Unidade: GLOBALIZAÇÃO,
ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
Unidade I:
0
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
A condição humana e a diversidade das culturas em tempos de
globalização
Para o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921-), o
fator determinante da condição humana é a compreensão da relação que o
indivíduo mantém com a natureza, com o meio que o cerca, simultaneamente
inserido e fora desta mesma natureza.
Para ele, situar o Homem no universo implica em uma mudança de
mentalidade, que iria anteriormente à concepção newtoniana de universo
ordenado e reduzido a sistemas e equações matemáticas, para um universo
nitzchieniano, ou seja, disperso, errante, antagônico, concomitantemente
ordenado e desordenado, como dissera o filósofo alemão
Friedrich
Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Há mais ordem no caos do que na própria
ordem.” Desta forma, derrubando dogmas que determinavam o homem
inserido num planeta que girava em torno do astro maior do universo, para
adotar uma consciência de que este mesmo homem viajaria em um planeta em
torno de um dos muitos astros errantes que vagariam pelas periferias das
galáxias, estando, portanto, mais sujeito às forças da desorganização e
instaura-se uma era de
certeza das incertezas.
Os
novos
tempos,
tempos de globalização.
Não implicaria em
conceber
o
Homem
destituído
da
posição
central no universo e
desta forma despojá-lo
de importância tornandoo insignificante (um grão
de areia no universo),
mas tomar consciência
“Consciencia sin ciencia y ciencia sin consciencia son
mutiladas y mutilantes”. Edgar Morin
de
si
mesmo
neste
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dispersão do que da ordem newtoniana passível de tradução matemática,
1
universo em constante expansão, reconhecendo sua condição humana.
A partir destes princípios, já podemos identificar pelo menos três
naturezas de identidade da condição humana que devem ser tomadas de
forma totalizante, segundo Morin: terrena, física e biológica.
A condição humana ainda comportaria a natureza da animalidade e da
humanidade, em constante simbiose de correlação, bem como dois princípios
básicos, um biofísico e outro psico-sócio-cultural, da mesma forma remetendose mutuamente.
O Homem de Morin seria um só e, em sua totalidade, acumularia todas
as características aqui relacionadas. Constituir-se-ia das partes que compõem
o todo e o não desenvolvimento de uma das partes comprometeria o Homem
em sua totalidade, regredindo-o à condição de primata, que é o caso do ser
biológico e não cultural.
O papel da cultura teria que estar em total simbiose com a existência
biológica,
pois
em
seu
caráter
cumulativo
estaria
em
constante
desenvolvimento no indivíduo, assimilando informações dentro do processo de
educação. Da mesma forma, o ser biológico também não pode ser relegado,
pois suas necessidades primárias implicariam na satisfação do todo e sua
“Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o
desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das
participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana.”
Edgar Morin
Não se trata de desprezar as partes em nome do uno, da totalidade, mas
entender que o ser humano é, ao mesmo tempo, unidade e diversidade, é
biológico no sentido cultural e cultural no âmbito biológico. Há diversidade
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degeneração comprometeria o “eu” cultural.
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biologicamente bem como nos traços psicológicos, culturais e sociais, mas há
também a unidade resultante, convivendo com a diversidade existente.
Dentro desta unidade/ diversidade, há ainda, para Morin, a dualidade da
natureza do indivíduo, que cumula as características da natureza humana,
comuns a todos os seres e resultantes de processos culturais cumulativos aos
mesmos transmitidos, e outra de natureza particular, singularidades cerebrais,
mentais, psicológicas, afetivas, intelectuais, subjetivas...
Tomando o aspecto cultural em sua diversidade, é comum identificarmos
o erro e minimizar o indivíduo em sua unidade diante da diversidade cultural,
ou ao contrário, enaltecer a unidade humana em detrimento da diversidade das
culturas, quando a tolerância e a aceitação “do outro”, das culturas distantes e
“diferentes”, viria da compreensão da natureza humana da unidade/
diversidade, favorecendo a unidade que assegura a diversidade e a
diversidade que inscreve a unidade.
Desta forma, problemas étnicos, linguísticos, religiosos e tantos outros
de origem cultural manifestos sob o racismo, a incompreensão e a intolerância,
seriam sanados pela simples compreensão da diversidade como característica
inerente do ser humano.
a
compreensão
num
contexto
de
segregações
culturais e étnicas
Ainda para Edgar Morin, ensinar a compreensão faz-se essencial na
educação que pensa para o futuro uma vez que é um dos pilares básicos para
a educação voltada à paz, e enfocaria as causas principais do racismo, da
xenofobia e do desprezo, tão comuns em tempos de globalização na medida
de contatos interculturais; não de forma sintomática, mas apontando
diretamente para suas causas.
A compreensão humana extrapola os limites da razão, da racionalidade
e das reduções matemáticas; portanto, a compreensão intelectual ou objetiva
não seria suficiente para a compreensão humana correta.
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Ensinar
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Edgar
Morin
exemplifica sua concepção
de compreensão humana e
da
incapacidade
da
intelectualidade humana em
fazê-lo, ao determinar que as
razões
pelas
quais
uma
criança chora não podem ser
determinadas
mensuração
pela
do
grau
de
salinidade de sua lágrima ou
do volume das mesmas; mas
sim a partir das aflições
infantis daquele que tenta a
compreensão,
identificando-
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Veja abaixo a imagem
em: trabracismoeepbr.blogspot.com/2007/09/racismo..
se com a criança e, desta
forma, empreendendo um processo de empatia, de identificação e de projeção,
que de fato permitiria uma compreensão mais ampla.
O fator humano é essencial e para entendê-lo o intelecto humano seria
relegadas pelas correntes racionalistas e positivistas à insignificância,
mostram-se, em pleno século XX, essenciais à compreensão total do ser
humano.
