CONFIGURAÇÕES DE UMA HOSPITALIZAÇÃO CIDADÃ
NO SETOR PEDIÁTRICO DE UM HOSPITAL GERAL
FARENZENA*, Rosana Coronetti – Universidade de Passo Fundo
[email protected]
SCORSATO**, Terezinha Bastos- UPF
[email protected]
PINHEIRO***, Caroline Bencke- UPF
[email protected]
POLESE****, Natália Cunha- UPF
[email protected]
Resumo
O Projeto do Espaço Lúdico e de Atendimento Pedagógico a crianças hospitalizadas,
decorrente de convênio firmado entre a Universidade de Passo Fundo e o Hospital São
Vicente de Paulo, mantém funcionamento ininterrupto, há cinco anos. Coordenado pela
Faculdade de Educação, busca interlocução com as demais áreas do conhecimento e com as
equipes do hospital. Situa-se no Setor de Pediatria de um hospital geral, que concentra
atendimento a usuários do SUS, oriundos de ampla área geográfica. O período de
hospitalização, muitas vezes estendido por semanas, meses e anos, com pequenos intervalos
de alta, representa alterações profundas no desenvolvimento dessas crianças e no
funcionamento de seu núcleo familiar, ou de cuidadores. Configura-se a hospitalização uma
oportunidade singular para a re-organização de vínculos familiares, de condições à autoestima, autonomia, inclusão, aprendizagem, convívio social, e desenvolvimento pleno.
Tarefa impossível às equipes de saúde isoladamente. Nesse sentido, buscam-se intervenções
ressignificadoras do contexto adverso. A população usuária do Setor de Pediatria traz a marca,
no geral, da condição de risco e de vulnerabilidade social. De um ponto de vista ético-social,
não se faz justo que a hospitalização, podendo não o sê-lo, repercuta como duplo sofrimento.
Acadêmicas de Pedagogia, sob supervisão contínua, atuam de segunda-feira à sexta-feira, no
período da manhã e da tarde, nos doze meses do ano. Outros cursos também participam.
Trata-se de uma experiência que qualifica o processo de formação docente. Uma proposta
lúdica (preventiva, educativa e de saúde), pauta as ações. Nos casos em que a criança está em
fase escolar, providenciam-se os meios para que o processo educativo, quando possível, não
seja interrompido. O Projeto torna-se campo da convergência de esforços para o
restabelecimento da condição de saúde, assegura que o protagonismo infantil e o exercício das
funções parentais tenham sua continuidade ou, uma de suas mais concretas oportunidades
para manifestar-se.
Palavras-chave: Hospitalização na Infância; Comunidade Educativa; Formação Profissional.
*
Mestre em educação, professora da Universidade de Passo Fundo.
Doutura em educação, psicanalista, professora da Universidade de Passo Fundo.
***
Acadêmica do Curso de Pedagogia Educação Infantil da UPF, estagiária do Espaço Lúdico e de Atentimento
Pedagógico a Crianças Hospitalizadas HSVP-UPF.
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Acadêmica do Curso de Pedagogia Educação Infantil da UPF, estagiária do Espaço Lúdico e de Atentimento
Pedagógico a Crianças Hospitalizadas HSVP-UPF.
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Considerações iniciais: quando se manifesta uma identidade extensionista
O Projeto do Espaço Lúdico e de Atendimento Pedagógico a crianças hospitalizadas,
decorrente de convênio firmado entre a Universidade de Passo Fundo e o Hospital São
Vicente de Paulo, mantém funcionamento ininterrupto, há mais de 4 anos, desde sua
implantação em agosto de 2002.
Coordenado pela Faculdade de Educação, e buscando interlocução multidisciplinar
com as demais áreas do conhecimento, nos diferentes cursos da universidade e com as equipes
do hospital, afirma cotidianamente seu DNA extensionista.
Situa-se no Setor de Pediatria de um hospital geral, que concentra atendimento a
usuários do SUS, oriundos de ampla área geográfica, e em sua maioria absoluta, pertencente a
classes populares.
