Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil Maria Ozanira da Silva e Silva 1 [email protected] Eixo Temático: Família Mesa de Trabalho: Políticas Públicas e Família PALAVRAS-CHAVES: Educação, Trabalho, Renda, Política, Pobreza RESUMO: Esse trabalho é o resultado de um processo de acompanhamento e de um survey sobre propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil, em implementação desde 1995. Renda Mínima, entendida como transferência monetária para indivíduos ou famílias, é situada no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social, orientando-se pelos objetivos: enfrentar a pobreza e contribuir para elevação da escolaridade entre crianças e adolescentes. O contexto econômico e social desses programas é marcado pelo aumento do desemprego e do trabalho precarizado, conseqüência do ajuste da economia nacional à economia globalizada; aumento da violência nas grandes cidades; baixo nível de escolaridade e de qualificação do trabalhador brasileiro para inserir-se numa economia competitiva; aumento da pobreza, sendo crianças e jovens os mais afetados. Os programas de Renda Mínima propõem-se a articular elevação da renda das famílias com supressão ou melhorias de situações sociais comprometedoras do desenvolvimento de crianças e adolescentes, como: trabalho infantil, evasão e repetição escolar; vadiagem e mendicância nas ruas, culminando com a reprodução do ciclo vicioso da pobreza. Propõe-se a apresentar o debate e as experiências de Renda Mínima no Brasil, destacando-se o contexto conjuntural; as características e especificidades dos programas; questões consideradas centrais e problemáticas relacionadas ao tema. 1 INTRODUÇÃO Esse texto apresenta os resultados de um survey sobre propostas e experiências de Renda Mínima em desenvolvimento no Brasil. Procura -se 1 É Doutora em Serviço Social e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão/Brasil. www.ts.ucr.ac.cr identificar tendências e características dessas iniciativas; estabelecer uma relação entre pobreza e as propostas e experiências dessa política social em estudo, bem como levantar algumas questões básicas que vêm sendo apontadas no âmbito do debate sobre essa temática, no Brasil. Inicialmente é necessário pontuar a Renda Mínima como programas de políticas sociais cujo benefício se expressa por uma transferência monetária a famílias ou a indivíduos, vista no contexto do Sistema de Proteção Social Brasileiro e, como tal, podendo expressar conteúdo compensatório, assistencial, distributivo/redistributivo. Coloca-se então o entendimento de que o debate e as experiências internacionais e nacionais, implícita ou explicitamente, são sustentados por três vertentes teórico-ideológicas: a) Perspectiva liberal/neoliberal que percebe a Renda Mínima como mecanismo compensatório, eficiente no combate à pobreza e ao desemprego, situado-o enquanto uma Política substitutiva dos programas e serviços sociais e como mecanismo simplificador dos Sistemas de Proteção Social; b) Perspectiva progressista/distributivista para a qual a Renda Mínima é mecanismo de redistribuição da riqueza socialmente produzida e Política de complementação aos serviços sociais básicos já existentes; c) Perspectiva de inserção que situa a Renda Mínima como um mecanismo voltado para a inserção social e profissional dos cidadãos, numa conjuntura de pobreza e de desemprego. Esses fundamentos orientam a constituição de dois modelos de programas de Renda Mínima que orientam as experiências brasileiras: a) Renda Mínima enquanto uma política compensatória e residual cujos fundamentos são pressupostos liberais/neoliberais, mantenedores dos interesses do mercado, orientados pelo entendimento de que o desemprego e a exclusão social são inevitáveis. Tem como objetivos garantir a autonomia do indivíduo www.ts.ucr.ac.cr 2 enquanto consumidor; atenuar os efeitos mais perversos da pobreza e da desigualdade social, sem considerar o crescimento do desemprego e a distribuição de renda, tendo como orientação a focalização na extrema pobreza, sem desestimular o trabalho. O impacto é, necessariamente, a reprodução de uma classe de pobres, com garantia de sobrevivência no limiar de uma determinada Linha de Pobreza; b) Renda Mínima enquanto uma política redistributiva, orientada pelo critério da Cidadania Universal, tendo como fundamentos pressupostos redistributivos. Nesse caso, o objetivo é alcançar a autonomia do cidadão e a orientação é a focalização positiva capaz de incluir todos que necessitam do benefício para garantia de uma vida digna. O impacto, desejado é a Inclusão social. No Brasil, vem se verificando um aparente consenso entre partidos políticos de todas as matizes (PSDB, PMDB, PPB, PTB, PSB, PDT, PFL), no que se refere à aceitação e proposição de programas de Renda Mínima. Verificam-se iniciativas, nesse sentido, orientadas por diferentes projetos político-ideológicos, que vão do extremo conservadorismo à esquerda progressista – parecendo predominar, nas experiências brasileiras, uma tendência progressista/distributivista. Esse aspecto se expressa por cerca de 65% das iniciativas sobre Renda Mínima, no Brasil, se originarem no âmbito do Partido dos Trabalhadores-PT, embora isso possa não significar, necessariamente, a expressão de um projeto político progressista, colocando-se como aspecto que merece ser investigado. 2 O DEBATE E AS EXPERIÊNCIAS DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL 2.1 O Contexto Conjuntural A nível internacional, o debate recente sobre políticas de Renda Mínima se situa numa conjuntura marcada pelas grandes transformações socioeconômicas e políticas, marcadamente, no contexto da reestruturação no mundo do trabalho, cuja maior evidência é o incremento do trabalho precarizado e das elevadas taxas www.ts.ucr.ac.cr 3 de desemprego. Nesse contexto, o Welfare State dos países desenvolvidos e os Sistemas de Proteção Social dos países em desenvolvimento, centrados no crescimento econômico, no pleno emprego e na família nuclear tradicional, em franca desestruturação, preconizado pela política keynesiana que conduziu os anos dourados do pós-guerra até à década de 60, são incluídos na agenda de reformas. Nas perspectivas dessas reformas é que a Política de Renda Mínima, ao lado da indicação da necessidade de redução do tempo de trabalho necessário à produção, é posta como uma alternativa para enfrentar a pobreza crescente na contemporaneidade, decorrentes da reestruturação produtiva e das práticas neoliberais privatizantes e liberalizantes (ATKINSON, 1995; BRITTAN, 1995; BRESSON,1993; VUOLO, 1995; GORZ, 1991). No Brasil, o debate sobre a Política de Renda Mínima se inicia