade, etc.)
Impõem-se ainda medidas urgentes ao nível dos registos e notariado no sentido do
embaratecimento e desburocratização.
174
Painel
Arrendamento
175
Engenheiro Mário de Azevedo *
Relator
1. ARRENDAMENTO E “DIREITO À HABITAÇÃO”
Nas sociedades urbanizadas de hoje, e no quadro do atendimento às necessidades
de habitação, a possibilidade de acesso a um alojamento em regime de arrendamento
apresenta-se como um factor essencial de garantia da liberdade dos cidadãos.
Posto de parte o cenário opressivo e sempre ameaçador de um Estado que detenha
todo o património edificado para habitação e os mecanismos da sua atribuição, são
evidentes também o irrealismo e os inconvenientes de um panorama em que a
resolução dos problemas de habitação devesse unicamente apoiar-se na propriedade,
por parte de cada indivíduo ou aglomerado familiar, do próprio fogo ocupado.
A possibilidade de opção por regimes em que o direito à ocupação mais ou menos
longa de um alojamento é obtido por acordo com o respectivo proprietário, público ou
privado, impõe-se assim naturalmente e conjuga-se com a diversidade de situações
individuais e familiares, a especialização de vocações e os diferentes níveis e
variedade dos papéis sociais desempenhados pela multiplicidade de agentes da vida
urbana.
A generalizada aspiração a um alojamento condigno não pode ser ignorada pelo
Estado, como necessidade primária fundamental consagrada em termos de “direito à
habitação”, direito este que, não legitimando atitudes isoladas de reivindicação de
cada cidadão perante o Estado, não pode deixar de se entender como responsabilidade
política de qualquer Governo no sentido de garantir e fomentar a satisfação dessa
exigência básica da população. É princípio que hoje ninguém contestará.
Não são precisos também grandes estudos nem decerto esboço de debate para a
afirmação elementar de que o problema habitacional se resolve mediante a construção
e recuperação de habitações pelo menor custo, em quantidade suficiente e nos lugares
requeridos.
Os problemas surgem, no entanto, quando examinamos os diversos factores que
podem afectar os objectivos em vista e qual o maior ou menor grau de intervenção
dos poderes públicos.
2. ENQUADRAMENTO DE UMA POLÍTICA DE HABITAÇÃO
O “mercado da habitação” apresenta-se, de alguma forma, como um fenómeno
novo, constituindo um dos elementos caracterizadores da evolução e crescimento das
nossas cidades nos séculos mais recentes. Nesse contexto, o desenvolvimento da
*
Presidente da Comissão para o Arrendamento Habitacional.
176
construção, componente fundamental da actividade económica, envolve e afecta
valores que ultrapassam largamente o campo da simples economia.
A clara separação que progressivamente se acentuou, em paralelo com outros
sectores de actividade, entre os agentes da produção e do consumo determinou a
inversão de relações entre os agrupamentos sociais e as estruturas materiais da cidade
que os acolhem – entre a “cité” e a “ville”, na linguagem de Fustel de Coulanges para
a cidade antiga. A construção deixou de se orientar para a satisfação de pedidos e de
necessidades conhecidas de agregados ou comunidades preexistentes, sendo certo que
mudam também de significado os conceitos de proximidade e de vizinhança.
A cidade construída, a “ville”, é concebida em abstracto, para agregados
familiares-tipo, constituindo o grande supermercado onde a habitação, como produto
em série, é procurada pelo utente que, uma vez instalado, encontrará ou não depois a
sua “cité” de enquadramento. Ora a habitação não pode ser encarada como simples
ocupação de um fogo, independentemente de tudo o que o rodeia, equipamento da
área e seus acessos, bem como dos laços sociais que o tempo vai consolidando e
sedimentando, gerados a curta e a longa distância através das redes em que a
habitação se integra, noção essa a ter sempre presente quando na lei se ponderam os
direitos e os deveres de cada um dos intervenientes.
Acresce que a habitação, não sendo simplesmente uma mercadoria lançada no
confronto da oferta e da procura, é em qualquer caso um produto de elevado custo e
exige assinalável tempo de fabrico, desde a preparação do terreno, infra-estruturas e
projecto até à sua fase de utilização.
No jogo da vida económica, pelas suas características específicas e processos de
produção e de decisão, a oferta de habitação situa-se como regra numa perspectiva de
médio e de longo prazo, respondendo sempre lentamente à procura.
Uma política de habitação visará assim, no quadro de uma adequada utilização do
território, garantir, e incentivar quando necessário, as condições para que as
iniciativas de construção se desenvolvam em tempo e de forma ordenada e as
necessidades da generalidade da população sejam satisfeitas em termos compatíveis
com a diversidade de situações económicas e sociais.
3. PRODUÇÃO E MERCADO DA HABITAÇÃO
Pelo sentimento de segurança e de garantia de independência que confere,
constituindo ao mesmo tempo para muitos um factor de auto-estima e de promoção do
seu “status” social, a habitação própria continuará a ser uma ambição de parte
significativa da população, frequentemente inatingível sem apoios, ou só alcançável e
compatível em fase adiantada de uma vida profissional e pessoal estabilizada.
Saliente-se, no entanto, que a opção por habitação própria por parte daqueles que a
ela conseguem aceder, designadamente com compromissos e encargos a longo prazo e
num esforço que obriga tantas vezes à fixação em áreas que não seriam as mais
177
desejadas em termos de transportes e de inserção comunitária, nem sempre se revelará
merecedora de protecção especial ou prioritária. Adoptada como solução num
contexto em que outras alternativas economicamente equilibradas não se
apresentavam, pode transformar-se num factor de aprisionamento, de limitação de
mobilidade, com perda de oportunidades de promoção individual e familiar cujos
custos sociais e pessoais são difíceis de aquilatar.
No sector da habitação própria, de relevante importância, tem a administração
pública um amplo campo de intervenção indirecta, na disciplina e ordenamento do
território, licenciamento de iniciativas individuais ou empresariais, incentivos à
construção que em cada conjuntura se justifiquem, e providências de vária ordem no
apoio a formas colectivas de promoção e acesso à propriedade, designadamente no
âmbito das cooperativas, matérias essas que não cabe aqui abordar.
No campo do arrendamento, mas em condições de muito fortes condicionamentos
e limitações, uma vultuosa parcela correspondente às populações mais carenciadas
não poderá dispensar uma intervenção directa e de iniciativa do Estado, a nível
nacional, regional e local, bem como de instituições de solidariedade social ou outras
entidades vocacionadas. Estaremos nos domínios da chamada “habitação social”.
Esta intervenção activa do Estado pode ainda alargar-se a investimentos privados
em programas de construção apoiados para rendas condicionadas ou outros regimes
controlados, a que terão acesso camadas com diferentes níveis de poder económico,
realizações essas que não deixarão de influenciar o quadro em que o mercado da
habitação se estabelece.
Abordam-se seguidamente alguns dos temas mais correntes na análise do
arrendamento de livre iniciativa privada.
4. O ARRENDAMENTO E A INTERVENÇÃO ESTATAL
Dê-se como assente que as iniciativas privadas de construção ou de aquisição de
fogos para arrendamento se fundamentam na racionalidade económica do
investimento, ponderado no confronto com formas alternativas de aplicação de
capitais e tendo presentes, para além do valor imediato de uma renda, outros factores,
nem sempre convergentes, ligados à segurança, à regularidade de receitas, à facilidade
de gestão, ao sentido de posse e de controlo pessoal, ao peso fiscal, à contabilização
dos encargos regulares e periódicos previsíveis, aos constrangimentos de transmissão
e de liquidez, e a um sem número de outros elementos muitas vezes de índole
puramente cultural, para além da expectativa quase sempre presente no meio urbano
de valorização efectiva e automática da área de implantação das construções com o
decorrer do tempo.
Todos esses factores intervêm no mercado da habitação mas, para o seu livre
funcionamento em termos de vida económica, e se outros valores não estiverem
simultaneamente em jogo, o mínimo de interferência do Estado seria então desejável.
178
Reconhece-se, no entanto, que não há mercados de arrendamento totalmente livres
e, mesmo nas sociedades mais confiantes nos êxitos da plena concorrência, há sempre
alguma intervenção do Estado, sob a forma de protecções legais ou de subvenções.
Essa intervenção tende normalmente, pela força das circunstâncias, a ir além da
indispensável e primordial garantia de funcionamento das instituições administrativas
e judiciais. Nenhum governo consegue nem deve alhear-se dos problemas que se
levantam no domínio da habitação, com a marginalização em tantos países de amplas
camadas socialmente desfavorecidas e significativas dificuldades da maioria da
população perante o grau de esforço exigido para acesso a esse bem essencial de
elevado custo.
A solução do arrendamento está naturalmente indicada, por razões que não são
apenas as de ordem económica, para uma parcela substancial das necessidades de
habitação que se manifestam. O esforço correspondente neste campo tem-se apoiado e
continuará decerto a depender dos investimentos privados, designadamente através da
captação de pequenas poupanças.
Mas está também reconhecido, e a experiência continua a demonstrá-lo à saciedade
desde há muitas décadas, que uma condição primordial para que algum sucesso se
possa alcançar e consolidar neste sector reside na permanência de um quadro
institucional e jurídico, não sensível a flutuações de política a curto prazo, capaz de
estabelecer (no nosso caso, de restabelecer) um clima de confiança, facilmente
perdido num dia e só recuperável em muitos anos.
Do ponto de vista do investidor, a preocupação centra-se naturalmente nas
garantias de manutenção das condições básicas em que fundou a sua decisão e as suas
expectativas de aplicação de capitais, com acompanhamento de instituições de
julgamento e de arbitragem de conflitos que garantam com celeridade o cumprimento
das cláusulas contratuais definidoras das mútuas obrigações das partes, aspirando
ainda, se possível, a um contexto de incentivos ou de apoios, às vezes justificados, em
que o habitual apelo a protecções fiscais não costuma ficar esquecido.
Do ponto de vista do utilizador, para além do bom acolhimento que dá a todas as
medidas de desburocratização, embaratecimento da construção ou outras que possam
tender ao embaratecimento das rendas, aguardam-se naturalmente situações que
propiciem um mercado acessível e onde a viabilidade de escolha seja uma realidade, a
par de medidas legais de respeito e protecção do seu estatuto de morador, com
garantias preferenciais de permanência do agregado familiar dentro das condições e
nível de qualidade que determinaram o seu contrato.
A posição do Estado orienta-se assim pela necessidade de alcançar o equilíbrio
entre a eficácia do mercado (atribuída a mecanismos de livre concorrência capazes de
motivar iniciativas de aplicação de capitais privados para rendimentos compatíveis) e
as restrições que, sem o anular, não pode deixar de impor a esse mesmo mercado por
motivos de justiça social, embora corrigindo e complementando a intervenção que lhe
179
compete neste domínio, sempre que necessário, com a introdução a seu cargo de
ajustados apoios aos desfavorecidos.
5. PROTECÇÃO E DISCIPLINA DO ARRENDAMENTO HABITACIONAL
As normas que enquadram os regimes de arrendamento habitacional procuram
naturalmente proteger as necessidades essenciais de quem habita, devendo ao mesmo
tempo respeitar e incentivar (ou, pelo menos, não desincentivar...) aqueles que,
através de um mercado tanto quanto possível livre e na previsão de um rendimento
justo, desempenham também uma função social envolvendo os seus bens e as suas
economias na construção dos fogos que permitem que esse mesmo arrendamento
exista e possa expandir-se à medida da procura.
Grande parte da resolução dos problemas da habitação depende desses
investimentos, com significativo relevo na vitalidade da indústria da construção e
inquantificáveis efeitos multiplicadores noutros domínios e a outros níveis, para além
dos seus reflexos puramente económicos.