O período de hospitalização, muitas vezes estendido por semanas, meses e anos, com
pequenos intervalos de alta, representa alterações profundas no desenvolvimento dessas
crianças e no funcionamento de seu núcleo familiar, ou de cuidadores (algumas crianças estão
afastadas da família e vivem em abrigos).
Numa sociedade comprometida com os direitos de cidadania e de inclusão social, se
faz necessário intervir nesses momentos de fragilidade, assegurando a continuidade do
desenvolvimento pleno da infância e das possibilidades educativas de cada núcleo familiar
e/ou cuidador envolvido com a situação.
Configura-se a hospitalização uma oportunidade singular para o reforçamento de
vínculos familiares, de condições à auto-estima, autonomia, inclusão, aprendizagem, convívio
familiar, social, e desenvolvimento humano integral. Tarefa impossível às equipes de saúde
isoladamente. Nesse sentido, o Projeto assegura a intervenção ressignificadora do que em
princípio seria um contexto de sofrimento, cortes, perdas, estresse, isolamento social...
A população usuária do Setor de Pediatria traz a marca, no geral, da condição de
pobreza, vivendo em situação de risco e vulnerabilidade social. O núcleo adulto contorna-se
pela baixa escolaridade, analfabestismo funcional, mães adolescentes, elevado número de
filhos, profissionalização precária, baixa renda, inserção informal no mercado de trabalho e
desemprego.
As crianças dessas composições familiares refletem tais situações adversas à condição
de cidadania, constituindo um segmento focado pela atual política de Assistência Social,
conforme especificado pela Política Pública dessa área.
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De um ponto de vista ético-social, não se faz justo que a hospitalização, podendo não
o sê-lo, repercuta como duplo sofrimento.
Nesse sentido, acadêmicas de Pedagogia e de outros cursos de graduação, sob
supervisão contínua, concretizam a proposta de um espaço lúdico e de atendimento
pedagógico às crianças hospitalizadas, de segunda-feira à sexta-feira, no período da manhã e
da tarde, durante os doze meses do ano.
Contando com uma sala destinada ao Projeto, no setor de pediatria, planejam,
desenvolvem e avaliam atividades efetivadas com as crianças e com os adultos que as
acompanham, seja nesse espaço, nos leitos das crianças impossibilitadas de deslocamento e na
CTI pediátrica. Uma proposta lúdica (preventiva, educativa e de saúde), pauta as ações do
projeto de forma que o paciente, grupo familiar e cuidadores possam reconfigurar o contexto
de adversidade e a busca de alternativas. Nos casos em que a criança está em fase escolar,
providenciam-se os meios para que o processo educativo, quando possível, não seja
interrompido.
Inúmeros são os caso de internações recorrentes ao longo da infância. No decorrer
desses anos acompanhamos crianças que permanecem mais tempo no hospital que fora dele.
Há que se ter, então, um projeto consistente para além do caráter assistencialista, que
represente a materialização de condições para o desenvolvimento humano e social dessa
população.
A isso se propõe o Projeto, constituindo-se em espaço de cidadania e inclusão social,
fazendo-se ativas as referências preconizadas pelo Sistema Único de Assistência Social –
SUAS, de defesa social e institucional e da matricialidade sócio-familiar.
A relevância do Projeto, tornada visível à comunidade regional, através da adesão às
ações e de depoimentos de pais, familiares e crianças, confirma-se também nas diversas
instâncias da comunidade hospitalar, quando o corpo clínico, de enfermagem, gestores da
instituição hospitalar, e demais setores, reiteram sua imprescindibilidade. Esse, se torna
campo não só da convergência de esforços para o restabelecimento da saúde física, como
assegura que o protagonismo infantil e o saudável exercício das funções parentais tenham sua
continuidade ou, muito provavelmente, uma de suas primeiras e mais concretas oportunidades
para manifestar-se.