em 1991, quando foi aprovado, por unanimidade, no Senado Federal, o Projeto de Lei no 80/91 de autoria do Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima, a nível nacional. Mesmo tendo um parecer favorável, desde 1993, esse projeto foi preterido por outro que obteve apoio do governo federal, aguardando ainda votação na Câmara dos Deputados. Vivia-se, no Brasil, nesse período, talvez a maior crise recessiva desde os anos 30, sendo toda atenção do governo e da opinião pública voltada para o combate à inflação crescente e sem controle e para os problemas decorrentes do endividamento externo. O privilegiamento do crescimento econômico e de uma política de exportação não deram espaço para qualquer política de enfrentamento à pobreza e de redistribuição de renda, até porque a pobreza era percebida como mera decorrência da estabilidade da moeda e do crescimento da economia. Essa conjuntura começa a se alterar a partir de 1992 com a instituição do Movimento Ética na Política, desencadeando o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo e colocando na agenda pública a temática da fome e da pobreza. Destaca-se, nesse cenário, a Campanha Nacional da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida como Campanha da Fome, sob a liderança do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, sendo incorporada pelo www.ts.ucr.ac.cr 4 Governo Itamar Franco, em 1993, com o nome de Plano de Combate à Fome e a Miséria. No âmbito dessa nova agenda pública, ainda no início dos anos 1990, o debate brasileiro sobre Renda Mínima ganha novo impulso quando J. M. CAMARGO passa a defender uma proposta de Renda Mínima que contemple articulação de renda familiar com a escolarização de filhos e dependentes em idade escolar. Propõe a adoção de uma transferência monetária equivalente a um salário mínimo a toda família, independente da renda familiar, com filhos ou dependentes de 05 a 16 anos, desde que freqüentando regularmente a escola pública, sendo o vínculo com a escola pública, portanto, o corte de garantia para focalização do programa nos estratos de menor renda, dada a dificuldade de comprovação de renda entre estes. A grande inovação desse debate é, por conseguinte, a articulação da educação com a transferência monetária, o que passa a influenciar o surgimento de novas propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil. Esse debate é sustentado por dois argumentos, segundo o mesmo autor. O primeiro é que o custo oportunidade para as famílias pobres mandarem seus filhos para a escola é muito elevado, devido à diminuição da já reduzida renda familiar. O segundo se refere à deficiência da formação educacional enquanto fator limitante do incremento da renda das novas gerações, propiciando um ciclo vicioso que faz com que a pobreza de hoje determine a pobreza do futuro. Nesse sentido, a compensação financeira para as famílias pobres permitirem a ida de seus filhos à escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil, assume novo patamar, qualificado por duas inovações: introdução da unidade familiar no lugar do indivíduo como beneficiário dos programas e vinculação da transferência monetária com a educação, na perspectiva de romper com o assistencial pela incorporação de um componente estrutural. www.ts.ucr.ac.cr 5 No ano de 1995, inicia-se o que se pode considerar o terceiro momento do debate sobre a política de Renda Mínima, no Brasil, agora impulsionado pelo desenvolvimento de experiências municipais em Campinas e em Ribeirão Preto, em São Paulo, e em Brasília, Distrito Federal, seguidas de outras experiências e propostas em vários municípios e Estados brasileiros, além de propostas nacionais, expressando respostas de governos às pressões da sociedade para enfrentamento da pobreza. Nesse contexto, a Política de Renda Mínima deixa de ser considerada não mais como uma utopia inatingível, para se constituir numa alternativa de política social. Todavia, há que se considerar que, desde 1993, já vinha ocorrendo a retomada do crescimento econômico, no país, e se dando a estabilização dos preços, a partir de 1994, com a implantação do Plano Real. Essa nova conjuntura passa a ser administrada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que assume os destinos do país, em 1995, tendo como prioridade absoluta dar continuidade à estabilização da economia, inserindo definitivamente o Brasil na economia globalizada. Para isso assume, definitivamente, uma política neoliberal, imprimindo novos rumos para o trato da questão social, especificamente da pobreza. O Plano de Combate à Fome e a Miséria, de Itamar Franco, em articulação com a sociedade, é substituído pelo Programa Comunidade Solidária, cuja marca é a focali zação conservadora que se orienta pela concentração do combate à pobreza apenas em alguns municípios brasileiros, considerados os mais miseráveis e pelo alijamento do movimento social, embora seja conclamada a participação da sociedade civil na luta contra a pobreza. Portanto, o debate e a prática da Política de Renda Mínima, no Brasil, vem se desenvolvendo numa conjuntura na qual as questões sociais vêm merecendo, por parte do governo nacional, menos e menos atenção. Quando a principal prioridade é a manutenção da estabilidade econômica, orientando-se pelo entendimento de que a redução da pobreza e o trato da questão social são uma variável dependente da economia. www.ts.ucr.ac.cr 6 Nesse contexto, o debate, o incremento de propostas e o desenvolvimento de experiências de Re nda Mínima, no Brasil, vêm sendo sustentados pelos seguintes traços conjunturais: Ø Elevação dos índices de desemprego e precarização das relações de trabalho em conseqüência das políticas liberais de ajuste estrutural da economia brasileira à competitividade da economia globalizada, adotada nos anos 1990; Ø Aumento da violência nas grandes cidades; Ø Baixa qualificação do trabalhador brasileiro para responder às novas demandas postas face às transformações ocorridas no mundo do trabalho; Ø Elevados índices de trabalho infantil, com exploração da criança e do adolescente; Ø Elevação da pobreza, sendo as crianças e jovens os mais atingidos. Ademais, o debate nacional sobre a Política de Renda Mínima vem sendo influenciado por dois pólos contraditórios. De um lado a identificação de limites históricos que devem imprimir especificidade a qualquer esforço de implementação dessa Política, tais como: Ø Existência de um amplo contingente da população vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta e até da indigência, com uma longa história de exclusão social e limitado acesso a serviços sociais básicos; Ø Adoção de modelos econômicos concentradores