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IV
Anuário Brasileiro
de Direito Internacional
VOLUME 1
Brazilian Yearbook of International Law
Annuaire Brésilien de Droit International
2009
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Copyright © 2009 by Leonardo Nemer Caldeira Brant/CEDIN
Todos os direitos reservados
ISSN 19809484
Centro de Direito Internacional - CEDIN
PRESIDÊNCIA
Leonardo Nemer Caldeira Brant
CONSELHO CONSULTIVO E EDITORIAL DO CEDIN
Ademar G. Bahadian, Alain Pellet, André de Carvalho Ramos, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, Antônio
Remiro Brotóns, Arthur José Almeida Diniz, Bruno Simma, Celso Lafer, Eduardo Grebler, Francisco Orrego
Vicuña, Francisco Rezek, Gilberto Giullaume, Ireneu Cabral Barreto, José Henrique Fischel, Laurence Boisson de
Chazournes, Luigi Condorelli, Thomas M. Franck, Vicente Marotta Rangel, Welber Barral.
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Fernanda Mara Leite, Luciana Diniz Durães Pereira, Marcela de Castro Reis
TRADUÇÃO DOS ARTIGOS EM LÍNGUA FRANCESA
Fernanda Araújo Kallas
TRADUÇÃO DOS ARTIGOS EM LÍNGUA INGLESA
Luiz Felipe Gonçalves Nasser
COLABORADORES
Ana Muñiz Álvarez, Daniela Rodrigues Vieira, Délber Andrade Lage, Fernanda Mara Leite,
Luciana Diniz Durães Pereira, Marinana Andrade e Barros, Pedro Ivo Ribeiro Diniz, Suzana Santi
Cremasco,Thiago de Andrade Neves
Submissão de artigos para publicação | Articles submissions
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Data limite para entrega dos artigos | Deadline: 04/2010
E-mail | [email protected] / [email protected]
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO
Alexander Oliveira
Rosana Martins da Costa Diniz
APOIO
Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG (www.funag.gov.br)
Fundação Konrad Adenauer - FKA (www.adenauer.com.br)
Ramo brasileiro da International Law Association - ILA (www.ilabrasil.org.br)
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
A636Anuário Brasileiro de Direito Internacional = Brazilian Yearbook of
International Law = Annuaire Brésilien de Droit International /
Coordenador: Leonardo Nemer Caldeira Brant - v.1, n.1, 2006 - Belo
Horizonte: CEDIN, 2006
Semestral
1. Direito Internacional. I. Centro de Direito Internacional II. Brant, Leonardo
Nemer Caldeira. III. Título: Brazilian Yearbook of International
Law. IV. Título: Annuaire Brésilien de Droit International.
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Sumário
11La Contribution au Développement du Droit International Général de la
Jurisprudence Arbitrale Relative aux Investissements Etrangers
he Foreign Investment Case Law’s Contribution to the Development of General International Law
T
Mathias FORTEAU
40United States/Brazil Relations: A Shared Commitment to Global Leadership
CLIFFORD M. SOBEL
46Biodiversidade e Propriedade Industrial: Um Exame Jurídico do
Conhecimento Tradicional
Carlos Alberto Rohrmann
Lyssandro Norton
113Os Desafios da Corte Internacional de Justiça na Atualidade
Daniela Rodrigues Vieira
Leonardo nemer caldeira brant
126The Reception of Human Rights’ Treaties in Brazilian Law after the 45th
Constitutional Amendment: An Analysis of the Rome Statute of The
International Criminal Court (ICC)
Luciana Diniz Durães Pereira
Marinana Andrade e Barros
Renata Mantovani de Lima
138Treaty Enforcement by Brazilian Courts: Reconciling Ambivalences and
Myths?
CLAUDIA LIMA MARQUES
LUCAS LIXINSKI
170O Regime Especial de Reservas da Organização Internacional do Trabalho:
a Reserva Implícita ao Retrocesso Jurídico e Social dos Trabalhadores
Daniela Muradas Reis
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Apresentação
A partir do diálogo entre o meio acadêmico e a sociedade civil, o Anuário Brasileiro de Direito Internacional tem como finalidade estabelecer no país, em definitivo,
uma publicação semestral, com inserção internacional, engajada na promoção e consolidação de uma visão brasileira do Direito Internacional. Visa-se, assim, simultaneamente, contribuir para uma melhor compreensão do sistema normativo internacional,
bem como assegurar um espaço para reflexão acerca de seus recentes desafios.
Este quarto número contém anexos que trarão jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça relativa ao Direito Internacional. Igualmente, serão citados os casos contenciosos e os pareceres consultivos decididos e analisados pela Corte Internacional de Justiça entre os anos de 2007 e 2008.
Esta iniciativa é resultante da visão empreendedora do Centro de Direito Internacional – CEDIN, e conta com o relevante apoio da Fundação Alexandre de Gusmão
— FUNAG, Fundação Konrad Adenauer – FKA e do ramo brasileiro da International
Law Association – ILA, tendo sua qualidade reconhecida pelo padrão Qualis da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Leonardo Nemer Caldeira Brant
Belo Horizonte, julho de 2009.
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La Contribution au Développement du Droit International Général de la Jurisprudence
Arbitrale Relative aux Investissements Etrangers
11
La Contribution au Développement du Droit International
Général de la Jurisprudence Arbitrale Relative aux
Investissements Etrangers
1
he Foreign Investment Case Law’s Contribution to the Development of General
T
International Law
Mathias FORTEAU2
Resumo
Diferentemente da arbitragem comercial na qual o Estado participa como operador privado, no contencioso relativo aos investimentos estrangeiros o Estado intervém como entidade soberana, jure imperii. Considerando-se o fato de que a maioria
das reclamações introduzidas perante os tribunais arbitrais especializados, tal como
o ICSID, tem como fundamento o descumprimento por parte do Estado de um tratado bilateral de investimentos, as decisões decorrentes dos litígios propostos pelos
investidores estrangeiros privados em face do Estado hospedeiro têm constantemente
evocado a aplicação do direito internacional público geral. O fenômeno da aplicação
de uma jurisprudência interestatal na arbitragem mista é o foco principal do presente
artigo. Ele realça os julgados oriundos de tribunais arbitrais que enriqueceram o direito internacional público, desenvolvendo uma interpretação própria de seus institutos
que, atualmente, serve para reorientar a disciplina nas suas articulações com a esfera
privada, com o direito interno e com as suas próprias técnicas jurídicas.
Abstract
Differently from commercial arbitration in which the State participates as a private
operator, the State intervenes as a sovereign entity – jure imperii – within litigations that
are related to foreign investments. Considering that the major part of complaints presented at specialized arbitration courts, such as the International Center for Settlement of
Investment Disputes (ICSID), has its basis on a State-part non-fulfillment of a bilateral
treaty on investments, decisions that are fruit of litigations proposed by private foreign
investors concerning hosting States have constantly evoked the general international
public law application. The phenomenon of applying a interstate jurisprudence on a
mixed arbitration is the main focus of this article. It stresses the decisions from arbitration courts that enrich international public law, developing a proper interpretation of its
institutes that are currently used to redirect this topic within its articulations inside the
private sphere, the internal law and its own juridical techniques.
1 Cet article fait suite au cours thématique dispensé en juillet 2008 dans le cadre de la 4ème session des International Law Winter Courses de
l’Université de Belo Horizonte (Brésil). Qu’il nous soit permis ici de remercier leurs organisateurs, en premier lieu Leonardo Neimer Caldeira
Brant, pour leur accueil si chaleureux et fraternel.
2 Professeur à l’Université Paris X-Nanterre
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
Chacun sait tout ce que le droit international général, dans sa forme actuelle, doit à
«l’âge d’or» de l’arbitrage in ternational3. La codification du droit de la responsabilité
internationale des Etats en porte à elle seule un témoignage exemplaire4.
Depuis l’institution d’une juridiction internationale permanente (la Cour permanente de Justice internationale en 1919, à laquelle a succédé en 1945 la Cour internationale de Justice), les internationalistes ont naturellement eu tendance à privilégier
les décisions des Cours de La Haye pour y déceler les évolutions de leur matière.
Leurs «grands» arrêts sont devenus incontournables, et si les étudiants en subissent
désormais les délices, c’est de manière tout à fait justifié epuisqu’«[a]u fil des années,
la Cour, en interprétant de nombreuses règles dans différents domaines du droit international, a éclairci leur contenu et leur portée et a contribué d’une manière substantielle au développement du droit international»5. Plus enthousiaste encore, mais
avec l’esprit provocateur qu’on lui connaît, Alain Pellet va jusqu’à voir dans l’organe
judiciaire principal des Nations Unies un véritable «législateur mondial» qui, «dans le
monde actuel, est sans doute le plus inattendu mais aussi le plus efficace des organes
susceptibles d’adapter le droit aux nécessités changeantes de la vie internationale»6.
Que la maîtrise de la jurisprudence des deux Cours de La Haye soit devenue
à ce point indispensable pour la pratique comme pour la compréhension du droit
international contemporain ne signifie toutefois pas qu’elle y suffise. Dans un ordre juridique marqué depuis plusieurs années par un phénomène remarquable de
«fragmentation» du droit et de «prolifération» des juridictions7, les sources jurisprudentielles du droit international général se sont inévitablement diversifiées. On
pourrait même se demander si leur importance respective ne s’est pas inversée avec
le temps. Tandis que le style judiciaire des arrêts de la Cour internationale de Justice est devenu éminemment casuistique, empêchant de plus en plus l’identification
d’une authentique jurisprudence, à l’inverse, de très intéressantes questions de droit
international général sont de plus en plus souvent débattues devant des juridictions
au contentieux pourtant (très) spécialisé. Cela contraint du même coup l’internationaliste à une saine gymnastique puisqu’il lui faut désormais s’orienter dans plusieurs directions à la fois, au lieu de puiser à une source unique, lorsqu’il souhaite,
sur une question donnée, connaître ou établir l’état du droit international général8.
3 V
. J.-P. Cot, « Le monde de la justice internationale » in SFDI, La juridictionnalisation du droit international, Pedone, Paris, 2003, p. 521,
qui rappelle qu’entre 1795 et 1922, pas moins de 350 arbitrages ont été rendus.
4 Les commentaires des Articles de 2001 de la Commission du droit international sur la responsabilité de l’Etat pour fait internationalement
illicite (A/56/10, pars. 76-77) (ci-après les « Articles de 2001 »), et plus encore les commentaires du projet adopté en première lecture en 1996
(A/51/10, par. 65), se réfèrent très abondamment à cette pratique arbitrale au soutien des règles codifiées.
5 P. Tomka, «Article 92», in J.-P. Cot, A. Pellet, M. Forteau (éd.), La Charte des Nations Unies. Commentaire article par article, Economica,
2005, vol. II, p. 1961..
6 A. Pellet, «L’adaptation du droit international aux besoins changeants de la société internationale», Recueil des cours de l’Académie de droit
international de La Haye, 2007, vol. 329, pp. 43-47.
7 V. notamment J.L. Charney, «Is International Law Threatened by Multiple International Tribunals?», Recueil des cours de l’Académie de
droit international de La Haye, 1998, vol. 271, pp. 101-382; S. Karagiannis, «La multiplication des juridictions internationales», in SFDI, La
juridictionnalisation du droit international, op. cit. (note 1), pp. 7-161.
8 Fort heureusement, la tâche est en partie facilitée par l’existence d’interactions (procédant par renvois souvent explicites) de plus en plus
intenses entre les jurisprudences des différentes juridictions internationales, ainsi qu’entre celles-ci et la jurisprudence des juges internes. V.
sur ces deux points M. Kamto, «Les interactions des jurisprudences internationales et des jurisprudences nationales», in SFDI, La juridictionnalisation du droit international, op. cit. (note 1), pp. 393-460.
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La Contribution au Développement du Droit International Général de la Jurisprudence
Arbitrale Relative aux Investissements Etrangers
13
Le constat vaut tout particulièrement aujourd’hui pour les juridictions arbitrales
internationales intervenant dans le domaine des investissements étrangers (les tribunaux CIRDI, bien sûr9, mais ceux-ci ne sont pas les seuls impliqués10). Cause ou
effet d’ailleurs (sans doute l’une et l’autre), l’ampleur prise par les questions de droit
international général dans le contentieux des investissements étrangers s’observe sur
un plan sociologique par la présence de plus en plus fréquente dans le prétoire de ces
juridictions, comme avocats ou comme arbitres, d’internationalistes «généralistes»,
pour beaucoup d’entre eux habitués de la Cour internationale de Justice pour y avoir
siégé ou y avoir plaidé11.
De cette évolution, la doctrine internationaliste n’a pris acte que très récemment.
Parmi les précurseurs, il faut citer Geneviève Bastid-Burdeau dont le cours – malheureusement non publié – dispensé en septembre 2005 dans le cadre des Cours euroméditerranéens Bancaja de droit international portait sur l’«Arbitrage transnational et
[le] droit international public»12. Exactement au même moment, Charles Leben, dans
un article prophétique, interpellait les internationalistes en les appelant à «prendre
conscience [que] le droit international, le vieux droit des gens de Grotius, connaît un
essor nouveau dans le domaine des relations économiques internationales»13. Quelques études anglo-saxonnes se sont depuis inscrites dans ce mouvement14 et il faut
saluer par ailleurs l’heureuse initiative de l’Annuaire français de droit international
qui accueillera bientôt une chronique de recension des aspects de droit international
général présents dans le contentieux des investissements étrangers15.
Si les petits ruisseaux font les grandes rivières, il y a loin cependant avant qu’ils ne
se transforment en de paisibles fleuves au cours bien maîtrisé. Dans l’état actuel de la
littérature juridique, un vaste champ de recherches s’ouvre ainsi aux internationalistes
9 L
e Centre international pour le règlement des différends liés aux investissements (ICSID en anglais et CIADI en espagnol, les trois langues
officielles du CIRDI) a été créé sous les auspices de la BIRD par la convention de Washington du 18 mars 1965. 155 Etats y sont parties
mais, de manière remarquable, pas le Brésil. La question de son adhésion fait aujourd’hui débat (v. J. Kalicki et S. Medeiros, «Revisiting
Brazil’s Traditional Reluctance Towards ICSID, BITs and Investor-State Arbitration», Arbitration International, 2008, vol. 24, No. 3, pp.
423-446). Sur le CIRDI, consulter en particulier Ch. Schreuer, The ICSID Convention. A Commentary, Cambridge University Press, 2001,
XLVIII-1466 p.
10 D’autres juridictions arbitrales, à côté des arbitrages ad hoc (éventuellement rendus sous l’égide de la Cour permanente d’arbitrage) interviennent également dans le domaine des investissements étrangers. Citons en particulier la Chambre de commerce de Stockholm. Toutes les
sentences citées dans cet article sont disponibles sur le site www.ita.law.uvic.ca (à l’exception de certaines sentences rendues dans le cadre
de la Cour permanente d’arbitrage, pour lesquelles il faut consulter www.pca-cpa.org ; le site du CIRDI est évidemment lui aussi très utile:
www.worldbank.org/icsid/index.html).
11 Citons, parmi d’autres et, espérons-le, sans froisser quelque susceptibilité, G. Abi-Saab, I. Brownlie, L. Caflish, A. Cançado Trindade, J.
Crawford, P.-M. Dupuy, Ch. Greenwood, G. Guillaume, V. Lowe, A. Pellet, M. Reismann, F. Rezek, Ph. Sands, S. Schwebel, B. Simma, B.
Stern, P. Tomka, Ch. Tomuschat, Sir A. Watts, P. Weil, etc.
12 http://www.epd.uji.es/derecho/frances/c2005.htm.
13 «La responsabilité internationale de l’Etat sur le fondement des traités de promotion et de protection des investissements», Annuaire français de droit international, 2004, pp. 682-714, p. 714 pour la citation.
14 V. A. Maniruzzaman, «The Relevance of Public International Law in Arbitrations concerning International Economic Development Agreements — An Appraisal of Some Fundamental Aspects», The Journal of World Investment & Trade, 2005, pp. 263-296 ; T. Gazzini, «The
Role of Customary International Law in the Field of Foreign Investment», The Journal of World Investment & Trade, 2007, pp. 691-715; C.
McLahan, «Investment Treaties and General International Law», International and Comparative Law Quarterly, 2008, pp. 361-401 (malgré
son intitulé, cette étude porte essentiellement sur les apports jurisprudentiels au droit international général, en lien avec les traités dans le
domaine des investissements); et O. Fauchald, « The Legal Reasoning of ICSID Tribunals – An Empirical Analysis», European Journal of
International Law, 2008, pp. 301-364.
15 La première chronique, rédigée par F. Latty, devrait paraître à l’Annuaire 2008 (publication en octobre 2009). Une chronique du même type
existe déjà pour ce qui concerne la Cour européenne des droits de l’homme et les comités établis au sein des Nations Unies dans le domaine
des droits de l’homme (v. Annuaire français de droit international, 2007, pp. 584-607 et 779-796).
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
désireux de redécouvrir leur discipline à la lumière d’une jurisprudence arbitrale de
plus en plus volumineuse.
C’est dans cette perspective qu’a germé l’idée de consacrer notre contribution
aux International Law Winter Courses de Belo Horizonte à «la contribution de la
jurisprudence arbitrale relative aux investissements étrangers au développement du
droit international général». Dans le cadre restreint qui est le sien, il ne saurait être
question évidemment d’épuiser l’analyse d’une pratique arbitrale immensément riche.
Il s’agira seulement d’en souligner les principaux aspects pour mieux faire ressortir la
dynamique générale qui l’anime.
De ce point de vue, deux tendances fortes, antinomiques à certains égards, frappent le lecteur régulier des sentences rendues par ces juridictions arbitrales dans leur
rapport avec le droit international général: d’une part, le souci de ces juridictions de
mettre leurs pas dans ceux des juges interétatiques classiques; d’autre part, la manière
originale dont celles-ci appréhendent et mettent en œuvre les règles de droit international général. En conséquence de la nature particulière des litiges portés devant
elles (litiges de nature mixte ou même «hybride»16, qui opposent systématiquement un
individu, l’investisseur étranger, à un Etat, dont la responsabilité est recherchée), ces
juridictions contribuent en effet autant à la consolidation du droit international général
(I) qu’à sa réorientation (II).
1. La consolidation du droit international général
Que les tribunaux arbitraux statuant dans le domaine des investissements étrangers aient fréquemment l’occasion de trancher des questions de droit international
général n’a rien de surprenant.
Puisque dans la majorité des cas aujourd’hui la réclamation introduite devant eux porte
sur l’allégation de violation d’un traité par un Etat (les traités bilatéraux d’investissement
constituent de nos jours la source principale des obligations dues aux investisseurs étrangers17), le droit primaire comme les règles secondaires du droit international entrent inévitablement en jeu. Même lorsque d’ailleurs le litige porte sur l’application d’un contrat
d’Etat, les tribunaux arbitraux n’hésitent plus aujourd’hui à en soumettre directement le
régime au droit international public sans estimer devoir s’en justifier longuement18.
Il serait vain, par ailleurs, de vouloir doter le droit international des investissements d’un particularisme irréductible. Cette branche du droit, si spéciale soit-elle, «is
not to be read in isolation from public international law»19; comme le reconnaissent
16 V. Z. Douglas, « The Hybrid Foundations of Investment Treaty Arbitration », British Yearbook of International Law, 2003, pp. 151-287.
17 Raison pour laquelle dans l’affaire Diallo la Cour internationale de Justice a pu affirmer que la protection diplomatique des investisseurs
étrangers n’a plus vocation à intervenir « que dans les rares cas où les régimes conventionnels n’existent pas ou se sont révélés inopérants »
(arrêt du 24 mai 2007, par. 88, www.icj-cij.org – italiques ajoutés). Il existe aujourd’hui en effet plus de 2000 traités bilatéraux d’investissement reconnaissant en général un droit de réclamation internationale à l’investisseur qui le dispense d’en passer par les fourches caudines
de la protection diplomatique.
18 V. ainsi Eurotunnel c. France et Royaume-Uni, sentence partielle du 30 janvier 2007 (dans le cadre de la Cour permanente d’arbitrage),
pars. 92, 107, 114 et 173 et s.
19 CIRDI (ALENA), Archer Daniels Midland Company and Tate and Lyle Ingredients Americas, Inc, c. Mexique, n° ARB(AF)/04/05, sentence
du 21 novembre 2007, par. 195, et plus largement, sur les relations entre droit international général et lex specialis, pars. 116-123.
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La Contribution au Développement du Droit International Général de la Jurisprudence
Arbitrale Relative aux Investissements Etrangers
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les juridictions intéressées, «[i]nternational law is not a fragmented body of law as far
as basic principles are concerned»20.
De fait, ces tribunaux arbitraux manifestent une très nette volonté d’inscrire
leurs décisions dans la lignée de la jurisprudence interétatique classique, là où on
aurait pu s’attendre, compte tenu de la nature mixte de leur contentieux, à ce qu’ils
se réfèrent plutôt à la jurisprudence de juridictions connaissant elles aussi de réclamations individuelles (les juridictions des organisations économiques régionales,
ou les juridictions compétentes en matière de droits de l’homme, par exemple). La
démarche, qui doit être saluée en ce qu’elle réduit les risques de fragmentation du
droit international, leur permet du même coup de renforcer l’autorité des règles internationales générales (A) tout autant que d’en préciser la portée (B).
A. Le renforcement de l’autorité des règles du droit international général
En payant leur tribut au droit international général, et notamment à la jurisprudence des deux Cours de La Haye dont les décisions sont très fréquemment sollicitées,
les tribunaux arbitraux escomptent sans doute renforcer leur autorité en se plaçant sur
un pied d’égalité avec le juge interétatique. Toujours est-il que par ce biais, l’assise
des règles consacrées par ce dernier s’en trouve renforcée, à un double titre: d’abord
par le phénomène de citation et d’application de la jurisprudence interétatique (l’accumulation, on le sait, produisant son effet juridique, comme le démontre le mécanisme coutumier), ensuite par le processus de fécondation mutuelle qui en découle.
Ainsi l’emprunt se fait-il à l’avantage réciproque du droit international général et des
tribunaux compétents dans le domaine des investissements étrangers:
«This process of cross-fertilization in the development of the customary standards through the treaty jurisprudence saves general international law from
being cast in aspic at some earlier point in time; and saves treaty tribunals
from isolation and inconsistency»21.
1. De très nombreuses sentences pourraient être citées pour illustrer le premier
point (le phénomène de citation et d’application de la jurisprudence interétatique).
Dans le domaine de la réparation par exemple, c’est devenu un lieu commun pour
les juges arbitraux de se référer à la célèbre décision rendue par la Cour permanente
de Justice internationale en 1928 dans l’affaire de l’Usine de Chorzow. Dans l’affaire
ADC Affiliate Ld c. Hongrie par exemple, le Tribunal CIRDI, après avoir constaté qu’à
défaut de régime particulier dans le traité bilatéral d’investissement sur la question de
la réparation, le droit coutumier devait s’appliquer, trouve le reflet de celui-ci dans la
décision Chorzow, laquelle, selon le Tribunal toujours, a été « subsequently (…) affirmed and applied in a number of international arbitrations relating to the expropriation
20 CIRDI, Sempra Energy International c. Argentine, ARB/02/16, sentence du 28 septembre 2007, par. 378. V. également C. McLahan, « Investment Treaties... », op. cit. (note 12), pp. 369 et s.
21 C. McLahan, « Investment Treaties… », op. cit. (note 12), p. 395.
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of foreign owned property », puis reprise par la Cour internationale de Justice et enfin
codifiée par la Commission du droit international22. L’héritage du passé est ainsi clairement assumé tout autant qu’il est raffermi par le rappel de sa descendance. Aux côtés
du juge interétatique et du codificateur international, les tribunaux CIRDI se sentent
manifestement non seulement en bonne compagnie, mais aussi en famille.
C’est encore la décision Chorzow qui est invoquée, cette fois-ci dans le domaine
des actes unilatéraux des Etats, par le Tribunal CIRDI dans l’affaire Siemens c. Argentine à l’appui du principe selon lequel « neither party may hold against the other
positions that it may have taken during a good faith negotiation »23.
Le même type de démarche se retrouve dans le domaine des règles contentieuses internationales où, malgré leur singularité, les tribunaux arbitraux « mixtes » s’assimilent
à des juridictions internationales classiques pour mieux en importer la jurisprudence.
Ainsi dans l’affaire Wintershall Aktiengesellschaft c. Argentine où le Tribunal affirme:
«International Tribunals (like this one) set up to decide cases registered with
the Centre under the Washington Convention (like the present arbitration case)
are bodies of limited competence. They are empowered to adjudicate such cases only if the conditions for the exercise of their jurisdiction are fulfilled. There
is considerable authority in the field of international law (starting with the
PCIJ – predecessor of the ICJ) as to how such bodies of limited competence
should approach questions of jurisdiction»24.
L’effet d’amplification produit par ce renvoi à la jurisprudence interétatique est
parfois tel qu’un principe initialement énoncé par la Cour internationale de Justice
peut connaître une fortune autrement plus considérable dans le prétoire de ces tribunaux arbitraux que devant le sien propre, quitte, en retour, à « revenir » devant elle
avec une autorité renforcée.
Le cas est flagrant pour le «platform test». Seuls, à l’époque, les spécialistes du
contentieux procédural devant la Cour internationale de Justice avaient pu constater
l’évolution de jurisprudence découlant de son arrêt du 12 décembre 1996 rendu dans
l’affaire des Plates-formes pétrolières (Iran c. Etats-Unis). Selon l’arrêt rendu dans
cette affaire au stade des exceptions préliminaires, l’examen de la compétence ratione materiae de la Cour exige de rechercher si les violations alléguées «entrent ou
non dans les prévisions» des dispositions invoquées à l’appui de la réclamation en
responsabilité25. Formule excessivement sibylline, que seule la lecture de l’opinion
individuelle de la Juge Higgins permettait en réalité de déceler, de comprendre,
22 A
RB/03/16, 2 octobre 2006, pars. 479 et s. V. de même, sans être exhaustif, CIRDI, CMS Gaz Transmission Company c. Argentine, n°
ARB/01/8, sentence du 12 mai 2005, pars. 399 et s. ; CIRDI, Enron Corporation and Ponderosa Assets c. Argentine, ARB/01/3, sentence du
22 mai 2007, pars. 359-360 ; CIRDI, Sempra Energy International c. Argentine, ARB/02/16, sentence du 28 septembre 2007, pars. 400 et
s. Comparer avec la démarche suivie par le tribunal irano-américain, telle que décrite in P. Daillier et autres, « Tribunal irano-américain de
réclamations », Annuaire français de droit international, 2003, pp. 310 et s.
23 ARB/02/8, sentence du 6 février 2007, par. 306.
24 CIRDI, Wintershall Aktiengesellschaft c. Argentine, ARB/04/14, sentence du 8 décembre 2008, par. 65. V., pour la citation de la jurisprudence pertinente, pars. 66 et s.
25 CIJ Recueil 1996, p. 810, par. 16.
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mais aussi de mettre en perspective par rapport à la jurisprudence antérieure des
deux Cours de La Haye26. La Cour a voulu signifier par là qu’au stade de la compétence, il lui appartient de déterminer si les faits allégués, en admettant qu’ils soient
établis, sont de nature à pouvoir entraîner une violation de l’obligation invoquée
– il s’agit autrement dit d’un contrôle de la qualification juridique, un peu comme
lorsqu’en droit pénal, le juge se demande de manière préalable si l’incrimination
retenue est la bonne.
Très discrètement amorcée, cette évolution jurisprudentielle, qui opère une redistribution des rôles entre la compétence et le fond dans un sens qui mériterait très
certainement d’être étudié de manière approfondie, a été très rapidement reprise et
assumée, cette fois-ci au grand jour, dans la jurisprudence arbitrale mixte, sous le
nom de «platform test», certains tribunaux se payant le luxe, dans une démarche il est
vrai habituelle en common law, d’en attribuer la paternité à la Juge Higgins davantage
qu’à la Cour en invoquant la «Judge Higgins’s approach» ou le «test proffered by
Judge Higgins»27. L’appropriation est remarquable, qui conduit à donner à une jurisprudence une portée que son auteur n’avait sans doute pas anticipée. L’appropriation
induit d’ailleurs sans doute une extension de la portée du «test», qui semble avoir été
depuis appliqué au-delà de la question de la compétence, à propos de la recevabilité
de la réclamation28.
2. Ce jeu de va-et-vient juridictionnel, par son dynamisme intrinsèque, peut
bien entendu aboutir à un dialogue fructueux des juges et en conséquence à des
évolutions dans le régime des principes empruntés. Le droit international général se lit aujourd’hui certainement plus dans l’interstice de ce dialogue que dans
l’analyse statique des décisions rendues par les juridictions internationales chacune de son côté.
L’emprunt se double dans certains cas d’une critique, par exemple lorsque le juge
CIRDI, tout en se réclamant de la jurisprudence Chorzow et des Articles de la CDI de 2001
sur la responsabilité des Etats, estime utile de tancer le codificateur international pour ne
pas avoir distingué, mais au contraire confondu, la «compensation», qui sanctionne un
acte licite, et les «dommages», qui concernent la réparation découlant d’un acte illicite29.
26 CIJ Recueil 1996, p. 847.
27 V. ainsi (à titre non exhaustif) : (CNUDCI) EnCana Corporation c. Equateur, London Court of International Arbitration Case No. UN3481,
décision sur la compétence du 27 février 2004, par. 25 ; CIRDI, Plama Consortium Ltd c. Bulgarie, ARB/03/24, 8 février 2005, pars. 118119 ; CIRDI, El Paso Energy International Company c. Argentine, ARB/03/15, décision sur la compétence du 27 avril 2006, pars. 40-46 ;
(NAFTA - CNUDCI) Canfor Corporation c. Etats-Unis, Decision on preliminary question, 6 juin 2006, pars. 167-173 ; CIRDI, Jan de
Nul N.V. and Dredging International N.V. c. Egypte, ARB/04/13, décision sur la compétence du 16 juin 2006, pars. 69-71 ; CIRDI, Pan
American Energy LLC and BP Argentina Exploration Company c. Argentine, ARB/03/13, décision du 27 juillet 2006, pars. 43-51 ; CIRDI,
Saipem S.p.a. c. Bangladesh, ARB/05/07, décision sur la compétence du 21 mars 2007, pars. 84-91 ; CIRDI, Waguih Elie George Siag and
Clorinda Vecchi c. Egypte, ARB/05/15, décision sur la compétence du 11 avril 2007, pars. 139-141 ; CIRDI, Desert Line Project LLC c.
Yémen, ARB/05/17, sentence du 6 février 2008, pars. 129-132 ; CIRDI, Noble Energy c. Equateur, décision sur la compétence du 5 mars
2008, pars. 151-152 ; (CNUDCI) Chevron Corporation (USA) and Texaco Petroleum Corporation (USA) c. Equateur, sentence partielle
du 1er décembre 2008, pars. 93-113.
28 Par exemple, dans l’affaire Ioan Micula, Viorel Micula, SC European Food SA, SC Starmill SRL et SC Multipack SRL c. Roumanie, le Tribunal CIRDI a estimé nécessaire de trancher (par l’affirmative) le point de savoir si le demandeur avait un « prima facie case » en matière de
préjudice – l’Etat défendeur ayant fait valoir que le dommage étant hypothétique, il n’y avait pas de différend entre les parties (ARB/05/20,
décision sur la compétence et la recevabilité du 24 septembre 2008, pars. 129-141).
29 CIRDI, LG&E Energy Corp., LG&E Capital Corp., LG&E International Inc c. Argentine, ARB/02/1, sentence du 25 juillet 2007, par. 38.
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Dans d’autres situations, la jurisprudence procède par accrétion «inter-juridictionnelle». Le phénomène est notamment marquant par exemple dans le domaine des mesures
conservatoires, dont le régime s’est édifié (et continuera de le faire très certainement dans
un avenir proche) à plusieurs voix.
Dans l’affaire Lagrand tranchée le 27 juin 2001, la Cour internationale de Justice
reconnaît pour la première fois la valeur obligatoire de ses mesures conservatoires.
Quelques mois plus tard, et malgré le terme de «recommandation» employé dans son
Règlement d’arbitrage, un Tribunal CIRDI, s’appuyant expressément sur l’affaire Lagrand, décide à son tour que ses propres mesures conservatoires sont sources d’obligations pour leurs destinataires30 – conclusion que par la suite la Cour européenne des
droits de l’homme fera également sienne31.
En conséquence de ce caractère obligatoire, le Juge Abraham réclame de la Cour
internationale de Justice dans l’affaire des Usines de pâte à papier sur le fleuve
Uruguay qu’elle introduise une condition supplémentaire à l’indication de mesures
conservatoires: l’exercice d’un contrôle minimum de l’existence des droits dont la
protection est demandée, par recours au critère du fumus boni juris (critère, soitdit en passant, que le Juge Abraham déclare emprunter à la Cour de Justice des
Communautés européennes)32; mais la Cour n’en dit mot dans son ordonnance de
juillet 2006. Un an plus tard cependant, une condition comparable réapparaît, cette
fois-ci sous la plume du CIRDI: l’indication de mesures conservatoires suppose de
vérifier que le droit dont la protection est réclamée est «an actual right or a legally
protected interest»33. La Cour internationale de Justice suivra-t-elle le mouvement
ainsi amorcé?
3. De manière plus générale enfin, l’attention portée par les juges arbitraux mixtes
aux évolutions du droit international général se manifeste par une ouverture globale
aux évolutions de la matière, qu’elles soient enregistrées ou non dans la jurisprudence
interétatique.
La valeur coutumière des travaux de codification de la Commission du droit international, en particulier dans le domaine de la responsabilité des Etats et du droit des
traités, est ainsi fréquemment soulignée34.
De même et pour ne se limiter qu’à ce seul exemple, les promoteurs du concept
international de «l’Etat de droit»35, en premier lieu les organisations universelles
comme l’ONU, apprendront avec bonheur que celui-ci se voit désormais attribuer
un effet normatif dans la jurisprudence du CIRDI: l’investissement doit être réalisé
30 Victor Pey Casado c. Chili, ARB/98/2, décision du 25 septembre 2001 sur les mesures conservatoires, pars. 17-26.
31 V. les deux arrêts de la CEDH dans l’affaire Mamatkulov c. Turquie des 6 février 2003 et 4 février 2005, commentés notamment et respectivement par H. Tigroudja et G. Cohen-Jonathan à la Revue générale de droit international public, 2003, pp. 601-633 et 2005, pp. 421-434.
32 CIJ, ordonnance du 13 juillet 2006, opinion individuelle du Juge Abraham, www.icj-cij.org.
33 CIRDI, Occidental Petroleum Corporation and Occidental Exploration and Production Company v. Republic of Ecuador, n° ARB/06/11,
décision sur les mesures conservatoires du 17 août 2007, par. 65.
34 V. par exemple CIRDI (ALENA), Archer Daniels Midland Company and Tate and Lyle Ingredients Americas, Inc, c. Mexique, n°
ARB(AF)/04/05, sentence du 21 novembre 2007, par. 116 ; CIRDI, Jan de Nul NV, Dredging International NV c. Egypte, ARB/04/13,
sentence du 6 novembre 2008, par. 156.
35 Auquel la SFDI a jugé utile de consacrer son colloque annuel en juin 2008 (SFDI, L’état de droit en droit international, Pedone, Paris,
2009 (à paraître)).
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en conformité avec le droit interne pour pouvoir bénéficier du régime de protection
offert par la Charte de l’énergie, au motif que «l’Etat de droit» est visé dans le
préambule de celle-ci36.
B. Les précisions apportées au contenu des règles du droit international général
La mise en œuvre du droit international général est également l’occasion pour les
juridictions arbitrales mixtes d’en préciser la portée lorsqu’elle est discutée ou incertaine sur un point précis. Il leur appartient alors, au sens propre, de faire jurisprudence,
en l’absence de précédents très fermes auxquels il suffirait de renvoyer pour résoudre le problème juridique qui leur est concrètement soumis. Cela vaut en particulier
lorsqu’est en cause le droit international de la nationalité (1), le droit des traités (2) et
le droit de la responsabilité internationale (3).
1. Le droit international de la nationalité
Parce que son objet est limité aux investissements étrangers, le contentieux arbitral mixte intègre une condition de nationalité, à l’égard des personnes physiques
comme des personnes morales.
Pour ce qui concerne les secondes, l’existence de nombreuses règles spéciales
dans les traités bilatéraux d’investissement, qui définissent en général de manière extensive la nationalité étrangère des personnes morales, n’a pas vraiment permis aux
juridictions arbitrales d’éclairer les aspects coutumiers de la question37. En revanche,
leur apport mérite d’être souligné pour ce qui concerne les règles coutumières applicables à la nationalité des personnes physiques.
Celui-ci a consisté en particulier dans les précisions apportées quant au rôle du
droit international en matière de reconnaissance de la nationalité. Question classique
que celle de savoir si le droit international a vocation à priver d’effet une nationalité
qui serait par ailleurs parfaitement valable au regard du droit interne. Dans plusieurs
affaires où la question faisait débat, les juges CIRDI ont confirmé qu’il n’appartenait
pas à un tribunal appliquant le droit international d’attribuer ou de retirer une nationalité mais qu’en revanche, il lui appartenait d’en reconnaître ou non les effets pour
ce qui concerne le différend porté à son jugement, en déterminant si l’existence de la
nationalité est effectivement établie par les moyens probatoires qui siéent à une juridiction internationale, voire en tirant les conséquences de l’éventuelle contrariété de
son octroi avec les exigences du droit international public. Sur ces différents aspects,
les sentences rendues notamment dans les affaires Soufraki38, Siag39 ou Pey Casado40
n’ont rien à envier à la célèbre affaire Nottebohm41.
36 CIRDI, Plama Consortium Limited c. Bulgarie, ARB/03/24, sentence du 27 août 2008, par. 139.
37 V. par exemple la démarche suivie par Prosper Weil dans sa très intéressante opinion dissidente dans l’affaire Tokio Tokéles c. Ukraine,
ARB/02/18, décision sur la compétence du 29 avril 2004. On soulignera toutefois que la voie mesurée suggérée par Prosper Weil n’a pas
vraiment été suivie par la jurisprudence ultérieure.
38 CIRDI (comité annulation), Hussein Nuaman Soufraki c. Emirats arabes unis, ARB/02/07, décision du 5 juin 2007, pars. 55 et s.
39 CIRDI, Waguih Elie George Siag and Clorinda Vecchi c. Egypte, ARB/05/15, décision sur la compétence du 11 avril 2007, pars. 142 et s.
40 CIRDI, Victor Pey Casado c. Chili, ARB/98/2, sentence du 8 mai 2008, pars. 236 et s.
41 V. également CIRDI, Ioan Micula, Viorel Micula, SC European Food SA, SC Starmill SRL et SC Multipack SRL c. Roumanie, ARB/05/20,
décision sur la compétence et la recevabilité du 24 septembre 2008, pars. 70-106. V. plus largement sur la question, avec de très nombreux
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La dernière des trois affaires est caractéristique de la méthode «internationaliste»
suivie par les tribunaux arbitraux mixtes. La convention de Washington instituant le
CIRDI interdit à un investisseur étranger doté d’une double nationalité d’introduire une
instance contre l’un de ses Etats de nationalité. En l’espèce, l’Etat défendeur, qui se trouvait être le Chili, contestait la compétence du Centre au motif que M. Pey Casado aurait
été l’un de ses nationaux, ce à quoi le demandeur répondait qu’il avait, préalablement à
la saisine du CIRDI, renoncé volontairement à sa nationalité chilienne. La difficulté en
l’occurrence résidait dans le silence du droit interne chilien qui n’autorisait pas, mais qui
n’interdisait pas non plus, la renonciation volontaire à sa nationalité.
Pour trancher le problème, le Tribunal CIRDI prit notamment appui sur la convention américaine des droits de l’homme qui reconnaît un droit au changement de nationalité, pour en déduire que le droit interne chilien devait s’interpréter à la lumière de
cette obligation internationale (donc comme autorisant le système de la renonciation
volontaire)42. Les vertus du raisonnement méritent d’être soulignées, puisque celui-ci
permet d’assurer l’harmonie entre le droit interne de l’Etat défendeur et ses diverses
obligations conventionnelles, quitte à faire du juge CIRDI l’organe de mise en œuvre
de conventions pour laquelle il n’a pourtant pas reçu compétence.
2. Le droit des traités
L’apport est très substantiel ici, et il n’est guère possible que d’en donner une vue
très superficielle et sélective. Les juges arbitraux mixtes ont eu l’occasion en effet de
balayer la presque totalité des têtes de chapitres de cette branche fondamentale du
droit international.
1. La remarque vaut d’abord pour la définition des traités comme acte écrit s’opposant aux accords verbaux, lesquels n’en sont pas moins créateurs d’obligations juridiques à condition que leur existence soit dûment prouvée. La sentence Salini43 (reprise
par la suite dans l’affaire MCI Power Group44) fait œuvre pédagogique sur ce point en
expliquant clairement – jurisprudence interétatique et doctrine internationaliste classiques à l’appui – dans quelles conditions un accord verbal, même s’il n’est pas un
traité, peut être source d’obligations juridiques. Que l’on place ainsi le volontarisme
au dessus du formalisme n’étonnera guère dans un ordre juridique comme l’ordre
juridique international, même s’il peut paraître légitime de se demander en définitive
– vieux débat, mais rarement évoqué – à quoi peuvent bien servir les règles draconiennes de conclusion des traités qu’il est si facile de contourner.
2. Presque toutes les sentences arbitrales rendues dans le domaine des investissements étrangers n’échappent pas ensuite aux questions d’interprétation des
normes conventionnelles invoquées, et par conséquent à l’application des règles
renvois jurisprudentiels, C. Santulli, Droit du contentieux international, Monchrestien, Paris, 2005, pp. 222 et s.
42 CIRDI, Victor Pey Casado c. Chili, ARB/98/2, sentence du 8 mai 2008, pars. 313-315.
43 CIRDI, Salini Costruttori S.p.A. c. Jordanie, ARB/02/13, sentence du 31 janvier 2006, pars. 76-80.
44 CIRDI, MCI Power Group L.C. and New Turbine, Inc c. Equateur, ARB/03/6, sentence du 31 juillet 2007, pars. 318-325.
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codifiées aux articles 31 à 33 de la convention de Vienne sur le droit des traités de
1969, reconnues par les tribunaux arbitraux mixtes comme codificatrices du droit
international coutumier45.
3. Il en va de même pour la question très complexe de l’appréciation de l’effet
dans le temps des clauses conventionnelles, qui a donné lieu à une jurisprudence aussi
riche que complexe, qu’il est impossible de synthétiser ici en quelques lignes46.
4. Le degré d’applicabilité du traité avant son entrée en vigueur officielle a posé
également problème dans un certain nombre d’affaires soumises au CIRDI, sur plusieurs terrains distincts:
- sur le terrain de l’application de l’article 18 de la convention de Vienne sur
le droit des traités tout d’abord, qui exige de l’Etat signataire qu’il s’abstienne
d’actes qui priveraient le traité de son objet et de son but avant son entrée en vigueur. L’article 18 a par exemple été invoqué (concurremment avec la sentence
arbitrale du Tribunal arbitral gréco-turc de 1928 dans l’affaire Megalidis et
l’affaire Opel Austria tranchée par le Tribunal de première instance des Communautés européennes en 1997) dans l’affaire MCI Power Group pour contourner, en vain en l’espèce, le fait que le traité bilatéral d’investissement n’était pas
en vigueur au moment où le fait reproché par l’investisseur avait été commis47;
- la question du degré d’applicabilité du traité avant son entrée en vigueur a
également été posée sur le terrain de l’application provisoire des traités, comme dans l’affaire Kardassopoulos où le Tribunal CIRDI a tiré toutes les conséquences de cette application provisoire en estimant qu’elle devait conduire,
lorsqu’elle était conventionnellement prévue comme en l’espèce, à reformuler,
par la voie interprétative, les termes du traité (ici le traité portant Charte de
l’énergie de 1994) de manière à leur donner tout leur effet utile aux fins de
leur application provisoire. Cette sentence contient également des indications
utiles quant à la méthode à utiliser pour déterminer si le droit interne des Etats
doit être considéré comme autorisant ou comme proscrivant l’application provisoire des traités que ceux-ci ont pu signer48.
5. A l’autre extrémité de la vie des traités, la sentence Eastern Sugar rendue dans
le cadre de la Chambre de commerce de Stockholm contient d’intéressants passages
relatifs à la question de la caducité des traités, refusée en l’espèce par le Tribunal arbitral dans un domaine au demeurant très sensible, celui de la compatibilité des traités
45 V. sur ce point précis la très riche analyse de O. Fauchald, « The Legal Reasoning of ICSID Tribunals – An Empirical Analysis », European
Journal of International Law, 2008, pp. 301-364 ; ainsi que P. Daillier, M. Forteau, A. Pellet, Droit international public (Nguyen Quoc
Dinh), LGDJ, Paris, 2009 (à paraître), n° 168-169.
46 Nous nous permettons de renvoyer cet égard à J. Matringe, « La compétence ratione temporis et l’applicabilité du traité dans le temps », in
IHEI, La procédure arbitrale relative aux investissements internationaux : aspects récents, colloque du 3 avril 2008 (à paraître).
47 CIRDI, MCI Power Group L.C. and New Turbine, Inc c. Equateur, ARB/03/6, sentence du 31 juillet 2007, pars. 98-117.
48 CIRDI, Ioannis Kardassopoulos c. Georgia, ARB/05/18, décision sur la compétence du 6 juillet 2007, pars. 201 et s.
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bilatéraux d’investissement conclus par les Etats membres de l’Union européenne
avec d’autres Etats membres de l’Union, avant leur adhésion à celle-ci.
Le défendeur plaidait dans cette affaire la caducité du traité bilatéral d’investissement applicable au litige au motif qu’il était désormais contraire à ses engagements
communautaires, ce qui d’ailleurs posait la question de l’éventuelle compétence exclusive de la Cour de Justice des Communautés européennes pour connaître de ce
litige. Sur ce dernier point, la sentence fera sans doute date par l’autonomie du juge
arbitral qui s’y trouve pleinement revendiquée face aux instances communautaires.
Quant à l’argument de la caducité, il est rejeté par le Tribunal par application des règles internationales générales du droit des traités49.
Signalons que le débat juridique initié dans cette sentence est d’une grande
portée puisque sont également mis en cause à l’heure actuelle, toujours sur le
terrain de l’article 307 du Traité instituant la Communauté européenne qui régit
les relations entre les conventions conclues par un Etat antérieurement à son adhésion et ses obligations communautaires, les traités bilatéraux d’investissement
conclus par des Etats membres cette fois-ci avec n’importe quel Etat tiers. A en
croire en tout cas les conclusions rendues récemment par l’Avocat général devant
la Cour de Justice des Communautés européennes dans deux affaires en manquement introduites à propos de tels traités bilatéraux d’investissement, il semble
qu’au dialogue entre juridictions risque de se substituer dans un proche avenir une
regrettable «guerre des juges»50.
6. La jurisprudence des tribunaux CIRDI permet également d’éclairer non pas
seulement le régime des actes unilatéraux des Etats – on y retrouve par exemple le
principe classique suivant lequel un Etat peut s’engager unilatéralement, comme la
Cour internationale de Justice l’a reconnu en 1974 dans l’affaire des Essais nucléaires, principe assis dans certaines sentences sur l’arrêt de 1926 de la Cour permanente
dans l’affaire Certains intérêts allemands en Haute-Silésie polonaise et la décision
de la Cour internationale de Justice sur les mesures conservatoires dans l’affaire des
Usines de pâte à papier de 200651, elle permet aussi d’aider à mieux comprendre ce
qui oppose certains actes unilatéraux comme une notification ou une déclaration à la
catégorie particulière des réserves aux traités. Pour ce qui concerne la possibilité de notification offerte à l’article 25, paragraphe
4, de la Convention CIRDI («Tout Etat contractant peut, lors de sa ratification, de son
acceptation ou de son approbation de la Convention ou à toute date ultérieure, faire
49 SCC (CNUDCI) Eastern Sugar B.V. c. République tchèque, SCC n°088/2004, sentence partielle du 27 mars 2007. V. le commentaire de B.
Poulain à la Revue générale de droit international public, 2007, pp. 803-828.
50 La Commission a introduit un recours en manquement contre, respectivement, l’Autriche et la Suède, au motif que la clause des traités
bilatéraux d’investissement conclus avec des Etats tiers qui garantit aux investisseurs étrangers le transfert des capitaux liés à leurs investissements porterait atteinte à la compétence de la Communauté d’apporter des restrictions à la liberté de circulation des capitaux entre Etats
membres de la Communauté et Etats tiers (v. les conclusions de l’Avocat général du 10 juillet 2008 dans les affaires C-205/06, Commission
c. Autriche et C-249/06, Commission c. Suède, disponibles sur www.curia.europa.eu : celui-ci demande à la Cour de condamner les deux
Etats en les obligeant, si nécessaire, à dénoncer les traités en question).
51 V. ainsi CIRDI (Comité d’annulation), CMS Gaz Transmission Company c. Argentine, n° ARB/01/8, décision sur la suspension d’exécution
du 1er septembre 2006, pars. 47 et s. ; jurisprudence reprise par exemple dans CIRDI, MCI Power Group L.C. and New Turbine, Inc c.
Equateur, ARB/03/6, sentence du 31 juillet 2007, pars. 352-353.
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connaître au Centre la ou les catégories de différends qu’il considèrerait comme pouvant être soumis ou non à la compétence du Centre»), le Tribunal arbitral constitué
dans l’affaire PSEG a par exemple considéré que
«[i]t has become increasingly common for treaties to exclude reservations and
allow for declarations instead. These declarations do not alter the legal rights
and obligations under the treaty nor do they amend any of its provisions. They
are simply an instrument that allows States to express questions of policy to
which they are not bound and that do not create rights for the other parties. It
is a matter of information, normally resorted to for domestic needs. This is also
the legal nature of the declarations made by States in the form of notifications
under Article 25 (4) of the Convention»52.
7. Pour ne prendre qu’une dernière série d’exemples, qui se situent certes à la
lisière du droit des traités mais dont il faut dire un mot car elles s’avèrent tout à fait
fondamentales par leurs implications potentielles sur la structure même de l’ordre
juridique international, les tribunaux CIRDI ont récemment accueilli dans leur jurisprudence, en lui octroyant un effet décisif sur leur compétence, la notion d’«ordre public transnational» – c’est-à-dire une conception coutumièrement partagée de l’ordre
public international au sens du droit international privé.
Dans l’affaire World Duty Free c. Kenya le Tribunal s’est estimé incompétent en effet
pour connaître de la réclamation de l’investisseur étranger au motif que la clause compromissoire était contenue dans un contrat d’Etat conclu à la suite d’un acte de corruption.
En l’espèce, décida le Tribunal, l’Etat défendeur pouvait parfaitement arguer de sa propre
turpitude (ses autorités étaient à l’origine de l’acte de corruption) pour demander l’incompétence du juge (international) du contrat dès lors que l’interdiction de la corruption relève
de l’ordre public transnational qui s’impose à toute relation contractuelle, quelle que soit
sa localisation, et cela indépendamment de la volonté des parties53.
En l’occurrence, il est vrai que le Tribunal CIRDI devait appliquer le droit interne à
l’égard d’un différend contractuel, et non le droit international. Mais les effets de la reconnaissance d’un «ordre public transnational» à propos de réclamations en responsabilité
dirigées contre un Etat souverain et pas un Etat «commerçant» (particularité fondamentale
qui éloigne d’autant l’ordre public transnational de son contexte d’apparition, l’arbitrage
commercial privé, pour le rattacher au contentieux international public), ne peuvent évidemment rester sans effet sur la théorie du jus cogens dans le cadre du droit des traités.
Pareil ordre public, parce que «transnational» et donc d’origine coutumière, se
forme en effet dans le contexte, et donc suivant les mécanismes propres, d’un ordre juridique décentralisé. A ce titre, il se distingue radicalement des règles internes d’ordre
public qui répondent à la logique d’un ordre juridique centralisé et des règles interna52 PSEG Global, Inc., The North American Coal Corporation, and Konya Ingin Electrik Uretim ve Ticaret Limited Sirketi c. Turquie,
ARB/02/5, décision sur la compétence du 4 juin 2004, par. 144. V. plus largement pars. 125-147.
53 CIRDI, World Duty Free Company Limited c. Kenya, ARB/00/7, sentence du 4 octobre 2006, spécialement pars. 138 et s.
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tionales d’ordre public découlant d’actes de droit dérivé d’organisations internationales (ainsi des règles impératives en matière contractuelle découlant de directives communautaires54). Dans le cas de l’ordre public transnational, l’émergence de valeurs
impératives se fait de manière tout aussi diffuse que celle des normes de jus cogens,
par l’examen de l’opinio juris de la communauté internationale. Dès lors, reconnaître
celui-là, c’est nécessairement admettre que la structure particulière de l’ordre juridique international ne peut être tenue comme interdisant par principe l’apparition d’un
droit international impératif dans les relations interétatiques55. Ainsi se trouve déjouée
la principale critique avancée traditionnellement contre le jus cogens56.
L’ironie de l’histoire est que la consécration d’un ordre public transnational dans le
cadre du contentieux mixte investisseur étranger-Etat souverain est venue d’un tribunal
présidé par l’un des plus farouches contempteurs du jus cogens57. Les termes, même
précautionneux quant à la méthodologie probatoire, utilisés dans cette sentence sont
cependant tels qu’ils autorisent de manière évidente l’analogie avec le mécanisme du jus
cogens, en même temps qu’ils en enrichissent le concept en dégageant à côté des valeurs
fondamentales s’imposant dans le domaine des relations internationales de droit public
des règles impératives encadrant les relations internationales de droit privé:
«138. The concept of public policy (“ordre public”) is rooted in most, if not all,
legal systems. Violation of the enforcing State’s public policy is grounds for
refusing recognition or enforcement of foreign judgments and awards. The
principle is enshrined in Article V.2 of the New York Convention of 10 June
1958 and Article 36 of the UNCITRAL Model Law recommended by the General Assembly of the United Nations on 11 December 1985. In this respect,
a number of legislatures and courts have decided that a narrow concept of
public policy should apply to foreign awards. This narrow concept is often
referred to as “international public policy” (“ordre public international”).
Although this name suggests that it is in some way a supra-national principle, it is in fact no more than domestic public policy applied to foreign
awards and its content and application remains subjective to each State.
54 V. ainsi Cour de Justice des Communautés européennes, Ingmar Gb Ltd, affaire C-381/98, arrêt du 9 novembre 2000 (www.curia.europa.
eu), spécialement pars. 15 et 21 : «Les parties au principal, les gouvernements du Royaume-Uni et allemand et la Commission s’accordent
à reconnaître que la liberté des parties à un contrat de choisir la loi qu’elles désirent voir régir leurs relations contractuelles est un principe
fondamental du droit international privé et que cette liberté ne cesse qu’en présence de dispositions impératives. (…) Les articles 17 à 19 de
la directive [la directive 86/653/CEE du Conseil, du 18 décembre 1986, relative à la coordination des droits des États membres concernant
les agents commerciaux indépendants], en particulier, ont pour objectif la protection de l’agent commercial après la cessation du contrat. Le
régime instauré à cette fin par la directive présente un caractère impératif».
55 E. Gaillard considère ainsi que l’ordre public transnational constitue «le pendant [du jus cogens] en droit des affaires» («Aspects philosophiques du droit de l’arbitrage international», Académie de droit international de La Haye (version actualisée, en livre de poche, du cours
publié au volume 329 des Recueils des cours de l’Académie de droit international), Martinus, 2008, p. 182). V. plus largement l’analyse
que cet auteur livre de l’ordre public transnational, qui révèle combien sa mécanique est identique à celle du jus cogens (ibid., pp. 162 et
s., spécialement pp. 176 et s.).
56 V. dernièrement M. Glennon, «De l’absurdité du droit impératif (jus cogens)», Revue générale de droit international public, 2006, pp.
529-536, spécialement pp. 531 et s. où l’auteur tente de montrer que «le jus cogens ne peut être réconcilié avec les fondements d’un ordre
juridique international positiviste».
57 L’ancien président de la Cour internationale de Justice, M. Gilbert Guillaume. Répondant à une question posée par le présent auteur sur
l’impact éventuel de la sentence World Duty Free sur la théorie du jus cogens, le président Guillaume a eu l’occasion de s’expliquer sur
les rapports entre le jus cogens et l’ordre public transnational lors d’une conférence tenue à Bruxelles pour le lancement du Commentaire
des conventions de Vienne sur le droit des traités édité par O. Corten et P. Klein. V. la reproduction des débats in Revue belge de droit
international, 2006-2.
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139. The term “international public policy”, however, is sometimes used with
another meaning, signifying an international consensus as to universal standards and accepted norms of conduct that must be applied in all fora. It has
been proposed to cover that concept in referring to “transnational public
policy” or “truly international public policy” (see, for example, P. Lalive
– “Transnational (or Truly International) Public Policy and International
Arbitration”, ICCA Congress Series n°3, 1986 p. 257 ; see also the report of
the International Law Association on “International Commercial Arbitration
on Public Policy as a Bar to Enforcement of International Arbitral Awards”,
Report of the Seventieth Conference, New Delhi, 2002).
140. Domestic courts generally refer to their own international public policy. One
should nonetheless mention some judgments in which reference has been
made, in one way or another, to a universal conception of public policy (see,
for example, the Milan Court of Appeal decision dated 4 December 1992,
reported in (1997) XXII Yearbook Com. Arb. 725; the judgment of the Paris
Court of Appeal in European Gas Turbines SA v. Westman International – 30
September 1993 - Revue de l’arbitrage 1994 p. 359; the decision of the Swiss
Federal Tribunal in W. –v- F. and V dated 30 December 1994 (1995) Bull.
ASA 217).
141.Arbitral tribunals have more often based their decisions on universal values in
using various formulations such as “good morals”, “bonas mores”, “ethics
of international trade” or “transnational public policy” (see Abdulhay Sayed
– Corruption in International Trade and Commercial Arbitration – Kluwer
Law International 2004). But it has been rightly stressed that Tribunals must
be very cautious in this respect and must carefully check the objective existence of a particular transnational public policy rule in identifying it through
international conventions, comparative law and arbitral awards. (See, for
example, Emmanuel Gaillard – Trente ans de Lex Mercatoria – Pour une
application sélective de la méthode des principes généraux de droit – Journal
du droit international 1995 p.5).
(...) 157. In light of domestic laws and international conventions relating to corruption, and in light of the decisions taken in this matter by courts and
arbitral tribunals, this Tribunal is convinced that bribery is contrary to
the international public policy of most, if not all, States or, to use another
formula, to transnational public policy. Thus, claims based on contracts
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of corruption or on contracts obtained by corruption cannot be upheld
by this Arbitral Tribunal».
Signe de son caractère directement opératoire, l’ordre public transnational ainsi consacré n’a pas tardé à être invoqué dans d’autres affaires, avec un cynisme tel
d’ailleurs que certains tribunaux arbitraux ont tenté d’en restreindre la portée par la
définition de règles probatoires très strictes. Ainsi dans l’affaire African Holding où
l’Etat défendeur invoquait l’existence d’un état de corruption généralisé sur son territoire pour tenter d’obtenir l’incompétence du Tribunal, sans avoir prouvé pour autant
l’existence en l’espèce d’un acte de corruption. Le Tribunal s’inquiéta légitimement
de cette défense, mais en en tirant des conséquences qui, paradoxalement, viennent
limiter la règle prohibant la corruption (c’est, il est vrai, le prix à payer pour accéder
à un rang normatif supérieur : une responsabilité pénale ou une obligation d’ordre public méritent d’être établies de manière autrement plus certaine qu’une responsabilité
civile ou une obligation ordinaire, comme la Cour internationale de Justice l’a par
exemple rappelé dans l’affaire du Génocide58):
«Le Tribunal s’inquiète de constater qu’un certain nombre d’administrations
des parties défenderesses dans des cas d’arbitrage international ont recours
à des allégations de corruption pour empêcher que le tribunal ne se déclare
compétent ou pour en influer la décision sur le fond, ce qui constitue une raison supplémentaire pour laquelle la norme de la preuve doit, à cet égard, être
particulièrement élevée»59.
3. Le droit de la responsabilité internationale
Le contentieux des investissements étrangers étant exclusivement, à l’instar du
contentieux international des droits de l’homme, un contentieux en responsabilité, les
tribunaux concernés ont inévitablement apporté leur pierre à l’édifice – jamais achevé
– du droit de la responsabilité internationale (d’autant mieux d’ailleurs que l’article 33,
paragraphe 2, des Articles de la CDI de 2001 réserve et ne prétend donc pas avoir codifié
les droits que les individus peuvent tirer de l’engagement de la responsabilité internationale d’un Etat). Ils l’ont fait, là encore, sous de multiples aspects. L’apport au régime
de la réparation a déjà été remarqué (v. supra, A, pars. 1. et 2.). Bien d’autres exemples
– nous nous contenterons ici des cinq suivants – vont dans le même sens.