No âmbito da articulação das funções de ensino e pesquisa da Universidade, o Projeto
responde como campo propício para qualificar a formação profissional dos acadêmicos dos
diversos cursos que, gradativamente, agregam-se ao mesmo. Um diferencial assumido pela
Universidade de Passo Fundo em coerência a sua identidade comunitária.
3531
Não só por estarmos contribuindo, decisivamente, para a humanização das interrelações do ambiente hospitalar enfatizamos a relevância deste Projeto. Trata-se, acima de
tudo, de reconhecer cada criança internada, independente do desfecho final de recuperação da
condição de saúde ou não, como um ser pleno de direitos, reconhecido em sua autonomia e
alteridade. Refere-se igualmente a confirmação pública, da responsabilidade social e
transformadora de uma universidade com autêntica vocação comunitária.
A ramificação comunitária da academia – docentes e discentes transpondo as fronteiras
da sala de aula
As ações do projeto envolvem crianças de 6 meses aos 12 anos de idade, internadas no
Hospital São Vicente de Paulo, seus familiares e cuidadores. Em anos anteriores, o setor de
pediatria já concentrou mais de cem crianças internadas simultaneamente. Com a
descentralização dos serviços de saúde, o índice vem reduzindo. Hoje temos uma média
estável de 50 crianças, com índices mais elevados nos períodos de frio, ou de calor intenso. A
grande maioria dos pacientes é usuária do SUS.
Por se tratar de uma instituição de saúde pólo, com atendimento de alta complexidade,
muitas crianças permanecem longos períodos, com internações que se estendem por meses e
até anos. Essa condição exaure o paciente infantil e os adultos que os acompanham. Neste
sentido o Projeto representa uma alternativa de saúde psíquica e corporal. Nossas ações
pautam-se pela compreensão do cotidiano da vida dessas pessoas, onde são intensas as
situações de riscos e vulnerabilidades. A sala destinada ao Projeto é pequena, ficando
diariamente super lotada. Dispomos de uma planta já pronta, prevendo a incorporação do
mezanino, para que a abrangência das ações possam melhor atender os usuários, no que tange
a movimentação das crianças, ao encaminhamento de atividades individualizadas e à
realização de atividades dirigidas (oficinas, orientações...), com seus responsáveis. Desde a
implantação do Projeto considera-se um trabalho focado na centralidade da família e no
desafio da participação popular/cidadão usuário. Esse período de convívio no hospital pode
representar um redirecionamento na rede de apoio intergeracional do núcleo de
pertencimento, decisivo ao desenvolvimento humano e social desses cidadãos.
Pretendemos, com a ampliação, aprimorar a organização dos tempos e dos espaços
educativos e de convivência, disponibilizando o canto do bebê (estimulação), canto da
informática, canto do faz-de-conta, canto do teatro e da leitura, canto dos jogos, ateliê, canto
das atividades escolares, local para reuniões e oficinas com pais... Numa perspectiva lúdica
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(preventiva e educativa), de afirmação de direitos da cidadania, destinam-se as ações à
população-alvo.
Encontrando espaços potenciais para a interlocução de caráter interdisciplinar na rotina
hospitalar
As atividades do Projeto são desenvolvidas de 2ª à 6ª feira, no período da manhã – 8
horas às 12 horas – e tarde – 13h30min às 17h30min –, nos doze meses do ano. Duas
estagiárias do curso de Pedagogia realizam diariamente um levantamento prévio das crianças
internadas. No início da manhã e da tarde visitam quartos, enfermarias..., estabelecendo
contato direto com cada paciente e com seus acompanhantes. Numa relação lúdico-dialógica
fazem um levantamento do contexto de cada criança, convidando-as para estar no espaço logo
mais. Após aberto o espaço todas as crianças e seus acompanhantes são acolhidos. As
atividades realizadas são planejadas anteriormente, em reunião semanal, com toda a equipe de
acadêmicos e professores responsáveis. O brincar é a marca do espaço, que contempla
atividades livres e orientadas, respeitando-se sempre as múltiplas linguagens da criança.