e excludentes; Ø Aparelho estatal, nos três níveis (nacional, estadual e municipal), marcado pela limitação de recursos, má utilização destes, carência de técnicos capacitados, permiabilidade da máquina estatal aos interesses privados e à manipulação político-clientelista; Ø Incapacidade de focalização dos programas sociais no público que mais deles necessitam; Ø Falta de tradição de acompanhamento e avaliação dos programas sociais; Ø Fragilidade da organização da sociedade, orientada por uma cidadania baseada no mérito no lugar das necessidades. www.ts.ucr.ac.cr 7 De outro lado, são identificados elementos motivadores para adoção de políticas de Renda Mínima, tais como: Ø Previsão levantada por vários estudos que evidenciam o baixo custo, em termos de montante de recursos, relativamente modestos, necessários para elevar, ao nível da linha de pobreza, o contingente populacional que se encontra abaixo desta; Ø Constatação da pouca eficácia dos programas sociais brasileiros, em termos da focalização sobre a população mais pobre, que apesar do elevado gasto social não vem alterando o quadro de pobreza, instituindo o ciclo vicioso do aumento da pobreza e conseqüente diminuição das possibilidades de o Estado financiar programas de enfrentamento da pobreza; Ø Possibilidade de maximização de recursos quando se dá a transferência monetária direta para o beneficiário, cabendo a este decidir como dispor de sua renda; Ø Sucesso das experiências pioneiras que vêm demonstrando a insustentabilidade da inviabilidade da Política de Renda Mínima. Em síntese, o crescimento do desemprego e a destituição de direitos sociais conquistados representam os eixos polarizadores da conjuntura que vem sustentando o debate e a prática da Política de Renda Mínima no Brasil. 2.2 Dimensões Quantitativas e Qualitativas da Política de Renda Mínima no Brasil: características e especificidades Uma análise dos programas brasileiros de Renda Mínima coloca as dimensões quantitativas e qualitativas das propostas e experiências como fundamentais para sua compreensão. Em termos quantitativos, a situação atual é revelada pelo seguinte quadro: 2 2 É importante ressaltar que esses são dados atualizados em dezembro de 1999, a partir de várias fontes, mas que, dada a dinâmica das informações com o surgimento freqüente de proposta e experiências e, as vezes, desativação de programas em execução, devem ser visto apenas como uma indicação da a realidade, sem pretensões de exatidão. www.ts.ucr.ac.cr 8 Ø São 03 as experiências nacionais em execução: o Benefício de Prestação Continuada - BPC, definido pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e destinado a pessoas idosas a partir de 65 anos de idade que, comprovadamente, vivam em famílias com renda per capita familiar de até um quarto do salário mínimo e a pessoas portadores de deficiências que vivam nas mesmas condições socioeconômicas; Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, instituído pelo governo federal e implementado em parceria com Estados e municípios e a sociedade civil, voltado para erradicação das piores formas de trabalho infantil nas zonas urbanas e rurais, possibilitando às crianças e adolescentes de 7 a 14 anos a freqüentarem e a permanecerem na escola mediante uma complementação mensal de renda às suas famílias; Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM3 destinado a apoiar iniciativas de municípios que apresentem renda tributária e familiar per capita inferiores às respectivas médias estaduais, sendo fixado para as famílias beneficiárias uma renda per capita inferior a meio salário mínimo e que tenham filhos menores de 0 a 14 anos. Esse Programa é financiado 50% pelo Governo Federal e 50% pelo município que é também o autor da proposta. É exigido que as famílias mantenham seus filhos de 7 a 14 anos na escola, recebendo para isso um benefício, em forma de transferência monetária nunca inferior a R$ 15,00 mensais por filho, além de ações sócio-educativas direcionadas às crianças. Ø São 18 as propostas estaduais, encontrando-se 5 em execução nos Estados do Amapá, do Amazonas, do Distrito Federal, do Mato Grosso do Sul e do Tocantins; 3 O PGRM do governo Federal, instituído em 10 de dezembro 1997, regulamentado em 1998 e só iniciada sua implementação em 1999, passou a ser denominado, a partir de novembro de 2000 de Programa Bolsa Escola. Situa-se no Ministério de Educação, mas é considerado um programa de assistência social. Até o início de 2001, mantinha convênio com 1.345 municípios, estando outros 1.097 aguardando serem atendidos ainda esse ano e até 2002. São 855.217 famílias e 1.681.343 crianças já atendidas, segundo informações da Folha de São Paulo de 04.01.2001. O valor médio do benefício é de R$ 38,00 por família. O Bolso-Escola começou a ser implementado em junho de 2001, tendo uma previsão de recursos na ordem de R$ 1,7 bilhão e duração prevista para 10 anos e pretensão de se constituir num programa universal, sendo atualmente considerado o principal programa social do governo Fernando Henrique Cardoso. www.ts.ucr.ac.cr 9 Ø São 108 as propostas municipais, estando 46 em execução, entre as quais em 10 capitais: Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Luís, São Paulo,Teresina, Vitória, além de 4 capitais atingidas pelos programas estaduais em execução: Macapá, Manaus, Campo Grande e Palmas. Ø O Estado que concentra mais propostas e experiências é São Paulo (59,9%), seguindo-se de Minas Gerais (11,3%), Paraná (5,6%), Rio de Janeiro (4,7%) e Santa Catarina (3,8%), o que significa uma concentração de 85,3% nos Estados mais desenvolvidos do país. Todavia, há que se registrar que propostas e experiências de Renda Mínima estão presentes em todas as regiões do país, em quase todos os Estados e na maioria das capitais; Ø Em termos de vinculação partidária, o Partido dos Trabalhadores - PT concentra 65,6% das iniciativas, seguido do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB (5,6%), Partido Socialista Brasileiro – PSB (4,8%), Partido Progressista Brasileiro – PPB (4,0% ) e outros. Em relação ao conteúdo qualitativo, qualificador das propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil, uma análise destas permitem identificarem-se certas tendências consideradas consensuais que têm servido para ir delineando as características e especificidades dessa política pública, destacando-se: Ø A Renda Mínima como uma política pública concebida no âmbito do direito à cidadania com perspectiva de estabelecer uma relação direta Estado/cidadão e possibilidade de contribuir para mudança nas práticas políticas e na democracia, pela perspectiva de superar o clientelismo e o uso