Na procura do desejado equilíbrio de interesses, é de esperar que o Estado defina o
regime legal e as regras essenciais a que devem obedecer os contratos de
arrendamento habitacional, tornados obrigatórios para a devida segurança e
estabilidade do alojamento. Há que contemplar, nesse contexto, as situações em que o
contrato pode ou deve ter o seu termo, bem como a forma de assegurar a sua normal
continuidade, quando devida; as garantias do pagamento e a manutenção da qualidade
do prédio arrendado; os problemas de subarrendamento, de hospedagens, de
desvirtuamento de função ou de transferência para outro titular; a própria
possibilidade de participação do locatário em actos de gestão ou de beneficiação dos
imóveis; as vias de julgamento ou de arbitragem na multiplicidade de problemas que
sempre afectam um contrato de médio ou longo prazo, com frequentes alterações de
circunstâncias e de situações dos contraentes; e tantos outros aspectos determinantes
de uma equilibrada relação e salvaguarda dos interesses em jogo, numa hierarquia de
valores que se desejaria consensual.
O panorama do arrendamento habitacional no nosso País exibe, como está
largamente reconhecido, extraordinárias distorções, com dois regimes distintos de
arrendamento em vigor e a confiança dos investidores longe ainda de reconquistada.
O longo rol de intervenções do Estado, em monarquia ou república, sob
autoritarismos pessoais ou sob influência dos votos, não é decerto exemplar como
história e como modelo, mas é bom que da penosa evolução sofrida ao longo de tantos
decénios se tirem ao menos as lições possíveis para evitar repetição dos mesmos
erros.
O certo é que a multiplicidade de agentes e a natureza dos interesses conflituais em
jogo, na intensidade com que se fazem sentir e se manifestam no contexto da
sociedade, confere sempre uma dimensão de natureza política à actuação dos poderes
180
públicos no campo da habitação. Para além dos estudos técnicos (com soluções a esse
nível sempre fáceis de encontrar), como base de apoio de uma adequada
fundamentação, as medidas a adoptar exigem uma mobilização global de pessoas e de
instituições.
Em momentos conjunturais de especial dificuldade, que não são apenas as que
possam resultar das destruições de guerra que afectaram tantos países e originaram
disposições de bloqueamento do mercado idênticas às nossas, a tentação de
atendimento a curto prazo dos problemas emergentes surge de novo através de
intervenções imediatistas que, a curto prazo, se revelam contraproducentes. E a
posterior anulação de tais medidas assume também um cariz político e é porventura
de mais difícil solução ainda.
É talvez oportuno lembrar que, como observam estudiosos da matéria em casos de
outros países, a relação de causa e efeito entre o estabelecimento de disposições de
controlo (um bloqueio de rendas, por exemplo) e a paralização do mercado não
corresponde sempre ao início dessa história infeliz. As decisões de intervenção
daquela natureza aparecem muitas vezes por efeito de anteriores situações anómalas e
de limitação do mercado disponível, e não como sua causa original, embora acabem
por assumir esse papel causal agravando a situação, se não forem tidas como medidas
puramente conjunturais a corrigir no mais breve prazo. E não se pode dizer que no
nosso caso isso tenha sucedido.
Vale a pena lembrar alguns problemas que com frequência suscitam controvérsia.
6. VALOR DAS RENDAS
O nível das rendas pedidas orienta-se naturalmente sob influência de factores em
que pesarão os custos de financiamento, de construção, e de exploração, a dimensão e
a qualidade do fogo do ponto de vista do utilizador, e a procura de um rendimento
competitivo com outras formas de aplicação de capitais e em harmonia com o valor
atribuído ao prédio no mercado. As tentativas de intervenção nesse campo, salvo em
universos restritos de edificação em regime especial, susceptíveis de efectivo
acompanhamento e de controlo, cedo se revelam frustradas e nocivas para o desejável
funcionamento de um mercado que possa atrair investimentos para novas realizações.
Perante contratos de prolongada duração como os de arrendamento, a verdade dos
preços impõe a necessidade de uma correcção periódica, proporcionando a
actualização dos valores numéricos fixados para a renda, princípio já consagrado na
lei, embora de forma um pouco mitigada. Deve entender-se como defensável a
adopção automática e simples de um índice publicamente reconhecido e que
acompanhe a inflação ou traduza uma evolução geral de custos, a seleccionar.
Na origem dos actuais critérios de actualização, conducentes a valores um pouco
inferiores aos de uma recuperação integral, poderão estar argumentos defendendo que
o envelhecimento do prédio arrendado corresponde a uma gradual perda de qualidade
181
do fogo oferecido. Nessa base, dentro do propósito de moderação do nível de rendas,
ter-se-á partido do princípio de que uma pequena dedução na taxa teórica de
actualização estaria justificada e não seria determinante para desmotivar investidores
em prédios de rendimento, dado que a segurança associada a um título de propriedade
e a confiança na valorização, por força do crescimento urbano, do capital imobilizado
continuarão a incentivá-los. Mas esta expectativa de valorização poderá servir
também de argumento em sentido contrário.
Se admitirmos, no todo ou em parte, a validade de tais considerações, uma
modalidade intermédia de correcção de rendas poderia ser encarada dispondo, por
exemplo, que a actualização integral contemplaria prédios com menos de 20 ou 30
anos, e atenuando-a de alguma forma nos prédios mais antigos que não tivessem sido
objecto de obras de beneficiação adequadas. Em período de baixa inflação, contudo,
essa diferenciação tanto poderá revelar-se facilmente aceitável como preciosismo sem
interesse visível.
7. NÍVEL DE RENDAS NOS “ARRENDAMENTOS ANTIGOS”
É mais complexa a situação dos chamados “arrendamentos antigos”, sujeitos desde
há várias décadas a restrições que acumularam desajustamentos e disparidades
flagrantes nas condições de ocupação de fogos idênticos da mesma época e entre
esses arrendamentos e outros gerados dentro do regime da legislação actual. Para esse
vasto parque imobiliário, cuja degradação será criminoso continuar a aceitar, foi
estabelecido o chamado sistema de “correcção extraordinária”, de modestíssimo efeito
e hoje sem qualquer significado.
Mas, uma vez mais, porque não estão em causa apenas valores materiais e porque
há posições legitimamente criadas e consolidadas que não podem deixar de ser tidas
em conta, a atenção ao problema terá de ultrapassar a simples aplicação de um critério
técnico de aumento gradual fácil de conceber, a menos que se pretendesse conceder
hipotéticas compensações pelo passado à custa de novas injustiças, de pólo oposto
mas idênticas às que acompanharam a gestação da lamentável situação actual.
Uma observação objectiva permite classificar de quase grotesco o panorama do
arrendamento e da degradação do património edificado em vastas zonas das nossas
cidades, e em especial nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O reconhecimento
deste facto traz implícito, e é manifesto nos contactos e trocas de impressões que o
problema suscita entre técnicos e populações afectadas (embora em debate público
isso não seja abertamente afirmado) que existe um generalizado consenso quanto ao
princípio de actualização das rendas desde que acompanhada da recuperação e da
valorização dos prédios, bem como da atenção aos inquilinos na protecção da sua
situação socioeconómica.
Não pode retardar-se mais uma actuação concertada e consistente. Não devem
ignorar-se as situações familiares e pessoais que serão geradas e a que importa atender
182
perante qualquer alteração conducente a aproximar as rendas de níveis razoavelmente
aceitáveis. Não faz grande sentido elevar rendas em fogos degradados e sem um
mínimo de condições de habitabilidade. Esse, o contexto a enfrentar.
O sistema de subsídios de renda, devidamente revisto e amplificados os seus níveis
de aplicação, poderá revelar-se um instrumento indispensável num quadro de
intervenção a estabelecer em curto prazo. Coordenar essa oportunidade com apoio ao
locatário carenciado através de um rendimento familiar mínimo, ou esquema similar
em que a situação especial de acréscimo do encargo com habitação fosse
contemplada, são também hipóteses a ponderar. Outros advogam a manutenção de
uma prestação baixa para o pagamento da renda a cargo do inquilino que se comprove
estar em situação de debilidade económica, com um complemento ao proprietário por
parte do Estado, na assunção da responsabilidade social que politicamente lhe cabe.
Mais do que nos critérios a adoptar ou no esforço financeiro exigido, as
dificuldades continuarão predominantemente a situar-se no peso e complexidade dos
procedimentos administrativos, e nas raras vezes credíveis declarações de
rendimentos como base de detecção dos casos a atender.
Paralelamente, o reforço de aplicação de instrumentos como o actual RECRIA e
regimes similares, com possível reformulação que os prepare para a escala das
realizações que se impõem e motive devidamente as autarquias e os donos de obra,
servirá de apoio à progressiva e indispensável recuperação do parque imobiliário.
A recolocação no mercado dos numerosos fogos devolutos em prédios degradados,
quando recuperáveis, é tarefa que deve ser encarada e incentivada. A própria
existência de tais fogos, e a possibilidade de um contrato de arrendamento
actualizado, é factor favorável à viabilidade económica das obras de renovação
necessárias.
Sabe-se que, relativamente à utilização de fogos recuperados em prédios antigos,
continua a prevalecer a tendência para posterior colocação à venda com vista a
habitação própria. A efectiva disponibilidade para inserção no mercado do
arrendamento está condicionada pelos mesmos factores que determinam a
permanência de muitos fogos devolutos em prédios recentes.
No campo da recuperação de prédios degradados, a multiplicidade de situações a
encarar e a diversidade de capacidades dos senhorios (pela idade, vocação, recursos
financeiros, indefinição ou número de titulares da mesma propriedade, etc.) envolvem
apreciáveis problemas de ordem administrativa, judicial ou de reforço dos quadros
técnicos, designadamente nas componentes que não possam deixar de caber às
autarquias. Razões de sobra para que não se retardem os estudos e as acções
necessárias.
183
8. PRAZOS DOS CONTRATOS
Se a mobilidade é frequente exigência da vida urbana, determinando mudanças de
alojamento a que os regimes contratuais não devem levantar obstáculos sensíveis ou
reservas desnecessárias, também é certo que o “direito à habitação” só será
plenamente concretizado se estiver garantida a possibilidade de permanência e de
estabilidade, quando for essa a opção do locatário. A ponderação atenta, por parte dos
poderes públicos e do legislador, do valor dessa estabilidade, quando desejada, não
pode afastar-se de um conceito amplo de habitação, associada a todo o complexo de
ligações do agregado familiar que se desenvolvem e se consolidam em função da
localização do fogo, com apoio em redes e equipamentos implantados num território
concreto.
São inegáveis os elevados custos materiais e sociais inerentes a cada mudança de
residência que um contrato de arrendamento a prazo poderá impor periodicamente a
um agregado familiar. Em teoria, mesmo num mercado abundante e livre, o inquilino
desejoso de permanecer no termo de um contrato tenderá a aceitar renda levemente
superior à praticada na zona, numa negociação para renovação desse contrato, tendo
presentes os inconvenientes do desalojamento.
É verdade que, entre nós e na conjuntura actual, com rendas altas nos novos
arrendamentos, o problema não se apresenta generalizado, sendo mais frequentes os
apelos de proprietários à garantia de que o fogo ficará ocupado e as rendas serão
pagas até final dos prazos estipulados, com desejo de que o inquilino possa
permanecer em contrato renovado. Mas não deixa de ser oportuno equacionar a
conveniência de definir fórmulas que, respeitando normas de um mercado
habitacional que importa fazer reviver, possam futuramente assegurar uma negociação
equilibrada de renovação dos contratos, com prioridade atribuída à estabilidade de
residência, considerada como valor que se situa para além do simples jogo de
interesses económicos, embora os não possa contrariar.
Sem prejuízo do que ficou dito, e embora a retoma do mercado do arrendamento
habitacional ensaie ainda os primeiros passos à luz do regime da legislação de 1990,
torna-se evidente que a possibilidade de contratos a prazo limitado, à semelhança do
que em tantos países se pratica, constitui o factor determinante para que os
investidores e os proprietários se aventurem de novo nesse campo. Será grave erro
ignorá-lo. Nem sempre é possível conciliar totalmente a realidade das forças
económicas com a mais desejável salvaguarda de valores de outra natureza.
É de admitir que, em termos de simples racionalidade do investimento, a
possibilidade de opção por prazos contratuais limitados não se apresentasse como
elemento essencial, desde que estivesse regulamentada uma actualização real e
regular das rendas. O incentivo que essa possibilidade trouxe ao arrendamento, e a
defesa ardorosa que dela fazem os investidores no sector, parece fundar-se mais numa
184
atitude de procura de segurança, no clima geral de desconfiança acumulada ao longo
dos anos e que ainda se mantém.