1. Les questions d’attribution du fait dont l’illicéité est alléguée sont nécessairement examinées par les tribunaux chargés de sanctionner les violations éventuelles
du droit des investissements étrangers. Les solutions retenues par la Commission
58 Application de la convention pour la prévention et la répression du crime de génocide (Bosnie-Herzégovine c. Serbie-et-Monténégro), arrêt
du 26 février 2007, pars. 209-210.
59 CIRDI, African Holding Company of America, Inc., et Société africaine de construction au Congo S.A.R.L. c. RDC [Zaïre], ARB/05/21,
sentence sur les déclinatoires de compétence et la recevabilité du 29 juillet 2008, par. 55. V. également CIRDI, TSA Spectrum de Argentina
SA c. Argentine, ARB/05/5, décision sur la compétence du 19 décembre 2008, pars. 163-176.
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du droit international dans ses Articles de 2001 servent alors de point de départ du
raisonnement dont ces tribunaux déclinent ensuite les implications pour les faits de
l’espèce, quitte à en éclairer la logique générale par d’utiles commentaires60.
Un nouveau souffle est également donné aux règles d’attribution du droit de la responsabilité internationale par le biais, d’une part, de leur transposition, sous réserve
d’une certaine adaptation, aux questions de compétence ratione personae (démarche
que l’on a retrouvé ailleurs, même si de façon maladroite, dans la décision récente de
la Cour européenne des droits de l’homme dans les affaires Behrami et Saramati61),
d’autre part, de leur aménagement en cas d’existence d’une lex specialis d’attribution,
dont les contours doivent être alors précisément définis par les juges arbitraux62.
2. La règle classique de droit inter-temporel suivant laquelle un Etat ne commet
de fait illicite que si son comportement est contraire à une obligation qui le lie à ce
moment-là est souvent rappelée et mise en œuvre elle aussi dans la jurisprudence
arbitrale. Dans l’affaire Jan de Nul, le tribunal CIRDI prend soin de rappeler que la
licéité s’apprécie au regard du droit applicable au moment de la commission du fait
litigieux en se référant à la convention de Vienne sur le droit des traités, les Articles
de la Commission du droit international de 2001 et la jurisprudence internationale, en
indiquant par ailleurs que dans la mesure où le traité bilatéral d’investissement sur la
base duquel l’instance a été introduite ne restreint pas les normes applicables à celles
qu’il contient, il est possible d’engager la responsabilité de l’Etat pour la violation
d’actes commis antérieurement à l’entrée en vigueur de ce traité, du moment qu’ils
heurtent d’autres obligations alors en vigueur63.
3. Dans plusieurs affaires, les demandeurs ont par ailleurs tenté de tirer profit de la
distinction introduite par la Commission du droit international entre les faits instantanés,
les faits continus et les faits composites pour établir de manière rétroactive l’illicéité du
comportement de l’Etat d’accueil de leur investissement. Confrontés à des faits dommageables commis à une époque où leur investissement n’était pas protégé par un traité bilatéral d’investissement, les réclamants ont argué du caractère continu et/ou composite de
ces faits pour en étirer l’existence jusqu’au moment de l’entrée en vigueur d’un tel traité.
Stratégie astucieuse, d’autant qu’elle était fondée sur l’invocation de décisions de la Cour
européenne des droits de l’homme qui allaient en ce sens, mais stratégie insuffisante à
emporter la conviction de tribunaux maîtrisant parfaitement les arcanes d’une distinction
pourtant parmi les plus complexes du droit de la responsabilité internationale. La stratégie
ne prospéra, ni dans l’affaire MCI Power Group, ni dans l’affaire Pey Casado64.
60 V., par exemple, CIRDI, Jan de Nul NV, Dredging International NV c. Egypte, ARB/04/13, sentence du 6 novembre 2008, pars. 142-175.
61 CEDH, Behrami c. France (requête n° 71412/01) et Saramati c. France, Allemagne et Norvège (requête n° 78166/01), arrêt du 31 mai 2007.
62 Sur ces différents aspects, nous nous permettons de renvoyer à notre étude « L’Etat selon le droit international: une figure à géométrie
variable?», Revue générale de droit international public, 2007, spécialement pp. 757-764.
63 CIRDI Jan de Nul NV, Dredging International NV c. Egypte, ARB/04/13, sentence du 6 novembre 2008, pars. 132-141.
64 CIRDI, MCI Power Group L.C. and New Turbine, Inc c. Equateur, ARB/03/6, sentence du 31 juillet 2007, pars. 82 et s.; CIRDI, Victor Pey
Casado c. Chili, ARB/98/2, sentence du 8 mai 2008, pars.600 et s. V. sur la question N. Gallus, «Recent BIT Decisions and Composite Acts
Straddling the Date», International and Comparative Law Quarterly, 2007, pp. 491-514. V. également depuis (CNUDCI) Chevron Corporation (USA) and Texaco Petroleum Corporation (USA) c. Equateur, sentence partielle du 1er décembre 2008, pars.285-301.
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4. Plus connues sans doute sont les sentences du CIRDI relatives à la crise argentine qui ont réclamé des juges arbitraux de se pencher sur le régime, et les conditions
d’invocation, de l’état de nécessité comme circonstance excluant l’illicéité.
Douloureusement codifié par la Commission du droit international en raison de son
passé sulfureux65, l’état de nécessité tel qu’on le retrouve à l’article 33 du projet de la
Commission de 1996 puis à l’article 25 des Articles de 2001 a été timidement appréhendé par les quelques juridictions interétatiques devant lesquelles celui-ci a été invoqué
depuis une dizaine d’années66. Les tribunaux CIRDI n’ont pas eu cette réserve. Ils en
ont examiné attentivement les conditions d’application, ont tenté d’en circonscrire les
contours, notamment d’en interroger la nature comme circonstance excluant l’illicéité
ou comme simple circonstance atténuant la responsabilité67, quitte à encourir la sévère
critique du comité d’annulation pour en avoir mal compris le mécanisme68.
Sans doute cela a-t-il abouti, comme certains auteurs en ont fait la critique, à une
jurisprudence peu uniforme, qui mérite encore d’être ajustée69. L’analyse des décisions les plus récentes semble néanmoins montrer que l’ère de la maturité jurisprudentielle n’est pas loin d’être atteinte sur la question70. En tout état de cause, sur un sujet
comme celui-ci, on ne peut avancer qu’en tâtonnant. En attendant que la jurisprudence
se fixe définitivement, il faut saluer l’intense débat judiciaire qui a le mérite de se tenir
dans le prétoire de ces tribunaux arbitraux sur les conditions d’invocation d’une telle
circonstance excluant l’illicéité.
5. Signalons enfin l’apport du Tribunal ad hoc dans l’affaire Eurotunnel c. France
et Royaume-Uni au régime, pour le moins incertain, de la responsabilité conjointe et
solidaire des Etats en droit international71.
Constatant le silence du droit international général sur la question, qui ne prévoit
ni n’interdit la mise en place d’une telle responsabilité comme d’ailleurs le reconnaissent expressément l’article 47 des Articles de la Commission du droit international
de 2001 et son commentaire, le Tribunal commence par indiquer la méthodologie à
suivre pour trancher la question : il convient de se reporter aux obligations primaires
dont il est allégué qu’elles ont été violées, pour établir si elles peuvent être tenues pour
65 V. notamment J. Salmon, «Faut-il codifier l’état de nécessité? », in J. Makarczyk (ed.), Etudes de droit international en l’honneur du juge
M. Lachs, Martinus Nijhoff Publishers, The Hague, 1984, pp. 235-270.
66 V. Cour internationale de Justice, Projet Gabcikovo-Nagymaros (Hongrie/Slovaquie), arrêt du 25 septembre 1997,CIJ Recueil 1997, pp.39 et
s., pars. 49 et s.; Tribunal international du droit de la mer, Affaire du navire «Saïga» (N°2) (Saint-Vincent-et-les-Grenadines c. Guinée), arrêt
du 1er juillet 1999, pars.132-136 (www.itlos.org); Cour internationale de Justice, Conséquences de l’édification d’un mur dans le territoire
palestinien occupé, avis consultatif du 9 juillet 2004, CIJ Recueil 2004, pp. 194-195, pars. 140-142.
67 V. les sentences CIRDI: CMS Gaz Transmission Company c. Argentine, nº ARB/01/8, sentence du 12 mai 2005, pars.304 et s.; LG&E Energy
Corp., LG&E Capital Corp., LG&E International Inc c. Argentine, ARB/02/1, décision sur la responsabilité du 3 octobre 2006, pars. 201 et
s.; Enron Corporation Ponderosa Assets, L.P. c. Argentine, nº ARB/01/3, sentence du 22 mai 2007, pars.294 et s.; Sempra Energy International c. Argentine, ARB/02/16, sentence du 28 septembre 2007, pars.333 et s.
68 V. la décision du comité d’annulation dans l’affaire CMS Gaz Transmission Company c. Argentine, nºARB/01/8, décision du 25 septembre
2007, qui conclut à l’erreur de droit.
69 V. par exemple Th. Christakis, «Quel remède à l’éclatement de la jurisprudence CIRDI sur les investissements en Argentine? La décision du
comité ad hoc dans l’affaire CMS c. Argentine», Revue générale de droit international public, 2007, pp. 879-896.
70 V. (CNUDCI) BG Group Plc c. Argentine, sentence finale du 24 décembre 2007, pars. 388 et s.; CIRDI, Metalpar SA y Buen Aire SA c.
Argentine, ARB/03/5, sentence sur le fond du 6 juin 2008, pars. 208-213; CIRDI, Continental Casualty Company c. Argentine, ARB/03/9,
sentence du 5 septembre 2008, pars.160-236.
71 Sentence du 30 janvier 2007, disponible sur www.pca-cpa.org, pars. 162-187.
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organisant ou comme impliquant un principe de responsabilité solidaire. L’enquête
menée, c’est une réponse négative qui s’impose en l’espèce.
Pour mieux lever l’incertitude, le Tribunal souligne encore que les arguments justifiant l’établissement d’une responsabilité solidaire «tant en common law qu’en droit
romano-germanique», à savoir «le risque de l’insolvabilité d’un partenaire/associé, de
sa disparition ou encore de l’impossibilité de l’attraire en justice», sont privés de toute
portée dans le cas présent, d’une part, parce qu’il n’existe aucun risque d’insolvabilité
de la France et du Royaume-Uni, d’autre part, parce qu’il sera toujours possible de les
attraire devant le Tribunal qui peut être unilatéralement saisi.
Aussi la question se résume-t-elle à l’existence d’obligations individuelles ou bien
conjointes. Le point de savoir si des obligations ont été violées et par qui devient alors
tout relatif: il «sera fonction de l’obligation particulière violée» (à qui s’imposaitelle?) «et de toutes les circonstances entourant ladite violation» (à qui la violation
était-elle imputable?).
On se serait attendu à ce que le Tribunal tranche ce dernier point dans sa sentence
engageant la responsabilité des deux Etats. Celui-ci préféra renvoyer la question au
stade de l’évaluation du quantum au motif que la question n’avait «jamais été entièrement débattue» entre les parties72, s’attirant les critiques de l’arbitre dissident73.
2. La réorientation du droit international général
Nous serons plus bref sur ce deuxième point qui se prête davantage à une esquisse qu’à
un exposé méticuleux. C’est de tendances dans l’appréhension du droit international général dont il sera question ici, plutôt que d’apports concrets à son vaste corpus normatif.
Pour bien prendre la mesure de la réorientation que nous essaierons de mettre en
lumière dans cette seconde partie, il faut en revenir à la réorganisation fondamentale
du pouvoir, et par conséquent des règles juridiques destinées à en encadrer le déploiement, qui s’est dessinée à partir du 17ème siècle, lorsque naît le droit «moderne».
En faisant de l’Etat le point d’articulation de toute l’organisation politique, l’ordre
moderne a donné naissance (dans l’ordre des représentations abstraites) à deux types de
sociétés désormais radicalement différentes l’une de l’autre, auxquelles ont été attribués
des domaines d’intervention distincts (tout ce qui relève des relations entre Etats pour la
société internationale, comme la guerre ou la diplomatie, le reste relevant de la société
interne, notamment les relations juridiques impliquant les personnes privées).
Cela s’est traduit, au plan juridique, de trois manières notamment: par l’exclusion
des questions «privées» de l’ordre juridique international; par l’établissement d’un
système dualiste de rapports entre le droit interne et le droit international; enfin, par la
définition des règles internationales à partir du seul moule interétatique.
La jurisprudence arbitrale dans le domaine des investissements étrangers vient,
sinon bouleverser, du moins ébranler cette architecture sur chacun des trois niveaux
72 Ibid., par. 351.
73 Opinion dissidente de Lord Millett, pars. 27-29.
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qui la caractérisent, en obligeant le droit international général à se redéfinir dans son
articulation avec la sphère privée (A), avec le droit interne (B) mais aussi avec ses
propres techniques juridiques (C).
A. Dans son articulation avec la sphère privée
Affirmer que dans le cadre du contentieux des investissements étrangers le
droit international public s’applique à des intérêts privés n’a en apparence rien de
très révolutionnaire; «there is nothing new in abandoning the simple dichotomy
between public and private international law conceptions of dispute resolution»74.
Ainsi la protection diplomatique a-t-elle longtemps constitué le mode privilégié
de protection des intérêts des particuliers en droit international. Plus fondamentalement, les personnes privées se sont vu reconnaître depuis 1945 des droits internationaux de plus en plus nombreux dans le domaine des droits de l’homme ou
du droit de l’économie.
Pour saisir l’ampleur du changement qui s’opère tout de même sous nos yeux,
il faut réaliser que la reconnaissance de tels droits n’a cependant pas suffi jusqu’à
aujourd’hui à remettre en cause le caractère «public» du droit international public.
Lorsqu’un individu allègue la violation de l’un de ses droits internationaux, il le fait
en mettant en cause l’exercice par la personne publique étatique de ses prérogatives,
en invoquant à cet effet des règles interétatiques par leur origine. Comme le précisent
Sir Robert Jennings et Sir Arthur Watts, l’atteinte portée à des intérêts privés «by a
state as part of its internal law may directly involve the rights and obligations of the
state as a matter of public international law, for example where the matter concerns
the property of aliens (...)»75.
Le droit international public serait ainsi immunisé contre toute «privatisation» du
seul fait qu’une personne publique est partie à la relation juridique et que les règles qui
s’appliquent ont été définies par le biais d’instruments interétatiques76. Le contentieux
des investissements étrangers, tout arbitral qu’il soit, se différencierait radicalement
de ce fait de l’arbitrage commercial, l’Etat n’intervenant dans ce second contentieux
que comme opérateur privé alors qu’il intervient dans le premier comme entité souveraine, c’est-à-dire jure imperii et donc «within the public sphere»77.
Le droit international, en réalité, marque une indifférence aussi totale que traditionnelle envers la nature «privée» du droit de l’individu (et le caractère «public»
des contraintes pesant sur l’Etat). Seul lui importe qu’un droit, quel qu’il soit, ait été
violé par celui (une personne publique) auquel s’imposait l’obligation correspondante. Matériellement en revanche, le caractère privé du droit protégé est sans incidence
sur le règlement du litige. Autrement dit, le qualificatif accolé au droit international
74 Z. Douglas, « The Hybrid Foundations of Investment Treaty Arbitration », British Yearbook of International Law, 2003, p. 152.
75 Sir R. Jennings, Sir A. Watts (ed.), Oppenheim’s International Law, Vol. 1, Peace, Introduction and Part 1, 9th ed., Longman, 1996, p. 7
(italiques ajoutés).
76 V. à cet égard J. Combacau, S. Sur, Droit international public, Montchrestien, Paris, 2008, pp. 15-17.
77 G. Van Harten, «The Public-Private Distinction in the International Arbitration of Individual Claims against the State», International and
Comparative Law Quarterly, 2007, p. 372 pour la citation et plus largement l’ensemble de l’étude, pp. 371-394. V. également infra, la note
(et le texte qui y correspond) n° 85.
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«public», pour offrir un intérêt pédagogique, n’en est pas moins privé de tout effet
juridique positif.
C’est sur ce point précisément que le contentieux des investissements étrangers produit un basculement, qui s’est réalisé au demeurant de manière relativement tardive.
Jusqu’à la fin des années quatre-vingt dix en effet, les juges arbitraux n’ont éprouvé aucune difficulté à raisonner dans le cadre classique. Aux fins de la mise en œuvre
du droit des investissements étrangers, il suffisait de considérer la relation juridique
entre l’investisseur étranger et l’Etat d’accueil de l’investissement comme une relation classique de créancier à débiteur78 en vérifiant simplement si le second avait respecté ses obligations internationales à l’égard du premier. La nature privée des droits
de l’un et publique des obligations de l’autre était indifférente en revanche aux règles
de droit international mises en œuvre.
Avec la reconnaissance d’une portée de plus en plus large à l’interdiction de
l’expropriation indirecte, les tribunaux arbitraux vont assister à la fin des années
quatre-vingt dix à l’irruption dans leurs prétoires d’un débat traditionnellement
cantonné à l’ordre interne. Dans l’hypothèse où un Etat souhaiterait adopter une
réglementation destinée à protéger l’environnement ou la santé publique, doit-il indemniser l’investisseur étranger qui subirait de ce fait une expropriation indirecte?
Y a-t-il lieu à cet égard d’introduire une hiérarchie entre l’intérêt général défendu
par l’Etat et les intérêts privés de l’investisseur79? Le débat judiciaire s’en élargit
d’autant: il ne s’agit plus seulement de vérifier si l’Etat a eu un comportement «nonconforme à son obligation»; il faut aussi désormais tenir compte de la nature privée
ou publique des droits et obligations en jeu aux fins de «départager les intérêts privés des intérêts publics»80.
Traditionnellement étrangère au droit international public, cette mise en balance des intérêts publics et des intérêts privés, dont les juges arbitraux reconnaissent
d’ailleurs qu’elle est difficile à opérer81, revient à confier au juge international la résolution d’un débat (et pas seulement d’une question juridique technique) qui se déroulait essentiellement jusqu’à maintenant au niveau des sociétés internes82. Celles-ci
sont tenues généralement en effet comme le cadre politique le plus approprié pour en
traiter, comme en témoigne par exemple la reconnaissance d’une marge d’appréciation des autorités internes dans le contentieux de la Convention européenne des droits
de l’homme83.
78 Relation de type «privée», certes, au plan de la technique juridique, qui s’apparente ici à la méthode contractuelle et au droit civil des
obligations, mais il faut se rappeler que cela vaut pour toutes les relations entre Etats qui, pour publiques qu’elles soient, se développent
dans un ordre juridique décentralisé.
79 V. spécialement sur la question Ch. Leben, «La liberté normative de l’Etat et la question de l’expropriation indirecte», in Ch. Leben (dir.), Le
contentieux arbitral transnational relatif à l’investissement, LGDJ, Paris, 2006, pp. 163-184, en particulier pp. 176 et s.
80 V. S. El Boudouhi, «L’intérêt général et les règles substantielles de protection des investissements», Annuaire français de droit international,
2005, p. 543.
81 V. en particulier (ALENA), SD Myers Inc. c. Canada, sentence du 13 novembre 2000, pars. 279-282; (ALENA), Feldman c. Mexico, sentence du 16 décembre 2002, pars. 98-100; (ALENA) Methanex c. Etats-Unis, sentence du 3 août 2005, Chapitre IV, D, par. 7.
82 Ch. Leben voit dans les questions impliquées par ce type de débat des «éléments très subjectifs dont la prise en compte est acceptée lorsqu’il
s’agit d’institutions judiciaires internes ou de juridictions internationales telle la Cour européenne des droits de l’homme, mais qui peuvent
étonner lorsqu’il s’agit de tribunaux arbitraux composés de personnes privées et sans aucun mécanisme d’appel ou de cassation» («La
liberté normative de l’Etat et la question de l’expropriation indirecte», op. cit. (note 77), p. 179).
83 V. J.-S. Bergé, S. Robin-Olivier, Introduction au droit européen, PUF, Paris, 2008, pp. 240-241, n° 305.
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Deux raisons justifient le cantonnement classique de ce type de débat au niveau interne: d’abord une dépendance, difficilement déracinable, à l’origine historique du Politique en Occident, qui a d’abord à voir avec la Cité84 ; ensuite, le
caractère relatif de ce qui relève du «public» ou de l’intérêt «général» – caractère
relatif dont la Commission du droit international a pris acte par exemple dans ses
Articles de 200185 – lequel fait des autorités internes les mieux à même de donner
corps à son contenu.
Que le juge arbitral mixte soit désormais requis de départager les intérêts privés
des intérêts publics entraîne de ce point de vue une rupture radicale avec le passé,
entraînant une redéfinition du rôle politique du droit international et une interrogation quant à la légitimité des autorités internationales et du juge arbitral mixte en
particulier, soit que celui-ci soit tenu comme moins légitime que les juridictions
internes pour traiter de ce type de questions86, soit que le caractère par trop «privé»
de la technique arbitrale soit considéré comme nécessitant, compte tenu de la mise
en cause des compétences régaliennes de l’Etat dans le contentieux des investissements étrangers, l’institution d’un véritable organe judiciaire international qui
permettrait de rattacher entièrement au droit public des questions censées en relever
exclusivement87.
Ce qu’il faut bien comprendre ici est que l’intérêt «public» au sens évoqué plus
haut ne se réduit nullement à la nature «publique» de l’Etat qui, dans la pensée traditionnelle, suffisait à faire du droit interétatique un droit international «public». C’est
concomitamment en effet que l’intérêt privé et l’intérêt général (distingué de l’intérêt
public) surgissent sur la scène internationale. Comme un auteur l’a très subtilement
écrit, «la notion d’intérêt général intervient pour départager les intérêts privés des
intérêts publics (…)»88. Vu du côté de la juridiction internationale, cela signifie que
l’intérêt général est désormais garanti par celle-ci dans le cadre d’un procès auquel
l’Etat n’est qu’une partie parmi d’autres.
Cela explique sans doute que la procédure de l’amicus curiae, permettant à
la société civile de faire entendre sa voix, ait à la même époque fait son entrée
remarquable dans le contentieux international des investissements étrangers, au
point d’avoir été rapidement codifiée (en 2006) dans le Règlement d’arbitrage du
CIRDI (à son article 37) après que plusieurs juridictions arbitrales furent saisies
84 Ainsi dans le contentieux de la CEDH où la marge d’appréciation reconnue aux Etats s’explique par les «contacts directs et constants [des
autorités internes] avec les forces vives de leur pays» (Handyside c. Royaume-Uni, 7 décembre 1976, A24, par. 48). De son côté, Stephen
Breyer, juge à la Cour suprême des Etats-Unis, rattache à la pensée politique de l’Antiquité la «liberté active» (droit du peuple à une «participation active et constante à l’exercice collectif du pouvoir») dont les juges nationaux doivent tenir compte dans l’interprétation des normes
qu’ils appliquent (ceux-ci devant attendre que le débat démocratique soit suffisamment mûr sur une question à forts enjeux sociétaux avant
de la trancher dans ses aspects juridiques) (Pour une démocratie active, Odile Jacob, 2005, pp. 39 et s.).
85 A/56/10, par. 77, paragraphe 6 du commentaire de l’article 5: «L’article 5 ne vise pas à délimiter précisément le champ d’application de la
«puissance publique» aux fins de l’attribution à l’Etat du comportement d’une entité donnée. Passé un certain point, ce qui est considéré
comme «public» relève de chaque société, de son histoire et de ses traditions».
86 Ch. Leben, «La liberté normative de l’Etat et la question de l’expropriation indirecte», op. cit. (note 77), pp. 181-182: «on voit mal comment
un tribunal arbitral n’ayant aucune des légitimités qui s’attachent à des juridictions nationales et encore plus aux juridictions nationales de
dernière instance, pourrait remettre en cause telle disposition légale ou réglementaire d’un Etat si l’affaire qui lui est soumise n’est pas un
cas très flagrant d’atteinte à la propriété de la personne privée».
87 G. Van Harten développe cette thèse dans son ouvrage Investment Treaty, Arbitration and Public Law, Oxford UP, 2007, XXXII-214 p.
88 S. El Boudouhi, «L’intérêt général et les règles substantielles de protection des investissements», op. cit. (note 78), p. 543.
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de la question. Comme la jurisprudence correspondante des tribunaux arbitraux
le montre clairement89, le critère principalement mis en avant pour accepter la
participation de tiers à la procédure tient aux enjeux d’intérêt général – dépassant
les intérêts de l’Etat comme partie défenderesse – impliqués par le litige relatif à
l’investissement étranger. La participation est acceptée parce que l’atteinte portée
à l’intérêt privé de l’investisseur ne peut être appréciée qu’à la lumière d’éléments d’information relatifs aux intérêts publics en jeu mais aussi parce que le
juge considère que les informations soumises par l’Etat défendeur ne seront pas
suffisantes à cet effet90.
La distanciation ainsi opérée entre l’intérêt général et l’intérêt de la personne publique étatique, qui débouche sur une «remise en cause de la conception même de
l’Etat»91, se montre encore dans le régime de l’amicus curiae. Si l’existence d’un
«intérêt public», à laquelle les tribunaux arbitraux conditionnent la recevabilité de la
demande de l’amicus curiae, se réduisait au seul fait qu’un Etat est partie à l’instance,
alors toutes les demandes d’amicus curiae rempliraient le critère du «public interest».
Ce n’est clairement pas la position des tribunaux arbitraux qui s’interrogent, affaire
par affaire, sur l’objet particulier de l’arbitrage et ne décident d’accepter ou de refuser
la demande d’amicus curiae qu’en fonction du fort degré d’implication de l’intérêt
général dans l’affaire concernée (mise en cause d’un service public d’importance fondamentale pour la population par exemple)92.
Tout cela mis bout à bout fait qu’aujourd’hui, la conciliation de l’intérêt général
et des intérêts privés est devenue une question de droit international, ce qu’elle
n’a jamais vraiment été depuis l’émergence du droit international moderne. Cela
produit une redistribution des rôles, les intérêts privés étant admis comme tels en
droit international tandis que l’intérêt général se détache de la figure étatique pour
accéder à un statut internationalisé, sans qu’il soit encore possible pour l’instant
de déterminer avec précision à quelle sphère et à quelle entité politiques ce dernier
devra être rattaché. Peut-on aller jusqu’à dire aujourd’hui que les sociétés internes ont le droit de défendre, au plan du droit international, «leur» intérêt général
dans le cadre d’un litige opposant un investisseur étranger à leur Etat? On retrouve
ici l’émergence plus générale d’une «société civile internationale» s’affermissant
contre l’Etat, qui entraîne avec elle la nécessaire «définition d’un nouvel art de gouverner à l’échelle globale»93.
89 V. (ALENA) Méthanex Corporation c. Etats-Unis, décision du 15 janvier 2001, spécialement par. 49; CIRDI, Aguas Argentinas et al. c.
Argentine, ARB/03/19, décision du 19 mai 2005, spécialement pars. 19-21; CIRDI, Biwater Gauff (Tanzania) Ltd. c. Tanzanie, ARB/05/22,
ordonnance de procédure n° 5 du 2 février 2007, pars. 46 et s.
90 Ce qu’assume du reste expressément l’article 37, paragraphe 2, alinéa a, du Règlement d’arbitrage du CIRDI, en posant comme condition
à l’admission de sa demande que l’amicus curiae soit en mesure d’apporter au Tribunal «un point de vue, une connaissance ou un éclairage
particulier distincts de ceux présentés par les parties au différend».
91 J. Verhoeven, «Conclusions», in Ch. Leben (dir.), Le contentieux arbitral transnational relatif à l’investissement, LGDJ, Paris, 2006, p. 371.
92 V. sur ce point B. Stern, «Un petit pas de plus: l’installation de la société civile dans l’arbitrage CIRDI entre Etat et investisseur», Revue
de l’arbitrage, 2007, pp. 19-21.
93 V. P.-M. Dupuy, «Le concept de société civile internationale, identification et genèse», in H. Ghérari et S. Szurek (dir.), L’émergence de la
société civile internationale. Vers la privatisation du droit international?, Pedone, Paris, 2003, p. 6 pour la citation et pp. 6-18 de manière
plus générale. A rattacher à la réflexion menée par E. Jouannet in «A quoi sert le droit international? Le droit international providence du
XXIème siècle», Revue belge de droit international, 2007, pp. 5-51.
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B. Dans son articulation avec le droit interne
Le rapprochement des sociétés internes et internationales, appréhendé à l’instant
sous l’angle de la mobilité des questions dont elles connaissent, connaît une autre
traduction dans le contentieux des investissements étrangers, qui n’est pas sans lien
d’ailleurs avec ce qui précède. Si le droit moderne s’est édifié sur la base d’une
conception dualiste des rapports entre des ordres juridiques réputés autonomes, la
nature particulière du juge arbitral mixte a eu pour effet progressif non seulement de
gommer la frontière entre les ordres juridiques internes et international, mais plus fondamentalement aussi de remettre en cause la pertinence même d’une pensée juridique
tout entière articulée autour d’une répartition des règles entre des ordres juridiques
réputés séparés.
Du point de vue de son office, le juge arbitral mixte se trouve en effet dans une
position intermédiaire, à cheval sur les ordres juridiques internes et international. La
nature des réclamations dont il connaît, parce qu’elles sont mixtes, ne permet pas d’en
caractériser vraiment la fonction comme exclusivement interne ou internationale; il
en va de même du droit qu’il est chargé d’appliquer, puisque la clause sur le droit
applicable exige de lui, selon les espèces, qu’il règle le litige par application du (d’un)
droit interne, du droit international, ou des deux concurremment. Aussi le juge arbitral
mixte, et singulièrement les tribunaux CIRDI, ne sont-ils, du point de vue de leur office, ni vraiment des juges internes, ni vraiment des juges internationaux, mais plutôt
l’un et l’autre à la fois94.
D’un point de vue concret, la principale conséquence qui en découle tient dans
l’attitude de plus en plus fréquente du juge arbitral mixte consistant à appréhender
le droit interne et le droit international de manière «dé-contextualisée», c’est-à-dire
en-dehors de tout ancrage dans leurs ordres juridiques respectifs de rattachement.
Celui-ci raisonne exclusivement en termes de normes applicables, pas d’ordres juridiques, ce qui l’autorise du même coup à articuler normativement les normes internes et les normes internationales suivant une démarche que le dualiste n’hésiterait
pas à qualifier d’hérétique, une norme interne ne constituant «normalement» qu’un
fait au regard du droit international et réciproquement. Selon le raisonnement dualiste, seules peuvent être articulées sur le plan normatif des normes relevant d’un
même ordre juridique (dans l’ordre interne, une norme interne d’origine interne et
une norme interne d’origine internationale par exemple ; dans l’ordre international,
une norme internationale d’origine internationale et une norme internationale d’origine interne par exemple). En revanche, une norme interne et une norme internationale, n’appartenant pas au même ordre juridique, ne peuvent avoir de relations
normatives.
Séduisant tout aussi que fréquemment repris dans la jurisprudence interétatique et
dans la jurisprudence interne, le raisonnement dualiste n’en est pas moins écarté par
les juges arbitraux mixtes, qui n’hésitent pas d’ailleurs (nouvelle hérésie!) à invoquer
94 V. à cet égard notre étude, dont nous synthétisons ici les grandes lignes, «Le «juge CIRDI» envisagé du point de vue de son office: juge
interne, juge international, ou l’un et l’autre à la fois?», Mélanges Jean-Pierre Cot (à paraître en juin 2009).
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cumulativement la hiérarchie normative consacrée par chaque ordre juridique. Ainsi
dans l’affaire Enron Corporation où le tribunal CIRDI, après avoir reconnu le caractère «complémentaire» des normes internes et internationales, tranche en faveur de
la primauté des secondes sur les premières en cas de conflit en se reposant à la fois
sur la règle de primauté du droit international sur le droit interne formulée à l’article
27 de la convention de Vienne sur le droit des traités et sur la règle constitutionnelle
argentine prévoyant la suprématie des normes conventionnelles internationales sur les
autres normes internes95.
L’affaire Goetz est très significative sur ce point de l’abandon total des raisonnements dualistes au profit d’une lecture «unitaire» des normes internationales et
internes. Compte tenu de la formulation de la clause sur le droit applicable figurant
dans le tribunal bilatéral d’investissement applicable au cas d’espèce, le juge CIRDI
a dû, d’abord, appliquer successivement le droit interne puis le droit international,
chacun dans sa sphère d’application respective96. Il a dû, ensuite, s’interroger sur
les incompatibilités éventuelles entre les solutions dictées par le droit interne et le
droit international, lesquelles devaient être résolues, non pas par la règle dualiste
de l’indifférence réciproque du droit interne au droit international qui est privée de
tout effet lorsque le droit interne et le droit international sont déclarés applicables
cumulativement, mais par recours à la «règle de conflit» définie par le traité bilatéral d’investissement prévoyant que la norme la plus favorable à l’investisseur
devait l’emporter. Cette règle constituait de ce point de vue une véritable règle de
conflit de normes, de contenu purement matériel, supposant par son existence même
l’établissement d’un rapport normatif direct entre les normes internes et les normes
internationales applicables97.
Bien entendu c’est in fine une règle internationale (ici la règle de conflit inscrite
dans le traité bilatéral d’investissement) qui permet de régler le conflit. Mais se fonder
sur ce seul élément pour rattacher l’ensemble du jugement à l’ordre juridique international dans l’unique but de sauvegarder la vulgate dualiste prête le flanc à la critique
en ce que cela ne permet pas de rendre compte de la dynamique jurisprudentielle qui
est incontestablement à l’œuvre aujourd’hui. Très nettement, les juges arbitraux s’affranchissent de la contrainte des ordres juridiques pour mieux laisser s’épanouir une
conception plus réaliste du droit98. De nouveau, il n’est pas présomptueux d’affirmer
que cela conduit à une redéfinition radicale des relations entretenues par le droit international avec le droit interne, qui doit conduire par ricochet les internationalistes à
repenser les frontières de leur discipline.
95 V. Enron Corporation Ponderosa Assets, L.P. c. Argentine, ARB/01/3, sentence du 22 mai 2007, par. 208. V. également IBM World Trade
Corporation c. Equateur, ARB/02/10, décision sur la juridiction et la compétence du 22 décembre 2003, pars. 71-73; ou (CNUDCI) BG
Group Plc c. Argentine, sentence finale du 24 décembre 2007, par. 97. Le raisonnement était déjà présent dans la sentence Aminoil c. Koweït
du 24 mars 1982, Journal du droit international, 1982, p. 872, par. 6.
96 V. déjà empruntant la même démarche la décision du Comité d’annulation du 3 mai 1985 dans l’affaire Klöckner c. Cameroun, ARB/81/2,
ICSID Reports, p. 122.
97 CIRDI, Antoine Goetz c. Burundi, ARB/95/3, sentence du 10 février 1999, spécialement pars. 94-99
98 Comme l’a très justement rappelé, en praticien aguerri, James Crawford, «there is only one world, however we may divide it conceptually:
there is no such place as the ‘international plane’ » («Treaty and Contract in Investment Arbitration», Arbitration International, vol. 24,
2008, p. 352).
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C. Dans son articulation avec ses propres techniques juridiques
Ce sont enfin les propres techniques juridiques du droit international qui se trouvent
bousculées dans la jurisprudence arbitrale relative aux investissements étrangers.
Si attentionnés soient-ils à inscrire leurs pas dans ceux des juges interétatiques, les
juges arbitraux mixtes ne peuvent pas échapper à leur destin. On n’applique pas impunément des règles définies à l’origine en considération exclusive de la nature particulière de leurs destinataires (les Etats) à des relations juridiques impliquant des individus.
Dans un certain nombre de cas, les juridictions arbitrales concernées se voient ainsi
contraintes de relire le droit international de manière à le rendre malgré lui applicable à
des situations qu’il n’avait pas anticipées, voire qui heurtent son patrimoine génétique.
De nouveau, la démarche conduit à enrichir le droit international, mais elle peut aussi
aboutir à en dénaturer les termes d’une manière qui peut poser difficulté.
Le fait par exemple de soumettre des contrats aux règles du droit des traités (ou
de la responsabilité internationale), comme l’ont fait certaines sentences99, en prenant
appui par exemple sur la nature de principe général du principe Pacta sunt servanda100, enrichit les règles correspondantes en en étendant le champ d’application, mais
conduit aussi à en altérer les fondements, voire à les transgresser101. Dès lors qu’elles
sont indifféremment appliquées à des traités et des contrats, les règles du droit des
traités devraient désormais en effet être considérées comme trouvant leur ratio legis
non plus dans la nature particulière des relations juridiques entre entités souveraines
(puisqu’elles ne se limitent plus à elles), mais plus simplement dans la logique intrinsèque du phénomène contractuel. Il en va de même lorsque sont transposés sans
autre adaptation aux relations entre individus et Etats des principes applicables dans
le domaine pourtant très particulier des relations diplomatiques102.
Si dans ces différentes situations la transposition peut être contestable, au moins
s’opère-t-elle sans qu’il soit besoin de modifier les règles du droit international général. La souplesse d’adaptation dont ce dernier fait preuve ne vaut malheureusement
pas dans tous les cas de figure. Il arrive dans certaines circonstances que le contenu,
et plus seulement le fondement, de ses règles nécessite un aménagement, voire une
relecture, si l’on veut en permettre l’application lorsqu’elle est requise.
L’affaire Archer Daniels Midland Company constitue un parfait exemple des distorsions occasionnées sur la mise en œuvre du droit international général par la nature
mixte du contentieux des investissements étrangers.
Afin d’échapper à l’engagement de sa responsabilité, l’Etat défendeur (le Mexique)
invoquait le mécanisme des contre-mesures en arguant que le fait intrinsèquement illicite
99 La démarche était déjà très explicite, et très claire, dans les sentences LIAMCO c. Libye du 12 avril 1977, International Law Reports, vol.
62, pp. 190-193, et Amco Asia Corporation and others c. Indonésie du 20 novembre 1984, ibid., vol. 89, pp.495-497. V. plus récemment la
sentence du 30 janvier 2007 du Tribunal ad hoc dans l’affaire Eurotunnel précitée, pars. 92, 107, 114 et 173 et s.
100 Pour un rappel récent du principe, v. Desert Line Project LLC c. Yémen, ARB/05/17, sentence du 6 février 2008, pars. 205-206.
101 V. (à propos de l’affaire Eurotunnel) M. Audit, «Un arbitrage aux confins du droit international public», Revue de l’arbitrage, 2007, p.
457: «(…) on décèle ici une contradiction. Il est un peu gênant d’affirmer qu’un accord de volonté n’est pas un traité, pour finalement le
soumettre tout de même aux règles inhérentes à ce type d’actes».
102 V. par exemple, à propos des règles applicables aux négociations préalables à la saisine du juge international, la sentence du 30 janvier
2007 dans l’affaire Eurotunnel précitée, pars. 124-129 et 136-143 et la sentence du 6 février 2007 dans l’affaire Siemens c. Argentine,
ARB/02/8, par. 306.
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commis au détriment de l’investisseur étranger était justifié par la riposte qu’il constituait à un fait illicite antérieur attribuable à l’Etat de nationalité de l’investisseur (les
Etats-Unis). Deux options s’offraient au tribunal pour trancher cette question inédite.
* Celui-ci pouvait tout d’abord se placer du point de vue unique de la relation juridique entre l’investisseur et le Mexique, en l’isolant de son contexte, pour décider que
l’Etat défendeur ne pouvait invoquer le mécanisme des contre-mesures à l’égard d’un
tiers (le fait illicite initial ayant été commis par les Etats-Unis et non par l’investisseur
étranger). Cette première solution offrait l’avantage de donner leur plein effet aux droits
internationaux de l’investisseur, mais elle avait l’inconvénient de nier le lien existant
entre ce dernier et son Etat de nationalité. S’il est compréhensible que le fait illicite d’un
Etat A ne puisse justifier qu’un Etat B adopte une mesure de représailles contre un Etat
C103, puisque chacun d’entre eux est totalement indépendant des autres, il est plus délicat
de faire du ressortissant d’un Etat quelqu’un d’entièrement étranger à celui-ci:
- d’une part, du point de vue de l’économie des contre-mesures interétatiques,
parce que celles-ci ne peuvent très souvent avoir d’effet que si elles peuvent atteindre les nationaux de l’Etat (en particulier dans le domaine économique) – l’Etat et
ses nationaux sont généralement visés solidairement par la contre-mesure,
- d’autre part, cette fois-ci du point de vue de la condition statutaire de l’individu,
parce que celui-ci est juridiquement lié à son Etat de nationalité, via le lien de nationalité qui autorisera par exemple l’Etat objet de la contre-mesure à prendre fait
et cause pour son ressortissant s’il subit un dommage du fait de celle-ci.
* En suivant ce dernier raisonnement, le tribunal pouvait, à l’inverse, se placer du point
de vue plus général des relations entre les Etats américain et mexicain pour décider que
la contre-mesure ne pouvait être considérée comme frappant une personne véritablement
« tierce » et qu’elle était donc de nature à pouvoir exclure l’illicéité du fait litigieux.
Aucune des deux options n’était satisfaisante et aucune ne l’était du fait même de
l’écart qui existe entre la théorie classique des contre-mesures, qui a pris naissance
dans le cadre des relations interétatiques104, et son invocation dans le cadre d’un litige
international opposant un Etat et un individu (c’est-à-dire une personne à la personnalité mineure et dérivée, assujettie par ailleurs à la souveraineté étatique).
Confronté à cette difficulté, le tribunal arbitral choisit en définitive une solution
que beaucoup considèreront comme conservatrice, sinon incorrecte d’un point de vue
juridique. Nous ne sommes pas loin de pencher dans ce dernier sens puisqu’en consacrant une conception pour le moins datée du droit international, le tribunal en est venu
à nier l’existence même de droits internationaux des investisseurs étrangers, ce qui
103 V. le paragraphe 5 du commentaire de l’article 22 des Articles de la CDI de 2001, A/56/10, par. 77: «Une contre-mesure ne peut exclure
l’illicéité que dans les rapports entre l’Etat lésé et l’Etat qui a perpétré le fait internationalement illicite».
104 Il n’est qu’à voir la difficulté que la Commission du droit international éprouve à l’heure actuelle à en codifier le principe s’agissant des
organisations internationales. V. dernièrement A/63/10 (2008), pars. 148-163.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
donne lieu en l’espèce à l’affirmation – inconnue jusqu’alors des internationalistes
– d’une sorte de protection diplomatique inversée qui conduit à voir dans l’action
contentieuse de l’investisseur étranger un endossement des droits de l’Etat, dont il
faudrait déduire, très curieusement, que l’indemnisation éventuellement obtenue par
l’investisseur devrait être reversée à celui-ci (en tout cas que l’investisseur n’aurait
pas un droit subjectif propre à être indemnisé, ce qui ne correspond pas à la pratique
contemporaine). Quoi qu’il en soit, une fiction – la protection diplomatique inversée
– en remplacerait une autre – la protection diplomatique classique. Tout ceci montre à
quel point le droit international général, comme les particules, a tendance à «s’agiter»
lors de sa mise en œuvre dans le cadre du contentieux des investissements étrangers.
Le plus frappant, peut-être, en définitive est que le tribunal assume crânement sa
position, comme s’il était sûr de son fait, en la justifiant assez substantiellement:
«168. F
or the reasons that follow, the tribunal believes that the approach supported by the Respondent respects the traditional structure of international law and the objet and purpose of Chapter Eleven. The Respondent is correct in its position that Section A of Chapter Eleven sets forth
substantive obligations which remain inter-State, without accruing individual rights fort the Claimants
169. Different doctrinal theories coexist regarding the nature of investors’ rights
under international investment agreements. The derivative theory, briefly described above, supports the proposition that investment treaties provide a set
of obligations which require the State to treat investments of qualified investors in accordance with the standards of the treaty ; but these obligations are
only owed to the State of the investor’s nationality. If a breach of any of these
standards occurs, the investor may bring the host State to an international
arbitration in order to request compensation, but the investor will be in reality
stepping into the shoes and asserting the rights of the home State.
170. T
he Tribunal agrees with Claimants that international law may under
specific circumstances confer direct rights on individuals, the breach of
which may amount to an international wrongful act if attributable to the
State in question. Thus, the responsibility of a State may be invoked not
just by other States, but also in certain areas, such as foreign investor
protection, human rights and environmental protection, where there may
be a significant role for individuals and non-state entites to assert state
responsibility before international dispute settlement bodies.
171. However, the proper interpretation of the NAFTA does not substantiate that
investors have individual rights as alleged by the Claimants. Nor is the nature of investors’ right under Chapter Eleven comparable with the protec-
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Arbitrale Relative aux Investissements Etrangers
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tions conferred by human rights treaties. Chapter Eleven may share (under
Section B) with human rights treaties the possibility of granting to nonState actors a procedural right to invoke the responsibility of a sovereign
State before an international dispute settlement body. But the fundamental
difference between Chapter Eleven of the NAFTA and human rights treaties
in this regard is, beside a procedural right of action under Section B, that
Chapter Eleven does not provide individual substantive rights for investors,
but rather complements the promotion and protection standards of the rules
regarding the protection of aliens under customary international law.
(…) 178. (…) these rights are not owed by the host State to the investors, but to
the investors’ home State. Therefore, the rights provided by Section A
only exist at the international plane between the NAFTA parties »105.
Que l’on adhère ou non au raisonnement, il reste que ce dernier est symptomatique
des soubresauts que le droit international général ne peut manquer de subir à l’occasion de sa mise en œuvre par des tribunaux qui ne sont pas de nature interétatique.
Cette mise en œuvre révèle un certain nombre de non-dits ou d’ambiguïtés que la
structure interétatique avait permis d’occulter et que d’ailleurs une partie de la doctrine n’a jamais cessé d’interroger106.
***
Au moment de conclure, comment ne pas constater la complexité des relations qu’entretient le contentieux des investissements étrangers avec le droit international général?
La jurisprudence arbitrale consolide, tout autant qu’elle réoriente, le droit international
général. Et cette réorientation se fait elle-même à double sens: elle ouvre des perspectives, en même temps qu’elle révèle des incohérences, restées jusque-là occultées.
Chacun aura compris l’urgence qui s’attache en conséquence à repenser le droit
international à la lumière des évolutions considérables qu’il subit.
Sur la terre brésilienne qui nous a accueilli quelques jours magnifiques de l’hiver
austral 2008, l’inspiration est heureusement à portée de main. Avec la clairvoyance
qu’autorise son parcours d’homme universel, le natif de Belo Horizonte devenu président de la Cour interaméricaine des droits de l’homme, arbitre au CIRDI et finalement
juge à la Cour internationale de Justice, y insistait récemment dans un cours qui fera
date : «the conditions are met (...) to move towards the construction of a new jus
gentium»107.
105 CIRDI (ALENA), Archer Daniels Midland Company and Tate and Lyle Ingredients Americas, Inc, c. Mexique,ARB(AF)/04/05, sentence
du 21 novembre 2007. V. plus largement, outre les paragraphes cités, pars. 161-180.
106 V. par exemple la remise en cause de la personnalité internationale de l’individu amorcée par G. Distefano in «Observations éparses sur les
caractères de la personnalité juridique internationale», Annuaire français de droit international, 2007, p. 113 et pp. 121-122.
107 Antonio Augusto Cançado Trindade, «International aw for Humankind: Towards a New Jus Gentium», Recueil des cours de l’Académie
de droit international de La Haye, 2005, vol. 316, p. 34.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
United States/Brazil Relations: A Shared Commitment to
Global Leadership
CLIFFORD M. SOBEL1
Resumo
Este trabalho apresenta ao leitor otimistas perspectivas para as relações entre os
Estados Unidos e o Brasil. Discute-se distintos elementos de ordem social, econômica
e política que aproximam a realidade de ambos os países, para os quais, como líderes
mundiais, a busca de crescente intensificação e proximidade de seus laços é uma necessidade. Considera-se que o Brasil desempenha papel de destaque na presente disposição de forças no cenário internacional, o qual conta com a relevante participação
daqueles países que compõem os BRIC, a saber, Brasil, Rússia, Índia e China. Nessa
perspectiva de integração entre Estados Unidos e Brasil, destaca-se a relevância não
só da participação governamental nas negociações, mas também a do setor privado,
que contribui expressivamente para aumento do comércio. Essa relação de crescente
cooperação entre Estados Unidos e Brasil é assegurada, antes de tudo, pela valiosa
herança comum que ambos Estados compartilham: suas experiências democráticas
e a confiança em um futuro de prosperidade. Conclui-se que é tempo de construir
pontes e parcerias entre Estados Unidos e Brasil, que juntos podem mudar o curso da
globalização e construir um futuro melhor para as gerações futuras.
Abstract
This article presents to the reader optimistic perspectives for closer relations between United States and Brazil. It discusses distinct elements within social, economic
and political orders that shorten the distance between both countries realities. This is
taken as a necessity due to the leadership role these nations play worldwide. Brazil has
got a distinguished role within the international scenario current forces arrangement
in which it can be noted that the BRIC countries – Brazil, Russia, India and China –
share a relevant position. Observing this integration between United States and Brazil,
it is high lightened the relevance not only of governmental action during negotiations,
but also the private sector participation, that has contributed intensively for trade increasing. This growing cooperative relation is ensued firstly by the common valuable
heritage that both states have: their shared democratic experiences and a confidence
on future prosperity. Finally, the conclusion is that it is time to build bridges and partnerships between United States and Brazil that together could change globalization
course and construct a better future for the upcoming generations.
***
1 United States Ambassador in Brazil
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With the inauguration of Barack Obama as 44th President of the United States, we
must consider the extraordinary opportunities our nations have to build deeper, enduring
partnerships. Now is the time for a new era of regional cooperation. As President Obama
said, “Today we begin in earnest the work of making sure that the world weleave our
children is just a little bit better than the one we inhabit today.”
As President Obama enters office, the partnership between the United States and
Brazil is as strong as ever, and I believe there are boundless opportunities to deepen
our bilateral, regional, and global efforts.
A few months ago, I made a speech, before the current market turmoil, but it certainly remains relevant. The remarks were on how Brazil can be “the best of the BRICs.”
In doing research on the BRICs (Brazil, Russia, India and China), I found that
there was a follow-on study to the original designation of BRICs in 2001 by Goldman
Sachs. The report was entitled, “Dreaming with the BRICs: The Path to 2050,” and
the results were quite startling. In the report, Goldman Sachs speculated that on the
current trajectory, within 40 years, by 2050, only two of the six G6 members will still
be part of the G6: Japan and the United States. It further predicted that the other four
will be Brazil, Russia, India and China – the BRICs.
So the question is: How does the United States work with the leading countries in
the developing world, specifically Brazil? What are our opportunities for partnership
in the future, and how do we make our relationship broader and deeper?
After World War II, the United States and its allies formed a new world order. Today, especially because of the current global financial situation, it is up to the developed world, and the BRICs, to do it once again, whether that group becomes the G-7,
the G-13, or the G-20.
Today, no one region, no country, has the resources or the intellectual capital to
deal with all of the issues that confront us. There is no monopoly on wisdom or creativity. And today, more than ever, Brazil and the United States are natural partners; not
just because we are the anchors of the North and the South of the Western Hemisphere, but because Brazil increasingly has become a global leader.
Brazil and the United States are the two largest democracies in the hemisphere;
we are both lands of immigrants, both melting pots, and we are both continent-sized
nations. But we are also the two largest food producers in the world. Brazil will be
one of the largest providers of energy, given the recent pre-salt discoveries, joining
the United States in this role. We also have common interests in controlling global
climate change, promoting social justice, and so many other issues.
I will never forget the quote of former Secretary of State Condoleezza Rice during
her 2008 trip to Bahia: “I’ve always believed that Brazil and the United States look
more like each other than any two countries in the world; great European, Latin and
African traditions all living side by side.” We are engaged in many activities and initiatives and activities that reflect those shared values and aspirations.
In fact, the U.S. - Brazil CEO Forum - of which there are only two in the world
(not coincidentally, the other is with India, another BRIC) - in their very first meeting,
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established the priority of our partnership. In October 2007, Brasilia was the site of
that inaugural meeting of the CEO Forum, the first in a series of activities in which the
governments of Brazil and the United States will are partnering with the private sector
to make progress toward a number of shared goals. Twenty top Brazilian and American
business leaders took part in that initial Forum meeting as private sector partners.
The participating CEOs recognized that “in light of the clear shaping of economic
alliances in different areas of the globe that constitute powerful competing strengths,
we should build upon the strong complementary relationship between the Brazil and
US economies. ... The ability to bring these complimentary forces together to become more effective will certainly result in strengthening the competitiveness of both
countries.” They went on to say that our two countries “should seek the integration of
their economies in a very resolute way… with the understanding that the sooner it is
achieved the better the benefits for both countries.”
Certainly, we have achieved much over the last few years, particularly because of
the growing relationship between the public and private sectors, of which the CEO
Forum is a prime example.
Today, we are renegotiating a tax treaty. We are making significant progress after
41 years of negotiations. We have a new aviation agreement, opening up Brazil for
U.S. citizens, but also opening the United States for brasileiros. This is after 10 years
during which there were no aviation negotiations.
In November, our governments agreed to return to a 10-year visa after years of
using only a five-year visa. We are also working together to eliminate additional fees
for business visas, and to combine business and tourism visas. One thing of which I
am very proud is that the significant waits that existed, upwards of 100 days, to secure
an appointment for a visa interview in Sao Paulo, Rio, Brasilia, or Recife, have been
reduced to only weeks, if not days.
We have joined forces economically, and we still see increased interest in investment – even venture capital – into Brazil. Much of our progress has happened because
it is in Brazil’s interest, as well as in the United States’, to increase our trade, investment, and tourism.
Brazil’s own multinational companies are leading the charge. They also understand the need for an investment treaty, especially in this increasingly competitive
business climate. Let us also not forget that trade and investment are no guarantee;
they represent an opportunity.
Let me return to how Brazil can be the best of the BRICs, as Jim O’Neill of Goldman Sachs said, or “O melhor dos BRICs.” Economic investment is the foundation
of a growing and a prosperous economy. And for Brazil to be the best of the BRICs, it
must do everything it can to accomplish that.
Recently, the Financial Times – in an article entitled, “The BRICs” – talked about
private equity groups taking big legal and financial risks as they invest in emerging
markets. As any business executive knows, capital is drawn to safe investments. That
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means investments in countries with transparent rules of business, and protection of
intellectual property rights.
That is why developing a framework, including investment treaties and tax treaties, is so important.
It is especially important, as Brazil climbs the economic ladder, for Brazil to protect intellectual property, including trademarks and patents. It would never be in the
interests of a country to suspend these rights. However, it is always the prerogative of
a nation to make decisions based upon what they believe to be in their best interests.
There are other opportunities for Brazil to be the best of the BRICs, especially
given its strong democratic foundations and free market economy.
In short, as Brazil and the other BRIC nations strengthen economically, politically,
and diplomatically, they have an unprecedented opportunity. They have the opportunity to develop a new matrix for global leadership, one in which we can all work
together to find solutions to the challenges that face the world community.
An ambassador’s job is to build bridges, strengthen partnerships, and seize the
moment. In spite of what many people think, Ambassador Patriota and I do not just
cut ribbons and kiss babies. Today with the change of the administration, we have an
outstanding opportunity to build upon our already strong foundation.
Biofuels are an excellent example of the building blocks of our relationship. In less
than two years, we have accomplished so much, despite all of the initial skepticism.
We have nine countries that are a part of our third-country programs, with 31 projects
already at work. We are now cooperating in Africa, in Senegal and Guinea-Bissau.
We have agreed to a process of harmonization of standards, and we will see the laboratories of the world working together using the same standards. We are partnering
on next generation research, and late last year, our national energy labs signed an agreement with Petrobras to work together to develop the next generation of biofuels.
Together, the two largest producers of biofuels will make this a transformational
energy resource. Such a shift in energy resources would be every bit as dramatic as
that seen when the newly industrializing world moved from wind, water and horse
power to coal, or the shift in the late 19th and 20th centuries from coal to oil. But there
is so much more we can do with the energy matrix.
The agenda for our cooperation includes not only biofuels, but nuclear, oil, solar,
and clean coal.
Today, building upon our biofuels cooperation, there are many important leaders
in the U.S. who are looking at a broader energy compact. Recently, Senator Richard
Lugar spoke on the importance of a regional energy compact to allow our hemisphere
to grow and prosper together with a focus on more stable and sustainable energy supplies. A bill he proposed called for the expansion of strategic energy partnerships with
major energy producers and consumers, and the creation of a hemispheric energy forum. The Chairman of the U.S. Subcommittee on Western Hemisphere Affairs, Elliott
Engel has also put forward legislation to promote such partnerships.
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President Obama has also expressed interest in bringing together the countries
of the region in a new Energy Partnership for the Americas, to forge a path toward
sustainable growth and clean energy. Secretary of State Hillary Clinton has further
emphasized that the United States will work with others in the region on a partnership
“built around shared technology and new investments in renewable energy.”
Finally, a Brookings Institution report, just released, also talked about a hemispheric partnership that would be inclusive of many of the elements I just mentioned. Such a partnership would not only focus on a sustainable energy matrix, but on climate change, migration, gangs, drugs, and many other issues.
Our countries have made progress in many other areas. Defense Minister Jobim
recently visited the United States, where he met with Defense Secretary Gates. His
meeting at the Pentagon built upon the first bilateral defense working group meeting
in seven years. A key outcome of that meeting was the establishment of a bilateral
working group on technology transfer, something very important to Brazil, and something that we in the United States can work with Brazil on.
In the coming months, Brazil will make a decision on how to proceed with its military aviation program, and we are hopeful that the F-18 will be part of that program
- continuing to bind our two nations together, commercially and militarily.
Finally, the Summit of the Americas will take place in April. This will probably
be the first multilateral meeting that President Obama will attend as President. This
hemispheric organization must be the focus of our attention.
The United States is supportive of all new regional and sub-regional groups coming together to solve the problems that affect us all. But let us make sure we are
trying to achieve the broader issue of economic cooperation, or as the CEO Forum
says, economic integration.
We should not allow these new regional and sub-regional groups to divide us into
different interest groups. As we look for things that unite us in common purpose, it is
incumbent that the anchors of the North and the South work together - bilaterally, and
regionally, through the Summit of the Americas.
As Assistant Secretary of State for Western Hemispheric Affairs Tom Shannon
said recently: “This is a relationship to which both countries need to pay close attention. This relationship will really define what happens in South America and elsewhere in the world.”
In conclusion, as we continue our search for ways to unleash the power of partnership, our common heritage and our shared democratic values will be the bedrock
of our cooperation.
We don’t know what the particular areas for future cooperation between our countries will be, or what innovative ideas might be developed. But we know that the future of Brazil is today, and our futures and our prosperity are inter-dependent. This is a
great time for Brazil and the United States, with limitless oportunidades. It is up to all
of us, governments, the private sector, and our private citizens, to build the bridges,
create the partnerships, and seize the moment.
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The partnership between Brazil and the United States has strengthened: from Kubitschek and Kennedy, to Cardoso and Clinton, to Lula and Bush and now Obama.
Today, together, Brazil and the United States we can change the course of globalization, and build a better future for the next generations.
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iodiversidade e Propriedade Industrial: Um Exame Jurídico
B
do Conhecimento Tradicional
Carlos Alberto Rohrmann11
Lyssandro Norton22
Resumo
A procura por um desenvolvimento mundial sustentável tem aberto diversas
frentes de pesquisa e propiciado o entendimento de vários países em torno de algumas questões ambientais importantes, como se depreende, por exemplo, do Protocolo de Kyoto e da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Importantes
marcos legais e políticos têm sido definidos pela CDB. Estes marcos orientam a
gestão da biodiversidade em todo o mundo. Também no âmbito da CDB, foi iniciada a negociação de um regime internacional sobre acesso aos recursos genéticos
e repartição dos benefícios resultantes desse acesso. A ausência de instrumentos
jurídicos adequados tem permitido a ocorrência de grandes controvérsias acerca
do tema , com acusações de apropriação indevida da biodiversidade brasileira e do
conhecimento tradicional a ela associado. Este estudo examina as possíveis alternativas apontadas para regulação jurídica do conhecimento tradicional associado à
biodiversidade, destacando, principalmente, as implicações da aplicação ao tema
das normas relativas à propriedade intelectual.
Abstract
The search for world sustainable development has opened a new field of legal research. Countries have started the debate about serious environmental law
issues such as the Kyoto Protocol and the Convention on Biological Diversity
(CBD). The CBD had defined some legal and policy issues related to biodiversity.
Besides, CBD started the negotiation over an international regime regarding the
access to genetic resources. The lack of proper legal rules has led to controversies
regarding Brazilian biodiversity and the protection of the associated traditional
knowledge. This article analysis possible legal solutions for the regulation of traditional knowledge associated with biodiversity. In this research we present the
conflicts between the protection of traditional knowledge and the existing rules of
Intellectual Property.
1 Professor de Direito Virtual e Coordenador Geral da Pós-Graduação da Faculdade de Direito Milton Campos. Doutor em Direito pela University of California, Berkeley. Mestre em Direito pela UFMG e pela UCLA.
2 Mestre em Direito, Procurador do Estado e Professor da UNA e do UNI-BH.
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Introdução
A busca pela conciliação entre as iniciativas de proteção ao meio ambiente e o
desenvolvimento econômico é verdadeiramente uma preocupação mundial.