Esta compreensão serviria de forma determinante para apontar as
causas de etnocentrismos e sociocentrismos, que resultariam em segregações
culturais e étnicas e, desta forma, não mais incidiriam somente sobre os
sintomas de tão comuníssimos males contemporâneos, podendo, desta forma,
ser mais eficazes em seu combate.
Egdar Morin elenca as principais mazelas humanas que impedem esta
natureza de compreensão, determinando-as como:
etnocentrismo (julgar a cultura alheia sob o prisma da sua);
autojustificação (como um processo que impede a tomada de
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incompetente, e as tão injustiçadas emoções humanas, paixões e aspirações,
consciência e autocorreção);
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self-deception (auto-decepção, um processo autopunitivo da mesma
forma dogmático e ortodoxo);
possessões (relativas à natureza humana de posse, mas de
característica egoísta);
reduções (que impedem a compreensão do todo dissociando-o das
partes, uma vez que reduz problemáticas complexas à estruturas
simplificadas e desta forma incompletas);
talião ou vingança (impulsionados pela mais baixa qualidade de
sentimentos da natureza humana; porém, inerentes ao ser).
Segundo ainda Morin, tais sentimentos estariam arraigados ao espírito
humano como parte componente do Homem e querer extraí-los do indivíduo,
mesmo que no processo educacional, não seria o mais correto; mas sim
superá-los, enaltecendo sentimentos da mesma forma indeléveis; porém de
natureza mais nobre.
Para que houvesse total compreensão deste aspecto da natureza
humana, seria necessário um processo mental de auto-exame permanente,
uma vez que a via direta para a compreensão humana do outro é a
compreensão total de nossas próprias faltas e fraquezas. Afastando a
nossas próprias fragilidades, insuficiências e carências, determinando que
somos todos falíveis e compreendendo a nós mesmos, possibilitando, somente
desta
forma,
a
compreensão do outro.
Esta tomada de
autoconsciência
despojaria o indivíduo
de
sua
centralizada
posição
consigo
mesmo, admitindo a
existência do outro e
superando,
desta
forma, o egocentrismo
e
o
etnocentrismo
No dia 12 de Março de 1930, Mahatma Gandhi e vários discípulos
iniciaram a marcha em protesto ao domínio inglês na Índia. A
caminhada de quase 400 quilômetros tornou-se conhecida como
Marcha do Sal.
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autojustificação a partir deste processo, poderíamos conceber e vislumbrar
5
intrínsecos à sua natureza. “Permite que não assumamos a posição de juiz de
todas as coisas”.
Tomando do micro para o macro, do indivíduo para a sociedade,
podemos determinar o mesmo padrão necessário de compreensão do “outro”,
estipulando desta forma uma consciência de que não há uma cultura-mestra,
como, por exemplo, acreditava-se durante todo o século XIX com relação ao
nacionalismo belicista inglês, nação que segundo seus principais novelistas
teria “direito divino sobre todas as árvores e sombras nos quatro cantos do
mundo”, pois se pensava como a única nação civilizada, portadora da missão
de “levar civilização àqueles que não possuíam”. É óbvio que esta mentalidade
extremamente etnocentrista e equivocada, que não levava em consideração
culturas alheias, provocou aberrações históricas, como tentativas de “civilizar” a
Índia e a China, cujos traços culturais milenares profundamente arraigados
chocaram-se
com
a
cultura
Ocidental, convulcionando
crises
sociais
desmedidas. Sem contar que esta mesma mentalidade legitimava os saques às
culturas do mundo inteiro naquele mesmo século como, por exemplo, as
relíquias
egípcias
saqueadas
e
levadas aos museus ingleses e
franceses, num desrespeito total e
daquele povo.
A
civilização
Ocidental
deveria, portanto, passar por uma
fase revisionista que culmanaria em
despojá-la de sua posição de prismamestre de todo o mundo, de modelo
de
“desenvolvimento”
todos
os
para
demais
com
países
subdesenvolvidos e deixar de julgar
o outro, o estrangeiro, a cultura
diferente,
como
inferior.
Neste
aspecto, as noções de Antropologia
A morte do antropólogo francês Claude
Lévi-Strauss, aos 100 anos, na madrugada
de sábado, em Paris, foi anunciada apenas
ontem por colegas acadêmicos.
Cultural a respeito da diversidade
étnica, religiosa, sócio-econômica como estruturas culturais engrandeceria em
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completo à história e à cultura
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muito essas noções, primordialmente as do estruturalista francês Claude LeviStrauss (1908-2009), do antropólogo, etnólogo e escritor norte-americano
Lewis Henry Morgan (1818-1881) etc.
O gênero humano entre indivíduo, espécie e sociedade, em
busca de uma solidariedade planetária
A ética do gênero humano, para Morin, compreende um caráter ternário
da condição humana, a saber: indivíduo / sociedade / espécie. Desta forma,
devemos considerá-lo como ser isolado, inserido no meio social em que vive e
ainda dentro da espécie a qual pertence, tendo portanto três naturezas de
características que inter-retro-agem, ou seja, devem ser consideradas
apartadas e correlacionadas.
A educação para o futuro deve atender ao desenvolvimento conjunto
destas qualidades individuais enquanto indivíduo, enquanto agente e paciente
de grupos sociais e ainda de componente de uma unidade maior, que é a
espécie humana. Estas três naturezas de qualidade são dissociáveis, e tomálas isoladamente ignorando-se o todo constitui grave erro no qual chafurdam os
processos contemporâneos de ensino vigentes.
às qualidades individuais de cada um, não há como dissociar das qualidades
inerentes à espécie e, por sua vez, não podemos relegar indivíduos que
interagem produzindo características de convívio social subordinadas às da
espécie, que subordinam as individuais e ao mesmo tempo são subordinadas
por elas.