Compreensível é que um senhorio se queira precaver, no receio de que, em
situações de emergência ou perante a pressão de forças sociais e de motivações
políticas a curto prazo, novas decisões imediatistas dos poderes públicos possam
surgir e anular as garantias em que acreditaram. A recuperação da confiança pública é
um processo ainda com um longo caminho a prosseguir, e a promover com o
acompanhamento e participação de todos os agentes do sector.
No entanto, dentro do sempre salutar princípio da menor intervenção possível do
Estado, só perante um mercado de ampla oferta se poderá dizer que o estabelecimento
de prazos mínimos para a duração dos contratos é matéria de somenos, já que poderia
então o locatário, se desejasse garantir a hipótese de continuidade e de permanência,
optar com facilidade por senhorio que não lhe impusesse tal condicionamento.
Uma observação final, que corresponde a afirmados inconvenientes, em casos
especiais, da falta de flexibilidade no estabelecimento de prazos contratuais mínimos:
a ausência temporária do morador que deixa livre o fogo por período inferior ao
mínimo legal de contrato, ou o caso daquele que construa para venda e que, não
encontrando adquirente ou preferindo imobilizar o capital investido por um tempo
igualmente restrito, deseje arrendar, são dois tipos de situações que, entre outras, não
devem ser desperdiçadas, ao menos como excepção a regulamentar.
9. CONSERVAÇÃO E ENCARGOS CORRENTES DOS PRÉDIOS
Por questões de simplicidade de gestão e de resolução prática imediata de
problemas de manutenção corrente do interior dos prédios habitados, evitando
pequenas degradações progressivas que afectam directamente o inquilino e a que o
senhorio distante tarda ou se nega a atender, seria de toda a conveniência que tal
responsabilidade fosse atribuída ao morador, ainda que com o reflexo da pequena
diminuição no valor de renda, ditada em princípio pelo jogo de um mercado livre
onde tal norma venha a ser reconhecida. No quadro actual de habitações e de rendas
degradadas, em paralelo com novos contratos de rendas altas já firmadas, a
controvérsia estabelecer-se-á no confronto de interesses estabelecidos noutra base,
mas a pacificação de relações entre as partes contratantes e o interesse de permanente
conservação da qualidade de cada prédio habitado aconselhariam a obtenção de
consensos nesse sentido.
Relativamente às despesas correntes de utilização colectiva de prédios em
condomínio, está já reconhecida a normalidade de possível atribuição desses encargos
ao utilizador, e a clareza e simplificação das relações de arrendamento só
beneficiariam com a generalização dessa prática, também com a natural compensação
média na renda.
185
Quanto a responsabilidades de maior vulto e de outro âmbito da responsabilidade
do senhorio, estabelecido o princípio de que obras realizadas por imposição camarária
podem dar origem a uma alteração do valor da renda, algo há a dispor no sentido de
que encargos de idêntica natureza, não realizados coercivamente mas de necessidade
e de interesse reconhecido por entidade idónea, indispensáveis para que o prédio
mantenha ou alcance padrões de qualidade e de durabilidade convenientes, venham a
ter o mesmo tratamento no reflexo no rendimento do prédio. De outra forma não
haverá incentivos para a qualificação de um património imobilizado.
Neste domínio, e como reflexão de carácter mais geral, conviria prestar atenção à
anómala dissonância, desde sempre passivamente aceite na legislação, entre o carácter
temporário de qualquer edifício de habitação corrente (com período de existência
mais ou menos longo, mas sempre limitado) e as disposições que se referem ao seu
arrendamento. Os diplomas legais parecem subentender a possibilidade de
permanência de um inquilino em regime de eternidade, quando um prazo não foi
fixado (caso dos “arrendamentos antigos”, em especial), mesmo que o prédio revele
de forma visível a precariedade da sua existência.
Registam-se assim situações frequentes de prédios altamente degradados, sem
outro valor especial e não recuperáveis em termos económicos, perante os quais a
Administração Pública é chamada a fazer intimação de obras, a menos que deva
declarar situação de risco iminente, o que raras vezes sucede e se traduziria então para
si em encargos de realojamento.
Embora com naturais problemas de regulamentação, justificar-se-á ponderar as
vantagens de estabelecer normas que permitam fixar por peritagem o período de vida
útil de tais edifícios, com consequências legais de anúncio de cessação, a prazo, dos
contratos de arrendamento envolvidos.
10. O PESO FISCAL
Qualquer que seja o sector, quando se debatem os problemas de uma actividade de
forte componente económica, é quase inevitável que os seus agentes insistam na
diminuição dos tributos que oneram essa actividade. Sem se poder negar a frequente
justiça de tal apelo, previsível é que a pretensão seja tomada como solução de
facilidade e se revele talvez a mais irrealista, perante a incurável voracidade do
Estado.
No entanto, vale a pena focar aspectos em que, sem necessidade de estudos
aprofundados, se poderá dizer que as receitas públicas são as mais prejudicadas, nas
colectas imediatas e nos efeitos negativos multiplicados noutros domínios, para além
dos custos sociais indirectos e inquantificáveis.
Sabe-se como o peso do fisco incide sobre qualquer construção, nas diferentes
fases de aquisição dos materiais e do desenvolvimento da obra, após todos os ónus já
sofridos no longo e penoso processo de elaboração do projecto e da sua aprovação,
186
sem falar já da aquisição dos terrenos e todos os encargos financeiros determinados
por esperas e imobilizações a que não pode furtar-se.
Todos esses custos constituem naturalmente entrave aos investimentos no sector,
valendo a pena ponderar até que ponto a retracção provocada é ou não
contraproducente no total de receitas do Estado, e elevam de tal forma o preço final da
habitação que não podem deixar de afectar toda a política nesse domínio, com as
consequências sociais correspondentes. O nível das rendas e a oferta nesse campo
sofrem necessariamente, e de forma directa, os reflexos.
Mas excede as pretensões destas notas referir todo o conjunto de factores a
montante do mercado de arrendamento, e menos ainda os condicionamentos de
política de terrenos e de ordenamento do território que o antecedem e envolvem.
Em mais imediata ligação com esse mercado, o aberrante imposto de sisa merece
ser citado. Mau grado alguns milhões que possa gerar de receitas, e posto de parte o
deplorável contexto de generalizada aceitação da falsidade de declarações, quando
não é acompanhada de corrupção, não se encontra explicação para a introdução desse
factor de “viscosidade” no mercado da habitação, que eleva preços, retrai a procura e
as iniciativas, e é um factor que contraria pesadamente a mobilidade dos que
adquirem a sua residência bem como o interesse de muitos que poderiam aplicar os
seus capitais na construção para arrendamento.
Aliás, noutras sociedades onde um fogo pode transaccionar-se sem obstáculos e
praticamente sem encargos, quase como uma simples viatura pessoal ou outro bem
corrente, a mobilidade dos que optam por casa própria não diferirá muito da dos que a
arrendam. Os prejuízos para a dinamização do sector são entre nós evidentes.
O saldo final da sisa é seguramente negativo para o Estado, e não pode deixar de se
saudar o anúncio do seu possível próximo desaparecimento.
Quanto aos rendimentos de um prédio arrendado para habitação, e sem referir aqui
a hipótese de uma medida de política que os isentasse como incentivo ao
investimento, há também insistentes pedidos no sentido de, não penalizando em
excesso tais rendimentos, sujeitá-los a uma taxa liberatória que igualizasse o seu
tratamento, à semelhança de regimes de aplicação de capitais em depósitos ou formas
equivalentes de poupança. Medidas desta natureza poderiam, sem esforço do Estado,
revelar-se positivas.
O domínio da fiscalidade oferecerá decerto muitas outras pistas dignas de
aprofundamento.
11. A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
De uma forma generalizada, as demoras dos tribunais, e a incerteza quanto à
efectiva aplicação das suas decisões em tempo útil, testemunhadas pela experiência
em que se registam situações de retardamento, prolongadas na prática para além dos
187
limites de razoabilidade que cabem no senso comum, representam um persistente
obstáculo à obtenção de um clima de confiança e à dinamização do sector.
A promulgação de novas leis no domínio da habitação ou as correcções
introduzidas para aperfeiçoamento das disposições vigentes deparam sempre com
grande descrença pública na efectiva aplicação das melhores intenções legislativas,
por ineficácia das instituições em que se apoiam.
Trata-se de matéria complexa que aqui apenas se cita, mas que terá de estar sempre
presente quando se idealizam e se propõem medidas teoricamente adequadas à
melhoria da situação da habitação por arrendamento.
O encontro de sistemas simplificados de arbitragem para os conflitos e as quebras
contratuais mais correntes, com uma institucionalização que pudesse ser credibilizada
e comummente aceite para integração nos contratos como instância de apelo imediato,
possivelmente com a participação responsável de representantes dos agentes
envolvidos e não só dos poderes públicos, afigura-se domínio justificativo de urgente
atenção e de estudo por parte de todos os interessados.
É óbvio que a formalização de propostas neste domínio, em termos que
permitissem antever o recurso a tribunais desejado apenas numa minoria de casos,
teria simultaneamente de envolver a preocupação com o outro problema de base: a
necessidade de efectiva execução das deliberações de arbitragem tomadas. Também aí
o exame de experiências alheias e alguma imaginação de adaptação ao nosso caso
poderão dar frutos. A questão é que não pode ser iludida.
12. SEGURANÇA E INCENTIVOS NO MERCADO DE ARRENDAMENTO
A falta de confiança, ainda generalizada, quanto à segurança do rendimento de
investimentos em habitação para arrendamento, tendo presentes os riscos de falta de
pagamento, bem como as demoras judiciais em processos de decisão e de execução de
despejos, assim como o receio, sempre persistente, de que qualquer governo poderá
ter sempre a tentação de intervir futuramente, perante dificuldades sociais, com novas
providências legislativas que anulem garantias anteriormente vigentes, definem um
quadro que condiciona fortemente o mercado.
A progressiva especialização e “profissionalização” dos investidores neste campo
permite adivinhar uma eventual perda do papel, em tempos desempenhado pelo
tradicional pequeno investidor isolado, aforrador de economias para gestão, por sua
própria conta, de uma fonte de futura reforma.
A captação dessas poupanças continuará a merecer o maior interesse para as
realizações habitacionais, canalizando-as possivelmente através de novas vias
institucionais, e não só por fundos de investimento imobiliário ou outros sistemas
onde a propriedade se dilui num bem colectivo apenas titulado de forma abstracta.
Aos olhos de muitos, tais fórmulas continuarão a não ser atractivas e a aparecer como
188
possibilidade de lucro mas também de riscos que não querem assumir, não oferecendo
a segurança e sentimento de posse que preferem.
Por isso, certas experiências estrangeiras apenas esboçadas entre nós merecem
ponderação e talvez incentivo, se adaptadas ao condicionalismo português. Podem
referir-se, por exemplo, as instituições criadas e em desenvolvimento na Bélgica e em
França, sem fins lucrativos e constituídas com apoio de capitais públicos, cuja missão
consiste no arrendamento e gestão de imóveis de habitação que lhes são confiados
dentro de condições preestabelecidas. Sabe-se que, em países com condições
favoráveis de mercado, organizações puramente privadas surgem com idênticos
objectivos, de gestão integrada de agrupamentos de pequenos ou grandes patrimónios
imobiliários.
De tais entidades o proprietário obtém a garantia de recebimento regular de uma
renda com um nível acordado, sem perda da propriedade concreta e individualizada
do seu fogo ou conjunto de fogos confiados para gestão, podendo sempre, no termo
dos prazos contratuais ou mediante condições estabelecidas, retomar a plenitude dessa
propriedade para uso próprio, alienação ou administração por sua conta, ou outros
fins. O sentido tradicional de posse de um bem concreto mantém-se para o pequeno
aforrador, encorajando os que desejam investir sem perda sensível do domínio sobre o
que acumularam pacientemente ao longo de anos e pretendem poder transmitir
pessoalmente ou por herança.
Os efeitos das flutuações do mercado e a resolução dos conflitos com os ocupantes,
colocados como subarrendatários, são naturalmente absorvidos por essas
organizações, às quais pode caber também a recepção de prestações do Estado em
casos de renda apoiada. O aval ou o envolvimento dos poderes públicos, de nível
central ou autárquico, em sociedades deste tipo, a que deve augurar-se tendência
deficitária em mercados débeis, revelar-se-ão provavelmente menos onerosos do que
as intervenções directas de construção de um parque estatal imobiliário e sua
problemática gestão.
