Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil
Maria Ozanira da Silva e Silva 1
[email protected]
Eixo Temático: Família
Mesa de Trabalho: Políticas Públicas e Família
PALAVRAS-CHAVES: Educação, Trabalho, Renda, Política,
Pobreza
RESUMO: Esse trabalho é o resultado de um processo
de
acompanhamento e de um survey sobre propostas e experiências
de Renda Mínima no Brasil, em implementação desde 1995.
Renda Mínima, entendida como transferência monetária para
indivíduos ou famílias, é situada no contexto do Sistema Brasileiro
de Proteção Social, orientando-se pelos objetivos: enfrentar a
pobreza e contribuir para elevação da escolaridade entre crianças
e adolescentes. O contexto econômico e social desses programas
é marcado pelo aumento do desemprego e do trabalho
precarizado, conseqüência do ajuste da economia nacional à
economia globalizada; aumento da violência nas grandes cidades;
baixo nível de escolaridade e de qualificação do trabalhador
brasileiro para inserir-se numa economia competitiva; aumento da
pobreza, sendo crianças e jovens os mais afetados. Os programas
de Renda Mínima propõem-se a articular elevação da renda das
famílias com supressão ou melhorias de situações sociais
comprometedoras
do
desenvolvimento
de
crianças
e
adolescentes, como: trabalho infantil, evasão e repetição escolar;
vadiagem e mendicância nas ruas, culminando com a reprodução
do ciclo vicioso da pobreza. Propõe-se a apresentar o debate e as
experiências de Renda Mínima no Brasil, destacando-se o
contexto conjuntural; as características e especificidades dos
programas; questões consideradas centrais e problemáticas
relacionadas ao tema.
1 INTRODUÇÃO
Esse texto apresenta os resultados de um survey sobre propostas e
experiências de Renda Mínima em desenvolvimento no Brasil. Procura -se
1
É Doutora em Serviço Social e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas
Públicas da Universidade Federal do Maranhão/Brasil.
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identificar tendências e características dessas iniciativas; estabelecer uma relação
entre pobreza e as propostas e experiências dessa política social em estudo, bem
como levantar algumas questões básicas que vêm sendo apontadas no âmbito do
debate sobre essa temática, no Brasil.
Inicialmente é necessário pontuar a Renda Mínima como programas de
políticas sociais cujo benefício se expressa por uma transferência monetária a
famílias ou a indivíduos, vista no contexto do Sistema de Proteção Social
Brasileiro e, como tal, podendo expressar conteúdo compensatório, assistencial,
distributivo/redistributivo. Coloca-se então o entendimento de que o debate e as
experiências internacionais e nacionais,
implícita
ou
explicitamente,
são
sustentados por três vertentes teórico-ideológicas:
a) Perspectiva liberal/neoliberal que percebe a Renda Mínima como mecanismo
compensatório, eficiente no combate à pobreza e ao desemprego, situado-o
enquanto uma Política substitutiva dos programas e serviços sociais e como
mecanismo simplificador dos Sistemas de Proteção Social;
b) Perspectiva progressista/distributivista para a qual a Renda Mínima é
mecanismo de redistribuição da riqueza socialmente produzida e Política de
complementação aos serviços sociais básicos já existentes;
c) Perspectiva de inserção que situa a Renda Mínima como um mecanismo
voltado para a inserção social e profissional dos cidadãos, numa conjuntura de
pobreza e de desemprego.
Esses fundamentos orientam a constituição de dois modelos de programas
de Renda Mínima que orientam as experiências brasileiras:
a) Renda Mínima enquanto uma política compensatória e residual cujos
fundamentos são pressupostos liberais/neoliberais, mantenedores dos interesses
do mercado, orientados pelo entendimento de que o desemprego e a exclusão
social são inevitáveis. Tem como objetivos garantir a autonomia do indivíduo
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enquanto consumidor; atenuar os efeitos mais perversos da pobreza e da
desigualdade social, sem considerar o crescimento do desemprego e a
distribuição de renda, tendo como orientação a focalização na extrema pobreza,
sem desestimular o trabalho. O impacto é, necessariamente, a reprodução de uma
classe de pobres, com garantia de sobrevivência no limiar de uma determinada
Linha de Pobreza;
b) Renda Mínima enquanto uma política redistributiva, orientada pelo critério da
Cidadania Universal, tendo como fundamentos pressupostos redistributivos.
Nesse caso, o objetivo é alcançar a autonomia do cidadão e a orientação é a
focalização positiva capaz de incluir todos que necessitam do benefício para
garantia de uma vida digna. O impacto, desejado é a Inclusão social.
No Brasil, vem se verificando um aparente consenso entre partidos políticos
de todas as matizes (PSDB, PMDB, PPB, PTB, PSB, PDT, PFL), no que se refere
à aceitação e proposição de programas de Renda Mínima. Verificam-se iniciativas,
nesse sentido, orientadas por diferentes projetos político-ideológicos, que vão do
extremo conservadorismo à esquerda progressista – parecendo predominar, nas
experiências brasileiras, uma tendência progressista/distributivista. Esse aspecto
se expressa por cerca de 65% das iniciativas sobre Renda Mínima, no Brasil, se
originarem no âmbito do Partido dos Trabalhadores-PT, embora isso possa não
significar, necessariamente, a expressão de um projeto político progressista,
colocando-se como aspecto que merece ser investigado.
2 O DEBATE E AS EXPERIÊNCIAS DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL
2.1 O Contexto Conjuntural
A nível internacional, o debate recente sobre políticas de Renda Mínima se
situa numa conjuntura marcada pelas grandes transformações socioeconômicas e
políticas, marcadamente, no contexto da reestruturação no mundo do trabalho,
cuja maior evidência é o incremento do trabalho precarizado e das elevadas taxas
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de desemprego. Nesse contexto, o Welfare State dos países desenvolvidos e os
Sistemas de Proteção Social dos países em desenvolvimento, centrados no
crescimento econômico, no pleno emprego e na família nuclear tradicional, em
franca desestruturação, preconizado pela política keynesiana que conduziu os
anos dourados do pós-guerra até à década de 60, são incluídos na agenda de
reformas. Nas perspectivas dessas reformas é que a Política de Renda Mínima,
ao lado da indicação da necessidade de redução do tempo de trabalho necessário
à produção, é posta como uma alternativa para enfrentar a pobreza crescente na
contemporaneidade, decorrentes da reestruturação produtiva e das práticas
neoliberais privatizantes e liberalizantes (ATKINSON, 1995; BRITTAN, 1995;
BRESSON,1993; VUOLO, 1995; GORZ, 1991).