A necessidade humana de catalogar sentimentos, relações de
conhecimento e subordiná-las umas às outras, deve dar lugar a uma
consciência
de
inter-relação
constante,
de
interdependência
para
a
maximização da parte, relacionando-a com todas as demais unidades parciais
possíveis, para compreensão melhor do todo.
O gênero humano seria, portanto constituído de desenvolvimento de
autonomias individuais tomados em conjunto sob um sentimento unificado de
pertencer-se à espécie humana.
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O indivíduo é produto e produtor da espécie humana e, portanto, atento
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Desta forma, o indivíduo se relacionaria com as próprias estruturas
sociais-políticas como o Estado, produto do Homem que por sua vez é seu
resultado direto.
Edgar Morin enaltece o sistema
democrático “americano” como tradução
da ética humana: “o cidadãos produzem a
democracia que produz o cidadãos”;
porém,
o
faz
sem
observar
as
contingências envolvidas e resultantes do
próprio
sistema
democrático,
seus
antagonismos, suas contradições, como
expressão
máxima
da
síntese
que
abrangeria todo sistema político vigente e
a noção marxista de marcha triática.
Uma visão mais completa que a
664 × 750 - 105k - jpg www.uoregon.edu/.../WesternCiv102/Voltaire2.jpg
Veja abaixo a imagem
em: www.uoregon.edu/.../WesternCiv102/102Week9.html
de Morin deveria atentar para as mazelas
do próprio sistema democrático e o
quanto esta democracia teria se afastado
dos ideais iluministas do século XVIII e
grego
que
o
gestou
em
termos
embrtionários. Postuladas por Voltaire,
Montesquieu,
D’Alembert
Denis
e
Rousseau
até
Diderot,
mesmo
(guardadas
por
certas
ressalvas quanto a este último); e
traduzidas
Estados
na
Unidos
independência
da
América
dos
por
Thomas Jefferson e outros adeptos
desta escola filosófica; é evidente,
diante
quadro
do
sócio-
políticoeconômico
Thomas Jefferson was arguably one of the greatest men in our country’s
founding history, and was a brilliant thinker – a true renaissance man. It
has been said the greatest volume of sheer brainpower in one place
occurred when Jefferson dined alone.
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XIX, tanto quanto do pensamento
8
atual ,que as ambições iluministas do séculos passados estão longe de serem
concretizadas pela tão sonhada democracia, que no caso dos EUA relegou
aspirações igualitárias adotando um modelo baseado no belicismo, na força, na
ameaça de guerra como forma de coerção.
A contradição dos ditos “defensores da democracia”, ou seja, as nações
anglo-americanas envolvidas nos últimos conflitos armados (EUA, Inglaterra,
Espanha etc.), são atacadas fortemente por afirmações do próprio autor, das
quais podemos citar pelo menos duas:
“O respeito à diversidade significa que a democracia não pode
ser identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias;
deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à
v
existência e à expressão, e deve permitir a expressão das
idéias heréticas e desviantes.”
“A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de
idéias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e
Edgar Morin
A tecnoburocracia resultante da democracia seria responsável ainda por
uma segregação política e cultural tão gritante quanto todos os demais
antagonismos deste sistema, uma vez que instauraria um reinado de peritos
nas
áreas
pertinentes
à
estrutura
política-burocrática-democrática
em
detrimento do grosso da população, que acaba não participando efetivamente
da tomada de decisões políticas em tempo de globalização, como idealizavam
seus predecessores.
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produtividade.”
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Novamente, tomando o rumo do micro para o macro, podemos analisar
a relação entre países ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos,
determinando que se não há democratização do conhecimento de fato, não há
igualdade de relações entre estas duas naturezas distintas de nações, no plano
de uma política internacional globalizada.
Alcançar a ética do gênero humano implicaria em atingir a antropo-ética,
ou seja, a relação entre o indivíduo singular e a espécie humana
totalizadamente, para se buscar uma solidariedade planetária.
Individualismo e globalização
O historiador inglês Eric Hobsbawm
(1917-) afirma que com a globalização
surgiu uma espécie de dissolidarização de
classes, constituída pelo que classificou
como:
“valores
de
um
individualismo
associal absoluto”. Com isso, Hobsbawn
problematiza um novo ciclo sistêmico do
capitalismo, caracterizado pelo fenômeno
lançar luzes em seus sintomas sociais, na
forma de indivíduos egocentrados.
As
novas
necessidades
de
manutenção do frágil e já consolidado modo
de produção moldaram novas relações
Eric Hobsbawm: “O movimento trabalhista teve força
quando havia condições de desenvolvimento, quando
sindicatos e partidos podiam levar suas reivindicações a
Estados capazes de fazer concessões. Tudo isso terminou
por conta da transformação nos modelos de produção. Como
foram reduzidos em número, também passou a ser menor a
sua ação política. Há uma diferença também no tipo da
população trabalhadora, por causa, especialmente, dos
progressos da educação em massa. Uma das coisas que
eram características do movimento operário no passado era
a boa qualidade de seus líderes, que eram cultivados e
mantidos pelos sindicatos. Hoje, os mais inteligentes vão
para a universidade sem compromisso de voltar, e viram
outras coisas. Podem continuar a ser de esquerda, mas já
não são mais operários. Isso faz diferença.”.
sociais, numa espécie de isolamento em
que os indivíduos se alienam da condição
de classe, ou seja, de pertencerem a
grupos de interesses comuns.
Como
então
“Globalização”
somente
aos
sem
poderíamos
definir
nos
prendermos
aspectos
econômicos
superestruturais e à frágil idéia de “aldeia
global”, buscando como paradigma o exercício de Hobsbawm em aproximar a
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da circulação global de capital, de forma a
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distante retórica sobre globalização do cotidiano de
uma sociedade que privilegia o consumo de massa
de tudo o que é amoedável pelo capital, incluindo
desejos, pessoas, idéias e sentimentos?