Neste sentido, a necessidade de um desenvolvimento sustentável tem sido imposta
aos setores produtivos.
A preocupação com o tema não é recente. Alguns instrumentos jurídicos já regulavam internacionalmente, desde o início do século XX, a relação entre meio ambiente
e desenvolvimento, podendo ser citadas a Convenção sobre a Preservação da Fauna e
da Flora, de 1933, e a Convenção Internacional para a Regulação da Caça das Baleias,
de 1946.
Recentemente, a procura por um desenvolvimento mundial sustentável tem aberto
diversas frentes de pesquisas e propiciado o entendimento de diversos países em torno
de algumas questões importantes, como se depreende, por exemplo, do Protocolo de
Kyoto e da Convenção de Diversidade Biológica (CDB).
A CDB, resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (CNUMAD) (Rio 92), realizada no Rio de Janeiro, em junho de
1992, constitui um dos instrumentos internacionais mais importantes relacionados ao
meio ambiente. Foi assinada por 168 países e ratificada por 188, sendo certo que estes
últimos se tornaram Partes da Convenção.
Importantes marcos legais e políticos, que orientam a gestão da biodiversidade
em todo o mundo, têm sido definidos pela CDB, tais como o Protocolo de Cartagena
sobre Biossegurança; o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a
Alimentação e a Agricultura; as Diretrizes de Bonn; as Diretrizes para o Turismo
Sustentável e a Biodiversidade; os Princípios de Addis Abeba para a Utilização Sustentável da Biodiversidade; as Diretrizes para a Prevenção, Controle e Erradicação
das Espécies Exóticas Invasoras; e os Princípios e Diretrizes da Abordagem Ecossistêmica para a Gestão da Biodiversidade.
Também no âmbito da CDB, foi iniciada a negociação de um regime internacional sobre acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios resultantes
desse acesso. Tal iniciativa, entretanto, tem discutível efetividade, posto que a CDB
não teve a assinatura dos Estados Unidos da América, maior detentor de registros
de patentes e marcas.
No bojo dessas iniciativas, a biodiversidade tem ganhado destaque desde o início
da última década, principalmente pelo interesse de diversos setores econômicos e
ambientais em torno do tema.
O Brasil, o país mais rico do mundo em biodiversidade, detentor de 30% (trinta por
cento) das florestas tropicais e 22% (vinte e dois por cento) do total mundial de sementes, conforme veremos no tópico 3.1, tem importante papel no cenário mundial.
No entanto, a ausência de instrumentos jurídicos adequados tem permitido, ou
até mesmo incentivado, a ocorrência de grandes controvérsias acerca do tema, com
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
acusações de apropriação indevida da biodiversidade brasileira e do conhecimento
tradicional a ela associado.
Vários são os casos noticiados em que empresas de diversas nacionalidades utilizam-se de conhecimentos tradicionais de comunidades brasileiras para produzir
os mais variados itens comerciais, registrando as respectivas patentes e explorando
marcas, com a acusação de desprezo pelas comunidades detentoras deste conhecimento tradicional.
Não se pode, contudo, generalizar a ponto de se atribuir ao setor produtivo todos
os males do acesso à biodiversidade, nem, muito menos, desconhecer os benefícios
que podem ser trazidos à população mundial por algumas descobertas relativas, principalmente, à exploração honesta e racional da flora, citando-se, como exemplo, a
indústria farmacológica.
Constituem grandes equívocos tachar de “biopirataria” toda e qualquer iniciativa
relativa à exploração da biodiversidade e, da mesma forma, caracterizar como “conhecimento tradicional” todo e qualquer procedimento que utilize qualquer recurso
natural, sem que se tenha previamente um trabalho de pesquisa sério e apto a identificar a comunidade responsável por seu desenvolvimento, sua originalidade e seu
processo produtivo.
Decerto que não há como simplesmente impedir o acesso à biodiversidade apenas
pelo receio de esbulho de eventual conhecimento, talvez tradicional, de uma ainda não
identificada comunidade.
Muitas são as interrogações relativas ao tema, mostrando-se, portanto, imprescindível a instituição de instrumentos jurídicos aptos a regular com precisão a proteção
da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a ela associados.
Uma das alternativas apontadas recentemente para a regulação jurídica da matéria é a utilização do arcabouço do instituto da propriedade intelectual como possível
forma de garantir maior segurança às comunidades tradicionais e às empresas que
desejam explorar regularmente o potencial brasileiro.
Busca-se, neste trabalho, tratar do conhecimento tradicional associado à biodiversidade, não adentrando em temas, também fecundos, como os conhecimentos tradicionais relativos a outras áreas como a artística ou a literária.
Inicialmente, definir-se-á conhecimento tradicional associado à biodiversidade,
traçando um panorama das normas jurídicas internacionais e nacionais já editadas
sobre o tema.
Será abordada, ainda, a normatização da propriedade intelectual, com ênfase para
a propriedade industrial, especialmente para as patentes.
Buscar-se-á, principalmente, uma análise dos possíveis conflitos entre a aplicação
das normas relativas ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade e daquelas relativas à propriedade industrial.
O objetivo do trabalho é a pesquisa de alternativas para solução dos conflitos
normativos decorrentes das distinções entre o Trade Related Aspects of Intellectual
Property Rights (TRIPs) (Acordo sobre Aspectos de Direitos da Propriedade Inte-
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lectual relacionados ao Comércio) e a CDB, que assegura aos detentores dos conhecimentos tradicionais a justa repartição dos benefícios decorrentes da utilização de
recursos genéticos.
A exposição de possíveis soluções sobre a pesquisa realizada será feita nas considerações finais.
1. Conhecimento Tradicional Associado à Biodiversidade
1.1. Definições
Antes mesmo de se adentrar nas polêmicas que circundam o tema, há que se tratar
da definição de conhecimento tradicional associado à biodiversidade, distinguindo-o,
de início, dos conhecimentos tradicionais relativos a outras áreas.
Conhecimento tradicional associado à biodiversidade é a informação ou a prática de
determinadas comunidades indígenas ou locais, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, transmitida, geração a geração, nas mais diversas formas, com valor
real ou potencial, associada ao patrimônio genético da diversidade biológica.
Neste trabalho será abordado apenas o conhecimento tradicional associado à biodiversidade.
Com efeito, as comunidades tradicionais produzem conhecimentos de toda sorte,
em áreas da cultura, como artística ou literária.
A proteção das criações artísticas e literárias deverá ser feita por meio do reconhecimento dos direitos autorais coletivos, como ensina Juliana Santilli.3
Biodiversidade, segundo a CDB, é o conjunto de organismos vivos de todas as
origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros
ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
Já os conhecimentos tradicionais são, na lição de Guilherme Cruz de Mendonça4,
aqueles desenvolvidos e acumulados por populações tradicionais, passados oralmente
de geração em geração, podendo estar, ou não, associados à biodiversidade.
Para a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o Conhecimento Tradicional é definido como “tradição literária, artística ou científica, performances,
invenções, descobertas científicas, desenhos, marcas, nomes e símbolos e outras
inovações e criações resultantes da atividade intelectual nos campos da indústria,
ciência e das artes”.5
Destaque para a doutrina estrangeira, na lição de J. Michael Finger, ao examinar o
trabalho de Coenraad J. Visser:
3SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros, VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 341.
4MENDONÇA, Guilherme Cruz de. Interfaces entre a proteção da cultura quilombola e a conservação da biodiversidade. In: BENJAMIM,
Antônio Herman (Org.). Direito Humanos e Meio Ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p. 551.
5MENDONÇA, Guilherme Cruz de. Interfaces entre a proteção da cultura quilombola e a conservação da biodiversidade. In: BENJAMIM,
Antônio Herman (Org.). Direito Humanos e Meio Ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p. 551.
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Visser reexaminou como os instrumentos legais modernos tais como a patente
e o direito de autor podem ser usados para proteger o conhecimento tradicional. Começa oferecendo um senso intuitivo de qual o significado do termo
‘conhecimento tradicional’. Aproximando-se principalmente do costume da
WIPO, explica que a categoria inclui expressões tradicionais e tradições culturais baseadas em informações de expressões tais como estórias, música,
dança, trabalhos de artes e habilidades, incluindo símbolos, marcas, e outras
expressões de conceitos tradicionais. Engloba também semelhantes conhecimentos tradicionais agrícolas, médicos e técnicos.6
Mostra-se necessária, para complementação da definição, a conceituação de população tradicional.
Populações tradicionais são grupos de pessoas, indígenas ou não, com organização social e atividades culturais próprias, transmitidas historicamente através de sucessivas gerações, e que utilizam de forma sustentável os recursos naturais, dos quais
dependem para sua subsistência.
Tal conceituação é, ainda, controvertida, conforme se depreende da lição doutrinária:
O conceito de ‘populações tradicionais’, desenvolvido pelas ciências sociais
e incorporado ao ordenamento jurídico, só pode ser compreendido com base
na interface entre biodiversidade e sociodiversidade. Entre os cientistas sociais e ambientais, a categoria ‘populações tradicionais’ já é relativamente
bem aceita e definida. Ainda que alguns antropólogos apontem as dificuldades
geradas pela forte tendência à associação com concepções de imobilidade
histórica e atraso econômico e considerem o conceito ‘problemático’ em face
da forma diversificada e desigual com que os seguimentos sociais se inserem
na Amazônia socioambiental, a categoria ‘populações tradicionais’ tem sido
bastante reconhecida em sua dimensão política e estratégica. Entretanto, o
Direito ainda dá os primeiros passos na formulação de uma definição – jurídica – de ‘populações tradicionais’.7
A Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, definiria, em seu artigo 2º, inciso XV, população tradicional como: grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo
há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente
reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para
sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável.
6FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge. Disponível em: <http://www-wds.
worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.
pdf>. Acesso em: 15 fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
7SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 124-125.
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O dispositivo, contudo, foi vetado pela Presidência da República, sob o fundamento
de que o seu conteúdo seria tão abrangente que poderia atingir toda a população rural do
Brasil. Segundo as razões de veto, determinados grupos humanos, apenas por habitarem
continuadamente em um mesmo ecossistema, não podem ser definidos como população
tradicional. Argumentou-se, ainda, que o número de gerações não deveria ser considerado para definir se a população é tradicional ou não, haja vista não trazer consigo,
necessariamente, a noção de tempo de permanência em determinado local.
Considerando, pois, o veto ao inciso XV do artigo 2º da Lei n. 9.985/2000, os Estados
poderiam, valendo-se de sua competência legislativa suplementar para a matéria (art. 24, §
2º, da Constituição da República), definir, por decreto, a expressão “população tradicional”.
Como precedentes, podem ser citados o Decreto n. 32.412/1990,8 do Estado de
São Paulo, e a Lei n. 293/1995,9 do Estado do Rio de Janeiro.
Posteriormente, a Lei n. 11.428, de 22 de dezembro de 2006 - que dispõe sobre
a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica -, definiu, em
seu artigo 3º, que população tradicional é aquela que vive em estreita relação com o
ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental.
O conceito legal, contudo, é menos restritivo àquele descrito no dispositivo outrora vetado (art. 2º, XV, da Lei n. 9.985/2000), o que ensejará, com certeza, novas
críticas, como a exarada por Juliana Santilli, àquela redação:
O veto ao conceito de população tradicional foi defendido não apenas por
preservacionistas, que consideram a definição excessivamente ampla, e,
portanto, suscetível de utilização indevida, como também pelo movimento
dos seringueiros da Amazônia, que considerava a definição excessivamente restritiva, pela exigência da permanência na área ‘há três gerações’, pois, quando se cria uma reserva extrativista ou uma reserva de
desenvolvimento sustentável, o que se pretende é assegurar os meios de
vida e a cultura das populações extrativistas, independentemente do tempo
de permanência na área.10
Após a promulgação da Lei n. 11.428/2006, foi publicado o Decreto n. 6.040, de 7
de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais.
O ato do Poder Executivo Federal tratou de limitar o conceito legal, definindo
povos e comunidades tradicionais como grupos culturalmente diferenciados e que
se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que
8Assegura às comunidades tradicionais que residem na estação ecológica de Juréia-Itatins, “que comprovadamente subsistam da pesca,
agricultura e prestação de serviços aos moradores locais”, o exercício dessas atividades, desde que realizadas de forma compatível com os
objetivos da estação ecológica.
9Autoriza o Poder Público a assegurar às populações nativas residentes há mais de cinqüenta anos em unidades de conservação do Estado
do Rio de Janeiro o direito real de uso das áreas ocupadas, “desde que dependam, para sua subsistência, direta e prioritariamente, dos
ecossistemas locais, preservados os atributos essenciais de tais ecossistemas”.
10 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 126-127.
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ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações
e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
O decreto definiu, ainda, os territórios tradicionais como sendo os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, utilizados de forma permanente ou temporária.
No que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, o ato normativo fez referência ao que dispõem os artigos 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e demais regulamentações, respectivamente.
Mais adequado parece, portanto, que o conceito tenha por base os estudos das
ciências sociais. Antônio Carlos Diegues e Rinaldo S. V. Arruda,11 citados por Juliana
Santilli,12 sugerem que a definição de populações tradicionais tenha por base a distinção cultural dos grupos humanos, que reproduzem historicamente seu estilo de vida
em cooperação social, “adaptados a nichos ecológicos específicos”.
Ressalte-se, ainda, que “biodiversidade”, neste estudo, deve ser vista à luz da CDB,
cujos objetivos são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável
de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos
genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes.
Patrimônio genético, segundo o disposto no artigo 7º, I, da Medida Provisória n. 2.186-16/2001, é a informação de origem genética, contida em amostras do
todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma
de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de
extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in
situ, inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados
em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona
econômica exclusiva.
1.2. Legislação estrangeira
Os instrumentos jurídicos destinados à conciliação entre desenvolvimento e proteção ao meio ambiente remontam à década de 30, século passado, podendo ser citados
a Convenção sobre a Preservação da Fauna e da Flora, de 1933; a Convenção Internacional para a Regulação da Caça das Baleias, de 1946, e os Acordos para o Estabelecimento de um Conselho Geral de Pescas para o Mediterrâneo, de 1949.
A primeira grande conferência internacional sobre o tema, na lição de Marcelo
Dias Varella,13 foi a Conferência de Estocolmo, de 1972. Segundo o mesmo autor:
As primeiras formulações giravam em torno da idéia de ecodesenvolvimento. I.
Sachs lembra que esse conceito viu a luz do dia graças a uma expressão de Mau11DIEGUES, Antônio Carlos; ARRUDA, Rinaldo S. V. (Org.). Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente; São Paulo: USP, 2001, p. 27.
12 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 132-133.
13VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 32.
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rice Strong, em uma das reuniões preparatórias da Conferência de Estocolmo.
Era um conceito sem conteúdo, e sua determinação evoluiu com o passar dos
anos, graças a vários autores, como Amartya Sem e o próprio Ignacy Sachs. Mas,
no início, era uma expressão pela qual se procurava definir o que se queria designar: uma promoção do desenvolvimento permitindo preservar o meio ambiente.
Quanto à biodiversidade e ao conhecimento tradicional a ela associado, pode-se
afirmar que a CDB é o primeiro instrumento jurídico de maior abrangência internacional, seguindo-se a ele outras convenções relativas ao tema.
Juliana Santilli14 ressalta, entretanto, que outros instrumentos internacionais já trataram da diversidade cultural de comunidades indígenas, tais como a Convenção n.
169 da Organização Internacional do Trabalho e a Resolução n. 1.990/1927 do Grupo
de Trabalho sobre Populações Indígenas, criado em 1982 pelo Conselho Econômico
e Social da ONU.
1.2.1. Convenções internacionais
Como já afirmado, a CDB constitui o marco inicial da abrangente discussão acerca
de conhecimento tradicional associado à biodiversidade.
A proteção aos conhecimentos tradicionais é tratada pela CDB em seu artigo 8,
“j”, que dispõe que deverão ser respeitados, preservados e mantidos o conhecimento,
as inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos
de vida tradicionais relevantes à conservação e utilização sustentável da diversidade
biológica.
A “Agenda 21”, assinada também naquela oportunidade, tratou, no seu capítulo
26, do reconhecimento e do fortalecimento do papel dos povos indígenas, por meio de
instrumentos legais que protejam a sua propriedade intelectual e cultural e o direito à
preservação de sistemas e práticas de acordo com seus costumes.
Após o citado “marco inicial”, quando se deu início a uma efetiva discussão sobre o
tema, os organismos internacionais procuraram dar a sua contribuição, seja pela criação
de grupos temáticos de discussão, seja pela edição de orientações acerca da questão.
Em detalhado estudo, Jaílson Lucena Batista15 dispõe sobre algumas destas iniciativas, a seguir enumeradas, apenas a título histórico:
• Confederação Nacional Indígena do Equador (CONAIE), com outras organizações indígenas locais (Ecuarunari e FENOC), e com a organização não-governamental Acción Ecológica, elaboraram uma proposta de direitos coletivos e
biodiversidade;
• Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aprovou
o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, tratando, de forma limitada, da proteção aos conhecimentos tradicionais;
14SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos avanços e impasses na criação de regimes legais de
proteção. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 29, p. 83, jan./mar. 2003.
15BATISTA, Jaílson Lucena. Conhecimentos tradicionais: estudos jurídicos das legislações e convenções no âmbito nacional e internacional.
Belém: UFPA, 2005, p. 30-36.
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• Organização Mundial do Comércio (OMC) tratou dos conhecimentos tradicionais no art. 27.3 (b) do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPs, em inglês Trade-Related Intellectual Property Rights);
• Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) - WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION (WIPO) – criou uma divisão sobre propriedade intelectual mundial que desenvolveu vários estudos sobre o tema;
• Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento –UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE NA DEVELOPMENT (UNCTAD)
- promoveu um Encontro de Especialistas sobre Sistemas e Experiências Nacionais para a Proteção do Conhecimento Tradicional;
• Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS (UNHCHR) - preparou
um relatório sobre o possível conflito entre proteção à propriedade intelectual e
proteção ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade;
• Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável – WORLD SUMMIT ON
SUSTAINABLE DEVELOPMENT (WSSD) – recomendou à Convenção de Diversidade Biológica a instituição de regulamento jurídico internacional apto a
garantir a repartição justa e eqüitativa dos benefícios provenientes do acesso aos
recursos naturais.
1.2.2. Legislação comparada
A ausência de uma regulamentação internacional definitiva não tem impedido que
diversos países tratem do tema.
Na América do Sul, merece destaque a Comunidade Andina de Nações, também
conhecida como Pacto Andino ou Bloco Andino, formada por Colômbia, Equador,
Venezuela, Peru e Bolívia.
Estes países, ricos em biodiversidade, estabeleceram um Regime Comum de Acesso aos Recursos Genéticos, por meio da Decisão n. 391, de 1996, definindo procedimentos comuns a serem incorporados nas legislações de cada um dos integrantes.
O Peru, segundo Juliana Santilli,16 foi o primeiro país a aprovar uma lei interna
estabelecendo um regime de proteção dos conhecimentos coletivos dos povos indígenas. A Lei n. 27.811, de 10 de agosto de 2002, estabeleceu um “Regime de proteção
para o conhecimento coletivo dos indígenas, derivados de pesquisas biológicas”.17
Além dos signatários do Pacto Andino, ou Comunidade Andina, há outros países
que também possuem legislação própria sobre o tema: Costa Rica, Filipinas, Tailândia, Índia e Malásia.
Na Europa, podemos citar o Decreto-Lei n. 118/2002,18 de Portugal, que estabelece
o regime jurídico do registro, conservação, salvaguarda legal e transferência do material
vegetal autóctone com interesse para a atividade agrária, agro-florestal e paisagística.
16SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos avanços e impasses na criação de regimes legais de
proteção. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 29, p. 92, jan./mar. 2003.
17Lei n. 27.811/2002 – Disponível em: <http://www.wipo.int/tk/en/laws/pdf/peru_law.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2007.
18Decreto-Lei n. 118/2002 – Disponível em: <http://www.min-agricultura.pt/oportal/extcnt/docs/FOLDER/CA_LEGISLACAO/F_LEGIS_
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O artigo 3º, 1,do referido diploma define conhecimento tradicionais como “elementos intangíveis associados à utilização comercial ou industrial das variedades locais e restante material autóctone desenvolvido pelas populações locais, em colectividade ou individualmente, de maneira não sistemática e que se insiram nas tradições
culturais e espirituais dessas populações”.
A norma portuguesa tratou, ainda, de conferir direitos aos titulares de registro dos
conhecimentos tradicionais, que não tenham sido objeto de utilização em atividades
industriais ou não sejam objeto de conhecimento público fora da comunidade local
em que foram obtidos:
I) Oporem-se à sua reprodução, imitação e ou utilização, directa ou indirecta, por
terceiros não autorizados, para fins comerciais;
II) Cederem, transferirem ou licenciarem os direitos sobre os conhecimentos tradicionais, incluindo a sua transmissão por via sucessória;
III) Ficam excluídos da protecção os conhecimentos tradicionais que sejam objecto de registos específicos da propriedade industrial.
Tal proteção é assegurada pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos, contado da solicitação de registro, prorrogável por igual período.
1.3. Legislação no Brasil
1.3.1. Normas federais
A primeira lei a tratar indiretamente do tema foi o Estatuto do Índio (Lei n.
6.001, de 19 de dezembro de 1973), que garantia às comunidades indígenas a posse
permanente das terras que habitavam, com o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes. Assegurava, ainda, o
respeito ao patrimônio cultural das comunidades indígenas, seus valores artísticos
e meios de expressão.
A normatização explícita do tema no Brasil tem origem na própria Constituição da
República de 1988 que, em seu artigo 225, § 1º, II, buscando assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impõe ao Poder Público preservar
a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.
Posteriormente, conforme já afirmado, o Brasil assinou, em 1992, a CDB, durante a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo sido
aprovada pelo Poder Legislativo por meio do Decreto Legislativo n. 2, de 03/02/1994, e
promulgada pelo Presidente da República, em 16/03/1998, pelo Decreto n. 2.519.
Em seguida, diversas foram as iniciativas legislativas visando à implementação da
CDB, podendo ser citados o Projeto de Lei n. 306/1995, de autoria da então Senadora
Marina Silva, atual Ministra do Meio Ambiente; o Projeto de Lei nº 4.842/1998, proposto
QCAIII/QCA_3/MARE_118.htm>. Acesso em: 09 fev. 2007.
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pelo Senador Osmar Dias; o Projeto de Lei n. 4.579/1998, de autoria do Deputado Jacques Wagner; o Projeto de Lei n. 4.751/1998 e a Proposta de Emenda Constitucional n.
618/1998, ambos de autoria do Poder Executivo Federal; o Projeto de Lei n. 1.953/1999,
proposto pelo Deputado Silas Câmara; o Projeto de Lei n. 3.634/2000, de autoria do Deputado Paulo Mourão e o Projeto de Lei n. 377/2003, do Senador Mozarildo Cavalcanti.
O elevado número de divergentes projetos sobre o mesmo tema e a ausência de um
instrumento jurídico efetivo acabaram por propiciar insegurança jurídica.
Como exemplo, pode ser citado o acordo de cooperação celebrado em maio de
2000 entre a Associação Brasileira para o Desenvolvimento sustentável da Biodiversidade da Amazônia – Bioamazônia e a empresa farmacêutica suíça Novartis
Pharma, visando ao acesso do patrimônio genético da Região Amazônica. Mediante o acordo, a Novartis comprometia-se a doar à Bioamazônia a importância de
FS$2.000.000,00 (dois milhões de Francos Suíços) à Bioamazônia pela Novartis,
em troca da coleta e fornecimento de linhagens e extratos de microorganismos por
um período de três anos.
Segundo a doutrina,19 “quando a negociação desse Acordo veio a público, aspectos estratégicos e legais foram considerados duvidosos, uma vez que se questionava,
além dos próprios termos do acordo, a competência da Bioamazônia para, em seu
próprio nome, dispor perpetuamente dos direitos sobre os recursos genéticos existentes naquela região do País. Por conta dessas irregularidades e da inexistência de
um marco legal que regrasse o acesso e a remessa de recursos genéticos, o acordo
acabou não sendo executado”.
Logo em seguida, em 29 de junho de 2000, foi editada a Medida Provisória n.
2.052, reeditada, em 23/08/2001, pela Medida Provisória n. 2.186, ainda hoje em vigor, por força da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001.
Como não poderia deixar de ser, o então novo instrumento jurídico sofreu várias críticas que culminaram, até mesmo, com a propositura de 2 (duas) Ações Diretas de Inconstitucionalidade: ADI n. 2246-6, julgada prejudicada pelo STF, por perda de objeto, e ADI
n. 2289-0, extinta em decorrência de alterações posteriores no ato normativo.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.289/DF, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura postulou fosse declarada a inconstitucionalidade da
Medida Provisória n. 2.052-1, de 28 de julho de 2000, sob o fundamento de que “os
artigos 10 e 14 da Medida Provisória supramencionada violavam os artigos 5º, inciso
XXII, 231, caput e § 6º, 216, § 1º, assim como a MP em seu todo violava o artigo 62
da Carta Constitucional”.
Destaque para o inteiro teor dos dispositivos questionados:
Art. 10 À pessoa de boa fé que, até 30 de junho de 2000, utilizava ou explorava
economicamente qualquer conhecimento tradicional no País, será assegurado
19AZEVEDO, Cristina M. A.; LAVRATTI, Paula Cerski; MOREIRA, Teresa C. A convenção sobre diversidade biológica no Brasil: considerações sobre sua implementação no que tange ao acesso ao patrimônio genético, conhecimentos tradicionais associados e repartição de
benefícios. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 124-125, jan./mar. 2005.
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o direito de continuar a utilização ou exploração, sem ônus, na forma e nas
condições anteriores.
[...]
Art. 14 Em casos de relevante interesse público, assim caracterizado pela autoridade competente, o ingresso em terra indígena, área pública ou privada
para acesso a recursos genéticos dispensará prévia anuência das comunidades indígenas e locais e de proprietários, garantindo-se-lhes o disposto no
artigo 21 desta Medida Provisória.
Com a reedição da referida medida provisória, com alterações, sob o n. 2.12611, em 26 de abril de 2001, a Confederação, contrariando o disposto no artigo
5º 20 da Lei n. 9.868/99, desistiu de seu pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 10, sob o fundamento de que tal dispositivo não mais
constava do texto da norma legal.
Posteriormente, com as sucessivas reedições da Medida Provisória n. 2.052-1 e
conseqüentes alterações, de texto e numeração, do artigo 14, a requerente postulou
novo aditamento da inicial, insistindo na declaração de inconstitucionalidade do dispositivo sob o fundamento de que o mesmo estaria criando “exceção - não prevista
constitucionalmente - ao direito de propriedade dos pequenos produtores rurais (art.
5º, inciso XXII)”.
Sob o fundamento de que o dispositivo legal atacado teria sofrido posteriores substanciais alterações, o Ministro Néri da Silveira21 extinguiu o processo sem julgamento
do mérito, com base no artigo 38, da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990, combinado
com o artigo 21, § 1º do RISTF, em decisão proferida em 7 de novembro de 2001.
Segundo o Ministro Relator, a nova redação do contestado artigo 17 da Medida
Provisória n. 2.126, de 22 junho de 2001, revogada pela Medida Provisória n. 2.18614, de 28 de junho de 2001, teria introduzido substancial alteração no dispositivo
atacado nesta ação direta de inconstitucionalidade (fls. 272) (DOU 25/06/2001).
Como aquela Corte já teria firmado entendimento no sentido da admissão de aditamento em ação direta de inconstitucionalidade apenas quando ocorresse a identidade
substancial e formal da norma reeditada, em relação à constante da medida provisória
em vigor quando da propositura da ação direta, não haveria como a ação prosseguir,
justificando-se a sua extinção sem julgamento do mérito.
Verifica-se, portanto, que não houve, pelo Supremo Tribunal Federal, qualquer
manifestação acerca da constitucionalidade dos dispositivos questionados.
A iniciativa judicial da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura,
baseada em fundamento vinculado ao direito de propriedade, demonstra a preocupação da classe produtiva com o tema.
20 Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 – Art. 5º Proposta a ação direta, não se admitirá desistência.
21 ADI n. 2289/DF. Relator: Min. Néri da Silveira. DJ 11/12/2001.
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Não houve, até a presente data, qualquer outro questionamento, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, das versões posteriores da norma.
Em 28 de setembro de 2001, foi publicado o Decreto n. 3.945 definindo a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN e estabelecendo as
normas para o seu funcionamento, mediante a regulamentação dos artigos. 10, 11, 12,
14, 15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória n. 2.186-16.
O Decreto n. 3.945 foi, posteriormente, modificado pelo Decreto n. 4.946, de 31 de
dezembro de 2003, que revogou e acrescentou dispositivos, e pelo Decreto n. 5.439,
de 3 de maio de 2005, que deu nova redação aos artigos 2º e 4º.
Com a edição da Medida Provisória n. 2.186-16 e com o Decreto n. 3.945, ambos
de 2001, o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional a ele associado passou a depender, portanto, de deliberação do CGEN, ficando sujeito à repartição
de benefícios, nos termos e nas condições legalmente estabelecidos.
Os princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade foram instituídos pelo Decreto n. 4.339, publicado em 22 de agosto de 2002.
O Decreto n. 5.479, de 7 de junho de 2005, regulamentou o artigo 30 da Medida
Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, disciplinando as sanções aplicáveis
às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.
Conforme já exposto, tratando parcialmente do tema, a Lei n. 9.985, de 18 de julho
de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza,
traria em seu artigo 2º, inciso XV, a definição de “população tradicional”. O dispositivo, contudo, foi vetado pela Presidência da República, sob o fundamento de ser
muito abrangente.
No que se refere às populações tradicionais, a Lei n. 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma
Mata Atlântica, tratou de trazer conceitos e lhes assegurar prerrogativas, consagrando
os princípios da função socioambiental da propriedade, da eqüidade intergeracional,
da prevenção, da precaução, do usuário-pagador, da transparência das informações e
atos, da gestão democrática, da celeridade procedimental, da gratuidade dos serviços
administrativos prestados ao pequeno produtor rural e às populações tradicionais e do
respeito ao direito de propriedade.
O artigo 9º do referido diploma legal assegura às populações tradicionais a exploração
eventual, sem propósito comercial direto ou indireto, de espécies da flora nativa, para
consumo nas propriedades ou posses, independe de autorização dos órgãos competentes,
conforme regulamento, determinado, ainda, que os órgãos públicos assistam as populações tradicionais no manejo e exploração sustentáveis das espécies da flora nativa.
Após a promulgação da Lei n. 11.428/2006, foi publicado o Decreto n. 6.040, de 7
de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais.
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No dia 8 de fevereiro de 2007, foi publicado o Decreto nº 6.041, que institui a
Política Nacional de Desenvolvimento da Biotecnologia e criou o Comitê Nacional
de Biotecnologia.
1.3.2. Normas do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e do
Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)
Como resultado da importância e complexidade do tema, no dia 2 de janeiro de
2007, entraram em vigor a Resolução n. 134/2006, do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e a Resolução n. 23/2006, do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).
Tais atos normativos buscam, seis anos após a edição da Medida Provisória n.
2.186-16, a regulamentação do acesso ao patrimônio genético.
A Resolução do CGEN dispõe, em seu artigo 2º, que, para fins de comprovação do atendimento ao disposto na Medida Provisória n. 2.186-16, de 2001, o
requerente do pedido de patente de invenção de produto ou processo resultante
de acesso a componente do patrimônio genético realizado desde 30 de junho de
2000, depositado a partir da data de publicação daquela resolução, deverá declarar
ao INPI que cumpriu as determinações da medida provisória, bem como informar
o número e a data da autorização de acesso correspondente, sob pena de sujeição
às sanções cabíveis.
A resolução do INPI, complementando a resolução do CGEN, dispõe que o requerente de pedido de patente depositado a partir da data de vigência daquela outra
resolução deverá declarar se o objeto do pedido de patente foi obtido, ou não, em
decorrência de um acesso à amostra de componente do patrimônio genético nacional,
realizado a partir de 30 de junho de 2000.
O INPI exige, ainda, que, na hipótese de o objeto do pedido de patente ter sido
obtido em decorrência de um acesso a amostra de componente do patrimônio genético
nacional, o requerente deverá declarar, também, que foram cumpridas as determinações da Medida Provisória n. 2.186-16, de 2001, informando o número e a data da
autorização do acesso correspondente, bem como a origem do material genético e do
conhecimento tradicional associado, quando for o caso.
Mais recentemente, o CGEN, através da Resolução nº 34, de 12 de fevereiro de
2009, estabeleceu a forma de comprovação da observância da Medida Provisória no
2.186-16, de 23 de agosto de 2001, para fins de concessão de patentes de invenção
pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, em observância ao disposto
no art. 31 da referida Medida Provisória:
Art. 2º Para efeitos de comprovação da observância das disposições da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, o requerente de pedido de patente de
invenção cujo objeto tenha sido obtido em decorrência de acesso a amostra
de componente do patrimônio genético nacional realizado a partir de 30 de
junho de 2000 deverá informar ao INPI a origem do material genético e do
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conhecimento tradicional associado, quando for o caso, bem como o número
da correspondente Autorização de Acesso concedida pelo órgão competente.
Merece elogio a iniciativa de regulamentar, ainda que serodiamente, a Medida
Provisória n. 2.186-16. Não parece, contudo, que as exigências propostas possam ter
efetividade.
Observe-se, de início, que o Poder Público, ao fixar a data de 30 de junho de 2000,
como termo inicial para a caracterização do acesso ao patrimônio genético nacional,
reconheceu a Medida Provisória n. 2.186-16 como instrumento normativo pioneiro na
regulamentação do tema. Significa dizer que as questões controvertidas decorrentes
do acesso, em período anterior a este marco, não possuem regulamentação jurídica
específica.
Ademais, como ambas as resoluções exigem do requerente do pedido de patente apenas uma declaração, não haverá qualquer força coercitiva. Não há, outrossim,
qualquer penalidade ao descumprimento das determinações, o que pode implicar em
incentivo à omissão pelos requerentes.
Veja-se, neste sentido, a lição da doutrina estrangeira:
Alternativamente, estas exigências poderiam ser apresentadas fora dos processos de pesquisa e exame, como medidas administrativas.
O problema é que um solicitante de patente pode ser tentado a omitir a divulgação do conhecimento tradicional relevante. Não existe nenhuma razão particular para que um examinador suponha que uma dada invenção seja baseada em
conhecimento tradicional, a menos que o candidato o revele. Assim, na maioria
dos casos, é improvável que o examinador suspeite disso, e a patente será então
concedida sob o pressuposto de que preenche as exigências normais.22
Mais adequado parece, portanto, que a imposição de obrigações e a previsão de
sanções pelo seu descumprimento se dêem por meio de lei própria para tanto, buscando a regulamentação definitiva do tema e respeitando os acordos internacionais
respectivos (TRIPs e CDB).
1.3.3. Normas estaduais
Apresentam-se, aqui, algumas normas estaduais porque trazem subsídios para a
pesquisa.
Considerando a ausência de regulamentação exaustiva sobre o tema, seja no cenário internacional, seja no cenário nacional, alguns Estados da Federação vêm, em
normas próprias, tratando da proteção ao conhecimento tradicional associado.
22 DUTFIELD, Graham. Repartindo benefícios da biodiversidade: qual o papel do sistema de patentes?. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros;
VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 93.
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A iniciativa legislativa estadual deve, contudo, restringir-se à competência legislativa suplementar para a matéria, outorgada aos Estados pelo artigo 24, § 2º, da Constituição da República.
No Estado do Acre, a Lei n. 1.235, de 9 de julho de 1997, modificada pela Lei n.
1.238, de 22 de agosto de 1997, dispôs sobre os instrumentos de controle do acesso
aos recursos genéticos estaduais. O artigo 18 da referida lei exige, quando a solicitação de acesso envolve um conhecimento tradicional ou um cultivo agrícola domesticado, que o contrato de acesso incorpore, como parte integrante, o denominado
contrato acessório de utilização de conhecimento tradicional ou de cultivo agrícola
domesticado, subscrito pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC), pelo provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola domesticado e pelo solicitante,
que estabeleça a compensação justa e eqüitativa relativa aos benefícios provenientes
da utilização de tal conhecimento tradicional, indicando-se, expressamente, a forma
de tal participação.
É importante frisar que, para a efetividade da lei, mostra-se imprescindível a prévia identificação do “provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola
domesticado”, o que não é tarefa fácil, na grande maioria dos casos.
Sobre a lei acreana, cumpre destacar o comentário de Paulo de Bessa Antunes23,
citado no trabalho de Jaílson Lucena Batista24:
Nos termos do sistema constitucional brasileiro, não cabe aos Estados legislar
sobre propriedade intelectual, pois tal competência é da União. O fato é que
a lei estadual criou a figura jurídica dos direitos coletivos de propriedade intelectual, que não encontra amparo na Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que
regula direitos e obrigações relativas à propriedade industrial, bem como não
encontra respaldo na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.
A norma estadual, no entanto, aponta um problema real: a inexistência de
uma norma no ordenamento interno que possa servir de proteção aos direitos
de propriedade intelectual das comunidades locais e populações indígenas.
[...]
Não há que se falar em direitos adquiridos – do ponto de vista técnico legal
–, pois direitos adquiridos são aqueles que se constituem na forma da lei. É
evidente que a norma estadual, ao utilizar a expressão direitos adquiridos,
não o fez em sentido técnico jurídico, mas, ao contrário, baseou-se em uma
reivindicação cultural e moral da validação e reconhecimento das práticas de
conhecimento tradicional. (grifos original).
23ANTUNES, Paulo de Bessa. Diversidade biológica e conhecimento tradicional associado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 102103.
24BATISTA, Jaílson Lucena. Conhecimentos tradicionais: estudos jurídicos das legislações e convenções no âmbito nacional e internacional.
Belém: UFPA, 2005, p. 30-36.
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No Estado do Amapá, a Constituição Estadual, em seu artigo 313, consagrou de
forma explícita a proteção da biodiversidade, norteando, dessa forma, a atuação do
legislador infraconstitucional.
Neste sentido, em 1997, foi publicada a Lei Estadual nº 388, disciplinando o acesso
à diversidade biológica do Estado e determinando ao Poder Público que dê prioridade
aos usos e práticas tradicionais dentro dos territórios das comunidades locais, de acordo com suas aspirações, para promover desenvolvimento de tecnologias nacionais
sustentáveis para o uso e melhoramento de espécies, estirpes e variedades autóctones.
A lei estadual foi, posteriormente, regulamentada pelo Decreto n. 1.624, de 1999.
Sobre a legislação do Amapá, destaque para a lição de Marcelo Moreira dos Santos25:
O pioneirismo do Estado do Amapá na edição de um instrumento legislativo de
efetiva proteção da biodiversidade implicará numa necessária produção de medidas
para a operacionalização da defesa desse aspecto da riqueza dos recursos naturais e da
diversidade cultural dos que aqui vivemos, entre as quais a efetivação da fiscalização
e monitoramento dos recursos da diversidade biológica.
A exclusão do direito das comunidades tradicionais e dos povos indígenas de anularem patentes ilegalmente derivadas da exploração dos costumes tradicionais e a
falta de mecanismos de participação financeira da utilização dos recursos existentes
na biodiversidade, que atualmente movimentam um mercado de mais de 100 bilhões
de dólares, fazem crer que todas as relações degradadoras, poluidoras e desiguais dos
homens com a natureza apenas mudarão quando mudadas as desiguais relações entre
os homens.
Tratando do conceito de populações tradicionais, podem ser citados, ainda, o Decreto n. 32.412/1990, do Estado de São Paulo, e a Lei n. 293/1995, do Estado do Rio
de Janeiro.
Neste ponto específico, cumpre esclarecer que as normas estaduais se ocuparam
da ausência, à época, de norma federal específica, em estrita obediência à competência concorrente que a Constituição da República lhes outorgou.
Assim, em que pesem as iniciativas parlamentares estaduais, é imprescindível que
o tema tenha regulamentação normativa própria em nível federal.
2. Propriedade Intelectual
Na ausência de instrumentos jurídicos específicos, as normas jurídicas relativas
à propriedade intelectual se apresentam, como possível solução para a regulação dos
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e da repartição de benefícios
decorrentes de sua exploração.
Há que se destacar, entretanto, que existem algumas dificuldades para adequação
de normas já consolidadas a determinados institutos, cujas próprias definições estão
ainda em fase de evolução.
25SANTOS, Marcelo Moreira dos. Aspectos jurídicos do acesso à biodiversidade no Estado do Amapá. Revista de Direito Ambiental, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 27, p. 198-199, jul./set. 2002.
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Neste ponto, serão abordadas algumas características da normatização da propriedade intelectual, em especial das patentes, passando-se, em seguida, à análise de sua
aplicação ao conhecimento tradicional associado.
2.1. Breve histórico
Desde os primórdios, a criatividade do homem ocupa papel importantíssimo no
desenvolvimento social e econômico.
As invenções foram concebidas como ferramentas aptas a viabilizar o aproveitamento da natureza pelo ser humano, propiciando-lhe conforto, sobrevivência e proteção.
Na lição de Newton Silveira,26 “do primeiro machado aos computadores de terceira
geração e às naves-sonda interplanetárias, verifica-se o mesmo e único fenômeno de
subjugação da natureza pelo homem, compondo todos o universo de instrumentos que
o homem colocou à sua disposição em decorrência da aplicação de sua capacidade
criativa ao campo da técnica”.
Com o passar do tempo consolidou-se a importância da criatividade para o desenvolvimento da sociedade, implicando, ato contínuo, na necessidade de incentivo
àqueles que, com suas inovações, favoreciam toda a coletividade.
Tal incentivo surgiu na forma de proteção ao que se passou a denominar de propriedade intelectual, instituto com notável evolução a partir do século XIX, com as
Convenções das Uniões de Paris e de Berna (1883/1886).
O modelo de proteção do século XIX permaneceu inalterado até meados do século
XX, quando foi criada a OMPI, pela Convenção de Estocolmo (1967).
Merece destaque a lição de Maristela Basso:
A OMPI, além de assumir a administração das Uniões de Paris e de Berna,
unificou os direitos de propriedade intelectual, abolindo a tradicional divisão
entre direitos dos autores e dos inventores e passou a administrar os tratados
preexistentes sobre a matéria.
O tema da proteção dos direitos de propriedade intelectual foi incluído na
Rodada do Uruguai do GATT, iniciada em 1986. Os Estados-Partes visavam a
fortalecer o modelo atual de proteção iniciado pela OMPI e, através do GATT,
vincula-lo ao comércio internacional.
Até a inclusão do TRIPS no GATT, as relações entre propriedade intelectual
e comércio internacional não eram precisas nem se percebia a importância
de um sistema mais eficaz de proteção poderia trazer maior desenvolvimento
tecnológico, mais investimentos diretos e comércio.
O TRIPS, parte integrante do Acordo Constitutivo da OMC, conjuga os acordos
internacionais e acrescenta mecanismos que faltavam ao regime internacional
de proteção dos direitos de propriedade intelectual. (grifos do original).27
26SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e as novas leis autorais. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 01-02.
27BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 15-16.
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No Brasil, o primeiro caso de proteção de invento remonta ao ano de 1752, quando
se outorgou a um inventor o privilégio para exploração de uma máquina para descascar arroz.28
A origem histórica da regulamentação formal da propriedade intelectual tem seu
marco no Alvará Imperial de 28 de janeiro de 1809, cuja linha de proteção foi posteriormente adotada pela Constituição do Império de 1824, assegurando aos inventores
a propriedade de suas descobertas ou produções e remetendo à legislação ordinária a
regulamentação do tema.
A Constituição de 1891 assegurou aos inventores o direito de serem ressarcidos
pelas perdas decorrentes da utilização indevida de suas invenções.
A evolução no início do século XX é bem relatada por Carla Eugênia Caldas
Barros:
Somente em 1903, impressionado com as fraudes e falsificações das marcas
e com as reclamações dos comerciantes que lutavam com os contrafatores,
já que o delito à época não era punido com pena de prisão pelo Código
de Penal e a pena de prisão tinha sido abolida do Código Penal, o Parlamento promulgou a Lei 1.235/1904. Suas principais modificações foram a
agravação da pena aplicada à contrafação e a responsabilidade solidária
daqueles que concorressem direta ou indiretamente para a falsificação.29
Em 1945 é promulgado o Código de Propriedade Industrial, pelo Decreto-Lei n.
7.903.
A Constituição de 1967 consagrou o direito dos inventores ao privilégio temporário
sobre suas criações e o Decreto-Lei n. 254, do mesmo ano, instituiu um novo Código de
Propriedade Industrial, tendo sido substituído em 1969 pelo Decreto-Lei n. 1005.
Em 1971, a Lei n. 5.772 instituiu mais um novo Código da Propriedade Industrial.
A Constituição de 1988 consagrou, em seu artigo 5º, os direitos autorais e dos
inventores industriais.
Em 1996 foi publicada a Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos
e obrigações relativos à propriedade industrial, enquanto a Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, consolidou a legislação sobre direitos autorais.
2.2. Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs)
O crescimento da importância da propriedade intelectual consolidou-se mundialmente com a inclusão do tema, em 1986, na Rodada do Uruguai do GATT, culminando, em momento posterior, com a inclusão do “Acordo sobre Aspectos de Direitos da
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio” (TRIPs), no “Acordo Constitutivo
da Organização Mundial do Comércio (OMC), com seu Anexo 1C, tendo entrado em
vigor em 1º de janeiro de 1995.
28BARROS, Carla Eugênia Caldas. Aperfeiçoamento e dependência em patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 23.
29BARROS, Carla Eugênia Caldas. Aperfeiçoamento e dependência em patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 25.
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O TRIPs é considerado um acordo internacional de padrões mínimos de proteção.
Veja-se a lição de Denis Borges Barbosa:
Completamente em oposição ao sistema da CUP, o TRIPs constitui-se fundamentalmente de parâmetros mínimos de proteção; embora presente, a regra de
tratamento nacional é subsidiária em face do patamar uniforme de proteção.
Sem dúvida, como parte do sistema da OMC, o TRIPs herda os princípios de
tratamento nacional e de Nação Mais Favorecida (MFN) do antigo GATT.
Vale entender o alcance destas duas normas. O GATT, em seu corpo básico, contém duas regras centrais relativas à discriminação. A do Artigo I,
relativo à Nação Mais Favorecida (MFN), e a do Art. III, que regula o
chamado “tratamento nacional”.
[...]
Assim, os princípios básicos de não discriminação são de que nenhum membro do
TRIPs pode tratar diferentemente os demais membros, nem estabelecer desigualdade entre nacionais e estrangeiros. Note-se que o princípio do tratamento nacional já se encontrava na CUP, do qual, aliás, é o elemento primordial.
Os parâmetros mínimos do TRIPs são, para começar, as normas substantivas
dos tratados multilaterais gerais preexistentes: a própria CUP, a Convenção
de Berna e do Tratado de Washington sobre proteção de circuitos integrados.
Como, em particular no caso da CUP, este nível de proteção substantiva foi
considerado pelos elaboradores do TRIPs como insatisfatório, uma camada
geológica suplementar foi acrescida, com dispositivos que as legislações nacionais devem incluir, como mínimo de proteção.
Mínimo, entenda-se, para o estrangeiro beneficiário do TRIPs. Caso a lei nacional dê mais direitos ao estrangeiro que ao nacional, a isso não objeta a
TRIPs (art. 1.1). Esta peculiaridade do tratamento nacional já se achava, aliás, presente na CUP.30
A aplicação das regras do TRIPs tem-se apresentado como uma das soluções para
a regulação do acesso aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade,
especialmente em virtude dos princípios consagrados em seu artigo 8º, que incentivam a adoção de medidas aptas a evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual
ou o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio. No mesmo
sentido, mostra-se útil a flexibilidade conferida aos países-membros pelo disposto
no artigo 30 que lhes permite conceder exceções limitadas aos direitos exclusivos
conferidos pela patente.
Lado outro, é importante lembrar que o modelo adotado pelo TRIPs, para a proteção do direito de propriedade intelectual, pode gerar sérias incompatibilidades para o
trato dos conhecimentos coletivos das comunidades tradicionais.
30BARBOSA, Denis Borges. Propriedade intelectual. A aplicação do Acordo TRIPs. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 52-53.
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2.3. Legislação vigente
No Brasil, como vimos, a proteção à propriedade intelectual é assegurada pela
Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução
da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas
representações sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País;
No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, enquanto a Lei n. 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, consolida a legislação sobre direitos autorais.
2.4. Categorias
A propriedade intelectual subdivide-se em dois distintos ramos: a propriedade industrial e os direitos autorais.
Carlos Alberto Bittar vê a menor ou maior exclusividade como ponto central de
distinção entre os dois ramos:
Ora, exatamente em função do grau de crise entre os direitos individuais do
criador e os interesses gerais da coletividade é que se separaram as duas
citadas ramificações, considerando-se que a exclusividade – em última análise, o ponto nodal da estrutura desses direitos – deve, ou não, ser mais longa
em razão do interesse maior, ou menor, da sociedade, no aproveitamento da
criação.
Assim é que bipartiram os direitos intelectuais, levando-se em conta que,
como os bens de caráter utilitário são de interesse mais imediato para a vida
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comum, menor é o prazo monopolístico do criador, em comparação com os de
cunho estético, em que de maior alcance são os seus direitos.
[...]
Na regulamentação dos direitos sobre a obra intelectual, o objetivo básico é
proteger o autor e possibilitar-lhe, de um lado, a defesa da paternidade e da
integridade de sua criação e, de outro, a fruição dos proventos econômicos,
resultantes de sua utilização, dentro da linha dos mecanismos de tutela dos
direitos individuais. Por isso é que se relaciona mais a interesses da personalidade (caráter subjetivista e privatista do Direito do Autor).
Na regulação dos direitos sobre a obra industrial, a proteção fixada objetivou
a aplicação do produto final na consecução de utilidades, ou na solução de
problemas técnicos, relacionando-se ao processo de produção e de expansão
da economia, sob a égide de um regime de concorrência desleal. Vincula-se,
pois, mais a interesses técnicos, econômicos e políticos, amparando-se de um
lado, o produto industrial (como nos inventos), e impedindo, de outro, a concorrência desleal (como nos sinais distintivos) (caráter objetivista e econômico do Direito Industrial).31
Newton Silveira também discorre sobre o tema, apontando a novidade como característica distintiva:
Enquanto as obras protegidas pelo direito de autor têm como único requisito
a originalidade, as criações no campo da propriedade industrial, tais como as
invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais, dependem do requisito
de novidade, objetivamente considerado.
A originalidade deve ser entendida em sentido subjetivo, em relação à esfera
pessoal do autor. Já objetivamente nova é a criação ainda desconhecida como
situação de fato. Assim, em sentido subjetivo, a novidade representa um novo
conhecimento para o próprio sujeito, enquanto, em sentido objetivo, representa um novo conhecimento para toda a coletividade. Objetivamente novo é
aquilo que ainda não existia; subjetivamente novo é aquilo que era ignorado
pelo autor no momento do ato criativo.
No campo das criações técnicas não é raro acontecer que duas ou mais pessoas cheguem, uma independentemente da outra, à mesma solução, em conseqüência de se acharem em face do estado atual da técnica. Tal coincidência é
extremamente rara no campo da criação artística, visto que o autor trabalha
com elementos da sua própria imaginação.32
31BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 4-5.
32SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e as novas leis autorais. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 9-10.
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Mais correto parece afirmar que a propriedade industrial distingue-se do direito
autoral pela utilidade, pois os bens incorpóreos protegidos têm necessariamente aplicação industrial.
2.5. Direitos autorais
Os direitos autorais constituem o conjunto de normas que regulam a proteção aos
autores de obras intelectuais estéticas.
Merece destaque a conceituação exarada por Carlos Alberto Bittar:
Em breve noção, pode-se assentar que o Direito de Autor ou Direito Autoral é
o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas
na literatura, nas artes e nas ciências.
[...]
As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os
direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro
lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos
por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução
da obra, como, por exemplo, para as músicas, os direitos de fixação gráfica, de
gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros).
As obras protegidas são as destinadas à sensibilização ou à transmissão
de conhecimentos, a saber, as obras de caráter estético, que se inscrevem
na literatura (escrito, poema, romance, conto), nas artes (pintura, escultura, projeto de arquitetura, filme cinematográfico, fotografia) ou nas
ciências (relato, tese, descrição de pesquisa, demonstração escrita, bula
medicinal).33
A legislação brasileira considera as obras intelectuais passíveis de proteção as
criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. O artigo 7º da Lei n.
9.610, de 19 de fevereiro de 1998, indica como exemplos os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; as conferências, alocuções, sermões e outras obras da
mesma natureza; as obras dramáticas e dramático-musicais; as obras coreográficas e
pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
as composições musicais, tenham ou não letra; as obras audiovisuais, sonorizadas ou
não, inclusive as cinematográficas; as obras fotográficas e as produzidas por qualquer
processo análogo ao da fotografia; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura,
litografia e arte cinética; as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma
natureza; os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia,
topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; as adaptações, traduções e
33BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 8-9.
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outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
os programas de computador; as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou
disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
2.6. Propriedade industrial
A propriedade industrial é o instituto responsável pela proteção da criação, que
tenha utilidade industrial, desde que satisfeito o requisito da novidade.
A propriedade industrial subdivide-se em distintas categorias: marcas, indicações
geográficas, desenhos industriais e patentes.
2.7. Patentes
Entre as categorias de proteção da propriedade industrial as patentes constituem o
instituto mais complexo.
Segundo Maristela Basso, “uma das áreas de mais difícil negociação durante a
Rodada do Uruguai foi a das patentes, razão pela qual a Seção 5 da Parte II (arts. 27 a
34) é a mais detalhada do TRIPs e apresenta obrigações mais precisas”.34
2.7.1. Origem histórica
As patentes, segundo a lição de Carlos Alberto Rohrmann, tiveram origem nas
antigas cidades-estado, Veneza e Florença:
Quanto às patentes, foi em Veneza, uma cidade-estado que se dedicou ao comércio, que surgiu a primeira lei, com origem no sendo veneziano, em 1474.
A Lei de Veneza conferia ao inventor um privilégio ou monopólio sobre a
invenção pelo prazo de dez anos. Também em Florença, então cidade-estado
dedicada ao comércio, houve as primeiras manifestações de proteção de direitos dos inventores, semelhantes ao direito das patentes.
O direito da Common Law britânica só foi conhecer o instituto das patentes
em meados do século XVI e, posteriormente, o direito foi levado para os Estados Unidos.35
No Brasil, conforme já exposto, o primeiro caso de proteção a invento ocorreu no
final do século XVIII, sendo certo que a formalização da proteção patentária se deu
em momento posterior.
Veja-se a lição de Carla Eugênia Caldas Barros:
Apesar da história afirmar que em 1752, no Brasil, houve outorga de privilégios, por um prazo de 10 anos, para exploração de uma ‘máquina para
34BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 228.
35ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 186/187.
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descascar arroz’, o caráter oficial no campo da propriedade industrial
deu-se somente no Brasil Imperial, com o Alvará de 28/01/1809, constituindo-se marco inicial da propriedade industrial no Brasil.
A mesma linha de proteção aos inventores, a Constituição do Império
(1824) manteve no seu artigo 179, item XXVI, a garantia da propriedade de
suas descobertas, considerando-se a condição de novidade. Essa linha de
pensamento filosófico foi a adotada anteriormente pelo Alvará de 1809.36
2.7.2. Conceito
Patente é a proteção conferida pelo Poder Público, por determinado tempo, ao
responsável pela invenção de algo que seja novo e tenha aplicabilidade industrial.
A patente, em verdade, é um monopólio temporário concedido pelo Estado ao
inventor. Tal monopólio constitui exceção ao principio da livre concorrência consagrado no artigo 170 da Constituição da República.
Justifica-se a exceção ao princípio pelos benefícios que o monopólio traz à sociedade, seja na forma de incentivo à atividade inventiva, seja na forma da divulgação
da novidade.
Com efeito, há uma verdadeira troca, pois ao passo que o inventor ensina à sociedade como fazer algo novo, o Estado lhe concede a proteção temporária.
Para a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) a patente é um
direito exclusivo concedido a uma invenção, que seja produto ou um processo que
forneça uma maneira nova de fazer algo ou oferece uma solução técnica nova a um
problema.
Sobre o tema, vale trazer a lume a lição de Jacques Labrunie sobre o tema:
A patente de invenção é, na verdade, o título conferido pelo Estado ao titular da
invenção, ou a seus sucessores, através do órgão competente, após a verificação das condições legais de patenteabilidade. No Brasil, tal órgão é o Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), uma autarquia federal vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pelo
processamento e concessão das patentes, nos termos da Lei n. 5.648, de 11 de
dezembro de 1970. O ato de concessão de uma patente é ato administrativo.
[...]
A posição que parece ser a mais correta é no sentido de que o registro patentário tem efeitos mistos, declarativos e constitutivos. É certo que o órgão
reconhece o direito do titular da invenção e declara a sua patenteabilidade
(efeito declarativo); porém, se o titular da invenção não requerer a patente,
inexiste o direito de propriedade e de exploração exclusiva. Havendo, aí, o
efeito atributivo do registro.37
36BARROS, Carla Eugênia Caldas. Aperfeiçoamento e dependência em patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 23.
37LABRUNIE, Jacques. Direito de patentes: condições legais de obtenção e nulidades. Barueri-São Paulo: Manole, 2006, p. 5-7.
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2.7.3. Requisitos de patenteabilidade
O TRIPs impõe aos signatários, membros da Organização Mundial do Comércio
(OMC), a obediência dos seguintes requisitos, na concessão de patentes:
- novidade;
- presença de atividade inventiva;
- possibilidade de aplicação industrial.
Os requisitos para a concessão da patente são abordados pela doutrina estrangeira
da seguinte forma:
O Escritório de Patente e de Marca Registrada (PTO) concede uma patente
quando um inventor pode mostrar cinco coisas: uma invenção se enquadra em
uma das categorias gerais de matéria patenteável; não foi precedida em forma
idêntica na arte prévia pública; é útil; representa uma extensão não trivial do
que já é conhecido; e divulga-se o descrito pelo pretendente em tal maneira a
respeito de permitir outra de fazer e usar a invenção.38
No Brasil, o artigo 8º da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, estabeleceu os mesmos requisitos:
Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
O legislador brasileiro esclareceu, ainda, que “é patenteável como modelo
de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação
industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo,
que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação”.
Por outro lado, a lei federal excluiu da proteção das patentes os seguintes
itens relacionados em seu artigo 10, dentre eles as descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; as obras literárias, arquitetônicas, artísticas
e científicas ou qualquer criação estética; e o todo ou parte de seres vivos
naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela
isolados, o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais, inclusive.
A presença do requisito da novidade é apurada por meio da investigação de que o
requerente da patente é realmente o primeiro a conceber a invenção sobre a qual
pleiteia seus direitos, no âmbito de critérios legais previamente estabelecidos.
O tema é abordado por Newton Silveira da seguinte forma:
38MERGES, Robert P. et al. Intellectual Property in the New Technological Age. New York: Aspen Law & Business, 1997, p. 129. (Tradução
nossa). (Texto original em inglês).
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
Novo é aquilo que não se acha no estado de técnica, o qual é definido nos
parágrafos do art. 11 como tudo que não foi divulgado até a data do depósito.
O pedido nacional é considerado estado da técnica, desde que venha a ser
publicado posteriormente (art. 11, § 2º). (Grifo do original).39
Na doutrina estrangeira, o conceito de novidade é o seguinte:
Novidade significa ‘novo comparado à arte prévia’; indica a exigência de
que, para ser patenteável, uma invenção deve ser de algum modo diferente
de todos os artigos publicados, técnicas sabidas, e produtos introduzidos no
mercado.40
Há que se distinguir o requisito da “novidade” de originalidade. Com efeito, uma
invenção poderá ser original sem, contudo, ser nova. A originalidade diz respeito
ao aspecto subjetivo do criador que concebe algo não conhecido por ele antes. Tal
invento original, todavia, por ter sido objeto da originalidade de outro inventor em
momento anterior, caindo por terra, assim, o requisito da novidade.
Merece destaque a lição de Jacques Labrunie:
Por outro lado, a novidade também não se confunde com a originalidade da
invenção. A invenção pode ser original sem ser nova, Interessante a observação de Abílio Neto e Pupo Correia a respeito da interpretação, em Portugal,
da diferença entre novidade e originalidade:
‘A novidade da invenção não se confunde com sua originalidade. Sucede com
freqüência que um autor concebe e cria determinada invenção que, sem ele o
saber, já foi concebida, criada e explorada por outra pessoa. A sua invenção
não deixa de ser original, mas não é nova, e por isso não pode constituir objeto da patente (do Parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei
sobre a propriedade industrial)’.(77, p.30).
No mesmo sentido, o professor Fábio Ulhoa Coelho (23, p.74) esclarece a distinção entre a originalidade e a novidade da invenção: ‘Invenção é o ato original do gênio humano. Toda vez que alguém projeto algo que desconhecia, estará
produzindo uma invenção. Embora toda invenção seja, assim, original, nem
sempre será nova, ou seja, desconhecida das demais pessoas’. E prossegue:
‘Novidade – não basta, para a obtenção do direito industrial, que a invenção ou o
modelo sejam originais, característica de natureza subjetiva (isto é, relacionada
ao sujeito criador). É necessário que a criação seja desconhecida pela comunidade científica, técnica ou industrial (numa palavra, os experts da área)’.(ibid.)
39SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e as novas leis autorais. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 41.
40MERGES, Robert P. et al. Intellectual Property in the New Technological Age. New York: Aspen Law & Business, 1997, p. 168. (Tradução
nossa). (Texto original em inglês).
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A invenção, portanto, poderá ser original para seu inventor, sem preencher o
requisito da novidade, posto já ser conhecida e divulgada por outras pessoas
que não esse inventor.41
A Lei n. 9.279/96, em seu artigo 11, definiu que a invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica, que é
constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do
pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no
Brasil ou no exterior.
A lei brasileira, em seu artigo 12, tratou ainda de elencar as exceções à regra, não
considerando como estado da técnica a divulgação de invenção ou modelo de utilidade, quando ocorrida durante os 12 (doze) meses que precederem a data de depósito
ou a da prioridade do pedido de patente, se promovida pelo inventor; pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por meio de publicação oficial do pedido
de patente depositado sem o consentimento do inventor, baseado em informações
deste obtidas ou em decorrência de atos por ele realizados; ou por terceiros, com base
em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos
por este realizados.
Em que pese a uniformidade de requisitos de patenteabilidade estabelecidos pelo
TRIPs, as leis de cada um dos países regulam de forma própria a matéria, o que provoca certa instabilidade, no sistema vigente:
Entretanto, o problema que mais causa preocupações relaciona-se com a estabilidade das relações jurídicas e a possibilidade de uma patente unitária ser
declarada nula em qualquer Tribunal de um dos Estados-Membros, decisão
produzindo efeitos em todos estes, ao contrário do que atualmente ocorre,
na medida em que o atual sistema somente é unificado no procedimento de
concessão.
Proposta elaborada com vista a solucionar esta questão constitui-se na criação
de Corte Comunitária de Patentes, cuja competência de limitaria a questões
relativas à validade do privilégio, permanecendo com as Cortes Nacionais
as demandas relacionadas à contrafação e exploração indevida de invento
patenteado.
Assim, temos que a proposta de instalação de uma Corte Comunitária de Patentes constitui um requisito necessário para implementação da patente comunitária. A base legal para o estabelecimento desta Corte encontra-se no
art. 2 do Tratado de Nice, introduzindo este Tribunal no âmbito da União
Européia. Esta jurisdição comunitária deverá, nos termos do projeto, estar
estabelecida até 2010. Desta forma, restou estabelecido um período de transição, visando a repassar as competências das Cortes Nacionais para o novo
41LABRUNIE, Jacques. Direito de patentes: condições legais de obtenção e nulidades. Barueri-São Paulo: Manole, 2006, p. 61-62.
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Órgão Jurisdicional. Estas medidas formam as conclusões do Conselho da
Europa em março de 2000, dentro de um escopo do programa de incremento
da competitividade.
A concretização da patente comunitária, dentro do escopo de proteção unificada, constitui um dos pressupostos, concretizado pela simplificação do procedimento de proteção de inventos. A Corte Comunitária de Patentes funcionará no âmbito do Tribunal Europeu de Justiça. O processo judicial será
conduzido por um colegiado, cujos membros são escolhidos pelos componentes do Conselho, de forma unânime.42
2.7.4. Patentes de recursos genéticos e bioquímicos
O TRIPs, em seu artigo 27.3(b), autoriza que seus membros recusem as patentes
de plantas e animais, com algumas ressalvas:
... plantas e animais, com exceção de microorganismos, e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excluídos os processos não-biológicos e microbiológicos. Entretanto, os Membros providenciarão a proteção de variedades de plantas por meio de patentes, por um sistema
especial que seja eficaz ou por qualquer combinação desses dois.
A lei brasileira - Lei n. 9.279/96 -, em seu artigo 10, IX, exclui da patenteabilidade, ao não considerar invenção nem modelo de utilidade, “o todo ou parte de seres
vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais”.
Depreende-se, portanto, que não há impedimento expresso à concessão de patentes de recursos genéticos e bioquímicos. Haveria certa dificuldade, contudo, quanto ao
atendimento dos requisitos necessários, principalmente o da novidade.
Além disso, a complexidade e possíveis variações e derivações de recursos genéticos e bioquímicos podem acarretar a impossibilidade de delimitação do objeto
da patente. Neste sentido, merece destaque a análise do caso Amgen, Inc. v. Chugai
Pharmaceutical Co., Ltd., 927 F.2d 1200 (Fed. Cir. 1991), feita por Robert P. Merges
e outros no livro Intellectual Property in the New Technological Age:
Aqui, entretanto, apesar das indicações extensivas na especificação a respeito
de todos os análogos do gene do EPO que podem ser feitos, há poucas permissões de descoberta de análogos particulares e de como fazê-los. Os detalhes
para preparar somente alguns genes análogos do EPO são divulgados. Amgen
discute que isto é suficiente para fundamentar suas reivindicações; nós discor42 SICHEL, Ricardo Luiz. Perspectivas do direito patentário na Europa. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (coord.). Propriedade intelectual. Estudos em homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba: Juruá, 2005, p. 151.
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damos. Esta ‘descoberta’ pode justificar bem uma reivindicação genérica que
abrange estes e análogos similares, mas representa sustentação inadequada
para o desejo de Amgen de reivindicar todos os análogos do gene do EPO.
Pode haver muitas outras seqüências genéticas que codificam para produtos
derivados da EPO. Amgen disse como fazer e usar somente alguns deles e
conseqüentemente não é intitulado para reivindicar todos.
Ao confirmar as reivindicações da Corte Distrital [invalidação destes], nós não
pretendemos dizer que as reivindicações genéricas às seqüências genéticas não
podem ser válidas onde estão fora de um espaço apropriado à invenção divulgada
por um pretendente. Aquele não é o caso aqui, onde Amgen reivindicou cada todo
possível análogo de um gene que contém aproximadamente 4.000 nucleotídeos,
com uma divulgação somente de como fazer a EPO e poucos análogos.
Considerando a complexidade estrutural do gene do EPO, as possibilidades
múltiplas para a mudança em sua estrutura, com incerteza concomitante a
respeito de que utilidade terão estes análogos, nós consideramos que é mais
necessário considerar a identificação dos vários análogos que estão dentro do
espaço da reivindicação, métodos para os fazer, e as exigências estruturais
para produzir combinam com EPO-como atividade. Não é suficiente, fazendo
o gene e um punhado dos análogos cuja atividade não foi verificada claramente, para reivindicar todas as seqüências genéticas possíveis que têm EPOcomo a atividade. Sob as circunstâncias, nós não encontramos nenhum erro
na conclusão da Corte que as reivindicações genéticas da seqüência do DNA
são inválidas sob a seção 112. 43
Como se vê, ainda que ultrapassado o requisito da novidade, mostra-se penosa, em
se tratando de recursos genéticos, a delimitação do objeto da patente.
3. A Proteção do Conhecimento Tradicional Associado e a Propriedade
Intelectual
3.1. Relevância e atualidade do tema
Conforme já afirmado, a importância da biodiversidade, bem como o conhecimento tradicional a ela associado, tem ganhado crescente espaço na mídia, especialmente no Brasil, o país mais rico do mundo em biodiversidade, com 3,57 milhões de
km2 de florestas tropicais, 30% (trinta por cento) do total mundial44.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente45, no Brasil estão, ainda, a maior
floresta tropical úmida (Floresta Amazônica), com mais de 30 mil espécies vegetais,
43MERGES, Robert P. et al. Intellectual Property in the New Technological Age. New York: Aspen Law & Business, 1997, p. 225-226.
(Tradução nossa). (Texto original em inglês).
44KISHI, Sandra Akemi Shimada. Principiologia do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. In: PLATIAU, Ana
Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 313.
45BRASIL: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idM
enu=2338>. Acesso em: 11 abr. 2007.
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e a maior planície inundável (o Pantanal) do mundo, além do Cerrado (savanas e
bosques), da Caatinga (florestas semi-áridas) e da Mata Atlântica (floresta tropical
pluvial). O país possui uma costa marinha de 3,5 milhões km² com uma variedade de
ecossistemas que incluem recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e
pântanos, e mais de 20% (vinte por cento) do número total de espécies do planeta.
Este papel de destaque no cenário mundial implica em uma grande responsabilidade tanto na conservação, quanto no aproveitamento econômico sustentável desta
biodiversidade.
Juliana Santilli destaca a importância econômica do conhecimento tradicional associado à biotecnologia:
Os conhecimentos tradicionais adquiriram particular importância para a indústria da biotecnologia, principalmente de produtos farmacêuticos, químicos
e agrícolas. Segundo Vandana Shiva, dos 120 princípios ativos atualmente
isolados de plantas superiores, e largamente utilizados na medicina moderna,
75% têm utilidades que foram identificadas pelos sistemas tradicionais. Menos de doze são sintetizados por modificações químicas simples; o resto é
extraído diretamente de plantas e depois purificado.46
Veja-se a posição da doutrina estrangeira:
Visser identifica dois motivos para proteger o conhecimento tradicional.
Pessoas em comunidades tradicionais, como pessoas em comunidades modernas, querem a proteção que lhes ajudará se beneficiar do uso vantajoso
de seu conhecimento. Além disso, os membros destas comunidades querem
freqüentemente impedir o uso que seja ofensivo ao sentido cultural ou espiritual do conhecimento. As comunidades modernas, também, têm objeção ao
uso humilhante de símbolos sociais ou religiosos, mas a linha entre o cultural/espiritual e comercial/científico é menos clara e talvez menos freqüentemente traçada em comunidades tradicionais do que em modernas; portanto,
motivo cultural/espiritual pode ter mais peso em comunidades tradicionais.
A respeito do uso vantajoso, Visser relata diversos exemplos em que os escritórios de patente de países industriais recusaram ou revogaram patentes
comprovadamente baseadas em conhecimento tradicional de um país em desenvolvimento. Muitos usos, entretanto, escapam do crivo.
Relata também uma estimativa dos UN que os países em desenvolvimento perdem cerca de US$5 bilhões por ano em royalties de uso desautorizado do
conhecimento tradicional. 47
46SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 345.
47FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge. Disponível em: <http://www-wds.
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Com efeito, as riquezas naturais, desde que racionalmente exploradas, abrem ao
país a oportunidade de crescimento econômico, com geração de empregos e aumento
de seu PIB.
Segundo informações obtidas, em 2007, com o Ministério do Meio Ambiente,
somente o setor da agroindústria responde por cerca de 40% do PIB brasileiro,
o setor florestal por 4% do PIB e o setor pesqueiro por 1% do PIB. Os produtos
da biodiversidade respondem por 31% das exportações brasileiras, especialmente
destacando café, soja e laranja. As atividades de extrativismo florestal e pesqueiro
empregam mais de três milhões de pessoas. Acrescente-se, ainda, que boa parte da
população brasileira utiliza-se de plantas medicinais no tratamento de problemas
de saúde.48
A importância da biodiversidade brasileira na área de saúde tem merecido a atenção crescente de pesquisadores. Recentemente, pesquisadores das universidades de
São Paulo e Federal do Rio de Janeiro concluíram que um composto extraído da
copaíba, árvore comum nas regiões Norte e Centro-Oeste, apresenta poder antiinflamatório praticamente duas vezes maior do que o dos remédios do gênero mais
populares. Os pesquisadores conseguiram, até, encapsular a substância para que ela
possa ser vendida.49
As pesquisas em torno da biodiversidade têm origem muitas vezes em práticas
tradicionalmente utilizadas por comunidades ou tribos indígenas para o desenvolvimento de produtos destinados ao seu próprio consumo ou utilização.
Desta forma, na grande maioria dos casos, as empresas e pesquisadores acabam
por auferir um grande benefício decorrente da economia de tempo e custos com as
pesquisas, ao partirem de um estágio já avançado de elaboração de seu produto.
No Brasil, existem registros do uso de plantas medicinais nativas em períodos
anteriores ao descobrimento.
O cientista francês Auguste de Saint-Hilaire, que viveu no Brasil entre 1816 e 1822,
identificou parte deste conhecimento tradicional. Destaque para um de seus relatos:
Fui informado de que havia nas Províncias de Minas e de S. Paulo pessoas
que se diziam possuidoras de um segredo para curar mordeduras de cobras
venenosas. São os curandeiros. O pároco de S. João me disse que um dos escravos de seu pai pegava impunemente com a mão qualquer cobra venenosa.
Um dia ele prendeu o homem no garrote para forçá-lo a revelar o seu segredo.
O escravo mostrou-lhe, então, uma planta, a que ele dava o nome de erva-deurubu. Depois de esfregar a erva no corpo, agarrou uma cobra com a mão,
não lhe advindo disso nenhum mal. Quando isso aconteceu o padre era ainda
muito moço e morava na Província de S. Paulo. Viajara muito, posteriorworldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.
pdf>. Acesso em: 15 fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
48BRASIL: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idMe
nu=2338. Acesso em: 11 abr. 2007.
49PEREIRA, Cilene. Copaíba contra inflamação. Revista ISTOÉ, São Paulo: Editora Três. n. 1920, p. 80, 09 ago 2006.
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mente, e quando o conheci já não se lembrava mais que tipo de planta era a
tal de erva-de-urubu.50
O uso dessa bebida é geral aqui. Toma-se ao levantar da cama e depois várias
vezes ao dia. A chaleira de água quente está sempre ao fogo e logo que um
estranho entre na casa se lhe oferece o mate. O nome de mate é propriamente
o da pequena cabaça onde ele é servido mas dão-no também à bebida ou a
quantidade do infuso contido na cabaça: assim diz-se ter tomado dois ou três
mates quando se tem esvaziado a cuia duas ou três vezes. Quanto à planta que
fornece essa bebida denominam-na erva-mate ou simplesmente erva.
[...]
Há muitos méritos nessa bebida, dita diurética, própria para combater dores
de cabeça, para amenizar os cansaços do viajante e na realidade é provável
que seu amargor torne-a estomáquica e por conseguinte necessária em uma
região onde se come enorme quantidade de carne, sem os cuidados da perfeita mastigação.51
Tais registros, entretanto, são precários e pouco divulgados entre a população brasileira, retratando a utilização tímida da biodiversidade para estes fins.
Com esta preocupação, a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) deu início ao projeto “Pesquisa e recuperação de dados e
imagens de plantas medicinais utilizadas pela população do entorno da Estrada
Real”.
Segundo a coordenadora, Maria das Graças Lins Brandão52, o projeto teve por
objeto a recuperação de dados sobre espécies vegetais nativas de Minas Gerais, utilizadas na medicina tradicional do passado, a partir de informações históricas, para
posterior registro em um livro sobre as plantas medicinais da Estrada Real. Entre as
plantas medicinais pesquisadas, e citadas pelos naturalistas, estão o Angico, Aroeira,
Barbatimão, Carapiá, Caroba, Carqueja, Cascarilha, Cassaú/Jarrinha, Copaíba, Fedegoso, Imbaúba, Índigo, Jaborandi, Japecanga, Pacová, Pau-Pereira e Sucupira. Em
decorrência do desmatamento ocorrido na região, muitas delas já não são mais encontradas e outras podem ser conhecidas por outros nomes.
A metodologia utilizada pelos pesquisadores da UFMG demonstra a dificuldade e a precariedade para a coleta de dados, pois houve a necessidade de se
basearem em registros históricos. A região escolhida, além de ter importante significado geográfico e histórico para o Brasil, apresenta muitos registros históricos
do uso de plantas medicinais no passado, tendo sido visitada, no século XIX, por
50SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1975, p. 64.
51SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1974 p. 83.
52BRANDÃO, Maria das Graças Lins. ID - Laudo: plantas medicinais nativas utilizadas na medicina tradicional de Minas Gerais. Órgão
solicitante: Coordenadoria do Grupo Especial das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural das Cidades Históricas de
Minas Gerais. Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/extranet/internet.action#df2BifMBKXwzY5ICLnwDWvMCHjhkJ9MB0vwD
K92qH9glXaJmWKc>. Acesso em: 27 fev. 2007.
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naturalistas que vieram estudar a colônia portuguesa e escreveram sobre a flora
e a fauna da região, com ricas informações sobre o uso de plantas medicinais.
Os pesquisadores iniciaram o trabalho com o exame dos registros feitos por estes naturalistas, passando, em seguida, à procura das plantas citadas e busca da
comprovação de seu uso, por meio de depoimentos colhidos com pessoas idosas,
incluindo “raizeiros” e “benzedeiras”.
A utilidade de iniciativas como esta resta demonstrada tanto pela constatação da
variedade biológica e de sua utilidade prática quanto pela necessidade de documentação
dos conhecimentos tradicionais a ela associados, o que constitui peça-chave na proteção
e distribuição dos benefícios oriundos da exploração destes recursos naturais.
Outra importante utilidade de pesquisas desta natureza é o combate à biopirataria.
Segundo a coordenadora da pesquisa, o uso de muitas plantas brasileiras como medicamentos é patenteado no exterior. As patentes só podem ser revertidas caso seja
provado que esse uso já era realizado pela população nativa. Assim, demonstrando o
uso das plantas pela medicina tradicional brasileira, o projeto poderá contribuir para
reverter patentes relacionadas a elas.53
O avanço da biopirataria na Amazônia tem sido alarmante. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a fiscalização contra o contrabando de animais e
plantes, nos portos e aeroportos, é frágil e a extensa fronteira do Brasil é vulnerável.
A comprovação do contrabando fica evidente no crescente número de patentes concedidas no exterior para produtos ou processo derivados da biodiversidade brasileira.
Conforme estudo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), relativo a 40 espécies
brasileiras, foram concedidas mais mil patentes no exterior depois de 1992. No momento, o país tenta reverter patentes sobre princípios ativos extraídos do cupuaçu, da
graviola, do murumuru, da copaíba e do jaborandi.54
Em pesquisa divulgada em outubro de 2006, denominada de Compêndio de Estatísticas de Patentes, a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento
– Organisation for Economic Co-Operation and Development (OECD) constatou o
grande aumento no registro de patentes relacionados à biotecnologia:
Em 2003, os Estados Unidos tiveram o número o mais elevado de patentes de
biotecnologia arquivados sob o procedimento do Tratado de Cooperação de
Patentes – Patent Cooperation Treaty (PCT) (43.3%) (figura 3.2.2). Japão e
Alemanha representaram 14.1% e 9.6%, respectivamente, de todos os arquivamentos de biotecnologia do PCT. Em média, Austrália, Bélgica, Canadá,
China, Dinamarca, Israel e os Estados Unidos requereram mais patentes em
biotecnologia do que em outros campos.
Em 2003, na Dinamarca, no Canadá e na Bélgica, a biotecnologia representou mais de 10% de todas as patentes arquivadas sob o PCT (figura 3.2.3).55
53 FUNDEP. Memória da medicina popular. Disponível em: <http://www.fundep.ufmg.br/homepage/cases/469.asp>. Acesso em: 28 jun. 2006.
54ESTADO DE MINAS. Disponível em: <http://www.em.com.br/emonline/estaminas/cadernos/nacional/>. Acesso em: 11 set. 2006.
55ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. Disponível em: <www.oecd.org>. Acesso em:
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As experiências negativas ocorridas no exterior têm provocado o aumento da preocupação das autoridades brasileiras com o registro de patentes de produtos naturais e
conhecimentos tradicionais a eles associados por empresas estrangeiras.
Como exemplo da preocupação com a divulgação podemos citar recentes iniciativas
do Ministério do Meio Ambiente.
Em 27 de maio de 2006, em entrevista à Rádio CBN, o diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Vélez,56 divulgou que o Governo brasileiro, buscando evitar novos casos como aquele do Cupuaçu, cujo nome foi registrado
como marca por uma empresa japonesa, enviou a diversos institutos estrangeiros, responsáveis pelo registro de propriedade intelectual em suas respectivas áreas de atuação,
uma extensa relação de substâncias nativas brasileiras.
Mais recentemente, em 7 de janeiro de 2007, o Coordenador da Área de Recursos
Genéticos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente,
Lídio Coradim,57 noticiou que um grupo coordenado pelo Ministério havia concluído
trabalho em que foram identificadas novas plantas, e conhecimentos tradicionais a elas
associados, em todo o território brasileiro. O resultado desta pesquisa, que deverá ser
divulgado brevemente tem por objetivo resguardar a titularidade dos conhecimentos tradicionais associados e fomentar a atividade empresarial de exploração comercial destas
substâncias e produtos, pelo manejo sustentável das áreas onde se localizam. Um outro
fator secundário, mas tão importante quanto os demais, é a fixação destes povos tradicionais em suas terras, por meio de alternativa de atividade econômica, evitando, assim,
o desordenado, e muitas vezes frustrado, êxito paras os grandes centros urbanos.
Desta forma, a diversidade biológica fornece produtos para exploração e consumo,
sendo importante a sua valorização, pois a redução da biodiversidade e a prática de procedimentos que impliquem em biopirataria comprometem a sustentabilidade do meio
ambiente e a disponibilidade permanente dos recursos ambientais.
No mesmo sentido, mostram-se importantes a identificação e a valorização dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Entretanto, em que pese a importância do tema, há que se ressaltar que a ausência de uma correta e precisa regulamentação jurídica tem propiciado a exploração questionável dos recursos naturais dos
países biodiversos e do conhecimento tradicional a eles associados, impondo-se a busca
urgente por um sistema normativo que propicie segurança jurídica aos detentores destes
conhecimentos, bem como aos empreendedores interessados na exploração econômica
destes recursos.
3.2. Confronto de normas
Conforme exposto, a grande questão controvertida diz respeito à utilização indiscriminada por empresas, de países desenvolvidos, dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade de países em desenvolvimento.
10 maio 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
56Disponível em: <http://cbn.globoradio.globo.com/cbn/>. Acesso em: 26 fev. 2007.
57Disponível em: <http://cbn.globoradio.globo.com/cbn/>. Acesso em: 26 fev. 2007.
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Os empreendedores, para tanto, invocam em defesa de seus procedimentos, o atual
sistema normativo de proteção à propriedade industrial, especialmente o relativo a
marcas e patentes.
Com efeito, algumas empresas têm registrado, como marca, substâncias naturais
originárias de países biodiversos.
Outras, por seu turno, têm conseguido o registro de patentes de produtos, idênticos
ou derivados de conhecimentos tradicionais.
Essas iniciativas estariam em flagrante ofensa à Convenção de Diversidade Biológica, em especial ao disposto no seu artigo 8º, “j”, que determina a cada parte contratante,
em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo
de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade
biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos
detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa
dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.
Diversos são os exemplos de utilização indevida de substâncias naturais e conhecimentos tradicionais a elas associados, como o relativo à empresa alemã Rapunzel
que, há 16 anos, registrou a propriedade intelectual da rapadura. Apenas recentemente, autoridades brasileiras tomaram conhecimento do assunto, após a denúncia de um
internauta. Atualmente, na Alemanha e nos Estados Unidos, a rapadura é comercializada como açúcar mascavo triturado. Vale destacar que o produto é importado da
empresa paulista Planeta Verde, cujo proprietário é um suíço naturalizado no Brasil.
No Rio de Janeiro, os fabricantes do produto, em sua maioria nordestinos, na Feira de
São Cristóvão, organizaram o protesto ‘’A rapadura é nossa’’. No Ceará, entretanto,
os empresários do setor ainda não têm uma articulação. Com uma produção artesanal,
a rapadura não é um item de peso nas exportações cearenses. Até novembro passado,
o produto rendeu cerca de US$ 67 mil ao Estado, apenas. Segundo o articulador de
agronegócios do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae),
Carlos Viana, a rapadura é um produto tradicional, em que poucas empresas cearenses
trabalham em larga escala. A cidade de Pindoretama, a região do Cariri e a serra da
Ibiapaba são os principais pontos de fabricação do doce no Estado, em função do grande cultivo da cana-de-açúcar. Segundo Carlos Viana, o Banco do Nordeste do Brasil
(BNB) e o Sebrae já tentaram criar um grupo informal, mas ‘’os donos de engenho
não se entendem’’. Apesar de surpreso com a notícia, Costa acredita que isso venha
‘’ferir os brios’’ dos produtores, e assim haja uma articulação dos empresários.58
A autora Gisela Mortati Castellá elenca outros exemplos:
Dentre os casos mais conhecidos, estão o patenteamento da ‘quinua’, uma
planta de alto valor nutritivo e de utilização tradicional na alimentação de comunidades bolivianas e de outros países andinos, cuja patente foi concedida a
dois professores da Universidade de Colorado, Duane Johnson e Sara Ward.
58Disponível em: <http://www.sfiec.org.br/clipping/edicoes/Dezembro%202005/Clipping_261205.Html#9>. Acesso em: 27 fev. 2007.
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Existem outros inúmeros exemplos em nível nacional como: a andiroba (Carapa guianensis Aubl) usada pelos povos da Amazônia como repelente de insetos,
contra febre e como cicatrizante, mas que a Rocher Yves Vegetable registrou
nos EUA, Europa e Japão a patente sobre a produção de cosméticos ou remédios que usem o seu extrato; o cupuaçu (Theobroma grandiflorum) considerada uma fruta exótica da Amazônia, que foi patenteada pela Asahi Foods,
que produz o cupulate, chocolate de cupuaçu, e a empresa britânica The Body
Shop patenteou o extrato da fruta para produção de cosméticos; o ayahuasca
(Banisteriopsis caapi), cipó alucinógeno usado há quatro séculos em cerimônias religiosas de 300 tribos indígenas e em rituais de Santo Daime, mas
foi patenteado pela empresa americana Internacional Plant Medicine Corp;
o Curare, mistura de ervas guardada em sigilo pelo índios e usadas na ponta
das flechas como veneno para mobilizar a presa, foi patenteada na década de
40 e é usado na produção de relaxantes musculares e anestésico cirúrgico; a
quebra-pedra (Phyllantus niruri Linn) usada pelos índios para tratar problemas hepáticos e renais, mas foi patenteada por uma empresa americana para
a fabricação de medicamento para hepatite B3. Esse são alguns dos inúmeros
exemplos de plantas nativas brasileiras que foram retiradas ilicitamente do
território nacional por instituições e empresas internacionais que utilizaram
o próprio sistema patentário vigente, legitimando uma situação jurídica (que
um terceiro considera-se legítimo proprietário ou titular de um direito) injusta
e questionável do ponto de vista dos princípios da CDB.59
As empresas estrangeiras que têm utilizado os produtos naturais indevidamente
não respeitam nem mesmo o TRIPs, que, em seu artigo 27.3(b), autoriza que seus
membros recusem as patentes de plantas e animais.
No que se refere à impossibilidade de patenteamento de produtos naturais, cumpre
destacar que na Europa e na América admite-se, com reserva, o registro de patentes
de tais produtos. O fundamento jurídico para tanto decorre da interpretação de que
seriam substâncias químicas.
Em alguns casos, busca-se provar que o “produto natural” teria sofrido a intervenção
humana.
Destaque para o entendimento doutrinário:
Na Europa e na América do Norte, que têm maior experiência no patenteamento
de substâncias aparentemente naturais, nunca houve qualquer tipo de exclusão
blanket de invenções com o argumento de que, por não serem 100% feitas pelo
homem, não poderiam ser invenções. Por exemplo, a adrenalina foi patenteada
pela primeira vez em 1903 e a insulina em 1923. Pouco depois da Segunda
Guerra Mundial, a Merck obteve patentes de dois produtos extraídos de um
59CASTELLÁ, Gisela Mortati. Alternativas legais como proteção jurídica aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
Direito Federal. Revista da AJUFE. Brasília: Associação dos Juízes Federais do Brasil, ano 22, n. 78, p. 110-111, 2004.
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microorganismo chamado Streptomyces griseus: o antibiótico estreptomicina e
a vitamina B12. Embora se presumisse, em geral, que coisas vivas não poderiam
ser patenteadas, ocasionalmente alguns países conferiam patentes para plantas
e microorganismos. Os Estados Unidos tinham até um sistema de patentes de
plantas desde uma data tão precoce como 1930. Mas, na maior parte do século
XX, a situação legal na Europa e nos Estados Unidos era incerta. A partir dos
anos 70, entretanto, as coisas ficaram mais claras quando o alcance da proteção conferida pela patente foi ampliado, não só para os produtos de microorganismos, mas para os próprios microorganismos, seguidos mais tarde pelas
plantas e animais. Quanto às seqüências de DNA, elas começaram a aparecer
em solicitações de patentes por volta de 1980.60
No bojo de toda esta controvérsia, há que se destacar que recentemente, no Brasil,
teve solução amigável um caso que caminhava para ser o primeiro precedente jurisprudencial sobre conhecimento tradicional associado à biodiversidade.
Feirantes do Mercado Ver-o-Peso, de Belém/PA, acusaram a empresa de cosméticos Natura de se apropriar indevidamente de seu conhecimento tradicional.
A polêmica teve início há cinco anos, quando pesquisadores da Natura visitaram o
mercado de Belém e gravaram depoimentos com vendedoras de ervas, pagando-lhes
R$ 500,00 (quinhentos reais) pela cessão dos direitos de imagem.
Algum tempo depois, a Natura lançou o perfume e a água de banho de breu branco, uma das ervas vendidas na feira, com base supostamente no conhecimento obtido
com as feirantes.
Alertadas por representantes da OAB de Belém, quanto aos seus possíveis direitos, as feirantes passaram ao conflito com a empresa.
Após alguns embates administrativos (não houve o ajuizamento de ação), a
Natura reconheceu que os produtos em questão teriam como origem o conhecimento tradicional, aceitando repartir com as feirantes os benefícios do uso de
seus conhecimentos com o breu branco, a priprioca e o cumaru. O acordo foi feito
em reunião com participação de representantes do grupo de ervas do Ver-o-Peso,
Ministério Público do Estado do Pará, Ministério Público Federal e 4ª Câmara do
Ministério Público Federal, empresa Natura e a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), Seção Pará, representada pela presidente da Comissão de Bioética e Proteção do Biodireito, Eliane Moreira.61 A associação Ver as Ervas tem 102 trabalhadores e 80 barracas na feira do Ver-o-Peso. É um negócio que passa de pai para
filho. Apenas quatro famílias controlam a venda. Quase todos são parentes entre
si. A barraca de Deusa - que aprendeu a fazer perfumes aos nove anos - chega a
faturar R$ 300 por dia.62
60DUTFIELD, Graham. Repartindo benefícios da biodiversidade: qual o papel do sistema de patentes?. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros;
VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 67-68.
61PARÁ: OAB/PA. Disponível em: <http://www.oab.pa.org.br>. Acesso em: 10 abr. 2007.
62Disponível em: <http://txt.estado.com.br/editorias/2006/10/20/eco-1.93.4.20061020.12.1.xml>. Acesso em: 27 fev. 2007.
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Merece destaque, ainda, outro caso de solução pacífica, ocorrido na Índia, onde
uma entidade concordou em pagar 50% (cinqüenta por cento) da renda da licença e
dos royalties de um produto obtido através do acesso ao conhecimento tradicional
dos Kani, um grupo étnico de cerca de 16.000 (dezesseis mil pessoas), localizado no
sudoeste do país:
O produto ‘Jeevani’, que é baseado no conhecimento tradicional dos Kani na
Índia, ilustra o resultado comercial, tão bem quanto o científico, que as pessoas envolvidas neste trabalho esperam conseguir.
O Kani é um grupo étnico de cerca de 16.000 pessoas que vivem no sudoeste
da Índia.
Trabalhando primeiramente com os três consultores de Kani, o Jardim Botânico Tropical e Instituto de Pesquisa (TBGRI) da Índia aprendeu as propriedades antifadiga de uma planta selvagem. Desta planta o TBGRI desenvolveu
a droga ‘Jeevani’. Quando o TBGRI transferiu os direitos de fabricação ao
Coimbatore Ltd. do Pharmacy de Aryavaidya, TBGRI concordou em partilhar
50-50 a renda da licença e do royalty com o Kani. Demorou um instante para
que os vários clans de Kani concordassem, mas a tempo estabeleceram Kerala
Kani Samudaya Kshema Trust para controlar esta renda.
Até 2001, a sociedade – inteiramente controlada por Kani - recebeu 1.350.000
rupees indianos (IRs; cerca de US$30,000) dos royalties e das taxas. Esta
renda foi investida em uma conta de fins lucrativos, e somente o lucro da conta
é gasto.
A sociedade financiou vários esquemas de negócio próprio para a desempregada juventude de Kani e forneceu o auxílio financeiro especial de IRs
25.000 para o bem-estar de duas crianças tribais cuja a mãe foi morta por um
elefante selvagem. Pagou também IRs 50.000 aos três consultores de Kani que
forneceram o conhecimento inicialmente para a TBGRI.
Como as vendas de ‘Jeevani’ cresceram, assim há demanda para o material
cru. O departamento da floresta concordou atualmente em os Kani cultivar a
planta e vender as drogas cruas em forma semiprocessada ao fabricante. Este
projeto de cultivo, coordenado pela sociedade, fornecerá a renda adicional
ao Kani.
O conhecimento tradicional dos Kanis não seria apropriado para uma patente. A equipe de pesquisa da TBGRI isolou o ingrediente ativo na planta,
desenvolveu uma formulação herbal apropriada para a aplicação medicinal,
e patenteou esta descoberta. Como a Índia não tinha legislação que protegesse o conhecimento da tribo, esta não teria nenhum meio legal para reivindicar uma parte nos rendimentos da patente. TBGRI – criada para sustentar
a bioprospecção e para resguardar os interesses de comunidades indígenas
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– fornecem um modelo alternativo ao acesso estritamente legal seguida no
Ocidente.63
Depreende-se, portanto, que os casos controversos solucionados tiveram amparo
na conciliação, posto que a nebulosidade do atual sistema normativo impede a regulação clara do acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade, provocando a insegurança jurídica das partes envolvidas.
3.3. Soluções propostas pela doutrina
As soluções para o problema, sugeridas pela doutrina, não se mostram uniformes.
Há, até mesmo, quem defenda a utilização do instituto das “indicações geográficas” como forma de proteção ao conhecimento tradicional. O próprio autor da sugestão, contudo, constata a inviabilidade da implementação da iniciativa no estágio atual
de desenvolvimento:
Indicações geográficas podem-se configurar alternativa de competitividade para produtos ou serviços oriundos de comunidades tradicionais da Amazônia. Essas comunidades, no entanto, estão, na maior parte
das vezes, presas a estruturas sociais arcaicas e pouco integradas por
infra-estruturas eficientes de transporte e comunicação, enfrentando uma
grande discrepância entre seu meio técnico-científico-informacional e o
presente no resto do País, em especial no Centro-Sul. O comércio dos
produtos ou serviços desses povos restringe-se, via de regra, ao público
local ou, no máximo, regional. A falta de experiência com o mercado consumidor mais amplo reforça a manutenção de métodos de produção pouco
eficazes e, algumas vezes, incompatíveis com as exigências dos consumidores de grandes centros urbanos. Por essas razões, trabalhos visando ao
reconhecimento de indicações geográficas na Amazônia devem voltar-se
simultaneamente à melhoria da qualidade dos processos produtivos e das
infra-estruturas de transporte e comunicação (em alguns casos, de beneficiamento e de estocagem também), além das imprescindíveis harmonização dos produtores e valorização do meio ambiente natural e humano
característicos da área.64
As correntes majoritárias apresentam, em síntese, três possíveis soluções para a
controvérsia: a) a utilização do TRIPs; b) a utilização do TRIPs com alterações; e c) a
utilização de um sistema sui generis.
63FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge (Kerry ten Kate and Sarah A Laird
(2004): Bioprospecting Agreements and Benefit Sharing with Local Communities). Disponível em: <http://www-wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.pdf>. Acesso em: 15
fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
64GIUNCHETTI, Camila Serrano. Indicações geográficas: uma abordagem pragmática acerca de sua apropriação por comunidades tradicionais da Amazônia. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade intelectual. Estudos em homenagem à Professora Maristela
Basso. Curitiba: Juruá, 2005, p. 67.
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3.3.1. Utilização do TRIPs
Uma corrente mais conservadora, representada por Megan Bowman65, entende
como aplicável à proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade o regime geral de propriedade intelectual, desde que utilizado de forma flexível.
Para seus defensores, a concessão da patente sobre um produto derivado do conhecimento tradicional não traria prejuízo à respectiva comunidade indígena ou local,
pois protegeria o produto da utilização por terceiros.
Os críticos a esta posição, entre eles Juliana Santilli, Tatyana Scheila Friedrick
e outros, entendem que seria impossível proteger os conhecimentos tradicionais, no
bojo de um sistema que privilegia aquele que obtém a patente em primeiro lugar, impedindo, assim, a utilização de tais conhecimentos, que originalmente são coletivos e
compartilhados.
A dificuldade de adoção do TRIPs pelos países em desenvolvimento é assim externada pela doutrina:
Os países em desenvolvimento e em menor desenvolvimento relativo têm dificuldades em implementar as flexibilidades do TRIPS e da Declaração de
Doha em seus ordenamentos internos. Têm também dificuldades de resistir
às pressões e ameaças bilaterais e não parecem preparados para promover
em nível doméstico planos de desenvolvimento e assistência técnica orientada
para a propriedade intelectual.
É fundamental, portanto, que esses países revejam suas capacidades e definam suas necessidades para obter resultados mais adequados à sua realidade
nacional e regional.
[...]
É preciso que se encontre um novo modelo de proteção dos direitos de propriedade intelectual por meio do qual se possa recompensar e proteger os
conhecimentos tradicionais locais do hemisfério Sul e que possa diminuir as
vulnerabilidades dos países em desenvolvimento e em menor desenvolvimento
relativo e de certas regiões.66
Vejam-se as críticas da doutrina brasileira em relação à utilização do TRIPs para
a solução do problema:
Alega-se que os direitos de propriedade intelectual (DPI), tal como concebidos
pelo Acordo TRIPS, excluem os conhecimentos coletivos, comuns em comunidades camponesas e indígenas, onde são repassados de geração para geração.
65BOWMAN, Megan. Intellectual property rights, plant genetic resources and international law: potential conflicts and options for reconciliation. In: KIERKEGAARD, Sylvia Mercado. Business law & technology: present and emerging trends. Dinamarca: Copenhagen, v. 1,
2006, p. 36. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
66BASSO, Maristela. Propriedade intelectual na era pós-OMC. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 111-112.
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Conforme declara o preâmbulo do acordo, os DPI são reconhecidos apenas
como direitos privados, isso exclui todos os tipos de conhecimento, idéias e inovações que acontecem nas ‘terras comunitárias intelectuais’ – nos povos entre
os lavradores, nas florestas entre os povos tribais, e até mesmo nas universidades entre os cientistas. O acordo sobre os TRIPS é, portanto, um mecanismo
para a privatização das ‘terras comunitárias intelectuais’ e a desintelectualização da sociedade civil. A mente se torna um monopólio das grandes empresas.
Os países em desenvolvimento denunciam ainda a tendência, em parte causada pelo modelo TRIPS, de supressão da diversidade local por variedades
patenteadas; de transformações na convivência ecológica de organismos patenteados e geneticamente modificados, afetando a biodiversidade e criando novas formas de poluição; de controle de mercado pelo seleto grupo de indústrias
beneficiadas pelo Acordo TRIPS, dificultando novas invenções criadas por novas indústrias.67
Para Juliana Santilli,68 seria impossível conferir proteção jurídica eficaz aos conhecimentos tradicionais a partir de um sistema baseado na lógica de que quem primeiro obtém a patente passa a deter o monopólio sobre sua utilização, inviabilizando
a utilização dos conhecimentos coletivos por terceiros.
Megan Bowman, em recente trabalho apresentado na International Conference on
Business, Law and Technology (IBLT) realizado em Copenhagen/ Dinamarca, entre
os dias 5 e 7 de dezembro de 2006, defende que a solução ideal passaria pela utilização flexível e eqüitativa de dispositivos do TRIPs:
Embora os textos do TRIPS e da CBD forneçam pouca orientação a respeito de
como executar suas estipulações, e a jurisprudência recente da WTO não seja
inteiramente elucidatória tampouco, pode-se ver que os princípios overarching expostos em cada acordo guiam sua execução com um sabor permeado da
flexibilidade e da eqüidade. A esta extensão, as estipulações específicas tais
como os artigos 67 e 30 do TRIPS podem ser mais inteiramente utilizados no
futuro, a fim de conseguir a consonância praticável entre estes dois instrumentos internacionais importantes. 69
A autora reconhece que as normas de propriedade intelectual, isoladamente, não
permitiriam a solução dos problemas hoje enfrentados, posto que faltariam aos conhecimentos tradicionais os requisitos de patenteabilidade:
67FRIEDRICK, Tatyana Scheila; FONSECA, Karla Closs. Regulamentação da propriedade intelectual: uma análise crítica. In: CARVALHO,
Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade intelectual. Estudos em homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba: Juruá, 2005, p. 67.
68SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 354.
69BOWMAN, Megan. Intellectual property rights, plant genetic resources and international law: potential conflicts and options for reconciliation. In: KIERKEGAARD, Sylvia Mercado. Business law & technology: present and emerging trends. Dinamarca: Copenhagen, v. 1,
2006, p. 36. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
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Em cima da análise das provisões relevantes da CDB e do TRIPS, pode-se
concluir que uma solução harmoniosa seria conceder DPIs aos governos do
país em desenvolvimento sobre seus recursos genéticos biológicos. Assim procedendo, não somente estarão as provisões do TRIPS honradas, mas a biodiversidade tem o novo valor e os países de origem podem receber aluguéis
exclusivos e legitimados de seus recursos. Entretanto, a realidade é que as leis
atuais da propriedade intelectual não acomodam este cenário.
As características de uma patente são: (1) inventividade; (2) novidade; (3)
não-obviedade, por meio de que a invenção não é óbvia a uma pessoa da
habilidade ordinária na arte naquele tempo; e (4) a descrição fornecida permitiria um uso do conhecimento da pessoa da invenção na melhor modalidade
(Kruger, 2001). Neste sentido, o TRIPS não permite patenteamento dos recursos genéticos da planta devido ao fato que o germoplasma cru é um “produto
da natureza”, que não é patenteável sob a lei de propriedade intelectual atual.
(Gulati, 2001). Em segundo, não há nenhum elemento de novidade, invenção
ou não-obviedade em um recurso genético de planta existente na selva ou em
sua forma natural, sem nenhum trabalho ou esforço adicional, e pode também ser conhecido para as comunidades tradicionais (Ibid). Como tal, o único
produto que é patenteável é o produto secundário derivado do recurso genético, em conseqüência da inovação humana e do trabalho intelectual.70
Conclui afirmando que a utilização das exceções previstas no artigo 27.1 do TRIPs
viabilizariam a harmonização do sistema patentário com a CDB:
Como descrito acima, a larga proteção da patente conferida pelo Artigo 27.1
do TRIPS é qualificada por diversas categorias de isenção. Estas isenções
podem ser utilizadas para facilitar a harmonia entre os princípios do TRIPS
e da CBD. As exceções devem ser utilizadas consistentemente com relação
aos produtores domésticos e estrangeiros, conforme ao princípio nacional do
tratamento (TRIPS, artigo 3º).
[...]
No contexto do reconciliação de CBD-TRIPS, minha alegação é que o artigo 30
pode autorizar compartilhamento dos lucros e de tecnologias patenteadas com
os países de origem. Este deve ser contrastado com a disputa do Canadá, em
Canadá Pharmaceuticals, em que o artigo 30 autoriza a exploração de produtos farmacêuticos patenteados sem compensação (na veia de licenciamento
compulsório e de stockpiling). Neste sentido, a utilização do artigo 30 poderia
conseguir a consonância entre a CDB e o TRIPS (a) permitindo patentear de
70BOWMAN, Megan. Intellectual property rights, plant genetic resources and international law: potential conflicts and options for reconciliation. In: KIERKEGAARD, Sylvia Mercado. Business law & technology: present and emerging trends. Dinamarca: Copenhagen, v. 1,
2006, p. 30. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
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recursos genéticos por países ricos em tecnologia e (b) assegurando flow-back
de tecnologia e dos lucros derivados da exploração daqueles recursos genéticos
ao país de origem em termos concessionários ou preferenciais. Ou seja, o artigo
30 poderia ser o complemento perfeito para o compartilhamento de benefícios
sob a CDB e coesiva extensão dos artigos 7, 8.1 e 67 do TRIPS. 71
A utilização do TRIPs de forma flexível, adequando-o aos princípios da CDB, parece, de fato, ser a melhor solução, considerando-se principalmente a grande dificuldade
em se construir mundialmente um novo regime normativo, seja em que área for.
Vejamos, todavia, as demais soluções propostas.
3.3.2. Utilização do TRIPs com alterações
Uma segunda corrente entende que o sistema de patentes seria aplicável com algumas adaptações.
Esta tem sido a posição da Organização Mundial do Comércio e da Organização
Mundial de Propriedade Intelectual. Esta última, para tratar do tema, criou o Comitê
Intergovernamental sobre a Propriedade Intelectual.
As adaptações ao TRIPs consistiriam, em síntese, na exigência de consentimento
prévio para a concessão de patentes e na previsão de uma forma de retribuição ou
remuneração pelos benefícios obtidos.
No bojo de discussões doutrinárias, tal modelo é, eventualmente, denominado de sui
generis, dadas as suas características que muito se aproximam do novo sistema jurídico
de mesmo nome, que se pretende construir e que será tratado no próximo tópico.
A doutrina defende a utilização da lei de patentes com a complementação de exigência do acesso consentido:
A seleção de aplicações de patentes para o conhecimento tradicional pôde ser
melhorada em diversas maneiras. Uma sugestão é uma exigência do consentimento para a patenteabilidade. Quando parece que uma invenção para a qual
uma patente é requerida está baseada na herança biológica ou genética de
uma comunidade tradicional, uma cópia do contrato propiciando acesso aos
recursos biológicos do país de origem deve ser mostrada.
As bases de dados do conhecimento tradicional ajudam a protegê-los de uso
desautorizado.
A WIPO implementou o Portal WIPO de Conhecimento Tradicional para ajudar
os usuários a encontrar e usar tal conhecimento. Tais bases de dados facilitam a
demonstração que uma alegada invenção não é nova. O professor Peter Drahos
sugeriu uma etapa adicional, em que fosse estabelecida uma coleção global
da sociedade, talvez vinculado ao Banco Mundial. Uma coleção da sociedade
71BOWMAN, Megan. Intellectual property rights, plant genetic resources and international law: potential conflicts and options for reconciliation. In: KIERKEGAARD, Sylvia Mercado. Business law & technology: present and emerging trends. Dinamarca: Copenhagen, v. 1,
2006, p. 33. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
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poderia ser um repositório para bases de dados das comunidades e facilitaria
contatos entre companhias e grupos sobre o uso de tal informação.
Visser revê também o uso possível de diversos outros dispositivos legais (tais
como a lei de segredos de comércio) que podem ser usados para proteger o
conhecimento tradicional que tem possível aplicação comercial.
Muitas leis de patente permitem que as aplicações de patente sejam vedadas
para os usos que são culturalmente ofensivas. Na Nova Zelândia, por exemplo,
o escritório da propriedade intelectual tem normas para as patentes baseadas
na flora indígena, na fauna, e nos materiais não orgânicos que direcionam os
examinadores da patente para considerar se a aplicação parece ter significado
cultural ou espiritual para os Maori. Quando tal aplicação pode ser ofensiva aos
Maori, os pretendentes devem ser recomendados das condições e lhes é dada a
oportunidade de obter o consentimento da autoridade Maori competente.
As patentes, entretanto, são concedidas país a país, e a restrição ou o consentimento impostos no país em que o conhecimento tradicional originou-se (por
exemplo, restringir na Nova Zelândia de encontro aos interesses Maori) não
transporta automaticamente para as aplicações de patente em outros países.72
A solução harmônica entre CDB e TRIPs é também sugerida por Maristela Basso:
Brasil, Índia, Paquistão, Peru, Tailândia e Venezuela, seguidos por Cuba e Equador, apresentaram uma nova proposta para a consideração e análise do Conselho
para o TRIPS, abordando a relação entre o Acordo TRIPS e a Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB). Isso se estende à ampla proposta apresentada em
março de 2004, em seguida contestada por Estados Unidos e Japão, os quais
sugeriram uma lista com tópicos de questões sobre negociações a respeito da
biodiversidade, incluindo divulgação de fontes e origem dos recursos biológicos,
provas sobre consentimento prévio e compartilhamento de benefícios.
Essa nova proposta explora em detalhes as condições para divulgação da origem de recursos genéticos e quaisquer formas de conhecimento tradicional
utilizadas em uma determinada invenção.
Uma das maiores preocupações dos países em desenvolvimento é justamente
a concessão de patentes para invenções que utilizem material genético e
conhecimento tradicional, assim como o déficit de observância da Convenção pelos países membros da OMC. É importante destacar que os objetivos
da CDB fundam-se na proteção e no uso do conhecimento tradicional, os
quais poderiam estar direta e indiretamente prejudicados com uma expan72FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge. Disponível em: http://www-wds.
worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.pdf.
Acesso em: 15 fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
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são inadequada da proteção patentária sobre tais categorias de invenções.
Por outro lado, a OMC já destacou a importância da relação harmônica
entre os Acordos constantes da Ata Final da Rodada Uruguai e os acordos
multilaterais sobre meio ambiente. Esse dado seria um indício de que o Conselho venha admitir a relação harmônica entre o Acordo TRIPS e a CDB.73
A alteração do TRIPS, para melhor adequá-lo aos princípios da CDB, apresenta-se
como boa alternativa à solução dos conflitos, mas não definitiva em face das inúmeras
distinções entre os dois instrumentos, principalmente em relação ao seu objeto. Há
que se acrescentar, ainda, que tal medida não se mostra de fácil implementação, em
razão da necessidade de adesão maciça da comunidade internacional.
Neste sentido, há de se buscar uma solução paleativa com grande mobilização
internacional, melhor seria a flexibilização das atuais regras, conforme sugerido no
tópico anterior, até que se tenha um regime própria para regulação do tema.
3.3.3. Utilização de um sistema sui generis
Há quem entenda, contudo, que somente um novo e específico regulamento geral
poderia tratar adequadamente do tema, compatibilizando a CDB com o TRIPS.
Os defensores desta corrente defendem o estabelecimento de regras, já consagradas na CDB, que exijam, para o reconhecimento de patentes, a identificação da fonte
do conhecimento tradicional utilizado; a prova da obtenção do consentimento prévio
e a repartição justa dos benefícios obtidos.
Tal modelo é chamado de sui generis pela doutrina, que destaca seus três princípios básicos: consentimento prévio informado; termos mutuamente acordados e compartilhamento dos benefícios.
Sobre o tema, veja-se a lição de J. Michael Finger:
As vendas globais de produtos farmacêuticos derivados dos recursos genéticos
excedem US$75 bilhões por ano. Adicionados outros produtos de cuidados de
saúde, agrícolas, horticulturas, e os produtos da biotecnologia e o total chega
a mais do que US$500 bilhões por ano. Muitos destes produtos têm origem
nos conhecimentos que as comunidades tradicionais possuem em como usar
materiais naturais como remédios, alimentos e preservativos, apesar destas
comunidades receberam rendimentos mínimos de tais vendas.
O quarto de século passado testemunhou a ação política considerável para
ajudar as comunidades tradicionais a obter um melhor proveito da aplicação
comercial de seu conhecimento e do material genético encontrado nas áreas
que ocupam. (a seguir um exemplo para explicar o significado do conhecimento tradicional e do material genético: os nativos do San do Kalahari africano
têm usado por muito tempo a planta de Hoodia para afastar a fome e a sede
73 BASSO, Maristela. Propriedade intelectual na era pós-OMC. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 81/82.
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em viagens de caça. A planta de Hoodia é material genético; usá-la e como
usá-la é conhecimento tradicional).
O movimento deu origem a três princípios básicos no acesso comercial a materiais genéticos e conhecimento tradicional: consentimento previamente informado,
termos mutuamente concordados, e compartilhamento do benefício. Os princípios
encontraram expressão em um número de saídas políticas, variando dos acordos
internacionais tais como a Convenção em Biológica Diversidade (CBD) às declarações e às indicações das demandas das organizações de pessoas indígenas.
Um número de agências fizeram o trabalho extenso para planejar maneiras de
aplicar estes princípios. Por exemplo, o estudo extenso na World Intellectual
Property Organization (WIPO) conduziu a diversos programas concretos, tais
como um para criar uma base de dados eletrônica das cláusulas para contratos no uso de recursos genéticos. Os pesquisadores desenvolveram um número
de códigos de ética e de normas de pesquisa através das sociedades profissionais tais como a Sociedade Internacional de Etinobiologia. Um número de
companhias de biociência desenvolveu políticas corporativas que externam a
sua aproximação com o tratamento do conhecimento tradicional e particularmente como irão se adequar à CBD.74
Juliana Santilli75 sugere os seguintes elementos fundamentais para a construção
de um sistema sui generis: o pluralismo jurídico, através do reconhecimento e fortalecimento das normas internas e do direito costumeiro, não-oficial, dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais; o respeito aos sistemas próprios de
representação; o livre intercâmbio e troca de informações entre as próprias comunidades tradicionais; a distinção entre direitos intelectuais coletivos de conteúdo moral e
patrimonial e o respeito à autonomia de vontade dos povos tradicionais e a requisitos
essenciais de validade de atos jurídicos.
Em que pese o anseio dos países-membros da CDB em criar um regime jurídico sui
generis, que seria adequado aos conflitos específicos relacionados ao tema, tal iniciativa
seria de difícil implementação em face da prévia e sólida existência do regime geral da
propriedade intelectual, que tem como defensores fortes organizações como a OMPI, a
OMC e a OECD. Este é o ensinamento de Ana Rachel Teixeira Mazaudoux:
Os países e os organismos andam juntos, nos níveis internacionais, regionais
ou nacionais, para a adoção e a criação de um sistema jurídico que possa
permitir a proteção destes conhecimentos e, ao mesmo tempo, facilitar o seu
74FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge (Kerry ten Kate and Sarah A Laird
(2004): Bioprospecting Agreements and Benefit Sharing with Local Communities). Disponível em: <http://www-wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.pdf>. Acesso em: 15
fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
75SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 357-369.
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acesso e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios decorrentes de seu uso.
Por óbvio, muitos caminhos são propostos, mas poucos são susceptíveis de
agradar a gregos e troianos.
Cada Organismo que trata dos conhecimentos tradicionais associados, o faz
dentro de uma ótica própria, baseado em interesses (de seus membros) específicos sobre o tema, que resulta na existência de três caminhos ou regimes possíveis
e propostos ao desempenho do papel de tutor dos conhecimentos tradicionais,
quais sejam: 1) regime de Propriedade Intelectual convencional; 2) Regime sui
generis de Propriedade Intelectual e 3) Regime sui generis distinto.
Se por um lado a tendência no seio da Conferência de Partes (COP) da
CDB, confirmada pelas suas duas últimas reuniões, em Kuala Lumpur
(2004) COP-7 e em Curitiba (2006) COP-8, é no sentido de definir as bases
de um regime sui generis de proteção, o qual será dotado de componentes
gerais, a serem utilizados, adaptados e transformados em forma de normas específicas a serem estabelecidas em nível nacional. Por outro lado, a
OMPI, através de seu Comitê Intergovernamental sobre a Propriedade Intelectual, Conhecimento Tradicional e o Folclore, sustenta a utilização, tanto dos instrumentos clássicos do Direito de Propriedade Intelectual (DPI)
quanto dessas ferramentas jurídicas modificadas, visando a sua adequação
à natureza diversa e coletiva dos conhecimentos tradicionais associados aos
recursos genéticos e criando, assim, um regime de propriedade intelectual
sui generis.
No entanto, entre os regimes jurídicos supracitados, o de Propriedade Intelectual é o mais conhecido, o mais potente e um dos mais defendidos. Este
sistema já dispõe no mundo inteiro de uma existência concreta, bem como de
defensores aguerridos, constituídos na sua maior parte de países desenvolvidos, os quais além de possuírem um regime jurídico de propriedade intelectual
extremamente avançado, têm uma grande influência no curso das negociações
no seio da OMPI e da OMC, onde esse regime vem, indubitavelmente, em
primeiro lugar.76
Não parece haver dúvida, que em face das especificidades do tema, melhor seria
a existência de um sistema normativo próprio, que a doutrina passou a denominar sui
generis.
Entretanto, conforme já afirmado, muitas seriam as dificuldades para sua implementação, o que demandaria um longo período de discussão.
Neste sentido, repita-se, melhor seria a aplicação do atual sistema normativo
da propriedade intelectual, de forma flexível, até que tenhamos o almejado regime
sui generis.
76TEIXEIRA MAZAUDOUX, Ana Rachel. Proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais associados. questões essenciais em matéria
de propriedade intelectual. In: BENJAMIM, Antônio Herman (Org.). Direitos humanos e meio ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2006, p. 335-336.
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3.4. O sistema em desenvolvimento no Brasil
Conforme já exposto, a partir da edição da Medida Provisória n. 2.186-16 e com
o Decreto n. 3.945, ambos de 2001, foi assegurada proteção ao conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio
genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN.
Compete ao CGEN deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético, mediante anuência prévia de seu titular;
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia de seu titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do
patrimônio genético à instituição nacional, pública ou privada, que exerça
atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois
anos, renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento;
d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado à
instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa
e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional,
pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável por
iguais períodos, nos termos do regulamento;
e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas biológicas e afins:
1. a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado;
2. a remeter amostra de componente do patrimônio genético para instituição
nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior;
f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de
amostra de componente do patrimônio genético;
O mesmo ato normativo, entretanto, dispôs, no artigo 8º, § 4º, que “a proteção ora instituída não afetará, prejudicará ou limitará direitos relativos à propriedade intelectual”.
Desta forma, após a edição da medida provisória, tanto o CGEN quanto o INPI
tiveram atuações paralelas, sem qualquer regulamentação conjunta.
Somente em janeiro de 2007, conforme já exposto, entraram em vigor a Resolução n. 23/2006 do CGEN, que impõe ao requerente do pedido de patente a obrigação
de declarar ao INPI, que cumpriu as determinações da Medida Provisória n. 2.186-
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16/2001, e a Resolução n. 134/2006 do INPI que impõe ao requerente a obrigação de
declarar se o objeto do pedido de patente foi obtido, ou não, em decorrência de um
acesso à amostra de componente do patrimônio genético nacional.
A resolução do INPI, complementando a resolução do CGEN, dispõe que o requerente de pedido de patente depositado a partir da data de vigência daquela outra
resolução deverá declarar se o objeto do pedido de patente foi obtido, ou não, em
decorrência de um acesso à amostra de componente do patrimônio genético nacional,
realizado a partir de 30 de junho de 2000.
Em 7 de fevereiro de 2007, foi publicado o Decreto n. 6.040, que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
O Decreto n. 6.040/2007, em seu artigo 1º, dispôs que as ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) deverão ocorrer de forma
intersetorial, integrada, coordenada e sistemática.
O ato normativo determinou, ainda, como princípios, o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades
tradicionais, levando-se em conta, entre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e atividades laborais, bem
como a relação desses em cada comunidade ou povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as diferenças dos mesmos grupos, comunidades ou povos ou,
ainda, instaurar ou reforçar qualquer relação de desigualdade; a visibilidade dos povos
e comunidades tradicionais deve se expressar por meio do pleno e efetivo exercício da
cidadania; o reconhecimento e a consolidação dos direitos dos povos e comunidades
tradicionais; a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos direitos
dos Povos e Comunidades Tradicionais nas diferentes esferas de governo; a promoção
dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus
direitos e interesses; a contribuição para a formação de uma sensibilização coletiva
por parte dos órgãos públicos sobre a importância dos direitos humanos, econômicos,
sociais, culturais, ambientais e do controle social para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Em seu artigo 3º, a referida norma expõe a preocupação com pontos nevrálgicos
da questão debatida, ao definir como objetivos específicos a garantia aos povos e
comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica; o reconhecimento, com celeridade, a auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, de
modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos; e o
reconhecimento, proteção e promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais.
No dia 8 de fevereiro de 2007, foi publicado o Decreto n. 6.041, que institui a
Política Nacional de Desenvolvimento da Biotecnologia, criou o Comitê Nacional
de Biotecnologia e consagrou, em seu artigo 1º, § 3º, IV, “d”, a necessidade de va-
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lorização e promoção do uso sustentável da biodiversidade brasileira com vistas ao
desenvolvimento econômico e social do País, em particular para a competitividade da
bioindústria brasileira, respeitando-se os direitos e obrigações decorrentes das atividades de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, a
garantia aos direitos das comunidades tradicionais e povos indígenas, a sua inclusão
no processo produtivo e a repartição de benefícios resultantes da exploração econômica dessas atividades.