No Brasil, o debate sobre a Política de Renda Mínima se inicia em 1991,
quando foi aprovado, por unanimidade, no Senado Federal, o Projeto de Lei no
80/91 de autoria do Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que institui o Programa de
Garantia de Renda Mínima, a nível nacional. Mesmo tendo um parecer favorável,
desde 1993, esse projeto foi preterido por outro que obteve apoio do governo
federal, aguardando ainda votação na Câmara dos Deputados.
Vivia-se, no Brasil, nesse período, talvez a maior crise recessiva desde os
anos 30, sendo toda atenção do governo e da opinião pública voltada para o
combate à inflação crescente e sem controle e para os problemas decorrentes do
endividamento externo. O privilegiamento do crescimento econômico e de uma
política de exportação não deram espaço para qualquer política de enfrentamento
à pobreza e de redistribuição de renda, até porque a pobreza era percebida como
mera decorrência da estabilidade da moeda e do crescimento da economia.
Essa conjuntura começa a se alterar a partir de 1992 com a instituição do
Movimento Ética na Política, desencadeando o impeachment do presidente
Fernando Collor de Melo e colocando na agenda pública a temática da fome e da
pobreza. Destaca-se, nesse cenário, a Campanha Nacional da Ação da Cidadania
Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida como Campanha da Fome, sob a
liderança do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, sendo incorporada pelo
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Governo Itamar Franco, em 1993, com o nome de Plano de Combate à Fome e a
Miséria.
No âmbito dessa nova agenda pública, ainda no início dos anos 1990, o
debate brasileiro sobre Renda Mínima ganha novo impulso quando J. M.
CAMARGO passa a defender uma proposta de Renda Mínima que contemple
articulação de renda familiar com a escolarização de filhos e dependentes em
idade escolar. Propõe a adoção de uma transferência monetária equivalente a um
salário mínimo a toda família, independente da renda familiar, com filhos ou
dependentes de 05 a 16 anos, desde que freqüentando regularmente a escola
pública, sendo o vínculo com a escola pública, portanto, o corte de garantia para
focalização do programa nos estratos de menor renda, dada a dificuldade de
comprovação de renda entre estes.
A grande inovação desse debate é, por conseguinte, a articulação da
educação com a transferência monetária, o que passa a influenciar o surgimento
de novas propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil. Esse debate é
sustentado por dois argumentos, segundo o mesmo autor. O primeiro é que o
custo oportunidade para as famílias pobres mandarem seus filhos para a escola é
muito elevado, devido à diminuição da já reduzida renda familiar. O segundo se
refere à deficiência da formação educacional enquanto fator limitante do
incremento da renda das novas gerações, propiciando um ciclo vicioso que faz
com que a pobreza de hoje determine a pobreza do futuro. Nesse sentido, a
compensação financeira para as famílias pobres permitirem a ida de seus filhos à
escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo.
Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil, assume novo
patamar, qualificado por duas inovações: introdução da unidade familiar no lugar
do indivíduo como beneficiário dos programas e vinculação da transferência
monetária com a educação, na perspectiva de romper com o assistencial pela
incorporação de um componente estrutural.
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No ano de 1995, inicia-se o que se pode considerar o terceiro momento do
debate sobre a política de Renda Mínima, no Brasil, agora impulsionado pelo
desenvolvimento de experiências municipais em Campinas e em Ribeirão Preto,
em São Paulo, e em Brasília, Distrito Federal, seguidas de outras experiências e
propostas em vários municípios e Estados brasileiros, além de propostas
nacionais, expressando respostas de governos às pressões da sociedade para
enfrentamento da pobreza. Nesse contexto, a Política de Renda Mínima deixa de
ser considerada não mais como uma utopia inatingível, para se constituir numa
alternativa de política social.
Todavia, há que se considerar que, desde 1993, já vinha ocorrendo a
retomada do crescimento econômico, no país, e se dando a estabilização dos
preços, a partir de 1994, com a implantação do Plano Real. Essa nova conjuntura
passa a ser administrada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que
assume os destinos do país, em 1995, tendo como prioridade absoluta dar
continuidade à estabilização da economia, inserindo definitivamente o Brasil na
economia globalizada. Para isso assume, definitivamente, uma política neoliberal,
imprimindo novos rumos para o trato da questão social, especificamente da
pobreza. O Plano de Combate à Fome e a Miséria, de Itamar Franco, em
articulação com a sociedade, é substituído pelo Programa Comunidade Solidária,
cuja marca é a focali zação conservadora que se orienta pela concentração do
combate à pobreza apenas em alguns municípios brasileiros, considerados os
mais miseráveis e pelo alijamento do movimento social, embora seja conclamada
a participação da sociedade civil na luta contra a pobreza.
Portanto, o debate e a prática da Política de Renda Mínima, no Brasil, vem
se desenvolvendo numa conjuntura na qual as questões sociais vêm merecendo,
por parte do governo nacional, menos e menos atenção. Quando a principal
prioridade é a manutenção da estabilidade econômica, orientando-se pelo
entendimento de que a redução da pobreza e o trato da questão social são uma
variável dependente da economia.
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Nesse contexto, o debate, o incremento de propostas e o desenvolvimento
de experiências de Re nda Mínima, no Brasil, vêm sendo sustentados pelos
seguintes traços conjunturais:
Ø Elevação dos índices de desemprego e precarização das relações de trabalho
em conseqüência das políticas liberais de ajuste estrutural da economia
brasileira à competitividade da economia globalizada, adotada nos anos 1990;
Ø Aumento da violência nas grandes cidades;
Ø Baixa qualificação do trabalhador brasileiro para responder às novas
demandas postas face às transformações ocorridas no mundo do trabalho;
Ø Elevados índices de trabalho infantil, com exploração da criança e do
adolescente;
Ø Elevação da pobreza, sendo as crianças e jovens os mais atingidos.