Definiremos “globalização”
a partir dos
estudos do crítico literário e político marxista
Fredric Jameson (1934-), tratando dos cinco níveis
que a caracterizariam, para demonstrar a coesão e
articular políticas de resistência à globalização e
seus efeitos negativos. São os níveis: tecnológico,
Fredric Jameson
político, cultural, econômico e social.
Globalização tecnológica
Sintetizando a metodologia de Fredric Jameson no estudo “Globalização
e estratégia política”, o autor elege, como dissemos, cinco níveis a partir dos
quais discorre sobre os resultados de sua análise.
O primeiro nível é o tecnológico e, logo de início, o termo já evidencia
um dos principais antagonismos do conceito de “globalização”, que supõe a
A revolução da informática e as novas tecnologias de informação,
apesar terem se constituído de forma irreversível na produção e organização
industriais e comercialização de produtos, não atingem a totalidade da
população mundial, em sua grande maioria excluída não só do dialeto digital,
mas do próprio mercado de consumo para estes produtos.
A exclusão digital produzida no bojo de um sistema que se pretende
totalizante, assiste ainda à formação de um exército de analfabetos digitais,
cada vez mais excluídos das relações de produção mecanizadas e de acesso
restrito à mão-de-obra extremamente especializada.
Globalização e política
Da tecnologia para a política, Jameson dedica parte de seu estudo ao
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totalidade de algo.
11
papel desempenhado pelo Estado-nação, que segundo alguns teóricos teria
dado lugar às corporações transnacionais (conhecidas na década de 1970
apenas como multinacionais).
O neoliberalismo ou a doutrina de livre mercado defendidos para que
referidas corporações pudessem operar circulando capitais em âmbito global,
ilusoriamente faz pensar em um distanciamento do Estado nas medidas
econômicas para a auto-regulação do mercado.
Por outro lado, o Estado passou a ser um agente fundamental nesse
sistema,
a
partir
da
instituição
de
mecanismos
intervencionistas que contraditoriamente garantem
legais
a
e
medidas
“autogestão” das
economias, requerendo para tanto uma efetiva intervenção governamental e
um Estado centralizador.
Outro antagonismo é o papel nacionalista visivelmente exercido pelos
povos e governos europeus e o estadunidense. Ao passo do frágil discurso de
“aldeia global”, temos a ascensão de partidos políticos de extrema direita,
ligados muitas vezes a grupos religiosos intolerantes, políticas racistas e
xenófobas, na maior parte da Europa e também no novo mundo.
Há um evidente descompasso entre o discurso de aceitação da
diversidade cultural em um
comportamento
europeus,
de
notadamente
cultos como fra
ingleses
povos
e
repudiando
nceses,
alemães,
publicamente
africanos, hindus e latinoamericanos;
ou
estadunidenses,
que
levantam barreiras físicas e
legais
para
impedir
Durante discurso pronunciado no campo histórico do
Rütli durante feriado nacional, Samuel Schmid, atual
presidente da Confederação Helvética e ministro da
Defesa, é vaiado e insultado por 700 neonazistas.
a
imigração de mexicanos, que comumente morrem nas fronteiras.
Na
Alemanha
os
neonazistas
do Nationaldemokratische
Partei
Deutschlands, liderados por Peter Marx - jurista e secretário geral do grupo
parlamentar do NPD -, conquistaram 12 cadeiras no Parlamento Regional do
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mundo “cada vez menor” e o
12
Estado da Saxônia, o Landtag, em Dresden, denunciando a assustadora
aceitação de 9,2% dos eleitores, ou seja, 19.087 almas, aos preceitos da causa
nazista que se pensava adormecidos.
No discurso político do partido inclui-se a atribuição do desemprego que
atinge boa parte dos jovens alemães aos imigrantes, ao contrário do que
qualquer estatística racional possa concluir em relação à proporção entre a
força de trabalho estrangeira e
a alemã naquele Estado.
Em
foram
2002,
divulgados
quando
os
resultados do primeiro turno
da
eleição
presidencial
francesa, o mundo prendeu a
respiração com o sucesso de
Jean-Marie Le Pen, da Frente
Nacional
francesa,
grupo
político de extrema direita com
intrínsecas relações com a
NPD.
Áustria com a eleição de um
Jean Marie Le
Pen
Primeiro-Ministro neonazista.
Na Inglaterra, basta jogadores latino-americanos ou africanos tocarem
na bola, em partidas de futebol, para que os hooligans imitam grunhidos
imitando macacos. Na Espanha o mesmo fenômeno ocorre.
Globalização e diversidade cultural
O
discurso
pró-globalização
nos
Estados
Unidos
constitui-se
cuidadosamente sobre uma base “politicamente correta”, fundamentalmente
em relação às diferenças étnicas, pregando uma aceitação que de início sabese frágil em um país que tem profundas tradições racistas.
Outro ponto central no discurso pró-globalização é o papel das unidades
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
O mesmo ocorreu na
caracterizadas como Estados-nações e seu ficcional desaparecimento.
13
Para Eric Hobsbawm, as economias nacionais seriam “unidades mais
velhas”, definidas por políticas territoriais de Estado, que estariam reduzidas às
complicações decorrentes de atividades transnacionais. Nos argumentos de
Fredric Jameson, percebemos que estas unidades políticas estão sendo
desestruturadas pela idéia e pelas políticas neoliberais em virtude das
necessidades do grande capital, para promoção de um estágio de
comercialização mundial, com a formação de gigantescos blocos econômicos.
Na prática, o que vemos é o enfraquecimento desses governos
alimentando a hegemonia de estados centrais nessa nova ordem econômica,
estabelecida por meio de comércios agressivos. Ao invés de desaparecerem os
limites
nacionais,
os
Estados-nações
estão
sendo
paulatinamente
subordinados a estados-centrais.