No anexo ao Decreto n. 6.041/2007, foram elencados como objetivos específicos da PNDB o aperfeiçoamento da legislação de acesso ao patrimônio genético,
aos conhecimentos tradicionais associados e de repartição de benefícios como
forma de estimular e promover o uso sustentável da biodiversidade brasileira e
de garantir os direitos das comunidades tradicionais e povos indígenas; o estabelecimento de legislação de valorização dos conhecimentos tradicionais e de
proteção dos direitos das comunidades tradicionais e povos indígenas sobre seus
conhecimentos; o aperfeiçoamento e fortalecimento do processo de controle de
importação e exportação de material biológico para garantir segurança, soberania e agilidade na pesquisa biotecnológica; a garantia da repartição de benefícios
relacionada às aplicações biotecnológicas, sendo direcionados recursos para conservação da biodiversidade, valorização e promoção dos conhecimentos e práticas tradicionais de uso da biodiversidade e a discussão e disseminação entre as
instituições científicas, as empresas e as comunidades indígenas, quilombolas e
locais as legislações de acesso, repartição de benefícios e valorização dos conhecimentos tradicionais associados, de modo a garantir respeito aos direitos das
comunidades e do consentimento prévio fundamentado.
Tais normas, contudo, deixam em aberto o grande problema da efetiva identificação dos conhecimentos tradicionais, dos seus titulares e dos beneficiários da eventual
repartição de benefícios, o que demanda um crescente aperfeiçoamento legislativo,
que tende a continuar.
Com efeito, em 26 de dezembro de 2006, o Ministério do Meio Ambiente,
por meio do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), deu início
ao procedimento de Consulta Pública n. 2, com o objetivo de receber “críticas e
sugestões para aperfeiçoar a legislação sobre repartição de benefícios decorrentes do acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético com
potencial econômico”.
No documento de abertura do procedimento de consulta pública, o CGEN elenca
as possíveis soluções para os problemas enfrentados:
-14.1. Na primeira alternativa, a instituição escolhe uma comunidade, que lhe
passará o conhecimento. Assim, há um Contrato entre a comunidade e a instituição. Neste caso, os benefícios irão apenas para a comunidade que passou
o seu conhecimento. As outras comunidades que têm o mesmo conhecimento
não receberão nenhum benefício.
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-14.2. Na segunda alternativa, a instituição faz um Contrato com a comunidade que passou o conhecimento. Além disso, a instituição também tem que
repartir benefícios com outras comunidades, financiando projetos no valor
equivalente ao estabelecido no Contrato.
-14.3. Na terceira alternativa, a instituição faz um Contrato com todas as comunidades que têm aquele conhecimento. Neste caso haveria que se procurar
todas as comunidades que possuem o conhecimento que ela quer e, em seguida, convencer a todas que concordem em passar as informações.
-14.4. Na quarta alternativa, a instituição faz um Contrato com a União.
Depois a União repassa os benefícios para as comunidades. Neste caso, o
Contrato deve ser assinado depois do consentimento prévio fundamentado da
comunidade provedora.
A ampla linha de consulta formulada por um órgão público, com o objetivo de
subsidiar as possíveis alterações da legislação, retrata bem o atual estado de incerteza
quanto à regulação do tema.
Ao colocar em discussão as diversas possibilidades contratação e de repartição de
benefícios, depreende-se que no atual sistema normativo não se tem segurança jurídica para o tratamento do tema.
O CGEN, para orientar a linha de sua pesquisa, elaborou algumas questões a serem respondidas pelos consultados, que bem exemplificam os problemas enfrentados
na prática:
3. Quais comunidades devem ser consultadas para dizer se concordam em passar
o conhecimento tradicional e fornecer o consentimento prévio fundamentado?
[...]
5. Como deve ser feita a repartição de benefícios? Todas as comunidades devem
receber os mesmos benefícios, ou seja, a divisão tem que ser igual para todos?
[...]
6. Como identificar todas as comunidades que detêm o conhecimento tradicional a ser usado?
[...]
8. Se você respondeu que outras comunidades devem também receber benefícios, além daquelas que participaram do consentimento prévio e assinaram o
Contrato, qual seria o mecanismo?
As questões postas em consulta abordam temas, de fato, controversos, que acabam
por servir de entrave a uma normatização definitiva.
Com efeito, a exata identificação da comunidade tradicional detentora do conhecimento tradicional e a definição da forma de repartição dos benefícios são árduas
tarefas a serem enfrentadas pelo legislador.
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3.5. Alternativas aos obstáculos para a implementação de um regime legal
sui generis
Um novo e específico sistema jurídico destinado à perfeita regulamentação do acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade, o que se poderia denominar
de sui generis, extirparia as controvérsias que circundam atualmente o tema.
Muitas são, contudo, as dificuldades para a efetivação de um sistema sui generis
de proteção tão amplo e perfeito.
Um dos grandes problemas para a perfeita implementação de um novo regime
legal de proteção ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade seria a identificação prévia destes “conhecimentos” e das respectivas “comunidades”.
A óbvia informalidade que cerca o desenvolvimento e uso dos “conhecimentos
tradicionais” impede uma perfeita identificação de sua origem, efeitos práticos, benefícios gerados e, notadamente, a titularidade das comunidades responsáveis.
Com efeito, não se mostra tarefa fácil identificar previamente qual, ou quais, comunidades seriam responsáveis por determinado conhecimento. Mas há possibilidade
de, posteriormente, fazer uma investigação criteriosa e demorada.
Além disso, ultrapassado este primeiro difícil passo, há que se precisar a composição
de tal comunidade, sua extensão e, principalmente, sua representatividade. Cumpre lembrar que, nos países ricos em biodiversidade, boa parte dos conhecimentos tradicionais
foram desenvolvidos por indignes, que são historicamente tratados como hiposuficientes.
Tais dúvidas implicam em insegurança jurídica tanto para as próprias comunidades como para quem pretende ter acesso ou explorar economicamente determinado
conhecimento.
No Brasil, como solução para o problema de identificação dos conhecimentos
tradicionais, seus titulares e forma de repartição de benefícios, poderia ser utilizado,
como parâmetro, o modelo adotado pela Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998,
outorgando ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) os poderes
arrecadação, distribuição e fiscalização:
Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação
e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras
musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão
e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.
§ 1º. O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá
finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o
integrem.
§ 2º. O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão
em juízo e fora dele em seus próprios nomes, como substitutos processuais dos
titulares a eles vinculados.
§ 3º. O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se
fará por depósito bancário.
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§ 4º. O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do
empresário numerário a qualquer título.
§ 5º. A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis.
A constitucionalidade do sistema de arrecadação construído em torno do ECAD foi
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar improcedente os pedidos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 2.054, proposta pelo Partido Social Trabalhista contra o
artigo 99 e seu parágrafo primeiro da Lei de Direitos Autorais.
Segundo o requerente os referidos dispositivos estariam em confronto com o disposto
nos artigos 5º, XVII e XX, e 173, § 4º, da Constituição da República.
Destaque para o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, redator para o acórdão:
A luz do artigo 5º, XXVIII, alínea “b”, ficou a lei ordinária livre de outorgar ou
não às associações constituídas pelos autores e titulares de direitos conexos o
poder de substituição processual dos associados na cobrança de se seus direitos
patrimoniais, assim como o poder de arrecadá-los dos usuários. Se livre para
conceder ou não tais poderes e disciplinar a forma como poderiam ser exercidos,
é óbvio que a lei, ao concedê-los, poderia condiciona-los.
A substituição processual foi outorgada às associações sem outra condição que a
da filiação do titular, conforme os arts. 98 e 99, § 2º.
Já o poder de arrecadação e distribuição extrajudicial, negou-se-lhes o poder de
fazê-lo, a cada uma delas isoladamente, impondo-lhes, desse modo, a “gestão
coletiva”, a não ser que o próprio titular o faça, por si mesmo, ou por mandato à
sua associação.
Pode, assim, haver associação que se recuse a filiar-se ao ECAD. A conseqüência
grave – não há dúvida, do sistema, e a força que se deu ao ECAD – é apenas a
de não participar da gestão coletiva da arrecadação e distribuição e, por conseguinte, não poder fazê-las isoladamente.
São condições legais do exercício de poderes que não derivam da Constituição,
mas da lei, a qual, assim, poderia subordiná-los e limitá-los, no tópico, à participação na entidade de gestão coletiva.
Remetida pela Constituição à lei concretizar a forma pela qual atores e intérpretes
poderiam fiscalizar o aproveitamento econômico de suas obras, não só por si, mas
também por entidades de representação sindical ou associativa, o que cabe indagar é se o legislador se manteve nas raias da autorização constitucional. Quanto
a isso, parece-me evidente que sim, dado, primeiro, a permissão constitucional
explícita a essa experiência, majoritária, no campo internacional, nascida da necessidade de um instrumento de “gestão coletiva” como condição de eficácia da
arrecadação de direitos autorais, como tentei relembrar em meu voto.
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De tudo, Sr. Presidente, com todas as vênias do eminente Ministro-Relator,
julgo improcedente a ação direta e declaro a constitucionalidade do art.
99 e § 1º, da Lei n. 9.610/98: é o meu voto.
Em que pese o sistema de arrecadação do ECAD ser alvo de críticas de todo
gênero, seja quanto à legitimidade para representar os autores, seja quanto à cobrança compulsória, certo é que os longos anos de atuação consolidaram a instituição.
O CEGEN, pela experiência já acumulada na gestão do acesso ao conhecimento tradicional desde a edição da Medida Provisória n. 2.186-16/2001, poderia
cumprir bem o papel de arrecadação, identificação de beneficiários e distribuição
dos benefícios.
Entendo, contudo, que, para ter força coercitiva, inclusive no que se refere à
cobrança e repartição dos benefícios, lei específica deveria disciplinar a matéria.
Mesmo em países como o Brasil, em que o acesso ao conhecimento tradicional
é autorizado por um conselho formado por representantes governamentais e da sociedade civil (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN), o que poderia pressupor certa representatividade, a solução não se apresenta bem definida.
A participação de representantes da sociedade civil é extremamente complexa,
seja pela dificuldade de se identificarem os grupos, ou entidades, que representem as comunidades tradicionais (tão dispersas pelos respectivos territórios nacionais), seja pela eventual precariedade desta representatividade, dita paritária,
perante grupos/entidades representativos do setor produtivo/econômico.
Para minorar o problema de segurança na identificação dos conhecimentos
tradicionais, alguns países, como a Índia, têm buscado adotar como solução a
formação de banco de dados de conhecimento tradicional.
Tal iniciativa, no sentido de identificar e catalogar os conhecimentos tradicionais, especialmente no Brasil, já teve sua importância ressaltada, no início do
século XIX, pelo cientista francês Auguste de Sain-Hilaire:
Seja como for, sente-se que a matéria médica dos brasileiros, baseada
somente no empirismo deve ser muito imperfeita. Todavia, entre tantas
plantas às quais falsamente se atribuem propriedades maravilhosas, algumas existem que realmente fornecem remédios eficacíssimos. Se existisse
no Brasil maior número de homens instruídos, o governo desse país faria
obra de grande utilidade, nomeando em cada província uma comissão que
se encarregasse de submeter, a exame minucioso, todas as plantas de que
se utilizam os colonos para aliviar seus males. Por esse meio, poder-se-ia
chegar a constituir, para os vegetais, uma matéria médica brasileira, que
elucidaria os colonos a respeito de remédios ineficazes ou perigosos e, ao
mesmo tempo, daria a conhecer aos nacionais e aos estrangeiros grande
número de plantas benéficas.
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Trabalho de tal envergadura não se poderá fazer, sem dúvida, senão daqui
a longos anos.77
Veja-se, mais uma vez, a lição da doutrina estrangeira sobre a propagação das pesquisas sobre recursos genéticos e técnicas de utilização por comunidades tradicionais:
Os programas de pesquisa de produtos utilizam conhecimento tradicional
para ajudar a identificar produtos naturais que têm potencial; assim, o interesse no conhecimento tradicional depende do interesse em produtos naturais
em estágio primário de consumo. Muito conhecimento tradicional, entretanto,
está já no domínio público e pode ser acessado através das publicações. É
raramente originado de entrevistas com comunidades locais e indígenas de tal
maneira a requererem o consentimento previamente informado e para provocar as negociações do compartilhamento de benefícios.
O trabalho de ten Kate e de Laird documenta que um crescente número de
leis nacionais e normas internacionais exigem a aquisição do consentimento
previamente informado e o compartilhamento dos benefícios com as comunidades locais quando os pesquisadores procuram o acesso aos recursos genéticos em sua terra ou a seu conhecimento tradicional sobre aqueles recursos.
As comunidades científicas e de negócio puseram em pauta programas para
identificar recursos genéticos promissores em países em desenvolvimento
para assegurar-se de que as comunidades de cujas terras os recursos originaram participem de todas as recompensas comerciais que pudessem resultar. O
resultado científico tem sido significativo, a experiência científica e comercial
que os países em desenvolvimento têm obtido tem sido valiosa, e um número de
pessoas nos países em desenvolvimento têm sido empregadas no campo e nos
laboratórios. Mas o retorno comercial dos novos produtos tem sido modesto –
longe de fazer os programas serem auto-sustentáveis em níveis comerciais.78
A efetiva utilidade destes bancos de dados é, contudo, questionada:
Mas será que os bancos de dados sobre o conhecimento tradicional seriam realmente úteis? Certamente poderiam impedir a concessão de patentes como a do
açafrão. Quanto às outras patentes controvertidas, acima descritas, já não é tão
certo que teriam impedido sua concessão. Talvez tenham diminuído o campo de
aplicação da patente, mas mesmo isto não é totalmente garantido.79
77SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1974.
78FINGER, J. Michael. Poor people´s knowledge: helping poor people to earn from their knowledge (Kerry ten Kate and Sarah A Laird
(2004): Bioprospecting Agreements and Benefit Sharing with Local Communities). Disponível em: <http://www-wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/04/15/000009486_20040415114839/Rendered/PDF/wps3205poorpeople.pdf>. Acesso em: 15
fev. 2007. (Tradução nossa). (Texto original em inglês).
79DUTFIELD, Graham. Repartindo benefícios da biodiversidade: qual o papel do sistema de patentes?. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros;
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As possíveis exigências de divulgação e certificação de origem dos conhecimentos tradicionais receberam da doutrina estrangeira a seguinte classificação em brandas, médias e fortes:
A divulgação compulsória de recursos genéticos e conhecimento tradicional
em pedidos de patente foi originalmente discutida por organização da sociedade civil, e agora já é adotada por certo número de países.
[...]
As propostas relativas à divulgação têm formas brandas, médias e fortes. Na
forma branda, a divulgação seria incentivada ou mesmo esperada, mas não
exigida, e sua falta não impediria a concessão da patente. Na forma média,
a divulgação da origem seria obrigatória. A Câmara de Comércio Internacional apóia a versão branda, que foi adotada nas Diretrizes da União
Européia para a Proteção Legal de Invenções Biotecnológicas, de 1998.
[...]
A forma forte vai além da divulgação na especificação da patente, exigindo –
como na primeira das novas disposições sendo consideradas na Bélgica – que
os solicitantes de patentes concordem com as disposições da CDB e do acesso
e repartição de benefícios.80
A implementação das exigências de identificação da origem do conhecimento tradicional, objeto do possível pedido de registro de patente, pode gerar confrontos com
as normas do TRIPs.
Segundo Graham Dutfield81, não haveria violação do TRIPs se as exigências ficassem restritas à descrição do conhecimento tradicional e à concordância expressa com
as normas de acesso e repartição de benefícios.
O mesmo autor alerta, contudo, que a exigência de revelação da origem geográfica
do material genético e do conhecimento tradicional associado acarretaria uma revisão
do TRIPs, que para o patenteamento exige que a invenção seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial (artigo 27, 1). Tal conflito poderia
ser, em tese, contornado, se essas exigências fossem feitas fora dos processos como
medidas administrativas.
Um solução procedimental é sugerida por Juliana Santilli, que relaciona, como
uma das premissas para um regime legal sui generis, a “previsão da inversão do ônus
da prova em favor das comunidades tradicionais em ações judiciais que visem anular
patentes concedidas a processos ou produtos resultantes de seus conhecimentos, de
forma que competiria à pessoa ou empresa demandada provar o contrário”.82
VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 97.
80DUTFIELD, Graham. Repartindo benefícios da biodiversidade: qual o papel do sistema de patentes?. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros;
VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 89-90.
81DUTFIELD, Graham. Repartindo benefícios da biodiversidade: qual o papel do sistema de patentes?. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros;
VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 93.
82SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos avanços e impasses na criação de regimes legais de
proteção. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 29, p. 83-102, jan./mar. 2003, p. 89.
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A solução apontada é de discutível efetividade, pois, além de parcial, somente se
aplicaria se unida a outros instrumentos legais, definidores de legitimidade e representatividade das comunidades tradicionais, deixando de trazer segurança jurídica
ao tema.
Ademais, a nulidade de uma patente não implicaria necessariamente em proveito
econômico pela comunidade detentora do conhecimento.
Cumpre destacar a solução encontrada no famoso caso do “nim”, uma árvore da
Índia utilizada com fins farmacológicos, conforme bem destacado por Juliana Santilli:
Alguns casos de biopirataria ganharam repercussão internacional, como o
do nim (em inglês, neem), árvore da Índia, usada há séculos nesse país como
fonte de biopesticidas e remédios. A empresa multinacional norte-americana
W.R. Grace Corporation e o Departamento de Agricultura dos EUA conseguiram obter, junto ao Escritório Europeu de Patentes, seis patentes sobre
produtos e processos derivados do nim indiano. Entre elas, uma patente sobre um método de preparação de um óleo com propriedades pesticidas, extraído das sementes da árvore. A revogação de tal patente foi requerida por
um grupo de pessoas e organizações: Vandana Shiva, diretora da Research
Foundation for Science, Technology and Ecology; Linda Bullard, presidente
da International Federation of Organic Agricultural Moviments e Magda
Alvoet, ministra belga da Saúde e do Ambiente. Ao final de cinco anos de
batalha legal, no dia 10/05/2000, o Escritório Europeu de Patentes revogou
a patente com base no argumento de que o processo patenteado pelos norteamericanos não atendia ao requisito da novidade. A decisão de revogar a
patente se fundamentou no depoimento de um dono de uma fábrica indiana,
nos arredores de Nova Déli que demonstrou utilizar processo semelhante ao
patenteado pelos norte-americanos desde 1995, e não no desrespeito frontal
aos princípios da Convenção sobre a Diversidade Biológica.83
Uma alternativa que se mostra razoável, até que se obtenha a desejada normatização internacional, é aquela defendida por Megan Bowman84, no sentido de que a
conciliação entre a CDB e o TRIPs se dê através da aplicação flexível de dispositivos
do TRIPs.
O artigo 7º do TRIPs prevê que a proteção e a aplicação de normas de proteção
dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a transferência e difusão de tecnologia de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um
equilíbrio entre direitos e obrigações. Tal dispositivo permitiria a implementação de
mecanismos aptos a regularem a repartição dos benefícios da tecnologia obtida com o
83SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 348/349.
84BOWMAN, Megan. Intellectual property rights, plant genetic resources and international law: potential conflicts and options for reconciliation. In: KIERKEGAARD, Sylvia Mercado. Business law & technology: present and emerging trends. Dinamarca: Copenhagen, v. 1, 2006
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acesso ao conhecimento tradicional associado, como forma de conduzir ao bem-estar
social e a um equilíbrio de direitos e obrigações.
Já a proteção contra o acesso não autorizado aos conhecimentos tradicionais poderia ser assegurada pelo disposto no artigo 8º, “2”, que prevê a imposição de medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus
titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o
comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia.
Outro ponto de conciliação poderia surgir a partir do que dispõe o artigo 27, que,
após elencar os requisitos para a concessão de patentes, faculta aos signatários considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, a vida ou a saúde humana,
animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação.
O dispositivo acrescenta, ainda, que poderão ser considerados não patenteáveis as
plantas e os animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos
para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e
microbiológicos. Não obstante, os membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema “sui generis” eficaz, seja
por uma combinação de ambos.
O artigo 30 dispõe que os membros poderão conceder exceções limitadas aos direitos exclusivos conferidos pela patente, desde que elas não conflitem de forma não razoável com sua exploração normal e não prejudiquem de forma não razoável os interesses
legítimos de seu titular, levando em conta os interesses legítimos de terceiros.
Já o artigo 67 dispõe que os países-membros desenvolvidos, a pedido, e em termos
e condições mutuamente acordadas, prestarão cooperação técnica e financeira aos
países-membros em desenvolvimento. Essa cooperação incluirá assistência na elaboração de leis e regulamentos sobre proteção e aplicação de normas de proteção dos
direitos de propriedade intelectual, bem como sobre a prevenção de seu abuso, e incluirá apoio ao estabelecimento e fortalecimento dos escritórios e agências nacionais
competentes nesses assuntos, e na formação de pessoal, inclusive.
Ressalte-se, todavia, que, em que pese o disposto no artigo 30 do TRIPs poder viabilizar, em tese, a aplicação restritiva de patentes, a solução não se mostraria simples.
O dispositivo em comento não possui força coercitiva sobre os Estados signatários, ou seja, se os países considerados desenvolvidos reconhecerem em suas respectivas legislações patentárias a patente dos produtos obtidos por suas empresas por meio
do conhecimento tradicional, não haverá qualquer restrição internacional a tanto.
Além disso, a redação do artigo 30 está carregada de expressões altamente subjetivas, como “não razoável” ou “exploração normal” que podem resultar na sua total
inaplicabilidade.
Fato é que a efetividade das legislações internas dos países detentores dos conhecimentos tradicionais fica mitigada em face da ausência de uma norma internacional geral.
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Cite-se o exemplo da Convenção de Diversidade Biológica que não teve a assinatura dos EUA, maior detentor de registros de patentes e marcas.
Ademais, a ausência dessa regulação geral e a utilização precária do sistema de
patentes fomenta a insegurança jurídica em torno da questão, propiciando, de forma
recorrente, a alegação de ausência de novidade.
Conclusão
Há vários obstáculos na busca de um sistema conciliador entre as normas de propriedade intelectual e a Convenção de Diversidade Biológica.
Enquanto o Japão, os Estados Unidos, os países europeus e outros do hemisfério norte concentram-se no aperfeiçoamento do sistema patentário vigente, os países
detentores da quase totalidade de biodiversidade mundial, como Brasil, Indonésia,
Colômbia, México, Austrália e outros, procuram a construção de um sistema legal
baseada nos princípios da CDB.
A solução, de fato, é complexa e caminha para a construção de um sistema normativo
melhor adequado às especificidades dos conhecimentos tradicionais e de seus detentores.
Neste sentido, o novo regime jurídico deverá consagrar, como exigência à concessão de patentes, a identificação da fonte do conhecimento tradicional utilizado e
a prova da obtenção do consentimento prévio e fundamentado e da repartição justa e
eqüitativa de benefícios.
A complexidade e a amplitude das prévias e indispensáveis discussões para se
chegar a tal novo modelo normativo implicam em uma perspectiva pessimista em
relação a rapidez de sua efetivação.
Há que se ressaltar que tal normatização, em nível internacional, não trará solução derradeira às controvérsias hoje existentes, dadas as especificidades naturais,
sociais, culturais e legais de cada um dos países, detentores de biodiversidade de
forma expressiva.
Atualmente, em face da ausência de tal regulação internacional definitiva, deve-se
aplicar ao tema os institutos jurídicos já existentes.
Assim, independentemente do regime, sui generis ou não, que se queira construir
para tratar as questões controvertidas, há que se buscar soluções para os conflitos em
curso, utilizando-se, desde já, os instrumentos jurídicos à disposição dos aplicadores
do direito.
Até mesmo porque, a futura normatização não será aplicável às atuais demandas,
em respeito à segurança jurídica.
Neste sentido, no que se refere ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade, afigura-se razoável a aplicação flexível do TRIPs, em face da ausência de
instrumento legal específico, embora de efeito prático reduzido para as comunidades
tradicionais.
Ainda que a redação do artigo 30 do TRIPs não seja a ideal, em face de seu subjetivismo, a sua aplicação, em consonância com o disposto no artigo 67, poderá, se
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corretamente interpretado pelos países signatários, viabilizar a adoção dos princípios
consagrados no artigo 8º, “j”, da CDB.
Além disso, até que se tenha definitiva regulamentação jurídica do tema, cumpre
aos países detentores de biodiversidade o fortalecimento dos órgãos destinados à pesquisa e à identificação dos conhecimentos tradicionais associados e das comunidades
que o desenvolveram.
O fortalecimento desta base de dados permitiria, ainda que precariamente, a oposição aos pedidos de patentes, com fulcro na ausência do requisito da novidade, protegendo-se, assim, as comunidades indígenas ou tradicionais.
No Brasil, restaria, ainda, ao detentor do conhecimento tradicional associado a
possibilidade de pleitear a nulidade da patente, caso desobedecido o comando da Medida Provisória n. 2.186-16/2001, especialmente no que tange à obrigação de “informar a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado”.
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Os Desafios da Corte Internacional de Justiça na Atualidade
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Os Desafios da Corte Internacional de Justiça na Atualidade
Daniela Rodrigues Vieira1
Leonardo Nemer Caldeira Brant2
Resumo
O presente artigo visa proporcionar uma visão abrangente acerca da atuação da
Corte Internacional de Justiça em uma de suas função precípuas, a atuação em favor
da solução pacífica de controvérsias internacionais. A análise se insere no atual contexto de evolução e desenvolvimento da função jurisdicional da Corte, decorrência do
crescente aumento das demandas a ela encaminhadas. Fica claro que, este incremento
de impetrações na Corte atesta sua inegável contribuição à ordem jurídica internacional, visto que ao dizer, interpretar e aplicar o direito nos casos que lhe são interpostos,
a Corte Internacional de Justiça acaba por estatuir as normas jurídicas internacionais.
Abstract
The current article is aimed at providing a comprehensive approach on the International Court of Justice performance within one of its primary roles, that is,
the pacific solution of international controversies. This analysis is inserted into the
current context based upon the evolution and the development of its jurisdictional
function due to the increasing number of demands received by it. It is clear that the
growing number of cases brought to this institution attests its undoubtful contribution for the international juridical order, since the Court consolidates international
juridical norms when it dictates, interprates and applies the Law on the cases that
are presented to it.
***
O surgimento da Corte Internacional de Justiça (CIJ) responde a uma necessidade
normativa e social. Ela é o resultado de um longo caminho de institucionalização e de
jurisdicionalização dos métodos de aplicação do direito às diferenças internacionais.3
Braço judicial da das Nações Unidas (ONU),4 a Corte assume papel de crescente
importância na garantia da manutenção da paz e da segurança internacionais em um
1 Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Masaryk, República Tcheca. Membro do Centro de Direito Internacional – CEDIN.
2 Doutor em Direito Internacional pela Universidade de Paris X, França. Presidente do Centro de Direito Internacional – CEDIN. Professor de
Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).
3 Situada no Palácio da Paz, em Haia, Holanda, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) iniciou seus trabalhos em 1946, a partir de quando passou
a substituir a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), cuja existência colocava-se em paralelo à Liga das Nações. O Estatuto da
CIJ segue o molde de seu predecessor, e a jurisprudência da CPJI é oficialmente tida como fundamento para as deliberações da atual Corte.
Ver Artigo 92 da Carta da ONU.
4 Esta qualificação é claramente estabelecida pelo Artigo 92 da Carta da ONU, que versa “A Corte Internacional de Justiça será o principal
órgão judicial das Nações Unidas.”.Ver Leonardo N. C. Brant, A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito Internacional. 1º
edição. Belo Horizonte: CEDIN, 2005.
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mundo onde virtualmente todos os Estados fazem parte do sistema ONU.5 Por conseguinte, o desenvolvimento de suas atividades enseja a modificação de seu papel e a
consolidação de novos dilemas em torno deste órgão.
A instância judicial da Organização das Nações Unidas tem sua competência
estabelecida por meio contencioso ou consultivo. Em matéria contenciosa, enquanto
um tribunal baseado no direito internacional, naturalmente se conclui que os sujeitos competentes para demandá-lo são os Estados.6 Ainda assim, organizações
internacionais podem, evidentemente, colaborar com a Corte, notadamente respondendo ou dirigindo por iniciativa própria, informações que poderiam auxiliar na
apreciação de um caso contencioso. Esta colaboração não significa, contudo, a liberdade de acesso.7
Conforme o artigo 35, §1º, do Estatuto, a jurisdição contenciosa da Corte está
aberta a qualquer Estado parte do Estatuto da CIJ e que tenha reconhecido sua competência.8 Cabe lembrar que a jurisdição contenciosa no que diz respeito à dimensão
ratione personae deste órgão recai fundamentalmente sobre o consentimento anterior
das partes. Dessa forma, quatro são os caminhos pelo quais os entes estatais podem
proceder a tal aceitação. O primeiro deles é através de um acordo especial para submeter uma disputa à CIJ. Este consentimento pode ser dado anteriormente em cada caso.
Uma segunda possibilidade é por meio do polêmico conceito de forum prorogatum,
no qual se vislumbra a legitimidade de um consentimento tácito.9 A existência de uma
cláusula jurisdicional estabelecendo a competência deste tribunal dentro de um tratado é, igualmente, uma maneira de o Estado promover seu consentimento. Este tipo
de situação, em geral, diz respeito à solução de controvérsias quanto à interpretação
e aplicação do documento celebrado. Uma quarta via seria o encaminhamento à CIJ
quando as partes houverem firmado cláusula facultativa de jurisdição obrigatória,10 a
qual tem o poder de vincular seus signatários a submeterem suas disputas em situações por eles mencionadas neste dispositivo. Por fim, o Artigo 36 (6) do Estatuto
determina a chamada “competência da competência”, a partir da qual a própria Corte
5 Atualmente, quase a totalidade dos Estados aderiu à Organização das Nações Unidas. Cento e noventa e dois Estados ratificaram sua Carta,
ou seja, desde sua criação, seu aumento foi da ordem de, aproximadamente, quatro vezes seu número de membros originários em 1945,
quando era formada por 51 países. Montenegro, depois de sua separação formal da Sérvia, foi o último Estado a entrar para a Organização.
Não são membros da ONU entes como Taiwan, cuja independência não é reconhecida pela China; o Saara Ocidental, região marroquina tida
como Estado independente pela União Africana, mas não pelo governo do Marrocos; e a Santa Sé, que possui status somente de observador.
6 Artigo 34 do Estatuto da CIJ. Ver Leonardo N. C. Brant, A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito Internacional. 1º edição.
Belo Horizonte: CEDIN, 2005.
7 A própria Corte, no caso dos Testes Nucleares, lembra que “como órgão jurisdicional, ela tem como função a solução de controvérsias existentes entre Estados”. Assim, embora a CIJ, na opinião consultiva relativa ao caso da Reparação dos Prejuízos Sofridos a Serviço das Nações
Unidas, tenha reconhecido a personalidade jurídica internacional das organizações internacionais, é pacífico admitir que nem mesmo um
tratado prevendo o encaminhamento de uma controvérsia contenciosa entre um determinado Estado e uma organização internacional poderia
originar o estabelecimento da competência da Corte. Ver Leonardo N. C. Brant, A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito
Internacional. 1º edição. Belo Horizonte: CEDIN, 2005.
8 Artigo 35 do Estatuto da CIJ.
9 Segundo o princípio do forum prorogatum, o consentimento de uma parte pode dar-se de maneira tácita por meio de atos e comportamentos
que indiquem a aceitação da competência da Corte em uma dada demanda. O primeiro caso a tratar do assunto foi a disputa Estreito de
Corfu, em 1948, sendo que somente em 2007 a CIJ admitiu uma demanda pela primeira vez com base neste argumento no caso entre França
e Djibuti. Ver Leonardo N. C. Brant, A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito Internacional. 1º edição. Belo Horizonte:
CEDIN, 2005, pp. 238-245.
10 A cláusula facultativa de jurisdição obrigatória vem recebendo um número crescente de signatários, atualmente 66 Estados, e estipula com
sua adoção se comprometer à jurisdição obrigatória da CIJ em caso de uma disputa legal internacional. No entanto, cabe lembrar que as
reservas de uma parte sobre esta cláusula aplicam-se à outra parte independentemente.
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deve proceder ao juízo de admissibilidade sobre sua capacidade de jurisdição em uma
dada disputa.
Em relação ao alcance de sua competência ratione materiae, a CIJ pode discutir
qualquer caso a ela encaminhado, desde que se considere competente para fazê-lo.11
Contudo, o apelo à Corte não é subsidiário ao esgotamento dos mecanismos políticos
de solução de controvérsias.12 Na realidade, uma vez respeitada a necessidade formal
do consentimento, nada impede os Estados, se eles assim o desejarem, de optar primeiramente pelo recurso à Corte na solução de suas controvérsias. Portanto, a disposição
prevista no Artigo 33 da Carta da ONU não traduz necessariamente uma obrigação
hierárquica, mas uma simples descrição dos instrumentos à disposição dos Estados.13
Um procedimento contencioso típico segue o rito com 15 juízes14. No entanto,
a CIJ nem sempre julga via plenário, existindo três possibilidades de formação de
câmara.15 Seu Estatuto estipula que anualmente sejam designados cinco juizes, incluindo seu Presidente e Vice-Presidente, para formar uma Câmara de Procedimento
Sumário, com a finalidade de acelerar a expedição das formalidades. Podem, ainda,
serem constituídas câmaras de no mínimo três juízes para lidar com uma certa categoria de casos,16 ou se constituir uma Câmara ad hoc, que funciona semelhante a
um tribunal arbitral lidando com uma dada disputa após consultar as partes sobre os
juízes que a comporão.17 Este rito é, então, composto por duas fases, sendo a primeira
o debate das questões preliminares, o qual, em geral, repousa sobre o juízo de admissibilidade do caso, e a segunda uma discussão de mérito, incluindo uma parte escrita
e uma oral.18 As preliminares devem ser sanadas em um período máximo de três
meses. As fontes usadas estão delimitadas pelo artigo 38 do Estatuto e são compostas
por convenções internacionais, costumes e princípios gerais do direito internacional.
Subsidiariamente, a Corte pode julgar segundo regras de direito e segundo a equidade
e a boa fé (ex aequo et bono), se assim o for permitido pelas partes.
11 Razões cogentes que poderiam fazer com que a Corte declarasse a si mesma incompetente englobam, por exemplo, vícios dentro de sua
jurisdição ratione personae, como um consentimento ineficaz de um Estado-parte. Hoje, é pacífico na doutrina e na jurisprudência a discussão sobre a natureza das questões debatidas na CIJ, e se aceita que este tribunal julgue demandas independente de seu caráter político
ou jurídico, justamente devido à impossibilidade real de essas esferas serem separadas. Ver caso Atividades Militares e Paramilitares na
Nicarágua, CIJ, Rec. 1984.
12 Ver T. M. Franck, “The Political and the Judicial Empires: Must There Be Conflict Over Conflict – Resolution?”, International Legal Issues
Arising Under the United Nations Decade of International Law, Kluwer, LA Haye, 1995.
13 O Artigo 33 da Carta das Nações Unidas não enumera os meios pacíficos de solução de controvérsias de maneira exaustiva (“ou qualquer
outro meio pacífico à sua escolha”). Em linhas gerais, seriam exemplos deles: negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem,
bons ofícios, via judicial, recurso a organizações internacionais, dentre outros.
14 O Estado-parte que não possua um juiz de sua nacionalidade no corpo da CIJ pode escolher um juiz ad hoc neste caso específico sob as
condições listadas nos artigos 35 e 37 do Regulamento da Corte. As partes que estão atuando na defesa de um mesmo interesse podem eleger
somente um juiz ad hoc, desde que nenhuma delas já possua um juiz de sua nacionalidade na CIJ.
15 Artigo 26 do Estatuto da CIJ.
16 A única experiência com este tipo de câmara foi através da Câmara de Assuntos Ambientais, criada em 1993 e reconstituída até 2006,
deixando então de existir por haver sido nunca demandada.
17 A primeira Câmara ad hoc foi formada em 1982 no caso Delimitação da Fronteira Marítima no Golfo da Área de Maine entre Canadá
e EUA. Atualmente, nenhuma câmara deste tipo está em funcionamento. Ver Leonardo N. C. Brant, A Autoridade da Coisa Julgada no
Direito Internacional Público. 1º edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
18 Além dos ritos encontrados no procedimento típico acima descrito, algumas questões incidentais também podem se apresentar. O Artigo
41 do Estatuto permite a adoção de medidas provisórias, as quais a jurisprudência e a doutrina vêm concedendo força de obrigatórias. A
intervenção de terceiros é, ainda, permitida nos casos em que um Estado não parte tenha um interesse de natureza legal a ser afetado pela
decisão tomada na disputa em questão. Cabe lembrar que, no caso de uma parte não comparecer diante da Corte, o procedimento pode ser
continuado, e, se procedimentos apartados parecerem tratar da mesma questão em relação a um oponente comum, pode ser requerida a
reunião destes em um só processo. Ver Leonardo N. C. Brant, A Autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público. 1º edição.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
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Uma sentença contenciosa da Corte Internacional de Justiça é marcada pela obrigatoriedade de seu conteúdo e pela impossibilidade jurídica de recolocar em questão os pontos
sobre os quais o tribunal já estatuiu a título definitivo e irrevogável.19 É claro que a obrigatoriedade de uma sentença da CIJ poderá ser oposta unicamente às partes presentes na
instância. Esta é, ao que tudo indica, a natureza do artigo 59 do Estatuto e o fundamento
do provérbio res inter alios neque nocet prodest, que estabelece que, na medida em que
um Estado não é considerado como parte litigante, a decisão jurisdicional será para ele
considerada como uma res inter alios acta, ou seja, sem nenhuma existência jurídica.20
A Corte Internacional de Justiça tem, igualmente, competência consultiva para deliberar.21 O exercício desta atividade é delimitado em virtude da natureza dos casos
a ela submetidos e se estende a toda “questão jurídica”, o que deve ser entendido, na
realidade, como toda questão “de direito internacional”. Mas, ao lado desta “competência material explícita” e objetiva, a Corte acabou por reconhecer algumas “competências materiais extraordinárias”,22 advindas de certos instrumentos internacionais e de
sua atividade discricionária. Por seu turno, a competência consultiva ratione personae
desde órgão estabelece que não só a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança podem solicitar diretamente um parecer consultivo, como também o podem “outros órgãos
das Nações Unidas e entidades especializadas”, desde que autorizados pela Assembléia
Geral e desde que a “questão jurídica” recaia sobre sua esfera de atividades.23
Os dispositivos processuais são bastante simples24 e se caracterizam por uma fase
inicial, em que a Corte, a partir de um primeiro exame da demanda, exerce seu poder
de decidir sobre a admissibilidade do pedido. A essa primeira fase, seguem-se a apreciação e a deliberação das alegações das partes. Por fim, há a elaboração do parecer
consultivo em si.25 Quanto ao seu caráter jurídico, os pareceres são originalmente
desprovidos de natureza vinculante. Tratam-se, na realidade, de uma constatação do
direito internacional aplicável ao caso, desprovido de qualquer autoridade de coisa
julgada (res judicata) ou força obrigatória.26 Esta característica não-vinculante em si
mesma, apesar de não expressa em nenhum dispositivo tal como a Carta ou o Estatuto,
tem sido afirmada de maneira pacífica pela doutrina e pela jurisprudência da Corte.27
19 Artigos 59 e 60 do Estatuto da CIJ. Ver L. Condorelli. “L’autorité de la decisión des juridictions internacionales permanentes”. La jurisdiction internationale permanente. Colloque de Lyon, SFDI, Pédone, Paris, 1987, p. 289.
20 As decisões precedentes não vinculam a Corte diante de uma nova demanda, e, pois, as decisões anteriores não são aplicadas de forma
obrigatória em litígios posteriores. A razão reside no fato de que o direito jurisdicional internacional não conhece o sistema de precedentes
no sentido do direito anglo-saxão.
21 Foi somente com a criação da Sociedade das Nações (SDN), em 1914, que o direito internacional considerou, pela primeira vez, a possibilidade de que certas instituições legitimadas solicitassem a um órgão jurisdicional internacional um parecer consultivo no âmbito de
determinadas matérias.
22 M. H. Rojas, A propósito de la jurisdicción consultiva de la Corte Internacional de Justicia, Ed. Servicio de Publicaciones de la Universidad
de Córdoba, Córdoba, 1997.
23 Ver Leonardo N. C. Brant, A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito Internacional. 1º edição. Belo Horizonte: CEDIN,
2005, pp. 238-245.
24 Quando um sujeito autorizado pelos dispositivos da Carta e do Estatuto julgar adequado solicitar um parecer consultivo e crer que o objeto
de sua demanda recai dentro da esfera de competência da Corte, o Secretário-Geral ou o chefe administrativo da instituição autorizada
encaminhará a demanda à Secretaria da Corte. Esta deve ser feita mediante petição escrita. A partir de então, inicia-se, de acordo com as
regras da Corte, o processo consultivo propriamente dito.
25 Artigos 65 ao 68 do Estatuto da CIJ.
26 Ver Leonardo N. C. Brant, A Autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público. 1º edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
27 Este princípio tem sido igualmente reafirmado pela jurisprudência, em casos como Interpretação dos Tratados de Paz, Certas Despesas
das Nações Unidas, Sudoeste Africano e Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas. Há, somente, duas maneiras pelas
quais externamente seria possível conferir força vinculante aos pareceres. A primeira delas remete aos casos nos quais o parecer apresenta-
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Em linhas gerais, os institutos acima tratados delineiam brevemente o papel da
Corte Internacional de Justiça no sistema internacional de solução de controvérsias. A partir destes, algumas interessantes questões ressaltam as atuais perspectivas desta instituição.
A Corte Internacional de Justiça: Perspectivas Atuais
As atividades da Corte Internacional de Justiça vêm sendo objeto de profundas
transformações que tratam desde aspectos processuais elementares até o redirecionamento de sua jurisprudência. Tais mudanças possuem íntima conexão com o crescente aumento de demandas encaminhadas à Corte. Em seus 62 anos de existência,
foram julgados aproximadamente 100 casos, um terço dos quais foram apreciados na
última década. Como afirmado pela Presidente da CIJ, Juíza Rosalyn Higgins,28 em
discurso para os Estados membros das Nações Unidas,29 o ano de 2008 foi o mais
intenso em atividades judiciais de toda a história da instituição.30 De fato, atualmente,
192 Estados fazem parte de seu Estatuto, sendo que 66 aceitam sua jurisdição como
compulsória segundo disposto no Artigo 36 (2) deste documento. Cento e vinte oito
tratados multilaterais e 166 bilaterais mencionam a Corte como o órgão ao qual disputas a cerca do acordo devem ser referidas.
Por outro lado, a maior instituição de demandas na Corte não significou a continuidade do congestionamento de casos existente antes de 2005 e o irracional amplo lapso
temporal aguardado pelos Estados para serem convocados a apresentar suas sustentações orais após o depósito dos argumentos escritos. Tal problema foi devidamente
solucionado, sendo que o número de casos na lista de espera não voltou a atingir o
nível crítico de vinte e uma demandas ocorrido em 2004.31 Este sucesso foi garantido
pelo novo enfoque metodológico da Corte, aliando a antiga tática colegial na qual todos os juízes opinam sobre um dado caso com a primazia da pontualidade e a análise
simultânea de mais de uma demanda.
Para sustentar um aparato cuja demanda indubitavelmente é crescente, algumas
reformas operacionais fazem-se necessárias. Desde 2006, a Corte requer que a Assembléia Geral libere a criação de nove novos postos para conselheiros jurídicos,
de modo que cada juiz pudesse ter seu próprio conselheiro, assim creditando mais
eficiência e rapidez aos trabalhos da CIJ. Contudo, somente foi liberada, em 2008, a
criação de três novas vagas para esta função, a qual vem sendo muito bem aproveitada
em tribunais similares, como em cortes nacionais superiores e em outros tribunais inse como repetição ou reprodução do direito costumeiro, de modo que seu alcance ultrapassaria o valor puramente doutrinal para se firmar
como uma constatação de direito. Em segundo lugar, atribui-se certa força obrigatória negativa aos pareceres consultivos quando estes
declaram que determinada conduta é contrária ao direito internacional, à Carta ou a outras disposições internacionais. Esta visão sociológica
do direito internacional entende os fatores geradores de obrigatoriedade numa perspectiva ampla.
28 Sua Excelência Rosalyn Higgins, baronesa de nacionalidade britânica, é a primeira mulher a assumir a presidência da Corte Internacional
de Justiça. Especialista em Direito Internacional pelo Royal Institute of International Affairs, Reino Unido, ocupa o cargo de presidente
desde 2006.
29 CIJ, Press Release 2008/38.
30 Ver Speech by H.E. Judge Rosalyn Higgins, 12 de abril 2006, CIJ, Press Release.
31 No final dos períodos considerados de 2005, 2006, 2007 e 2008 havia, respectivamente, 11, 13, 11 e 14 casos em espera para o próximo ano
de atividades. Atualmente, uma maior espera das partes entre a argumentação escrita e as sustentações orais somente ocorre no caso em que
elas próprias optam por uma segunda rodada de argumentação escrita. In: CIJ, Press Release 2008/38.
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ternacionais. Este pedido da CIJ à Assembléia foi reiterado, e se espera uma resposta
positiva no ano orçamentário de 2010-2011.32
O orçamento da Corte representa somente menos de 1% dos custos totais das Nações
Unidas. Ainda com o objetivo de continuar a manter o descongestionamento de suas
atividades, foram requeridos subsídios para promover a modernização das instalações
do Palácio da Paz, em Haia. No que tange à parte orçamentária relativa aos emolumentos recebidos pelos juízes, uma polêmica foi gerada pela Resolução 61/262 de 2006 da
Assembléia Geral da ONU. A CIJ sempre se pautou por remunerar o trabalho dos magistrados de maneira que todos recebessem o mesmo, contudo a resolução previa uma remuneração diferenciada, em especial no que tange aos juízes ad hoc. Sob a considerável
justificativa de que isso poderia manchar a imparcialidade e confiabilidade das decisões
da Corte, objetou-se formalmente a este dispositivo da referida resolução, que, em 2008,
foi reconsiderado em favor das ressalvas da CIJ, mantendo somente suas partes relativas
à transparência e ao retorno da igualdade de status entre o Tribunal Penal para Ruanda
frente à Corte Internacional de Justiça e ao Tribunal Penal para Ex-Iugoslávia.
Nos últimos anos, outro aspecto processual que vêm ganhando relevância são
as medidas cautelares. Enquanto entre 1985 e 1995 somente sete pedidos deste tipo
foram encaminhados à Corte Internacional de Justiça, a década seguinte recebeu dezessete demandas por medidas provisórias. Clarificando a controvérsia existente no
Artigo 51 de seu Estatuto, a Corte declarou serem as cautelares decisões vinculantes
a partir de 2001.33 A expressão desta diretiva deu-se com o caso La Grand, demanda
levada à CIJ em 1999 pela Alemanha contra os Estados Unidos reclamando o direito
dos cidadãos germânicos Karl e Walter LaGrand de serem informados sobre a possibilidade de se comunicarem com o consulado de seu país após serem presos por assalto à banco em território estado-unidense. Para impedir que fosse executada pena de
morte contra estes antes da decisão da Corte, foi emitida medida provisória exigindo
que a execução desta fosse adiada. Apesar de não ter sido cumprida pelo Governo do
Arizona, EUA, a discussão gerada permitiu que a CIJ assentasse definitivamente um
embate teórico que há muito se desenrolava, declarando a natureza obrigatória de seu
parecer ao interpretar o Artigo 41 de seu Estatuto.
Outra figura de crescente importância são os pareceres consultivos, os quais, nos
dizeres da Secretaria-Geral das Nações Unidas, têm o poder de elucidar questões
políticas sensíveis.34 Nos últimos dez anos, quatro pareceres foram emitidos em relação a tópicos centrais para a comunidade internacional, como a questão dos armamentos nucleares35, a imunidade dos agentes das Nações Unidas,36 a construção de um
muro israelense na Palestina37 e a independência de Kosovo.38
32 CIJ, Press Release 2008/38.
33 Speech by H.E. Judge Rosalyn Higgins, 12 de abril 2006, CIJ, Press Release.
34 Remarks at the 60th Anniversary Celebration of the International Court of Justice, The Secretary General, 12 de abril de 2006, CIJ, Press
Release.
35 Legalidade da Ameaça ou Uso de Armas Nucleares, CIJ, Rec. 1995.
36 Diferença Relacionada à Imunidade de Processo Legal de um Oficial Especial da Comissão de Direitos Humanos, CIJ, Rec. 1998.
37 Consequências Legais da Construção de um Muro no Território Ocupado da Palestina, CIJ, Rec. 2003.
38 Correspondência ao Direito Internacional da Declaração Unilateral de Independência pelas Instituições Provisórias de Auto-Governo de
Kosovo, CIJ, Rec. 2008.
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É patente a crescente eficiência da CIJ na tomada de decisões sobre as cada vez
mais freqüentes demandas dos Estados, o que exprime o aumento da confiança destes
nesta instituição. No entanto, via de regra, a Corte não extrai de seu Estatuto nenhum
poder especial para prescrever as medidas necessárias à execução de suas sentenças.
O caráter descentralizado da comunidade internacional marcada pela ausência de uma
verdadeira autoridade legislativa, dotada de competência legiferante, constituiu terreno pouco fértil para instrumentalização da coerção. No direito internacional, embora
seja clara a idéia de que uma norma obrigatória deva ser respeitada, ou seja, que as
obrigações que dela decorrem devam ser executadas, a realidade é que a jurisdição internacional dispõe da capacidade de dizer o direito, mas está limitada quanto ao poder
de punir o Estado recalcitrante, visando, assim, assegurar o respeito da regra e garantir
sua aplicação correta. O fato é que a inexecução de uma obrigação internacional constitui um ilícito no plano internacional, engajando, como reconhece a própria Corte no
caso da Sociedade Comercial da Bélgica, em responsabilidade o Estado faltoso.39
Teoricamente, a Corte não possui o poder de tomar medidas eficazes de coerção
dentro de suas próprias decisões. O artigo 94 da Carta das Nações Unidas obriga a
execução, mas, em caso de desrespeito a esta norma, cabe unicamente ao Conselho
de Segurança produzir recomendações ou decidir quais medidas devem ser tomadas
com a intenção de executar a sentença. Esta proposição da Carta levanta alguns problemas distintos. Inicialmente, coloca-se a questão de saber se o mecanismo coercitivo
se aplica unicamente nas sentenças de mérito, em segundo deve ser questionado se o
direito internacional coloca à disposição dos Estados formas individuais, alternativas
e paralelas de forças a execução da sentença. 40
Esta dependência da execução das sentenças da Corte em relação ao Conselho
de Segurança e a falta de uma definição mais clara sobre a relação entre estes órgãos
trazem à tona certos conflitos e possíveis sobreposições de competência entre eles.
A maioria destes embates nasce da aparente competência judicial concedida ao Conselho por meio do Capítulo VI da Carta da ONU, que o afasta de suas tradicionais
funções de executoriedade. Nesta seara, a doutrina divide-se em duas correntes. Por
um lado, defende-se a inexistência de uma capacidade normativa no Conselho de Segurança, pois suas resoluções não têm como objetivo determinar o dolo em uma dada
conduta.41 Por outro lado, argumenta-se que poderia ser creditado a este órgão poder
39 O Estado demandante que não se considera como vinculado pela sentença deverá ter engajada sua responsabilidade. A CPJI elaborou esta
jurisprudência na sua sentença de 15 de junho de 1939 no caso da Socièté Commerciale de Belgique.
40 Por essa razão, o único exemplo de intervenção positiva das Nações Unidas com a finalidade de verificar a execução de uma sentença da
CIJ encontra-se no caso da Diferença Territorial entre a Líbia e o Chade. Em 4 de abril de 1994, o Chade e a Líbia concluíram um acordo
sobre as modalidades práticas de execução da sentença proferida pela Corte. Por esse acordo, a Líbia aceitou retirar suas tropas da Banda
de Aouzou, sob a vigilância de observadores das Nações Unidas, em fins de maio de 1994. Os dois Estados concordaram, igualmente, em
proceder à demarcação da fronteira, em conformidade com a sentença da Corte; à constituição de patrulhas mistas a fim de controlar a
fronteira; à determinação de certos pontos de passagem; e à definição de um processo devendo permitir desarmar as minas do território. O
Conselho de Segurança, por sua vez, autorizou a abertura, por um período de quarenta dias, de uma equipe de observadores (o Grupo de
Observadores das Nações Unidas na Banda e Aousou – Gonuba), conforme uma recomendação do Secretário Geral. Por uma declaração
comum, de 30 de maio de 1994, os dois Estados constataram que, “para a satisfação das partes”, a administração e as forças líbias retiraramse da Banda de Aousou.
41 Ver Oscar Schachter, Editorial Comment, The Quasi Judicial Role of the Security Council and the General Assembly, 58 American Journal
of International Law 960, 960 (1964); e Rosalyn Higgins, The Place of International Law in the Settlement of Disputes by the Security
Council, 64 American Journal of International Law 1, 17 (1970).
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quasi-judicial devido à capacidade de adjudicação de suas decisões, o que, por conseguinte, poderia abrir espaço para conflitos com a Corte, já que a Carta das Nações
Unidas é omissa em determinar explicitamente a relação entre estes entes.42
Outra possibilidade de relação entre o Conselho e a Corte decorre do Artigo 36
(3) da Carta da ONU. Este dispositivo determina que o Conselho de Segurança deveria remeter à CIJ disputas de caráter legal. Assim, este parágrafo 3º dispõe que “o
Conselho de Segurança deverá tomar em consideração”, traduzido da versão oficial
em inglês “the Security Council should take into consideration”, o que implica que
o Conselho de Segurança não é obrigado a cumprir o dispositivo, havendo, portanto,
grande margem de discricionariedade. Ademais, a recomendação do Conselho de Segurança não estabelece por si só a jurisdição da Corte para a controvérsia. Como as
recomendações feitas no contexto do artigo 36 não vinculam as partes, pode-se afirmar que, certamente, a recomendação não estabelece jurisdição obrigatória da CIJ.
Contudo, na prática, pouco uso é feito deste instrumento, sendo que o Conselho jamais requereu um parecer consultivo da Corte.43
Mesmo não se tratando de uma situação na qual a produção da CIJ recaia
sobre uma decisão vinculante de execução obrigatória, o caso do parecer consultivo Consequências Legais da Construção de um Muro no Território Ocupado da
Palestina44 ilustra a falta de lucidez na delimitação da rotina destas instituições. A
conclusão da Corte neste parecer requerido pela Assembléia Geral incidiu sobre
a ilegalidade da construção com base no argumento de legítima defesa fundado
no Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, pois o permissivo está relacionado ao
ataque armado de um Estado contra outro. Contudo, essa conclusão não considerou que o Conselho de Segurança havia aplicado uma interpretação diferente do
conceito contido em tal dispositivo depois dos ataques de 11 de Setembro contra
os Estados Unidos ao conclamar o mundo a uma legitimada auto-defesa contra o
terrorismo.45
Essa situação novamente traz à tona a discussão iniciada no caso Lockerbie46 acerca da possibilidade de a Corte exercer um controle judicial sobre as decisões do Conselho de Segurança. Enquanto a Assembléia Geral não pode considerar um problema
que esteja sob apreço do Conselho,47 a Corte, em sua jurisprudência, não restringe
sua competência da mesma maneira. A doutrina apropriadamente pontua que a lógica
a ser usada para solucionar este impasse deveria basear-se na análise de situações
em que os dois órgãos poderiam funcionar simultaneamente para resolver uma dada
questão.48 No entanto, deve ser lembrado o fato de este contexto conflituoso ressaltar
42 Ver Tae Jin Kahng, Law, Politics, and the Security Council 13 (1969); e Vera Gowlland-Debbas, Commentary, In: Connie Peck & Roy S.
Lee (eds.), Effectiveness of the International Court of Justice, 254, 256, 1997.
43 Ver Tae Jin Kahng, Law, Politics, and the Security Council 13 (1969).
44 CIJ, Rec. 2003.
45 Resolução 1343 de 2001 do Conselho de Segurança.
46 A decisão da Corte no caso Lockerbie entendeu que as decisões do Conselho de Segurança com base no Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas não podem ser reformadas por nenhuma instância internacional. Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal
de 1971 a partir do Acidente Aéreo em Lockerbie, CIJ, Rec. 1992.
47 Artigo 12 (1) da Carta da ONU.
48 Ver Bardo Fassbender, Quis Judicabit? The Security Council, Its Powers and its Legal Control. 11 European Journal of International Law
219, 223 (2000).
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Os Desafios da Corte Internacional de Justiça na Atualidade
121
dilemas que podem surgir para a execução das sentenças daquela em casos onde se
propõe a seguir concepções conflitantes às adotadas pelo Conselho, o que prejudicaria
a habilidade de ambos os órgãos em contribuir para a paz e a segurança internacionais.49 Por conseguinte, a legitimidade desta solução inevitavelmente deveria passar por
uma discussão mais profunda acerca da capacidade legal de órgãos não-jurisdicionais
como o Conselho dentro do conceito de soft law.50
O problema da execução das sentenças da Corte poderia, em tese, ser minimizado
pela cada vez maior confiança depositada nesta instituição. A maior diversidade regional51 dos demandantes é explícita e, nos dizeres da Presidente da CIJ Rosaly Higgins, a instituição atingiu o status de ser “a Corte de todas a Organização das Nações
Unidas”.52 A disponibilidade de acesso mais ampla da Corte em parte é devida ao
Fundo Fiduciário da Secretaria-Geral da ONU para Financiamento dos Estados na
Solução de suas Disputas através da Corte Internacional de Justiça. Criado em 1989
a partir das Regulações e Regras Financeiras das Nações Unidas, ele permite que
qualquer Estado, não importando ser ele parte do Estatuto, candidate-se a receber
auxílio para atuar dentro da CIJ na resolução de suas controvérsias. Contribuições
para o Fundo são recebidas da Finlândia, México, Espanha, Reino Unido e Venezuela,
porém doações representam ainda uma maior parcela do orçamento disponível. Em
2007, o governo do Djibuti requisitou assistência no caso Certas Questões de Assistência Mútua em Assuntos Criminais53 contra a França. Em 2008, o Fundo declarou
conter inicialmente US$ 136.260,00 em recursos, e nenhuma solicitação foi a ele feita
até o momento.54
Os temas discutidos no âmbito da Corte Internacional de Justiça apresentam-se igualmente mais diversificados. As clássicas disputas em torno de fronteiras territoriais
e marítimas e em defesa de nacionais continuam figurando na lista dos julgamentos.
Contudo, questões de direitos humanos, direito humanitário, uso da força, genocídio,
assistência jurídica e meio-ambiente assumem papel cada vez mais central. Atuando
enquanto promotora do rule of law e na interpretação e implementação do direito
internacional, um exemplo de consolidação nas atividades da CIJ em uma nova área é
dado no que tange ao direito ambiental internacional.
Em junho de 1993, uma Câmara de Assuntos Ambientais55 foi criada devido aos
crescentes pedidos contendo matéria relacionada ao meio-ambiente, a qual foi destituída em 2006 por falta de uso. Este fato não demonstra sua fragilidade, mas, sim, a
49 Na ausência de uma diretriz clara, uma saída para minimizar este embate seria a Corte focar-se em interpretações pautadas pelo direito consuetudinário, no qual, na situação sobre a legalidade do muro na Palestina, deveria haver adotado a prática que já encontrava precedente no
Conselho de Segurança. Ver Cronin-Furman, K. R. “The International Court of Justice and the United Nations Security Council: Rethinking
a Complicated Relationship”. Columbia Law Review, 2006, vol. 106, n. 2, pp. 435-463.
50 Ver o artigo pioneiro de Weil, P. Towards Relative Normativity in International Law. American Journal of International Law. July, 1983.
51 Em 2007, encontravam-se na lista de espera três casos envolvendo partes européias, três casos latino-americanos, dois casos oriundos de
Estados da África, uma demanda asiática e dois casos de caráter internacional. As demandas de 2008 representam todos os grupos regionais
das Nações Unidas, e, durante sua existência, a Corte atendeu a pedidos de aproximadamente 60 Estados distintos.
52 CIJ, Press Release 2007/26.
53 CIJ, Rec. 2008.
54 Secretaria-Geral, Documento A/63/229.
55 A Câmara de Assuntos Ambientais foi criada em 1993 com base no Artigo 26 (1) do Estatuto da Corte. CIJ, Press Release 93/20 de 2003.