Ademais, o debate nacional sobre a Política de Renda Mínima vem sendo
influenciado por dois pólos contraditórios. De um lado a identificação de limites
históricos
que
devem
imprimir
especificidade
a
qualquer
esforço
de
implementação dessa Política, tais como:
Ø Existência de um amplo contingente da população vivendo abaixo da linha de
pobreza absoluta e até da indigência, com uma longa história de exclusão
social e limitado acesso a serviços sociais básicos;
Ø Adoção de modelos econômicos concentradores e excludentes;
Ø Aparelho estatal, nos três níveis (nacional, estadual e municipal), marcado
pela limitação de recursos, má utilização destes, carência de técnicos
capacitados, permiabilidade da máquina estatal aos interesses privados e à
manipulação político-clientelista;
Ø Incapacidade de focalização dos programas sociais no público que mais deles
necessitam;
Ø Falta de tradição de acompanhamento e avaliação dos programas sociais;
Ø Fragilidade da organização da sociedade, orientada por uma cidadania
baseada no mérito no lugar das necessidades.
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De outro lado, são identificados elementos motivadores para adoção de
políticas de Renda Mínima, tais como:
Ø Previsão levantada por vários estudos que evidenciam o baixo custo, em
termos de montante de recursos, relativamente modestos, necessários para
elevar, ao nível da linha de pobreza, o contingente populacional que se
encontra abaixo desta;
Ø Constatação da pouca eficácia dos programas sociais brasileiros, em termos
da focalização sobre a população mais pobre, que apesar do elevado gasto
social não vem alterando o quadro de pobreza, instituindo o ciclo vicioso do
aumento da pobreza e conseqüente diminuição das possibilidades de o Estado
financiar programas de enfrentamento da pobreza;
Ø Possibilidade de maximização de recursos quando se dá a transferência
monetária direta para o beneficiário, cabendo a este decidir como dispor de
sua renda;
Ø Sucesso
das
experiências
pioneiras
que
vêm
demonstrando
a
insustentabilidade da inviabilidade da Política de Renda Mínima.
Em síntese, o crescimento do desemprego e a destituição de direitos
sociais conquistados representam os eixos polarizadores da conjuntura que vem
sustentando o debate e a prática da Política de Renda Mínima no Brasil.
2.2 Dimensões Quantitativas e Qualitativas da Política de Renda
Mínima no Brasil: características e especificidades
Uma análise dos programas brasileiros de Renda Mínima coloca as
dimensões quantitativas e qualitativas das propostas e experiências como
fundamentais para sua compreensão.
Em termos quantitativos, a situação atual é revelada pelo seguinte quadro: 2
2
É importante ressaltar que esses são dados atualizados em dezembro de 1999, a partir de várias
fontes, mas que, dada a dinâmica das informações com o surgimento freqüente de proposta e
experiências e, as vezes, desativação de programas em execução, devem ser visto apenas como
uma indicação da a realidade, sem pretensões de exatidão.
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Ø São 03 as experiências nacionais em execução: o Benefício de Prestação
Continuada - BPC, definido pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e
destinado
a
pessoas
idosas
a
partir
de
65
anos
de
idade
que,
comprovadamente, vivam em famílias com renda per capita familiar de até um
quarto do salário mínimo e a pessoas portadores de deficiências que vivam
nas mesmas condições socioeconômicas; Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI, instituído pelo governo federal e implementado em
parceria com Estados e municípios e a sociedade civil, voltado para
erradicação das piores formas de trabalho infantil nas zonas urbanas e rurais,
possibilitando às crianças e adolescentes de 7 a 14 anos a freqüentarem e a
permanecerem na escola mediante uma complementação mensal de renda às
suas famílias; Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM3 destinado a
apoiar iniciativas de municípios que apresentem renda tributária e familiar per
capita inferiores às respectivas médias estaduais, sendo fixado para as
famílias beneficiárias uma renda per capita inferior a meio salário mínimo e que
tenham filhos menores de 0 a 14 anos. Esse Programa é financiado 50% pelo
Governo Federal e 50% pelo município que é também o autor da proposta. É
exigido que as famílias mantenham seus filhos de 7 a 14 anos na escola,
recebendo para isso um benefício, em forma de transferência monetária nunca
inferior a R$ 15,00 mensais por filho, além de ações sócio-educativas
direcionadas às crianças.
Ø São 18 as propostas estaduais, encontrando-se 5 em execução nos Estados
do Amapá, do Amazonas, do Distrito Federal, do Mato Grosso do Sul e do
Tocantins;
3
O PGRM do governo Federal, instituído em 10 de dezembro 1997, regulamentado em 1998 e só
iniciada sua implementação em 1999, passou a ser denominado, a partir de novembro de 2000 de
Programa Bolsa Escola. Situa-se no Ministério de Educação, mas é considerado um programa de
assistência social. Até o início de 2001, mantinha convênio com 1.345 municípios, estando outros
1.097 aguardando serem atendidos ainda esse ano e até 2002. São 855.217 famílias e 1.681.343
crianças já atendidas, segundo informações da Folha de São Paulo de 04.01.2001. O valor médio
do benefício é de R$ 38,00 por família. O Bolso-Escola começou a ser implementado em junho de
2001, tendo uma previsão de recursos na ordem de R$ 1,7 bilhão e duração prevista para 10 anos
e pretensão de se constituir num programa universal, sendo atualmente considerado o principal
programa social do governo Fernando Henrique Cardoso.
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Ø São 108 as propostas municipais, estando 46 em execução, entre as quais em
10 capitais: Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Goiânia, Porto Alegre, Recife,
Salvador, São Luís, São Paulo,Teresina, Vitória, além de 4 capitais atingidas
pelos programas estaduais em execução: Macapá, Manaus, Campo Grande e
Palmas.
Ø O Estado que concentra mais propostas e experiências é São Paulo (59,9%),
seguindo-se de Minas Gerais (11,3%), Paraná (5,6%), Rio de Janeiro (4,7%) e
Santa Catarina (3,8%), o que significa uma concentração de 85,3% nos
Estados mais desenvolvidos do país. Todavia, há que se registrar que
propostas e experiências de Renda Mínima estão presentes em todas as
regiões do país, em quase todos os Estados e na maioria das capitais;
Ø Em termos de vinculação partidária, o Partido dos Trabalhadores - PT
concentra 65,6% das iniciativas, seguido do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – PMDB (5,6%), Partido Socialista Brasileiro – PSB
(4,8%), Partido Progressista Brasileiro – PPB (4,0% ) e outros.