Como explicar o desaparecimento da idéia de nação com o
ressurgimento do nacionalismo politicamente à direita dos movimentos sociais?
Como coexistir a idéia de aceitação das diversidades étnicas e culturais com as
graves condutas de intolerância religiosa, a perseguição a homossexuais,
negros e latino-americanos em diversas
realidades nacionais.
Enquanto o discurso neoliberal, na
abertura de suas fronteiras fiscais e de
seus mercados para a penetração de
seus produtos e tecnologias, no centro do
sistema vigora o nacionalismo econômico.
Esse fenômeno pode ser verificado
no filme documental de Michael Moore,
“Roger & Eu”, podem ser lidas, pintadas
em viadutos e muros de Flint, Michigam,
as
frases: slut
imports (“vagabundas
importam”) ou ass holes drive imports
(“bundões dirigem importados”).
425 × 495 - 57k - jpg liveforfilms.files.wordpress.com/2010/03/mich...
Veja abaixo a imagem
em: liveforfilms.wordpress.com/.../
A hegemonia política de estados centrais no sistema capitalista caminha
ao passo do chamado imperialismo cultural, ascendente principalmente após o
término da Segunda Guerra Mundial com os tratados de concessão para
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periferia do sistema capitalista, defende a
14
emissoras norte-americanas de TV e de garantia de mercado para produções
cinematográficas hollywoodianas, em acordos firmados com diversos países.
As indústrias culturais locais de entretenimento dificilmente irão
suplantar Hollywood com uma forma global bem-sucedida no
mundo inteiro, em especial devido ao fato de que o próprio sistema
americano sempre incorpora elementos exóticos do estrangeiro,
um pouco de cultura samurai, outro de música sul-africana, o
cinema de John Woo, comida tailandesa, e assim por diante.
Fredric Jameson
A globalização cultural lê-se, no discurso de Jameson, como uma
tentativa de uniformizar o mundo a um modelo de cultura de massa, no campo
televisivo, musical, comportamental, gastronômico, da indumentária, e em
todos os outros.
evidenciando que a cultura, na era do capital, constitui produto, é amoedável e
portanto caminha ao passo da economia; mas a destruição de culturas locais
onde se estabelece. Implica no desaparecimento de restaurantes típicos onde
se fixam os fast foods, no desestímulo à produção cinematográfica de países
antes tradicionais nesse ramo.
A dimensão econômica da globalização
Para tratarmos da dimensão econômica da globalização, segundo
Fredric Jameson, temos que retomar o princípio de que não houve o
desaparecimento dos Estados-nações diante das corporações transnacionais:
o autor nos mostra que há uma notória cumplicidade entre ambos, e os
discursos em torno de sua inexistência mascaram seus interesses individuais,
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Não se trataria de uma tentativa ingênua de tomada de mercados,
com o uso da fantasia criada pela idéia da globalização, que grosso modo pode
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ser definida como um novo ciclo sistêmico no modo de produção vigente, no
qual há necessidades de circulação global de capital, cuja acumulação primitiva
tem novo lugar nas mega-corporações.
O Estado tem o papel de garantir a quebra de barreiras para seu livre
fluxo. Não se trata de um movimento natural: há um grande interesse das
corporações em se estabelecer em países pobres, alimentando-se de
miseráveis e desesperados como mão-de-obra barata e semi-escrava, de
isenções fiscais e concessões de governos corruptos e de multidões de
desempregados
nos
locais
de
onde
migraram.
O
mesmo
ciclo
se
desencadearia novamente quando as mesmas corporações abandonassem
esses novos locais, já não mais tão pobres com a criação de um mercado
consumidor a partir da instituição de mão-de-obra assalariada, seguindo em
busca de novos miseráveis que aceitassem uma espécie de “escravidão
voluntária”.
Para
Jameson,
forma
Fredric
da
que
mesma
no
cultural,
nível
o
estabelecimento
exploração
transferência
e
a
de
operações para locais
mais baratos, minaria as
451 × 296 - 24k - jpg - www.candidatoavereador.com.br/materias/img/up...
Veja abaixo a imagem em: www.candidatoavereador.com.br/.../faq.php?id=40
economias e destruiria
os mercados nacionais,
evidenciando um dos vários aspectos perigosos da globalização, como a
especulação destrutiva de moedas estrangeiras e a dependência econômica de
países subdesenvolvidos, submissos às políticas econômicas dos países do
Primeiro Mundo, em troca de empréstimos e investimentos. No mundo
economicamente globalizado, nesses termos, transferências instantâneas de
capital poderiam empobrecer, da noite para o dia, regiões inteiras.
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econômico em áreas de
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Globalização e sociedade
O último nível caracterizado por
“. . . Enchentes, AIDS, assassinatos. Corte
Fredric Jameson em sua análise sobre a
para o comercial. Compre um carro! Compre
globalização é o social e, nesse aspecto, a
Colgate! Se tiver mau hálito ninguém falará
destruição do que se convencionou como
com você! Se tiver espinhas as meninas não
tecido cotidiano faz-se evidente com o
transarão com você. É tão somente uma
campanha de medo e consumo. Acho que é
distanciamento do indivíduo do conceito de
nisso que se baseia nossa economia:
grupo e classe. Os padrões de unidades
mantenha a adrenalina e as pessoas
nucleares de família e clã cederam à
consumirão. É assim que as coisas
sociedade moderna impessoal de consumo,
funcionam!”
Marilyn Mason, in: TIROS EM COLUMBINE,
que em seus próprios dizeres “individualiza
Direção: Michael Moore. Produção: Kathleen
e atomiza”, negando o zõom politikòs de
Glynn; Jim Czarnecki; Salter Street Films 2;
Aristóteles.