Ver Valencia Ospina, E., The Use of Chambers in the International Court od Justice. In: LOWE, V, FITZMAURICE, M. (eds.), Fifty Years
of the International Court of Justice; e Hey, E., Reflections on an International Environment Court, Kluwer, Haia, 2000.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
visão de que o direito ambiental deveria ser compreendido como parte integral do direito internacional, sendo que os Estados continuaram a demandar a atuação da Corte
em questões conexas ao tema, mas por via externa à Câmara. Dessa forma, inegável
é a contribuição da CIJ para o desenvolvimento do direito internacional ambiental a
partir da década de 1990.56 Essas decisões e pareceres promoveram a existência de
uma obrigação generalizada de direito consuetudinário entre os Estados na performance de sua jurisdição e controle em relação ao meio-ambiente de outros Estados e
naquelas áreas além do controle nacional dentro dos deveres de monitorar o impacto
ambiental de projetos, da inclusão dos direitos ambientais enquanto direitos humanos,
dos limites do desenvolvimento econômico frente às questões ambientais e do próprio
problema da hierarquia dentro do direito internacional ambiental, integrando assim
sub-campos do direito internacional em um contexto mais geral.57
Cabe ressaltar que, atualmente, a consolidação do papel da Corte Internacional de
Justiça não é freada pelos tribunais mais recentemente criados. Enquanto, no momento
de sua criação em 1946, a Corte era o único órgão jurisdicional internacional, atualmente
ela mantém relações cooperativas com as demais instituições, como os tribunais criminais
ad hoc58 e o Tribunal Penal Internacional.59 O espaço para atuação da CIJ continua intacto
nesta nova realidade, pois sua competência está restrita ao julgamento de contenciosos
entre Estados e não tem jurisdição sobre indivíduos, seja para julgar crimes de guerra, seja
em relação a crimes contra a humanidade. No entanto, há um espaço legal para que a pessoa privada indiretamente demande sua jurisdição, ao contrário do que ocorre nas cortes
acima mencionadas onde este procedimento possui caráter mais direto.
Uma das regras clássicas do direito internacional está representada na idéia de
que todo sujeito e, em especial, o Estado, possui a prerrogativa de ver respeitado o
direito internacional na pessoa de seus nacionais ou agentes. Deste modo, partindo do
postulado de que os particulares estão desprovidos de personalidade jurídica internacional e não podem ser titulares de direitos e obrigações nesta seara, seria impossível
reconhecer que o dano sofrido por eles fosse causado internacionalmente. Para evitar
uma verdadeira situação de denegação de justiça, era necessário encontrar uma ficção
jurídica que solucionasse a questão. Portanto, surge a possibilidade do endosso da
reclamação individual que a transformará em relação jurídica interestatal. O exercício
de direito é realizado mediante o acolhimento da figura da proteção diplomática, que
permitirá aos Estados substituírem processualmente as pessoas jurídicas, possibilitando que estas compareçam indiretamente à Corte. A CIJ foi chamada a responder
56 Parecer Consultivo Legalidade da Ameaça ou Uso de Armas Nucleares (1996), Caso Testes Nucleares (1995), Caso Moinhos de Polpa
(2006) e Caso Herbicida Aéreo (2008).
57 Viñuales, J. E. The Contribution of the International Court of Justice to the Development of International Environment Law: A Contemporary Assessment. Disponível em: http://works.bepress.com/jorge_vinuales/2.
58 Os Tribunais ad hoc são cortes estabelecidas pelas Nações Unidas com vinculação ao Conselho de Segurança para a resolução de questões
específicas. Exemplos são o Tribunal Penal para Ex Iugoslávia, criado pela Resolução 827 de 1993 do Conselho de Segurança, e o Tribunal
Penal para Ruanda, instituído pelas Resoluções 995 (1994), 978 (1995) e 1165 (1998) também do Conselho.
59 O Tribunal Penal Internacional é o primeiro tribunal penal internacional permanente e foi criado em 2002 pelo Estatuto de Roma. Sua
competência recai sobre indivíduos acusados de crimes de genocídio, de guerra e contra a humanidade. Ver AMBOS, Kai, JAPIASSÚ,
Carlos Eduardo Adriano (Org.) Tribunal Penal Internacional: Possibilidades e Desafios. 1ª ed, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2005,
292 p; e SANDS, Philippe. From Nuremberg to The Hague: The Future of International Criminal Justice. 1ª ed, Cambridge: Cambrigde
University Press, 2003, 192 p.
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vários casos contenciosos nos quais a regra da proteção diplomática foi aplicada.60
Isto permitiu um desenvolvimento da jurisprudência no que tange às condições de
exercício deste direito. Considerando, portanto, que os Estados possuam um poder
discricionário para decidir se concedem a sua proteção diplomática, de que maneira
o farão e quando colocarão fim a esta representação, pode-se admitir que são duas as
condições concretas para tal, a saber, o vínculo de nacionalidade e o esgotamento das
vias de recurso interno oferecidas pelo Estado demandado.
É verdade que, ao solucionar controvérsias internacionais interpretando e aplicando o direito internacional a casos concretos, a Corte clarifica o direito e contribui
para o seu desenvolvimento progressivo através de sua jurisprudência. Juridicamente,
este fato decorre da aplicação do artigo 38 de seu Estatuto que, embora não atribua aos
precedentes jurisdicionais a qualidade de fonte do direito, permite que tais decisões
auxiliem na precisão das regras jurídicas em vigor. Numerosas são as decisões da
Corte em que ela expressamente constata um determinado direito e contribui de forma
sistemática para sua evolução e desenvolvimento. Assim, no que tange à descolonização, por exemplo, embora a CIJ tenha evitado responder à demanda portuguesa no
caso Timor Leste, aplicando como base da declaração de incompetência a doutrina do
ouro monetário,61 esta teve a oportunidade de contribuir para a evolução do direito
internacional ao se manifestar de forma clara acerca dos imperativos do princípio da
autodeterminação dos povos no caso Conseqüências jurídicas para os Estados em
Razão da presença contínua na África do Sul na Namíbia. A CIJ reconheceu, igualmente, em sua jurisprudência no caso Barcelona Traction62 e no caso Aplicação da
Convenção para a Prevenção e Repreensão do Crime de Genocídio,63 a existência de
obrigações estatais dirigidas à comunidade internacional como um todo, ou seja, de
natureza erga omnes.
Nos últimos anos, alguns casos chamam a atenção nesta seara por sua complexidade e participação na interpretação e implementação do direito internacional pela
Corte Internacional de Justiça. O caso Legalidade do Uso da Força64 entre Sérvia e
Montenegro, em 2005, trouxe à baila o complicado julgamento simultâneo de oito casos, corroborando assim a eficiência da instituição. Em 2006 e 2007, as atenções estavam voltadas para a demanda Aplicação da Convenção sobre Prevenção e Punição do
Crime de Genocídio entre Bósnia-Herzegovina e Sérvia e Montenegro, quando, pela
primeira vez, um Estado acusou outro pela prática de genocídio.65 França e Djibuti
protagonizaram, em 2008, a situação inédita de admissibilidade de competência pela
60 V
er os casos Notterbohm, CIJ, Rec. 1955; Ambatielos, CIJ, Rec. 1952; Interhandel, CIJ, Rec. 1959; Barcelona Traction Light and Power
Co., CIJ, Rec. 1964; Corpo Diplomático dos Estados Unidos da América em Teerã, CIJ, Rec. 1979; Pedido de Prisão de 11 de Abril de
2000, CIJ, Rec. 2000 Avena e Outros Nacionais Mexicanos, CIJ, Rec. 2003; Ahmadou Sadio Diallo, CIJ, Rec. 2007.
61 Timor Leste, CIJ, Rec. 1995.
62 Barcelona Traction, CIJ, Rec. 1970.
63 Aplicação da Convenção para a Prevenção e Repreensão do Crime de Genocídio, CIJ, Rec. 1993.
64 CIJ, Rec. 2005.
65 Neste caso, a Corte aceitou sua jurisdição com base no Artigo IX da Convenção de Genocídio e, consequentemente, admitiu sua competência no que tange somente ao crime de genocídio e a violações associadas. A decisão proferida declarava que os grupos e indivíduos citados
como infratores não eram parte integrante da ex República Iugoslava, mas afirmou que este Estado violou suas obrigações de prevenir
genocídio, como no caso de Srebrenica, de cooperar com o Tribunal Penal para Ex-Iugoslávia, e de cumprir medida cautelar anteriormente
proferida pela CIJ.
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CIJ com base o conceito de forum prorogatum contido no Artigo 38 (5) de seu Regulamento, através do qual um Estado submete um caso propondo que a competência da
Corte seja encontrada em um consentimento ainda a ser dado pelo outro Estado.66
Dessa forma, no exercício de sua competência contenciosa, a Corte Internacional
de Justiça aplica e estatui o direito internacional quando o diz e o interpreta. Sua
função é, portanto, ora a de adequar o direito à solução de uma controvérsia, ora a
de dizer o direito, contribuindo para sua afirmação e para seu desenvolvimento. Ela
aparece como uma alternativa à disposição dos Estados na busca e na preservação da
manutenção da paz. Sua existência decorre da interdição do recurso à força, da obrigação de se recorrer a uma solução pacífica das controvérsias internacionais e da intenção dos Estados de recorrer a uma instituição nitidamente jurisdicional, permanente e
facultativa. Delegar aos Estados a possibilidade de evocar uma decisão de um tribunal
preestabelecido, cujas competências e natureza processual estão previamente fixadas,
não poderá senão aperfeiçoar o sistema previsto pela Carta das Nações Unidas, desenvolver o direito internacional por meio de uma jurisprudência harmônica e conduzir a
um modelo coerente de sanção dos comportamentos reconhecidamente ilegais.
66 Na disputa entre França e Djibuti, a Corte aceitou sua competência pelo conceito de forum prorogatum com base na carta proferida pela
França e declarou que esta não poderia negar o pedido de carta rogatória feita por Djibuti com base no Artigo 7º da Convenção de Assistência Mútua em Matéria Criminal de 1986.
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Os Desafios da Corte Internacional de Justiça na Atualidade
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
The Reception of Human Rights’ Treaties in Brazilian Law after
the 45th Constitutional Amendment: an Analysis of the Rome
Statute of the International Criminal Court (ICC)
Luciana Diniz Durães Pereira1
Marinana Andrade e Barros2
Renata Mantovani de Lima3
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a incorporação de tratados pelo direito
brasileiro. Diferentes vertentes se desenvolveram no país nas últimas décadas, buscando definir o status jurídico dos tratados no ordenamento interno, sem que nenhuma delas tenha realmente se tornado assente, seja na doutrina ou na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal. Os tratados que versam sobre normas de direitos
humanos têm estado de forma contundente no cerne deste debate. Tal discussão ganhou ainda mais relevância após a introdução da Emenda Constitucional 45, a qual,
atentando para a importância dos Tratados de Direitos Humanos prevê a sua equiparação à Emenda Constitucional. Neste contexto, o debate acerca da incorporação
do Estatuto de Roma torna-se central já que este foi ratificado antes da Emenda 45,
mas conta com um dispositivo que torna o Tribunal Penal Internacional parte da
jurisdição Brasileira. Por conter o Estatuto diversas normas de direitos humanos
ligadas, sobretudo, à defesa da dignidade da pessoa humana, sua integridade física e
direito pleno à vida quando em face de ações criminosas, o debate da incorporação
deste tratado constitutivo de uma jurisdição penal internacional insere-se como um
dos mais relevantes casos na temática da recepção brasileira dos tratados de direitos
humanos em âmbito interno.
Abstract
This article aims to analyze the reception of treaties by Brazilian Law. Different
position have being trying to explain the juridical status of treaties in the country
and non of them became settled by the doctrine or by the judgments of the Supreme
Court. The treaties about Human Rights are in the center of this debate, specially after
the 45th Constitutional Amendment which equalizes them to Amendments. In this
context, the argument concerning the Rome Statute became definitely central because
1 Graduated in Law (UFMG). International Law Specialization by Faculdades Milton Campos. Master in Public Law (International Law research field) by PUC Minas. Professor at the Centro Universitário UNA. Researcher at the Centro de Direito Internacional (CEDIN). Member
of the Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon).
2 Graduated in Law (UFMG) and International Relations (PUC Minas). Master in Public Law (International Law research field) by PUC
Minas. Professor at the Centro Universitário UNA. Researcher at the Centro de Direito Internacional (CEDIN). Member of the Grupo de
Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon).
3 Graduated in Law (Faculdades Milton Campos). Master in Public Law (International Law research field) by PUC Minas. Professor and Law
Faculty Coordinator at the Centro Universitário UNA. PhD student on Public Law (International Law research field).
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Amendment: an Analysis of the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC)
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it was ratified by Brazil before the 45th Amendment but it counts on a constitutional
article that obligates Brazil to accept the jurisdiction of the International Criminal
Court. The Statute provides for the ICC to have jurisdiction over some main classes
of offenses against Human Rights which are related the life, dignity and integrity.
Therefore, the settlement of the exact terms of reception of this treaty by Brazil’s law
is significant and became one of the most important cases concerning the receptions
of Human Rights Treaties in the country.
1. Introduction
This article is centrally aimed on critically analyzing and contextualizing Brazilian legislation and its Supreme Federal Court jurisprudence concerning the process
of treaty incorporation in Brazil and particularly those documents that deal with Human Rights norms. Under this approach, the methodological framework used will pay
special attention to the International Criminal Court Rome Statute insertion into the
national juridical order.
For this purpose, after theoretically discussing the relations between the internal
and the international juridical orders by presenting the monist and the dualist theories,
the Supreme Federal Court jurisprudence will be investigated in light of a historical
and evolutive perspective since the 1970s until nowadays. Following that, the Rome
Statute incorporation into the Brazilian internal system will be specifically debated. At
this moment, the debate on the Federal Constitution article 5th, paragraph 4th, which
was brought about with the 2004 45th Amendment and deals with the International
Criminal Court (ICC) jurisdiction, will be stressed.
2. The Relation Between International and Internal Juridical Orders: Monism
and Dualism
The problematic of the existent relations between international and internal juridical orders is put under a double approach, that is, material and formal4. Within the
material realm, this relation analysis is done from the conceptual division between
juridical matters that are typical objects of a given system. It focuses, then, on how
the international juridical order and the content and substance of its norms differ
or converge from the juridical orders existent norms of States that compose the
international society.5 On the other hand, based on a formal approach, the debate
is focused on the existence or not of a hierarchy between norms with international
nature and norms with internal nature, and, above all, which one would prevail if
4 PELLET, Alain; DAILLIER, Patrick; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público – 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2003. p. 95.
5 In this sense, see the juridical concept of reserved domain. Based on the idea of a compatibility between international law primacy and state
sovereignty, the concept expresses the State simultaneous condition of sometimes be submitted to international norms and others have full
freedom to legislate about matters about which international law is limited to supporting principles and competences, without outlining their
form and executive parameters.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
there would be an eventual conflict that demands these norms application.6 With
the purpose of answering these questions and trying to diminish the existent divergences and deadlocks, many theories have been brought about. In between those, a
special position is granted to the Monist Theory (Monism) and the Dualist Theory
(Dualism).
2.1 Monist Theory
The monist theory7 states that international and internal juridical orders must be
presented as a unity, that is, they belong to the same juridical system which is unified and indivisible. Inside this system, internal and international law differ solely
as distinct branches of the Law. Accordingly, the existent relation between international and internal norms are understood as one of interpenetrative nature, between
which the juridical interaction is done by means of an identity of sources and subjects (individuals), since they belong to the same united harmonic and convergent
system.8 Therefore, the international law application inside the national sphere is
done directly and automatically, and it is either unnecessary and not mandatory to
formally receive it with a specific juridical instrument so this international norm
could share of appropriate term and validity within the internal juridical order.
Nevertheless, the theory defenders are divided into two different lines of theoretical
argumentation when it comes to deal with the existence or not of an hierarchy between
internal and international norms and which one should be preferably applied when there
are concrete cases of conflict or normative concurrence on the same matter.
For the internationalist monists, the juridical system unity is based on the international
law primacy in comparison with internal law,9 as the national juridical order finds its validity plea from the foreign norms constructed upon the principle of pacta sunt servanda.
Hence, it should be subordinated to it. Accordingly, situations whose legislation is done
concurrently by both juridical spheres, international and intern, or that show controversies
on the law application must be solved by using the international normative precepts.
Contrarily, for the nationalist monists,10 the adoption of international law internally is a mere State discretion, that is, the constitutional sovereignty has primacy
over the supranational normativity. Thus, when there are divergences and considering
that the international norms mandatory compliance exists internally solely due to the
previous State consent by manifesting its unequivocal sovereign will, the norm to be
applied is undoubtedly the one of internal, State nature.
6 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público – 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 53 e BROWNLIE, Cf. Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Trad. De Maria Manuela Farrajota. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997. p. 44.
7 The most relevant authors defending the monism are: Hans Kelsen, Hegel e Lauterpacht, internationally, and Celso de Albuquerque Mello,
Vicente Marotta Rangel e Cachapuz de Medeiros, inside Brazilian internationalist doctrine.
8 PELLET, Alain; DAILLIER, Patrick; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público – 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2003. p. 95.
9 This stream found its maximum exponent in the Austrian scholar Hans Kelsen. He defended the internal law derivative existence in comparison to international law, that is, the national law and the validity of its norms (including the constitutional ones) come from international law,
therefore being subordinated to the later. Such explanation is based on the Kelsenian normative pyramid, whose apex is the international law
as an expression of the principle pacta sunt servanda.
10 The nationalist monist stream has as its main defender the German philosopher Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831).
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Amendment: an Analysis of the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC)
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2.2 Dualist Theory
On its turn, the dualist conception11 explains completely differently the relation between internal and international juridical orders. It departs from the fact that these two
juridical orders are equally valid and on term, therefore they shall not be confused. They
are, thus, impenetrable and independent juridical orders, what explain why it is impossible to have conflicts between these norms: the internal norm can only be applied within
the State realm, whereas the international norm can only be in the supranational sphere.
According to the dualists, an international norm12 that is fruit of foreign affairs and juridical compromises assumed by States in front of one or more international law subjects13
must be previously incorporated into the State juridical order and integrated through its
text formal reception using a specific legal diploma so it can generate effects.
In Brazil, by interoperating the jurisprudence of the Supreme Federal Court,14 one
can note that it has been chosen the dualist doctrine, although under a mitigated version,
denominated moderated dualism. Under this approach, it is not enough that a treaty is
internationally ratified for it to be on term in the country. It is demanded as well to be
approved by the National Congress15 and promulgated by the President of the Republic
with the emission of a presidential decree. Even though this obligation cannot find any
juridical support inside the constitutional norms16, the promulgation is seen as fundamentally and crucially important by the Supreme Court, and it is one of the phases that
compose a perfect treaty incorporation in the country. Nevertheless, it is relevant to
stress that, even under the formal necessity of the presidential decree, there is no obligation of it under Brazilian law to transform the treaty into law itself so it can be internally
on term and sharing of full juridical force – the pure dualist theory.
However, to analyze the way treaties are received by Brazilian juridical order has
been the topic of a number of studies recently. This is not due only to the undoubted
relevance of this, but it is due as well to the imperative necessity to implement in Brazil
a coherent system of treaty incorporation, specially those that deal with human rights.
Such a debate has been done by the already implemented 2004/45th Constitutional
Amendment. In order to do so, it is essential to discuss the way though which the Supreme Court has understood and interpreted it by means of its jurisprudence.
3. Human Rights treaties Insede the Supreme Federal Court Jurisprudence
Until the extraordinary appeal trial number 80.004-SE17 in 1977, the Supreme Court
has settled the International Law primacy over the Internal Law. In this appeal, it has been
11 The most relevant dualism defenders are Verdross, who gave the theory this name in 1914, Triepel, Alf Ross and Anzilotti.
12 In this sense, see the set of international law sources indicated in the International Court of Justice Statute Article 38, attached to the United
Nations Charter.
13 States, International Organizations and Individuals. For a deeper debate on the individual as an international law subject, see CANÇADO
TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Direito Internacional. 1ª ed., Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006 e, em opinião
contrária, REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10ª ed, São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
14 ADIn 1480 – DF (Rapporteur Minister Celso de Mello): DJU 13/05/1998
15 1988 Federal Constitution, Article 49.
16 Both the Constitution Article 84 as all other constitutional devices, there is no exigency towards this executive decree promulgation.
17 The Extraordinary Appeal dealt with the Uniform Law on Bills of Exchange and promissory notes. According to what was depicted by
Minister Carlos Mário da Silva Velloso (Os Tratados na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de Informação Legislativa,
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
decided that, in case of conflict between treaty and a later law, the law should prevail
according to the principle lex posterior derogat legi priori. Therefore, it can be noted that,
from this trial on, the Supreme Court has matched treaties and ordinary laws, a stand that
is hotly debated by the doctrine.
The consequent discussion on this Supreme Court stand is based on many relevant
reasons. On one hand, this decision is consistent with the political moment in Brazil
by that time, which tended to affirm the idea of “national interest” based on the classical notion of sovereignty, that is, the complete non-interference inside the national
territory of whatever international instruments.18 On the other, it can be noted that
such a stand focused on the idea that a treaty is equivalent to an ordinary law does not
take into account the specificity of International Law and its institutes.
It is believed as an International Law principle that, at the moment the Stateparts conclude an agreement internationally, they are doing it based on goodfaith. Since then, it is expected that the assumed compromises are going to be
unrestrictedly fulfilled by its contractors. Accordingly, the Havana Convention on
the Law of the Treaties, that is on term in Brazil since the Decree number 18.956
from October 22nd 1929, states undoubtedly about its continuity despite the State
internal legislation.19
Furthermore, treaties have specific forms to end their effects, and they are different
from the way internal laws are extinct. In general, internally it is used the principle
lex posterior derogat legi priori, whereas externally the State must follow some particularities in order to get rid of the assumed compromises. If the State disagrees
unilaterally from something contained in the treaty, it should complain or extinct it if
it is about a bilateral agreement. Afterwards, the document ceases to produce effects
for the part if it is a multilateral agreement.
It can be noted that the Supreme Court stand considering treaties as ordinary laws
has left Brazil in a delicate position. Internally, a simple ordinary law can push away
the applicability of a biding international treaty, as it has been the tendency from the
special appeal number 80.004-SE on. Nevertheless, this could enable the country to
be internationally demanded due to the principles of State international responsibility20 based on the non-fulfillment of a treaty before denouncing it.
a.41, n. 162 abr./jun. 2004, p.36), the process rapporteur Minister Xavier de Albuquerque supported the primacy of International Law over
internal law, topic in which he has been defeated by the major part that supported the thesis of the national law authority when it is promulgated after a treaty. In between different arguments, Minister Leitão de Abreu stand prevailed. He stated that a law not compatible with a
treaty does not repeal it, as one could think in a first moment. It simply removes its application when it is on term. This means that, when a
law incompatible with a treaty is repealed, the later can be once again applied.
18 The concept of sovereignty is currently object of a number of analyses and is hotly debated. Since this is not the aim of the present article,
this topic will not be deeply analyzed here. For more details on it, see: MATTEUCCI, Nicola. Verbete Soberania. In: Dicionário de política.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giafranco (orgs.). Trad. de Carmen C. Varriale et al. 5. ed. Brasília: Universidade
de Brasília, 2000, p. 1.183; Hirst e Thompson; HIRST, Paul e THOMPSON, Grahame. Globalização em questão. Trad. de Wanda Caldeira
Brant. Petrópolis: Vozes, 1998.
19 Havana Convention, article 11 - rt. 11 da Convenção de Havana – Treaties shall continue to produce effects, even if they modify the Stateparts internal constitutions. If the State organization changes in a way it becomes impossible to execute it, due to territorial division or
analogue reasons, the treaties shall be adapted to the new conditions.
20 For a more relevant discussion on this institute, see PELLET, Alain; DAILLIER, Patrick; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional
Público – 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. In its pages 775 until 841, States and International Organizations international responsability is deeply and critically debated.
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The Reception of Human Rights’ Treaties in Brazilian Law after the 45th Constitutional
Amendment: an Analysis of the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC)
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From 1988 on, a new debate was initiated with the Republic Federal Constitution promulgation. The constitutional text has brought about the paragraph 2nd of
its article 5th, which states that the rights and guarantees contained inside this article
shall not exclude the ones fruit of treaties in which Brazil is part. In this context, the
extreme complexity of the Human Rights Treaties special situation in the Brazilian
juridical order has been demonstrated, since the constitutional text has not clarified
which would be the juridical status of their norms, although it has pointed to their
importance.
Clearly trying to diminish doubts around this problem, the 2004 45th Constitutional Amendment has inserted the paragraph 3rd into this article 5th. According to it,
international treaties and conventions on human rights approved with a constitutional
amendment quorum, that is, three fifths of the votes at both Houses, will be considered as constitutional text. Even though this amendment has solved the problem of the
juridical status of treaties dealing with human rights from its term on, the debates on
important international diplomas that have been incorporated before the amendment
continues,21 specially the Rome Statute, responsible for creating and adopting the Criminal International Court.
A number of different streams are dealing with this question. Minister Gilmar
Mendes notes four of them and analyze them inside his vote at the extraordinary
appeal number RE 466.343-1: besides the stream favorable to consider the treaty as
ordinary law, there is now the ones standing that Human Rights Treaties would be a
supralegal law,22 the ones defending that these should be part of constitutional law,23
and, last but not least, those that consider it as a supraconstitutional law.24 Those that
defend Human Rights Treaties norms as equal to ordinary laws are connected to the
ancient doctrine, and, according to most part of the current doctrine, this represent a
retrograde Supreme Court position when it comes to deal with treaties. It cannot be
denied that, from the 1988 Federal Constitution on, this line of thought has became
empty by article 5th, paragraph 2nd. However, this thesis continues to be relevant for
treaties that contain Human rights norms.
21 Valério de Oliveira Mazzuoli (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público – 1ª ed., São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006, p. 491) lists the most important international documents on human rights ratified by Brazil. On the global system of
protection: Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (1948), Convention Relating to the Status of Refugees
(1951), Protocol relating to the Status of Refugees (1966), International Covenant on Civil and Political Rights (1966), Optional Protocol
to the International Covenant on Civil and Political Rights (1966), Convention on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination
(1965), Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (1979), Optional Protocol to the Convention on the
Elimination of All Forms of Discrimination against Women (1999), Convention against Torture and other Cruel, Inhuman or Degrading
Treatment or Punishment (1984), Convention on the Rights of the Child (1989), International Criminal Court Rome Statute (1998), Optional
Protocol to the Convention on the Rights of the Child on the Sale of Children, Child Prostitution and Child Pornography (2000), Optional
Protocol on the Involvement of Children in Armed Conflict (2000) and United Nations Convention against Corruption (2000). On the
interamerican system of protection: Interamerican Convention on Human Rights (1969), Additional Protocol to the American Convention
on Human Rights in the Area of Economic, Social and Cultural Rights (1988), Protocol to the American Convention on Human Rights to
Abolish the Death Penalty (1990), Internamerican Convention to Prevent and Punish Torture (1985), Interamerican Convention on the
Prevention, Punishment and Eradication of Violence against Women (1994), Interamerican Convention to Eliminate All Forms of Discrimination against Persons with Disabilities (1999).
22 In this sense, see the Minister Gilmar Mendes votes in the RE 466.343- SP and in the HC 90.172-SP.
23 Some well-known Brazilian scholars stand in this sense: Sylvia Steiner, Flávia Piovesan, Luís Flávio Gomes, Valério Mazzuoli, Ada
Pelegrini Grinover and Antônio Augusto Cançado Trindade.
24 In Brazil, the greatest defender of this stream undoubtly was Celso de Albuquerque Melo.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
The idea of Human Rights Treaties as a supralegal law considers that these would be
below the Constitution, but above infraconstitutional legislation. This position has been
discussed lately by the Supreme Court and has special importance for the situations in
which the treaties contradict ordinary legislation, when it shall prevail the earlier.
The stream that defends Human Rights norms incorporated in Brazil through treaties should be part of Constitutional Law has many followers nowadays in the country.
According to Luís Flávio Gomes25, even though this thesis has never reached a majority support inside the Supreme Court, there are some decisions like this.26.
If the Human Rights treaty norms are considered supraconstitutional, the central problem should be “a supreme values confluence protected internally and
internally on human rights matters”27. Nevertheless, the way in which Brazilian
juridical order is constructed, with the Constitution standing at the most high level, it is unlikely that the national government could get rid of it when it is acting
internationally.
Therefore, it can be noted that the debate on Human Rights Treaties incorporation
in Brazil has not been finished by with the paragraph 3rd insertion into the article 5th
of the Federal Constitution. This is because there is no settled interpretation concerning the treaties dated before the 45 Amendment. In this context, one of the cases
that deserves attention is the Rome Statute, that created the International Criminal
Court, inserted inside Brazilian juridical order in 2002. Therefore, this document was
received before the Constitutional Amendment. However, what makes this case even
more complex is the fact that the Amendment itself has inserted into the article 5th
the paragraph 4th, which forecasts Brazilian submission to the International Criminal
Court. Accordingly, it will be firstly analyzed the Rome Statute insertion into the national juridical order so we can be able to evaluate this case particularities based on
what it is stated by the Amendment.
4. The Rome Statute Incorporation into the Brazilian Juridical Order
Firstly, it is appropriate to widely conceptualize a treaty as a formal agreement
celebrated by the States will as international public law subjects and is aimed on
producing juridical effects to the contracting parts28. Nevertheless, a treaty ratification
process implies the respect not only to international norms,29 but also to the internal
juridical order that will incorporate its precepts so it can become effective. Concerning the Brazilian Law, the Executive Chief and the National Congress, though sha25 GOMES, Luiz Flávio. Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa “pro homine”. Revista Juristas, João Pessoa, a. III, n. 92,
19/09/2006. (http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=2934>). Accessed on 9/27/2007.
26 RE 80.004, HC 72.131 and 82.424, whose rapporteur was Minister Carlos Velloso.
27 Minister Gilmar Mendes vote in the RE 466.343-1.
28 The 1969 Vienna Convention on The Law of Treaties Article 2 (1) (a) defines treaty as an “international agreement written concluded
between States and governed by International Law, composed of either one instrument or two or more connected, whatever be its specific
denomination”. Currently, the prerogative of celebrating treaties is not exclusively granted to the State. International Organizations such as
the United Nations and the Organization of the American States have the international capacity to celebrate treaties. See the 1986 Vienna
Convention on The Law of Treaties between States and International Organizations or between International Organizations.
29 1969 Vienna Convention on the Law of Treaties.
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Amendment: an Analysis of the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC)
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ring of diverse competences, are aimed on the same end: to conclude and to adopt the
treaty based on the national juridical regime.30
In this context, the first Rome Treaty celebration phase was the negotiation between the Plenipotentiaries Conference participants, which formulated a statute to
be submitted to the States ratification. Following that, the celebration itself started,
which, in the national law, depends upon the Executive and the Legislative.
Accordingly, the Federal Constitution is clear when it states that the President
of the Republic has privative competence for celebrating international treaties,
conventions and acts,31 and the Foreign Affairs Minister has the task to assist him
formulating Brazilian foreign policies.32 However, it is usual in the Ministry of
Foreign Affairs that whatever authority signature is valid on a treaty, since it is
based on a Full Power Letter.33
For this reason, on February 7th 2000, the Brazilian representative for United Nations34 signed the Rome Treaty, stressing the Court political and juridical relevance for
being the first permanent and autonomous International Criminal Jurisdiction created by a
multilateral treaty. However, the international act was not concluded yet, since the National Congress is the one responsible for resolving definitively about such an instrument.35
Therefore, the current president Fernando Henrique Cardoso submitted the text for the
National Congress appreciation on October 10th 2001. Finally, only on June 6th 2002 the
Statute has been approved through the Legislative Decree number 112.36 Afterwards, the
referendum returned to the Executive Chief, who provides the ratification instrument deposit at the United Nations General-Secretary37 on June 20th of the same year, confirming
its connection to the Rome Treaty within the international juridical realm.
It is appropriate to stress that, with the ratification act38, the State shows its consent to
juridically be connected to the international agreement. Since then, it must fulfill it res30 The formalization of an international act has its onset, in general, with negotiation, conclusion and signature acts. As a rule, this competence
is attributed to the Executive Power, depending upon each state order. In Brazil, treaty negotiations must be followed by a diplomatic employee (Decree number 2.246/1997, article 1, III, annex I), and must be approved by Itamaraty Juridical Advising Department and by the
International Acts Division. The signature means the mere authentication of the conventional text, that is, it ends the negotiation. Nevertheless, it does not have the power of binding the State to the international instrument. It is important to stress that the ending of the negotiations
with the signature only means that the Government wishes to continue with the treaty celebration process, but does not obligate the State
that has signed to fulfill the agreement. Contrarily, the ratification means the definitive consent of the norms and obligations included in the
Treaty, externalizing its effects in the international juridical sphere. Accioly, Hildebrando; Nascimento e Silva, Geraldo Eulálio do.
Manual de direito internacional público, p.20. Federal Constitution, Article. 84, VIII.
31 Federal Constitution, Article 84, VIII.
32 Decree number 2.246/1997, article 1, single paragraph, annex I.
33 The Full Power Letter must be signed by the President of the Republic and sanctioned by the Ministry of Foreign Affairs.
34 Ambassador Gelson Fonseca, member of the Ministry of Foreign Affairs.
35 Federal Constitution Article 49, I.
36 Legislative Decree number 112 from 2002: “The National Congress orders: Article 1 It is approved the text of the International Criminal
Court Rome Statute, approved on July 17th 1998 and signed by Brazil on February 7th 2000. Single Paragraph. It is subjected to Congress
approval whatever acts that could result on the afore mentioned Statute revision, as well whatever complementary adjustments that, based
on the Federal Constitution Article 49, I, could bring about serious burdens and commitments to the national heritage. Article 2 This
Legislative Decree is put on term on the date of its publication”. It is worthy to register the juridical nature of the legislative decree: it is a
law without sanctioning, confirmation or approval by the Executive Chief. Hence, it is an act exclusively done by the National Congress,
also from the national legislative process, though without the President of the Republic interference. Pontes de Miranda, Francisco
Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº. 1, de 1969, p. 142.
37 The afore mentioned United Nations organ is responsible for receiving ratification, consent and approval instruments. See: Rome Statute
Article 125 (2).
38 The same Convention on Treaties states that ratification can be understood as “the international act like this nominated by which the State
establishes in the international plan its consent to be obliged by a treaty”. Article 2 (1), (b).
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pecting the pacta sunt servanda and good-faith principles;39 otherwise it can suffer from
the consequences of its responsibility at international level. Another problem that must
be dealt with is the internal reception process forecasted inside the countries Constitutions and it is the international document efficacy vector inside each State-part territorial
space. For this reason, to finish the internal phase of the Rome Statute insertion into the
national juridical order was formalized by the Presidential Decree number 4.38840 promulgation41 on September 25th 2002. Once inserted into the Brazilian juridical order, it
is appropriate to following analyze the impact of the recent paragraph 4th of the Federal
Constitution article 4th, introduced by the 45 Constitutional Amendment.
5. Rome treaty and the Paragraph 4th of the Federal Constitution Article 5th,
Insertered by the 2004/45 Constitutional Amendment
Published on December 31st 2004, the 45 Constitutional Amendment innovated
by adding a device related to the Brazilian State submission to the International Criminal Court jurisdiction, whose creation it has been added.42 Firstly, it could be initially concluded that it would be unnecessary to reaffirm the constitutional principle
of Human Rights primacy, not to mention the previous reference to a Human Rights
court by the article 7th of the ADCT. Given the ICC peculiarity and competence, the
referred court could not be another one. Moreover, when the Constitutional Amendment was published, the Rome Statute was already appropriately incorporated to the
national order. Under this approach, the constitutional prevision after its insertion into
internal law should only be a normative redundancy, since it would not have the task
of reach out and reaffirm perfect juridical acts.43
However, this device interpretation cannot be done so superficially. Its meaning and effects are deeply complex. Indeed, what is aimed is to remove every
discussion concerning the International Criminal Court Statute previsions constitutionality, which was raised by the time of their incorporation. In order to do so,
the paragraph 4th of the Constitution article 5th promoted an extension of the Bra39 See: Vienna Convention on the Law of Treaties, Article 26.
40 Full Presidential Decree: “The President of the Republic, using the attributions granted to him by the Federal Constitution, Article 84, VIII.
Considering that the National Congress has approved the International Criminal Court Rome Statute by means of the Legislative Decree
number 112 from June 6th 2002. Considering the afore mentioned International Act that entered into force on July 1st 2002 and started to
be on term on September 1st in Brazil according to its article 126. Orders: Article 1 The International Criminal Court Rome Statute, added
to this present Decree, will be executed and fulfilled following entirely its contempt. Article 2 Whatever acts that are subject to the National
Congress approval and can result as a revision of the afore mentioned agreement, as whatever complementary adjustments that, under article
49, I of the Constitution, can bring about serious burdens or commitments to the national heritage. Article 3. This Decree shall enter into
force by the date of its publication”.
41 It is stressed that its promulgation attests the existence and formalization of an international act, indicating its executive capacity inside the
national order. “The promulgation effects are: a) to make the treaty executive in the internal sphere and b) to check the regularity of the
legislative process, that is, the Executive checks the existence of a obligatory norm (treaty) for the State”. MELLO, Celso D. Albuquerque.
Curso de Direito Internacional Público, p. 241. It can be observed that the presidential decree does not find any legal basis, but it is “such
an ancient praxis as it is independence and the first conventional exercises of the Empire”. Rezek, José Francisco. Direito internacional
público, p. 83.
42 It is about the paragraph 4th of the afore mentioned constitutional article that states: “Brazil can submit itself to an International Criminal
Court whose creation has shown adhesion”.
43 Civil Code Introduction Law, Article 6th: “a law on term will have immediate and general effect, respecting the perfect juridical act, the
acquired right and the res judicata. Paragraph 1: The juridical act is taken as perfect if it is consummated according to the law on term by
the time it took effect”.
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zilian jurisdiction when it clearly submits it to the International Criminal Court jurisdiction, to whose creation was celebrated its adhesion. That is, it equated such
a Court with the Brazilian Juridiciary organs. Hence, it can be observed that this
device was not aimed on constitutionally declaring adhesion to the International
Criminal Court, but to recognize whatever institution with the same nature as a
national jurisdiction, enlarging then the criminal jurisdiction concerning crimes
within its competence.44
Nevertheless, the following question can be asked: if the afore mentioned paragraph was intended on enlarging internal jurisdictional power, why it has not
been inserted into the devices contained in the Constitution Title IV Chapter III?45
To answer this, some aspects should be taken into consideration. Firstly, it is
stressed that the constitutional diploma does not hinder the national jurisdiction
enlargement. Secondly, it is observed that, though it deals with jurisdictional organs in a specific Chapter, nothing can be found that prevents its treatment inside
a distinct constitutional domain. Moreover, it has been done so for merely organizational aspects. Thus, it must be concluded that the Derivative Constitutional
Power choice for enlarging the set of jurisdictional organs in the Title for fundamental rights and guarantees was deliberated, intentional. This is true because it
has qualified this norm as sharing of fundamental character, therefore covered as
a petrified clause.46
Petrified clauses are those devices that prevent the reforming legislator from
removing given matters from the constitutional text. That is, they are constitutional devices that do not admit changes concerning its form and are not able to be
abolished by amendments. Nevertheless, it is known that international treaties and
conventions can be extinct by a unilateral act of complaint, for instance,47 done by
the Executive Chief. Hence, there would not be the possibility for the President
of the Republic to use its discretionary power according to his convenience and
chance, and abolish this petrified clause by denouncing the Rome Treaty? For
some authors, it forbids human rights protection treaties complaint, because, once
ratified by the State, they would enter into the internal order constitutionally as
a petrified clause. However, even if such a stand is not admitted,48 an eventual
complaint would no lead to this fundamental rule removal. This is true due to the
fact that the paragraph 4th of the article 5th advocates for the adhesion to a generic
International Criminal Court, not to the ICC specifically. Certainly, this is what
currently shapes the constitutional device, and what is petrified is the recognition
44 According to the Rome Statute Article 5th, it is up to the Court to judge crimes of genocide, against humanity, war and aggression.
45 This Chapter is aimed on regulating the devices affected by the Judicial Power, in between them the one of dealing with the jurisdictional
organs that compose itself.
46 Federal Constitution, Article 60, Paragraph 4th: “It will not be object of deliberation the amendment propose that intends to abolish: (…)
IV – fundamental rights and guarantees”. This article refers to the petrified clause, that is, a unchangeable constitutional device that cannot
be suppressed not even through constitutional amendment.
47 The complaint can be conceptualized as: unilateral act by which a State-part in a given treaty express its will to retreat from it.
48 This debate was further developed in this article.
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that, if there is a International Court with criminal nature, its jurisdiction will be
assigned to the Brazilian State.
6. Conclusion
The conquests obtained during the history of law and that were made real by human
rights international treaties appropriately incorporated into the Brazilian law, find some
obstacles in interpretations based on monist and dualist theories. For this reason, in the
name of sovereignty and State self-limitation, the national jurisprudence denied constitutional status for these treaties. This position is, indeed, contrary to the Constitutional
spirit itself, that has put as its fundamental principal the primacy of human rights.
Accordingly, the paragraphs 3rd and 4th brought about by the 45 Constitutional
Amendment show the constitutional derivative legislator intention of granting to these
treaties the real reach of its devices. It can be observed, therefore, that the novelty introduced refers to an express normative force of these treaties and conventions, given
the allocation of constitutional amendment status to these international acts.
In other words, the Constitutional Amendment condition implies that they must
be integrated to the internal order as a formally constitutional norm. Thus, the quality
of being a materially constitutional norm granted to these international instruments
rights may be concretely put into effect, integrating them definitively into the fundamental rights set covered as a petrified clause.49 This implies the persistence of the
rights contained in the treaty, even tough they have ceased to exist or to be fulfilled
internationally.
Specially with the Rome Treaty Brazilian legislation reception, though appropriately incorporated even before the 2004 45th Amendment publication that granted
them constitutional status by the specific constitutional reference to it in its article
5th paragraph 4th, the Brazilian criminal jurisdiction enlargement has never come
true. In this sense, it can be stressed the onset of a change within the national values
perception, mainly concerning the national order humanization through the effective
will to fulfill constitutional devices with fundamental nature contained in the criminal
international cooperation in which Brazil is inserted in. This collaboration is done by
States and international organizations that compose the international society and are
related to the qualification, investigation, arrestment and punishment of criminals that
are perpetrators of crimes that affect humanity universally both by its magnitude or
the cruelty level it impinges upon human eyes. Currently, it is presented not only as
a reality for the States, but, above all, as a primary universal necessity to fight for an
unlimited respect and full concretization of human rights.
49 1988 Federal Constitution, Article 60, paragraph 4th.
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Amendment: an Analysis of the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC)
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Revista de Informação Legislativa, a.41, n. 162 abr./jun. 2004, p.35-45
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
Treaty Enforcement by Brazilian Courts: Reconciling
Ambivalences and Myths?
CLAUDIA LIMA MARQUES1
LUCAS LIXINSKI2
Resumo
É comum a afirmativa de que o Direito Internacional não conta com papel importante no âmbito interno do Brasil, apesar de ter o país ratificado as mais importantes
convenções das Nações Unidas, incluindo aquelas pertinentes ao Direito do Meio
Ambiente, Direitos Humanos e Economia. Este artigo demonstra que o Direito Internacional tem uma função mais preponderante do que se alega. Para tal, analisa-se
primeiramente a incorporação de tratados na ordem jurídica brasileira, sob uma perspectiva horizontal da separação dos poderes, bem como é analisada a questão a partir
de uma perspectiva constitucional; sendo, posteriormente, perquirida a aplicação de
provisões de tratados em cortes internas. Chega-se à conclusão de que a aplicação de
tratados internacionais em cortes internas é relativamente recente, devido ao processo de democratização do País que há pouco se estabeleceu, e também à persistente
concepção conservadora de soberania que ainda predomina nas mentes dos juízes
brasileiros. Uma possível solução para fomentar a aplicação de instrumentos internacionais no âmbito interno seria a elevação das normas dos Tratados de Direitos
Humanos a um patamar supra-legal, colocando a proteção dos Direito Humanos no
centro do ordenamento jurídico.
Abstract
During contemporary conflicts, civilians have been frequently focused within
the hostilities, and war prisoners are commonly kept mistreated. These are not
rare practices and the International Criminal Court for ex-Yugoslavia and Rwanda
(ICTY and ICTR) have provided a detailed jurisprudence on the criminal nature
of such activities since their establishment. Both Courts judicial decisions tend to
converge, and are enriched by Special Court for Sierra Leona (SCSL) judgments.
This article analyses the distinct manners in which civilians and war prisoners were
1 Chair of Private International Law, Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil; S.J.D., Heidelberg University, Germany; LL.M., Tübingen University, Germany; LL.B. Federal University of Rio Grande do Sul, Brazi
2 Ph.D. Candidate, European University Institute, Italy; LL.M., Central European University, Hungary; LL.B. Federal University of Rio
Grande do Sul, Brazil. We are highly indebted to Fabio Morosini for leading the efforts of the researchers and alumni from the research
group CNPq Mercosur and Consumer Law in collecting the relevant case law. These researchers, to whom we are also indebted, are: Ana
Blanco de Britto Velho, Ana Gerdau de Borja, Andressa Michel, Carolina Moreira, Carolina Paranhos Coelho, Christian Augusto Slomp de
Oliveira Perrone, Daniel Caye, Daniel Vieira, Denise Dias de Castro Bins, Diego Fraga Lerner, Ernesto Nunes, Felipe Rocha dos Santos,
Fernanda Scaletscky, Fernando Concílio, Fernando Lusa Bordin, Filipe Scherer Oliveira, Ioulia Dolganova, Iris Russowsky, Joana Zanon,
João Francisco Guarisse, Laura Delaloye, Luana Iserhard, Luciana Goulart Quinto, Luis Gustavo Meira Moser, Maitê Schmitz, Maria Luiza
Jobim, Marilia Zanchet, Martha Giugno Termignoni, Rafael Pellegrini Ribeiro, Raquel Thais Hunsche, and Tâmara Joana Biolo Soares. All
errors remain the authors’.
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mistreated and identifies the means by which these violence perpetrators must be
individually taken as responsible in the light of International Criminal Law. Specifically, it proposes a legal and factual discussion on the violence suffered by civilians
and detainees – deportation, forced dislocation, torture and rape – as well on the
civilians situation during a combat – trench diggers, human shields and children
acting as soldiers.
Introduction
Some myths are difficult to fight against. It is common to assume that Brazil does not
ratify many international treaties, and if it does, that they are only “law on the books”, not
“law in action”, a sort of “symbolic law”3 with little or no enforceability. Also one of the
general assumptions amongst Brazilian litigation lawyers is that international law as a rule
does not affect their practice.4 In other words, there is a feeling abroad that Brazil is not a
friendly country for international law and a feeling in Brazil that international law is of no
great importance for national litigation.3
The fact is that Brazil since 1992 has ratified 25 OAS Conventions4 (including 15
Inter-American Conventions on Private International Law),5 the 27 Conventions of
MERCOSUR6 (the “Southern Common Market-MERCOSUR”,7 an imperfect Customs Union between Argentina, Brazil, Uruguay and Paraguay, and in the near future
Venezuela, with associates, like Chile and Bolivia),8 58 Treaties in Environmental
Law9 and all important recent UN Conventions, especially in human rights10 and in
economic areas.11
3For critics to this ‘ symbolic use’ of the law in Latin America, see Marcelo Neves, La force symbolique des droits de l’ homme, 599 DROIT
ET SOCIETÉ 58 (2004).
4 See JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES, O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O DIREITO INTERNACIONAL – UMA ANÁLISE
CRÍTICA 13 (Livraria do Advogado Publishing, 2000).
3 On the Brazilian position regarding the non-ratification of the 1964 Hague Convention and the 1980 United Nations’ Vienna Convention on
International Sales of Goods, see Monica Egbrari Goular, A Convenção de Viena e os Incoterms, 856 Revista dos Tribunais, 67, 70 (2007).
Favoring the ratification of these instruments, see Eduardo Grebler, Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda
Internacional de Mercadorias, 88 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 45 (1992) and more recently, Eduardo
Grebler, A Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias e o Comércio Internacional
Brtasileiro, BRAZILIAN YEARBOOK OF INTERNATIONAL LAW, 94 (vol. 1, III, 2008) .
www.mre.gov.br
4 See Convenções e Protocolos da OEA, available at
(last accessed December 2, 2008). About the Conventions in
civil procedure and cooperation, see Claudia Lima Marques, Procédure civile internationale et Mercosur : pour un dialogue des règles
universelles et régionales, 8 Revue du Droit Uniforme/Uniform Law Review – UNIDROIT, «Harmonisation Mondiale du Droit Privé et
Integration économique régionale» 465 (2003).
5 See Integração Jurídica Interamericana – As Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs) e o Direito Brasileiro 12 (Paulo Borba Casella and Nadia de Araujo eds.) (1998).
www.mj.gov.br
6 See Ministério da Justiça – Cooperação internacional – Mercosul, available at
(last accessed December 2,
2008).
7 See Treaty of Asunción and Thomas A. O’Keefe, Latin American Trade Agreements A5-1 to A5-15, 30 I.L.M. 1041-1063 (1991).
8 In 2006 Bolivia and Chile became associated MERCOSUR Members. On the Complementary Free Trade Agreements (“Acuerdos de Complementación Económica”) between MERCOSUR and Chile and MERCOSUR and Bolivia, see Maria Blanca Noodt Taquela. El Arbitrage en Argentina: Corte de Arbitrage Internacional para el Mercosur 17 (2000). And Maria da Conceição Ramos Rocha. Mercosul
63 (1999). In 2006 a Treaty with Venezuela was signed to full Membership (“Acta de Adhésion”, 4 July 2006), but not yet ratified by all the
Members. See Adriana Dreyzin de Klor, Quo Vadis Mercosur?, 7/8 DeCITA, 588 (2007).
9 See glossary containing 3,000 terms, retrieved from the 58 international agreements signed and promulgated by Brazil in the area of environmental law, Maria da Graça Krieger et al. (with Claudia Lima Marques), Multilingual Glossary of International Environmental
Law – Terminology of the Treaties xxxi (Forense, 2004).
10 On Brazil and human rights conventions, see Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 272 (2007) .
11 On Brazil and the new conventions for the facilitation of international trade, see Claudia Lima Marques, Some recent developments in Private International Law in Brazil, 4 Japanese Yearbook of Private International Law 19 (2002). On Brazil and the Hague Conference, see
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This also contrasts sharply with the fact that Brazil has a marked and almost constant presence in international courts.12 Is the assertion that international law is not relevant in Brazilian domestic legal practice true, though? This chapter attempts to answer
to this question, so as to try to reconcile this ambivalence between what apparently is
the Brazilian domestic practice with respect to treaties, and Brazil’s rather prominent
position in international judicial activity.
Our basic contention is that international law plays a much larger role in Brazilian judicial activity (and consequently legal practice) than it is often assumed.13 In
order to support these claims, it is necessary first to analyze the mechanism for treaty
incorporation in Brazilian law, both from the perspective of the horizontal separation
of powers, that is, the legislative and executive power’s perspective (treaty-making
power, ratification and internalization of treaties), as well as from the constitutional
perspective (hierarchy of incorporated treaties and their relationship with the constitution and other federal legislation),14 which necessarily also encompasses the debate on
vertical separation of powers, that is, the way in which incorporated treaties interfere
with state law, given the fact that Brazil is a federal state.15 These considerations will,
whenever appropriate, be informed by relevant case-law.
After undertaking this analysis, we will look at the judicial practice regarding
international treaties, more specifically the uses and interpretation of treaties by Brazilian courts, especially in light of the criteria set out in the two main Conventions on
the Law of Treaties. The first one is the 1928 Havana Convention on the Law of Treaties, to which Brazil is a party.16 The second one is the far better-known Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT).17 Brazil is not a party to this Convention,18
but, to the extent that it (at least partly) reflects customary international law,19 it is an
important set of rules to be taken into consideration in our analysis. Another important
step related to the analysis of judicial activity with respect to treaties is the inquiry as
to whether treaties can be considered in Brazil to confer rights upon individuals (being
thus self-executing), and how these rights are enforced.
Carmen Tiburcio, Uma análise comparativa entre as convenções da CIDIP e as convenções de Haia – O direito uniformizado comparado,
in Integração Jurídica Interamericana – As Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs) e o Direito Brasileiro 46 (Paulo Borba Casella and Nadia de Araujo eds.) (1998).
12 For example, there is a new Brazilian judge in the International Court of Justice ((Judge Antonio Augusto Cançado Trindade), a Brazilian
judge in the International Criminal Court (Judge Sylvia Steiner) and in the International Tribunal for the Law of the Sea (Judge Vicente Marotta Rangel). Until recently, there was also another Brazilian judge in the International Court of Justice (Judge Francisco Rezek) and in the
Inter-American Court of Human Rights (Judge Antonio Augusto Cançado Trindade), as to the latter, he was an ad hoc judge at the International
Court of Justice, in a dispute between Costa Rica and Nicaragua (Dispute regarding Navigational and Related Rights). There are Brazilian
arbitrators in the WTO Panels and also the Director of UNIDROIT is now a Brazilian (José Angelo Estrella Faria, formerly at UNCITRAL).
13 On the importance of Treaties in Brazil, see José Francisco Rezek, Direito internacional público: Curso elementar 11 (2002).
14 On the influence of the US Federalism model in Brazil, see Jacob Dolinger, The Influence of American Constitutional Law on the Brazilian
Legal System, 38 Am. J. Comp. L. 803 (1990).
15 Being a federal state, Brazil has different levels of jurisdiction and legislation. For our purposes, the absolute majority of legislation that is
the subject of disputes in Brazilian courts is federal, and is applied in disputes before both the state and federal judiciaries.
16 Convention on Treaties (Convenção sobre Tratados), signed in Havana on February 20, 1928. Promulgated in Brazil by Executive Decree
18.956, of October 22, 1929, available at <http://www2.mre.gov.br/dai/tratados.htm> (last accessed October 11, 2008) (official Portuguese
version).
17 Vienna Convention on the Law of Treaties, done at Vienna on May 23, 1969, entered into force on January 27, 1980, 1155 U.N.T.S. 331
(1969) [hereinafter “VCLT”].
18 See Mirtô Fraga. Conflito entre Tratado Internacional e norma de Direito Interno xii (1997).
19 See Ian Brownlie, Principles of Public International Law 580 (Oxford University Press, 6th ed. 2003). In Brazil, see José Francisco Rezek,
Direito dos Tratados 12 (1984), Alberto do Amaral Júnior, Introdução ao Direito Internacional Público (Atlas, 2008); and Welber
Barral, Direito Internacional – Normas e Práticas 18 (F. Boiteux, 2006).
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Among other things, we will argue that treaties are used by the Brazilian judiciary not only as such, but also as interpretive sources of internal law, and help to
shape internal law-making by the legislator, or influence law-making even when
the enacted statutes are not the direct result of the incorporation of treaties. Further, treaties are used to fill gaps in internal law, in this sense becoming “narrative
norms”, to use Erik Jayme’s expression.20 “Narrative norms” are thus considered
as norms that lead to the insertion of values as a relevant element to be taken
into account in statutory interpretation. This happens especially with regard to
human rights cases,21 in which international treaties are used to give meaning
to open-ended provisions of internal federal or even constitutional law.22 These
Treaties ratified or just signed by Brazil, as “narrative norms” bring more light
and objectivity to the interpretation,23 by reinforcing one interpretation in favor
to the values present at the Treaty.24 They can also reinforce the application itself
of a prior existing rule of Brazilian municipal Law.25 Another important instance
of use of treaty law is that of international treaties on intellectual property (IP)
protection,26 which have been interpreted by the Brazilian judiciary as directly
conferring rights upon private parties to a dispute.27
The use of treaties by the judiciary happens more often with regard to human
rights,28 MERCOSUR (the regional economic integration process to which Brazil is
a party),29 as well as international taxation30 and international trade law (including the
GATT and WTO).31 The first area mentioned, human rights, invites a greater use of
20Erik Jayme, Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne, 251 Recueil des Cours 9 (1995).
21 See Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 94-97 (2007), quoting the decision TRF-3, RHC
96.03.060213-2-SP, Judge Sylvia Steiner, DJU 19.3.1997, using Art. 13 of the American Convention on human rights to complete Brazilian
law, quoting STJ, RHC 7463/DF, using Art. 8 of the American Convention on human rights to complete Brazilian rights of the “acusado”,
and quoting STJ RHC 5.329-BA using Art. 7 of the American Convention on human rights to complete Brazilian rights of the accused.
See in another matter, arguing the use of the New York Convention to interpret and complete the Brazilian Law of Arbitration, Eduardo F.
RICCI and Mariulza Franco, Após ratificação da Convenção de Nova Iorque: Novos Problemas, 1/2 Revista Brasileira de Arbitragem
91 (2004).
22On the narrative use of the Bustamante Treaty in favor to the right to divorce by the Federal Supreme Court, see Wilson de Souza Batalha
and Sílvia Batalha de Rodrigues Netto, O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos- Comentários sobre o
Decreto n. 1.979/96 206 (1997) and José Francisco Rezek, Direito internacional público: Curso elementar 12 (2002).
23See Art. 7 of the Brazilian Consumer Code allowing the interpretation in favor to the consumer rights with base in “Treaties signed by Brazil”. About this “dialogue des sources”, see Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor 237 (2006).
24See also Carla Pinheiro, Direito Internacional e Direitos fundamentais 76 (Atlas, 2001).
25 See Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 100 (2007).
26 See Denis Borges Barbosa, Trips e a Experiência brasileira, in Propriedade Intelectual e Desenvolvimento 129 (Marcelo Dias Varella
ed.) (Lex-Aduaneiras, 2005).
27 For a collection of decisions about the direct use of the TRIPS Agreement (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights) by the Superior Court of Justice, see 2/3 Brazilian Yearbook of International Law 210 (2008) .
30See LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, MANUAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO 135 (Saraiva, 2003).
29 On the history of Mercosur, see Augusto Jaeger Junior, MERCOSUL e a Livre Circulação de Pessoas 17 (2000); Alberto do Amaral
Junior, Mercosul: características e perspectivas, 146 Revista de Informação Legislativa 305 (2000); Claudia Lima Marques, O “Direito
do Mercosul”: Direito oriundo do Mercosul, entre Direito Internacional Clássico e novos caminhos de integração, 1 Revista “Derecho del
Mercosur y de la Integración 61 (2003); Luiz Olavo Baptista, Le Mercosul-Ses instituitions et son ordonnancement juridique (2001);
Celso D. de Albuquerque Mello, Direito Internacional da Integração 301 (1996); Carlos Eduardo Caputos Bastos and Gustavo Henrique
Caputo Bastos, Os modelos de integração européia e do Mercosul: exame das formas de produção e incorporação normativa, 142 Revista
de Informação Legislativa 222 (1999); Paulo Roberto de Almeida, Dilemas da Soberania no Mercosul: Supranacional ou Intergovernamental? , in Anuário Direito e Globalização - A Soberania I 251 (1999); and Deisy Ventura, Las asimetrías entre el Mercosur y la Unión
Europea 9 (2005). On the actual enforcement in Mercosur, see Raúl Emilio Vinuesa, Enforcement of Mercosur Arbitration Awards Within
the domestic Legal Orders of Member States, 40 Texas International Law Journal 425 (2004).
30 See Luiz Felipe Silveira Difini, Manual de Direito Tributário 135 (Saraiva, 2003).
31See Roberto Luiz Silva, Direito Econômico Internacional e o Direito Comunitário (1995); Paulo Borba Casella, Contratos Internacionais e Direito Econômico no Mercosul (1996); Gesner Olibeira and João Grandino Rodas, Direito e Economia da Concorrência (2004);
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treaty rules by the very international call of the topic, and also because federal and
constitutional legislation on the matter is not as detailed as international law, at least if
one excludes internal legislation merely incorporating international rules.32 As to the
latter areas, they involve international disputes and transactions, and that is why international treaties are referred to. Another reason why these rules are mentioned more
often than others in Brazilian case-law may be related, we suggest, to the fact that
human rights treaties and international tax rules33 (in which international trade law
rules are generally included, at least inasmuch as international trade rules mean commitments with regard to liberalization of a sector,34 or to import and export taxes)35
have a differentiated hierarchical status as compared to other international treaties, as
elaborated below.36
We will now analyze the way through which treaties become part of the Brazilian
legal system, focusing on the constitutional provisions on the topic and their interpretation by the Brazilian Supreme Federal Court (Supremo Tribunal Federal – STF).
Incorporation of Treaties under Brazilian Law
a ) Treaty Powers and the Procedure for the Incorporation of Treaties in Brazilian Law
Generally, international treaties to which Brazil is a party, once incorporated, have
the status of law. For that incorporation to happen, however, a rather long and complex
procedure is required, involving the executive and legislative branches of government.
There are two constitutional provisions that refer to the treaty-making powers in
Brazil, and they illustrate the difficulty of the matter. The first one is article 49, I of
the 1988 Constitution, which reads: “It is exclusively the competence of the National
Congress: I – to decide conclusively on international treaties, agreements or acts which result in charges or commitments that go against the national property; […].”37 The
second one, dealing with Presidential Powers, is article 84, VIII: “The President of the
Republic shall have the exclusive power to: […] VIII – conclude international treaties,
conventions and acts, ad referendum of the National Congress; […]”.38
This means that an act of the Executive branch in signing a treaty will not be valid unless the National Congress confirms its validity.39 No Constitution in Brazilian
and Jürgen Samtleben and Calixto Salomão Filho, O Mercado Comum Sul Americano, in Contratos Internacionais 268 (João Grandino
Rodas ed.) (1995).
32See Mônica de Mello and Roberto A. C. Pfeiffer, Impacto da Convenção de Direito Humanos nos Direitos Civis e Políticos, in O Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro 317 (Luiz Flávio Gomes and Flávia Piovesan eds.) (2000).