eleitoreiro que têm marcado as políticas sociais brasileiras; Ø A Renda Mínima como uma política pública de inserção dos trabalhadores do mercado informal no Sistema de Proteção Social Brasileiro, tendo em vista a superação da cidadania regulada e as marcas meritocráticas que têm, historicamente, caracterizado esse Sistema; Ø A Renda Mínima como uma política pública para complementação de outras políticas (educação, saúde, trabalho), tendo em vista articular o traço www.ts.ucr.ac.cr 10 compensatório da transferência monetária, com mecanismos estruturais de médio e longo prazo, fazendo dessa Política um mecanismo para melhorar a distribuição da riqueza e para enfrentamento da pobreza. Essas idéias, que parecem representar “consenso”, têm como referências pressupostos que foram construídos ao longo da história da política social no Brasil: Ø Necessidade de assegurar um mínimo de subsistência aos pobres, com custo assimilável pela sociedade e sem desestimular o trabalho (pressuposto liberal); Ø Entendimento de que a organização da sociedade, em torno da produção, gera uma estrutura social de desigualdade, fazendo com que os indivíduos não nasçam com as mesmas características e tenham acesso às mesmas condições, cabendo ao Estado intervir para corrigir as distorções geradas (pressuposto liberal); Ø Inexistência de relação direta entre crescimento macroeconômico e bem-estar social, apesar de a riqueza ser produzida socialmente e em volume crescente, cabendo ao Estado intervir para a distribuição mais eqüitativa dos bens e serviços sociais, de modo a garantir a todos acesso a um padrão mínimo de dignidade (pressuposto distributivista). Há que se destacar que a inovação mais significativa que vem marcando as experiências de Renda Mínima em desenvolvimento, no Brasil, é a articulação de uma transferência monetária, direcionada à família, com a política de educação para crianças e jovens. A exigência de manter crianças na escola parece ser socialmente significativa e expressa a originalidade dessa Política. Esse movimento articula o enfrentamento da pobreza com a melhoria das condições educacionais das futuras gerações, fazendo da Renda Mínima uma política prófamília, pró -criança e pró-educação. Na busca de sistematizar elementos qualificadores que representam as características e especificidades da Política de Renda Mínima, no Brasil, a análise de projetos de leis, leis, decretos, regulamentos, portarias, manuais, relatórios e publicações diversas sobre as diferentes experiências e propostas de Renda Mínima, possibilitou a construção apresentada a seguir: www.ts.ucr.ac.cr 11 Características e Elementos Qualificadores Especificidades Articulação de uma transferência monetária para Centralidade famílias pobres com a política de educação para crianças e jovens. Originalidade Manutenção da criança na escola (antecedentes – “Beca Escuela”, Venezuela, 1989). Origem e Abrangência Predominância de propostas e experiências municipais, registrando-se também iniciativas estaduais e grande avanço das experiências nacionais. São variados e peculiares a cada programa, Objetivos referindo -se predominantemente a mudanças em situação de carência, educação, saúde e situação de risco de jovens e adolescentes. Unidade Beneficiária Família em extrema pobreza, tendo como público alvo principal crianças de 7 a 14 anos ou de 0 14 anos. Critérios Básicos Elegibilidade de Renda familiar ou per capita familiar; idade dos filhos; tempo de residência no Estado ou município. www.ts.ucr.ac.cr 12 Critérios de Prioridade Relativizam os critérios de elegibilidade, articulando renda com outras manifestações da pobreza. Benefício Principal Complementação monetária, tendo como referência um mínimo social e como corte uma Linha de Pobreza. Pode ser um valor diferencial (variável) ou fixo; o benefício é complementar à renda e a outros serviços sociais básicos. Benefícios Adicionais Encaminhamento de adultos da família para capacitação profissional, para o trabalho, para cursos de alfabetização e outros serviços sociais (creche, saúde, lazer, etc.). Freqüência das crianças de 7 a 14 anos à escola; Exigências/Contrapartidas atendimento regular da criança em posto de saúde, retirada de crianças das ruas; participação de adultos desempregados em treinamento profissional; participação do responsável pela família em reuniões educativas periódicas; inserção de adultos da família em atividades ocupacionais. Vinculações Institucionais Modelos tipo Campinas – PGRM são vinculados a Secretarias de Ação Social ou similares; Modelos tipo Brasília - Bolsa Escola são vinculados a Secretarias de Educação. Estratégias Implantação para Utilização de listas de beneficiários de programas já existentes; seleção de áreas pobres; cadastramentos de populações específicas; encaminhamentos de outros órgãos. www.ts.ucr.ac.cr 13 Financiamento Dotações orçamentárias dos Estados ou municípios, variando de 0,20% a 3% do orçamento anual, com predominância de 1%; outras fontes. No caso dos programas nacionais, recursos da União com complementação de Estados e municípios. Duração/Desligamento Fixação de um prazo inicial, predominantemente de um a dois anos, com possibilidade de uma ou mais renovações mediante avaliação das condições da família. Acompanhamento/Avaliação Monitoramento, avaliação da política; avaliação de processo; avaliação de impacto – durante ou após o desligamento das famílias beneficiárias. Resultados/Impactos Elevação de freqüência à escola e a postos de saúde; diminuição da evasão e repetência escolar; melhoria no rendimento escolar; diminuição da desnutrição; saíd a de crianças e jovens das ruas; elevação da auto -estima e confiança no futuro, porém são registrados ganhos modestos nas condições socioeconômicas das famílias. Por fim, nesse esforço de caracterização do que estou aqui denominando de programas de Renda Mínima, cuja característica qualificadora é ser uma política pública de transferência monetária a indivíduos ou a famílias, identificamse, no Brasil, dois tipos de iniciativas nesse mecanismo de complementação da renda familiar articulada à educação. Uma pautada nos modelos municipais adotados por Campinas/São Paulo, tipo Garantia de Renda Familiar Mínima e outra orientada pelo modelo de Brasília/Distrito Fedral tipo Bolsa-Escola, que têm se ampliado largamente, embora com adaptações e aperfeiçoamentos. Outro conjunto de iniciativas, na mesma lógica, é desenvolvido por fundações www.ts.ucr.ac.cr 14 municipais, governos estaduais e municipais, governo federal, entidades da sociedade civil e agências internacionais. Entre estas estão os programas cuja orientação explícita fundamental é o combate ao trabalho infantil, articulando dois componentes: bolsa-escola para famílias com crianças de 7 a 14 anos e profissionalização para famílias com jovens de 14 a 18 anos; o Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI, de iniciativa do Governo Federal e participação de Estados e municípios; o Programa “Pioneiros Mirins” do Governo do Estado de Tocantins; o Programa “Direito à Vida” do Governo do Estado do Amazonas, o Programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto Alegre (AMA RAL et al. 1998). 