Atuam de forma permanente no projeto duas estagiárias de Pedagogia. Por ser mais
intensa a procura ao Espaço no período da manhã, quando crianças e seus acompanhantes
permanecem, por vezes, no corredor, a espera de espaço livre para entrar, concentra-se nesse
horário a ação das duas estagiárias. No período da tarde apenas uma permanece. No primeiro
semestre de 2007 participaram diretamente do projeto seis estagiárias do curso de
fonoaudiologia em estágio de caráter extra-curricular e seis estagiários do curso de Psicologia.
Em atividades pontuais, acadêmicos do curso de Fisioterapia integram-se ao Projeto.
De acordo com cronograma e planejamento conjunto entre as áreas, os acadêmicos dos
cursos referidos integram-se aos propósitos e ações do Projeto, agregando valor através de
contribuições dos respectivos campos de atuação. Tem-se assim, às possibilidades da área
pedagógica, acrescidas intervenções qualificadas nas questões da linguagem infantil e no
atendimento, orientação psicológica de crianças/ familiares. Essa composição interdisciplinar
vem reverberando em ações, junto à própria equipe de saúde do setor de pediatria, através de
encontros para orientação e dinâmicas de grupo, visando favorecer novos conceitos de
infância e, em decorrência, intervenções profissionais diferenciadas.
Desde a implantação do projeto observa-se a ativa participação dos pais/cuidadores
das crianças. Nesse sentido as ações são previstas de forma a incluí-los, constituindo-se um
espaço de convivência e de fortalecimento dos vínculos parentais e entre pares.
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Manter um sistema de planejamento e de avaliação sistemática, vem se mostrando
medida eficaz para neutralizar a representação de um espaço/depósito de crianças para a
liberação temporária dos adultos cuidadores de suas funções. Crianças e familiares/cuidadores
envolvem-se de forma contínua com as vivências expressivo-criativas, através das linguagens
lúdica, corporal, plástica, cênica, musical e em ações de letramento. Também na preparação e
execução de eventos festivos: comemorações de aniversários, carnaval, Páscoa, dia das mães,
festejos juninos, dia dos pais, dia da criança, Natal... Para além dos usuários do sistema de
saúde, procura-se o envolvimento coletivo da comunidade hospitalar.
Embora limitadas na movimentação devido ao uso de gesso, talas, soro..., as crianças
insistem em estar no ambiente, participando de acordo com suas possibilidades, o que gera
um clima de cooperação e solidariedade intra e intergeracional.
Os pacientes impedidos de se deslocar ao Espaço são, após seu fechamento, atendidos
no próprio leito. As estagiárias, orientadas a partir dos indicadores levantados na visita prévia
ao paciente, disponibilizam brinquedos, livros e materiais através de um kit personalizado. Da
mesma forma estabelece-se a rotina de visitas à CTI infantil, com atendimento em 3 manhãs e
em 2 tardes, organização flexibilizada quando a demanda requer a intensificação das
intervenções.
Intervenções, de cunho preventivo-educativo, com crianças que passam longos
períodos internadas, sem possibilidade de se deslocar ao Espaço, são planejadas por toda a
equipe e realizadas no leito ou no próprio espaço da enfermaria, contando com a participação
dos adultos cuidadores, de tal forma que esses possam dar continuidade ao processo de
estimulação e mediações educativas necessárias. Essa interlocução multidisciplinar é
assegurada através de reuniões sistemáticas entre professores, acadêmicos e chefia de
enfermagem.
Embora esteja estabelecida, com inteira receptividade, a dinâmica dos demais postos,
como emergência, oncologia e outros, chamarem as estagiárias diante de novas internações,
ou em casos de crianças que se beneficiam com as mediações das mesmas, mantém-se
atenção permanente para assegurar a continuidade dessa cooperação, fundamental ao êxito
dos objetivos propostos..
São comuns pedidos de mães para que as estagiárias vão até o leito de seu(s) filho(s),
porque os mesmos estão ansiosos para receberem as “pros”. Médicos também demandam
pedidos de atenção a pacientes que não podem ir até a sala do Projeto. O Espaço conta com
uma biblioteca que faz empréstimos de livros, revistas e gibis aos pacientes e seus familiares.