33See Direito Tributário Internacional Aplicado (Heleno Tôrres ed.) (Quartier Latin, 2003)
34On the international committement of Brazil to the liberazation of the Telecommunication sector, see Jete Jane Fiorati, As Telecomunicações nos Direitos Internos e Internacional: O Direito Brasileiro e as Regras da OMC 107 (2004).
35See Importação e Exportação no Direito Brasileiro (Validimir Passos de Freitas ed.) (2007).
36 Similarly, see Heleno Tôrres, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas 552 (2001); and Valério de Oliveira Mazzuoli,
Eficácia e Aplicabilidade dos Tratados em Matéria Tributária no Direito Brasileiro, 1/3 Brazilian Yearbook of International Law 174
(2008).
37Translation by the Brazilian Senate, available at <http://www.brazil.com/carta88.htm> (last accessed October 11, 2008). Unless otherwise
indicated, all quotes of the Brazilian Constitution must be considered extracted from here.
38Id.
39 On the different types of incorporation processes in Brazil, see Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O Poder de Celebrar Tratados
457 (1995) and Luís Ivani de Amorim Araújo, O direito dos Tratados na Constituição, in A Nova Constittuição e o Direito Internacional
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constitutional history, except for the Empire Constitution of 1824, has explicitly listed
the matters for which Congressional approval is necessary.40 This has led to a long
scholarly debate as to whether all international treaties should be referred to Congress.
Part of this debate is explained by the urge to oversee the power of the Executive to
conclude international treaties closely, especially if one considers the widening importance and impact of international treaties on the everyday life of citizens.41
Some international lawyers have argued that Congressional approval could be dispensed with, depending on the subject matter of the treaty. According to supporters
of this position, notably Hildebrando Accioly, the following acts did not require any
action from the Legislative branch: (1) acts dealing with matters that fell under the
exclusive competence of the Executive branch (as determined by constitutional rules);
(2) acts concluded by diplomatic personnel on matters of concern to the places where the said diplomats are stationed; (3) acts related to the interpretation of currently
existing treaties; (4) acts that merely complement an existing treaty (as long as they
do not constitute a separate instrument requiring independent ratification, that is); (5)
the ones that aim exclusively at establishing the grounds for future negotiations; (6)
those for extending the temporal validity of a treaty prior to its expiration; and (7)
extradition reciprocity statements.42
Accioly sought support for his argument in Brazilian and foreign national practice
on the matter,43 and this was the position adopted by the Brazilian Ministry of Foreign
Affairs for several years, until the previous uncertainty was settled by changes in the
constitutional text with the Constitution of 1967. Therefore, the custom that existed
prior to this Constitution was revoked by a subsequent written rule,44 to the exception
of acts dealing with matters that fell under the exclusive competence of the Executive branch and acts concluded by diplomatic personnel on matters of local concern.
Also, acts on the interpretation of currently existing treaties and the ones that aim
exclusively at establishing the grounds for future negotiations can still be valid without legislative approval, but only if they are entirely reversible and can be fulfilled
without financial resources other than those ordinarily allocated to foreign relations
(because any act that interferes with the national budget must necessarily be approved
by Congress).
As to international acts that merely complement an existing treaty (which would
presumably include all protocols to framework conventions), several scholars (nota40 (Jacob Dolinger ed.) (1987). See also the historical approaches in Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O controle legislative dos atos
internacionais, 85 R. Inf. Legisl. 205 (1985) and João Grandino Rodas, Os acordos em forma simplificada, 68 Revista da Faculdade de
Direito USP 319 (1973).
40See José Francisco Rezek, As relações internacionais na Constituição da primeira República, 30 Revista Arquivos do Ministério da Justiça
107 (1973); and Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 270 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
41See Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O Poder de Celebrar Tratados 470 (1995) and Francisco José Marques Sampaio, A Constituição e o direito internacional, 373 Revista Forense 69, 71 (May-June 2004), João Grandino Rodas, Publicidade dos Tratados Internacionais 7 (RT, 1980) and João Grandino Rodas, Tratados Internacionais 1 (RT, 1991).
42As summarized by Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 272 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
See also G. E. Nascimento e Silva and Hildebranco Accioly, Manual de Direito Internacional Público 27 (1998). On the importance
of Accioly’s vision in Brazil, see Sylvia H. F. Steiner, A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua Integração ao Processo
Penal Brasileiro 71 (2000),
43See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 273 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
44See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 274 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
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bly Francisco Rezek, who later became a judge at the International Court of Justice)
argue that the congressional approval in these cases is implied, as it has already been
given to the main treaty from which the others derive and to which following acts
necessarily conform.45 This has been confirmed by case-law in Brazil, in a case in
which a Regional Federal Court (roughly equivalent to a Court of Appeals of a Federal Circuit in the U.S.) decided that the GATT lists of products for which preferential
treatment is granted not only dispenses Congressional approval, but even approval by
the Ministry of Foreign Affairs, whose only function is to ensure the authenticity of
the list sent by the international organization.46
Therefore, there are still loopholes as to the necessity of interference of the Legislative branch in the approval of international treaties. These have been exploited by
the Executive branch as a means to expedite the resolution of foreign policy issues,
especially if one takes into account the considerable backlog in Congress for the ratification of treaties.47
When a treaty is signed, the President (as head of the Executive branch) has
the possibility to send the treaty for consideration of the Legislative. As the latter
branch is the one that ultimately represents the “national will”, a treaty cannot
produce effects unless the Legislative approves it (observed the exceptions above). Once the President decides to send a treaty to Congress, it is actually the Ministry of Foreign Affairs that takes care of preparing the necessary documentation,
which includes a statement of the reasons behind the decision to sign the treaty
in question, along with an analysis of the text. The Legislature, if it approves the
treaty, does it by means of a Legislative Decree (Decreto Legislativo), which is
the type of normative act corresponding to the exercise of exclusive competencies
of the Legislative branch.48
As the exercise of an exclusive competence, this act does not require presidential approval like other legislative acts, and it is published directly by the
Senate. The Decree authorizes the President to ratify the treaty,49 and it is also the
moment for the presentation of reservations to the treaty if the Legislative branch
has any.50 However, this authorization by Congress via the Legislative Decree is
still not sufficient to turn the treaty into valid law. A treaty only becomes law once
it is ratified (which naturally includes depositing the instrument of ratification) by
the Executive and subsequently promulgated via an Executive Decree passed by
the President.51
45See José Francisco Rezek, Direito dos Tratados 385 (1984); and João Grandino Rodas, A publicidade dos tratados internacionais 200201 (1980).
46Federal Court of Appeals of the Second Region, Ex Officio Request (Remessa Ex Officio) 9002165641/RJ, judgment of October 1, 1991. See
also Federal Court of Appeals of the Second Region, Appeal on writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 95.02.27342-7/
RJ, judgment of April 30, 1996.
47See Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O Poder de Celebrar Tratados 470 (1995).
48See the Internal Rules of Procedure (Regimento Interno) of both houses of the Brazilian Federal Legislature, available at <www.senado.gov.
br> and <www.camara.gov.br>, respectively (last accessed October 11, 2008).
49See João Grandino Rodas, A publicidade dos tratados internacionais 200 (1980).
50See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 281 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
51 See Saulo José Casali Bahia, Tratados Internacionais no Direito Brasileiro 67 (Forense Publishing, 2000); and Valério de Oliveira
Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 282 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
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It is interesting to notice that, in Brazilian law, it is the deposit of the instrument of
ratification that brings the treaty into force internationally, but only the promulgation
via Executive Decree that brings the treaty into force internally, and makes it enforceable in Brazilian courts. This distinction has been relevant in one case, in which the
Federal Supreme Court has refused to apply a treaty (on civil judicial cooperation in
MERCOSUR)52 using the argument that, even though the instrument of ratification
had been deposited, it had not yet been published in the Official Journal (Diário Oficial da União).53 This rather formalistic approach is fragile at best, as it refuses the
enforcement of a treaty in an international relationship (even if one of Private International Law).54 As commentators argue, there is no constitutional provision requiring
the internal publication of a treaty for it to be enforceable, especially if its provisions
are self-executing.55 Further, the practice of the Executive branch (responsible for publishing the treaty in a Decree) recognizes the full validity of treaties upon the deposit
of the instrument of ratification, even if they are only published several weeks later.56
b)Status and Hierarchy of Incorporated Treaties
The Brazilian Constitution does not address the issue of the status or hierarchy of
ordinary international treaties.57 As such, they have been considered since 1977 by
the Federal Supreme Court to have the same status as ordinary federal legislation,58 a
position generally accepted by lower courts.59 As such, statutory law enacted after the
ratification of a treaty could make the treaty lose its efficacy (“perda de eficácia”).60
The leading case on the matter deals with the clash between a federal statute enacted
52 See Nadia de Araújo, Dispute resolution in Mercosur: The Protocol of Las Leñas and the case law of the Brazilian Supreme Court, 32
Inter-American Law Review 25 (2001).
53Supreme Federal Court, Rogatory Letter (Carta Rogatória) 8.279, from Argentina, judgment of May 4, 1998. See the decision in Nadia de
Araújo, Direito Internacional Privado 497 (Renovar, 2003).
54About the ordinary application and enforcement in Brazil of Private International Treaties, see a list of leading decisions in Nadia de Araújo,
Direito Internacional Privado 498-506 (Renovar, 2003). For a similar list, before the 1988 Constitution, see Maristela Basso, Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional: o direito internacional privado à luz da jurisprudência 67 (Saraiva, 1988).
55See José Francisco Rezek, Direito dos Tratados 385 (1984); Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O Poder de Celebrar Tratados 470
(1995); Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 294-195 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007) and
João Grandino Rodas, A publicidade dos tratados internacionais 201 (1980).
56 See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 296-297 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007). For an
example of a later use of the Las Leñas Protocol by the Supreme Court (Rogatory Letter 8240), see Nadia de Araújo, Direito Internacional
Privado 503 (Renovar, 2003).
57See, for all, Luís Roberto Barroso, Constituição e Tratados internacionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito
interno, in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M. Direito, Antonio A. Cançado Trindade and
Antonio C. A. Pereira eds.) (Renovar, 2008).
58 See Extraordinary Appeal (Recurso Extraordinário) 80.004-SE, published in RTJ 83/809-848. For further commentary on this case see
Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado 88-108 (1996).
59 See for instance Federal Court of Appeals of the Fifth Region, Appeal on writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança)
2001.84.00.009747-6, judgment of July 1, 2004. One must take into account that in the Brazilian system the decisions of the Supreme
Court are not generally binding on the whole of the judiciary, but rather are only applicable to the case of hand. One exception to this rule
is the “súmula vinculante” (“binding enunciate”, in a literal translation), which is a mechanism through which enunciates laid down by the
Supreme Court reflecting consolidated case-law become binding on the whole of the judiciary. Nevertheless, these are still few and apply to
rather narrow legal fields. Therefore, it is perfectly acceptable that lower courts repeatedly challenge the case law of the Supreme Court, more
often than not in the hope that the Supreme Court will eventually give in and change its orientation. Until recently, the Supreme Court lacked
the faculty of selecting the cases that would enter its docket, and it was often flooded with repetitive cases. Recent legislative reforms allow
for the Supreme Court to dismiss “repetitive appeals” (“exame da repercussão”), or group cases together in some instances.
60On the conflict between the 1990 Consumer Code and the 1929 Warsaw Convention, see the judgment of the Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 58736/MG, judgment of April 29, 1996, and the judgment of the Superior Court of Justice, Special Appeal
(Recurso Especial) 169.000/RJ, judgment of April 4, 2000. On former leading cases about the conflict between Treaties on transportation
and Brazilian Law, see Francisco César Pinheiro Rodrigues and Ivan Francisco Pereira Agostinho, Jurisprudência do Transporte Aéreo,
Marítimo e Terrestre 50-56 (1988).
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in 1969 and an international treaty, the Geneva Uniform Law on Bills of Exchange
and Promissory Notes.61
Even though there is no clear majority reasoning in the case, but rather a plurality decision, the reasoning that seems to have prevailed in subsequent case law
is as follows: treaties are considered, for the purposes of their application by the
Brazilian judiciary, not as international acts, but merely federal legislation, since
they depend, for their internal effect, on being promulgated as such. Being federal
legislation, they are subject to ordinary principles of conflicts of laws in time, particularly that of lex posterior derogat priori,62 and lex posterior generalis non derogat
legi priori speciali.
This 1977 decision goes against previous precedent of the Supreme Court, which
recognized the overarching hierarchy of international treaties over non-constitutional municipal law,63 and it has been widely criticized by international legal scholars
in Brazil.64 One of the arguments advanced by critics is that this would imply granting upon the Legislative branch the power to force a state to unilaterally denounce
a treaty.65 The decisions regarding foreign policy (which includes the termination
of treaties) are a prerogative of the Executive branch, and legislators should not be
entitled to force the country into either denouncing a treaty or breaching international obligations.66
There are three exceptions67 to this “hierarchical parity”: international treaties dealing with taxation matters, extradition of non-nationals and international
human rights treaties. Regarding taxation treaties, the issue is clearly stated in
Article 98 of the Brazilian Tax Code: “Treaties and international conventions revoke or modify municipal tax legislation, and will be observed by subsequent
legislation.”68 This is the only provision in Brazilian law to expressly guarantee
the supremacy of international law over municipal legislation, and this supremacy
61 See Extraordinary Appeal (Recurso Extraordinário) RE. 71.154, published in RTJ 58/744. See the decision in Nadia de Araújo, Direito
Internacional Privado 498 (Renovar, 2003).
62See Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 74.376/RJ, judgment of October 9, 1995.
63See Philadelpho Azevedo, Os tratados e os interesses privados em face do direito brasileiro, 1 Boletim da Sociedade Brasileira de Direito
Internacional 12 (1945). For a historical survey of these precedents, see Saulo José Casali Bahia, Tratados Internacionais no Direito
Brasileiro 94-101 (Forense Publishing, 2000).
64 See Saulo José Casali Bahia, Tratados Internacionais no Direito Brasileiro 94 (Forense Publishing, 2000); Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 305 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007) and Luís Roberto Barroso, Constituição e
Tratados internacionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno, in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M. Direito, Antonio A. Cançado Trindade and Antonio C. A. Pereira eds.) (Renovar, 2008). On
the use of the idea of “dialogue des sources”, a theory of Erik Jayme, to criticize the decision, see Alberto do Amaral Júnior, Introdução
ao Direito Internacional Público 135 (Atlas, 2008). Favorably to this decision, see Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado (parte
geral) 104 (6.ed., Renovar, 2001)
65In a slightly different context, see State Court of Justice of Bahia, Civil Appeal (Apelação Cível) 45.620-4, judgment of November 3, 1998
(arguing that treaties cannot be unilaterally denounced by municipal law, but that they must go through the appropriate international procedure, in the specific context of state tax legislation, which is a special case in terms of hierarchy, as we will see below. However, the statement
in the judgment is made with respect to treaties generally, regardless of their subject matter).
66See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 305-307 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
67Cf. Luís Roberto Barroso, Constituição e Tratados internacionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno,
in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M. Direito, Antonio A. Cançado Trindade and Antonio C.
A. Pereira eds.) (Renovar, 2008).
68 Free translation from the original: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna,
e serão observados pela que lhes sobrevenha.” For a general overview of this article’s interpretation, especially with regard to economic
integration processes and MERCOSUR, see Carlos Alberto Bronzatto and Márcial Noll Barboza, Os efeitos do artigo 98 do Código
Tributário Nacional e o processo de integração do MERCOSUL (Publishing House of the Brazilian Senate, 1996).
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has been consistently affirmed by the Brazilian judiciary.69 The second exception are the bilateral Treaties dealing with extradition of non-nationals, see by
the Supreme Federal Court as lex speciales vis-à-vis the general law (Ext. 194Argentina, 1997).70
Some authors71 argue that Treaties dealing with arbitration will be also a new
exception, because of the language of Art. 34, Lei 9.307/96, which states that
a foreign arbitral award will be enforced in Brazil in conformity with international treaties valid in the internal legal order, and, in their absence, strictly in
accordance with the provisions of the Arbitration Act, but there are no decisions
on this rule yet.72 It is also important to highlight that the hierarchy can be even
lower, because the Constitutional Amendment number 7 of August 15, 1997, has
modified the Constitution by including a mention to reciprocity to guarantee the
observation of international treaties on air transport: “Article 178. The law shall
provide for the regulation of aerial, water and land transportation, and it must
observe, as to the regulation of international transportation, the agreements signed by the Union, in observance to the principle of reciprocity.”73 It is interesting
to also note that MERCOSUR treaties receive the same hierarchical treatment as
other Treaties, instead of being entitled to a superior status because of the importance of economic integration.74
One criticism against this provision is that it is not up to a statute to determine the
hierarchy of other norms, but that this is a task reserved to the constitutional text, regardless of the superior hierarchy of this code and tax statutes generally (approved as
Supplementary Laws – Leis Complementares).75 This has led lower courts to even argue
that this provision is unconstitutional,76 even though decisions within the same court
(but judged by different panels of judges) have not reached a uniform result.77 However,
69 See for instance Federal Court of Appeals of the Third Region, Appeal on writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança)
94.03.007036-6/SP, judgment of November 23, 1994.
70Supreme Federal Court, Extradition 194 – Argentinean Republic, commented in Luís Roberto Barroso, Constituição e Tratados internacionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno, in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M. Direito, Antonio A. Cançado Trindade and Antonio C. A. Pereira eds.) (Renovar, 2008).
71See particularly Jacob dolinger and Carmen Tiburcio, Direito Internacional Privado - Parte Especial (Renovar, 2003)
72 Quoting Jacob dolinger and Carmem Tibúrcio, see Luís Roberto Barroso, Constituição e Tratados internacionais: Alguns aspectos da
relação entre direito internacional e direito interno, in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M.
Direito, Antonio A. Cançado Trindade and Antonio C. A. Pereira eds.) (Renovar, 2008).
73Cf. Luís Roberto Barroso, Constituição e Tratados internacionais: Alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno,
in Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo 189 (Carlos A. M. Direito, Antonio A. Cançado Trindade and Antonio C.
A. Pereira eds.) (Renovar, 2008).
74See Supreme Federal Court, Rogatory Letter (Carta Rogatória) 8.279-Argentinean Republic. See the decision in Nadia de Araújo, Direito
Internacional Privado 498 (Renovar, 2003).
75In the Brazilian legal system, legislation is not all at the same level. Article 59 of the Constitution enunciates the possible types of legislation,
and with this enunciation provides their hierarchy, as the acts are listed in order of hierarchy. The text of article 59 is as follows: “Article 59.
The legislative process comprises the preparation of: I – amendments to the Constitution; II – supplementary laws; III – ordinary laws; IV –
delegated laws; V – provisional measures; VI – legislative decrees; Sole paragraph – A supplementary law shall provide for the preparation,
drafting, amendment and consolidation of laws.”
76One such example is the decision by the Federal Court of Appeals of the First Region, Ex Officio Request (Remessa Ex Officio) 9001139191/
BA, judgment of March 25, 1991. In the Brazilian legal system, all courts are entitled to check the constitutionality of any laws and statutes,
subject to appeal to the Federal Supreme Court. Another example is Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Appeal on writ of
mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 95.04.50314-4, judgment of September 11, 1996 (arguing that incorporated international
treaties can be revoked by subsequent law in accordance with procedures in Brazilian statutory law).
77See for instance Federal Court of Appeals of the First Region, Ex Officio Request (Remessa Ex Officio) 9001007171/BA, judgment of March
4, 1991 (affirming that international treaties in matters of taxation are hierarchically above ordinary laws ex vi article 98 of the Tax Code,
hence presuming the constitutionality of this provision).
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precisely because supplementary laws have the role of supplementing the constitutional
text, it is possible to argue that the provision of Article 98 of the Tax Code is in fact
constitutional.78 The Constitution, as said before, does not offer any rules as to the status
of international treaties once they are internalized, and therefore a law that supplements
it can fill this gap, even if only with respect to a certain subject-matter.
This provision has, however, been interpreted rather restrictively by the Brazilian
judiciary. The judiciary makes the distinction between “contract treaties” and “normative treaties”, arguing that article 98 applies only to the former treaties, as they create
sufficiently distinguishable obligations, as opposed to the latter, which have a broader
“law-making” function.79 This position has been severely criticized by international
legal scholars,80 but has so far been kept to a large extent by the judiciary. And, to the
extent that even broad, multilateral treaties like the GATT have been considered “contract treaties” by the Superior Court of Justice, most of the controversy that can arise
in practice seems to be resolved.81
Another relevant issue with regard to this provision is that of the vertical separation of powers, since Brazil is a federal state and each level of the federation is entitled to impose some taxes independently from the federal Union. Since Article 98 is
contained in a general code of tax law, it is in principle addressed to all levels of the
federation (Union, States and Municipalities). However, the judiciary has interpreted
the treaty-making powers as meaning that the entity that enters into a treaty is solely
the federal level, and not the state as a whole.82 This has given rise to several decisions
declaring that exemptions from taxes that fall within the exclusive competences of
states or municipalities are impermissible in light of the constitutional provision on
separation of powers in matters of taxation,83 even though there are several cases, at
least with regard to the GATT, that affirm the legality of the tax exemptions granted
by virtue of international agreements.84
This is naturally an incorrect interpretation of basic principles of international
law. When a treaty is celebrated by the head of the Executive branch, she or he does
so as the head of state (external dimension), not as a head of government (internal dimension). The rule of Article 151, III of the Constitution, thus, does not apply to laws
enacted by the federal level as a result of international treaties.
The other instance of “differentiated hierarchy” of international treaties refers to
international human rights treaties to which Brazil is a party. The most relevant norms
78See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 317 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
79 See for instance Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Appeal on writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança)
95.04.37140-0, judgment of September 16, 1998; Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Appeal on writ of mandamus (Apelação
em Mandado de Segurança) 95.04.50314-4, judgment of September 11, 1996; and Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Appeal
on writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 96.04.13655-0, judgment of June 05, 1996.
80See Paulo Caliendo, Estabelecimentos permanentes em direito tributário internacional 94 (Revista dos Tribunais Publishing, 2005).
81See Superior Court of Justice, Internal Interlocutory Appeal (Agravo Regimental) 67.007/RS, judgment of April 28, 1997. For a commentary
to this case, see Saulo José Casali Bahia, Tratados Internacionais no Direito Brasileiro 108-109 (Forense Publishing, 2000).
82See for instance Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 90871/PE, judgment of June 17, 1997.
83The provision is as follows: “Article 151. It is forbidden for the Union: […] III – to institute exemptions from tributes within the powers of
the states, of the Federal District or of the municipalities.”
84See Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 1.966/SP, judgment of March 14, 1990. For a commentary to this case, see
Saulo José Casali Bahia, Tratados Internacionais no Direito Brasileiro 108-109 (Forense Publishing, 2000).
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Treaty Enforcement by Brazilian Courts: Reconciling Ambivalences and Myths?
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are paragraphs 285 and 386 of Article 5 (titled “Individual and collective rights and
duties”) of the Brazilian Constitution. Paragraph two establishes the possibility of
there being rights and guarantees not expressly safeguarded by the Constitution, but
which shall be nevertheless enforced regardless of whether they are simply derived
from the constitutional system, or come from international treaties. This means that,
at least in theory, international human rights treaties are hierarchically equivalent to
the constitution.
The judiciary has interpreted this provision differently, however, ultimately refusing to give it the effect that a plain reading of the ordinary meaning of the words contained therein might suggest. The Supreme Court (and along with it the lower courts)87
has in several occasions stated that international treaties, even human rights treaties,
are incorporated as ordinary federal law, and as such cannot amend or modify the
Constitution, even if it is an amendment oriented at expanding the list of fundamental
rights and guarantees (as any amendment that restricts these rights is expressly forbidden by the very constitutional text – Article 60).88 The argument, as put elsewhere, is
that the Constitution is the point of reference for assessing the validity of international
treaties (and the legal order as a whole), and, because of that, the Constitution must be
the supreme norm, and not even international human rights treaties must “threaten”
this supremacy.89 In one occasion the Supreme Court has even indicated the desirability of attributing constitutional hierarchy to international human rights treaties, but
said that this matter was to be resolved by the legislature by means of a constitutional
amendment.90
As a means of offering a constitutional solution to the matter, the Constitutional Amendment 45 of 200491 inserted paragraph 3 into Article 5, which clearly
lays out the conditions through which the approval of an international human
rights treaty by the Legislative branch can give such treaty the hierarchical status
of a constitutional amendment.92 By establishing the same majority requirements
as a regular constitutional amendment, this new paragraph aimed at resolving the
status of international human rights treaties that Brazil would become a party to
after this paragraph’s entry into force. This created an awkward question for the
85Paragraph two reads as follows: “Paragraph 2. The rights and guarantees expressed in this Constitution do not exclude others deriving from
the regime and from the principles adopted by it, or from the international treaties in which the Federative Republic of Brazil is a party.”
86This paragraph was inserted by a constitutional amendment in 2004 (Constitutional Amendment 45/04), and a free translation of it reads as
follows: “Paragraph 3. The international treaties and conventions on human rights that are approved, in each house of the National Congress,
in two turns, by three-fifths of the votes of the respective members, will be equivalent to constitutional amendments.”
87 See for instance Court of Appeals of the State of Rio de Janeiro, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2003.050.03785, judgment of
October 30, 2003.
88The relevant part of article 60 reads as follows: “Article 60. The Constitution may be amended […]. Paragraph 4 - No proposal of amendment shall be considered which is aimed at abolishing: […] IV – individual rights and guarantees.” [emphasis added].
89Federal Supreme Court, Appeal in Habeas Corpus (Recurso em Habeas Corpus) 79785/RJ, judgment of March 29, 2000; Federal Court of
Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 97.03.004349-6, judgment of November 18, 1997.
90Federal Supreme Court, Habeas Corpus 81319/GO, judgment of April 24, 2002 (referring to the specific context of the unfaithful trustee,
which will be explored in detail below).
91About the impact of the Constitutional Amendment 45 on the judiciary in general, see Maria Angela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Reforming the Brazilian Supreme Federal Court: a comparative approach, Washington University Global Studies Law Review, 138 (vol. 5,
Number 1, 2006)
92See Pedro Loula, Breves reflexões sobre a repercussão da Reforma do Judiciário (emenda Constitucional n. 45/04) no Direito Internacional,
in O Direito Internacional Contemporâneo 777 (Carmen Tiburcio and Luís Roberto Barroso eds.) (Renovar, 2006).
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future, as it may happen that some human rights treaties are passed with the required majority, and others not, creating differences of status between treaties on
the same subject matter.93
It also left the question of treaties ratified before it (among which are almost all
the major international human rights treaties in existence) unresolved. This has led
Antonio Augusto Cançado Trindade, one of the drafters of paragraph 2 of Article
5 during the Constitution-making process of the 1980s, to criticize paragraph 3.
Cançado Trindade criticized this provision in his separate opinion in the first case
ever decided against Brazil before the Inter-American Court of Human Rights, the
Case of Damião Ximenes Lopes v. Brazil.94 In his separate opinion, Judge Cançado
Trindade characterized this provision as a “step back” in terms of human rights protection in Brazilian constitutional law, which threatened to fragment human rights
law in Brazil.95
One scholarly construction of paragraph 3 of Article 5 implies that this provision should be interpreted as meaning that human rights treaties incorporated in
the way provided for in this paragraph will be formally equivalent to constitutional
amendments, but that, regardless of that, by virtue of paragraph 2, all human rights treaties already have the status of constitutional norms, regardless of the way
through which they have been incorporated.96 A similar position was defended by
a State Court of Appeals, which stated that the approval of paragraph 3 to Article
5 had only the effect of legitimizing a previously existing situation. According to
the State Court, any doubts as to the constitutional status of human rights treaties,
even those incorporated before Constitutional Amendment 45/04, were dissipated.97
A more restrained position was adopted by a Federal Court of Appeals, which said
that the Supreme Court was to determine the exact hierarchy of treaties incorporated
before the Constitutional Amendment, but that it was possible that these treaties
would incorporate the “bloc of constitutionality” of fundamental rights protected
by the Constitution.98
Decisions of the Superior Court have discussed the status of the Pact of San
José in light of the new paragraph 3 of Article 5, and originally declared that this
provision was not applicable to the Pact of San José, which helped reinforce the
claim that it was to be deemed as ordinary federal statutory law.99 Another decision, by a Federal Court of Appeals, said that Congress should vote again on the
approval of international human rights treaties, if their status was to be changed
from ordinary infra-constitutional federal legislation to constitutional rules.100 It
93See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 688-689 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
94I/A Court H.R., Case of Ximenes-Lopes v. Brazil. Merits, Reparations and Costs. Judgment of July 4, 2006. Series C No. 149.
95See Separate Opinion of Judge Cançado Trindade, para. 31.
96See Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público 693-697 (Revista dos Tribunais Publishing, 2007).
97State Court of Appeals of the Federal District, Habeas Corpus 2006002007534, judgment of August 9, 2006.
98Federal Court of Appeals of the Fourth Circuit, Appeal to writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 2005.70.00.008336-7/
PR.
99 Superior Court of Justice, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 19.975/RS, judgment of October 5, 2006; and Superior
Court of Justice, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 19.835/MG, judgment of September 5, 2006.
100Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 2005.03.00.026683-4/MS, judgment of June 27, 2005.
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seems that the criticism of Cançado Trindade has been proven true, and that this provision worsened the situation of human rights treaties in the Brazilian legal order.
As appealing as the arguments of scholarship and the judicial decisions listed above aimed at “rescuing” paragraph 3 of Article 5 sound from the perspective of human
rights protection, the fact is that their proposed interpretations would render paragraph
3 practically useless. And it is well-known that legal provisions, particularly constitutional ones, must not be interpreted in a way that not only is not the most logical
meaning to be attributed to their words, but that also reduces their effect. Unfortunately, the Brazilian legislator has made a mistake in approving paragraph 3 the way it
did. Albeit clearly well-intentioned, as it aimed at resolving and improving the status
of human rights treaties, the fact is that this provision created a dangerous limbo for
international human rights treaties ratified before 2004. A progressive interpretation
of this provision by the Supreme Court is still possible, but still pending. A recent
decision of the Superior Court of Justice gives some hope to human rights lawyers in
Brazil, by affirming the retroactive effect of paragraph 3 of Article 5.101
Regarding human rights treaties, one particularly controversial issue is that of the
civil arrest of the unfaithful trustee. What happens is that, while the Brazilian Constitution forbids the deprivation of liberty based on the incapacity to fulfill contractual
obligations, it opens two exceptions, (1) the non-fulfillment of alimony obligations,
and (2) the inability to perform fiduciary duties.102 The American Convention on Human Rights (Pact of San José of Costa Rica), to which Brazil is a party, allows only
one exception, that regarding alimony (article 7.7). Brazil ratified the Pact of San José
in 1992,103 that is, after the approval of the 1988 Constitution and its paragraph 2 to
Article 5, and thus one would expect that this international norm which would expand
the list of fundamental rights protected by the Constitution would be taken into consideration by the Brazilian judge when deciding upon writs of habeas corpus related
to civil arrests.
However, what has happened is that the Supreme Court, contrary to multiple precedents from lower courts,104 has consistently decided that the Pact of San José had
the status of ordinary federal law, and as such could not amend the Constitution.105
The problem gains wider proportions as there is a statute making the inability to perform the obligations of lease contracts equivalent to the trusteeship duties for which
civil imprisonment is allowed. This statute has been considered as lex specialis, and
101Superior Court of Justice, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 18.799/RS.
102The relevant provision reads as follows: “Article 5. All persons are equal before the law, without any distinction whatsoever, Brazilians and
foreigners residing in the country being ensured of inviolability of the right to life, to liberty, to equality, to security and to property, on the
following terms: […] LXVII. there shall be no civil imprisonment for indebtedness except in the case of a person responsible for voluntary
and inexcusable default of alimony obligation and in the case of an unfaithful trustee; […]”
103American Convention on Human Rights “Pact of San José, Costa Rica”, adopted at San José, Costa Rica on November 22, 1969, entry into
force on July 18, 1978. The relevant provision of the Convention reads as follows: “Article 7. Right to Personal Liberty […] 7. No one shall
be detained for debt. This principle shall not limit the orders of a competent judicial authority issued for nonfulfillment [sic] of duties of
support.” This Convention was ratified by Brazil by the deposit of the instrument of ratification on September 25, 1992. See Odete Novais
Carneiro Queiroz, Prisão Civil e os Direitos Humanos 121 (RT, 2004)
104See for instance State Court of Appeals of the Federal District, Habeas Corpus HBC736896 DF, judgment of October 17, 1996; and State
Court of Appeals of Rio de Janeiro, Habeas Corpus 2006.144.00298, judgment of September 27, 2006.
105See for instance Supreme Federal Court, Habeas Corpus 73.044/SP, judgment of September 20, 1996; Superior Court of Justice, Habeas
Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 19.766/PR, judgment of October 17, 2006.
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its application has not been altered by the ratification of the Pact of San José.106 It is
noteworthy that the Brazilian judiciary has consistently held that this possibility does
not extend to financial obligations not deriving from contracts, such as monies owed
to the government.107
Specifically in this context, but with a broader reach, a recent opinion in a case
before the Supreme Court puts human rights treaties in an intermediary category,
below the constitution, but above all other laws.108 This would respect the Brazilian
sovereignty and the legitimacy of the judiciary in applying the law, but would still not
fully resolve the issue.
It is safe to say that the situation in Brazil with regard to treaty implementation and
their hierarchy is far from settled. As the Constitution offers no clear rules on the matter,
it is up to the judiciary to give a clear delineation or even create such rules through its
practice in enforcing treaties. We will now look at how such enforcement takes place.
3. Interpretation and Enforcement of Treaties
a) The Competence for Application of Treaties
The constitutional provisions outlining the competence of the Brazilian Judiciary
with respect to treaties mention treaties alongside federal law, which may be one of
the reasons why incorporated treaties are considered to have such a status in Brazil.109
This makes the whole of the judiciary, state and federal, competent to hear cases based
on treaties, inasmuch as these treaties have been incorporated, and for these purposes
turned into domestic law. As a matter of fact, hardly ever a treaty is mentioned without explicit reference to the Decree that promulgates it. And, when making a direct
application of a treaty rule, more often than not judges will refer to the Article in the
Decree, which is a domestic norm, instead of the article in the Treaty.
The two exceptions to this general, broad competence to interpret and apply treaties is a provision determining the competence of federal judges in cases regarding
treaties between the Union and a foreign state or organization, and another one referring to international crimes, but only to the extent that their execution has begun
in Brazil, and the result has or should have taken place abroad.110 International Con106See for instance Supreme Federal Court, Habeas Corpus 73.044/SP, judgment of September 20, 1996; Superior Court of Justice, Habeas
Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 19.766/PR, judgment of October 17, 2006.
107 See for instance Superior Court of Justice, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 17.115/PR, judgment of September 1,
2005.
108Federal Supreme Court, Extraordinary Appeal (Recurso Extraordinário) 466.343-1/SP, opinion by Minister Gilmar Mendes of November
22, 2006.
109 Regarding the Supreme Federal Court, the relevant provision is the following: “Article 102. The Supreme Federal Court is responsible,
essentially, for safeguarding the Constitution, and it is within its competence: III – to judge, on extraordinary appeal, cases decided in a sole
or last instance, when the decision appealed: […] b. declares a treaty or a federal law unconstitutional; […]”. With regard to the Superior
Court of Justice: “Article 105. The Superior Court of Justice has the competence to: […] III – judge, on special appeal, the cases decided,
in a sole or last instance. by the Federal Regional Courts or by the courts of the states, of the Federal District and the Territories, when the
decision appealed: […] b. considers valid a law or act of a local government contested in the light of a federal law; […]”. To quickly differentiate between the two Courts: the Superior Court of Justice is in charge of ensuring the uniform application of federal law, whereas the
Supreme Federal Court is in charge of ensuring the uniform application of the Constitution. Both Courts are seated in Brasília, the capital of
the country, and the judges of both courts (33 for the Superior Court, 11 for the Supreme Court) enjoy the status and title of Ministers.
110“Article 109. The federal judges have the competence to institute legal proceeding and trial of: […] II – cases between a foreign state or
international organization and a municipality or a person domiciled or residing in the country; III – cases based on a treaty or a contract
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ventions have been used to reinforce the latter hypothesis with respect to making
the crime “international”,111 as in cases in which the Convention on the Rights of the
Child (CRC) has been invoked to reinforce the shift of competence from the state to
the federal judiciary over international abduction of children.112 But even when the
crime is not fully “international” in its execution, the sole fact that it is proscribed
by an international treaty has been sufficient to shift the competence to the federal
judiciary. This has happened in a case of breach of secrecy of communications in a
case involving child pornography. Because the propagation of child pornography is
forbidden by the CRC, the competence for analyzing the case became federal.113 The
Superior Court of Justice, however, understood that, if the crime of child pornography
is committed only between Brazilians and in the Brazilian territory, the state judiciary
is competent to analyze the criminal charges.114
Moreover, crimes proscribed by international treaties have been deemed to fall
under the competence of the state-level judiciary in at least one occasion. In this
case, a child was tortured by a member of the military police (which is a statelevel institution in Brazil) and, even though the decision highlighted several international instruments that reprehended such act, including the CRC, the Convention
Against Torture, the Pact of San José and others, the competence was still the state
judiciary’s, at least as opposed to the military judiciary. The court never considered
the issue of conflict of competence with the federal judiciary, but only with the specialized military judiciary, and decided in favor of the “general”, non-specialized
judge. The holding indicates that the violation of human rights treaties has the power to pierce through at least some types of immunities or “forum privileges” in
Brazil. The fact that the military policeman was a state servant is what attracted
jurisdiction to the state courts, and it is unclear whether the jurisdiction would be
federal in different circumstances.115 However, considering the previous case mentioned, in which the proscription of child pornography in the CRC was not sufficient
for the Superior Court to shift competence to the federal judiciary, it is unlikely that
in ordinary circumstances the case would fall under federal jurisdiction.
Another case, regarding the trafficking of human organs, sheds light on this
question. In the case, the court was explicit in affirming that the federal jurisdiction
to consider the case only arose from the fact that the crime, initiated in Brazil, would
between the Union and a foreign State or international organization; […] V – crimes covered by an international treaty or convention, when,
the indirect administration of the cases within the prosecution having started in the country, the result has taken place or should have taken
place abroad, or conversely; […]”
111For a collection of the Treaties signed by Brazil in criminal law, see Denise de Souza and Jacob Dolinger, Direito Internacional Penal
7 (Renovar, 2006).
112Superior Court of Justice, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 6.322/PB, judgment of October 21, 1997; Federal Court
of Appeals of the Fifth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2002.05.00.020141-7, judgment of October 6, 2005; Federal Court
of Appeals of the Fifth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 95.05.03859-3, judgment of November 7, 1996; Federal Court of
Appeals of the Fifth Region, Habeas Corpus 99.05.41269-7, judgment of March 22, 2001.
113 Federal Court of Appeals of the Third Region, Criminal Appeal (Recurso Criminal) 2003.61.81.000927-6/SP, judgment of November
30, 2004.
114Superior Court of Justice, Conflict of Competences (Conflito de Competência) 57.411/RJ.
115Federal Supreme Court, Habeas Corpus 70389/SP, judgment of June 23, 1994. For a commentary to this case, see Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 96-100 (2007).
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be completed in South Africa, where the organs would be ultimately sold.116 A decision regarding the competence over crimes against copyright (as proscribed by the
1886 Berne Convention on the Protection of Artistic and Literary Works) also said
that crimes perpetrated in Brazil by Brazilians fell under the jurisdiction of the statelevel judiciary, regardless of their being proscribed by an international treaty.117
Furthermore, this rule has been interpreted to also include the reverse situation, that
is, cases in which the execution of the crime has begun abroad, but the result of which
has taken place in Brazil (even if not the ultimate result). In a case regarding the international traffic of turtles that had been brought from Paraguay and were kept in Brazil, the
Federal Court of Appeals of the Fourth Region has determined that, by virtue of Article
109, V, of the Constitution and of an international treaty on the conservation of aquatic
wildlife, the federal judiciary had the competence to analyze the criminal charges brought against the accused who kept 68 Paraguayan turtles in his home.118
A very interesting and recent feature of the Brazilian judicial system came along
with the Constitutional Amendment 45 of 2004. One of the new provisions inserted
in the Constitution by this amendment determines that, in crimes which constitute
serious violations of international human rights obligations, the competence can be
shifted from the state to the federal judiciary. This is provided for in paragraph 5 to
Article 109 of the Brazilian Constitution.119
In the first case decided with regard to this newly created tool, the Superior Court
of Justice determined the test for determining this shift of competence. The case involved the assassination of Sister Dorothy Stang, a human rights defender in Pará, a
state in the northern part of Brazil. The assassination of “Sister Dorothy”, as she was
known, caused immense public outcry, and hence this was a very high profile case.
The Superior Court, upon analyzing the request, decided that, although the shift
can be requested by the Attorney-General, it is not automatically granted, and the
competence will only be shifted if the state courts are unable or unwilling to address
the case appropriately. It said that, if anything, the shift of competence to the federal
judiciary might create obstacles for the criminal process and delay the resolution of
the case, which would go against the very purposes for which this tool was created
(namely, to combat impunity for human rights violations).
This creates a sort of subsidiarity of the federal judiciary with regard to the state
courts, a subsidiarity which reflects the general subsidiarity of the federal level with
regards to the state level in Brazilian federalism. In addition to the principle of subsidiarity, the Superior Court also said that a proportionality analysis was required in
116Superior Court of Justice, Habeas Corpus 34.614/PE.
117Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2005.04.01.023869-2/PR.
118Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2000.70.02.003077-2, judgment of August 21, 2002.
119A free translation of the provision reads: “Paragraph 5. In cases of serious violation of human rights, the Attorney-General of the Republic,
aiming at securing the fulfillment of international obligations deriving from international human rights treaties to which Brazil is a party,
can bring, before the Superior Court of Justice, in any phase of the investigation or procedure, a request to shift the competence to the
Federal Judiciary.” In the original: “§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja
parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal.”
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order to determine whether competence should be shifted. The goal to be pursued
by the infringement upon the autonomy of the federated unit was the prevention of
the risk of breach of an international human rights obligation by Brazil as a result
of the inactivity, negligence unwillingness or lack of capacity of the federated state
in addressing the situation. The shift of competence was to be ordered only if it was
proven that these conditions were fulfilled, and in the case of Sister Dorothy’s assassination such threshold was not met.120
Generally, thus, any court is entitled to interpret treaties, to the extent that they are
deemed to be federal law in Brazil. There are some exceptions to this rule that draw
jurisdiction directly to federal and superior courts, but one would expect that the use
of international treaty law would be pervasive in Brazil. In the next section we try to
assert the validity of this claim.
b)The Different Uses of Treaties by the Brazilian Judiciary
More often than not, the Brazilian case-law with regard to treaties does not directly apply them, that is, there are relatively few disputes involving the interpretation or
application of treaty provisions as the main legal basis for resolving disputes. What
usually happens is that treaties are used as a means to give meaning to rules of municipal law, or simply to strengthen the normative appeal of an argument, even if it is
only by the symbolic value of the international norm invoked.
The invocation and use of the United Nations Charter and the Universal Declaration of Human Rights (UDHR) are particularly interesting examples of the latter
case. For example, in a case deciding on the possibility of forcing a Jehovah’s
Witness to receive a blood transfusion, an argument was made on the importance
of giving precedence to the right to life over freedom of religion, using as a framework of analysis the “general principles of ethics and law” present in the UN
Charter. The judge then borrowed “ethical commandments” from a document that
was hardly applicable to the case at hand as a means to give further authority to
his universalist argument that clashed with the relativist interests of the Jehovah’s
Witness.121 Another case in which the UN Charter was mentioned was as a means
to give meaning to parental duties in educating their children to respect human
rights and the principle of the UN Charter.122 The UN Charter was also used in
conjunction with the UDHR in one case, both documents being analyzed jointly
so as to affirm the existence of an international principle of human rights protection in a case involving the import of beef from Europe after the Chernobyl
accident in the 1980s.123
The Universal Declaration of Human Rights – although not a formally binding
instrument – has been used as an extra argument by a Court in stating that essential
120Superior Court of Justice, Request to Shift Competence (Incidente de Deslocamento de Competência) 1/PA, judgment of October 10, 2005.
121State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 595000373, judgment of March 28, 1995.
122State Court of Appeals of Santa Catarina, Civil Appeal (Apelação Cível) 2005.012735-6, judgment of July 15, 2005.
123 Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Appeal en banc in the Civil Appeal (Embargos Infringentes na Apelação Cível)
90.04.09456-3/RS, judgment of October 17, 1990.
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utility services, such as the provision of water, could not be suspended in case of nonpayment, precisely because of their essential character for the realization of human
rights and human dignity as protected by the Declaration.124 The UDHR has also been
invoked as the basis for a “principle of humanity” with regard to the treatment of persons deprived of liberty, particularly mental health patients.125 Another case involves
the use of the Universal Declaration as stating a general ethics of human rights protection so as to uphold the right of a transsexual to change name (due to the secrecy
of the case as to the involved parties, it is not possible to know the gender of the
appellant).126 Another broad reference to the UDHR was in the sense of saying that the
Brazilian constitutional system was inspired by the rules of the Universal Declaration
with regard to the protection of fundamental rights and freedoms.127
The UDHR has not been used only in this broad fashion. For example, it has
been invoked to guarantee the access to medical treatment provided by the state,
in light of the right to life protected by the UDHR.128 Other uses include: to reinforce the right to association and the formation of labor unions;129 to guarantee the
right to housing against eviction;130 to guarantee the right of access to justice;131 to
have access to independent and impartial courts in the determination of a person’s
rights and obligations;132 to protect the right to privacy in its balance with the
right to freedom of expression;133 or to guarantee the secrecy of mail communications.134
Another broad use of an international human rights instrument was done by Superior Court of Justice with regards to the American Convention on Human Rights. The
Superior Court of Justice used this instrument, and the principle of equality protected
by it, as a means to reject a challenge to the participation of a witness in a criminal
proceeding based on the sole fact of the witness’s homosexuality. Upon proclaiming
the principle of equality, the Superior Court of Justice affirmed that no discrimination
on the basis of sexual orientation is permissible for the purposes of participating in criminal proceedings as witnesses, and that sexual orientation did not imply a favorable
or unfavorable character judgment.135
124State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Interlocutory Appeal (Agravo de Instrumento) 2001.002.11382, judgment of May 9, 2002.
125State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 1995.050.00066, judgment of June 27, 1995.
126State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 70013909874, judgment of April 5, 2006.
127 Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 94.03.024755-0, judgment of June 24, 1997 (particularly referring to the
right to honor and privacy).
128State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Interlocutory Appeal (Agravo) 70010356889, judgment of December 23, 2004.
129State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 595126368, judgment of November 8, 1995.
130Federal Supreme Court, Extraordinary Appeal (Recurso Extraordinário) 407688/SP, judgment of February 8, 2006.
131Federal Supreme Court, Internal Interlocutory Appeal to the Interlocutory Appeal (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento) 468178/
RJ, judgment of December 13, 2005; State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Direct Constitutionality Challenge (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) 70006053474, judgment of December 39, 2003 (invoking norms of the UDHR, American and European Convention on Human Rights and International Covenant on Civil and Political Rights as statements of the broader right of access to courts); and
State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Appeal in the Narrow Sense (Recurso em Sentido Estrito) 70004128021, judgment of May
22, 2005.
132 Superior Court of Justice, Declaratory Request in Representation (Embargos Declaratórios na Representação) 332/TO, judgment of
September 21, 2005 (dealing with criminal charges against a judge of an appeals court).
133State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 70004905667, judgment of November 20, 2002 (citing provisions of the UDHR, Declaration on the Rights of Man and Citizen of 1789, American and European Conventions on Human Rights).
134Federal Court of Appeals of the Third Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2000.61.81.007694-0, judgment of October 2, 2001.
135Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 154.857/DF, judgment of May 26, 1998. On a brief note on the merits of the
case, it is surprising and disappointing that this case was decided only ten years ago, because it also means that only ten years ago people
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The Supreme Court has also invoked the provisions of a treaty conferring human
rights (the UN Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination and
Violence Against Women) to inquire into the constitutionality of a legal provision
restricting the right to maternity leaves (more specifically, the right to full payment
during maternity leaves). The challenged norm was an administrative norm (Portaria)
by the Ministry of Social Security (responsible for the payment of maternity leave benefits) restricting the payment of these benefits to the ceiling of pension payments for
retired individuals, leaving the rest of the salary to be paid by the employer. This eventually became a project for a Constitutional Amendment (as the matter of maternity
leave is a social right protected by the Constitution), and the Supreme Court said that
such provision would lead employers to prefer male employees, as they would never
be on maternity leaves for which there would be financial charges to the employer.
In the end, the amendment was declared partly unconstitutional, and its interpretation
was narrowed by this decision so as to guarantee its constitutionality.136
Treaties have been used to give meaning to rules of municipal law, or even to extend
the meaning of these rules, in several cases dealing with several areas of law. For instance, in one case on consumer protection, the court took into consideration the fact that the
consumer was a child and interpreted the Consumer Code in conjunction with provisions
of the Convention on the Rights of the Child, so as to deem abusive (and thus invalid)
clauses in a health insurance contract that restricted the access to medical treatment. Because the Convention on the Rights of the Child protects the right of every child to health
care, an appropriate application of the Consumer Code in light of these principles required
that the right to health be guaranteed.137 The CRC was also invoked in cases regarding
domestic138 and inter-country adoption proceedings,139 as well as in a case involving the
rights of juvenile defendants in criminal proceedings.140 Another case on children’s rights
invoked the Hague Convention on the Civil Aspects of International Abduction of Children as a general landmark that must be taken into account by judges in all cases involving
the international abduction of children, and that alternative arguments deviating from the
provisions of this Convention were impermissible.141
There is also a rich array of cases in which rules of federal legislation have been
contrasted with international treaties, to confirm their validity, to rectify or expand
their meaning, or even to modify or nullify these rules. This has happened particularly
were still raising such inadmissible discriminatory assumptions over the moral credibility of people based on their sexual orientation. It is
praiseworthy that the Superior Court of Justice has taken a strong stand against such prejudice.
136Federal Supreme Court, Provisional Measure in Direct Constitutionality Challenge (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade) 939, judgment of April 29, 1999.
137State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Civil Appeal (Apelação Cível) 2005.001.33142, judgment of March 14, 2006.
138State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Civil Appeal (Apelação Cível) 2001.001.04693, judgment of September 25, 2001.
139 Federal Court of Appeals of the Fifth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2000.82.00.005746-9, judgment of April 14, 2005.
The Hague Convention of May 29 1993 had a strong effect on the new inter-country adoption practices in Brazil, since it provides an effective co-operation system followed by the Brazilian administrative and court system. See Claudia Lima Marques, Das Subsidiaritätsprinzip
in der Neuordnung des internationalen Adoptionsrechts - Eine Analyse des Haager Adoptionsübereinkommens von 1993 im Hinblick
auf das deutsche und das brasilianische Recht, 331 (1997). See also Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial)
196.406, judgment of October 11, 1999.
140State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 70009890310, judgment of August 18, 2005.
141 Superior Court of Justice, Declaratory Request in the Special Appeal (Embargos Declaratórios no Recurso Especial) 900.262/RJ, judgment of May 2, 2007.
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with regard to criminal legislation (both substantive and procedural criminal law), in
contrast with international human rights instruments. One judgment stresses how the
Criminal Procedure Code has been changed to comply with the American Convention
on Human Rights.142
In an interesting case of modification of the interpretation of criminal law by international treaties, the Superior Court of Justice analyzed the competence for judging the
crime of genocide. A massacre perpetrated against an indigenous group (in a dispute
against gold-extracting companies who wanted to explore indigenous lands) was being
prosecuted before federal courts, and there was an issue as to whether the case should be
judged by a single judge or by the jury (which, in Brazilian law, is the only competent
organ to judge, in first instance, intentional crimes against life, including homicide). The
Superior Court of Justice, in analyzing the provisions of the Genocide Convention and
the implementing Brazilian legislation, came to the conclusion that Genocide as such
was not a crime that fell under the competence of a jury trial, because it was not solely
a crime against life, but more importantly a crime against “the common existence of
the group”.143 The Convention Against Torture has also been used to help determine the
reach of a criminal provision, with regard to its classification.144
International human rights treaties have also been used to determine the limits of
the application of criminal law. For instance, there are several decisions drawing inspiration from provisions of the American Convention on Human Rights. For instance,
cases regarding the unnecessary length of judicial (criminal) proceedings have jointly
interpreted the constitutional right to a reasonable duration of judicial proceedings
with the equivalent right in the American Convention, in favor of the accused.145 The
same has happened with regard to the duration of provisional arrests;146 the right to
appeal;147 the right no to be forced to produce evidence against oneself;148 the nonretroactivity of criminal law;149 the presumption of innocence;150 or the recognition of
the same rights to both national and foreign individuals accused of crimes.151
142State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Habeas Corpus 2004.059.06387, judgment of December 28, 2004.
143Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 222.653/RR, judgment of September 12, 2000.
144State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 2004.050.01372, judgment of June 3, 2004.
145Federal Supreme Court, Habeas Corpus 80379/SP, judgment of December 18, 2000; Superior Court of Justice, Habeas Corpus 51.177/SP,
judgment of May 16, 2006; Superior Court of Justice, Habeas Corpus 43.153/BA, judgment of December 13, 2005; Superior Court of Justice, Habeas Corpus 19.473/SP, judgment of March 26, 2002; State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Habeas Corpus 1998.059.00385,
judgment of June 2, 1998; Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 2000.03.00.020465-0/SP, judgment of August
8, 2000.
146 Superior Court of Justice, Habeas Corpus 50.455/PA, judgment of May 2, 2006; State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Habeas
Corpus 699046777, judgment of March 24, 1999; State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Habeas Corpus 699020426, judgment of
April 28, 1999.
147Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 622.321/SP, judgment of June 6, 2006.
148Superior Court of Justice, Appeal on writ of mandamus (Recurso em Mandado de Segurança) 18.017/SP, judgment of February 9, 2006
(in the specific context of administrative proceedings against a public servant).
149 Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 499.918/SC, judgment of August 5, 2003; Federal Court of Appeals of the
Third Region, Conflict of Competences (Conflito de Competência) 2002.03.00.045180-6/SP, judgment of March 19, 2003.
150Federal Supreme Court, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 75917/RS, judgment of April 28, 1998.
151Federal Court of Appeals of the Third Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 97.03.071969-4/SP, judgment of May 18, 2005. See
more about the Brazilian nationality in REZEK, José Francisco, A nacionalidade à luz da obra de Pontes de Miranda, in Revista Forense
(Rio de Janeiro), julho-agosto-setembro 1978, vol. 263, ano 74, p. 15ss. , about the special treatement to portuguese nationals in Brazil, see
REZEK, José Francisco, Aspectos elementares do Estatuto da Igualdade, in Boletim do Ministério da Justiça (Portugal), n. 277, junho de
1978, p. 5 a 12 and in general about nationality in international law,see REZEK, José Francisco, Le droit international de la nationalité, in
Recueil des Cours, tome 198, 1986-III, Martinus Nijhoff, Dordrecht, 1987, p. 341ss.
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An international treaty has been used to restrict the application of criminal law in
at least two occasions. In these cases, practically identical, a criminal provision of the
“Foreigners Statute” (“Estatuto do Estrangeiro”), the Brazilian law which regulates
the rights and duties of foreigners residing in Brazil, was not applied by the judiciary
in favor of a value contained in a human rights instrument (as well as the Constitution). A foreigner charged with the commission of a crime was pending expulsion
from the country; however, the fact that he had a Brazilian child with a Brazilian wife
compelled the judge, in respect for the best interests of the child (protected by the UN
Convention on the Rights of the Child), not to apply the criminal provision determining the expulsion of the father from the country.152
It also happens that sometimes the contrasting between treaty provisions and
municipal law leans towards giving greater force to municipal law, for a number of
reasons, including the statute’s status as “special law” as opposed to the “general
law” status of most human rights treaties. A general balancing exercise in this sense
has been done in a case on the right to appeal in criminal proceedings. According
to the appellant in the case, the American Convention on Human Rights protected
the rights of the accused of a crime to appeal against his conviction in liberty. The
Court, however, said that this rule was to be interpreted in conjunction with the
relevant rules of criminal law and the Constitution, ultimately denying the right to
appeal in liberty.153 One case from a state court, however, has come to the point of
saying that the relevant provision of the Criminal Procedure Code had been revoked
by the American Convention, and that thus the accused had the right to appeal in
liberty,154 even though this is not the position of higher courts, nor is it a firm position within state courts.155
The same reasoning, of generally checking the compatibility between criminal
procedural law and human rights obligations, has been applied with regard to the
right of foreigners to be assisted by interpreters. The case dealt with a foreigner
arrested for drug trafficking, and she challenged the validity of the whole procedure
because she was not assisted by an interpreter during her interrogation by the police.
The Court, however, upon looking at the text of the American Convention, came to the
conclusion that the right to an interpreter only existed with regard to the judicial phase
of the criminal prosecution. As the interrogation by the police is a separate, prior moment to the judicial phase, the provision of the Convention had not been violated.156
Other cases have gone beyond this general assertion of the need for a “compatibility check” between the American Convention and criminal legislation. For instance,
several judgments have contrasted the provisions of the American Convention on ri152Superior Court of Justice, Habeas Corpus 38.946/DF, judgment of May 11, 2005; and Superior Court of Justice, Habeas Corpus 31.449/
DF, judgment of May 12, 2004.
153 Superior Court of Justice, Habeas Corpus 39.335/RJ, judgment of March 15, 2005. See also Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 264.263/SP, judgment of April 10, 2001; State Court of Appeals of the Federal District, Habeas Corpus
19990020021538HBC, judgment of July 30, 1999.
154State Court of Appeals of the Federal District, Habeas Corpus HBC722496, judgment of May 30, 1996.
155 See for instance State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Appeal in the Narrow Sense (Recurso in Sentido Estrito) 2003.051.00461,
judgment of April 13, 2004.
156Federal Court of Appeals of the Third Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 1999.03.99.064134-4/SP, judgment of April 25, 2000.
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ghts of the accused with the Brazilian Heinous Crimes Act (Lei dos Crime Hediondos). The American Convention was ratified in 1992, while the Heinous Crimes Act
is of 1990. Therefore, considering the fact that treaties have the status of ordinary
federal law, and that the American Convention became law after the municipal act, it
would in principle revoke it, or at least some of its provisions. What the judiciary has
said in a series of cases, however, is that this has not happened, because the Heinous
Crimes Act is a “special law” with regard to the “general law” status of the American
Convention, and thus continued to apply.157
In one case, nevertheless, a state court has taken a different view, by looking at the
American Convention not as a law that would potentially clash with a federal statute,
but as a declaration of ethic commandments of “qualified ordre public”, and in this
sense capable not of revoking the application of provisions in the Heinous Crimes
Act, but of more generally interacting with them in the search of the just result in the
case at hand.158 In this sense, not only is the human rights instrument applied as a “narrative norm”, but also, to borrow another expression from Erik Jayme, one can see a
“dialogue of sources” taking place in the resolution of the instant case.159
Another interesting case explores the clash between the rights of the accused in
criminal proceedings as guaranteed by international human rights law on the one
hand, and the rights of the victims on the other. In this case, the accused challenged
the validity of a judgment against him on the grounds that the victims requested his
removal from the courtroom during the hearings. He alleged that this violated his right
to defense, as guaranteed by the American Convention. The Court, however, analyzed
the guarantees for the accused with respect to his right to defense, and said that this
specific instance had not amounted to a curtailment of his right.160
Municipal criminal law provisions have also had their validity checked against
provisions in international human rights treaties that did not deal with criminal law
matters, or rights of the accused. In an interesting set of cases, Brazilian courts were
faced with the clash between the right to freedom of expression of small, poor communities and statutes regulating the activity of radio broadcasting that criminalize the
setting up of radio stations without prior governmental authorization. In all of these
cases, courts have said that the open content of the right to freedom of expression as
protected by these treaties allowed for governmental interference by means of regulation of a certain activity, and that this regulation was a proportional interference.161
This reasoning is not far from the reasoning adopted by international human rights
157 See for instance Federal Supreme Court, Habeas Corpus 83669/SP, judgment of December 2, 2003; Superior Court of Justice, Habeas
Corpus 37.398/SP, judgment of April 7, 2005; and Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 2005.03.00.063736-8/
SP, judgment of September 27, 2005.
158State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Criminal Appeal (Apelação Crime) 699406823, judgment of August 18, 1999.
159Erik Jayme, Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne, 251 Recueil des Cours 9 (1995).
160State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Criminal Appeal (Apelação Crime) 70003267614, judgment of November 7, 2001€.
161 See for instance Federal Court of Appeals of the Fifth Region, Criminal Appeal (Apelação Criminal) 4381/PE, judgment of March 14,
2006; Federal Court of Appeals of the Fifth Region, Appeal to writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 87401/RN,
judgment of August 3, 2004; Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus 2003.03.00.075227-6/SP, judgment of May
3, 2004; and Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus Appeal (Recurso em Habeas Corpus) 96.03.013212-8/SP,
judgment of April 28, 1998.