Em relação ao conteúdo qualitativo, qualificador das propostas e
experiências de Renda Mínima no Brasil, uma análise destas permitem
identificarem-se certas tendências consideradas consensuais que têm servido
para ir delineando as características e especificidades dessa política pública,
destacando-se:
Ø A Renda Mínima como uma política pública concebida no âmbito do direito à
cidadania com perspectiva de estabelecer uma relação direta Estado/cidadão e
possibilidade de contribuir para mudança nas práticas políticas e na
democracia, pela perspectiva de superar o clientelismo e o uso eleitoreiro que
têm marcado as políticas sociais brasileiras;
Ø A Renda Mínima como uma política pública de inserção dos trabalhadores do
mercado informal no Sistema de Proteção Social Brasileiro, tendo em vista a
superação da cidadania regulada e as marcas meritocráticas que têm,
historicamente, caracterizado esse Sistema;
Ø A Renda Mínima como uma política pública para complementação de outras
políticas (educação, saúde, trabalho), tendo em vista articular o traço
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compensatório da transferência monetária, com mecanismos estruturais de
médio e longo prazo, fazendo dessa Política um mecanismo para melhorar a
distribuição da riqueza e para enfrentamento da pobreza.
Essas idéias, que parecem representar “consenso”, têm como referências
pressupostos que foram construídos ao longo da história da política social no
Brasil:
Ø Necessidade de assegurar um mínimo de subsistência aos pobres, com custo
assimilável pela sociedade e sem desestimular o trabalho (pressuposto liberal);
Ø Entendimento de que a organização da sociedade, em torno da produção, gera
uma estrutura social de desigualdade, fazendo com que os indivíduos não nasçam
com as mesmas características e tenham acesso às mesmas condições, cabendo
ao Estado intervir para corrigir as distorções geradas (pressuposto liberal);
Ø Inexistência de relação direta entre crescimento macroeconômico e bem-estar
social, apesar de a riqueza ser produzida socialmente e em volume crescente,
cabendo ao Estado intervir para a distribuição mais eqüitativa dos bens e serviços
sociais, de modo a garantir a todos acesso a um padrão mínimo de dignidade
(pressuposto distributivista).
Há que se destacar que a inovação mais significativa que vem marcando as
experiências de Renda Mínima em desenvolvimento, no Brasil, é a articulação de
uma transferência monetária, direcionada à família, com a política de educação
para crianças e jovens. A exigência de manter crianças na escola parece ser
socialmente significativa e expressa a originalidade dessa Política. Esse
movimento articula o enfrentamento da pobreza com a melhoria das condições
educacionais das futuras gerações, fazendo da Renda Mínima uma política prófamília, pró -criança e pró-educação.
Na busca de sistematizar elementos qualificadores que representam as
características e especificidades da Política de Renda Mínima, no Brasil, a análise
de projetos de leis, leis, decretos, regulamentos, portarias, manuais, relatórios e
publicações diversas sobre as diferentes experiências e propostas de Renda
Mínima, possibilitou a construção apresentada a seguir:
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Características e
Elementos Qualificadores
Especificidades
Articulação de uma transferência monetária para
Centralidade
famílias pobres com a política de educação para
crianças e jovens.
Originalidade
Manutenção da criança na escola (antecedentes
– “Beca Escuela”, Venezuela, 1989).
Origem e Abrangência
Predominância de propostas e experiências
municipais, registrando-se também iniciativas
estaduais e grande avanço das experiências
nacionais.
São variados e peculiares a cada programa,
Objetivos
referindo -se predominantemente a mudanças em
situação de carência, educação, saúde e situação
de risco de jovens e adolescentes.
Unidade Beneficiária
Família em extrema pobreza, tendo como público
alvo principal crianças de 7 a 14 anos ou de 0 14
anos.
Critérios
Básicos
Elegibilidade
de Renda familiar ou per capita familiar; idade dos
filhos; tempo de residência no Estado ou
município.
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Critérios de Prioridade
Relativizam os critérios de elegibilidade,
articulando renda com outras manifestações da
pobreza.
Benefício Principal
Complementação monetária, tendo como
referência um mínimo social e como corte uma
Linha de Pobreza. Pode ser um valor diferencial
(variável) ou fixo; o benefício é complementar à
renda e a outros serviços sociais básicos.
Benefícios Adicionais
Encaminhamento de adultos da família para
capacitação profissional, para o trabalho, para
cursos de alfabetização e outros serviços sociais
(creche, saúde, lazer, etc.).
Freqüência das crianças de 7 a 14 anos à escola;
Exigências/Contrapartidas
atendimento regular da criança em posto de
saúde, retirada de crianças das ruas; participação
de adultos desempregados em treinamento
profissional; participação do responsável pela
família em reuniões educativas periódicas;
inserção de adultos da família em atividades
ocupacionais.
Vinculações Institucionais
Modelos tipo Campinas – PGRM são vinculados a
Secretarias de Ação Social ou similares; Modelos
tipo Brasília - Bolsa Escola são vinculados a
Secretarias de Educação.
Estratégias
Implantação
para Utilização de listas de beneficiários de programas
já existentes; seleção de áreas pobres;
cadastramentos de populações específicas;
encaminhamentos de outros órgãos.
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Financiamento
Dotações orçamentárias dos Estados ou
municípios, variando de 0,20% a 3% do
orçamento anual, com predominância de 1%;
outras fontes. No caso dos programas nacionais,
recursos da União com complementação de
Estados e municípios.
Duração/Desligamento
Fixação de um prazo inicial, predominantemente
de um a dois anos, com possibilidade de uma ou
mais renovações mediante avaliação das
condições da família.
Acompanhamento/Avaliação Monitoramento, avaliação da política; avaliação
de processo; avaliação de impacto – durante ou
após o desligamento das famílias beneficiárias.
Resultados/Impactos
Elevação de freqüência à escola e a postos de
saúde; diminuição da evasão e repetência
escolar;
melhoria
no
rendimento
escolar;
diminuição da desnutrição; saíd a de crianças e
jovens das ruas; elevação da auto -estima e
confiança no futuro, porém são registrados
ganhos
modestos
nas
condições
socioeconômicas das famílias.