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Alguns brinquedos, aparelho de cd e materiais são emprestados, conforme necessidades de
cada paciente.
O computador, com kit multimídia, disponibilizado pela UPF, a partir do 1º semestre
de 2007, exerce fascínio intergeracinal, representando uma das primeiras interações dos
usuários com essa ferramenta tecnológica. Estão à disposição softwares educativos,
desenvolvidos a partir de uma base lúdica. O uso desse equipamento é mediado pelas
estagiárias. A demanda para instalação de um segundo equipamento requer a ampliação da
área física. Modificações na sala, destinada ao Projeto, são imprescindíveis à qualificação do
atendimento e estão sendo pleiteadas.
Nos casos de crianças em processo de escolarização e que permanecem longo tempo
no hospital, faz-se o contato com a escola, para o envio de atividades, que passam a ser
orientadas pelas estagiárias após entendimento com a professora titular. Nesse aspecto
precisamos aprimorar as estratégias e procedimentos. O diálogo com a escola se estabelece
também no sentido de que a turma e professoras mantenham o vínculo com o escolar
hospitalizado através de mensagens, visitas, envio de fotos...
Nesse semestre demos início a duas tentativas de assegurar a continuidade do processo
de escolarização de crianças com doenças crônicas (leucemia e tumor ósseo). Em ambas não
avançamos no sentido de atingir o objetivo proposto. Num dos casos a família preferiu
interromper o processo de escolarização por considerar que a criança deveria ser poupada dos
estudos e por acreditar que não tinha condições para dar continuidade ao mesmo. Ainda
demandamos esforços junto à escola e à família na retomada de possibilidades reais. No
segundo caso, a família e a escola mostraram-se receptivas e otimistas com a possibilidade,
todavia o prognóstico evidencia o agravamento rápido do quadro e a inoperância de quaisquer
tentativas disponíveis para o enfrentamento da doença. Uma situação que lança à reflexão
sobre os próximos desdobramentos do caso.
São freqüentes as parcerias com grupos teatrais, acadêmicos de fisioterapia,
enfermagem, grupos musicais, creche da instituição e empresas, para visitas e apresentações
no Setor de Pediatria, sempre sob planejamento e acompanhamento das estagiárias,
coordenadora e professoras do Projeto.
Diariamente, ao final de cada período de atuação, as estagiárias registram, no livro de
memórias, uma apreciação crítica, constituída pela síntese das ações desenvolvidas, número
de crianças atendidas, fatos significativos.... Esse material é retomado nas reuniões semanais,
servindo de referência para avaliação e para novos planejamentos. Faz-se urgente a
qualificação desse documento com o detalhamento, por parte das estagiárias, de aspectos
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relacionados às atividades desenvolvidas, à participação do público usuário nas mesmas e aos
seus contextos de vida (dados pessoais). Também quanto aos significados atribuídos à
hospitalização.
Encerradas as atividades do período – manhã ou tarde -, as estagiárias de Pedagogia
organizam o espaço e, atendendo a rígidos princípios de biossegurança, separam e depositam
os brinquedos utilizados num recipiente com álcool 70%. A finalização do processo é feita
pela equipe de sanificação do hospital, de tal forma que o próximo grupo de usuários
disponha do material, esterilizado .
Os recursos educativos, didáticos e lúdicos utilizados são adquiridos pelo hospital,
através de licitação, atendendo ao pedido escrito, feito pela coordenadora geral do Projeto,
com periodicidade variável, conforme a demanda.
Os jalecos coloridos usados pelas acadêmicas, assim como alguns figurinos para datas
festivas são confeccionados pelo curso Tecnólogo em Produção do Vestuário. O setor de
lavanderia e confecção do hospital também participa com tecidos e costuras necessárias
sempre que são desenvolvidas atividades que requerem esses recursos.