4 A partir dessa configuração quantitativa e qualitativa das experiências e propostas de Renda Mínima, no Brasil, é possível também serem identificadas questões centrais e aspectos considerados problemáticos para o desenvolvimento dessa Política nas perspectivas apontadas. 4 Entre os programas de combate ao trabalho infantil, destacam -se: o projeto “Combatendo o Trabalho Infantil” que envolve quatro subprojetos localizados nas cidades de Belo Horizonte, Salvador e Franca e em cinco municípios do Estado de Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma parceria entre a UNICEF com várias organizações locais, prefeituras, governo estadual, além de participação de ONGs, universidades, sindicatos, instituições religiosas e até do governo federal caso do Mato Grosso do Sul. Esse projeto tem como público alvo famílias de baixa renda com filhos de 7 a 14 anos, trabalhando em situação de grave risco social, sendo o benefício uma bolsa familiar de educação (auxílio financeiro), de valor variável e, complementarmente, é oferecida assistência familiar, qualificação profissional para adultos e capacitação de professores da rede escolar. A exigência é a saída da criança do trabalho para freqüentar a escola. O programa “Bolsa Criança Cidadã” concentra-se no Mato Grosso do Sul, Zona da Mata em Pernambuco e região do sisal na Bahia e visa também reduzir o trabalho infantil em carvoerias, no corte da cana e em plantação de sisal, concedendo auxílio monetário a famílias de baixa renda, com filhos de 7 a 14 anos, tendo como contrapartida tirar a criança do trabalho e levá-la para à escola. O programa “Pioneiros Mirins” do governo de Tocantins, iniciado em 1996, é direcionado para famílias com renda até dois salários mínimos, com filhos de 7 a 14 anos e que vivam há dois anos nos municípios atendidos, oferecendo uma bolsa de R$ 30,00, cesta básica e material escolar, além de quatro horas de reforço escolar e aulas de artesanato para as crianças que também recebem uma merenda nesse período. O programa “Direito à Vida” do governo do Amazonas e prefeitura de Manaus, iniciado em 1996, atende a famílias com renda até dois salários mínimos, com crianças de 0 a 17 anos, residindo no município há dois anos, sendo o benefício uma transferência monetária de R$ 30,00 para a família. O programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto Alegre, iniciado em 1997, se desenvolve em parcerias entre a prefeitura e empresas (Fundação ABRINQ), tendo como objetivo formar núcleos de apoio sócio-familiar à famílias com renda familiar per capita inferior a um salário mínimo e filhos até 17 anos, em situação de risco, sendo o benefício R$ 150,00 para as famílias, com exigência de as crianças freqüentarem escola, pré-escola ou outros equipamentos municipais (AMARAL, et al. 1998: 27-30). www.ts.ucr.ac.cr 15 2.3 Questões Centrais No presente estudo vem sendo possível a identificação de algumas questões centrais relacionadas com as experiências de Renda Mínima, no Brasil, que merecem ser consideradas e aprofundadas em estudos específicos: a) Renda Mínima enquanto política de enfrentamento à pobreza Nesse aspecto, há que se considerar que a causa fundamental da pobreza no Brasil é a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza socialmente produzida mais do que a inc apacidade de geração de renda. Entende-se que a redistribuição de renda requer FOCALIZAÇÃO, tanto nos ricos, cobrando mais destes, como nos pobres, redistribuindo renda para estes. Nesse sentido, qualquer política de enfrentamento à pobreza requer articulação com a política econômica; identificação dos pobres, separando os que têm condições de inserção no sistema produtivo dos que não o têm. Significa, portanto articulação de programas compensatórios com investimento social de médio e longo prazo. Ou seja , a prevenção da pobreza parece exigir ampliação da inserção da população jovem no sistema educacional, mas também demanda políticas sérias e articuladas de geração de emprego e de redistribuição de renda. Portando, só nesse contexto mais amplo é possível se visualizar a Política de Renda Mínima como efetivo mecanismo de enfrentamento da pobreza no Brasil. b) Renda Mínima, educação e trabalho infantil A educação e o trabalho infantil são, com a pobreza, identificados como aspectos centrais também justificadores da Política de Renda Mínima, no Brasil. A articulação de uma transferência monetária com a obrigatoriedade da inserção das crianças de famílias pobres no sistema educacional significa a www.ts.ucr.ac.cr 16 articulação de uma política compensatória, voltada para suavizar o imediato da pobreza, em curto prazo, com políticas estruturais, voltadas para reduzir a pobreza com interrupção do ciclo vicioso de sua reprodução a longo prazo. No caso da Política de Renda Mínima, no Brasil, esse elo é a educação que guarda estreita relação com oportunidades de trabalho e rendimentos auferidos no trabalho pelos adultos. Isso significa que a participação precoce da criança no mercado de trabalho, impossibilitando sua inserção no sistema educacional no presente, impossibilita a saída da pobreza de gerações futuras. Daí a proposição de que uma compensação financeira para cobrir os custos de oportunidade de rendimento que significa o trabalho infantil para famílias pobres, permitindo a ida das crianças à escola, pode significar um esforço de articulação de objetivos sociais de curto prazo com objetivos sociais de longo alcance para romper o ciclo reprodutor da pobreza. É importante ressaltar que, apesar da explícita relação da Política de Renda Mínima com a educação e com outras políticas sociais básicas, na maioria dos casos, as propostas não explicitam nem as experiências se direcionam para criar condições concretas para que essa articulação se efetive. Essa intencionalidade, para que seja materializada, requer que se priorizem e democratizem os programas e serviços sociais básicos, o que significa alterar o quadro conjuntural contemporâneo, dando lugar para que uma política econômica de crescimento econômico, de geração de emprego e de distribuição de renda seja articulada à política social. Não