Por outro lado, a institucionalização destas organizações de significativa dimensão
– comparticipadas, auto-geridas sem fins lucrativos ou inseridas simplesmente no
jogo do mercado – poderá constituir mais um factor de reforço e de consolidação da
chamada “sociedade civil” no seu diálogo com o Estado. Com todo o peso social e
económico que lhes caiba, tornarão talvez menos prováveis alterações de regimes
legais ditadas por preocupações de curto prazo ou de mero oportunismo político,
contribuindo, em paralelo com as demais entidades representativas do sector, para a
consolidação de um clima de confiança a prazo que importa estabelecer.
A divulgação de fórmulas deste tipo, com análise cuidada de experiências similares
e, se necessário, com apoio de legislação específica, poderá incentivar iniciativas com
influência muito positiva no mercado do arrendamento.
189
13. APONTAMENTO FINAL
Não podem as notas anteriores pretender mais do que apresentar alguns tópicos
para um debate, a prosseguir com continuidade e no acompanhamento permanente das
alterações legislativas que progressivamente venham a ser promulgadas e das lições
que possam tirar-se da sua aplicação.
No panorama das carências de habitação em Portugal, para além das extensas áreas
subintegradas de construção precária, evidenciam-se, em amplo e diversificado leque
de caracterização das ocupações por arrendamento, casos frequentes que vão desde o
mais refinado parasitismo até às dramáticas, e infelizmente muito numerosas,
situações de alojamento sub-humano, de sobreocupação, de degradação e em total
carência de recursos económicos, plenamente inseridas no tecido urbano a qualificar.
Se o simples confronto das forças económicas num mercado ideal de arrendamento
totalmente livre, por alguns defendido, está longe de poder corresponder de forma
adequada à prioridade de valores em que se fundamenta o direito à habitação, mais
difícil seria admitir, no atendimento aos problemas actuais do alojamento no nosso
País, uma atitude de passividade dos poderes públicos.
Em qualquer caso, revelar-se-á sempre ilusório supor que um saudável
funcionamento do mercado de arrendamento privado possa alcançar-se sem que,
simultaneamente, se registem progressos no âmbito dos demais regimes de
alojamento, seja no campo da habitação social, em sentido lato, seja no da habitação
própria, com ou sem apoios. A interdependência desses campos, ao nível da oferta e
da procura, não deve ser ignorada.
Será oportuno ainda lembrar o elevado interesse de que poderia revestir-se um
sistema de recolha sistemática de informação, tornada acessível aos responsáveis, aos
técnicos e ao público em geral, a nível central e local, onde a cada momento
estivessem recolhidos dados permanentemente actualizados de descrição da situação
habitacional (aliás, em grande parte existentes mas dispersos) e que servisse de apoio
às propostas e às decisões de política a adoptar, conferindo-lhes meios de maior
ajustamento e rigor e possibilitando uma mais fundada previsão da amplitude da sua
aplicação e dos seus possíveis efeitos.
Para esse objectivo, afastando uma exclusiva responsabilidade da Administração
Pública, deveriam contribuir todos os corpos representativos do sector. É uma lacuna
institucional que, com um esforço de organização e coordenação, e a facilidade que os
actuais meios técnicos de transmissão da informação proporcionam, merece ser
colmatada.
190
Professor Diogo Lucena *
Comentador
1. O Eduardo Carvalho da Silva falava há pouco de gregos e troianos. Depois das
intervenções anteriores se eu pudesse, seguia o exemplo do sábio Ulisses, calava-me,
e passava-se já ao debate. Mas como acho que a organização não me perdoaria essa
atitude, vou tentar fazer alguns breves comentários. Devo dizer que é uma tarefa um
pouco difícil para mim, porque não é uma área em que eu tenha trabalhado
especificamente. Poderei portanto ter algumas ideias erradas sobre o que se passa no
terreno, pelo que peço perdão, desde já, a quem sabe mais do assunto, quando for esse
o caso.
Tentarei simplesmente aplicar os que eu julgo que são os sólidos instrumentos
analíticos da teoria económica à discussão deste tema. Limitar-me-ei a falar de alguns
pontos deixando muita coisa em aberto.
2. Comentando directamente a intervenção, (do Eng. Mário Azevedo), devo dizer
que há dois pontos de partida que me agradam particularmente. Um é o de que a
filosofia subjacente me parece ser um pouco a de que deveríamos procurar uma
intervenção mínima do Estado. O que me agrada. Não que o Estado deva estar
impedido de intervir, mas no sentido de que o ónus da prova da necessidade dessa
intervenção deverá estar em quem a defende e não o contrário. Neste sentido apoio
fortemente esta ideia.
O segundo ponto é a aceitação de que é razoável – e eu diria, não só que é razoável
como que é realista – esperar que os agentes hajam com racionalidade económica. E,
portanto, fazer leis pensando que as pessoas se vão comportar de outra forma, é
completamente absurdo.
Estes pontos de partida são bastante mais poderosos do que podem parecer à
primeira vista. A prova disso é que, quando se fazem leis de congelamento de rendas
que só fazem sentido com base na (secreta) esperança de que as pessoas não se
comportem de uma forma economicamente racional, o mercado deixa de funcionar
bem e o resultado é catastrófico.
Estes são pois pontos de partida que me agradam especialmente.
3. Uma outra questão, mas onde agora terei alguma divergência, tem a ver com o
balanço entre o gradualismo e a velocidade na introdução de reformas. Quando se
acumularam distorções brutais, como se acumularam neste mercado ao longo de 40
anos, há sempre um ponto a favor do gradualismo. O problema é que o gradualismo
em Portugal tende muito rapidamente para o imobilismo. E de facto, avaliando o
progresso que se fez nos últimos anos, vejo que ele foi muito mais reduzido do que,
na minha opinião, poderia ter sido. Embora eu aceite, em termos de princípio, que o
*
Universidade Nova - Faculdade de Economia
191
gradualismo é uma estratégia a ser considerada, julgo que este gradualismo foi
excessivo. Esta é a crítica que eu faço à condução da política da habitação em
Portugal nos últimos anos.
E portanto, talvez valha a pena, nestes fora, defender um pouco mais de
radicalismo e um pouco menos de gradualismo, não como uma posição filosófica de
fundo, mas porque, neste caso concreto, estamos a pecar por defeito e não por
excesso.
4. Um terceiro comentário, que não é propriamente relativo à comunicação, mas é
um comentário de carácter geral, é o de que existe frequentemente uma enorme
tentação de corrigir distorções com outras distorções. E devo dizer que, em boa teoria
económica, isto às vezes se justifica. Mas, em geral, é muito mais eficaz eliminar a
primeira distorção do que acrescentar-lhe outra por cima.
Deixem-me dar-vos um exemplo: o controlo de rendas, como eu julgo que hoje em
dia toda a gente concorda, matou o mercado de arrendamento. Depois, tentou-se
resolver o problema dizendo: “tem de haver habitação própria”. E começou-se a
subsidiar a compra de habitação própria. Isto é o que eu chamo criar uma segunda
distorção para corrigir a primeira. É que os subsídios para a compra da casa própria
vão distorcer também o mercado de investimento. Em consequência vamos ter uma
má afectação de recursos noutros mercados, além de a termos no mercado da
habitação. Este é o exemplo clássico de acumulação de distorções em cima de
distorções, que têm como efeito ampliar ineficiências transmitindo-as de mercado
para mercado.
O problema que se coloca aqui é de que, quando o ponto de partida é muito
distorcido, é também muito difícil fazer regras de aplicação geral: ou seja, é muito
difícil para um economista ter uma receita geral que tenha a certeza que seja boa,
quanto ao método a seguir para reduzir os custos das distorções. Há uma enorme
dependência das condições específicas da situação concreta. É preciso conhecer em
detalhe o funcionamento do mercado; como é que a oferta e a procura reagem ao
preço; etc. Questões deste tipo têm que ser medidas, concretamente, para se ter a
certeza de que a melhor forma de corrigir os problemas é esta ou aquela.
Infelizmente eu não tive muito tempo para me preparar, e não sendo esta a minha
área de especialização, posso estar a avaliar mal. Mas andei à procura e encontro-me
perante a quase total ausência de estudos efectuados em Portugal. Fiquei convencido
de que não se sabe, de todo, como é que funciona este mercado no nosso País. Não há
números fiáveis e portanto não há regras fiáveis. É por isso que eu disse no princípio
que me deveria ter calado. De facto, aquilo que eu podia dizer depende muito
daqueles dados, e estes não existem, pura e simplesmente.
Esta necessidade de uma maior e melhor informação, de haver muito mais
investimento em aprender, em detalhe, como funciona o mercado, parece-me uma
coisa indispensável para discutir reformas de forma inteligente.
192
5. Há um ponto, também expresso na comunicação, que eu gostava de reforçar. É
muito importante, quando se fala de mercado de arrendamento, perceber que este tem
ligações com outros mercados. Não só em termos de mercados de habitação (ou
“demais regimes de alojamento”, citando uma expressão que o Senhor Engenheiro
Mário de Azevedo usou) ou em termos de mercado dos terrenos, mas também com
outros mercados. Sobretudo, o mercado de emprego.
Mais uma vez, não consegui encontrar nenhum estudo para Portugal, mas encontrei
alguns para a Inglaterra, onde, durante muitos anos, existiu este tipo de situação que
nos preocupa. Houve controlo de rendas, houve habitações geridas pelas autarquias,
houve planeamento urbano. Enfim, todo o tipo de regras que existem em Portugal e
que podem causar distorções no mercado da habitação, também existiram lá.
Julgo que o Reino Unido não acumulou uma distorção tão grande. No entanto, as
estimativas que foram feitas no caso inglês, mostram que, em termos de eficiência
económica, estas distorções directas no mercado da habitação eram significativas, mas
eram muito inferiores às distorções que, através de efeitos na mobilidade, eram
causadas no mercado de emprego. Ou seja, os custos económicos da grande rigidez do
mercado de habitação inglês reflectiram-se, sobretudo, através do mercado de
emprego.
Se isto também for verdade para nós, como eu julgo que é, o argumento a favor de
uma maior velocidade de ajustamento e não de um maior gradualismo é muitíssimo
reforçado.
Note-se que é também provavelmente verdade que uma parte muito substancial das
distorções do mercado de trabalho vêm por esta via e não pelo problema da
flexibilidade dos salários ou outros. Quando se olha para os números ao longo do
tempo, vê-se que os salários em Portugal se ajustam ao ciclo mais depressa que na
maior parte dos países europeus. Neste momento há já uma fracção muito grande do
nosso emprego em contratos temporários. Em muitas indústrias haverá um mercado
dual, tal como na habitação. Há empregados com umas histórias antigas, que têm um
tratamento e outros com umas histórias novas, que têm outro. Estou convencido que,
neste momento, uma das maiores barreiras ao bom funcionamento do mercado de
trabalho é de facto a imobilidade induzida pela actual situação do mercado de
habitação.
6. Se bem entendi na intervenção do Eng. Mário de Azevedo há um ponto onde
tenho algum desacordo, e que se prende com as formas de mercado – arrendamento
versus casa própria – e o seu impacto na criação de imobilismo. Penso que não é
forçoso que, num mercado onde a maior parte das pessoas tenham casa própria, em
vez de arrendar, haja uma grande imobilidade. Eu vivi nos Estados Unidos, onde uma
grande parte da população tem casa própria, mas as casas compram-se e vendem-se
como quem compra e vende fatos.
Em Portugal este aspecto da imobilidade tem também muito a ver com os
mecanismos de funcionamento da compra e venda de habitação própria. Nós temos
193
custos de transacção brutais e a sisa é, certamente, um dos maiores. Não será o único,
mas é um encargo que não faz sentido nenhum.
7. Quanto ao tema de apoio social à habitação: a regra de ouro para os esquemas de
apoio social é não subsidiar actividades económicas mas subsidiar pessoas.