Semanalmente, professoras coordenadoras, colaboradoras, estagiárias realizam
reuniões de planejamento e avaliação. Quinzenalmente, ou atendendo a demanda
circunstancial, a reunião envolve a chefia de enfermagem e outras. Mensalmente, todos os
acadêmicos e professores dos cursos envolvidos, juntamente com a chefia de enfermagem
reúnem-se para a realização de seminários. As temáticas são alternadas de forma que as
diversas áreas possam apresentar abordagens específicas. Essas são seguidas de discussão,
perspectivando-se a capacitação contínua da equipe multidisciplinar para atuar no complexo
contexto hospitalar. Visitas e reuniões com outros setores do hospital são agendadas de
acordo com a demanda.
Docentes, discentes dos cursos envolvidos com o Projeto, bem como funcionários
dessas unidades, são estimulados continuamente a visitar e participar de atividades
relacionadas.
A média de atendimentos por dia, considerados os diferentes espaços de abrangência
do Projeto, situa-se em setenta e cinco (75), representando, de janeiro a julho de 2007 um
conjunto de dez mil e quinhentos atendimentos (10.500).
Considerações finais - dimensionando resultados para qualificar o processo
No que se refere a um instrumento que permita tornar visível os resultados do Projeto,
a instituição hospitalar adota um modelo de ficha de avaliação, respondida pelo usuário, cujos
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indicativos são repassados pelo setor de RH à chefia de enfermagem da Pediatria. Trata-se de
um modelo unificado de avaliação para os diferentes setores do hospital. Não há um item
específico para a manifestação do usuário a respeito do Projeto. Considerando que o setor de
pediatria é o único a oferecer esse serviço, faz-se necessária uma avaliação diferenciada dos
demais setores, já que os itens não contemplam tal especificidade, ficando suas ações diluídas
no atendimento geral dispensado aos pacientes da pediatria, ou ao registro espontâneo, nas
reduzidas linhas disponíveis para comentários gerais. Estamos pleiteando, juntamente com a
chefia do setor, uma ficha que contemple a avaliação do Projeto e forneça subsídios para o
levantamento de resultados obtidos. .
Nessa sistemática, nos são relatados pela chefia do Setor, registros positivos, com
depoimentos e agradecimentos de familiares que conotam o Projeto como recurso disponível
na instituição para: “suportar, enfrentar de maneira digna, não se entregar, orientar, não pensar
só na doença, lidar com o cansaço, melhorar o humor, alegrar a criança, fazer amizades,
desestressar, tirar a tristeza, ensinar, aprender, conviver, compreender a vida e a doença...”
referências que dizem respeito a significações feitas por adultos e crianças. São referidas,
constantemente, sensações de surpresa positiva ante a um hospital que oferece essa
possibilidade aos usuários e o reconhecimento “às professoras” que facilitam e dão outro
sentido ao processo de hospitalização.
Os indicadores que orientam a continuidade do trabalho referem-se à observação
diária da freqüência à sala do Projeto; da participação ativa e espontânea das crianças e de
seus acompanhantes, esses que muitas vezes vão para o espaço durante o sono dos pequenos;
das manifestações efusivas dos pacientes, que diante da alta pela manhã clamam junto aos
familiares para ficarem até a tarde, visando estar novamente no Espaço. A direção médica do
setor; médicos do corpo clínico com atuação na Pediatria e chefias de enfermagem têm sido
unânimes na emissão de pareceres em reconhecimento ao alcance e valor do Projeto.
Indicadores significativos nos vêm da comunidade hospitalar, que por ocasião do seu
início mostrou-se receosa com a inclusão da área pedagógica num espaço tido como de
atuação exclusiva dos cursos de saúde. Olhares de estranheza foram, processualmente, sendo
substituídos por manifestações de valorização e disposição para o trabalho conjunto, de
caráter interdisciplinar.
Alguns médicos pediatras dispõem-se ao papel de “amigos do projeto” permitindo,
ano após ano, tranqüilidade no que se refere às guloseimas para os ninhos de Páscoa e de
presentes para todas as crianças hospitalizadas em época de Natal. A interlocução estende-se
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para outras atividades, como encaminhamentos específicos de crianças, orientações de
familiares a pedido da equipe do Projeto por parte dos profissionais da saúde ou seu inverso.