basta que a criança ou o jovem seja retirado da rua ou do trabalho precoce para ir à escola. É necessário que se tenha escola de boa qualidade para todos. Isto é, articular programas de Renda Mínima com serviços e programas sociais básicos, significa também elevar o padrão e democratizar esses programas e serviços para toda a população que deles necessitam. c) Renda Mínima enquanto mecanismo de focalização da população pobre Estudos avaliativos sobre as experiências de Renda Mínima, no Brasil, ressaltam que, via de regra, esses programas têm conseguido um nível de focalização superior ao que, historicamente, tem ocorrido com os programas www.ts.ucr.ac.cr 17 sociais brasileiros (URANI, 1999; SABÓIA; ROCHA 1998; NEPP; 1996). Todavia, a focalização parece vir significando tão somente concentração do programa sobre populações pobres, independente de quantos pobres, nas mesmas condições, são por eles atendidos. Nesse sentido, esses programas parecem mais estar fragmentado do que focalizando à pobreza, na medida em que, ao mesmo tempo em que atendem a famílias pobres de um determinado município ou Estado, um número de pobres, ainda maior, compartilhando as mesmas condições de vida, não tem acesso a esses programas. Portanto, nossa hipótese preliminar é que, comparando o número de famílias atendidas a partir de determinados critérios de elegibilidade, o que parece vir ocorrendo são, na maioria dos casos, programas de caráter simbólico, portanto, mais fragmentadores do que focalizadores da pobreza 5. Ademais, registram-se outros aspecto de excludência da pobreza pelos programas brasileiros de Renda Mínima, como: não atendimento a famílias com crianças de 0 a 7 anos de idade, restrição esta adotada pela maioria dos programas; introdução de critérios de prioridade, restritivos aos critéri os de elegibilidade, limitando ainda mais o número de famílias pobres com possibilidades de atendimento; exclusão de migrantes recentes; incapacidade financeira da grande maioria dos municípios para implantar ou expandir programas. d) Renda Mínima e Descentralização Os movimentos sociais da década de 80 colocaram na agenda pública a descentralização das políticas sociais enquanto condição fundamental para democratização e controle social de programas. Esse princípio é consagrado pela Constituição Federal de 1988 e incorporado pelo ideário neoliberal que se 5 Como apontado anteriormente, o Bolsa-Escola, programa do governo federal, que vem sendo implementado a partir de junho de 2001, se apresenta como um programa de alcance universal, devendo cobrir todas as crianças que vivam em famílias com renda per capita familiar de meio salário mínimo (em torno de US $ 35,00), com crianças matriculadas e freqüentando o ensino fundamental, entre 06 e 15 anos de idade. Essas famílias têm direito a um benefício de R$ 15,00 www.ts.ucr.ac.cr 18 hegemoniza, na sociedade brasileira, na década de 90, embora essa incorporação não tenha como pressuposto o ideário ético e político que orientou o movimento social progressista da década de 80. Para os neoliberais, descentralização significa muito mais uma possibilidade de transferência de responsabilidades da esfera do governo federal para os municípios, nem sempre acompanhada dos recursos necessários, ou até mesmo transferência de responsabilidades para a sociedade, sob justificativa das parcerias. De qualquer modo, a descentralização passou a representar um consenso em matéria de política social, implicando numa articulação entre as três esferas de governo: federal, estadual e municipal e destas com a sociedade. Funda-se na crítica do desenho e gerenciamento centralizados dos programas sociais que marcaram o período da ditadura militar; na heterogeneidade econômica, social e cultural que determinam as disparidades inter e intrarregionais que marcam o país e na necessidade de aproximar os serviços dos seus usuários para permitir acesso, participação e controle social. Sobressai-se, por conseguinte, a tendência a destacar a importância da esfera pública municipal, sendo, nesse contexto, que florescem a maioria das propostas e experiências de Renda Mínima, no Brasil, a partir de 1995. A descentralização é promissora quando coloca a possibilidade de participação ativa da população local nos programas sociais, como condição para democratizar o acesso da população e reduzir a fraude, que tem marcado muito esses programas. Todavia, pensar a descentralização na realidade brasileira é necessário explicitar os limites também presentes a essa prática. Entre estes, destacam-se a diversidade dos mais de 5 mil municípios brasileiros, na sua grande maioria municípios pequenos, com população inferior a 10 mil habitantes, vivendo praticamente com recursos do fundo de participação, transferido pelo governo federal; seus limites em termos materiais e de recursos humanos e, conseqüentemente, sua incapacidade gerencial. A isso, soma -se o cotidiano de uma prática administrativa marcada pelo patrimonialismo e uma prática política por criança, até o máximo de três filhos, totalizando R$ 45,00, o que eqüivale em torno de US $ 13,00, valor absolutamente insignificante. www.ts.ucr.ac.cr 19 marcada pelo clientelismo, além da fragilidade que marca a organização popular, limitando o poder de real participação e controle social sobre as ações municipais. No caso específico dos programas de Renda Mínima, a tendência de constituição e desenvolvimento desses programas, com ênfase nas municipalidades, como vem ocorrendo, têm evidenciado a concentração destes nos Estados e regiões mais desenvolvidas (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina), concentrando em torno de 85% das propostas e experiências brasileiras e como um dos critérios de elegibilidade é o tempo de residência da família no município, antes de instituído o programa, essa descentralização tende a agravar as disparidades regionais e aprofundar a dualidade social, o que se contrapõe ao discurso da cidadania e do enfrentamento da pobreza que orienta esses programas. É importante entender que a descentralização de programas sociais não invalida a definição de políticas nacionais, enquanto um conjunto de diretrizes gerais orientadoras das práticas descentralizadas e enquanto mecanismo de suporte financeiro dessas práticas, principalmente no caso de programas de Renda Mínima que não podem ser assumidos financeiramente pela grande maioria dos municípios brasileiros. Ademais, o enfrentamento da pobreza e o avanço educacional no país demandam políticas descentralizadas, mas orientadas por uma política nacional capaz de articular as três esferas de governo e a sociedade, de modo que essa política