Algumas pessoas neste momento estão a receber subsídios significativos sem razão
nenhuma. As pessoas mais velhas em muitas famílias estão a receber subsídios
enormes, dos donos das casas, sem qualquer razão lógica, apenas porque têm rendas
antigas. Mas é completamente descabido, pedir-lhes que saiam destas casas. Estão
sozinhos em casas grandes demais, mas é completamente irracional pensar em sair. Se
forem para uma casa mais pequena noutro sítio, irão pagar o triplo. Porque é que hãode sair? Só se forem masoquistas. Não há melhor exemplo de ineficiência de
afectação de recursos. Em contrapartida, por exemplo, conheço pessoas que compram
uma casa só porque conseguem um subsídio para essa compra. Na altura nem lhes
convinha fazer o investimento. Isto também é uma ineficiência económica. E não se
está a subsidiar pessoas pobres. Estamos a subsidiar gente que, ao longo do seu ciclo
de vida, virão a ser até relativamente ricas. Quer dizer, não há razão social para estes
subsídios.
Muitas das políticas de apoio social que nós temos vindo a seguir, têm vindo a
apoiar a classe média e não quem necessita. Comprar habitação é uma coisa que não
está ao alcance dos genuinamente pobres e excluídos. Subsidiar a compra de
habitação não é, pois, na minha opinião, defensável em termos sociais.
É evidente que politicamente é muito interessante porque a classe média dá muitos
votos. Mas é preciso perceber que isto é uma razão política, e não económica nem
social.
8. Relativamente ao controlo de rendas eu julgo que o diagnóstico está feito neste
colóquio, e não vale a pena refazê-lo. Mas é importante apontar que corresponde a
uma transferência de direitos de propriedade que é completamente arbitrária e
portanto injustificável. Hoje, antes da sessão, o Dr. Silva Lopes falou-me de um
estudo, que eu não conheço, que tentava medir estas transferências do direito de
propriedade, e os números eram esmagadores. Há, de facto, uma expropriação do
senhorio em favor do inquilino, que não obedece a nenhum critério de racionalidade
económica, nem a nenhum critério de redistribuição social. Temos casas devolutas,
porque as pessoas, no momento em que as puserem no mercado de arrendamento,
arriscam-se a fazer uma transferência de riqueza para o inquilino. Isso não faz
nenhum sentido, criando toda a espécie de ineficiências. E não há demonstração
nenhuma de que os inquilinos tenham de ser mais pobres do que os senhorios, como
regra universal.
Um dos problemas essenciais deste mercado reside no facto de termos os direitos
de propriedade mal definidos, em dois sentidos. Em primeiro lugar estão mal
definidos porque o estão de forma errada. Em segundo lugar estão mal definidos,
porque são incertos.
194
São incertos, e aqui voltamos ao velho problema da lei e da sua aplicação. A lei
nem sempre é muito clara. Os tribunais funcionam muito mal. A execução das suas
decisões não é feita. É fácil demais fazer umas “manobras” para voltar atrás dilatar
tempos. Mesmo quando se chega ao fim, a passagem de tempo já eliminou muitos dos
benefícios dum julgamento favorável.
E depois, há sempre e ainda o medo da revisão de políticas, o que cria uma enorme
incerteza sobre os direitos de propriedade. A pessoa quando investe não sabe o que de
facto é dela ou não é dela, porque de repente, se alugou a casa, uma alteração legal
transfere muitos dos direitos de propriedade de uma parte para a outra.
As transferências arbitrárias de direitos de propriedade causadas pelas intervenções
sob a forma de subsídios, impostos, controles de rendas causam distorções. Mas este
problema de incerteza é provavelmente ainda mais grave. Nestas circunstâncias é
difícil pensar que se consegue estimular muito o mercado de arrendamento.
9. Quanto à fiscalidade, já se falou bastante sobre a sisa e eu gostaria de falar um
pouco do imposto autárquico e da sua reforma. O imposto autárquico é também uma
injustiça enorme, discriminando entre casas que têm valores antigos e casas que têm
valores novos. Eu conheço pessoas que pagam cerca de setenta vezes mais do que
outras, para casas equivalentes. Isto é uma distorção completamente absurda. Acho
até estranho como é que isto não é politicamente mais custoso para os governos. Mas
de facto, aparentemente, não é.
Agora, quando se fala em reforma do imposto autárquico, isso significa em geral
fazer o reequilíbrio destas situações. Vamos admitir mesmo que o Governo promete
fazer a mudança de forma a obter as mesmas receitas e não aproveitar (como
sucederia com uma simples actualização de valores antigos) para aumentar os
impostos, mas apenas para redistribuir a carga fiscal. Vamos outra vez bater com o
problema do controlo das rendas.
Como é que se vai aumentar o imposto autárquico de uma pessoa, admitindo que o
valor de mercado da casa, se ele pudesse transaccioná-la em mercado livre, é
relativamente elevado, (e é sobre este valor que deve incidir o imposto autárquico),
quando, de facto, os direitos de propriedade estão todos no inquilino? O qual paga
200$00 de renda! Não faz sentido. A única maneira seria dizer que, já que os direitos
de propriedade foram passados para o inquilino, deveria ser ele o responsável por esse
aumento do imposto autárquico. Mas parece-me isto um pouco complicado como
solução. Mais uma vez, seria corrigir uma distorção com uma outra. Mais vale
começar por eliminar a primeira distorção.
10. Um último ponto (porque julgo que o meu tempo também está a acabar) tem a
ver com o problema dos contratos a longo prazo. Este é um problema sério e genuíno.
Quando há um contrato a longo prazo, é preciso ter um sistema eficaz de governar
esse contrato ao longo do tempo. E, porque os tribunais funcionam mal, por a lei ser
mal definida, este sistema não existe na realidade. Se os contratos forem todos de
longo prazo, por imposição legal, este problema é grave. Mas este é outro ponto, onde
195
eu julgo que tenho algum desacordo com a comunicação inicial. Eu não referiria tanto
a necessidade de garantir que os contratos sejam de longo prazo. Entendo que a
liberdade contratual é o princípio que deve vigorar. Se o senhorio e o inquilino
chegam a um acordo, por um ano, o contrato é por um ano; se chegam por dez, o
contrato é de dez anos. Não estou convencido que haja interesse dos senhorios, na
ausência de contratos de longo prazo, em “correr” com as pessoas, a não ser em certas
circunstâncias especiais.
O princípio da racionalidade económica faz com que o senhorio não vá “correr”
com as pessoas só para as “incomodar”, só para lhes causar custos! Até porque ele
também terá custos. Num mercado a funcionar normalmente fica, provavelmente, com
a casa desocupada durante algum tempo, até encontrar outro inquilino. O que vai
acontecer, certamente, é que se houver liberdade contratual, o inquilino, se calhar,
estará disposto a pagar um pouco mais de renda se lhe garantirem um prazo de dez
anos. E, portanto, é de esperar que as rendas se ajustem um pouco, em função das
durações dos contratos.
Isso permitia, também, evitar muita da discussão sobre qual é um bom índice de
actualização de rendas. Até porque fazer um índice de actualização único, para todos
os segmentos do mercado e para todas as áreas geográficas, significa fixar os preços
relativos. E, neste momento, por exemplo, há certas áreas da cidade que são muito
mais procuradas que outras e é natural que os preços subam mais nestas áreas da
cidade. É bom que os preços tenham a flexibilidade de se ajustarem relativamente uns
aos outros.
Assim, quando eu obrigo a contratos de longo prazo com índices de
actualização iguais por toda a parte, estou de facto a matar um mecanismo económico
importante de ajustamento, que é deixar os preços relativos mudarem por segmentos
de mercado.
Há condições em que pode ser preciso condicionar contratos de longo prazo.
Quando uma das partes tem que fazer um investimento que é específico para essa
relação contratual, e não tem valor fora dela, isso permite à outra parte explorá-lo no
futuro. Porém não vejo nenhum investimento específico que tenha que ser feito para
uma relação de arrendamento, e portanto, julgo que o argumento, neste caso não é
relevante. É preciso que alguém demonstre que existe este investimento. Eu não vejo
que o inquilino o tenha que fazer, e necessite por isso de alguma protecção legal.
É evidente que, se fizer parte do meu contrato com o inquilino ele fazer obras na
casa, o seu investimento é específico desta relação contratual, e então, é natural que
exija um contrato de longo prazo a seguir. Mas isso não tem que ser imposto por lei.
Um acordo livre entre as partes pode resolver o problema. As forças económicas
naturalmente levarão a esse resultado.
11. Só um último comentário a que não resisto. Também na conversa que tive com
o Dr. Silva Lopes, ele referia que alguém lhe tinha dito que houve um seminário deste
tipo há catorze anos, no qual se falou destes tópicos e depois nada aconteceu.
196
Julgo que, do ponto de vista da teoria económica, não é muito difícil perceber
quais são os mecanismos que estão por detrás do mau funcionamento deste mercado,
e o que é que se pode corrigir e como. Parece-me que aqui há um problema de
reforma política, que é um problema aparentemente muito mais complicado de gerir.
Se o diagnóstico está feito há catorze anos. Se toda a gente está de acordo e depois
não se consegue fazer...
Julgo também que não é por maldade intrínseca dos políticos. Pode ser por
maldade apenas no sentido de não terem a coragem de fazer certas coisas. Pode pois
valer a pena debater de uma forma desapaixonada que tipo de reformas se podem
fazer já, e quais aquelas cuja introdução irá trazendo, a pouco e pouco, mais gente
para o lado dos reformistas.
Que as reformas são indispensáveis parece inquestionável. Haverá um custo brutal
na economia por não as fazermos. Agora é preciso que essas reformas sejam
politicamente viáveis.
Eu estou aqui a falar um pouco contra o meu instinto. Neste tipo de discussão a
minha inclinação é pensar que “se não fazem é porque não têm a coragem para o
fazer”. Mas percebo que haja limitações do processo político. E a pergunta é: quais
são elas?. E julgo que aqui também há muitas ilusões. Provavelmente, quando se
fizerem certas reformas, vai haver muita menos gente a sofrer do que parece à
primeira vista.
Já noutras ocasiões se criaram mecanismos para proteger a enorme quantidade de
gente que iria ser prejudicada com certas reformas. Depois essas pessoas nunca
aparecem e estou convencido que este é um dos tais casos em que o desconhecimento
concreto, detalhado, estatístico, da realidade, estará a criar escusados fantasmas. Um
pouco de investimento em informação poderia desbloquear imenso a decisão política,
nestes casos.
197
Senhor Eduardo Carvalho da Silva *
Comentador
Pelo que já conhecíamos do ilustre conferencista, Exmo. Senhor Eng. Mário de
Azevedo, especialmente, na qualidade de Presidente da Comissão para o
Arrendamento Habitacional recentemente nomeada pelo Governo, a sua comunicação
não nos surpreende e, ressalvados alguns aspectos de pormenor que não
subscreveríamos merece o nosso inteiro acordo e aplauso: é independente, honesta,
rigorosa e bem estruturada, tal como um competente universitário não podia deixar de
produzir.
Com a devida vénia e sem que pretendamos apoucar o mérito da comunicação e do
seu autor, antes bem pelo contrário, diríamos que para além dos requisitos que a
caracterizam de documento completo, a comunicação em apreço foca sabiamente
todos os aspectos que desde há anos, muitos anos, têm sido objecto da nossa luta
contra todos os governos post 25 de Abril de 1974, infelizmente, até à data, sem êxito
ou com êxito muito mitigado.
Com uma diferença apenas: enquanto a comunicação do Senhor Eng. Mário de
Azevedo é sobretudo um documento desapaixonadamente elaborado, quase tudo
quanto tem sido dito e difundido pela Associação Lisbonense de Proprietários e mais
recentemente pelas outras Associações congéneres e pela CNAPI – Confederação
Nacional de Associações de Proprietários Imobiliários tem sido tematicamente
marcado pelo que nos tem sido imposto – lamentamos ter de reafirmá-lo – pela
demagogia eleitoralista e irresponsabilidade de quantos elencos nos têm governado e,
como tal, nem sempre isento da paixão a que a desigualdade de forças,
inevitavelmente conduz.
Para evidenciarmos, perante a nossa audiência, a unidade de pontos de vista do
orador e nossa, em relação ao diagnóstico de situação apresentado bastará reproduzir
a parte final da petição que no dia 7 de Janeiro, último, foi entregue pela CNAPI a sua
Excelência, o Presidente da Assembleia da República.