Dog Eat Dog Films Production. Intérpretes:
Para Fredric Jameson trata-se do
elemento chave que desencadearia toda a
de
nossa
[S.I.]: Alliance Atlantis, 2002. 1 DVD (120
min.), son., color.
sociedade,
explicando-a melhor do que os conceitos de
base moralista de “individualismo corrosivo”
ou “materialismo consumista”.
Marlyn Mason aponta para o motor principal
da engrenagem capital nesse novo ciclo que
se designou como globalização: o consumo,
que molda todas as relações sociais e
culturais, a partir do determinante
A mais dura crítica à globalização
econômico.
. . . [O consumismo é] o ponto central de
John Peter Berger (1926-), crítico de
arte, romancista, pintor e escritor inglês,
prefaciando a obra “Fahrenheit 11 de
setembro”,
do
cineasta
nosso sistema econômico, e também o
modo de vida para o qual somos todos os
dias sem cessar treinados por toda nossa
cultura de massas e indústria de
estadunidense
entretenimento, com uma intensidade de
Michael Francis Moore (1954-), caracterizou
imagens e de mídias sem precedentes na
o papel dos EUA sob o governo George W.
história.
Bush (1946-) em relação à globalização e
às
mega
corporações,
como
uma
“quadrilha” que teria tomado de assalto –
pela fraude eleitoral denunciada no filme – a
Fredric Jameson
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
configuração
Michael Moore. Roteiro: Michael Moore.
17
Casa Branca e o Pentágono “. . . para que o poder dos Estados Unidos dali em
diante estivesse a serviço, prioritariamente, dos interesses globais das grandes
empresas”.
A afirmação parece dura pelas adjetivações que traz; porém, sintetiza os
interesses que levaram à formação de um grupo político a serviço das mega
corporações, que teria conduzido o poder da nação economicamente mais
desenvolvida e que se pretenderia a “polícia do mundo”, nos dizeres de
Jameson, dando o tom de uma globalização extremadamente violenta, na
defesa de um modelo de mundo, o que possibilitaria dizer de uma espécie de
“globalitarismo”.
Sua percepção é a de que a globalização se caracterizaria como um
embuste que mascararia uma nova fase do capital, no interesse das mega
corporações aliadas aos Estados-nações mais ricos e industrializados do
sistema capitalista, subordinados aos EUA, que de forma predatória se
alimentaria das economias dos países pobres, da mão de obra semi-escrava,
aculturando povos inteiros no escopo de aliciar o consentimento unânime a
todo e qualquer intervencionismo, para o estabelecimento e manutenção de um
modelo de hegemonia político-econômica, que prescindiria da dominação
Violência urbana e cidades globais
A violência nas
grandes metrópoles é
uma
triste
realidade
nas cidades globais,
sendo
possível,
termos
identificar
em
sociológicos,
seus
principais motivadores
causais, dentre eles,
nas grandes cidades,
400 × 260 - 48k - jpg www.jornalorebate.com/25/2662006051618235515B...
Veja abaixo a imagem em: www.jornalorebate.com/colunistas2/giu3.htm
temos, como fatores
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
cultural.
geradores de violência:
18
o acentuamento das contradições do capitalismo e, com isso, a
agudização das restrições sociais e do problema da miséria;
o gozo de direitos restringido a uma parcela privilegiada da
sociedade; sendo que para o grosso dela resta uma democracia de
muito baixa intensidade;
a má distribuição de renda gerando processos distintos de
ocupação do espaço; ou seja, a formação de bolsões de pobreza
onde o Estado pouco penetra, criando vazios de poder que são
ocupados por outros grupos de interesse;
um sistema prisional que não reeduca, que desumaniza, bestializa
e, furtando os direitos mais essenciais daqueles por quem deveria
zelar, atira-os
ao
estado
de
natureza
"hobbesiano" atentando
diariamente contra a dignidade humana, devolvendo à sociedade
profissionais do crime extremamente raivosos, especializados e
organizados;
a corrupção de parte do poder público que passa a se relacionar
com o crime organizado;
a falta de políticas que tratem dos motivadores causais da
violência urbana de forma articulada, ou seja, não apenas focadas
pública
restritas
ao
aparelhamento, treinamento
e
aperfeiçoamento
das
políciais (isso também seria
necessário, bem como dar
dignidade
aos
próprios
policiais,
com
salários
decentes
e
garantias
de
segurança para si e sua
família);
políticas
mas
de
mais
também
longa
duração como educacionais,
Michel Foucault é um dos autores cuja
influência mais se faz sentir no
pensamento actual.
de formação técnica para inserção no mercado de trabalho, focadas
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
em políticas de segurança
19
na redução da pobreza e na minimização das desigualdades;
deixar de afirmar o Estado que, como disse o filósofo francês
Michel Foucault (1926-1984), apenas vigia e pune.
Isso porque seria perceptível hoje, segundo
confluem os estudos sociológicos sobre questões de
segurança
pública,
um
significativo
grau
de
institucionalização do crime organizado, correspondente a
apenas um dos tentáculos sempre renascentes da Hidra.
Haveria
outros
tentáculos
igualmente
nocivos
e
articulados como:
a logística que dá suporte ao crime e dele se
alimenta;
parte do poder judiciário, em diversas
250 × 310 - 28k - jpg 3.bp.blogspot.com/.../s320/hidra1.jpg
Veja abaixo a imagem em: the-sushi-blogmeeting.blogspot.com/2008_08_0..
realidades, implicada em escândalos como os de
vendas de sentença e transferências de presos (o
que chegou a ser veiculado pela grande mídia,
recentemente, no Brasil);
ao crime organizado;
a política que faz uso das polícias e negocia com o crime organizado;
entre outros.
Num contexto em que convencionou-se, do senso comum às políticas de
segurança pública, por criminalizar a pobreza, seria preciso derrubar o mito de
que a delinqüência está dada irreversivelmente pela origem social. Entra no
cômputo, mas não é um destino inexorável. Se fosse assim, não teríamos
escândalos como aqueles que envolvem a classe política em esquemas de
corrupção, ou parte do empresariado implicado em especulações criminosas
ou sonegações fiscais de grande vulto econômico. A questão a se pensar é:
para quem é aplicada, de fato, a lei? Ou, para quais segmentos de sociedade o
braço armado do Estado funciona para servir e proteger?