nacional seja delineadora de diretrizes gerais e de suporte financeiro e a implementação seja descentralizada, com liberdade para definição da população alvo, do cálculo do benefício e do controle sobre o programa. Esse entendimento coloca uma política nacional de Renda Mínima como questão central do debate. Além das questões centrais problematizadas, é importante considerar aspectos problemáticos e que precisam ser levados em conta para o avanço do debate e da prática da Renda Mínima, no Brasil, enquanto alternativa viável de política social. www.ts.ucr.ac.cr 20 O desenvolvimento de estudos sobre as experiências de Renda Mínima em curso, no Brasil, e uma análise da produção técnico-científica que vem se acumulando sobre essas experiências permitem o levantamento, mesmo que preliminar, de aspectos problemáticos e que precisam ser enfrentados para permitir o avanço do debate e da prática dessa política, merecendo destaque: Ø O próprio eixo central de caracterização da Política de Renda Mínima no Brasil – articulação da transferência monetária com a obrigatoriedade de freqüência à escola por parte dos filhos/dependentes de 7 a 14 anos das famílias beneficiárias não é um aspecto pacífico e nem tão simples, posto que a obrigatoriedade não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras gerações e, conseqüentemente, alterar a pobreza. Essa exigência implica na expansão, na democratização e na melhoria dos siste mas educacionais estaduais e municipais. Não basta a criança está matriculada e freqüentando a escola. O ensino precisa ser de boa qualidade e estar em consonância com às demandas da sociedade contemporânea. Esse não parece ser um aspecto explícito e perseguido pela maioria das propostas e experiências; Ø Além do aspecto acima, vêm sendo colocado, por técnicos responsáveis pela implementação dos programas, dificuldades enfrentadas para articulação com outros programas sociais em desenvolvimento. Esse aspecto é sentido principalmente quando do encaminhamento de pessoas das famílias beneficiárias para participarem de ações complementares aos programas, como encaminhamento a postos de saúde, a creches, a programas de capacitação ou intermediação de trabalho, etc. Tem sido verificado, com freqüência o não atendimento ou atendimento insatisfatório. Esse aspecto ilustra a necessidade de ampliação e democratização dos serviços sociais básicos como condição para o êxito dos programas de Renda Mínima; Ø Outro aspecto problemático diz respeito aos critérios de elegibilidade que vêm se consolidando a partir das propostas e experiências, principalmente no que diz respeito a dois deles: a renda e o tempo de residência. A renda por ser um indicador insuficiente www.ts.ucr.ac.cr para qualificar a pobreza enquanto fenômeno 21 multidimensional, embora seja um aspecto relevante, mas sobretudo, no caso, brasileiro, pela dificuldade de comprovação. Será sempre uma grande dificuldade levantar a renda com precisão quando a estrutura do mercado de trabalho é constituída, em grande parte, por ocupações autônomas, informais e instáveis. O tempo de residência, enquanto critério de inclusão/exclusão, é outro aspecto problemático pela conseqüência perversa de deixar de fora os imigrantes mais recentes, quando, na realidade, entre estes tende a se encontrar a maior concentração da pobreza; Ø Tempo de permanência das famílias beneficiárias nos programas e seu desligamento têm sido apontados como questões problemáticas relevantes. Cada programa fixa um tempo arbitrário, via de regra, de um ou dois anos, com possibilidade de renovação, para permanência das famílias nos programas. As questões que se colocam são: qual o tempo necessário para geração dos impactos desejados e fixados nos objetivos dos programas? Como pode se alcançar mudanças concretas em situações de insuficiência de renda, desemprego, educação e saúde em tão pouco tempo? As experiências em curso vêm evidenciando a complexidade desse aspecto e alguns programas têm procurado se ajustar a eles, como o caso do Programa Bolsa-Escola de Brasília que ampliou o tempo de permanência das famílias; outros, como o caso do Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima de Campinas, vêm limitando ainda mais a questão do tempo. Não foi construída uma referência para fixação desse tempo, que precisa ser centrada nos resultados previstos e desejados e nas condições concretas dos usuários dos programas, embora se saiba que a questão orçamentária precise ser considerada. A questão do tempo de permanência, por conseqüência, coloca a questão do desligamento que também vem sendo apontada como um aspecto nebuloso e criador de insatisfação. A necessidade de transparência, tanto nos critérios de elegibilidade como nos critérios para desligamento, parece ser consensual, sendo relevante um trabalho de preparação para esse desligamento, o que não deve ser confundido com esforço de convencimento do beneficiário face uma questão que precisa ser aceita enquanto inevitável; www.ts.ucr.ac.cr 22 Ø Os objetivos e alcances preconizados pelas propostas e experiências de Renda Mínima, dada a sua amplitude, podem ser apontados também como aspectos problemáticos na medida em que parece vir se identificando um grande distanciamento destes com o real construído e evidenciado nas avaliações de programas já divulgadas. Tem sido freqüente a indicação de que as experiências de Renda Mínima têm alcançado resultados positivos principalmente no que se refere à freqüência às aulas, evasão escolar, aprovação de uma série para outra, maior freqüência a postos de saúde, saída das crianças das ruas, retirada de crianças do exercício do trabalho infantil, elevação de auto -estima, principalmente das mães. Todavia, esses mudanças têm sido identificadas durante a permanência das famílias enquanto usuárias dos programas. A questão que se coloca é: até que ponto essas mudanças persistirão com o desligamento das famílias e durante quanto tempo? Essa avaliação ainda não vem se fazendo e é fundamental para dimensionar impactos reais de longa duração dos programas. Por outro lado, avaliações têm evidenciado o insignificante impacto dos programas de Renda Mínima no que se refere à inserção dos adultos das famílias beneficiárias no mercado de trabalho, o que pode ser atribuído às próprias características desses usuários (falta de instrução e qualificação), como vem sendo apontado por avaliações, mas, sobretudo, deve ser considerada a própria realidade do mercado de trabalho. O tempo ainda é insuficiente para que sejam identificados impactos ou não no que se refere a dois objetivos centrais da política de renda mínima no Brasil: alteração na situação