“9 – Desta situação de verdadeiro incumprimento do fundamentado princípio de
igualdade de todos os cidadãos perante a lei resultam ainda graves
inconvenientes a que urge pôr cobro, tais como:
9.1 – A obsolência e degradação quase irremediáveis do parque habitacional
existente;
9.2 – O saldo desde há muito deficitário do equipamento habitacional;
9.3 – A ausência de um mercado de arrendamento estável e equilibrado,
indispensável ao relançamento e desenvolvimento da actividade de
construção e indústrias afins;
*
Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários.
198
9.4 – A orientação forçada e exclusiva do cidadão no sentido de um oneroso
mercado de habitação própria, que não se revela compatível com a actual
conjuntura económica e com a progressiva mobilidade das populações
activas.
Face ao exposto, vêm os cidadãos abaixo assinados, no uso do Direito de
Petição, previsto no Art.º 52.º da Constituição da República Portuguesa e
regulamentado na Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, na sua redacção actualizada pela
Lei n.º 6/93, de 1 de Março, requerer ao Digníssimo Plenário da Assembleia da
República, a bem do interesse público, que, à semelhança dos nossos parceiros
comunitários, o Estado assuma uma posição imparcial e objectiva em matéria de
legislação de arrendamento urbano, por forma a garantir a igualdade de todos os
cidadãos perante a lei e a restabelecer a confiança no mercado, a qual deve passar
por uma correcção do valor das rendas, em todos os contratos celebrados antes de 21
de Setembro de 1985, através da fixação pelo Estado, depois de ouvidos os
representantes das partes (senhorios e inquilinos), de coeficientes realistas que
permitam a reabilitação urbana e o saneamento financeiro dos proprietários, sobre que
recaíram os mais elevados custos das desastrosas políticas entretanto adoptadas”.
***
Na especialidade, vejam-se alguns pontos que merecem observações:
1. ARRENDAMENTO E “DIREITO À HABITAÇÃO”
2. ENQUADRAMENTO DE UMA POLÍTICA DE HABITAÇÃO
3. PRODUÇÃO E MERCADO DA HABITAÇÃO
4. O ARRENDAMENTO E A INTERVENÇÃO ESTATAL
Nestes pontos, trata-se de uma matéria política, ou, melhor dito, da enunciação do
que, no entender da Comissão, é a delimitação do estado actual da situação do
imobiliário no País.
Revela-se a necessidade, reconhecida pela Comissão, de atrair a iniciativa privada
para o investimento no imobiliário para arrendamento, que também reconhece a
extrema dificuldade no restabelecimento da confiança dos investidores nesse domínio.
Conclui-se pela necessidade de existência de um mercado de arrendamento tanto
quanto possível vasto a reger-se pelas leis da oferta e da procura. Isto,
salvaguardando, por um lado, os casos da chamada “habitação social”, em que o
Estado tem, forçosamente, uma intervenção destinada a proteger as camadas sociais
tidas como mais desfavorecidas, e por outro, aqueles outros casos em que é desejo,
legítimo de alguns, possuírem casa própria.
Parece-me, pois, ser este um bom princípio de equidistância, na base do velho
ditado latino, “in medio virtus” (no meio é que está a virtude).
199
Contudo, não deixamos de salientar que, quando se refere aos mais
desfavorecidos, reporta-se aos inquilinos, ou pretendentes a inquilinos, nunca
qualificando assim os senhorios dos prédios mais antigos e com rendas degradadas.
Ressalve-se, ainda, a preferência, aliás despropositada, da Comissão em vincar a
dignidade e a seriedade do direito à habitação, praticamente não referindo (pelo
menos, em termos expressos e inequívocos) a dignidade e a seriedade do direito de
propriedade.
É de todos conhecido a aptidão que o Estado Português possui na intervenção no
mercado de arrendamento, quer através de políticas habitacionais, quer através de
legislação sobre matéria tão sensível como é a do arrendamento.
Uma e outra têm demonstrado à saciedade a falta de coragem política por parte do
Estado em assumir as suas responsabilidades no domínio da intervenção no
arrendamento.
Ao longo dos anos a que temos assistido?
À degradação completa do parque habitacional português por culpa exclusiva dos
poderes públicos que não têm conseguido agradar a gregos e troianos.
Mas neste caso o senhorio português tem tido o papel de vítima do sistema.
O resultado está à vista: rendas degradadas, que não acompanham a evolução do
mercado, falta de apoios e incentivos aos proprietários para a realização de obras nos
prédios que são seus, existência de legislação que permite as maiores arbitrariedades
aos inquilinos que fazem seus aquilo (o prédio) que o não é.
Exemplificando:
A famigerada Lei das Rendas que, segundo se pensava, poderia acabar com a
“pobreza” dos proprietários, pelo contrário ainda agravou mais a sua situação –
delapidou por completo aquilo que o Estado chama de Propriedade Privada (mais
parece Propriedade Pública).
O RECRIA, embora tivesse resolvido pontualmente algumas questões – no que
respeita à realização de obras nos prédios – veio impor ao proprietário descapitalizado
grandes sacrifícios, no que respeita ao pagamento da parte não comparticipada, por
falta de crédito com juros bonificados.
Resultado: Autarquias depauperadas financeiramente e o RECRIA paralisado.
Mas, o mais espantoso exemplo da intervenção estatal no arrendamento, é a
proibição imposta pelo RECRIA na venda dos imóveis, até que o “pobre” do
proprietário pague o que deve à Câmara.
Maior inconstitucionalidade que esta não pode haver.
Esta é a violência da intervenção estatal no arrendamento.
200
5. PROTECÇÃO E DISCIPLINA DO ARRENDAMENTO HABITACIONAL
Suscita alguma preocupação o 5.º parágrafo deste ponto (pág.194-195).
Do seu texto resulta que a Comissão espera que o Estado defina o regime legal e
as regras essenciais a que devem obedecer os contratos de arrendamento
habitacional, tornados obrigatórios para a devida segurança e estabilidade do
alojamento.
Parece ser a intenção de voltar ao regime legal da renobabilidade obrigatória e
automática para o senhorio, estabelecendo-se a possibilidade de instituir um termo
certo somente a título excepcional.
Trata-se de um escandaloso retorno ao passado, na sua fase mais negra, e que mais
contribuiu para gerar o clima de desconfiança que, ao que a Comissão propala, se
pretende combater.
Visar tal finalidade (a do retorno ao regime antigo) revela, inequivocamente, um
total desconhecimento da evolução, “no terreno”, dos arrendamentos a cinco anos: as
mais das vezes, os senhorios deixam renovar-se os contratos, apenas os denunciando
quando o inquilino não corresponda às expectativas do senhorio (porque se atrasa a
pagar a renda e o senhorio sabe que, se recorrer aos tribunais, terá de esperar longos
anos por uma sentença, ou porque degrada demasiado o fogo arrendado), ou quando
este necessite do fogo para habitação, sua ou de um seu familiar.
6. VALOR DAS RENDAS
7. NÍVEL DE RENDAS NOS “ARRENDAMENTOS ANTIGOS”
Reconhece a Comissão a total ineficácia da correcção extraordinária, bem como
da “actualização” através da aplicação anual da taxa de correcção monetária.
Não há memória de essa taxa ser fixada de acordo com a inflação, tendo os
sucessivos governos adoptado o valor mínimo indicado na lei, e fixando-a, portanto,
em 3/4 da inflação apurada no ano anterior (e mesmo assim sem habitação).
Na página 197 (3.º parágrafo), e com notável candura, afirma a Comissão que a
actualização das rendas merece consenso desde que acompanhada da recuperação e
valorização dos imóveis. Pode não ser essa a intenção, mas teme-se que a Comissão
entenda que, ao permitir uma actualização das rendas antigas, o senhorio
(descapitalizado de há muitos anos) passe a ficar desde logo auferindo de invejável
liquidez, e seja, consequentemente, obrigado a efectuar intervenções de grande vulto
nos seus prédios.
De notar que a Comissão reconhece a necessidade de actualizar as rendas antigas.
Mas somente para níveis razoavelmente aceitáveis (p.197, 4.º parágrafo). O que será
razoável, e que raciocínio (ou de quem) fixará os critérios de razoabilidade?
Aqui haverá um reparo a fazer quando se afirma (pág.197 - 4.º§), não fazer grande
sentido elevar rendas em fogos degradados e sem o mínimo de condições de
201
habitabilidade. Normalmente, as rendas em fogos degradados, equivalem a contratos
bastante antigos e, consequentemente, a rendas baixas que nunca poderão pelos
mecanismos actuais existentes, virem a ser muito elevadas.
Inclusive, como já foi defendido, em recente Acórdão da Relação de Lisboa, o
facto de o imóvel arrendado não possuir condições de habitabilidade justifica o não
pagamento da renda e a não residência permanente.
Sobre o subsídio de renda, desconhecerá a Comissão, certamente, que o número
de pedidos de subsídio de renda ficou muito aquém das expectativas do Estado,
quando foi criado.
Propõe-se um valor mínimo de renda, em função da correcção monetária, única
forma de se alcançar um critério objectivo que acompanhe o preço de mercado e crie
ao inquilino meios que lhe possibilitem um maior acesso aos subsídios de renda.
8. PRAZOS DOS CONTRATOS
Aqui são, ainda, mais evidentes os intuitos da Comissão em regredir.
Propugna (p.199, 1.º parágrafo) pela estabilidade do direito à habitação, fala nos
custos materiais da mudança de residência, que são impostos ao inquilino, e refere
que o senhorio se aproveita deste desejo de estabilidade para, findo termo do contrato,
exigir um despropositado aumento da renda, a troco de deixar renovar o
arrendamento.
Gonçalvismo do mais puro...e certamente “mieux que nature” ...
Logo a seguir confessa este seu irreprimível desejo de regresso ao passado,
pretendendo fazer reviver o sistema de aplicação de fórmulas para a fixação das
rendas, seja no regime da renda condicionada, seja no regime da renda livre (que,
inevitavelmente, deixará de ser livre...).
Parece-me, no entanto, no que se refere às transmissões para os descendentes que
a actual legislação não tem resolvido a perpetuidade dos arrendamentos antigos.
Embora o proprietário possa denunciar tais arrendamentos, o certo é que basta ao
transmissário oferecer uma renda à volta dos 20,30 contos mensais – valor, hoje
diminuto – para que aquele proprietário de fracos rendimentos não possa entregar a
quantia indemnizatória, que poderá rondar os dois mil, três mil ou mais contos.
Aqui poderia colocar-se como alternativa e desde que a renda oferecida pelo
transmissário não atingisse um “plafond” mínimo, a imposição de um novo
arrendamento de duração limitada, tal como a lei prevê nos casos do direito ao novo
arrendamento, com a diferença de que naqueles casos o regime de renda seria o da
renda livre.
202
9. CONSERVAÇÃO E ENCARGOS CORRENTES DOS PRÉDIOS
Refere-se, finalmente, o princípio de que as despesas correntes de manutenção
deverão ser suportadas pelos moradores. Mas, claro, com uma diminuiçãozinha da
renda...
Essa possibilidade apenas existe nos prédios sujeitos ao regime de propriedade
horizontal. Ora, esses são em geral os prédios cujas rendas se encontram actualizadas
e, na verdade, o que mais uma vez releva são os arrendamentos dos prédios antigos
não sujeitos a esse regime.
A solução não poderá deixar de se situar numa relação entre o montante da renda
e o montante das despesas com as partes comuns do imóvel, independentemente de
existir ou não propriedade horizontal. E, mesmo que seja o próprio inquilino a pessoa
incumbida de controlar tais despesas.
Relativamente aos prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, mais uma
vez foram esquecidos os imóveis urbanos antigos, sujeitos àquele regime antes da
entrada em vigor do RAU. Ainda há proprietários que recebem rendas inferiores à
prestação que têm que satisfazer ao condomínio...
10. O PESO FISCAL
Saúda-se o entendimento de que a sisa é aberrante e inútil.
A não penalização em excesso dos rendimentos prediais, sujeitando-os a uma taxa
liberatória, parece ser critério, por ora, aceitável, sem prejuízo de se tentar determinar
o que é a penalização em excesso...