Diferentes profissionais acorrem às estagiárias para realizar procedimentos sem
comportamentos de oposição impeditiva dos pacientes: sessões fisioterápicas, punções
venosas, trocas de curativos..., que são realizados no próprio espaço ou na presença de uma
estagiária, chamada especialmente para mediar essas situações. Diante da ansiedade dos
momentos pré ou pós-cirúrgicos as estagiárias são também mobilizadas pelos familiares e
pelas equipes de saúde, um indicativo claro da contribuição do Projeto na adesão ao
tratamento e na redução das repercussões negativas da hospitalização.
São comuns os “chamados” por parte dos familiares que apelam para as estagiárias no
sentido de diluir a tristeza, o abatimento, a recusa em alimentar-se e outros comportamentos
que exacerbam o quadro tensional decorrente da situação de doença. Por vezes, adultos
assumem a função de ansiosos porta-vozes, representando a criança que está sob seus
cuidados e, por um motivo ou outro, impossibilitada de se deslocar ao Espaço. Buscam o
atendimento preferencial da estagiária logo após o fechamento da sala. Essa externalização do
desejo de tê-las, em interação quase exclusiva e expandida, com as crianças, evidencia ainda o
mérito da intervenção junto aos usuários hospitalizados.
São inúmeras, ao longo desses anos, manifestações espontâneas de crianças e
familiares, ressaltando a relevância das ações durante o processo de hospitalização,
concretizadas quando não em depoimentos verbais, em cartas, bilhetes, desenhos, presentes,
doações para o espaço... Também na forma de pedidos especiais para visitas, em se tratando
do retorno à cidade por pacientes e familiares moradores da zona rural ou de outros
municípios. Dessa forma já se fizeram necessárias intervenções junto à Portaria para
concessões de vistos especiais a visitantes que retornavam para um reencontro com as
“prôs”...
Equipes de saúde e familiares relatam a redução de queixas das crianças por dor ou
insatisfação no contexto de hospitalização. O abatimento e a depressão infantil, comuns em
caso de doenças crônicas, que demandam longa internação, são também, segundo as mesmas
fontes, manifestações com intensidade sensivelmente reduzida.
Recentemente acompanhamos um caso de um menino com 10 anos, que de forma
abrupta teve a perna amputada. Ao saber da perda do membro abateu-se. Posteriormente
passou por um processo de quimioterapia. Sabendo da existência do Espaço manifestou a
vontade de se deslocar até o mesmo. Optou por abrir mão do atendimento no leito e ainda sob
os efeitos da sessão de quimioterapia se propôs ao primeiro passeio pós-cirúrgico. Recusou a
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cadeira de rodas e, passo a passo, apoiando-se em muletas, deslocou-se de forma autônoma à
sala do Projeto. Ao adentrar e encontrar outras crianças abriu um sorriso espontâneo,
integrou-se à proposta, compenetrou-se nas atividades livres e orientadas, sugeriu, procedeu
iniciativas, enfim confirmou-se como um sujeito ativo e competente
no contexto das
interações estabelecidas. Indescritível foi esse momento, bem como seu significado para o
pequeno paciente e para sua família.
Não são incomuns situações de crianças com leucemia, tumores, doenças
degenerativas, síndromes e doenças infecciosas recorrentes que adentram longos períodos de
internação, vivenciando boa parte da infância no confinamento de um ambiente hospitalar.