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tribunals in analyzing cases involving freedom of expression, but this reasoning is
also easily found in the very treaty provisions protecting this right.
There is one interesting case on the clash of international treaty obligations resolved by the Brazilian Supreme Court. In the case, the Court considered a request of
extradition162 from Paraguay against an individual sought for participation in public
demonstrations that led to riots and the death of several individuals. However, because this was a political crime, Brazil gave prevalence to its human rights obligations
under the American Convention, which forbids the extradition to a country where the
individual’s security is in danger for political reasons.163
There are also several cases in which the application of a treaty has been denied
against federal law. In some of these cases, the argument was that of the specialty of
federal law over treaty rules; in others, the international treaty rule has been disregarded in favor of public policy (ordre public) interests. An example of the latter is a case
in which the application of the Vienna Convention on Consular Relations was denied
in favor of application of specific criminal law charged with ordre public values. To
be more precise, the Convention was not denied validity, but its scope was restricted,
according to its own terms, so as to exclude activities not related to the professional
attributions of consular staff from immunity. In the case, a (honorary) consul of Israel
was accused of crimes against children (child pornography), and, by virtue of the
seriousness of the crime, his preventive arrest was ordered. He challenged such arrest
based on the Vienna Convention on Consular relations, but the judge hardly considered the international treaty in depth, preferring to resolve the case by asserting the
seriousness of the crime and even its international proscription in international instruments.164 Had the judge chosen to resolve the issue by focusing on the international
legal argument, he probably would have arrived at the same result (that is, of denying
habeas corpus to the honorary consul, as honorary consuls are not protected by the
Vienna Convention). By giving preference to the domestic law argument, this case is
an example of a more generalized trend in the Brazilian judiciary, which can probably
be explained on grounds of sovereignty.
Another similar case (on the criminal liability of consular staff) was decided with
direct application of international law. In the case, immunity from criminal prosecution to a vice-consul was denied on the basis of direct application of the Vienna
Convention so as to lift the immunity. The argument of municipal criminal law was
only briefly mentioned, and not invoking reasons of public policy.165 Thus, there are
exceptions to the sovereigntist approach of the Brazilian judiciary, albeit, we suggest,
there is still a slight preference towards giving preference to the application of national rules in most instances (except for human rights law).
162About extradition in Brazil, see Florisbal de Souza Del’Olmo, A Extradição no Alvorecer do Século XXI (2006); Joelíria V.. Castro,
Extradição – Brasil e MERCOSUL (Juruá, 2006); Appio Claudio Acquarone, Tratados de Extradição (Instituto Rio Branco, 2003);
Carolina C. G. Lisboa, A Relação Extradicional no Direito Brasileiro (Del Rey, 2001) and Artur de Brito Gueiros Souza, As Novas
Tendências do Direito Extradicional (1998).
163Federal Supreme Court, Extradition (Extradição) 794/PG – Paraguay, judgment of December 17, 2001.
164Federal Supreme Court, Habeas Corpus 81158/RJ, judgment of May 14, 2002.
165Federal Court of Appeals of the First Region, Habeas Corpus 89.01.01990-6/DF, judgment of November 10, 1989.
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There are other precedents which apply the Vienna Convention on Consular Relations directly to the case. One of these cases does so, however, as a means to support
a sovereignty-based argument, more specifically, the refusal of Brazilian authorities in
acknowledging a honorary consul. As these are not considered to be consular staff for
the purposes of full protection by the Vienna Convention, sovereignty plays a larger role
with respect to accepting or not honorary consuls as such. The Brazilian judge used the
Vienna Convention to support the sovereignty argument and affirm the decision of the
Brazilian authority.166 This same instrument was also invoked in another case also aimed
at protecting a certain aspect of sovereignty in international relations, more specifically,
the power of consular staff to certify the authenticity and validity of documents produced by the national authorities of the country where the staff is stationed.167
International treaty rules have also been invoked to fill in apparent normative and value gaps in the Brazilian legal order. This has happened with cases challenging the constitutionality of affirmative action programs recently implemented in Brazilian universities
for racial minorities and people on worse economic conditions. Specifically with regard to
racial quotas, the Federal Court of Appeals of the Fourth Region used the Convention on
the Elimination of all Forms of Racial Discrimination, as well as the findings and analysis
of the Committee on Racial Discrimination created by the Convention, as a means to give
credibility at the constitutional level to the affirmative action programs.168
A human rights instrument has also been used as a means to determine the rights
of Afro-Brazilian communities (known as Quilombolas). These communities, formed
originally by slaves who fled slavery and took refuge in small rural communities with
their peers, have been recognized under Brazilian law as indigenous communities.
In determining their rights to property of land, federal courts have used international instruments, particularly the ILO Convention (No. 169) on Indigenous and Tribal
Peoples. These international norms should be observed because of the principle that
guarantees the prevalence of human rights in international relations, and idea which
must be necessarily reflected in municipal constitutional orders. Further, the Convention provides for the duty of consultation of indigenous communities in matters that
affect them, and, even though no internal norm to the same effect was mentioned in
the decision, this right is still to be guaranteed.169
An interesting hard case (and a high profile one as well, for that matter) in which
international treaties have been used extensively is the case of publication of antiSemitist literature. The Supreme Federal Court analyzed a challenge to the application
of criminal laws punishing racism to the matter, as well as the statute of limitations
to the crime (racism in Brazil is a crime to which the statute of limitations does not
apply). According to the appellant, a rule forbidding racist speech could not be applicable to anti-Semitist literature, as being Jewish did not constitute a “race”, and
therefore the statute of limitations must have necessarily passed with regards to any
166Federal Supreme Court, Writ of Mandamus (Mandado de Segurança) 6.713/DF, judgment of August 7, 2000.
167Federal Supreme Court, Contested Foreign Judgment (Sentença Estrangeira Contestada) 4738/EU, judgment of November 24, 1994.
168Federal Court of Appeals of the Fourth Circuit, Appeal to writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 2005.70.00.008336-7/PR.
169Federal Court of Appeals of the Fourth Circuit, Interlocutory Appeal (Agravo de Instrumento) 2008.04.00.010160-5/PR.
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crime he might have committed. The Supreme Court rebutted this argument based on
the UNESCO Declaration on the Human Genome and Human Rights, which affirms
that indeed there is no such thing as a separate “race” of human beings, but that races
have been created for social and political reasons, one of these being the “Jewish
race”. After listing numerous international treaties that forbid racial discrimination
(including the Genocide Convention, the Convention on the Elimination of All Forms
of Racial Discrimination, the American Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights, and the Rome Statute of the International
Criminal Court), the Supreme Court decided that the crime of racism is not subject to
a statute of limitations, and therefore should be prosecuted.170
The issue of statute of limitations for certain crimes has also come up in a case
concerning moral damages sought by the family of a person who “disappeared” during the Brazilian military dictatorship (1964-1988). In this case, the Court used the
idea of non-application of status of limitations for heinous crimes such as torture and
invoked the provisions of the UN Convention Against Torture, the Inter-American
Convention Against Torture and the American Convention of Human Rights to reinforce the provisions of federal law. The Court affirmed that, in terms of serious human
rights violations, the provisions on statute of limitations for civil damages of the Civil
Code cannot be applied, due to the special character of such crimes, as confirmed by
their provision in international instruments.171
Another remarkable case involves the use of genetically modified organisms, more
specifically the planting of genetically modified soya beans.172 The Brazilian judge had to
deal with interests that, albeit philosophically and ethically well-founded, lacked clear legal grounds. In order to take the side of the environmental movement, who argued against
the use of GMO seeds on the basis of the precautionary principle, the federal judges in
the case looked at how international rules complemented and expanded the open-ended
constitutional rules on environmental protection. To this end, reference was made not only
to the declaratory importance of soft law instruments such as the Rio Declaration on the
Environment of 1992, but also, and more decisively, to the Convention on Biological Diversity of 1992 (CBD), to which Brazil is a party. The judge initially said that the precautionary principle was to be derived precisely from the international commitment of Brazil
to the CBD, but then went on to say that, even if this Convention could be excluded from
consideration (which it was not), the Brazilian Constitution already offered subsidies for
finding the precautionary principle as part of the Brazilian legal order.
Further, international (administrative) regulations by the FAO and OECD were
used to evaluate the Brazilian standards in assessing the risks of GMO crop seeds.
This is an interesting development, as it points out to a certain influence of “global
administrative law”173 in Brazil, a country which is usually considered to be rather
170Federal Supreme Court, Habeas Corpus 82424/RS, judgment of September 17, 2003.
171Superior Court of Justice, Special Appeal (Recurso Especial) 612.108/PR, judgment of September 2, 2004.
172Federal Court of Appeals of the First Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 171157, judgment of June 28, 2004.
173For a survey of global administrative law, and, more importantly, the importance of international organizations as global law-makers, see
José E. Alvarez, International Organizations as Law-Makers (Oxford University Press, 2005).
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closed off to international law. The findings of these technical international bodies
were used as a basis of comparison for the Brazilian standards, and thus as a means to
give legitimacy to the technical aspects of the judgment.
Another case in which the technical findings of international bodies was used to
interpret Brazilian law also involves environmental protection, this time the Vienna
Convention on the Protection of the Ozone Layer (1985) and the Montreal Protocol (1987) thereto. The court said that administrative regulations issued by Brazilian
authorities should be read in conformity with international obligations in terms of
environmental protection.174
However, courts have refused to apply rules of international human rights treaties when these rules are not self-executing. For instance, in a case regarding the
application of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights,
the judge refused to give effect to any of the rules of the Covenant based on the
fact that they do not impose immediately enforceable obligations, but rather merely
the duty of the State to progressively adopt measures aimed at realizing the rights
protected thereby.175
It is interesting to notice the seeming preference for invoking international legal
rules in “hard cases”, that is, cases for which there are no clear-cut solutions either in
national or international law. It seems that judges have a preference for these rules not
only because they lend some sort of rhetorical authority to validate judges’ arguments,
but also because using international law seems to point towards a more sophisticated
argument, which is a welcomed addition in the resolution of a hard case.
The judgment on anti-Semitic literature is one of the few cases that used foreign
and international case-law in the application of international treaties, as the Brazilian judge does not often cite precedents for the application of the law. Considering
that the use of international treaty rules is more often a means to support an argument than a determining issue, it is understandable that detailed interpretations of
international instruments by international courts are not quoted in judgments by
Brazilian courts. If Brazilian Courts hardly interpret the provisions of treaties themselves, there is hardly a reason why they should find the need of using someone
else’s interpretation.
The fact that treaties are used only for “argumentative support”, and not really as
decisive arguments in the decisions, coupled with the fact that Brazil is not a party to
the VCLT, explains why the criteria of interpretation of articles 31 and 32 of the VCLT
are not mentioned in Brazilian case law. Further, as treaties are hardly interpreted, it is
difficult to know whether Brazilian judges use similar or different criteria in the few
instances where they do interpret treaties. What arises from reading the relevant case
law is that the Brazilian judge interprets treaty provisions in accordance with the ordinary meaning of the words contained in the provisions, which is one of the criteria set
174Federal Court of Appeals of the Third Region, Appeal to writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 2000.61.00.010798-1/
SP, judgment of January 31, 2007.
175 State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 70017102161, judgment of October 26, 2006 (referring to
the rights to water and housing).
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forth by the VCLT. However, as this is a general canon of interpretation, one cannot
assume that the Vienna Convention on the Law of Treaties has any real influence on
the way treaties are applied by the Brazilian Judiciary.
c) The Brazilian Judiciary and Foreign / International Subjects
All the cases dealt with until this moment discussed the relationship between the
Brazilian judiciary and natural persons, mostly nationals. The decisions regarding diplomatic and consular staff are an intermediary category, but they can still be regarded
as addressing individuals. There are, however, multiple decisions in which the Brazilian judged is forced to consider the relationship with foreign or international legal
persons, there included states and international organizations.
An interesting decision deals with the representativeness of a diplomatic mission
with regard to their state of origin. The case dealt with a request for extradition made
by Bulgaria, but, because the crime was punishable by death sentence in Bulgaria at
the time, and Brazil does not allow for the extradition of people facing the death penalty. This was the issue in the broader case, but the specific issue of international law
was whether a diplomatic mission had the power to fully represent the state in a promise that the person being extradited would not be subject to the death penalty (which
was a condition for the extradition being granted). The Supreme Court said that the
promise could be validly made by the head of the diplomatic mission of Bulgaria in
Brazil at any time prior to the surrender of the accused.176
Cases dealing with states invariably deal with the topic of immunity of jurisdiction
and enforcement. The jurisdictional immunity of foreign states is the topic of heated
debates in the Brazilian judiciary. One paradigmatic decision states that “diplomatic
privileges cannot be invoked, in labor law litigation, to validate the unjust enrichment of
foreign states, to the unacceptable prejudice of workers resident in Brazil”. The strong
wording in this judgment is remarkable, and it crystallizes the idea that foreign states are
not immune from prosecution with respect to their labor law obligations, particularly as
jurisdictional immunity is, in customary international law, only relative.177
The same can be said with respect to tax duties, to a certain extent. While foreign
states are exempt from paying general taxes, they are still liable to pay fees for public
services and utilities, and there is no jurisdictional immunity from lawsuits in which
the state tries to recover these monies.178 The same reasoning applies to fees owed to
the state over real estate transactions, which are deemed to fall outside of the concept
of “tax”.179 However, courts have understood that the exemption from property taxes
only applies when the foreign state owns the building, not extending to rented spaces
(situation in which the property owner is liable to pay for the taxes).180
176Federal Supreme Court, Extradition (Extradição) 744/BU – Bulgaria, judgment of December 1, 1999.
177 Federal Supreme Court, Interlocutory Appeal to the Extraordinary Appeal (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário) 222368/PE,
judgment of April 30, 2002. See also Superior Court of Justice, Civil Appeal (Apelação Cível) 7/BA, judgment of April 3, 1990.
178Superior Court of Justice, Ordinary Appeal (Recurso Ordinário) 30/RJ, judgment of October 21, 2004.
179Superior Court of Justice, Ordinary Appeal (Recurso Ordinário) 6/RJ, judgment of March 23, 1999.
180 State Court of Appeals of Santa Catarina, Interlocutory Appeal (Agravo de Instrumento) 2002.019179-0, judgment of November 11,
2002.
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Even though the Brazilian judiciary does not always grant the immunity of
jurisdiction, it fully recognizes the immunity of enforcement against foreign states.181 This means that, in practice, even though there may be decisions ordering
foreign states to perform certain obligations, these orders cannot be enforced.
Except for voluntary compliance by foreign states with judgments rendered in
Brazil, the end-result of litigation against a foreign state is the same as if immunity had been granted from the beginning of the jurisdictional phase. This recognition of foreign immunity against enforcement is not only in consonance with
international customary law, but it is also a necessary step in the maintenance of
harmonious foreign relations.
As to the decisions relating to international organizations, they reflect a lot of
the same principles that apply to foreign states. For instance, international organizations are also not immune from jurisdiction over labor law disputes, at least
if they do not set up their own internal labor law dispute resolution mechanism.182
Another decision states that servants of international organizations, as well as
those of foreign states, are dispensed from paying income taxes, but that this does
not extend to people performing the duties of consultants to international organizations.183
But the most interesting case involving an international organization is a case
concerning Itaipu Binacional, an international company created by the governments of Brazil and Paraguay to exploit the hydroelectric potential of the Paraná
river, that makes part of the border between the two countries. The Itaipu power
plant is one of the largest hydroelectric power plants in the world, and there was
a dispute brought before Brazilian courts regarding compliance with internal administrative rules on environmental measures. What the Court said was that the
Itaipu enterprise was to be considered an international entity, and as such could
not be unilaterally subjected to Brazilian law, or Paraguayan law. As the company
could not be compartimentalized into “Brazilian parts” and “Paraguayan parts”,
the rules to be applicable to the company could not be automatically the national
rules of either country. The law applicable should be the product of negotiations
between Brazil and Paraguay, because, not being reducible to a state entity, it
could not be subjected to the rules governing the conduct of state bodies.184 This
represents a step forward in terms of moving past a strict sovereignty-based approach, but one has to bear in mind the special circumstance of the case that made
such result much more probable, namely, the fact that the company was an international entity created by two governments.
181Federal Supreme Court, Internal Interlocutory Appeal to Original Civil Suit (Agravo Regimental na Ação Cível Originária) 634/SP, judgment of September 25, 2002; and Federal Court of Appeals of the Third Region, Ex Officio Request in Civil Appeal (Remessa Ex Officio em
Apelação Cível) 96.03.095558-2/SP, judgment of August 30, 2006.
182 Regional Labor Court of the Tenth Region, Ordinary Appeal (Recurso Ordinário) 00067-2006-016-10-00-9, judgment of October 4,
2006; and Regional Labor Court of the Tenth Region, Ordinary Appeal (Recurso Ordinário) 00426-2005-004-10-00-7, judgment of June
21, 2006.
183Federal Court of Appeals of the First Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 2002.34.00.027370-4/DF, judgment of June 16, 2006.
184Federal Court of Appeals of the Fourth Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 2003.04.01.015255-7, judgment of August 23, 2006.
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d. Treaty-Based Remedies and the Enforcement of Treaty Rights by Private
Parties
Considering that treaties become ordinary federal law once incorporated into the
Brazilian order, it is to be expected that treaties in some instances confer rights directly upon private parties. This, of course, as long as the treaty’s provisions are self-executing. A judgment by a federal court, for instance, has considered that the provisions
of the Montevideo Treaty on regional economic integration were not self-executing,
and as such could not serve to immediately create tax exemptions.185
This does not apply to all international economic law treaties, however, The provisions of the GATT, for example, are considered self-executing, and can confer rights
upon private parties before Brazilian administrative authorities (who are responsible
for authorizing the necessary papers for tax exemption).186
The cases on the rights of the accused discussed above are some examples of treaties
conferring rights directly upon criminal defendants, but they have been applied not so
much as conferring rights to private parties; rather, they have been used as general norms
(of higher ethical value, arguably) against which federal criminal law should be checked.
But there are some other, instances in which people can seek the judiciary in cases
of violation of treaty rights, and in which these treaties are applied directly. One such
case involves the application by a sailor in a merchant ship sought against Brazilian
authorities who would not allow him to disembark from the ship onto Brazilian soil
for the lack of a visa. By directly applying the relevant ILO Convention (No. 108), the
Brazilian judge said that he did not need a visa as long as he was the employee of a
merchant ship anchored in Brazilian territorial waters.187
Another case is that of recognition of foreign educational credentials. For many year,
Brazil was a party to the Regional Convention on the Recognition of Studies, Titles
and Diplomas of Higher Education in Latin American and the Caribbean (Convenção
Regional sobre o reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior
na América Latina e no Caribe), a Convention that has presently been denounced by
Brazil. However, while this instrument was in force for Brazil, people who started attending academic institutions in the states parties to it have a direct right to a remedy before
Brazilian Courts for the recognition of their educational credentials obtained abroad.188
The Warsaw Convention for the Unification of Certain Rules Relating to International Carriage by Air also creates rights that are directly enforceable in Brazilian
Courts. There are, however, generally more favorable provisions to consumers in the
Brazilian Consumer Protection Code, and therefore the Consumer Code is used more
often. One decision, however, considered the Warsaw Convention to be lex specialis
185 Federal Court of Appeals of the First Region, Ex Officio Request in writ of mandamus (Remessa Ex Officio em Mandado de Segurança)
90.01.16972-4/BA, judgment of April 29, 1991.
186Federal Court of Appeals of the Second Region, Appeal in writ of mandamus (Apelação em Mandado de Segurança) 96.02.17384-0/ES,
judgment of June 17, 1997; and Federal Court of Appeals of the Second Region, Appeal in writ of mandamus (Apelação em Mandado de
Segurança) 8902118720/RJ, judgment of November 21, 1990.
187Federal Court of Appeals of the Third Region, Habeas Corpus Appeal in Crime of Lesser Offensive Potential (Recurso em Habeas Corpus
de Crime de Menor Potencial Ofensivo) 2005.61.03.004388-7/SP, judgment of 15/01/2008.
188 Federal Court of Appeals of the Third Region, Interlocutory Appeal (Agravo de Instrumento) 2007.03.00.018185-0/MS, judgment
of 27/03/2008.
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with regard to the Consumer Code in the determination of the amount of damages, and
applied the rights conferred by it instead.189 This case illustrates how treaties that confer rights directly upon individuals do not always create the most favorable scenario.
The domain par excellence in which treaties have been used to confer rights
to individuals is intellectual property (IP). For instance, when the TRIPS (TradeRelated Aspects of Intellectual Property Rights) agreement was incorporated into
Brazilian law (1994), the Brazilian statute on industrial property in force at the time
was not fully compatible with the requirements of the TRIPS agreement (and was
eventually replaced by another statute, in 1996). Prior to the enactment of this new
statute, though, Brazilian courts did not hesitate in affirming that provisions of the
Brazilian statute incompatible with the requirements of the TRIPS agreement ceased
to apply, and that the TRIPS agreement was directly applicable. This happened with
regard, for instance, to the extension of the duration of patent protection from 15 to
20 years (the latter being the TRIPS standard, and also that of the current Brazilian
legislation) for patent applicants between 1994 (entry into force of the TRIPS) and
1996 (approval of the new Brazilian statute, which eliminated all doubts as to the
duration of protection),190 as well as the duration of protection for utility models.191
The same reasoning has been applied with regard to “patentable matter”, that is,
the types of products and processes that can be the subject of patents, a list that was
expanded by the TRIPS agreement in relation to prior Brazilian legislation.192 Lastly,
the TRIPS agreement has been used to reinforce the interpretation of Brazilian law
with regard to the requirement of “novelty” for patents.193
The Berne Convention, on the other hand, is far less mentioned than the TRIPS
agreement. The only case we found in which the Berne Convention was mentioned
was still conferring rights to private parties, but it conferred rights to the potential
victims of copyright violation which did not ultimately prevail in the case. The case
dealt with the use of photographs of indigenous Brazilian fruits taken by a Brazilian
photographer and deposited in a bank of images in the United Kingdom. The Brazilian
Postal Company (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) licensed these photographs from the UK company to use them in postal stamps, but the photographer
wanted to be paid directly by the use of his copyrighted material. The Brazilian Postal
Company challenged the copyright over the images, as they were not original creative
work, but merely photographs. The judge interpreted this argument in light of the
Berne Convention’s requirement of “relative novelty” for copyright protection, and
decided that the material was copyrightable.194
The case law here shows that private parties can indeed obtain remedies from
courts for the violation of treaty rights, both in civil and criminal cases. Remedies for
189State Court of Appeals of Rio de Janeiro, Civil Appeal (Apelação Cível) 2006.001.39159, judgment of September 26, 2006.
190 Federal Court of Appeals of the Second Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 199951010201846/RJ, judgment of May 17, 2005; and
Federal Court of Appeals of the Second Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 200002010301508/RJ, judgment of September 28, 2004.
191Federal Court of Appeals of the Second Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 200251015009665/RJ, judgment of May 26, 2004.
192Federal Court of Appeals of the Second Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 9702009235/RJ, judgment of May 25, 2004.
193State Court of Appeals of Rio Grande do Sul, Civil Appeal (Apelação Cível) 70011644622, judgment of March 23, 2006.
194Federal Court of Appeals of the Third Region, Civil Appeal (Apelação Cível) 2002.61.00.006652-5/SP, judgment of October 16, 2006.
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Treaty Enforcement by Brazilian Courts: Reconciling Ambivalences and Myths?
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these violations are often granted in the form of nullifying a challenged governmental
act (be it a judicial or an administrative decision), but it can also come in the form of
damages, which can be asserted by the international instrument itself (in the case of
the Warsaw Convention) or by using the general rules of the Civil Code (as in the case
of damages over torture perpetrated during the military regime mentioned above).
Concluding Remarks
Contrary to the common belief amongst international lawyers in Brazil, international law plays a much more prominent role in the Brazilian judiciary than one would
intuitively imagine. Even though the use of international instruments by courts as
mere “argumentative support” is still the majority of cases, there are many judgments
in which treaties have been applied directly.195
The fact that sovereignty is still such an imbedded principle in the mind of Brazilian
judges (particularly the Supreme Court, where preserving the superiority of the Constitution and therefore of municipal law over international “interference” seems to be a
never-ending quest) does not mean that treaties will not be taken into consideration. But
this can be considered to be a much more recent trend, which is then reflective of the
ever-increasing importance of international law and relations on the everyday lives of
citizens. Because Brazil only ratified most of the key international human rights instruments in the 1990s (that is, after the re-establishment of democratic government), it is
easy to understand why the internationalization of the judiciary is also very recent.
It is noteworthy that human rights instruments play such an important role in interpreting Brazilian law, and that, even though they are not formally superior to ordinary
federal law, they still appeal to the judiciary in ways that other ordinary laws do not.
Because of this, there have been many constitutional attempts to elevate the status of
human rights law. As these amendments have not fully resolved the issue – in fact, if
anything they made it more problematic – the normative hierarchy of human rights is
still to be decided by the Supreme Court, and the debate is heated. One is to hope, however, that these treaties will be granted a “supra-legal” overarching position, putting
human rights, protected through national or international instruments, again as the
centerpiece of the legal order. To the others Treaties, the solution can be the “dialogue
des sources” (Erik Jayme’s expression to overcome the idea of conflict of laws),196 a
coordination of simultaneous application of more than one law (in this case, the national law and the Treaty) following the values and interests accepted by the Brazilian
Constitution and the human rights (pro homine application).197
195 See more in Claudia Lima Marques, Some recent developments in Private International Law in Brazil, 4 Japanese Yearbook of Private
International Law 13 (2002).
196See Claudia Lima Marques, Procédure civile internationale et Mercosur : pour un dialogue des règles universelles et régionales,
8 Revue du Droit Uniforme/Uniform Law Review – UNIDROIT, «Harmonisation Mondiale du Droit Privé et Integration économique
régionale» 465 (2003).
197 See also Antônio Augusto Cançado Trindade, International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium (II). General Course on
Public International Law, 317 Collected Courses of the Hague Academy of International Law 9 (2005).
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O Regime Especial de Reservas da Organização Internacional
do Trabalho: a Reserva Implícita ao Retrocesso Jurídico e
Social dos Trabalhadores
Daniela Muradas Reis1
Resumo
O trabalho apresenta o regime geral de reservas constante na Convenção de
Viena sobre Tratados Internacionais e postula inovadora concepção no campo do
Direito Internacional Público – a reserva implícita ao retrocesso jurídico e social nas
convenções da Organização Internacional do Trabalho, por força das disposições
constitucionais desta Organização Internacional, bem como pelo fato das garantias
internacionais dos trabalhadores inserirem-se nos quadros do Direito Internacional
dos direitos humanos. Conclui que o consentimento em se obrigar no plano
internacional em temática trabalhista somente alcança condições que, em cotejo
com as práticas e normas nacionais, promovam a melhoria das condições jurídicas
e sociais dos trabalhadores, sendo a normativa da OIT, portanto, instrumento de
aperfeiçoamento d a proteção oferecida ao trabalhador no plano nacional.
Abstract
The article presents the general regime of reservations contained in the Vienna
Convention on the Law of International Treaties and it postulates an innovative concept
in the Public International Law field – the implicit reservation to labourers’ sociojuridical retrogression in the conventions of the International Labour Organization,
based up n constitutional dispositions of this International Organization, as well as
upon the fact that the international guarantees to workers are inserted in the portrait of
the International Human Rights Law. It concludes that the acceptance of an obligation
in the international level only attains conditions that, in face of the national practices
and norms, promote the improvement of the workers’ legal and social conditions,
being the ILO rules, therefore, an instrument of perfecting the protection assured to
the labourer in the national sphere.
1. Considerações iniciais: Os procedimentos inerentes à validade internacional
do tratado internacional
A conclusão de um tratado internacional deriva de um complexo de atos, especialmente
os pertinentes às negociações preliminares, à adoção do texto e sua autenticação, ao
1Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; Chefe do Departamento
de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito da UFMG, Coordenadora do Centro de Estudos de Direito Internacional do
Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Filosofia do Direito; Doutora em Direito pela
UFMG; Advogada.
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O Regime Especial de Reservas da Organização Internacional do Trabalho: a Reserva
Implícita ao Retrocesso Jurídico e Social dos Trabalhadores
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consentimento do Estado em se vincular ao tratado, à comunicação da decisão de se
vincular, bem como à própria entrada em vigor do diploma internacional, consoante as
suas disposições.
Os procedimentos inerentes à conclusão de tratados derivam da fusão de normas
internacionais –– catalogadas principalmente pela Convenção de Viena de 1969 e por
práticas internacionais assentadas (costume internacional) –– e de normas nacionais2.
Conforme leciona Alain Pellet “se a conclusão dos tratados é, por sua natureza, uma
matéria regulada pelo direito internacional, depende também, necessariamente do direito
interno. Esta dualidade é freqüentemente fonte de complicações e dificuldades”3.
Considerando que a decisão de concluir tratado, na tradicional orientação
jusinternacionalista pública, é ato de soberania, os aspectos procedimentais precedentes
à ratificação, incluindo as negociações preliminares, a formação do texto pertinente ao
documento internacional, a autenticação (assinatura) e a própria decisão de se vincular
são regidos pela ordem nacional.
Na atual sistemática brasileira as negociações preliminares, a formação do texto
do tratado internacional4, bem como a sua autenticação são atos do Poder Federal5,
pois, nos termos do preceituado pelo art. 21, I, da CRFB/88 compete-lhe “manter
relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”.
Contudo, como a decisão de se vincular no plano internacional é ato complexo,
conforme a sistemática constitucional brasileira (art. 49, I, da CF/88), os tratados
internacionais dependem de aprovação pelo Congresso Nacional, mediante Decreto
Legislativo (art. 59 da CRFB/88).
Conforme salienta Antônio Álvares da Silva, “o Presidente da República pode ratificar
o tratado em dois momentos: tão logo seja concluído após as negociações internacionais ou
submetê-lo primeiro à aprovação do Legislativo, ratificando-o depois”6. E ainda esclarece,
“será no entanto lógico que o ratifique depois da aprovação para que se evite a prática de
atos inúteis no campo internacional, caso não haja aprovação no Congresso”7.
Ante a ausência da descrição detalhada do procedimento pertinente à adoção do
tratado internacional no direito brasileiro, não se pode, de fato, falar na inviabilidade
jurídica da proposta interpretativa do catedrático mineiro. Todavia, é de ressaltar que a
hipótese de a ratificação ficar prejudicada pela desaprovação parlamentar pode ensejar
a responsabilização internacional do Estado brasileiro, à medida que tratado ratificado
gera obrigações no plano internacional.
Merece registro, no entanto, a interpretação de que o tratado não poderá ser
ratificado sem a prévia aprovação do Congresso Nacional. Neste sentido a lição de
2
3
4
5
6
7
PELLET, Alain, DIHN, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick. Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001,
p. 127.
PELLET, DIHN, DAILLIER, Direito Internacional Público, cit., p. 127.
Por evidente, em se tratando de convenção, a sua formulação comporta a especificidade de se efetivar mediante os procedimentos próprios
da entidade internacional.
Em termos literais a Constituição de 1988 dispõe que esta competência é da União. Todavia, a pessoa jurídica de direito internacional
público é a Republica Federativa do Brasil, cujo chefe de Estado é o Presidente da República. Assim, o sentido da norma é de que só o
Poder Federal, pelo seu representante ou pessoa por ele creditada, pode manter relações com outros Estados e participar de organizações
internacionais.
SILVA, Antônio Álvares da. A Convenção 158 da OIT. Belo Horizonte: RTM, 1996, p. 15.
SILVA, A Convenção 158 da OIT, cit., p. 15.
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Arnaldo Süssekind,8 apoiada em julgado do Supremo Tribunal Federal e na doutrina
de Pontes de Miranda, Castro Nunes e Carlos Maximiliano9. Perfilha ainda desta
orientação Estevão de Rezende Martins10.
Com efeito, por tradição a aprovação pelo Congresso Nacional antecede à ratificação
do documento oficial, seja pelo critério de utilidade, indicada por Antônio Álvares da
Silva, seja pela sua inviabilidade jurídica, como preconiza a segunda vertente teórica.
Relativamente à tramitação do tratado, concorda a doutrina ser defeso ao
Congresso Nacional emendar o texto apresentado. Afinal, o texto do tratado deriva de
negociações internacionais.
Assim, a apreciação do tratado internacional pelo Congresso Nacional comporta a
sua aprovação, com a conseqüente promulgação mediante Decreto Legislativo ou, por
outro lado, se o Congresso não o aprovar, será a recusa comunicada por mensagem
ao Executivo, que fica neste caso inviabilizado quanto à ratificação do tratado
internacional. Também não é demais acrescer que poderá o Congresso Nacional
aprovar em parte o tratado, quando ele comportar reservas.
De todo modo, da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional não decorre
a vigência do diploma internacional, pois à celebração dos tratados internacionais
imperiosa é a ratificação, que é ato privativo do Presidente da República (art. 84, VIII
da CF/88). Demais, a vigência do tratado no plano internacional pode ainda depender
de outras condições ventiladas no próprio diploma internacional.
Em posição divergente, Ives Gandra da Silva Martins, com suporte em exegese
literal do dispositivo constitucional (art. 49, I da CRFB/88), distingue a eficácia precária
e eficácia definitiva dos tratados. Para o constitucionalista, entre a assinatura do tratado
e o referendo ocorre uma “eficácia provisória, mas real”11, à medida que a celebração do
tratado é ato privativo do Presidente que se sujeita a referendo do Congresso Nacional.
Assim, a eficácia dos tratados ganha definitividade quando expressamente aprovada pelo
Congresso Nacional, por meio de Decreto Legislativo. Por conseqüência, a promulgação
por decreto presidencial é mera formalidade sem eficácia jurídica12. Também para
Antonio Álvares da Silva é a deliberação congressional o marco de vigência interna dos
tratados internacionais13.
Todavia, é de se considerar que a eficácia é atributo de norma vigente, o que não
ocorre com as normas decorrentes de tratados aprovados pelo Congresso Nacional,
haja vista que o documento internacional sequer contou com a ratificação, que é
pressuposto de validade formal no plano internacional. E a ausência de vigência
do tratado no plano internacional prejudica a sua vigência no plano nacional.
8
9
10
11
12
13
“ O Governo Federal não pode ratificar o tratado sem que ele tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional”. SÜSSEKIND, Direito Internacional do Trabalho, cit., p. 69.
SÜSSEKIND, Direito Internacional do Trabalho, cit., p. 69.
MARTINS, Estevão de Rezende. A apreciação de tratados internacionais pelo Congresso Nacional. In Instituto Interamericano de
Derechos Humanos. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. Editado por
Antônio Augusto Cançado Trindade. San José, Costa Rica: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Comitê Internacional da Cruz
Vermelha, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Governo da Suécia (ASDI), 1996, p. 264.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Eficácia provisória e definitiva dos tratados internacionais. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 46, n. 544,
p. 17-28, jul. 2000. p. 20.
MARTINS, Eficácia provisória e definitiva dos tratados internacionais, cit., p. 22.
SILVA, A Convenção 158 da OIT, cit., p. 19.
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Implícita ao Retrocesso Jurídico e Social dos Trabalhadores
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Isto porque a vigência de um diploma normativo na esfera nacional depende
de procedimento legislativo válido, o que não ocorre em caso de tratados não
ratificados.
Além disso, há uma substancial diferença entre a decisão (ainda que em caráter
definitivo) de se obrigar mediante tratado e a comunicação do ato desta decisão no
plano internacional. Distinguem-se, pois, o ato de vontade e o ato declaratório desta
vontade no plano internacional, que se designa ratificação14.
Com efeito, José Afonso da Silva distingue, com a clareza que lhe é peculiar, as
atribuições legislativas e deliberativas do Congresso Nacional, dentre as últimas se
incluem a aprovação de tratado internacional15.
Assim, o decreto legislativo indicado pelo art. 59 da Constituição é simples
instrumento de comunicação da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional.
Trata-se, pois de um veículo inerente às atribuições meramente deliberativas
do Congresso Nacional, não se confundindo com as espécies legislativas em
sentido estrito. Nestes termos, a sua aprovação não determina a vigência do
tratado internacional, nem do prisma internacional, que depende da ratificação
e eventualmente até mesmo de outras condições de vigência, nem tampouco do
prisma nacional.
Como assinala Valério de Oliveira Mazzuoli:
“Apesar de estar o decreto legislativo dentre as espécies normativas do
art. 59 da Constituição, ou seja, sem embargo de estar compreendido no
processo legislativo, ‘não tem ele o condão de transformar o acordo assinado
pelo Executivo em norma a ser observada, quer na órbita interna, quer na
internacional’. Tal fato somente irá ocorrer com a posterior ratificação e
promulgação do texto do tratado pelo Chefe do Poder Executivo, o que o
faz por meio de decreto. É que, dando a Carta ao Presidente da República a
competência privativa para celebrar tratados, e sendo ele o representante do
Estado na órbita internacional, sua também deverá ser a última palavra em
matéria de ratificação. A manifestação do Congresso Nacional só ganha foros
de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriormente assinado
pelo Chefe do Executivo”16.
Demais, não poderá o Presidente nem mesmo ratificar o tratado, ainda que
aprovado pelo Congresso Nacional. Pensar de maneira distinta poderia, inclusive,
traduzir grave ofensa ao princípio da separação de poderes17.
14 A
dverte Antônio Álvares da Silva, relativamente ao termo ratificação, que “o sentido, entretanto, se degenerou, passando a palavra a ser
usada como aprovação do tratado no plano interno, pelo parlamento ou pelo executivo ou outro órgão ou combinação de órgãos, segundo
o ordenamento jurídico de cada país”. SILVA, A Convenção 158 da OIT, cit., p. 16.
15 Cf.: SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, cit., p. 492.
16 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Poder Legislativo e os Tratados Internacionais: O treaty-making power na Constituição brasileira de
1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 38, n. 150, p. 27-53, abr./jun. 2001. p. 33-4.
17 A discussão aqui pode corresponder, mutatis mutandis, ao problema do processo legislativo quando uma lei, de iniciativa do Presidente da
República, é aprovada no Congresso Nacional sem emendas, e o chefe do Executivo não está obrigado a sancioná-la, conforme assentado
na doutrina e jurisprudência.
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Com a ratificação do tratado realiza-se o suposto de vigência formal de obrigações
derivadas dos tratados internacionais, nos termos da Convenção de Viena18.
Deve-se ainda esclarecer que nos tratados solenes a autenticação do tratado não se
confunde com a sua ratificação.
A autenticação, que se expressa concretamente pela assinatura do tratado, consiste
em ato internacional pelo qual se reconhece “um estatuto provisório em relação ao
tratado” 19. A autenticação traduz o termo final do processo elaboração do texto do
tratado e não gera obrigação de o Estado vincular-se ao diploma internacional. É o que
consagra a Convenção de Havana de 1928, pela qual se firmou que os tratados não são
obrigatórios senão depois de ratificados.
A ratificação, por seu turno, define-se como a aceitação formal manifestada no
plano internacional de se obrigar mediante tratado. Nos termos da Convenção de
Viena a ratificação consiste no “ato internacional [...] pelo qual o Estado faz constar
no âmbito internacional seu consentimento em obrigar-se por um tratado” (art. 2º da
Convenção de Viena de 1969).
No caso dos tratados multilaterais ainda se tem empregado outros termos significando
a confirmação de sua decisão de se obrigar no plano internacional, tais como aceitação,
adesão ou aprovação (art. 2º, § 2º da Convenção de Viena sobre tratados).
Ora, em sendo a ratificação ato internacional, a sua regência será determinada pela
ordem jurídica internacional. Assim, a ratificação pode comportar instrumentalização
própria ou ainda outra formalidade que tiver sido convencionada (art. 14 da Convenção
de Viena).
Conforme o Direito dos Tratados, a manifestação do consentimento em se obrigar
mediante tratado pode ainda se efetivar pela simples assinatura (designados tratados
de forma simplificada), quando se exige que conste do tratado o efeito que se empresta
à assinatura e que tenha o pleniponteciário poderes para tanto (art. 11 da Convenção
de Viena). O consentimento no plano internacional também poderá ocorrer por troca
de instrumentos, quando se exige a previsão desta formalidade no tratado (art. 13 da
Convenção de Viena).
Todavia, o tratado poderá ventilar outras condições de vigência, pelo que se pode
classificar os tratados em tratados de vigência imediata e tratados de vigência diferida.
Assim, por exemplo, poderá ser condicionada a vigência internacional de um tratado a
um número determinado de ratificações ou ainda a posterior data de início de vigência.
Neste diapasão preceitua a Convenção de Viena, pelo art. 24, que a vigência de um
tratado ocorre segundo as modalidades e a data fixada pela suas disposições ou por acordo
entre os Estados que tenham participado da negociação. De todo modo, a inexistência de
tais disposições impõe a vigência pelo consentimento em vincular-se (ratificação).
Não implementada a condição ou o termo inicial de vigência do tratado
internacional (não expirado, pois o período de vacatio legis) a vigência interna fica
18 N
este sentido George Scelle afirma ser a ratificação ato-condicão da normatividade do tratado. Cf., nesse sentido: LAFER, Celso. A
Organização Internacional do Trabalho. In: Tendências do direito do trabalho contemporâneo, v. III, São Paulo: LTr, 1980, p. 332.
19 PELLET, DIHN, DAILLIER, Direito Internacional Público, cit., p. 140.
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sobrestada até que se opere a vigência internacional, salvo, é claro, se o ordenamento
jurídico nacional dispuser de modo diverso.
2. O regime jurídico das reservas no sistema da Convenção de Viena e
especificidades dos tratados multilaterais
A ratificação de um tratado internacional poderá ocorrer em caráter total ou
parcial. A ratificação parcial de um tratado, designada de modo corrente como
reserva, consubstancia-se em manifestação solene no plano internacional de não
se vincular a certas obrigações constantes do tratado. Trata-se, pois, de um ato
internacional de caráter constitutivo-negativo, mediante o qual um Estado recusa
parte substancial do tratado.
A manifestação da decisão de não se vincular a determinada obrigação poderá
ocorrer em todo o processo de conclusão de um tratado. Assim, tal decisão pode já ser
ventilada nas negociações preliminares, pode ainda ser aventada na fase de redação do
tratado e na sua autenticação. Todavia, será no momento da manifestação formal da
decisão de se vincular (ratificação) que as reservas serão formalmente postadas.
O regime jurídico internacional dos tratados (art. 19 da Convenção de Viena)
estabelece que não se sujeitam a reservas os tratados que expressamente a proibirem
(proibição genérica de reservas) ou quando a reserva formulada não esteja dentre as
admitidas pelo tratado. Além disso, não se admite a reserva quando incompatível com
o objeto e fim do tratado. Neste caso, a reserva fica objetada por cláusula implícita de
vedação à reserva.
Nota Arnaldo Süssekind que a inviabilidade de reserva por incompatibilidade com
o objeto e fim do tratado visa, sobretudo, aos tratados multilaterais gerais adotados
por organizações internacionais. “Nessa hipótese [...] ocorre a inversão da regra: elas
são admitidas na medida em que forem previstas no próprio texto, a fim de preservar
a integridade do tratado”20.
Portanto, a princípio, em tratados multilaterais, só seria de se admitir reservas
previstas expressamente pelos documentos internacionais.
Todavia, registre-se decisão da Corte Internacional de Justiça, anterior e
compatível com a Convenção de Viena, em que se considerou que nos tratados
multilaterais, “o seu objeto, as suas disposições, o seu modo de elaboração e de
adoção são outros tantos elementos que devem ser considerados para apreciar,
no silêncio da convenção, a possibilidade de formular reservas bem como a sua
regularidade e os seus efeitos”21.
Relativamente aos diplomas internacionais consagradores de direitos humanos,
o problema das reservas há de ser considerado em razão dos avanços históricos no
campo teórico e prático deste temário.
20 SÜSSEKIND,
Direito Internacional do Trabalho, cit., p. 43.
21 Consulta das Nações Unidas em razão de pleitos de reservas à convenção de repressão ao genocídio (parecer de 18 de maio de 1951) apud
PELLET, DIHN, DAILLIER, Direito Internacional Público, cit., p. 186.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
Neste sentido adverte Antônio Augusto Cançado Trindade que os tratados de
direitos humanos não podem ser equiparados aos tratados multilaterais clássicos,
sendo peculiar a este espécime a noção de “garantia coletiva”:
“Distintamente dos tratados clássicos, os tratados de proteção dos
direitos humanos vão muito mais além, e compreendem muito mais do que
compromissos recíprocos para o benefício mútuo dos Estados Partes, pois
incorporam obrigações objetivas a serem cumpridas por meio de mecanismo
de “implementação coletiva”. Esta última de capital importância, se mostra
um tanto avessa ao rationale, individualista e voluntarista, dos preceitos
clássicos sobre reservas a tratados multilaterais”22.
Assim, as garantias consagradas nos documentos internacionais assecuratórios da
pessoa humana, em face da sua vulnerabilidade decorrente da “flagrante desigualdade
fática vis-à-vis o poder público”23, devem restringir a interpretação da possibilidade de
reservas no campo dos tratados internacionais de proteção à pessoa humana, critério
interpretativo consentâneo com seu objeto e finalidade24.
A prática judicial internacional reconhece as especificidades dos tratados
internacionais de direitos humanos, com o que a interpretação da possibilidade de
reservas nestes diplomas internacionais tem se pautado pela implementação dos
direitos humanos. Cite-se, ilustrativamente, no repertório da Corte Interamericana de
Direitos do Homem, parecer consultivo de 24 de setembro de 1982.
De todo modo, embora não seja desejável, não é inviável a aposição de reservas
nos tratados de direitos humanos. A sua viabilidade, respeitados os ditames básicos da
dinâmica e estrutura dos documentos internacionais assecuratórios da pessoa humana,
podem inclusive desempenhar “importante papel na promoção de direitos humanos”25.
3. Regime especial de reservas no plano da Organização Internacional do
Trabalho: A reserva implícita ao retrocesso social
Em face do princípio da reciprocidade, inerente aos pactos internacionais
multilaterais, a reserva no âmbito das convenções internacionais formuladas na
Organização Internacional do Trabalho devem ser, a priori, objetadas.
Nas palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade, “em razão das características
especiais do processo de sua adoção, de seu conteúdo e objeto e propósito, e em
decorrência da estrutura e prática únicas da OIT, as convenções internacionais do
22 CANÇADO
TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 23.
23 CANÇADO TRINDADE. A proteção internacional dos direitos humanos, cit., p. 24.
24 “A aceitação do Brasil de instrumentos e cláusulas facultativas de tratados de direitos humanos tem que se dar ‘necessariamente de forma
integral’: as providências correspondem ao reconhecimento da anterioridade dos direitos humanos face ao direito estatal, e da confluência
e identidade de objetivos do direito internacional e do direito público interno quanto à proteção da pessoa humana”. Cançado Trindade,
Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacionais e nacional, cit., p. 51.
25 Daudt, Gabriel Pithan. Reservas aos tratados internacionais de direitos humanos: o conflito entre a eficácia e a promoção dos direitos
humanos. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2006, p. 19.
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trabalho não dão margem à formulação da reserva”26. E ainda acrescenta que “ os
preceitos clássicos sobre reservas a tratados multilaterais se aplicam em meio à
predominância nestes últimos do princípio da reciprocidade”27.
A objeção às reservas no sistema de convenções da Organização Internacional do
Trabalho tem sido preconizada, há muito, pela doutrina internacionalista do trabalho.
Leia-se em Nicolas Valticos:
“a ratificação de uma convenção internacional do trabalho não pode ser
acompanhada de reservas. Originalmente este princípio foi admitido em face
da organização tripartite da Conferência que aprova estas convenções [...], e,
em caráter geral, pelo fato de as reservas serem incompatíveis com o objeto e
fim destas convenções. ”28.
Por certo esta inviabilidade de reserva aposta ao documento internacional formulado
no âmbito da OIT considera as peculiaridades das convenções internacionais do
trabalho, mormente por estas estarem inseridas nos quadros dos chamados tratadoslei, com objetivo de universalizar a proteção jurídica ao trabalho.
Ora, os substratos axiológicos da proteção internacional ao trabalhador — a
dignidade da pessoa humana e o valor ínsito ao trabalho — são valores universais, com
o que não se justifica o tratamento diferenciado pelo fato da nacionalidade. Portanto, a
objeção à reserva seria natural a este espécime normativo internacional.
Demais, mediante a aplicação uniforme das convenções internacionais lograr-se-ia
um dos objetivos históricos da Organização Internacional do Trabalho: a erradicação
do dumping social29. A implícita objeção a reservas nas convenções internacionais
de trabalho figura, assim, como mecanismo promocional da justiça social no plano
universal, atuando, particularmente, na fixação de justos parâmetros de concorrência
internacional, em que as condições indignas de trabalho não podem ser consideradas
como vantagem comercial. Afinal, como bem se proclamou na Declaração da
Filadélfia, anexada à constituição da OIT, o trabalho não é mercadoria.
Além disso, é de se considerar que as convenções da OIT buscam reger condições
mínimas de trabalho, sem criar obstáculos ao desenvolvimento econômico das nações.
Significa dizer que a entidade pauta-se pela compatibilização das exigências ético-jurídicas
de promoção da pessoa humana, sem que com isso deixe de considerar aspectos particulares
de caráter econômico dos países-membros, bem como o seu progresso econômico.
Neste sentido a Constituição da entidade determinou
“A Conferência deverá, ao elaborar uma convenção ou uma recomendação
de aplicação geral, levar em conta os países que se distinguem pelo clima,
pelo desenvolvimento incompleto da organização industrial ou por outras
26CANÇADO TRINDADE. A proteção internacional dos direitos humanos, cit., p. 22.
27 CANÇADO TRINDADE. A proteção internacional dos direitos humanos, cit., loc cit.
28 VALTICOS, Nicolas. Droit International du Travail. Paris: Dalloz, 1970, p. 535. (tradução da autora)
29 Leia-se o texto do preâmbulo da Constituição da OIT: “Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios”.
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circunstâncias especiais relativas à indústria, e deverá sugerir as modificações
que correspondem, a seu ver, às condições particulares desses países”.
Engendrando na norma internacional considerações de ordem econômica
e ainda considerando as particularidades naturais dos países, a Organização
Internacional do Trabalho vem se pautando pela flexibilização de suas normas,
inserindo, particularmente, em cada Convenção adotada, a possibilidade de reserva
a um ou alguns de seus dispositivos, ou ainda firmando condições especiais30.
Pragmaticamente, a tendência de adaptabilidade das normas internacionais de
trabalho visa ao alcance universal de suas disposições, como aponta Jean-Claude
Javillier31.
Neste esteio, as convenções internacionais de trabalho traduzem, portanto, um
patamar mínimo civilizatório32, valendo-se da expressão de Maurício Godinho
Delgado, não sendo de se admitir reservas, salvo aquelas expressamente contempladas
no próprio documento internacional, como expressão da flexibilização máxima já
acolhida pelo diploma internacional.
3.1. O princípio da progressão social do trabalhador: A reserva implícita ao
retrocesso sócio-jurídico
Se a objeção à reserva pode ser implícita a um tratado internacional, em razão
de seus objetivos e finalidades, conforme preceitua a Convenção de Viena (art. 14,
inciso III), e é regra geral das convenções internacionais de trabalho, por aplicação
do argumento a contrario sensu33, que se assenta na parêmia positio unius non est
exclusio alterius, pode-se afirmar que também pela natureza, objetivo e finalidade das
convenções internacionais do trabalho havemos de reconhecer uma reserva implícita
a este diploma internacional: a referente às obrigações que traduziriam um retrocesso
na proteção nacional do trabalhador.
O recurso interpretativo revelador desta reserva implícita derivaria da natureza
jurídica dos direitos dos trabalhadores firmados na instância internacional, da razão
de ser das convenções internacionais do trabalho (ratio legis), das finalidades deste
espécime normativo (telos) e, especialmente, das disposições constitucionais da
Organização Internacional do Trabalho.
Merece ser recordado que a assunção e desenvolvimento histórico dos direitos
humanos, que figuram como ius cogens na ordem jurídica internacional, acabou por
elevar os direitos dos trabalhadores à dimensão dos direitos humanos.
30
31
32
33
SÜSSEKIND, Arnaldo. Visão crítica do Direito Internacional. Synthesis, São Paulo, v. 14, p. 50-52, 1992. p. 52.
J AVILLIER, Jean-Claude. Pragmatismo e inovação no Direito Internacional do Trabalho. Synthesis, São Paulo, v. 22, p. 14-17, 1996. p. 16.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 1323.
O argumento a contrario sensu tem aplicação controvertida, em casos de silêncio legislativo, à medida que, por vezes, ele é falacioso, por
se fundar na diferença, nem sempre se conformando à lógica. Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito.
São Paulo: Atlas, 1996, p. 337-8. Todavia, esta parcimônia no uso do argumento tem lugar em se tratando de preencher as chamadas lacunas ideológicas. Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste C.J. Santos. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1996, p. 139-142. De todo modo, em se tratando de um regime excepcional, apoiando interpretação restritiva, o argumento
não pode ser simplesmente desqualificado ou acusado de retórico. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio
de Janeiro: Forense, 2000, p. 245.
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O Regime Especial de Reservas da Organização Internacional do Trabalho: a Reserva
Implícita ao Retrocesso Jurídico e Social dos Trabalhadores
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Assim, as condições mínimas de trabalho firmadas no plano internacional inseremse no quadro das prerrogativas da pessoa humana por força de sua dignidade própria,
integrando o rol dos direitos humanos, em sua dimensão econômica e social. A reserva
implícita ao retrocesso no tocante à proteção ao trabalho deriva, portanto, em primeiro
plano, deste importante conjunto normativo internacional.
Os direitos humanos, com lastro nos valores universais da dignidade da pessoa,
liberdade, igualdade e fraternidade que figuram como conquistas históricas
definitivas da humanidade, reclamam uma tutela vigorosa. Relativamente aos
direitos econômicos, sociais e culturais exige-se ainda uma realização sempre
progressiva, razão pela qual acerca destes direitos não se pode admitir o
retrocesso.
Na lapidar passagem de Fábio Konder Comparato:
“A consciência ética coletiva [...] amplia-se e aprofunda-se com o evolver
da História. A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização
de todas as virtualidades do ser humano é, assim, intensificada no tempo e
traduz-se, necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos. É esse
movimento histórico de ampliação e aprofundamento que justifica o princípio
da irreversibilidade dos direitos já declarados oficialmente, isto é, do conjunto
de direitos fundamentais em vigor. Dado que eles se impõem, pela sua própria
natureza, não só aos Poderes Públicos constituídos em cada Estado, como
a todos os Estados no plano internacional, e até mesmo ao próprio Poder
Constituinte, à Organização das Nações Unidas e a todas as organizações
regionais de Estados, é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais,
por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais”34.
Neste sentido, os diplomas internacionais formulados pela OIT atuam como
densificação normativa do princípio da justiça social, estabelecendo padrões de
trabalho compatíveis com a excelência humana, atuando (no âmbito da competência
da entidade internacional) como especificação dos preceitos pertinentes aos direitos
humanos de caráter econômico e social.
E os documentos internacionais consagradores dos direitos humanos, embora nos
interessando em especial os pertinentes à proteção dos direitos econômicos sociais e
culturais, contêm dispositivo expresso que veda o retrocesso das normas de proteção à
pessoa humana, sendo peculiar a esta categoria de direitos a progressividade35. Assim,
a proteção que se defere à pessoa por força da sua excelência, na dimensão econômica,
34COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p.53
35 Segundo Rolando E. Gialdino a noção de progressividade atua em três dimensões distintas: em caráter dinâmico, unidirecional e em razão
do núcleo rígido interno dos direitos humanos. A progressividade dinâmica relaciona-se ao avanço ininterrupto dos direitos econômicos,
sociais e culturais. Nesta acepção, pois, os Estados partícipes de tratados internacionais consagradores de direitos econômicos, sociais e
culturais se obrigaram ao esforço de implementação destes direitos por todos os meios adequados e no máximo de seus recursos disponíveis.
A noção de progressividade no sentido unidirecional, por sua vez, encerraria o juízo de vedação do retrocesso, com o que o núcleo de direitos
já realizados não pode ser prejudicado em razão de o Estado tomar parte em diplomas internacionais consagradores de direitos humanos. E
por fim, a noção de progressividade ainda relaciona-se com direitos, cuja implementação independe da capacidade econômica dos Estados.
Cf. ANDRADE, Túlio César Mourthé de Alvim. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sob a ótica das fontes do Direito Internacional.
In OLIVEIRA, Márcio Luís (coord.). O Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 189.
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social e cultural, exige uma contínua promoção, sem supressão das garantias já
afiançadas pelas ordens jurídicas nacionais ou internacional36.
Neste diapasão, podemos indicar o art. 30 da Declaração de Direitos do Homem,
que estabeleceu que nenhuma de suas disposições poderia ser “interpretada como o
reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer
atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e
liberdades” nela estabelecidas.
Ainda podemos citar o art. 5º do Pacto de Direitos Civis e Políticos, art. 5º do
Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, ambos de 1966, que prescrevem
a inviabilidade das suas disposições serem interpretadas no sentido de reconhecer a
prática de atos atentatórios aos direitos ou liberdades neles reconhecidos ou ainda de
se lhes impor limitações mais amplas do que aquelas neles previstas.
Além disso, constam dos Pactos de direitos humanos de 1966 a garantia de
inviabilidade de “restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais
reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções,
regulamentos ou costumes, sob o pretexto de que o presente Pacto não os reconheça
ou os reconheça em menor grau”.
No mesmo sentido a vedação ao retrocesso ainda foi expressamente reiterada nos
diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos de Teerã de 1968 e Viena
de 1993.
Outros diplomas internacionais também contemplam o princípio de vedação ao
retrocesso, pugnando pela progressividade da proteção da pessoa humana. Neste sentido
o art. 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; o art. 1.1 da Convenção
contra a Tortura e o art. 41 da Convenção sobre os Direitos da Criança, entre outros37.
Além disto, esta reserva implícita presente nas convenções internacionais de
trabalho derivaria ainda da própria justificativa histórica de existência da Organização
Internacional do Trabalho.
Neste sentido, cabe grifar que Organização Internacional do Trabalho tem por
objetivo e finalidade constitucional a universalização da promoção do valor trabalho,
atuando na melhoria das legislações nacionais, com fixação de condições de trabalho
mínimas aplicáveis aos trabalhadores.
Deve aqui ser ressaltado que a Declaração da Filadélfia, incorporada à Constituição
da entidade em 1946, estabeleceu o compromisso da entidade a um esforço contínuo
e conjugado com as nações para o progresso da legislação laboral. Nesse quadrante,
declarou como princípios fundamentais que “a liberdade de expressão e de associação
é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto”; e que “a luta contra a
carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um
esforço internacional contínuo e conjugado”.
36 Sobre o princípio do não retrocesso social cf.: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 468-9.
37 “Em geral, os instrumentos internacionais de direitos humanos estabelecem que nenhuma de suas disposições autoriza a limitar os direitos
protegidos em maior medida prevista, a limitar o gozo e exercício de qualquer outro direito ou liberdade que possa estar reconhecido em outra
norma internacional ou interna em vigor, nem a excluir ou limitar o efeito que podem produzir as normas consuetudinárias em matéria de direitos
humanos”. MARTINEZ, Gabriela Olguín. Guía legal sobre la utilización de los convenios y recomendaciones de la OIT, para la defensa de los
derechos indígenas. Serie Guías Legales – Derechos Indígenas. n. 3. San José: Oficina Internacional del Trabajo, 2002., p. 203.
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Afirmou ainda como seu objetivo assegurar o direito ao “bem-estar material e o
desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade”, que “a realização de
condições que permitam o exercício de tal direito deve constituir o principal objetivo
de qualquer política nacional ou internacional” e “quaisquer planos ou medidas, no
terreno nacional ou internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem
ser considerados sob esse ponto de vista e somente aceitos, quando favorecerem, e
não entravarem, a realização desse objetivo principal”.
Além disso, o art. 19, VIII, da Constituição da OIT, consagra regra expressa que
veda a adoção de uma Convenção ou Recomendação pela entidade em retrocesso à
proteção do trabalhador no plano nacional.
Nos termos do dispositivo constitucional:
“Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou
recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção,
deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes
ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais
favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação”.
Portanto, por força da sistemática constitucional da Organização Internacional do
Trabalho, a ratificação de uma convenção, comporta a especificidade de não alcançar
as disposições que de algum modo possam ser reconhecidas como precarizadoras das
condições aventadas no plano nacional.
Por conclusão, a ratificação de um diploma internacional do trabalho somente alcança
as disposições favoráveis ao trabalhador, no cotejo entre a norma nacional, particularmente
considerada, e as disposições convencionais. Assim, somente se incorporam no plano
nacional aquelas disposições que de algum modo traduzam o progresso sócio-jurídico dos
trabalhadores, cumulando-se às vantagens já consagradas no plano nacional.
Assim, as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho atuam
em papel complementar à legislação nacional, expandindo o núcleo de proteção nacional
ao trabalho, promovendo a progressão social do trabalhador mediante a cumulação das
vantagens justrabalhistas estabelecidas nos diplomas nacionais e internacionais.
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IV ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1
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