Conviria referir a possibilidade de isentar os rendimentos mais baixos, por
exemplo os inferiores ao salário mínimo nacional.
Na mesma linha, merecem ainda aplauso as reflexões em torno dos incentivos
fiscais a adoptar em matéria de rendimentos auferidos do arrendamento para
habitação.
11. A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
É de todos conhecido a morosidade dos nossos tribunais. Não escapam a esta
desagradável situação as acções de despejo. Acções há, que demoram 3/4 anos ou
mais a serem resolvidas. Este estado de coisas leva a que muitos proprietários se
sintam obrigados a negociar com os inquilinos, durante as acções, chorudas
indemnizações para poderem entrar na posse do seu património – indemnizações
essas, nas mais das vezes injustíssimas.
Propõe-se o aprofundamento de experiências de arbitragem, enfatizando-se a
necessidade de dotar o sistema de mecanismos executórios.
203
12. SEGURANÇA E INCENTIVOS NO MERCADO DE ARRENDAMENTO
13. APONTAMENTO FINAL
Política não comentável ...
Estes pois os comentários que a brevidade do tempo concedido me merecem e que
espero lhe possam ser úteis.
***
Para finalizar, seja-me, apenas, permitido dirigir duas últimas palavras: uma, à
ilustre Presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses que me sucederá,
igualmente, como comentadora do Orador e outra, a Sua Excelência, o Ministro do
Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
À Senhora Presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, perante a
evidência dos factos tão bem transmitida pelo orador, desejamos solicitar que a sua
Associação, despida, tal como a nossa, de qualquer paixão, nos encare como parceiro
que, no contexto promovido pelo actual Governo, lhe dará a melhor colaboração no
sentido de serem encontradas as soluções mais adequadas à resolução do nosso grave
problema comum da habitação arrendada, um problema que nos transcende, de âmbito
verdadeira e prioritariamente nacional.
A Sua Excelência, o Ministro João Cravinho, desejamos manifestar-lhe o nosso
apreço por, finalmente, ter reconhecido que a revisão do Regime do Arrendamento
Urbano é, na verdade, uma prioridade, confiando em que, apesar de muitas
dificuldades, saberá com os seus pares, encontrar uma solução condigna e de
verdadeiro interesse nacional. Dos fracos não reza a história!
204
Dra. Alexandra Gonçalves *
Comentadora
Em primeiro lugar permitam-me em nome da organização que represento e em
meu nome pessoal, agradecer o convite que nos dirigiu o Conselho Económico e
Social, e dizer que muito nos honra participar neste interessante e oportuno colóquio
sobre “A Política da Habitação”.
Permitam-me, ainda, uma nota prévia
Qualquer reflexão sobre habitação, está para nós sempre presente, e certamente
partilhado por muitos de vós, que a habitação é uma necessidade primária, é um
direito reconhecido pela nossa Constituição.
A falta de casa, a casa degradada sem o mínimo de condições, onde cada um e
todos não tenham espaço para preservar a sua intimidade e privacidade, é um factor
desestabilizador, gerador de grande insegurança, de violência, de prostituição, de
insucesso escolar, de droga, de tudo que concorre e desaba na exclusão social.
Sendo um dos mais graves problemas de ordem social, afecta largos estratos da
população portuguesa, e principalmente os de menor recursos económicos e os
jovens.
A situação habitacional em Portugal caracteriza-se por um elevado déficite, falta
de centenas de milhar de fogos, milhares de fogos devolutos, um parque habitacional
envelhecido e degradado, inexistência de uma política de solos, uma alta taxa de
fogos sobreocupados ou desviados dos seus fins e uma alta taxa de construção
clandestina e barracas.
O défice habitacional tem vindo a agravar-se, dado a produção não conseguir
acompanhar a procura. O destino da maioria de fogos continua a ser para habitação
própria e permanente com recurso ao crédito bancário e não para o mercado de
arrendamento.
A oferta de fogos no mercado de arrendamento é escassa, e a existente é a preços
inacessíveis, incompatíveis com os salários e o rendimento familiar.
Nos últimos meses, e depois de publicado em Diário da República o despacho de
nomeação da Comissão para o Arrendamento Habitacional, presidida pelo Senhor
Eng. Mário de Azevedo, surgem quase diariamente, na comunicação social, as
notícias sobre alterações ao arrendamento urbano.
Com o devido respeito, e é muito, este documento em análise respiga as diversas
notícias publicadas nos jornais e traça cenários essencialmente virados para objectivos
tendentes a alterações do arrendamento numa perspectiva de apoio claro aos
proprietários.
Senão vejamos:
*
Presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonense.
205
– a habitação é um produto de elevado custo, que responde certamente à
procura pelo que deve ser garantido e incentivado;
– para o livre funcionamento, o Estado deve interferir o mínimo;
– permanência de um quadro institucional e jurídico não sensível a flutuações
políticas, de modo a estabelecer um clima de confiança;
– celeridade no acompanhamento por parte das instituições de julgamento e de
arbitragem;
– protecção fiscal;
– protecção e disciplina do arrendamento: – definição do regime legal e regras
essenciais dos contratos de arrendamento – termos do contrato – garantias do
pagamento e manutenção da qualidade do prédio com participação do
arrendatário – problemas de subarrendamento, hospedagem e desvio da
função – vias de julgamento ou de arbitragem;
– confiança dos investidores;
– adopção de uma correcção periódica da renda, com base num índice
publicamente reconhecido como acompanhante da inflação ou tradução de
uma evolução geral de custos;
– adopção de uma técnica mais consentânea de aumentos das rendas dos
contratos antigos;
– incentivos à colocação no mercado de fogos devolutos;
– prazos nos contratos;
– responsabilidade do inquilino pela conservação e encargos do prédio;
– fixação por peritagem de período de vida útil de imóveis degradados;
– resolução de conflitos célere e se possível por arbitragem;
– confiança na segurança do rendimento de investimento; risco para a falta de
pagamento da renda, demoras judiciais dos processos e das execuções de
despejo.
Ora entendemos que não é a alteração da legislação existente, e principalmente a
visão economicista de aumento de rendas, que irá resolver a grave situação
habitacional, como as últimas alterações legislativas o demonstraram.
É oportuno lembrar que as rendas praticadas, mesmo no período das rendas
congeladas, a partir de 1948 em Lisboa e Porto, atingia valores muito acima dos
salários médios praticados na altura, pois havia liberdade em estipular a renda inicial
nos contratos celebrados. A inflação era baixa.
Desde 1981, toda a legislação tem vindo a reforçar os direitos dos proprietários e
ignorar as correspondentes obrigações.
206
– O Dec.-Lei n.º 148/81 institucionalizou os contratos nos regimes de renda
livre e renda condicionada, quer para os novos contratos quer para os
contratos pré-existentes em que se verificasse transmissão por morte;
– o Dec.-Lei n.º 328/81 possibilitou a actualização de rendas, quando por
morte do arrendatário os contratos se transmitissem aos descendentes com
mais de 25 anos de idade ou à pessoa com direito a novo arrendamento;
– o Dec.-Lei n.º 294/82 possibilitou aumentos de renda, desde que realizadas
obras no prédio
– a Lei 46/85, regulou os aumentos de renda de arrendamentos anteriores a
1/01/1980 – correcções extraordinárias
– o Dec.-Lei n.º 321/B/90 que aprovou o Regime de Arrendamento Urbano
– RAU introduziu alterações significativas, nomeadamente actualizações
anuais, regime de obras com aumentos de renda, regime do contrato de
duração limitada (contrato a prazo), caducidade do arrendamento por
cessação dos poderes legais de administração, ficar a cargo dos inquilinos as
despesas correntes das partes comuns e pagamento de serviços de interesse
comum, aumento do prazo de limitação ao direito de denúncia para habitação
própria de 20 para 30 anos.
– O Dec.-Lei n.º 278/93 veio introduzir alterações ao RAU, possibilitando a
denúncia do arrendamento em caso de transmissão por morte e a actualização
da renda até à da renda condicionada, quando o inquilino for arrendatário ou
proprietário de outro prédio na área metropolitana de Lisboa ou Porto.
Todas estas alterações, dizia-se, eram feitas para reposição e confiança do
investidor e reabilitar o parque habitacional. Hoje repetem-se os argumentos.
E o que podemos constatar?
Os prédios continuaram a degradar-se independentemente do rendimento auferido; o
RECRIA possibilitou a recuperação dos prédios a fundo perdido e o aumento das
rendas na parte não comparticipada e a venda dos andares recuperados a valores
elevados sem qualquer ressarcimento à entidade financiadora (Câmara e IGAPHE); os
fogos devolutos aumentaram; os contratos de duração limitada proliferam; os prédios
são arrendados sem qualquer controle de qualidade e a valores exorbitantes; mantémse a inércia e a ineficácia das autoridades camarárias para cumprimento das
imposições administrativas, etc., etc.
Para nós, a resolução dos problemas passa por uma reforma estrutural em que
tenha em conta a definição de uma política habitacional coerente, intervenção do
Estado como regulador do mercado e promotor de habitação social, sistemas de
financiamento virados não só para a aquisição de habitação própria mas também para
o arrendamento, política de solos que combata a especulação, medidas eficazes com
207
vista à reabilitação, conservação e utilização do parque e combate aos fogos
devolutos.
Consideramos que é urgente tomar algumas medidas, nomeadamente:
– definição de uma política coerente tendo em conta os interesses das partes
envolvidas, inquilino e senhorio, e não ao sabor do momento, com constantes
mutações trazendo consigo inseguranças e incertezas;
– reconhecer os proprietários como agentes económicos não apenas com
direitos mas também com obrigações;
– intervenção a nível estatal tendo em vista o combate à especulação de
terrenos, ao aumento da oferta de habitação através da construção, promoção
de:
• medidas de conservação e manutenção do parque habitacional;
• aumento dos níveis de habitabilidade dos fogos antigos.
– incremento do programa RECRIA;
– levantamento dos fogos devolutos através das autarquias, atribuindo
competências para acompanhar e gerir estas situações;
– atribuição às autarquias de meios eficazes e actuais de prevenção para
controle do estado das principais causas de degradação do parque
habitacional, designadamente, por vistorias periódicas aos prédios.
208
Sessão de Encerramento
209
Intervenção de Sua Excelência o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da
Administração do Território
Engenheiro João Cravinho
Senhor Presidente do Conselho Económico e Social
Senhor Vice-Presidente do Conselho Económico e Social
Ilustres Conferencistas
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Ao encerrar este Colóquio, as minhas primeiras palavras são de agradecimento ao
Conselho Económico e Social, pela forma como soube organizar este espaço aberto
ao debate da Política da Habitação.
As intervenções aqui proferidas, seja pelos oradores e pelos comentadores, seja
pelos participantes no encontro, constituem um incentivo que nos anima a prosseguir
os difíceis caminhos de uma Política que tão directamente incide na qualidade de vida
dos cidadãos.
A todos, conferencistas e participantes, agradeço a vossa disponibilidade e o vosso
contributo, saudando, de uma forma muito especial, o Presidente do Conselho
Económico e Social, o Senhor Professor Silva Lopes, de quem aguardo um relato
circunstanciado e conclusivo do Colóquio.
Uma palavra de apreço também é devida à Caixa Geral de Depósitos, pelo
acolhimento que soube prestar a este Encontro. Ao Presidente do Conselho de
Administração, Dr. João Salgueiro, dirijo os meus agradecimentos e expresso a minha
convicção de que, no próximo futuro, a Caixa continuará a desempenhar um
importante papel no Crédito à Habitação.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
A circunstância de ter sido precedido pela Senhora Secretária de Estado da
Habitação e Comunicações dispensa-me de apresentar, com algum pormenor, as
Linhas da Acção Governativa que presentemente são desenvolvidas no domínio da
habitação.
Assim, vou centrar a minha intervenção em questões de âmbito mais geral,
procurando esclarecer determinadas opções de Política que sustentam e dão sentido às
medidas que, no domínio que aqui nos interessa, vêm sendo tomadas pelo Ministério
do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
É opção fundamental do Programa do Governo a promoção de um correcto
Ordenamento do Território.