Por fim, nesse esforço de caracterização do que estou aqui denominando
de programas de Renda Mínima, cuja característica qualificadora é ser uma
política pública de transferência monetária a indivíduos ou a famílias, identificamse, no Brasil, dois tipos de iniciativas nesse mecanismo de complementação da
renda familiar articulada à educação. Uma pautada nos modelos municipais
adotados por Campinas/São Paulo, tipo Garantia de Renda Familiar Mínima e
outra orientada pelo modelo de Brasília/Distrito Fedral tipo Bolsa-Escola, que têm
se ampliado largamente, embora com adaptações e aperfeiçoamentos. Outro
conjunto de iniciativas, na mesma lógica, é desenvolvido por fundações
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municipais, governos estaduais e municipais, governo federal, entidades da
sociedade civil e agências internacionais. Entre estas estão os programas cuja
orientação explícita fundamental é o combate ao trabalho infantil, articulando dois
componentes: bolsa-escola para famílias com crianças de 7 a 14 anos e
profissionalização para famílias com jovens de 14 a 18 anos; o Programa de
Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI, de iniciativa do Governo Federal e
participação de Estados e municípios; o Programa “Pioneiros Mirins” do Governo
do Estado de Tocantins; o Programa “Direito à Vida” do Governo do Estado do
Amazonas, o Programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto Alegre
(AMA RAL et al. 1998). 4
A partir dessa configuração quantitativa e qualitativa das experiências e
propostas de Renda Mínima, no Brasil, é possível também serem identificadas
questões centrais e aspectos considerados problemáticos para o desenvolvimento
dessa Política nas perspectivas apontadas.
4
Entre os programas de combate ao trabalho infantil, destacam -se: o projeto “Combatendo o
Trabalho Infantil” que envolve quatro subprojetos localizados nas cidades de Belo Horizonte,
Salvador e Franca e em cinco municípios do Estado de Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma
parceria entre a UNICEF com várias organizações locais, prefeituras, governo estadual, além de
participação de ONGs, universidades, sindicatos, instituições religiosas e até do governo federal caso do Mato Grosso do Sul. Esse projeto tem como público alvo famílias de baixa renda com
filhos de 7 a 14 anos, trabalhando em situação de grave risco social, sendo o benefício uma bolsa
familiar de educação (auxílio financeiro), de valor variável e, complementarmente, é oferecida
assistência familiar, qualificação profissional para adultos e capacitação de professores da rede
escolar. A exigência é a saída da criança do trabalho para freqüentar a escola. O programa “Bolsa
Criança Cidadã” concentra-se no Mato Grosso do Sul, Zona da Mata em Pernambuco e região do
sisal na Bahia e visa também reduzir o trabalho infantil em carvoerias, no corte da cana e em
plantação de sisal, concedendo auxílio monetário a famílias de baixa renda, com filhos de 7 a 14
anos, tendo como contrapartida tirar a criança do trabalho e levá-la para à escola. O programa
“Pioneiros Mirins” do governo de Tocantins, iniciado em 1996, é direcionado para famílias com
renda até dois salários mínimos, com filhos de 7 a 14 anos e que vivam há dois anos nos
municípios atendidos, oferecendo uma bolsa de R$ 30,00, cesta básica e material escolar, além de
quatro horas de reforço escolar e aulas de artesanato para as crianças que também recebem uma
merenda nesse período. O programa “Direito à Vida” do governo do Amazonas e prefeitura de
Manaus, iniciado em 1996, atende a famílias com renda até dois salários mínimos, com crianças
de 0 a 17 anos, residindo no município há dois anos, sendo o benefício uma transferência
monetária de R$ 30,00 para a família. O programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto
Alegre, iniciado em 1997, se desenvolve em parcerias entre a prefeitura e empresas (Fundação
ABRINQ), tendo como objetivo formar núcleos de apoio sócio-familiar à famílias com renda familiar
per capita inferior a um salário mínimo e filhos até 17 anos, em situação de risco, sendo o benefício
R$ 150,00 para as famílias, com exigência de as crianças freqüentarem escola, pré-escola ou
outros equipamentos municipais (AMARAL, et al. 1998: 27-30).
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2.3 Questões Centrais
No presente estudo vem sendo possível a identificação de algumas
questões centrais relacionadas com as experiências de Renda Mínima, no Brasil,
que merecem ser consideradas e aprofundadas em estudos específicos:
a) Renda Mínima enquanto política de enfrentamento à pobreza
Nesse aspecto, há que se considerar que a causa fundamental da pobreza
no Brasil é a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza socialmente
produzida mais do que a inc apacidade de geração de renda.
Entende-se que a redistribuição de renda requer FOCALIZAÇÃO, tanto nos
ricos, cobrando mais destes, como nos pobres, redistribuindo renda para estes.
Nesse sentido, qualquer política de enfrentamento à pobreza requer articulação
com a política econômica; identificação dos pobres, separando os que têm
condições de inserção no sistema produtivo dos que não o têm. Significa, portanto
articulação de programas compensatórios com investimento social de médio e
longo prazo. Ou seja , a prevenção da pobreza parece exigir ampliação da
inserção da população jovem no sistema educacional, mas também demanda
políticas sérias e articuladas de geração de emprego e de redistribuição de renda.
Portando, só nesse contexto mais amplo é possível se visualizar a Política de
Renda Mínima como efetivo mecanismo de enfrentamento da pobreza no Brasil.
b) Renda Mínima, educação e trabalho infantil
A educação e o trabalho infantil são, com a pobreza, identificados como
aspectos centrais também justificadores da Política de Renda Mínima, no Brasil.
A articulação de uma transferência monetária com a obrigatoriedade da
inserção das crianças de famílias pobres no sistema educacional significa a
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articulação de uma política compensatória, voltada para suavizar o imediato da
pobreza, em curto prazo, com políticas estruturais, voltadas para reduzir a pobreza
com interrupção do ciclo vicioso de sua reprodução a longo prazo. No caso da
Política de Renda Mínima, no Brasil, esse elo é a educação que guarda estreita
relação com oportunidades de trabalho e rendimentos auferidos no trabalho pelos
adultos. Isso significa que a participação precoce da criança no mercado de
trabalho, impossibilitando sua inserção no sistema educacional no presente,
impossibilita a saída da pobreza de gerações futuras. Daí a proposição de que
uma compensação financeira para cobrir os custos de oportunidade de rendimento
que significa o trabalho infantil para famílias pobres, permitindo a ida das crianças
à escola, pode significar um esforço de articulação de objetivos sociais de curto
prazo com objetivos sociais de longo alcance para romper o ciclo reprodutor da
pobreza.
