Cinco pontos sobre redes sociais na Internet
Por Raquel Recuero (*)
Nos últimos anos, assistimos a um crescimento espantoso das chamadas
tecnologias de comunicação. Essas tecnologias tornaram-se mais rápidas,
mais populares e mais instrumentalizadas no cotidiano de milhares de pessoas
em todo o mundo. Passaram, assim, a fazer parte de um conjunto de práticas
sociais que permeia o século XXI, construindo sentidos e modificando
comportamentos.
Dois elementos são marcantes nesta mudança estrutural: o primeiro deles é o
foco na participação, que principalmente através da Internet, torna-se o carro
chefe da popularização dessas tecnologias. O segundo é que essa participação
dá-se em uma escala global, nunca antes proporcionada por nenhum meio de
comunicação a indivíduos. É nesse âmbito que o foco nas chamadas "redes
sociais" retorna à discussão. Nesse contexto, observamos novas práticas
sociais que emergem da apropriação desses sistemas, primeiro com a
popularização das salas de bate-papo, depois com ferramentas como fóruns,
blogs, fotologs e, finalmente, através dos chamados sites de redes sociais.
Foi o surgimento desses sites (a partir de 1997, com o Six Degrees) e sua
posterior popularização (a partir de 2002, com o Friendster) que banalizou o
uso do termo "rede social" para os grupos formados na Internet. Sites de redes
sociais são caracterizados principalmente pela exposição pública da rede de
conexões de um indivíduo, que mostra aos demais quem são seus amigos e a
quem está conectado; e pela construção de representações das pessoas ali
envolvidas. (Esta última, enquanto fator necessário para que a primeira possa
emergir.) Assim, as redes sociais na Internet não podem ser confundidas com a
ferramenta que as suporta; são, por si, expressões de grupos sociais, de
pessoas e instituições que estão permanentemente interconectadas pelas
novas tecnologias de comunicação e informação. São constituídas pelas
representações das pessoas (os perfis no Orkut, as páginas pessoais e etc.) e
as conexões que existem entre essas representações ("amigos" no Orkut, links
em um blog, etc.).
Muito se tem falado a respeito dessas redes. Tanto sobre o seu potencial de
colaboração quanto dos elementos egocêntricos que rodam sua publicização.
Nos meus próximos artigos, vou desenvolver o que chamarei de alguns
"pontos", sistematizações e argumentações obtidas, principalmente, através de
pesquisas empíricas, a respeito do fenômeno, onde pretendo mostrar como
essas redes podem ser constituídas (e o são, muitas vezes) enquanto espaços
de ações relevantes para a sociedade. É com o objetivo de sistematizar alguns
conhecimentos sobre redes sociais na Internet que foco esse texto.
Ponto 1: Redes Sociais na Internet são sobre pessoas e não são
desconectadas das redes offline
A referência às redes sociais no contexto do ciberespaço pode ser uma
novidade. Mas os grupos sociais que surgem nesses sistemas não o são
necessariamente. Como o trabalho de muitos pesquisadores tem mostrado
(notadamente o trabalho das pesquisadoras americanas Danah Boyd e Nicole
Ellison, por exemplo), esses sites tratam de complexificar relações já
existentes, mais do que simplesmente proporcionar o surgimento de grupos
novos. As pessoas estão utilizando essas ferramentas para reencontrar
amigos, auxiliar a manter relações sociais e ampliar suas redes. Aqui, portanto,
temos um primeiro ponto: As redes sociais na Internet vão expressar um
conjunto de relações já existentes e vão manter um espaço contínuo de
conexão para os atores sociais. Dentro dessa perspectiva, essas redes vão se
constituir sim em espaços de trocas e interação e é esse o primeiro uso dessas
ferramentas: conectar pessoas.
É essa conexão que contém grande parte do apelo dessas ferramentas. Não
apenas pelo valor da sociabilidade mas, também, pelo valor do lazer. Assim,
são comuns os casos de pessoas que encontram amigos de infância com
quem não mantinham contato há anos através do Orkut, ou famílias que se
reúnem com parentes desaparecidos, descobertos através dessas ferramentas.