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
parte das polícias que, em diversos níveis, podem estar relacionadas
20
O crime organizado constitui uma rede que envolve desde segmentos
nos mais altos escalões das estruturas de poder, até os soldados do tráfico nas
comunidades tomadas por esses grupos; passando pela tal classe média que
pensa estar isenta desses problemas.
Estaria ocorrendo, portanto, nas grandes cidades, o problema de as
políticas que visariam reverter esses quadros de violência urbana estarem
sendo perpetradas de forma unidimensional, pois seguiria o sucateamento do
ensino público, agravando-se o problema da exclusão social bem como do uso
político das polícias. Quanto à corrupção de parte significativa dos corpos
políticos de diversos Estados, fica o desafio de se compreender sua dimensão
não apenas de prática; mas fundamentalmente de cultura política.
Como prevenir a violência que se evidencia então em todos os setores
das sociedades globais?
As respostas apontam para políticas articuladas:
de
segurança:
reaparelhamento
todo
aparato
com
o
policial
pesados
investimentos
em
inteligência;
capacitação
seus
de
agentes
inclusive
em
420 × 282 - 25k - jpg - www.paginaunica.com.br/.../policia%20federal.jpg
Veja abaixo a imagem em: www.paginaunica.com.br/lernoticia.php?id=9994
relação a direitos humanos; pagamento de salários dignos; garantias
mínimas de proteção às famílias dos policiais, que são alvo do crime
organizado;
de educação: reversão dos processos de sucateamento do ensino
público; capacitação e, primordialmente, garantias de dignidade aos
professores, os mais importantes agentes das transformações que
precisam urgentemente ser operadas nessas sociedades;
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
de
21
de geração de renda e inserção social: não apenas políticas
assistenciais, mas que ataquem os motivadores causais do
fenômeno da pobreza;
uma política instituída de tolerância: de garantias à diversidade,
nos mais variados âmbitos da vida social (religioso, sexual, étnico,
político etc.).
Intolerância em sociedades globais
Como vimos até aqui, o que nos constitui essencialmente são as
diferenças. O imperativo, para a construção de uma sociedade tolerante é,
portanto, a aceitação do outro, do diverso.
É impensável nesses termos que sociedades plurais, como a brasileira,
convivam com graves problemas de intolerância exatamente ao diverso. Nos
grandes centros urbanos, em cidades consideradas como globais, grupos
religiosos profanam imagens e símbolos rituais de outras religiões, o racismo
velado ou desvelado circulando como enlatados culturais, condutas de
violência contra homossexuais (dos espancamentos ao assassínio), o trato dos
estrangeiros como inferiores e uma série de outros exemplos, revelam que as
Podemos afirmar, sob vários aspectos, que ao invés de valores de
tolerância à diversidade, estamos na vigência de uma cultura de ódio expresso,
vazado nos mais variados âmbitos da vida social, o que nos impõe uma imensa
e urgente tarefa a fazer: construir uma
contracultura da tolerância, para reafirmar o
Homem, os próprios valores humanísticos, no
seio de uma sociedade
planetária que
desumaniza, valorando o "ser" pelo "ter",
como nos disse o psicanalista e escritor
alemão Erich Fromm (1900-1980).
Nos casos de guerras ideológicas,
Erich Fromm (Frankfurt am Main, 23 de
março de 1900 — Muralto, 18 de março
de 1980) foi um psicólogo alemão.
religiosas e étnicas, a intolerância chega a
ultrapassar os limites da irracionalidade com
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
sociedades que se dizem planetárias convivem mal com a diversidade.
22
relação a indivíduos ou grupos específicos.
Apesar de as guerras serem extremamente racionalizadas, de os
morticínios na modernidade serem perpetrados com o recurso fundamental da
técnica e de a intolerância ter se desenvolvido, como nos disse o escritor,
filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano Humberto Eco (1932-), de tipo
selvagem para categórico, não podemos deixar de verificar que os argumentos
sobre os quais tentam se ancorar condutas de intolerância em alguma base de
cientificidade, o fazem construindo ou se reapropriando de pseudociências,
criadas em essência para legitimar seculares preconceitos ou ideias de
superioridade civilizacional.
Infelizmente os exemplos de intolerância concreta em sociedades que se
apresentam como globais são vários. A modernidade pode ser caracterizada,
primordialmente, por essas ocorrências:
Os nazistas durante a
Segunda Guerra Mundial ao
perpetrarem o abominável: o
Holocausto;
os
conflitos
étnico-nacionalistas
África;
as
na
sistemáticas
nos Bálcãs; e o barril de
pólvora que se tornou o
Oriente Médio, dentre tantos
outros.
Temos
questões
graves
humanitárias
em
jogo, que não devem ser
preteridas
em
ideologias,
religiosas
relação
às
convicções
ou
pertenças
étnicas. O Homem universal
e seus direitos inalienáveis
devem
ser
o
cerne
das
338 × 500 - 98k - jpg - blog.cancaonova.com/.../06/principionazista.jpg
Veja abaixo a imagem em: blog.cancaonova.com/tiba/2009/06/
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
tentativas de "limpeza étnica"
23
reflexões sobre a política, não apenas um dos elementos componentes de um
sistema mecânico-funcionalista.
Nesse contexto conturbado por ocorrências de ódio expresso numa
sociedade que propagandeia valores universais e totalizantes, seria possível
estabelecer uma cultura de paz em favor da tolerância? Sociedades
fragmentadas por diferentes grupos sociais, como é o caso, por exemplo, dos
países que constituem a América Latina, experimentariam que tipo de
globalização?