É importante ressaltar que, apesar da explícita relação da Política de Renda
Mínima com a educação e com outras políticas sociais básicas, na maioria dos
casos, as propostas não explicitam nem as experiências se direcionam para criar
condições concretas para que essa articulação se efetive. Essa intencionalidade,
para que seja materializada, requer que se priorizem e democratizem os
programas e serviços sociais básicos, o que significa alterar o quadro conjuntural
contemporâneo, dando lugar para que uma política econômica de crescimento
econômico, de geração de emprego e de distribuição de renda seja articulada à
política social. Não basta que a criança ou o jovem seja retirado da rua ou do
trabalho precoce para ir à escola. É necessário que se tenha escola de boa
qualidade para todos. Isto é, articular programas de Renda Mínima com serviços e
programas sociais básicos, significa também elevar o padrão e democratizar
esses programas e serviços para toda a população que deles necessitam.
c) Renda Mínima enquanto mecanismo de focalização da população pobre
Estudos avaliativos sobre as experiências de Renda Mínima, no Brasil,
ressaltam que, via de regra, esses programas têm conseguido um nível de
focalização superior ao que, historicamente, tem ocorrido com os programas
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sociais brasileiros (URANI, 1999; SABÓIA; ROCHA 1998; NEPP; 1996). Todavia,
a focalização parece vir significando tão somente concentração do programa
sobre populações pobres, independente de quantos pobres, nas mesmas
condições, são por eles atendidos. Nesse sentido, esses programas parecem mais
estar fragmentado do que focalizando à pobreza, na medida em que, ao mesmo
tempo em que atendem a famílias pobres de um determinado município ou
Estado, um número de pobres, ainda maior, compartilhando as mesmas condições
de vida, não tem acesso a esses programas.
Portanto, nossa hipótese preliminar é que, comparando o número de
famílias atendidas a partir de determinados critérios de elegibilidade, o que parece
vir ocorrendo são, na maioria dos casos, programas de caráter simbólico, portanto,
mais fragmentadores do que focalizadores da pobreza 5. Ademais, registram-se
outros aspecto de excludência da pobreza pelos programas brasileiros de Renda
Mínima, como: não atendimento a famílias com crianças de 0 a 7 anos de idade,
restrição esta adotada pela maioria dos programas; introdução de critérios de
prioridade, restritivos aos critéri os de elegibilidade, limitando ainda mais o número
de famílias pobres com possibilidades de atendimento; exclusão de migrantes
recentes; incapacidade financeira da grande maioria dos municípios para
implantar ou expandir programas.
d) Renda Mínima e Descentralização
Os movimentos sociais da década de 80 colocaram na agenda pública a
descentralização das políticas sociais enquanto condição fundamental para
democratização e controle social de programas. Esse princípio é consagrado pela
Constituição Federal de 1988 e incorporado pelo ideário neoliberal que se
5
Como apontado anteriormente, o Bolsa-Escola, programa do governo federal, que vem sendo
implementado a partir de junho de 2001, se apresenta como um programa de alcance universal,
devendo cobrir todas as crianças que vivam em famílias com renda per capita familiar de meio
salário mínimo (em torno de US $ 35,00), com crianças matriculadas e freqüentando o ensino
fundamental, entre 06 e 15 anos de idade. Essas famílias têm direito a um benefício de R$ 15,00
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hegemoniza, na sociedade brasileira, na década de 90, embora essa incorporação
não tenha como pressuposto o ideário ético e político que orientou o movimento
social progressista da década de 80. Para os neoliberais, descentralização
significa muito mais uma possibilidade de transferência de responsabilidades da
esfera do governo federal para os municípios, nem sempre acompanhada dos
recursos necessários, ou até mesmo transferência de responsabilidades para a
sociedade, sob justificativa das parcerias. De qualquer modo, a descentralização
passou a representar um consenso em matéria de política social, implicando numa
articulação entre as três esferas de governo: federal, estadual e municipal e
destas com a sociedade. Funda-se na crítica do desenho e gerenciamento
centralizados dos programas sociais que marcaram o período da ditadura militar;
na heterogeneidade econômica, social e cultural que determinam as disparidades
inter e intrarregionais que marcam o país e na necessidade de aproximar os
serviços dos seus usuários para permitir acesso, participação e controle social.
Sobressai-se, por conseguinte, a tendência a destacar a importância da esfera
pública municipal, sendo, nesse contexto, que florescem a maioria das propostas
e experiências de Renda Mínima, no Brasil, a partir de 1995.
A descentralização é promissora quando coloca a possibilidade de
participação ativa da população local nos programas sociais, como condição para
democratizar o acesso da população e reduzir a fraude, que tem marcado muito
esses programas. Todavia, pensar a descentralização na realidade brasileira é
necessário explicitar os limites também presentes a essa prática. Entre estes,
destacam-se a diversidade dos mais de 5 mil municípios brasileiros, na sua
grande maioria municípios pequenos, com população inferior a 10 mil habitantes,
vivendo praticamente com recursos do fundo de participação, transferido pelo
governo federal; seus limites em termos materiais e de recursos humanos e,
conseqüentemente, sua incapacidade gerencial. A isso, soma -se o cotidiano de
uma prática administrativa marcada pelo patrimonialismo e uma prática política
por criança, até o máximo de três filhos, totalizando R$ 45,00, o que eqüivale em torno de US $
13,00, valor absolutamente insignificante.
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marcada pelo clientelismo, além da fragilidade que marca a organização popular,
limitando o poder de real participação e controle social sobre as ações municipais.
No caso específico dos programas de Renda Mínima, a tendência de
constituição
e
desenvolvimento
desses
programas,
com
ênfase
nas
municipalidades, como vem ocorrendo, têm evidenciado a concentração destes
nos Estados e regiões mais desenvolvidas (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio
de Janeiro, Santa Catarina), concentrando em torno de 85% das propostas e
experiências brasileiras e como um dos critérios de elegibilidade é o tempo de
residência da família no município, antes de instituído o programa, essa
descentralização tende a agravar as disparidades regionais e aprofundar a
dualidade social, o que se contrapõe ao discurso da cidadania e do enfrentamento
da pobreza que orienta esses programas.