Estudos desenvolvidos a respeito do uso do Facebook nos Estados Unidos, por
exemplo, demonstraram que muitos um dos principais valores da ferramenta
era permitir que os jovens mantivessem contato com suas redes sociais locais
quando se mudavam para estudar em outra cidade. Ou seja, a Internet
auxiliava na forma de manter as conexões sociais das pessoas, como forma de
amplificar o alcance dos contatos.
Assim, as ferramentas de comunicação mediada pelo computador não criam
redes sociais desconectadas, distantes do mundo concreto de um determinado
indivíduo. Ao contrário, expressam e complexificam as relações sociais já
existentes, a partir do momento em que parte dos espaços sociais vai
desaparecendo do mundo contemporâneo.
Ponto 2: Redes sociais na Internet são construídas pela apropriação
Outro ponto importante que precisamos levar em conta nessa discussão é que
essas redes sociais, como espaços de "expressão do eu", são também
construídas através da comunicação. São unicamente as trocas entre os
indivíduos que vão estabelecer as conexões que depois serão mantidas pelo
sistema. Como espaços sociais, as redes ultrapassam o objetivo da
ferramenta. Elas vão além daquilo que foi pensado como possível. Assim,
essas tecnologias têm seus significados reconstruídos pelos grupos sociais,
que fornecem, através de suas práticas, sentidos diferentes para cada
ferramenta.
Ora, as comunidades do Orkut, originalmente criadas como espaço de
discussão, passaram a ser utilizadas por muitas pessoas como meros
"crachás", demonstrando filiações e gostos e auxiliando na construção de um
perfil. Assim, as comunidades foram apropriadas pelos grupos sociais
brasileiros e reconstruídas com novos sentidos. O Twitter, outra ferramenta
popular, por exemplo, também superou o foco na pergunta "o que você está
fazendo" e se tornou um espaço de circulação de informações de todos os
tipos, inclusive, noticiosas. Chamo esses usos de apropriação.
Essas apropriações não são determinadas pelas ferramentas e são quase
sempre criativas e diferentes para grupos sociais diferentes. Essas
apropriações vão construir redes sociais diferentes, conexões diferentes em
cada espaço. Isso significa que os sites de redes sociais não são utilizados do
mesmo modo. Grupos diferentes criam sentidos diferentes para as
ferramentas.
Assim, há ferramentas de nicho, como o MySpace, que tem ganho
popularidade por conta do foco na música, que tem sido apropriado por
diversas bandas e grupos musicais como ferramenta de divulgação de seu
trabalho e contato com fãs. Isso significa, também, que as redes sociais que
são expressas nesses sites não são todas iguais. Mais ainda, dentro do mesmo
sistema, podemos ter diferentes apropriações. Há, por exemplo, muitos grupos
utilizando o Orkut como ferramenta de expressão. Mas também há grupos que
se organizam e trocam informações através da ferramenta. Assim, a
apropriação não pode ser generalizada ou generalizadora. O sentido é
construído na ação das pessoas e em sua interação.
Ponto 3: Redes sociais na Internet são circuladoras de informação
Redes sociais são expressões de grupos na Internet. Não são, como
discutimos iguais e servem a valores e interesses diferentes na Rede. Mas elas
possuem elementos em comum, como o uso de sites que vão facilitar e
complexificar essas conexões, tornando-as quase permanentes. Por conta
dessas conexões, as redes sociais na Internet tornam-se caminho de fluxos de
informação, que são repassados entre os atores que fazem parte de uma
mesma rede e que vão atingindo redes cada vez mais distantes. Redes sociais,
portanto, circulam informação dentro dos processos comunicativos que as
constituem. Essas informações podem ser de todos os tipos, desde pessoais
até notícias com relevância para determinados grupos. O que acontece é que,
dentro dessas redes, os atores filtram as informações a que têm acesso,
escolhendo repassar aquelas que julgam ter maior relevância.