O modelo de desenvolvimento, ou o modelo de progresso que adotou a
civilização ocidental, entende o progresso como puramente técnico, como o
meio capaz de promover o progresso humano.
Em verdade, a própria idéia de progresso deve ser repensada para
incorporar uma gama muito mais variada de relações, para além dos processos
produtivos. É preciso, então, pensar o progresso em termos totalizantes e
meios para sua consecução, que abarque o Homem e suas aspirações, não
meras modernizações abstratas: é preciso repensar o Homem, para repensar a
própria idéia de civilização, tendo como horizonte o mundo que queremos.
Atualmente,
os
exemplos mais latentes
globalizado
são:
as
constantes epidemias de
fome
em
periféricos
do
países
sistema
capitalista, o reinventado
imperialismo e o velho
discurso civilizador dos
países ricos, a ascensão
de
uma
direita
ultrahttp://free-palestine.deviantart.com/art/Who-is-Goliath-now-26711773
reacionária como força
política na Europa, o conflito israeli-palestino, a retórica negacionista iraniana
em relação ao Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial, a
ascensão do terrorismo como ameaça global, os novos/velhos terrorismos de
Estado, os conflitos étnico-nacionalistas na África, golpes militares, a hiper-
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
de intolerância no mundo
24
exploração de trabalhadores pobres em vários lugares do mundo, o trabalho
infantil e a pedofilia, a pena de morte nos Estados Unidos e tantos outros
países, o estupro legalizado no matrimônio no Afeganistão, o fundamentalismo
religioso em qualquer religião, a idéia de que matar pode ter um propósito
divino... Entre tantos outros exemplos possíveis.
Obviamente, pensar a tolerância em sociedades duais, em formações
sociais
eivadas
de
contradições
e
com
gravíssimos
problemas
de
subdesenvolvimento e dependência,
é uma tarefa muito mais difícil, mas
que faz muito mais sentido. Isso
porque temos, na América Latina,
uma das mais violentas histórias de
conflitos
civilizacionais,
colonização,
a
desde
hecatombe
a
que
vitimou civilizações antiquíssimas, a
escravidão,
as
guerras
de
independência (excluindo-se daí a
experiência
o
ciclo
civilização & barbárie, o caudilhismo,
o
populismo,
as
ditaduras,
as
revoluções sociais, a organização dos setores subalternos, oprimidos, como
forças políticas... A América Latina é complexa e apaixonante, e pode ter ainda
muito que ensinar aos povos da Terra em termos de multiculturalismo,
hibridismo, aceitação das diferenças e consecutivas superações operadas
pelos de baixo que tantas vezes "assaltaram o céu", termo muito adequado
utilizado, noutro contexto, pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883),
referindo-se ao efêmero mas significativo sucesso da Comuna de Paris, em
1871.
Seria
preciso,
portanto,
para
os novos
tempos
de
circulação
mundializada do capital, ou como queiram, de globalização, repensar o
Homem, na adversidade e frente aos desafios a serem superados pelas
novas/velhas sociedades.
Entendendo a intolerância como um dos maiores desafios a serem
superados num contexto de multiculturalismo, devemos observar sua
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
400 × 300 - 49k - jpg - fcpinheiro.files.wordpress.com/.../ditadura.jpg
Veja abaixo a imagem em: fcpinheiro.wordpress.com/.../
lusófona),
25
ocorrência também no plano político, como o recurso a meios excessivamente
coercitivos para garantia, pela força ou ameaça do uso da força, de apenas
uma interpretação de mundo, o que leva à ideia de civilidade ou cidadania
como a adoção de comportamentos de obediência plena e irreflexiva.
Seria preciso repensar o indivíduo de forma plena exatamente como
aquele que deve tomar as rédeas do destino em suas mãos, o agente de sua
própria história, não aquele que anula a si, as suas particularidades, aquilo que
o constitui como único, em nome de uma ideologia que uniformize corações e
mentes e que lhe torne estupidamente obediente, como gado.
Essa obediência não se manifesta apenas em relação aos Estados; mas
à própria sociedade
de
consumo
de
massa na difusão de
seus
valores.
Podemos utilizar, para
a
análise
desse
aspecto, o conceito
de
"globalitarismo"
cunhada
pelo
Milton Santos (19262001), que entendia o
consumo de massa
como
o
novo
"fundamentalismo"
dos
novos
tempos.
Não seriam ideologias
políticas
os
controladores
inadmirável
novo:
o
desse
mundo
que
nos
uniformiza, padroniza
e
nos
torna
subservientes seriam
411 × 600 - 192k - jpg - www.sebastianweb.com.br/.../Milton%20Santos.jpg
Veja abaixo a imagem
em: www.sebastianweb.com.br/blog/index.php?pagina=11
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
geógrafo bra sileiro
26
os valores partilhados por essa sociedade materialista, difundidos pelas megacorporações, que nos submeteria à ditadura da aparência, que entenderia
indivíduos, os valoraria e lhes atribuiria a própria existência social em relação
ao repertório de bens tridimensionais que conseguissem concentrar no tempo
efêmero de sua existência.
A ideologia vigente hoje não seria política, totalitarista; mas sim a do
consumo acrítico, sem sentido e nocivo ao próprio planeta, igualmente
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
fundamentalista.
27
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sistema mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, s/d.
BLASS,
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Maria
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Silva;
PAIS,
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“Da
diáspora
globalizada:
Notas
sobre
os
afrodescendentes no Brasil e o início do século XXI”, paper de conclusão do
curso “A teoria crítica da cultura hoje: Alguns caminhos possíveis. ECO-UFRJ,
2003.
Unidade: GLOBALIZAÇÃO, ESPAÇO E GRUPOS SOCIAIS
no contexto da globalização”, trabalho apresentado durante o encontro sobre
28
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29
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