É importante entender que a descentralização de programas sociais não
invalida a definição de políticas nacionais, enquanto um conjunto de diretrizes
gerais orientadoras das práticas descentralizadas e enquanto mecanismo de
suporte financeiro dessas práticas, principalmente no caso de programas de
Renda Mínima que não podem ser assumidos financeiramente pela grande
maioria dos municípios brasileiros. Ademais, o enfrentamento da pobreza e o
avanço educacional no país demandam políticas descentralizadas, mas orientadas
por uma política nacional capaz de articular as três esferas de governo e a
sociedade, de modo que essa política nacional seja delineadora de diretrizes
gerais e de suporte financeiro e a implementação seja descentralizada, com
liberdade para definição da população alvo, do cálculo do benefício e do controle
sobre o programa. Esse entendimento coloca uma política nacional de Renda
Mínima como questão central do debate.
Além das questões centrais problematizadas, é importante considerar
aspectos problemáticos e que precisam ser levados em conta para o avanço do
debate e da prática da Renda Mínima, no Brasil, enquanto alternativa viável de
política social.
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O desenvolvimento de estudos sobre as experiências de Renda Mínima em
curso, no Brasil, e uma análise da produção técnico-científica que vem se
acumulando sobre essas experiências permitem o levantamento, mesmo que
preliminar, de aspectos problemáticos e que precisam ser enfrentados para
permitir o avanço do debate e da prática dessa política, merecendo destaque:
Ø O próprio eixo central de caracterização da Política de Renda Mínima no Brasil
– articulação da transferência monetária com a obrigatoriedade de freqüência à
escola por parte dos filhos/dependentes de 7 a 14 anos das famílias
beneficiárias não é um aspecto pacífico e nem tão simples, posto que a
obrigatoriedade não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras
gerações e, conseqüentemente, alterar a pobreza. Essa exigência implica na
expansão, na democratização e na melhoria dos siste mas educacionais
estaduais e municipais. Não basta a criança está matriculada e freqüentando a
escola. O ensino precisa ser de boa qualidade e estar em consonância com às
demandas da sociedade contemporânea. Esse não parece ser um aspecto
explícito e perseguido pela maioria das propostas e experiências;
Ø Além do aspecto acima, vêm sendo colocado, por técnicos responsáveis pela
implementação dos programas, dificuldades enfrentadas para articulação com
outros programas sociais em desenvolvimento. Esse aspecto é sentido
principalmente
quando
do
encaminhamento
de
pessoas
das
famílias
beneficiárias para participarem de ações complementares aos programas,
como encaminhamento a postos de saúde, a creches, a programas de
capacitação ou intermediação de trabalho, etc. Tem sido verificado, com
freqüência o não atendimento ou atendimento insatisfatório. Esse aspecto
ilustra a necessidade de ampliação e democratização dos serviços sociais
básicos como condição para o êxito dos programas de Renda Mínima;
Ø Outro aspecto problemático diz respeito aos critérios de elegibilidade que vêm
se consolidando a partir das propostas e experiências, principalmente no que
diz respeito a dois deles: a renda e o tempo de residência. A renda por ser um
indicador
insuficiente
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para
qualificar
a
pobreza
enquanto
fenômeno
21
multidimensional, embora seja um aspecto relevante, mas sobretudo, no caso,
brasileiro, pela dificuldade de comprovação. Será sempre uma grande
dificuldade levantar a renda com precisão quando a estrutura do mercado de
trabalho é constituída, em grande parte, por ocupações autônomas, informais e
instáveis. O tempo de residência, enquanto critério de inclusão/exclusão, é
outro aspecto problemático pela conseqüência perversa de deixar de fora os
imigrantes mais recentes, quando, na realidade, entre estes tende a se
encontrar a maior concentração da pobreza;
Ø Tempo de permanência das famílias beneficiárias nos programas e seu
desligamento têm sido apontados como questões problemáticas relevantes.
Cada programa fixa um tempo arbitrário, via de regra, de um ou dois anos, com
possibilidade de renovação, para permanência das famílias nos programas. As
questões que se colocam são: qual o tempo necessário para geração dos
impactos desejados e fixados nos objetivos dos programas? Como pode se
alcançar mudanças concretas em situações de insuficiência de renda,
desemprego, educação e saúde em tão pouco tempo? As experiências em
curso vêm evidenciando a complexidade desse aspecto e alguns programas
têm procurado se ajustar a eles, como o caso do Programa Bolsa-Escola de
Brasília que ampliou o tempo de permanência das famílias; outros, como o
caso do Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima de Campinas, vêm
limitando ainda mais a questão do tempo. Não foi construída uma referência
para fixação desse tempo, que precisa ser centrada nos resultados previstos e
desejados e nas condições concretas dos usuários dos programas, embora se
saiba que a questão orçamentária precise ser considerada. A questão do
tempo de permanência, por conseqüência, coloca a questão do desligamento
que também vem sendo apontada como um aspecto nebuloso e criador de
insatisfação. A necessidade de transparência, tanto nos critérios de
elegibilidade como nos critérios para desligamento, parece ser consensual,
sendo relevante um trabalho de preparação para esse desligamento, o que não
deve ser confundido com esforço de convencimento do beneficiário face uma
questão que precisa ser aceita enquanto inevitável;
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Ø Os objetivos e alcances preconizados pelas propostas e experiências de
Renda Mínima, dada a sua amplitude, podem ser apontados também como
aspectos problemáticos na medida em que parece vir se identificando um
grande distanciamento destes com o real construído e evidenciado nas
avaliações de programas já divulgadas. Tem sido freqüente a indicação de que
as experiências de Renda Mínima têm alcançado resultados positivos
principalmente no que se refere à freqüência às aulas, evasão escolar,
aprovação de uma série para outra, maior freqüência a postos de saúde, saída
das crianças das ruas, retirada de crianças do exercício do trabalho infantil,
elevação de auto -estima, principalmente das mães. Todavia, esses mudanças
têm sido identificadas durante a permanência das famílias enquanto usuárias
dos programas. A questão que se coloca é: até que ponto essas mudanças
persistirão com o desligamento das famílias e durante quanto tempo? Essa
avaliação ainda não vem se fazendo e é fundamental para dimensionar
impactos reais de longa duração dos programas. Por outro lado, avaliações