Recorro propositadamente a esta fórmula sintética para me aproximar do texto
Constitucional, que precisamente eleva o “correcto Ordenamento do Território” à
condição de incumbência fundamental do Estado.
210
Ora, atendendo à dignidade atribuída ao Ordenamento do Território, será
necessário estabelecer, em Sede Parlamentar, os princípios que hão-de orientar a
Acção do Estado, nele se incluindo, obviamente, as Regiões Autónomas e as
Autarquias Locais.
É no sentido de corresponder a esta exigência Constitucional que se encontra em
debate público um Anteprojecto de Proposta de Lei de Bases do Ordenamento do
Território.
Uma vez concluído o debate público, cujo termo se encontra aprazado para o
próximo dia 15 de Abril, será elaborado o Projecto de Proposta de Lei, desejando o
Governo que a sua apresentação à Assembleia da República ainda ocorra na presente
Sessão Legislativa.
Para o bom entendimento desta iniciativa legislativa e, concretamente, para a
compreensão da sua previsível incidência no domínio da Habitação é conveniente não
perder de vista quer a natureza de que se reveste uma Lei de Bases, quer a opção do
Governo de reservar, para momento posterior, a Revisão da Lei de Solos de 1976.
Em relação à natureza da Lei de Bases, e tal como é sugerido pela sua própria
designação, importa salientar que nela devem ser acolhidos princípios que suscitem o
mais amplo consenso.
Será o respeito por esta exigência que irá garantir a longevidade da Lei, conferindo
a desejada segurança no desenvolvimento dos seus normativos pela legislação
ordinária.
Dado que não estamos habituados a equacionar a produção legislativa desta forma,
não resisto a abrir aqui um parêntesis para invocar o exemplo da Holanda, o primeiro
país europeu a dotar-se de uma Lei do Urbanismo e da Edificação de sentido
moderno.
Refiro-me concretamente à Lei da Habitação de 1901, que ainda hoje continua em
vigor, embora pontualmente alterada.
À luz deste simples facto, bem se compreende aquele holandês que estranhava a
facilidade com que as leis, em Portugal, são alteradas, revogadas ou substituídas –
estranheza que só desfeita quando foi dada resposta à seguinte pergunta: e todas as
leis novas são efectivamente aplicadas e cumpridas?
Ora, o Governo deseja que a revisão da Lei dos Solos conduza à consagração de
normas destinadas a ser efectivamente aplicadas, o que pressupõe um grande rigor na
sua fundamentação e na sua formulação, bem como a sua inserção num quadro
legislativo tão consensual quanto possível.
Para isso deverá servir a Lei de Bases do Ordenamento do Território, sem prejuízo
de nela se definirem os princípios que regem a acção fundiária dos poderes públicos e
dos particulares, porventura com maior desenvolvimento do que aquele que lhe foi
dado no Anteprojecto submetido a debate público.
Aliás, esse mesmo diploma deverá também estabelecer as linhas mestras que hãode presidir quer à reforma dos Regimes de Licenciamento Municipal de Operações de
211
Loteamento, de Obras de Urbanização e de Obras Particulares, quer à consagração de
um novo quadro jurídico da Edificação.
Em relação aos Regimes de Licenciamento Municipal chamo a vossa atenção para
o facto de o Anteprojecto de Lei de Bases prever a possibilidade de as entidades
públicas e de os particulares procederem à elaboração de planos de pormenor, de
acordo com bases fornecidas pela Câmara Municipal.
Esta solução, a traços largos idêntica àquela que vigora em Espanha, França e
Itália, deverá traduzir-se numa maior qualidade das actuações urbanísticas dos
particulares e deverá conferir uma maior operacionalidade às acções de planeamento
promovidas pelos Municípios.
Mas, não menos importante do que estes aspectos, essa mesma solução permite
equacionar a Reforma do Licenciamento Municipal em termos de vir ao encontro da
sua desejada simplificação, sem, com isso, deixar de atender à necessária prossecução
do interesse público.
De facto, os trabalhos já desenvolvidos neste domínio antevêem a possibilidade
dos regimes que actualmente se encontram organizados em termos sequenciais –
Loteamento, Obras de Urbanização, Edificação – virem a ser substituídos por um
Regime Único, centrado na noção de empreendimento, o qual deverá abranger um
conjunto coerente de actos sujeitos a Licenciamento Municipal.
Será escusado sublinhar os ganhos em tempo que uma solução deste tipo permite.
Saliento apenas que o mesmo critério é seguido noutros países europeus – como no
caso da Espanha e da Suíça – e que a licença de construção unificada garante uma
melhor percepção dos contornos das iniciativas dos particulares por parte da
Administração Pública, ou seja, permite uma mais adequada ponderação dos
interesses públicos e privados em presença.
Entretanto, a Reforma do Licenciamento Municipal deverá ser acompanhada pela
definição de um novo regime jurídico respeitante ao processo da Edificação,
envolvendo a caracterização das suas diferentes fases, desde a promoção à
conservação do edificado, a identificação dos agentes intervenientes e a tipificação
das suas responsabilidades e respectivas garantias.
Trata-se essencialmente de colmatar uma lacuna manifestada pelo actual sistema,
que, precisamente pela superficialidade com que trata estas matérias, não facilita o
recurso a mecanismos hoje correntes na generalidade dos Estados-membros da União
Europeia, como sejam o seguro de projecto e seguro de construção.
Bastaria este simples enunciado para se perceber que o Projecto de Diploma que
vem sendo designado por “Lei da Edificação” visa sobretudo garantir a qualidade da
construção e a adequada utilização e manutenção dos edifícios, assim contribuindo
para valorização do nosso Parque Habitacional.
Apenas acrescento que o Projecto de Lei da Edificação releva do Direito Privado, o
que equivale a dizer que pretende enquadrar as relações contratuais a estabelecer entre
os diversos agentes.
212
Isto significa, na prática, que se trata de um diploma em cuja aplicação não se fará
sentir o peso da Administração Pública, exactamente porque um dos objectivos
centrais do Diploma em Projecto é eliminar o actual primado do tratamento
burocrático dos processos, substituindo-o sistematicamente por um sistema de
responsabilidade e garantia a todos os níveis. Esta preocupação é, aliás, um dos eixos
estruturantes de toda a Linha da Acção desenvolvida pelo Governo, designadamente
quando promoveu a flexibilização dos Programas de Realojamento, eliminou
processos burocráticos desnecessários e garantiu Linhas de Crédito para estes
Programas, suficientes para atingir níveis de investimento superiores a duzentos
milhões de contos.
A eficácia deste processo de desburocratização permitiu ainda que grupos
financeiros privados aderissem aos Programas de Realojamento, praticando
taxas de juro cerca de 50 por cento mais baixas do que aquelas que se
verificaram no início de 1996.
Estão assim a ser dados passos concretos no sentido de um maior envolvimento de
todos os agentes e da Administração Central, na realização de parcerias; e de uma
participação dos cidadãos na transformação do espaço edificado, por forma a
encontrar respostas adequadas às suas necessidades.
As classes médias têm sido afectadas pela ausência de resposta adequada às suas
possibilidades económicas. Este facto levou a que o Estado assumisse um encargo de
quase cem milhões de contos por ano, com a bonificação de juros para a aquisição de
habitação própria.
A este encargo junta-se outro – o da classe média baixa, que viu agravar as suas
condições de habitação; condições cada vez mais degradadas, por inacessibilidade aos
custos de mercado. Também nesse campo, o Estado tem de assumir as suas
responsabilidades, conferindo aos detentores de rendimentos medianos a possibilidade
de acederem a uma habitação condigna.
Num esforço de resposta a camadas médias de população, auferindo rendimentos
baixos e medianos foram ainda definidas novas regras, mais claras e mais eficazes
para as Cooperativas de Habitação.
Para esse efeito, simplificaram-se os processos; passou-se da ineficácia de uma
Legislação dispersa por mais de duas dezenas de diplomas, para a objectividade de
dois novos Decretos já aprovados.
A capacidade de mobilização de Solo, que responda ao crescimento urbano, é
outro desafio a enfrentar.
Um desafio que, à semelhança da habitação em si, exige também a participação de
todos, uma vez que tem de se aumentar a eficácia dos processos de mobilização dos
solos para a construção a custos controlados, permitindo maior rapidez de resposta
por parte do Poder Local às necessidades dos seus habitantes.
Estou convicto que o conjunto destas medidas, de concretização apela à iniciativa
não só das Autarquias Locais mas também da sociedade civil em geral, irá contribuir
213
decisivamente para a atenuação do forte desequilíbrio entre a oferta e a procura de
habitação que tem perdurado ao longo dos anos em Portugal.
Ao contrário da ideia veiculada pela comunicação social, o Governo não pretende
liberalizar as rendas.
O Governo tem como objectivo no domínio do arrendamento antigo a reabilitação
e manutenção do parque habitacional que se tem degradado aceleradamente com
graves prejuízos para a qualidade de vida nas nossas cidades.
Para o efeito o Estado apoiará os proprietários que garantam a conservação dos
prédios arrendados e apoiará os inquilinos cujos rendimentos não permitam suportar o
esforço na reabilitação dos fogos que habitam.
Mas não basta dar resposta à degradação das situações herdadas do passado.
É necessário dar resposta àqueles que não dispõem de rendimentos para a compra
de casa própria e não encontram no mercado casas para alugar a preço compatível
com as suas posses.
Assim, o Governo lançará um vasto programa de habitações para novos
arrendamentos a custos moderados.
Para o efeito o Estado disponibilizará linhas de crédito altamente bonificado e a
longo prazo que permitam a construção de habitações para arrendamento adaptadas às
carências dos portugueses que apenas têm recursos para pagar com esforço uma renda
média.
214
Programa
215
PROGRAMA
COLÓQUIO A POLÍTICA DA HABITAÇÃO
3 e 4 de Abril de 1997
(Pequeno Auditório da Caixa Geral de Depósitos)
Dia 3 de Abril
09H15-09H45 Abertura
•
Secretária de Estado da Habitação e Comunicações
Senhora Dra. Leonor Coutinho
09H45-11H15 Análise da Situação actual: evolução recente, perspectivas
Orador:
• Prof.ª Dra. Clara Mendes (Faculdade de Arquitectura)
Comentadores:
• Dr. Manuel Ataíde Ferreira (Presidente da DECO)
•
Senhor Carlos Silva (Vereador da C.M. de Vila Franca de Xira e
Presidente da CHASA)
11H15-11H30 Intervalo para café
11H30-13H00 Planeamento urbano e oferta de terrenos
Orador:
• Eng.º A. Fonseca Ferreira
Comentadores:
• Senhor Guillerme
CONFECOOP)
•
Vilaverde
(FENACHE
e
Vice-Presidente
da
Arqt.ª Helena Roseta (Deputada)
13H00-15H00 Intervalo para almoço
15H00-16H30 A actividade da construção: regulamentação, técnicas e custos, Fiscalidade e
apoios na construção e na habitação
Orador:
• Eng.º Rui Manuel Nogueira Simões (Presidente da AECOPS e VicePresidente da CIP)
Comentadores:
• Prof. Sidónio Pardal (UTL e Presidente da Comissão de Contribuição
Autárquica)
•
Prof. Vítor Abrantes (Faculdade de Engenharia do Porto)
16H30-16H45 Intervalo para café
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16H45-18H15 Habitação social
Orador:
• Dr. Eduardo Vilaça (Presidente do INH)
Comentador:
• Prof.ª Dra. Isabel Guerra (ISCTE)
Dia 4 de Abril
09H45-10H30 Financiamento
Orador:
• Dr. Rui Mendes (CGD)
Comentador:
• Dr. Amaral Gomes (COOCICLO)
10H30-11H45 Intervalo para café
10H45-12H45 Arrendamento
Orador:
• Eng.º Mário Azevedo (Presidente da Comissão para o Arrendamento
Habitacional)
Comentadores:
• Prof. Diogo Lucena (UN – F. Economia)
•
Senhor Eduardo Carvalho da Silva (Presidente da Associação Lisbonense
de Proprietários)
•
Dra. Alexandra Gonçalves (Presidente da Associação dos Inquilinos
Lisbonenses)
12H45 Encerramento:
•
Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do
Território, Senhor Eng.º João Cravinho
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Colóquio "A Política da Habitação"