educacional e redução da pobreza; Ø As colocações acima apontam como outro aspecto problemático para o prosseguimento dessa política a questão do monitoramento e avaliação dos programas. Embora possa se constatar certo interesse pelo desenvolvimento de avaliações, tanto internas como externas aos programas de Renda Mínima, em curso, talvez motivado pela novidade dessa Política e pela cultura que parece vir se instituindo sobre a necessidade de monitoramento e ava liação dos programas sociais, embora ainda se precise avançar na sistematicidade dessa prática, na continuidade dela e na definição do conteúdo relevante para www.ts.ucr.ac.cr 23 essas avaliações, como a necessidade de acompanhamento e avaliação de famílias desligadas para dimensionamento de impactos a médio e longo prazo; Ø Uma outra situação que parece já vir despontando como aspecto problemático a ser considerado é a questão da sustentabilidade dos programas, expressa pela expansão e continuidade, haja vista que a sustentabilidade, em termos de expansão e continuidade, tem sido um problema sério no desenvolvimento dos programas sociais no Brasil. Tem-se uma cultura de instituição de programas sociais muito mais como um símbolo ou engodo do que como alternativa de enfrentamento de uma questão social, ficando restritos a poucos e servindo muito mais para fragmentar a pobreza e dividir os pobres. Embora se esteja falando de um pequeno espaço de tempo, cerca de cinco anos, temse verificado a limitada expansão dos programas no decorrer do tempo, com algumas exceções como o Bolsa-Escola de Brasília que tem superado a meta inicial6, outros têm sido suspensos ou paralizados (caso de Santos, Sertãozinho e Tocantins), ou não têm atingido mesmo a meta inicialmente fixada (caso de Campinas), outros ainda foram criados, mas apresentam um número simbólico de atendimentos, como visto em quadro anterior. Ainda em termos da sustentabilidade, alguns programas podem também ser comprometidos na medida em que os prefeitos ou governadores que os implantaram findam seus mandatos, haja vista a política de descontinuidade que marca a administração pública brasileira em todos os níveis; Ø A incapacidade de financiamento dos programas deve também ser vista como um aspecto problemático das experiências de Renda Mínima no Brasil, principalmente se considerarmos que a tendência mais marcante tem sido um maior número de experiências de iniciativa municipal e que a grande maioria dos municípios brasileiros não tem possibilidade de custear tais programas. A questão das possibilidades de financiamento está estritamente vinculada ao 6 Convém registrar que o Programa Bolsa-Escola de Brasília, talvez a experiência melhor sucedida, está em desaceleração desde que assumiu o Governo do Distrito Federal Joaquim Roriz, com a não reeleição de Cristóvam Buarque, idealizador do Programa e grande defensor da Política de Renda Mínima. www.ts.ucr.ac.cr 24 aspecto da sustentabilidade dos programas. É importante ressaltar que a questão do financiamento implica, necessariamente, em dois aspectos: vontade política de assumir tais programas e efetivação de uma política nacional de apoio financeiro do governo federal aos municípios, conforme a situação de cada um. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS As experiências de Renda Mínima, no Brasil, pelo seu caráter recente, apesar de indicarem uma nova possibilidade de política social, desde que mantenham e aprofundem sua dimensão polarizadora de pré -condição para o acesso de outras políticas econômicas e sociais e, de fato, se transformem no eixo articulador de uma política coordenada de enfrentamento da pobreza, ainda colocam mais dúvidas que certezas. Uma questão central, nesse aspecto, é quanto à abrangência dessa política. Deve ser uma política local, regional ou nacional? O importante é considerar a magnitude do mercado de trabalho informal, a heterogeneidade espacial; as estruturas burocráticas com tradição de gerenciamento personalista e concentrador; as relações políticas corporativas e clientelista; as marcas meritocráticas do nosso Sistema de Proteção Social; a debilidade da organização popular que não consegue pressionar o suficiente para constituição de uma cidadania social. Ademais, uma Política de Renda Mínima precisa considerar questões centrais já apontadas pelas experiências em curso, como: Ø Necessidade da fixação de mínimos sociais, de acordo com cada realidade, de modo a permitir objetividade na determinação do montante do benefício; Ø Necessidade de inclusão da faixa etária de 0 a 7 anos, considerando ser esse o período apontado como mais relevante para a formação do indivíduo saudável; Ø Manutenção da família como unidade básica para atribuição do benefício; Ø Efetiva articulação da transferência monetária com outras políticas sociais e econômicas básicas, como educação, saúde e trabalho, o que significa www.ts.ucr.ac.cr 25 expandir e democratizar essas políticas e desenvolver ações complementares para propiciar a autonomia das famílias; Ø Desenvolvimento de um conjunto de serviços essenciais ao desenvolvimento humano, com provisão, cobertura e qualidade desses serviços; Ø Universalização dos programas ao público alvo identificado através de critérios de focalização transparentes em relação à sociedade e aos beneficiários, ficando claro porque entram e porque saem; Ø Monitoramento do processo de desenvolvimento dos programas, tendo em visto identificar distorções e problemas e proceder correções, bem como avaliação das populações beneficiárias e dos egressos dos programas para identificação de impactos. Finalmente, há que se destacar o consenso que vem se consolidando em torno da necessidade da participação do governo federal no financiamento de programas de Renda Mínima, considerando a desigualdade das condições financeiras das regiões. Esse aspecto é mais convincente quando se considera que as regiões que têm menos condição de assumir o financiamento de programas dessa natureza são aquelas que concentram maior proporção de famílias pobres. 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS AMARAL, Carlos. Programas de renda mínima e bolsa -escola: concepção, gestão e financiamento. Planejamento e Políticas Públicas. Brasília: IPEA, v. 17, 1998. ATKINSON, Anthony B. Public economics in action. The basic income/flat tax proposal. Oxford: Oxford University Press, 1995. BRESSON, Yoland. L’aprés salariat: une nouvelle approche de l’économie. 2ed. Paris: Economica, 1993. BRITTAN, Samuel. Capitalism with a human face. Aldershot: Edward Elgar, 1995. CAMARGO, J. M. Os miseráveis. Folha de São Paulo . 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