têm evidenciado o insignificante impacto dos programas de Renda Mínima no
que se refere à inserção dos adultos das famílias beneficiárias no mercado de
trabalho, o que pode ser atribuído às próprias características desses usuários
(falta de instrução e qualificação), como vem sendo apontado por avaliações,
mas, sobretudo, deve ser considerada a própria realidade do mercado de
trabalho. O tempo ainda é insuficiente para que sejam identificados impactos
ou não no que se refere a dois objetivos centrais da política de renda mínima
no Brasil: alteração na situação educacional e redução da pobreza;
Ø As colocações acima apontam como outro aspecto problemático para o
prosseguimento dessa política a questão do monitoramento e avaliação dos
programas. Embora possa se constatar certo interesse pelo desenvolvimento
de avaliações, tanto internas como externas aos programas de Renda Mínima,
em curso, talvez motivado pela novidade dessa Política e pela cultura que
parece vir se instituindo sobre a necessidade de monitoramento e ava liação
dos programas sociais, embora ainda se precise avançar na sistematicidade
dessa prática, na continuidade dela e na definição do conteúdo relevante para
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essas avaliações, como a necessidade de acompanhamento e avaliação de
famílias desligadas para dimensionamento de impactos a médio e longo prazo;
Ø Uma outra situação que parece já vir despontando como aspecto problemático
a ser considerado é a questão da sustentabilidade dos programas, expressa
pela expansão e continuidade, haja vista que a sustentabilidade, em termos de
expansão e continuidade, tem sido um problema sério no desenvolvimento
dos programas sociais no Brasil. Tem-se uma cultura de instituição de
programas sociais muito mais como um símbolo ou engodo do que como
alternativa de enfrentamento de uma questão social, ficando restritos a poucos
e servindo muito mais para fragmentar a pobreza e dividir os pobres. Embora
se esteja falando de um pequeno espaço de tempo, cerca de cinco anos, temse verificado a limitada expansão dos programas no decorrer do tempo, com
algumas exceções como o Bolsa-Escola de Brasília que tem superado a meta
inicial6, outros têm sido suspensos ou paralizados (caso de Santos,
Sertãozinho e Tocantins), ou não têm atingido mesmo a meta inicialmente
fixada (caso de Campinas), outros ainda foram criados, mas apresentam um
número simbólico de atendimentos, como visto em quadro anterior. Ainda em
termos
da
sustentabilidade,
alguns
programas
podem
também
ser
comprometidos na medida em que os prefeitos ou governadores que os
implantaram findam seus mandatos, haja vista a política de descontinuidade
que marca a administração pública brasileira em todos os níveis;
Ø A incapacidade de financiamento dos programas deve também ser vista como
um aspecto problemático das experiências de Renda Mínima no Brasil,
principalmente se considerarmos que a tendência mais marcante tem sido um
maior número de experiências de iniciativa municipal e que a grande maioria
dos municípios brasileiros não tem possibilidade de custear tais programas. A
questão das possibilidades de financiamento está estritamente vinculada ao
6
Convém registrar que o Programa Bolsa-Escola de Brasília, talvez a experiência melhor sucedida,
está em desaceleração desde que assumiu o Governo do Distrito Federal Joaquim Roriz, com a
não reeleição de Cristóvam Buarque, idealizador do Programa e grande defensor da Política de
Renda Mínima.
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aspecto da sustentabilidade dos programas. É importante ressaltar que a
questão do financiamento implica, necessariamente, em dois aspectos:
vontade política de assumir tais programas e efetivação de uma política
nacional de apoio financeiro do governo federal aos municípios, conforme a
situação de cada um.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As experiências de Renda Mínima, no Brasil, pelo seu caráter recente,
apesar de indicarem uma nova possibilidade de política social, desde que
mantenham e aprofundem sua dimensão polarizadora de pré -condição para o
acesso de outras políticas econômicas e sociais e, de fato, se transformem no eixo
articulador de uma política coordenada de enfrentamento da pobreza, ainda
colocam mais dúvidas que certezas. Uma questão central, nesse aspecto, é
quanto à abrangência dessa política. Deve ser uma política local, regional ou
nacional? O importante é considerar a magnitude do mercado de trabalho
informal, a heterogeneidade espacial; as estruturas burocráticas com tradição de
gerenciamento personalista e concentrador; as relações políticas corporativas e
clientelista; as marcas meritocráticas do nosso Sistema de Proteção Social; a
debilidade da organização popular que não consegue pressionar o suficiente para
constituição de uma cidadania social.
Ademais, uma Política de Renda Mínima precisa considerar questões
centrais já apontadas pelas experiências em curso, como:
Ø Necessidade da fixação de mínimos sociais, de acordo com cada realidade, de
modo a permitir objetividade na determinação do montante do benefício;
Ø Necessidade de inclusão da faixa etária de 0 a 7 anos, considerando ser esse
o período apontado como mais relevante para a formação do indivíduo
saudável;
Ø Manutenção da família como unidade básica para atribuição do benefício;
Ø Efetiva articulação da transferência monetária com outras políticas sociais e
econômicas básicas, como educação, saúde e trabalho, o que significa
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expandir e democratizar essas políticas e desenvolver ações complementares
para propiciar a autonomia das famílias;
Ø Desenvolvimento de um conjunto de serviços essenciais ao desenvolvimento
humano, com provisão, cobertura e qualidade desses serviços;
Ø Universalização dos programas ao público alvo identificado através de critérios
de focalização transparentes em relação à sociedade e aos beneficiários,
ficando claro porque entram e porque saem;
Ø Monitoramento do processo de desenvolvimento dos programas, tendo em
visto identificar distorções e problemas e proceder correções, bem como
avaliação das populações beneficiárias e dos egressos dos programas para
identificação de impactos.
Finalmente, há que se destacar o consenso que vem se consolidando em
torno da necessidade da participação do governo federal no financiamento de
programas de Renda Mínima, considerando a desigualdade das condições
financeiras das regiões. Esse aspecto é mais convincente quando se considera
que as regiões que têm menos condição de assumir o financiamento de
programas dessa natureza são aquelas que concentram maior proporção de
famílias pobres.
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Renda Mínima: uma política pró-família e pró