Em uma recente pesquisa sobre o Twitter, por exemplo, descobrimos que há
um grande potencial informativo na ferramenta e que muitos usuários
realmente estão empenhados em repassar informações relevantes e de
qualidade. Iniciativas informativas semelhantes já foram observadas em blogs e
fóruns. A constituição de espaços onde as informações são rapidamente
repassadas pode ser positiva como potencialmente informadora. Barack
Obama utilizou ostensivamente a capacidade informativa das redes sociais em
sua campanha. Utilizando boa parte dessas ferramentas como espaço de
contato com seus eleitores, Obama divulgou idéias, comícios e jingles,
protagonizando aquela que foi chamada "a primeira campanha eleitoral 2.0" da
História. Mas Obama e sua equipe não construíram a campanha sozinhos.
Quem propagou as informações, considerando-as relevante e necessárias
foram suas conexões, ou seja, as demais pessoas que faziam parte de sua
rede social. Foi o fato da campanha ter compreendido a lógica dessa rede e ter
feito, do candidato, parte dela, que possibilitou que fossem tão bem sucedidos
no processo.
É, portanto, fato que a mediação que proporciona que as pessoas estejam
conectadas faz dessas redes um canal natural para a difusão e o
espalhamento de informações consideradas relevantes. Redes sociais na
Internet, assim, potencializam a capacidade de fazer com que informações
diversas cheguem a indivíduos potencialmente distantes dos fatos.
Ponto 4: Redes sociais na Internet são espaços de conversação
O que faz as redes sociais na Internet estruturas que propagam, filtram e
repassam as informações, também faz delas espaços de discussão e
conversação. E é como espaço de discussão, ou ainda, de participação, que
essas ferramentas estão cada vez mais estabelecidas. É porque as tecnologias
proporcionam que as pessoas falem que também permitem que elas
mantenham contato, estabeleçam canais alternativos de comunicação e
possam discutir fatos que influenciam as suas vidas.
Há alguns anos, percebi a dimensão desse poder quando alguns jovens,
indignados com um caso de maus-tratos aos animais no Rio Grande do Sul
organizaram, através de um debate acontecido no Orkut, todo um movimento
pelos direitos dos animais. Através da mediação da Internet, esse grupo
construiu espaços de discussão, blogs e listas, organizou eventos, palestras e
passeatas e conseguiu que muitas pessoas apoiassem sua causa e
ampliassem a discussão para outras plataformas. Assim, matérias sobre o
grupo saíram em vários jornais e programas de televisão, trazendo e trazendo
o debate também para outras partes da sociedade.
Ponto 5: Redes sociais na Internet são potenciais espaços de mobilização
Se as redes sociais, por conta das conexões, proporcionaram formas de
difusão de informações muito maiores, repartindo o poder antes característico
dos meios de comunicação de massa entre os diversos atores, é também
verdade que ampliaram o potencial da colaboração. Dissemos, no início deste
artigo, que essas redes são constituídas de atores que vão conectando-se
entre si. Essas conexões podem ser estabelecidas também por interesses
comuns. Assim, como essas redes proporcionam que outras pessoas sejam
contactadas e que interesses comuns sejam divididos, é apenas natural que
proporcionem, também, mobiliazação social.
Várias dessas ações, nascidas prioritariamente nesses espaços já tiveram
repercussão na mídia e em espaços nacionais e internacionais. As redes
sociais, como espaços de discussão e de circulação de informações,
proporcionam que idéias surjam, sejam debatidas e construam um potencial de
ação para os atores sociais. Os exemplos estão por todos os lados:
Recentemente, a Assembléia Legislativa de São Paulo foi palco de um grande
protesto contra a proposta de lei do Senador Azeredo (substitutivo ao PLS
76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003), organizado e difundido como
Movimento "Mega Não" principalmente através das redes sociais na Internet. O
ato, que contou com a participação de políticos, ONGs e internautas passou
também a ser espalhado pelos estados brasileiros.
Nas redes sociais na Internet, portanto, está um potencial mobilizador
decorrente da possibilidade de encontrar pessoas com interesses comuns e
pensamentos semelhantes. Um potencial gerado a partir da construção de um
novo espaço de debate e de canais alternativos de comunicação e informação.
*Raquel Recuero é doutora em Comunicação, professora e pesquisadora da
Universidade Católica de Pelotas e do CNPq e consultora em mídias sociais.
Mantém o blog Social Media.
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