Esses casos constituem importantes desafios para a equipe, sabendo-se que o desfecho nem
sempre será o de restabelecimento das condições de saúde. Demandando uma atenção
cuidadosa à problemática nossas intervenções perduram até o momento final de
hospitalização mesmo, e sobretudo, quando não há perspectivas de melhora clínica. Embora
seriamente debilitadas pelo extenuante processo de doença que inclui intervenções para
diagnóstico; administração de medicamentos e procedimentos invasivos, a marca desses
pacientes é a de persistir nas manifestações lúdicas enquanto restar um mínimo de energia
vital. Lápis de cor fortemente preso entre os dedos da mão, pedidos para desenhar em folhas
de papel, para escutar o aparelho de som no quarto, rodando cds com músicas preferidas, são
algumas das expressões de comportamento que acompanham crianças em fase final de vida,
só extinguidas com os últimos momentos de consciência.
A humanização, como meta perseguida tenazmente pela instituição hospitalar, torna-se
palpável através do Projeto em pauta, podendo ser usufruída coletivamente pela população
usuária dos serviços hospitalares. Os grupos sociais, majoritariamente, representados nesse
segmento contam, exclusivamente com a rede do SUS. Um ciclo mantido pelo distanciamento
perverso e alienante dos direitos básicos à condição de cidadania. Com a oficialização da
participação de outros cursos como a Psicologia e a Fonoaudiologia, reforça-se a interlocução
entre diversas áreas do conhecimento, o que repercute como diferencial na formação
profissional dos acadêmicos envolvidos e na atenção integral à criança hospitalizada.
A trajetória do Projeto, e de seus resultados, tem sido compartilhada com a
comunidade local, regional e nacional através da apresentação e publicação de trabalhos
(comunicações orais, artigos completos e pôsteres) em eventos científicos. Nesses, participam
professoras e acadêmicas envolvidas com o projeto, fazendo reverberar o nome UPF. A mídia
local, regional e estadual ( televisiva, jornalística e radiofônica) vem divulgando o trabalho
através da cobertura das ações e eventos desenvolvidos. Disciplinas dos cursos de Pedagogia,
3539
Psicologia, Fonoaudiologia, do curso de Especialização em Psicopedagogia e do curso
Técnico em Enfermagem da UPF, vêm encaminhando trabalhos acadêmicos, com visitas in
loco ao espaço, seguidas de relatórios e seminários em sala de aula.
Com o desenvolvimento do Projeto perspectiva-se um campo de atuação pedagógica
em espaços de educação não formal, de atuação do psicólogo hospitalar, na esfera clínica e
institucional e, do fonoaudiólogo, para além dos muros da clínica. O convívio sistemático
entre os acadêmicos dessas áreas, movidos por objetivos compartilhados, vem dando espaço
para o compartilhamento de saberes, ao tempo que amplia o roteiro de possibilidades
favoráveis ao desenvolvimento das crianças hospitalizadas. Cada vez mais são rotineiros os
relatos de familiares expressando o reconhecimento e a surpresa pela abordagem
interdisciplinar. Por tratar-se de uma instituição de saúde que recebe pacientes de vários
municípios e de diversos estados, a iniciativa
tornou-se conhecida, de forma que são
freqüentes referências a mesmo quando, através de ações de extensão ou de graduação,
estabelecemos contato com acadêmicos, profissionais e moradores de outras localidades.
Uma das metas refere-se à efetivação de uma pesquisa, de forma que possamos dispor
de dados aprofundados e consistentes sobre a população usuária e sobre os efeitos diretos da
ação de brincar e da intervenção interdisciplinar a partir do Projeto. A literatura já produzida
na área é afirmativa ao divulgar os benefícios da implantação de projetos dessa natureza,
reiterando a redução do tempo de permanência do paciente no hospital e na redução da
necessidade de medicamentos para a dor, já que as queixas diminuem. Sob nosso ponto de
vista essas decorrências possíveis e até comprováveis em disciplinados esforços de pesquisa,
embora bem vindas, não devem constituir o foco das ações, nem sua justificação. É a
experiência intencional e qualificada de humanização, de cidadania e de potencialização das
interações culturais-educativas-sociais e de saúde, que configura o processo estabelecido e
indica sua continuidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS. Brasília. 1993.
BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À
FOME. Política Nacional de Assistência Social. Brasília. 2004.
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configurações de uma hospitalização cidadã no setor pediátrico de